- forjadoou sonhado e cria mitos que não dizem respeito a ... · iteserva-se à pesquisa futura a...

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^ ^:uiar onentoda para o futuro, a idéia do progresso, a esca- tologia no senbdo da espiral dialética de Kant e Hegel. A res- -. posta a pergunta "com que fim?" não se leva em conta prin cipalmente em Spitteler que, como Nietzsche, acentua a total - falta de objetivo para a existência. O reaparecimento de -um autêntico estilo épico não está intrinsecamente ligado a isso? v/ mundo que cerca o poeta seguramente não abdica da con dição de seu tempo. Assim a epopéia que surge não pode, tam bém, encontrar pontos de contato com êle. Na mais brusca oposição a Homero, Spitteler constrói um mundo de beleza - forjadoou sonhado e cria mitos que não dizem respeito a nenhum círculo e muito menos a um povo qualquer. Nesses mitos, entretanto, êle ainda não pode prescindir de nomes - características de deuses gregos, o que prova com máxima cla reza a carência de fundamentação para uma poesia realmente épica em nossos tempos. iteserva-se à pesquisa futura a tarefa de explorar con venientemente esses indícios históricos. Aqui eles se prestam apenas ao reconhecimento de Homero, à opinião de que a poesia'épica no sentido homérico não pode repetir-se. O pró prio fenomêrío épico permanece, sem-fevíalrtoníeYvado em toda poesia como fundamento imprescindível. Mesmo o lírico encontra palavras, porque o épico as pronunciara antes (veja-se pag. 162). Sobretudo o dramático constrói-se sobre „p terreno firme do épico. afcts; t_*\'.4_*J i~) *\Ç ESTILO DRAMÁTICO: A TENSÃO '0 Entendidos em arte poética costumam inferir a essência do estilo dramá^cj)jje_ju£^^pj^ção_ou^ não ao palco, e man têm a esperança de podêTõnentar e mesmo incentivar escrito res nesse campo, que ficou claro que nem a teoria-da Épica e menos ainda a da Lírica oferecem utilidade prática. Não há dúvida que todo escritor que pensa em criar peças para teatro precisa ter conhecimento exato das possibilidades do palco; e que a orientação de alguém experiente facilita consideravel mente seu caminho. Apenas fica aqui a ressalva de que palco se presta igualmente aos mais diversos gêneros literários. Uma peça social moderna, construída totalmente em diálogo, não se adapta menos ao palco que uma ópera barroca, em que a palavra tem papel secundário. A apresentação de uma festi vidade nacional com quadros vivos ou uma tragédia de Sófocles conseguem êxito em ambientes semelhantes. Entretanto nin guém ousaria chamar a tudo isso sem distinção de "dramático", apesar de estar fora de dúvidas sua possibilidade de encenação. Por outro lado,^xiste uma criação dramática dejahonlxeljque não_s^jr£alua>_nèm_se_cIeit^^ como por exemplo as nOTdas^_mesmo_alguns_dra^mas_de Heinrich von Kleist nos quais a história não tem o necessário caráter de espetáculo. "Tg?tral" e ''dramático" não significam, portanto, o mesmo. Contudo, a negação de interdependência dos dois conceitos viria contrariar toda a terminologia tradicional. Seria, então, aconselhável explicar essa relação dizendo que o dramáücQ_não tem que ser compreendido a partir de sua adaptação ao palco.

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Page 1: - forjadoou sonhado e cria mitos que não dizem respeito a ... · iteserva-se à pesquisa futura a tarefa de explorar con venientemente esses indícios históricos. Aqui eles se prestam

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^:uiar onentoda para o futuro, a idéia do progresso, a esca-tologia no senbdo da espiral dialética de Kant e Hegel. Ares-

-. posta a pergunta "com que fim?" não se leva em conta principalmente em Spitteler que, como Nietzsche, acentua a total

- falta de objetivo para a existência. O reaparecimento de -umautêntico estilo épico não está intrinsecamente ligado a isso?v/ mundo que cerca o poeta seguramente não abdica da condição de seu tempo. Assim a epopéia que surge não pode, também, encontrar pontos de contato com êle. Na mais bruscaoposição a Homero, Spitteler constrói um mundo de beleza

- forjadoou sonhado e cria mitos que não dizem respeito anenhum círculo e muito menos a um povo qualquer. Nessesmitos, entretanto, êle ainda não pode prescindir de nomes -características de deuses gregos, o que prova com máxima clareza a carência de fundamentação para uma poesia realmenteépica em nossos tempos.

iteserva-se à pesquisa futura a tarefa de explorar convenientemente esses indícios históricos. Aqui eles se prestamapenas ao reconhecimento de Homero, à opinião de que apoesia'épica no sentido homérico não pode repetir-se. O próprio fenomêrío épico permanece, sem-fevíalrtoníeYvado emtoda poesia como fundamento imprescindível. Mesmo o líricosó encontra palavras, porque o épico as pronunciara antes(veja-se pag. 162). Sobretudo o dramático constrói-se sobre

„p terreno firme do épico. •

afcts; t_*\'.4_*J i~) *\Ç

ESTILO DRAMÁTICO: A TENSÃO'0

Entendidos em arte poética costumam inferir a essênciado estilo dramá^cj)jje_ju£^^pj^ção_ou^ não ao palco, e mantêm a esperança de podêTõnentar e mesmo incentivar escritores nesse campo, já que ficou claro que nem a teoria-da Épicae menos ainda a da Lírica oferecem utilidade prática. Não hádúvida que todo escritor que pensa em criar peças para teatroprecisa ter conhecimento exato das possibilidades do palco; eque a orientação de alguém experiente facilita consideravelmente seu caminho. Apenas fica aqui a ressalva de quepalco se presta igualmente aos mais diversos gêneros literários.Uma peça social moderna, construída totalmente em diálogo,não se adapta menos ao palco que uma ópera barroca, em quea palavra tem papel secundário. A apresentação de uma festividade nacional com quadros vivos ou uma tragédia de Sófoclesconseguem êxito em ambientes semelhantes. Entretanto ninguém ousaria chamar a tudo isso sem distinção de "dramático",apesar de estar fora de dúvidas sua possibilidade de encenação.Por outro lado,^xiste uma criação dramática dejahonlxeljquenão_s^jr£alua>_nèm_se_cIeit^^ como por exemplo asnOTdas^_mesmo_alguns_dra^mas_de Heinrich von Kleist nosquais a história não tem o necessário caráter de espetáculo."Tg?tral" e ''dramático" não significam, portanto, o mesmo.Contudo, a negação de interdependência dos dois conceitosviria contrariar toda a terminologia tradicional. Seria, então,aconselhável explicar essa relação dizendo que o dramáücQ_nãotem que ser compreendido a partir de sua adaptação ao palco.

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, e sim que a instituição histórica do palco decorre da essência*do estilo dramático? Um enfoque fenomenológico só permite

* ' essa interpretação. O palco foi, realmente, criado segundo oespírito da obra dramática, como único_instrumento que seadaptava aoJiôyo gênero poético. Mas uma vez existente, essemesmo instrumento pode servir a outras formas de criação etem sido utilizado das maneiras mais diversas através dos tempos. Procuraremps tornar isso mais claro adiante. Aqui pretendo apenas explicar porque o capítulo não começa com opalco mas, apesar de estar sempre em contato com o drama,ocupa-se inicialmente ~de duas expressões do estilo de tensão —o pafhos e o problema —que tamljé^rtipra do palco são ambos

' possíveis e legítimos.

9C

V A linguagem do pathos^ confunde-se, facilmente, com alinguagem lírica. Tanto o êxtase lírico "cõmõ" igualmente oarrebatamentò patético podem fazer alguém, solitário, "deixarescapar palavras espontâneas, ou mesmo simples balbucios.O clímax do pathos em um drama pode vir a transformarãoverso regular do diálogo em construções •Dêm~TTlaTs-roTrr|5Ííca-'das, q"ue aparentemente quase não se diferenciam de estrofes"líricas, como acontece nos "comas" de Sófocles e em algunsmonólogos de Corneílle. Assim como o autor lírico faz diluira frase em fragmentos, às vezes mesmo em palavras isoladas., opatético quebra freqüentemente concordâncias gramaticais, evai direto de um ponto alto a outro em "seu discursõT

Õ pasãn keina pléon améraelthoüs' echthísta dé moi;õ nyx, õ deípnon arréton

ekpagl' áchthe;?

Ó dor, aquele dia rompeu para mim,inimigo maior que os outros todos!noite de festim inenarrável,sofrimentos terríveis!

(Sófocles, Electra 201,4)

"Père, maitresse, honneur, amour,Noble et dure contrainte, aimable tyrannie. . ."

(Corneille, Cid 1,3)

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T\

\

"A jovem me pertence! eu, seu deus há pouco, agora seudemônio! Eternamente torturados com o suplício da perdição;olhos arraigando-se em outros olhos, cabelos de pé contracabelos e até nossos gemidos -vazios a ecoar juntos! E entãorepetir meus carinhos e decantar-lhe as próprias juras. Deus,ó Deus- (Schiller, Intriga e Amor IV, 4)'

O pathos foi assim, não raras vezes considerado como gênero lírico, até certo ponto com razão: pois que o patético ealírico transformam-se, com freqüência, um no outro, surgindodaí uma nova harmonia, a ode,"6 que cria uma tensão todaparticular.

Já tendo chegado a uma noção de lírico tão pura quantopossível, somos forçados agora a reconhecer o patético como"gênero especial. Num todo objetivo, uma imposição dessa na-ÍHI£L%_ló._.n,°A.P0de parecer racional e de bom"gosto.

Começamos aqui examinando o uso de termo. Nos dicionários encontramos pathos traduzido por "vivência, dpsyr^ça.sofrimento, paixão" e muitas outras expressões Cícero opina «Tque a palavra significa literalmente "morbus" (doença). masprefere usar a expressão mais moderna "perturbado" (pertur

bação) • Diss° não concluímos nada. Sabemos que uma desgraça pode suscitar cenas patéticas num drama e que a paixãoi_geralmente expressa por palavras e gestos patéticos. Mas nãoé patética a paixão do Tasso de Goethe, e a desgraça do carroceiro Henschel de Hauptmann prende justamente pelo seuestilo não patético.

Aristóteles pode vir em nosso auxílio: na Ética a Nicômacoa alma humana é dividida em páthe, dynámeis e héxeis. A pa~.tética compreende as "paixões", no sentido mais geral da palavra. O homem é movido por paixões. É por isso que Aristóteles em sua Retórica (T. 7) exige de um bom discurso queseja fiel ao tema, apropriadõàs circunstâncias e, além dissõT"patético", isto é, atue sobre as paixões, dominando- o homem.Aí também já se sugere a possibilidade do pathos vazio: "Os"ouvintes participam do pathos (synomoiopatheín) do oradorpatético, mesmo quando este não diz^nada. É assim que muitosconquistam a assembléia apenas pelo tom".

46. Compare-se E. Staiger, Obras Primas da Língua Alemã, Zurique, 1943, págs. 23-24.

47. De flnibus bonorum et malorum 111,10.

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í • - a™ exPr«sao moderna tem portanto outro sentido que nãoí ••"''' a ?r-ga' ErçtggdgmoLÇgnLP termo frzfÃoj não r.nm a própria

S paiXa°' ,C°"™^^^^^]• ge esclarecimento Ma^i^feãSg^gnte a^e^Jg:

Jgyem linça. Já notamos queTisle^^dtfc^e^ã^.podem prestar serviço, pois consideram ^ato"-lógico tudo que

j* comove ou que de algum modo perturba oespfrko Saí nãoterem necessidade de fazer a distinção entre Líricah?ath <

r .

!• derre^SiS16^ H™ desCOntrai <Pág- 66). Falamos doSnda fíuld, ÍS %derrama-se em nosso íntimo como subs-• ^2 ernt °,° qUC CStaVa firme> Ievand° nossa" exis-tMiajm_seu_çurso. _A_ação..quase não se nota" é interioT-

nao existe essa compreensão, a ação se perde, desaparece.•;^i-ãcãç1_do_£aíAp5, ao contrário, não é tão "discreta Pres

.^^^irp^ima^e^s^cia -. chõqSTbnSc^ im^"' 2£rica7e^T^^^—C(>rnJin^0- P-ticularidadSPt' " 1ÍS explicam-se, assim, a partir dessa nova situação O

^~g=TSPLS!LSp-ointimo; tem muitas veTq^^«^«Lgravado__a..força. O contexto daTrãsê""não se â\h,\omriçamente ^o^u^^^^rs^^^lconcentra-se em palavras sôkalTa exemplo das parakopá paraphorá, phrenoplanés das Eumênides de Ésquüo 7/1'nól^o de D. Diego no ,.Cid,, ddxa q cs ou do mo-

,. ortografia COm QUSQ dos mos ^ ^8 ^2totalmente avesso ao lírico: sentido

'. "O rage! o désespoir! o vieillesse ennemie!" (I, 4)-Do mesmo modo, a repetição aqui não traduz a esoera

Ibgalaarmae tlT^™ *? er™e-° Apalavra, que Seráetfíço íntimo: °^^ <̂ ^ Cada VCZ ~ ^

"Rome, 1'unique objet de mon ressentiment!Kome, a qui vient ton bras immoler mon amant!

.,. Kome, qui t'a vu naitre, et que ton coeur adore!Kome enfin que je hais parce qu'elle fhonore!"

(Corneille, Horace VI, 5)122

. fnflm o^bjgtivo_do_jjtmp mais complicado no fiathosJ^o±çop^ixM^_çwa^^Bo^ojiniS^^ sim punfícara atmostera_çomjgançadasjudes como as de umTIeinksTad,.T^yphius, que quase nunca atingiu um tonTTíncõTéMSSrXendente a esse respeito, como no monólogo de desespero darainha Juha em "Papiniano": ^

"Gõtter! schaut ihr dieses an!Schaut ihr und mõgt ruhig sitzen?Ist kein Strahl der treffen kan?

MtzeT Íhr CUCh nUf UmSOnSt mit den Donner-schwangernOder tragt ihr eure Pfeil' auf die Laster-losen Eichen?Oder kan dis Mord-Geschrey nicht an eur Gehõre reichen? '

O Weh!

O Ach!

Heilge Themis! Rach! O Rach!Heilge Themis, wo du nichtVor gekrõnte taub und blind;Wo noch iemand Urthel spricht;Wo noch eine Straffen sind;Blitze! verheere! zustõre! verbrenne!Wüte! verderbe! verwüste! zutrenne!

Reiss alie Grundfest um, auf die der Morder baut!Zuschmetter was ihn schützt! zustoss auf was er traut!"

(II, V. 311 e segs.)

"Deuses, olhai isso!

Olhais e continuais sentados calmamente?Não há raios capazes de atingir?Armai-vos em vão com raios trovejantes,ou tendes os arcos contra carvalhos sem culpaou será que esse grito dilacerante não chega a'vossos ouvidos?

ó dor

ó dor

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3*1•i**.

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Santa Temis! Vingança! Vingança!Santa Temis se não estásmuda e surda para monarcas,se ainda há alguém "que saiba condenarse ainda há algum Deus para os rijosíulmina! assola! estorva! queima!odeia! destrói! devasta! aparta!

demove todo alicerce sobre o qual o assassino constróiarremessa longe o que o protege! golpeia tudo em que êleconíia! (II, V. 311 e segs.)

Não se pode deixar de reconhecer quão proposital é amúsica desses versos. Raro é o leitor que-será capaz de reproduzi-los imediatamente sem qualquer embate. Êle terá quereparar se o verso começa ou não com tésis e terá que passarconscientemente dos troqueus aos dáctilos e dos dáctilos aosiambos. Isso prova que o poeta aqui violenta o verso e o fazvoluntariamente.

Aqui fica claro que a fala patética, de novo ao contrárioda lírica, pressupõe_ajgo^ra_de_ji,^uína assistência. Diferenteda linguagem épica, a patética não queTTêcõnKècèr esse algo,e procura suprimi-lo, quer deixando o orador conquistar oouvinte, quer abatendo o mesmo ouvinte pela violência dodiscurso. No drama "Tell", as palavras de Stauffacher noRütli conseguem provocar grande emoção, entre os camponeses que, de pé, puxam das espadas e repetem juntamente como orador:

"Defendemos nossa terra e nossos filhos."

Um synomoiopathein perfeito como poucos.

Mesmo quando alguém sozinho expressa-se pateticamente—^monóIogo_jiejrm herói trágico"/os versos filosóficos deSchiiler, ou como em Gryphius, o próprio poeta expondo suaopinião, —.Jiá_sempre uma_ presença_objetiya (Gegenüber),não apenas porque-esses versos exigem recitação frente a umpúblico, mas, o que é mais decisivo, porque o orador nesses

^asos_dirige-se3_si_me^nip_eiJmrjetng^amente blasfema contra_mi_procura persuadir-se da subcondição de sua~"èxistência nomundo. ' ~ ....—

Qualquer ouvinte sofre o impacto de um discurso patético. Mas quando o pathos é autêntico, contagia o próprio

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orador. Não me refiro a uma situação insolúvel, como porexemplo o perigo que ameaça a pátria para Stauffacher ou amorte do filho que abala Júlia em "Papiniano". Tais sofri.mentos dispensariam o pathos, pois saberiam atuar pela melancolia, "dispor" o homem melancòlicamente. Além disso, nãoexiste apenas o pathosjlador, mas_também o^dq^prazer, como~õ de^íTescõ^ínebTiãdo a contemplar Gênova, ou de~Electra aoconseguir a almejada vingança. A impetuosidade que se apodera de Stauffacher como orador patético, e que se transfereà multidão, é a liberdade; a impetuosidade que contagia Júliaé a justiça e Fiesco é levado ao patético pelo poder.

Pode-se estranhar essa referência a conceitos tão concretoscomo simples impetuosidade. Isso é aceitável até certo pontono caso do amor, da ambição; mas liberdade, direito, verdadeparecem-nos antes pensamentos que o homem adota refleti-damente e que depois, então, defende "com" paixão. Consideramos, ao contrário, como impetuosidade algo nascido da vontade, que só mais tarde vem residir no pensamento. Mas essavontade em potência, sem finalidade clara e que só aos poucosvai tornando-se disponível, não existe. A vontade é o próprioímpeto daquilo que virá a realizar-se. Apenas por isso é queela pode tornar-se eficaz, mesmo antes do conhecimento dosobjetivos. Às vezes, há a princípio apenas uma certeza: a situação atual não se pode manter, deverá ser substituída poroutra. Qual? Não se sabe ainda. Apenas mais tarde reconhece-se o objetivo e coloca-se um ideal claramente esboçado emsubstituição à vida real. ,^xJ .-/ o -.' ;-• '-)

Portanto, é até possível que o pathos venha a acender-seem decorrência de urri*=ideal, mas êle independe da mediaçãodesse ideal. É uma cgmoçãd» espontânea, sem necessidade_dec^nscienuza^ão_de .su_a_órrgem ou finalidade. Mas tem tantoongtm, como objetivo, o quejião acomece com o~ãrrêb"ata-mento lírico. jP_jipjTiem__patéjico_é_jgyado_pelp _que~dêvê~ser.e seu arrebatamento investe contra o siatus quo.

Não é possível, nem há necessidade de examinarmos aesse respeito todas as grandes cenas de pathos. O pathos dodiscurso político enquadra-se aqui sem._majs_problemas. JOpathos da dor parece sem forças, mas abrange tanto o momèn^l_p_em_queo próprio Eêrói e os que o cercam reconhecem oterriveT^õ^fn^toTTõmc) "também o grau de consciência/ quecarna essa dor. Senão, qual o sentido da impaciência de' An-

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tígona e dos gritos de Filoctetes? Os príncipes das tragédiasbarrocas são a personificação da pretensão patética, subjugando seu meio e evocando para isso a origem divina de seuspodêres.

O status quo está sempre aquém daquilo que move opathos. Dito de outro modo, o pathos é nobre. ,A_grandeza o

J^racteriza. Fala-se do pathos^rê[é^cü7'~ F.mrpfam^ enquanto^ comumente podemos alternar os conceitos "elevado"e "profundo" e dizer por exemplo isso é por demais elevado para mim, pois é profundo demais, não é possível falardo pathos profundo. E a expressão "baixo" pathos não fazsentido nenhum. Para criticarmos uma fala patética, taxamo-lade pretenciosa, denunciando assim, de sua parte, certa ilegítima aspiração à grandeza. Mas não nos libertamos do conceitode grandeza. Daí advém a vantagem do autor que eleva socialmente seus personagens. Isso, entretanto, não é imprescindível. No drama revolucionário, um camponês ou um operário são também^ capazes do pathos. A grandeza reside^apenasno_ estar adiante". A altitude até então"vazia e infinita é aimagem esquemática da área do futuro como o chão em quepisamos é a do passado. Até_ certo ponto pode-se, pois^censu-rar o pathos como vazio. Principalmente em^comparãção com_aJ^düsposi^o^nfimica^ lírica,_semprej^realizada, o paiKoTpR.rece_yazío, pois aqui a emoção decorre de algo que aindanão é.

Mas_o que ainda não é deve vir a ser. Estudo leva a isso:._o_njmo Jogqsqjlecorrente da tensão entre_o presente_e_q. fu-^°lJ^?ÍP?5^^ ^ asPa^!_Su^_inol^ram õ" vazio do inexistente como vácuo emque^_é_absorvidpj>; statuf_qu~o~a"jitüação V serjmudada. Até aselipses gramaticais têm aqui um sentido. exato: "Dor!" querdizer: é dor!; no lamento de Electra, "aquele dia" significafoi aquele dia, e quando Ferdinando imagina seu destino e oda amada, êle quer dizer: seremos "eternamente torturadoscom o suplício da perdição". A forma do verbo "ser", quefalta às frases, subentende-se do próprio pathos, como realidade da consciência, apenas ainda não alcançada pela linguagem.

Além da língua, também_os_gestos integram a expressão.patética. Qs_braços estirados aos céus parecem elevar ó homemjicima de sua condição terrena, e carregam de força a emoção.Stauffacher esclarece o sentido de tal gesto:

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I

i

V

Q{:} "quando o peso se torna insuportável,^ êle avança confiante em direção ao céu

e traz para a terra seus direitos eternos".

Antígona recorre igualmente à legislação dos deuses.Medfia ou~Hécuba, dilacerada de dor, ao levantar õTpraçosg_êsTregar as mãosTquer trazer à terra algo que_TTãn_£nrnntranem sabe oi que é. Não_dejçonfja o que pode vir a ser. Mh»já_a comoyeJaJôrça_do que vai desencatear-j«_dc^campodo

J30ssÍYeL Seu gestoaSèmêlha-se.^ãssim, a uma prece fervorosa.

- « H£ge^_patéticosju^_s^^ri^m_^o_^s^çtador: a mão3 que a^scrêvêTiofizõntãlmente uma curva à altura do busto do

ator sugere espaço com algum objetivo; dedos ou pulsos cerrados captam o conceito como uma coisa e trazem-no forçosamente para o mundo existente. Quem fala e gesticula destamaneira não pode colocar-se como um simples narrador entreouvintes. Terá. que estar de algummodo separado_j>uldjferen-ciadq_deles, quer em um estrado, quer usando máscara e co-turno, ou fazendo tremer o público de sobre uma plataforma.

<_0_esjtiloj3aié^ojexige, conseqüentemente, um palco qual-cmer, mesmo que seja simplesmente uma tribunaT Jà o pnmèi-

4 io homem que subiu a uma pedra, ou a uma elevação paraA , talar a algumas pessoas e mostrar-lhes que estava adiante ou

* mais avançado que eles, preparava o palco. A ribalta, ou outra'4 5 elevaÇao, dissipa qualquer engano de que haja um mesmo-* -^nível entre orador e ouvinte, quando aquele toma a palavra.*> Deixa visivelmente claro o quanto o ouvinte indolente terá.V- <j ainda que se elevar para alcançar o orador, ativando assim a

jh força patética. Portanto, quandp^dramaturgos modernos ten-9 3 tan?JuPrimir a ribalta,_mqstr_am que lhes falta osemjdo_do_pa-XÍ ^tético,que_ esperam. do..jeatro_algo..diferejite»ltaivez_rfeitos£ líricos ou espetáculos épicos. Entretanto, mesmo desse modo,i <t podem ainda surgir peças para o palco, e com certas vanta-( gens sobre a obra patética, como nuance psicológica na mímica

e na voz, ou ligeiras insinuações no diálogo. Tudo isso numpalco elevado perde muito de seu efeito, tanto mais quantomaior a elevação.

O "Tasso" de Goethe, os dramas de Ibsen são peças decâmera, para salas pequenas de espetáculo. Quando a ribaltapor pequena que seja a elevação, é usada nesses casos, tem'outro valor estilístico: a separação entre o mundo da aparência artística e o da realidade. Por essa razão, seu papel não

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pode ser enfatizado. O mimo patético, ao contrário, .procurajJar ênfase à ribalta. 'S^JxííilJl tjmiq^aio^^^^tida~aquelljeparaçâo, quanto mais_amplo o mundo pfo-fano_d.n público Êle não ternnã^la~TpêTaer,'póís o herói paté-UçojTão_i_caracterizado psicologicamente. O_jba^o^omina-opor completo. A_dorJL_aJé, a ambição são tremendamente"simples e planas, e des7rõèmlüdo_que aalma jp^deria_ericõbrir. O'ffõgjõrcònsome a individualidade'. Quem foi arrebatado" porêle, desconhece a singularidade de sua existência: Stauffacherno Rütli supera de longe o aburguesado von Steinen que lamenta a própria sorte. Polyeucte não se preocupa com o lar,nem com sua existência privada, mas quer apenas morrer comotestemunha da fé cristã. Sófocles coloca, sem sombras de dúvida,o_homem patético ao lado do sensato eJErio: Iim£nia_e_jCri-sóstemis preocupam-se igualmente com suas origens, sexo c.yjiliisrabilid.ade. EIe£tra_e_Antígona são totalmente desprovi-dasjle__ejjmipj^os_^ para seus objetivos. ""

. Tudo isso pode parecer inverossímil e podemos lamentaro desprezo da brilhante profundidade do homem aqui quasesempre posta em dúvida. Mas não_se__trata_aqui do real e simdojiuejmá_a_sçr. Se_a^tentativa de modificação do 'status quo,_«rá_não_só_ela^mastudodirqüêrse serv^que_ser do mesmõ~"modo inverossímil,n^türãlmêlTtF^êirtFo de limites que não escapem à capacidadede percepção do homem. Osjreróis patéticos parecemjrreaisãtfj^úbliço^ aos_outros_Eejsqnagens_ do_dramâ7e~ãté~a_si.Jnes-jnos. Andg^^^n£u^o^nã^sej:ompara_com outrasvirgenstebanas^jnas com Niobe, que viroli''pedra^"r>~^1to3^_5JÍpn"'Em Lessing Marwood apresenta-se como "uma nova Medéí?'.À.altura de sua consciência situam-se apenas as grandes figuras mitológicas do pathos.

- ^Jieró[_patético éjncondicionado. As_ coisas, as circunstâncias, o meio, a atmosfera rejmãnrp~nãn o alingemTlnèxis-.tem totalmente para êle, como para"o própnõ^utbrTNã tragédia da antigüidade e no dramiiJraricês__cIássico não há in-

^dicaçoiraTcenas. Há, para tanto, razõesliistóricas, mas essassãojhspensáveis para considerações puramente estéticasTlXceuazul sobre a cena ou a arquitetura poinposa^_sãp^oi_jánicõs~a

3dapiãrêmii]ÍLO_ç.stilo_patético de_um.Sófocles ou dT^ãnTCor-neilie. Somente em espaços assim abertos e livres o autor ousa-ria_j^Dtãr~"acõ^ simples-^e de

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grandefôrça. que conseguiriam empolgar todo um povo_outoda uma sociedade.

..O pathos deixa sempre clara a sua força/progressiva. Naopinião de SchilTe7,~êTé~consegue uma "precipitação" violenta.Há tragédias antigas que, mesmo abrindo mão da ação, preci-pitam^e__jrresistiyeirnente. Em_Electra, a ação propriamentetem lugar apenas no final, masÈlê"ctra^eJUrestes_são tão_do-fninãdòs pêlo-que"virá, Clitemnestra teme tanto esse desfecho,TjuiTuaJtôrça magnética paira acima de tudo. Nos "Persas", oúnico aconteamêntôé a notícia da derrota de Salamina. Maso medo do relato e depois dele o esforço pela compreensãodo abominável, até finalmente a vivência do auge da dor(uma dor persa que é o maior júbilo para os ouvintes), tudoisso abrevia tanto a significação do presente e tão fortemente,que a obra supera de longe em tensão qualquer peça moderna de intriga. Entim, quando se atinge o clímax da dor, osautores trágicos gregos dizem "Ális, apopauestheín", terminemos, basta. Preencheu-se o vazio do pathos nada mais falta.Tanto os personagens do autor quanto os espectadores atingiram seu objetivo.

Acreditamos ter encaminhado a compreensão do palco,tomando como ponto de referência o pathos. Naturalmenteapenas algumas de suas possibilidades foram então abordadas.Há, além disso, também uma poesia de tejràãp não patética.A^pjlmeira5_43.rpvas_que examinaremos agorajiacrse referemao teatro; mas após um longo desvio chegaremos a uma novavia que conduz à ribalta. Comecemos por uma pequena einsignificante narração em versos de_Lessing:

"Faustino

Faustino que passara quinze anoslonge de casa e pertences, de esposa e filhos,depois de enriquecido na usura,voltava de navio para os seus."Oh Deus", suspirou o honrado Faustinoao avistar ao longe a terra natal,"não me castigues pelos pecadosnem me recompenses por quaisquer merecimentos.

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Apenas, porque és dadivoso, deixa-me encontrarsadios e alegres filha, filho e esposa".Assim suspirou Faustino e Deus ouviu o pecador.Ele chegou e encontrou seu lar em paz e prosperidade.Ele encontrou a esposa e seus dois filhos,e — com a bênção de Deus — outros dois."

A viagem e a volta de Faustino são narrados apenas porcausa do verso final. Todo o valor da narração está nessa"pointe".* Desde o início o leitor espera o desfecho já quenada de particular consegue prender sua atenção. A importância vai crescendo depois da prece, quando o "êle" se repeteno início de dois versos consecutivos, e atinge o ponto máximodepois do "com a bênção de Deus". Restam apenas duas palavras para salvar o todo e quando ditas, surpreendemo-nos erememoramos com prazer tudo mais. Só agora podemos compreender porque Faustino tem que enriquecer de usura. Nofim, a bem do riso, não podemos sentir compaixão, e a dádiva

Ianedótica de Deus consiste justamente em que a esposa tam-:, bém multiplicara indevidamente seus talentos. Todas as mi-Jnúcias^da_poesia são^determinadasjaelo desfecho. O objetivo_igõ~poeta nao é^dã^assagem^ã^aTraTrva, como_na.Épica;,'Lnem_a maneira 'dejJesenv^lve_rj3_tema,.lcomoja lírica, mas a

}|meta~ã aicangaj. Tudo~dq3ende,do.JinaU no sentido" estrito da'! palavra.

O temperamento inquieto de Lessmg quase sempre agiuassim. Mestre do epigrama, considera êle que este se devedividir em "expectativa" e "desfecho", e que a primeira parte,a expectativa, deve ser conduzida de tal modo que a conclusãoganhe o máximo em clareza e ênfase. Marcial aqui parece-lhemodelar:

"Quod magni Thraseae consummatique CatonisDogmata sic sequeris, salvus ut esse velis;

Pectore nec nudo strictos incurris in enses.Quod ferisse velim te, Deciane, facis.

Nolo virum, facili redimit qui sanguine famam:Hunc volo, laudari qui sine morte potest." (1,9)

Não é intenção de Marcial narrar algo sobre Thrasea ouCatão; êle apenas usa os nomes para dizer que uma vida

Confira pág. 91.

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longa e proveitosa lhe parece de maior mérito do que umassúbita morte heróica. Tudo se resume nesse pensamento.

A antiga Poética classifica o epigrama dentro do gênerolírico, iixistêm, realmente, epigramas líricos, como por exem-

"jTlcTÕs delicados, quadros paisagísticos de Anita de Tegea. Masa maioria dosj£pjgramas/não_j)rovoca "disposição anímica"alguma. Distingüem-se antes_jporuma clareza fria muitojpar-TTcular, e nãojalam acalma, mas ao espírito.

O mesmo acontece com anábula) segundo Lessing: "Scquero através dã-Tabula tornar-meconsciente de uma" ver-Qãdejnorãl, terei qüê~ter de um só relãhcejuma visão total dafábula. Para dar essa visão de imediato, a fábula" terá que sertão curta quanto possível."48

Vejamos como Lessing conta a fábula dos pardais:

"Uma velha igreja que proporcionava aos pardais inúmeros ninhos, íôra restaurada. Quando ficou pronta e em todoseu brilho, os pardais voltaram a procurar suas antigas moradas. Mas encontraram-nas todas fechadas com muros. "Então

de que serve agora esse monumento grandioso?" gritaram eles."Vamos, abandonemos esse inútil monte de pedras."

La Fontaine teria fantasiado essa mesma fábula e nos teria

deliciado com uma descrição do edifício e dos pássaros. Lessing ocupa-se apenas em enfatizar o realismo do objetivo eiazer-nos fixar a diferença entre utilidade e beleza. Tal qualum asceta, despreza tudo que não serve diretamente a seuspropósitos. As fábulas de La Fontaine, com toda sua pompa.parecem-lhe descambar para o épico.

Aqui também evitaremos qualquer valoração e citaremos exemplos, apenas, porque nada esclarece melhor que elesas diferenças de estilos.

As composições com que nos defrontamos aqui, não podemos chamar~de épicas, nem patéticas, nem_ líricas. T3.rphémnão se deix^rrFTnTterpretar como~^êneros inistos^como é ocaso da balada joujda__ode. Devemos considerá-las "pjyJ^fm-»^tiçasl'. compreendendo a expressão "problema" em sua acep-ção reaí dê "proposto" (das~"Vorgéwõrfene") que o autor

48. Obras Completas, editadas por K. Lachmann e Fr. Muncker,Stuttgart 1891, vol. VII, pág. 470.

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jm_seu_percurso terá que atingir. Na fábula de Lessing, esseproposto é a idéiã~oT"conveniência. Em Marcial, a sentençada virtude na vida e na morte, e no "Faustino", a pointe espi-ntuosa com a inesperada bênção de Deus. Esse proposto dc-

Jjençade^L-sej^cess^mente_de_ um ponto dê parrijaTA com-^oii^2~^vidida desse ponto de partida""até"õ~dêsfecho poruma lirin^-retaT^:s5Ím--auontecêlm cãlõs~7cIeãIs7cuios exem,pios mais numerosos encontram-se dentre os epigramas Emcontos, dependendo da natureza do tema e da idéia do autoías iormas de apresentação variam entre mais problemática oumais épica. O mesmo" objeto pode ser concebido de diferentesmaneiras. Goethe ficou em dúvida se seu plano para "A Caça"prestava-se realmente ao gênero épico, ou se tudo ali se desenrolava em linha reta demais. Schiller tranqüilizou-o, dizendoque nao apenas o foteiro, mas também a maneira de conduzir o assunto dependia da vontade do autor." Se o artista optapelo_des£nr^rJpiç0_sjia_narrativa deverá pendeTTldtorte ele, ao contrário, procede mais probíemàticImente,_çonse-•£"£Xjênsãõ. Cria:se_essa_tensão_graças à interdependência_das_partes. Nenhumajarte se basta/nem basta aolêitrjrNe--i^^^li^OEPlem^ma^ão. A__próiíir^?te^Dénínao_ej3agtãnte, gera uma__nova questão, exige novo complemento^ Sòineiite_noJimj^iãltã-T™^ aimpaciência.^

Falou-se, entretanto, também no estilo lírico em coordenação das partes. Certo, mas em outro sentido. Na criação líri-H^ÍÍlP^£Í«jão_cpord_enadas_e_não_se., relacionam umas.comasjíHHíis. Gramaticalmente nota-se isso nas frases curtas -mesmo quando algumas vezes completas - separadas por vírgulas. (Pag. 42). Aq çoqtr;ÍriQ^as,paxtes__dependentes aqui sãomterrelacionadas. ÇLÍnjdo_tem_mais_ou_menos_o_,caráte7~de.Ujria^premissa, o fim_de_uma_conclusão. Não é_necessárioexEiessar;Se_gramaticalmente essas relações. O autor pode daruma seqüência de orações independentes e dé7xã771ãrgõ"'doleitor organizar o contexto lógico. Mas se êle próprio o querexpressar, as c^u-nçoèD5lQ_á^dqmri^^ emsua^ng^ig^rnjJ^aIa_iu^porque, afim de que, de modo que.«n^onseQüência do que, embora, ^", surge aqui o sistematodo_das_jeKçoêrã>ncessivas, consecutivas e priíHpiTrrlènte^£2IM£atax^do_estilo épico é substituída pela intrincadaüipotaxe, como nas novelas de Kleist que atingem'o" máximo

49. Carta a Goethe, 15 de abril de 1797.

132cs-J

em problemática e dão, às vezes, a impressão de que o autorquer contar toda a estória em apenas um período, de modoque gramaticalmente não haja simplesmente uma seqüênciade orações, mas que o valor e a ordem de colocação de cadacircunstância esteja logicamente determinado.50

A prosa de Lessing consegue efeitos semelhantes com in-terrogativas audaciosas e o uso dos dois pontos a interrompersubitamente o fluxo da frase, e conceder assim enorme ênfase àoração seguinte. Isso acontece, enfim, em Lessing, Schiller,Kleist, Hebbel ou quando quer que se use generosamente dapontuação, conseguindo, ao invés da enumeração de frasesisoladas, um todo dividido em partes devidamente ordenadas.

is; mas no estiloA obra épica, é composia_de_paxteproblemático o todotem que ficar claro antes do poeta deter-minar natureza e proporçaõ'daj_partes. Êle resolve inicialmente que ponto quer atingir e depois considera como orientar otrabalho para esse ponto. Somente assim poderá êle conseguirrelacionamento entre as partes, de modo que na obra nãovenha a haver nada supérfluo, ou, como disse Schiller, "nichtsBlindes"51 (nada sem orientação). Quanto a isso, as fábulas,as narrações curtas em verso, os epigramas, dos quais tentamos

~afóagora por razoes j^tTclis^cTedúziiFã^essência da obra Problemática, quase não oferecem dificuldade. Nesses casos capta-

"SlTõ todo facilmente. Mas em novelas longas ou em romances,como_nos de_ Dostoiewski, quando_a_lé_m_díIfabjilaJhÍL_aindasériose intricados problemas a se desvendar, o criador é entãoqbTí^adõ^lmüTta concentração "e cautela. Éjiecessário sugeriro secundário em parcas pinceladas, e acentuãFõ essencial pormeio cie-acontecimentos importantes ou de "momentos concentrados".52 De tempos em tempos, serão feitas consideraçõesresumindo o que acònTéceu e auxiliando a^memójia. Tenta-sepor ~tõ"cTõirbs meios facilitar a reflexão a si próprio e ao leitor.Não_se tem^ireito_ao^cpchilo_çk_H.orripro". Também o público não tem direito de deixar escapar um instante sequerdo desenrolar. Quem esquece algo, corre o perigo de nãocapJarjD^todo. -——

50. Compare-se E. Staiger, Obras Primas da Língua Alemã, Zurique, 1943, pág. 82 e Segs."

51. Carta a Goethe, 2 de outubro de 1797.

52. Schiller a Goethe, 2 de outubro de 1797.

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•fí Com isso apenas repetimos algumas exigências feitas dehá muito ao dramaturgo. O palco torna-se novamente importante, mas não mais como tribuna, como elevação de alguémque está mais avançado, e sim como enquadramento cênicopara o desenrolar de um acontecimento variado. O públicoaglomera-se em torno da antiga orquestra, ou em frente de

-Tim-tatrlado^que^na era moderna deverá representarão" mundo.Por algumas horas"consegueTcõnservar os olhos""fixõTlíõ"lugarem que se passa a ação. Daí surgiu a expressão - unidadede lugar, ação e tempo. No drama^modernõ" desaparece, ocoro que entre os greg^s^ermanecja_jhmrmp todo o espetáculo no pajcck, e torna-se possível, ^grji^aj_aõs "bastidoresmodificar-se acena à vontade. Com isso acreditou-se poderclestruir a antiga lei das três unidades, segundo o exemplo deShakespeare. Mas não é isso o que mostra o inventário histó-nco-J^ft templo deL^Shakespeare_desconhecem-se^aind_a_ os bas-j^djores. Mesmo assim êle mo^Hcaà~cena à vontade e estende^^Ção^or^em^ãs^üj^atéjmeseâ. O teatro barroco abusa doIuXõ^enTcoTTTâ^há limites para as modificações de palco, usode maquinarias, efeitos cênicos de todos os tipos, orientadosentusiàsticamente para balets e óperas. Mas Corneille e Ra-cine atêm-se à unidad_ejde tempo e lugar e não- se pode dizei-que somente o exemplo dos gregos os leva a isso. Até no Sturmund Drang alemão, movimento, subordinado aos manes shakes-peareanos, a figura de Schiller sobressai-se, por evitar a dispersão do drama em cenas curtas e apresentar já em "Intrigaè Amor" as unidades de tempo e lugar. O Ibsen maduro escolhe sempre como fundo para suas peças uma cena ou umcômodo qualquer, estende a ação em um dia ou em algumashoras e desse ponto de vista aproxima-se novamente comoCorneille e Racine dos autores trágicos gregos, sem qualquernecessidade aparente.

Isso mostra que a_regra_de_contenção, ditada pelo teatroc]ássicp_cla jintiguidade, é aceita entre um grande_i]úmero demodernc^^dramaturgos, ao que tudo indica justamente aquelesautores "problemáticos". É verdade que êlesjanram mão, não1H£i_^—BlH^iHlÇJ15 ^e cenas e permitem-se estendêF a açãoiaTem dasclássicas vinte"è"quatro horas, pois ninguém seUebatemais tão ardõrõsamenre_sôbre as antigas leis como Corneille.Mas não deixam também de lhes reconhecer o valor. Apenas oque Goethe quer expressar com o "Gõtz", ou a mensagem deShakespeare no Rei Lear, dispensam, para maior eficiência,essas mesmas leis.

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A outros autores como Corneille, Racine, Gryphius, Lessing, Schiller, Kleist, Hebbel, Ibsen, convém restringir o tempo,economizar espaço e escolher um momento expressivo da longahistória, um momento pouco antes do final, e daí desse pontoreduzir a extensão a uma unidade sensivelmente palpável, paraque ao invés de partes, grupos coesos, ao invés de passagensisoladas, o sentido global fique claro, e nada do que o espectador deve fixar se perca. As paredes do palco contêm, porassim dizer, significativamente, a obra, pois também esta, emresumo, concentra-se.

Abordemos aqui, embora apenas superficialmente, algumas conhecidas regras de dramaturgia, que vêm reafirmar essetraço característico ~dõ~palco~ Aflexposiçãofterá que ser iustifi.-cáveL. isto é, deverá já estar envoh'ida^a'/|acãr>nrincÍDagNenhum retardamento da ação" é"permitido. gplsocUossaoconsiderados prejudiciais. Tôdãs""essãs são conseqüências prá-"ticãs da idéia do estilo problemático, em que o qbjerivotlahistória está no__firn, e, assim sendo, cada parte terá _çiu,e_ser

"examinacia exclusrvãmente em função do todo que no ümvirá a se revelar. Num drama mais ou"menos puro, os atosisolados também não são independentes. Pode-se, por exemplo,considerar o terceiro ato da "Filha Natural", o lamento dopríncipe pela suposta morte de Eugênia, como um ato independente, uma peça mais ou menos completa. Mas isso, porqueesse drama de Goethe não se "precipita" propriamente. Nãohá sentido em examinarmos um ato isolado do "Intriga eAmor" ou do "Príncipe Friedrich von Homburg", a não serque estejamos certos do conhecimento prévio dessas obras. Oentreato não é como o silêncio do épico que continua no diaseguinte, ou quando os ouvintes o desejarem. Quando desceo pano, o público pensa no que assistiu e procura examinar'como isso virá a preparar o que se segue, papel que cabia emparte ao coro no teatro grego. Os atos facilitam a visão geral,são uma espécie de balancetes. Mesmo dentro de cada ato, hâàs vezes esses balanços parciais. Tanto herói como coadjuvantesresumem, por vezes, em uma frase, suas idéias ou seus pontosde vista. Vemos Marx e Wallenstein defrontarem-se longamente sem que fiquemos completamente certos de suas posições.Quando, porém, Wallenstein começa:

"O mundo é estreito, e vasto o cérebro..."

dá um resumo do já visto, e leva-nos a considerar o que sesegue como um contronto entre idealismo e realismo. Accm-

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tecimentos plàsticamente marcantes adquirem a mesma impor-tância: em "Ottokar" de Grillparzer quando Zawisch. parte acorda da tenda e mostra a todo o exército o rei ajoelhado, tomamos conhecimento da situação de Ottokar, dos vassalos edo poder do rei. A queda do arco de Pentesiléa faz evocar oestado das amazonas e, por associação, a conversa decisiva damesma com Aquiles.

(^sjenrial_ne_sse_s_qua_dros_ej33Ssagens_é_cme tenham sig-niiícaçacTpara o todo. Quadros realmente "épicos não têm essa

^siglíTEca^õrrjêvémj_er__ad_mirados_pp.il"si mesmosle apenas têmefeito para os olhos. Tanto a lona da tenda, que cai, como oarco de Pentesiléa ao tilíntar, significam algo, esclarecem desúbito o que passou e iluminam ainda o caminho que poetae leitores têm a percorrer. Frente a eles, temos que imaginaralgo. 4 g

Aqui^vem o paIco_ de novo em auxílio do dramaturgo.Não inj^m^la__êstèZ"djejSi:rev^^ _ COm0Homero o faz co_r^q_arjojl£P^ândaro e a tenda de AquileT^pois esses elementos; _estão aí^ apenas para dêicõtTir^ígo sobre

^__Ç_Bíexj_L___L_o^ramã^ desincümt5e-sedeles numa simples indicação da cena, emregand^õs___ãõ___enógrãfjç£___Dy2^ visto

Tenha-se sempre em mente tal diferença: a guerra dostrinta anos, narrada à maneira épica, exige uma descrição deWallenstein e de Gustavo Adolfo, e mais, indicações minuciosas sobre os cenários e os diferentes campos de batalha, comoLützen, Pilsen e Eger. Ao contrário, o dramaturgo limita-se afazer um índice com os nomes de pessoas e escrever no alto dacena: "Eger". No caso de acrescentar dados mais precisos sobre o quadro, não se preocupará sequer com a formulação debelas frases. Como visto, o dramaturgo reduz o épico a simplesE£essja_)osto; essa, aliás, a mesma "concepção do espectãdõT. AoleVantar-se a cortina no drama de Ibsen "Hedda Gabler", oespectador sabe que não vai ficar a admirar um belo aposento,antes irá procurar descobrir porque o palco está assim decorado. De início, seu esforço é vão; mas aos poucos compreendea intenção de Ibsen: ostentar aquela elegância, para significarcom ela despesas além das posses de Tesman. O retrato do ge.neral, pendente da parede, mostra que a heroína, Hedda Gabler, continua muito ligado ao pai e a seu refinado padrão devida. O colorido outonal das árvores, brilhando através da janela, assusta-a, despertando-lhe a idéia do fenecer, da transi-

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Ji ri »'' -t~^>

toriedade da vida. Seus cabelos rarefeitos são a maneira que oautor achou para colocá-la em desvantagem frente à senhoraElvsted, e assim, dar razão a seus ciúmes. Tudo determinadopor um !_para quê", e exigindo a pergunta "por que razão?".

^^jsj^iáTglígr^ porCaSual e arbitraria que pareça, tem uma função determinada. Somos tenta-dõTa afirmar que^pãrã^compreensão exata e completa do dra-

^^s^J}^ ^Podjzdeixzr escapar- uma_úniça frase. Leva-se afuncionalidade das partes às últimas conseqiiências.Se consi-deramos iniriãrmentè~ã'obra um dramãlle caráter, vamos convencer-nos no final que a própria figura de Hedda tem suafunção: colocar em questão o valor da sociedade burguesa, asrelações entre as idiossincrasias da nobreza e a ordem medíocre generalizada, ou entre a beleza estéril e o vazio da vida. Aação aponta um "problema" — no sentido tradicional do termo, sentido esse que não passa de um esforço daquele mesmo"proposto", de significação mais lata. O problema de idéiasé o que importa no fim de contas, para o escritor o que importa antes de mais nada. Assim como as sentenças formam umaespécie de parcelas do diálogo, poderíamos pensar em senten-

_Ça_L_£have__^ue_raderqu_est_ão,~Em "Braut von Messina" ("A'Noiva de Messina) ",foi essa a idéia de Schiller, baseado no modelo antigo, em que'o coro, 'freqüentemente, enquadrava o destino passivo denttodas leis eternas de existência. Geralmente, o escritor não procede tão abertamente, prefere satisfazer-se com um gesto maisgeral, que não pareça estrangular a vida da peça, como o fazja sentença. Em Hebbel por exemplo, nos "Nibelungen", Die-tnch toma a coroa ao rei dos hunos e promete dominar a humanidade em nome do Salvador, presságio de que o mundopagão, sobre o qual mantêm-se a trilogia, os planos e o ideaidos heróis, será destruído, e de que o mundo cristão desponta.

O todo e o sentido capjj_aj_da,história___só_se—revelam noj__malT~5e~~não se pretende a insegurança do ^pj^ctalIoTlTté of1Ina_s^le_de_ve_se orientar delalgüm modo, opoetaTerá queyir_em_seiLauxílío._0..prólogo _de Eurípedes jem muitasjyêzes-es.saJjJn_ç_ão. Lessing aprovou tal procedimento e fez notar quesomente o ignorante pensa que o inesperado é que provoca omelhor efeito no drama. Entretanto, um relatório feito por um.Deus onisciente também não seria a melhor solução para aárdua tarefa. NXq_^e^rata_de_revelar.de^antemão_tod_Q_o ca-niinho^jíjim de dar uma orientação, um .sinaLixinerário quepos dejxe claro se devemos seguir a direita ou a esquerda. Cos-

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tuma-se dizer que_grandes acontecimentos lançam antes de sijUas sombras.São essas sombras lançadas em avanço que o au-_tor tenta mostrar por meio de pressentimentos, espéctãtiva temerosa, de sinars~que ainda^não anunciam" nada de exato, masque_deixam prever algo fatal ou então bastante animador. Lém-bremo-nos~do "estado de espírito de Apiáhi em "Emilia Ga-lottí", ou no mal-estar de Adão durante a primeira cena do"Cântaro Quebrado". Prepara-te para algo perigoso, espera apunição do patife, é o que dizem ao público Lessing e Kleist.Há inúmeros meios de sugerir o que vem sem o revelar diretamente. Um mestre maneja-os com~cTestreza, um diletante osprofana. Para distinguir-se entre o certo e o errado, é misteruma interpretação cuidadosíssima.

Há, todavia, dois métodos _a_salientar:^,primpijo, o antigooráculo. Sua intensa significação poética, tão eficaz emJ>ôS<>cles, prin^ij^lmêlTEe-nõ "Rei Édipo", decorre de que por umIã3õ~cTcleus~Apc)lo sabe de há muito desenrolar do destino,mas por outro o homem não pode deixar de encarar o futurocomo decorrência incerta de sua liberdade. Com isso estão afiados dois gumes: £ espectador sabe como deverá ser o desfecho.Pode, portanto,j:ek^onarlcãdã~gisto, cada pãTaVrT, ^õn_nf cena fmãTTMas ao mesmo tempo forja planos e tem esperançascom o herói, apaixonadamente muitas vezes, já que não sechega a abolir totalmente a suspeita de que o oráculo possavir a enganar-se. Caso típico em que se consegue unir a mais_çiaxa_ajiteapjLçãxCZcCfJJtúrô e fazercontrastar o claro-escuro da "ironia trágica".

' O segundo método é a concepção^e nasci.merrto. O tema datragédia de Gretchen, de "Maria Madalena" de Hebbel ou da"Marquesa,de O." de Kleist são tão fecundos, porque p__a£C>n-tecirnento nesses casos está literalmente grávido do futuro,_e aconcepção fundamenta o que virá à luz oportunamente, e. produzirá efeitos impossíveis de se antever com nitidez, mas quese pode pressentir.

Finalmente, toda intenção, todo empreendimento projeta-do tem caráter lle~uma concepção. O homem que planeja,que espera ou que age, antecipa sempre de algum modo umaexistência futura. Mesmo quando êle não está certo de que ofuturo realizará seu plano ou sua esperança, quando êle temque confiar sua ação aos desígnios incertos do destino, suavontade transmite, ainda assim, ao espectador um sinal qu^eserve de orientação a seu pensamento. Nisso se baseia a regra

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^deqjLie^qJierói de um dratfíã^cTéveser ativo; um herói passivonao é dramático.~Entretanto, o sentido dessa regra esgota-se;ãõ reconhecermos que algo futuro precisa ser antecipado. Sepodemos conseguir essa antecipação por outros métodos, o herói tem o direito de continuar passivo como Electra, Aias, Berenice, Maria Stuart, a Clara de Hebbel ou João Gabriel Bork-mann de Ibsen.

Aqui conseguimos compreender porque as duas modali-dades do estilo de tensão — o patético e o problemático —.unem-sè~Tãõ~fàcÍlihehte. Um como o outro conduzema^ação"para adiante. CTphatos qüêT,~o problema pergunta. Querer equestionar residenfTgualmente numa existência futura, que adepender da índole e da intensidade, decide-se por um ou outrocaminho. E enquanto as questões de um problema podemameaçar uma abstração excessiva, exigindo a mais refinadaarte para assegurar a participação do público, o pathos levaesse público obrigatoriamente à simpatia e lança questões aocoração do espectador, não a sua mente. Na tragédia da antigüidade, no drama clássico francês, ou em Schiller atinge-semagjstralmente a _união do pathos e do problema. No "ReiÉcupo"!, o pathos do hel^i^~ã~pfõblematrzação, identificam-se. A ópera italiana tende^nãis^ao palNos, enquanto o dramade Kleist, Gnllparzer, Hebbel eu Ibsen concentra-se no problema, e consegue captar e conservar a participação do público com métodos outros que não patéticos.

É condição do homem avançar-se sempre a si mesmo enissc^Jundamenta-se a perspectiva da criação ^rol)lemáticãr e

jpatéticá", ou —resumindo as duas —da cria^ção^ra^tica7Ã~quisè~sègüe"um exemplo desse avanço: no mesmo momento_emque alguém reconhece algo, ou simplesmente percebe êsseaTgo,já está a mover-se dentro__d_e__um__.cout.extO—que, o articula. Omesmo objeto pode subordinarLse^^hJ^rentes__çont_exios e ser",assim, coisas diferentes. Q_camponês, por exemplo, que pisasua terra_,_cojTsldj|ra-^^ ou vê as encostas de um morro como impraticáveis à plantação. Qojicialconsidera essa mesma terra com vis;as_^tá,tiçasjaililaxes, comocampo de tiro, ponto cego ou cobertura. ÕLpintgr —pensando num quadro —vê, apenas, linhas e complexo de cores. Ninguém vê algo sem esse "enfoque" "dado prèviámelíteTIO que

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determina "a priori" o mesmo enfoque é o que Heidegger cha-, ma de mundo.53 Assim, falamos do mundo do camponês! doóTicijdT^crpjhtor, sem querer dizer com isso a somalias coisas com que-eles se ocupam, mas sim a organização, o cosmos,dentro do qual e só então uma coisa plissada poder~~àpãrecercomo-táFcoisa. "

É no mesmo sentido quefalamos do_mundo antigo-,_cris-t^o, do mundo da bíblia, deDante, de Shakespeare. Tambémaqui o mesmo ente apresenta-se diferentemente quando emmundos diversos. O corpo humano em Sófocles não significa amesma coisa que em Dante, apesar de representar o mesmoobjeto, quando considerado do ponto de vista anatômico, biológico ou outro qualquer. As_diferenças decorrentes dos mundos^ são diferenças estilísticas, 54~de tal_jmoclo quê~pcdêmosernl__ãnaTTses estéticas usar;_sem escrúpulos _jnundo" ~ê ^esTilo"como sinônimos...Um jverdadeiro poeta tem estilo próprio, istoé, seu próprio mundo. "

Será então que o escritor lírico e o épico não estarão também adiante de si mesmos? Também eles não_criam sob umenfoque, e as coisas não se aproximam deles dentro~de ummundo, aberto aprioristicamente, que igualmente se apresentae se afirma pelas coisas? Exato. Do contrário um como outrodeixariam de ser homens, ou não falariam lingüag^hThumana.Do mesmõ~mõdo que qualquer pessoa ao dizer uma frase teráque ter em mente desde a primeira palavra toda a estruturairasal, assim também quem observa algo terá que conhecer otodo a que esse algo pertence. Para o homem não existe nadaisolado, êle éo zõon lógon êchon., ser que agrupa e seleciona.

T Cqm_isso„apenas repetimos quequalquer obra poética participa de todos os gêneros, do mesmo modoljue qualquer co-muríicação~Iinguística, por mais primitiva que seja, envolvetoda a índole da língua, ou pelo menos, baseia-se nela. Emrjalidade,_cqnhecemos apenas cria^ojan^dominantemente Ií-rica ou acentuadamente épica, ou dramática. £ èises três tipos classificam-sejambémjde__a£Ôrdo_comlsêü~"relacionamentocom o mundo. O poeta lírico não sabe nada do mundo. É

53. Compare-se a Essência do Fundamento, 2.a ed., 1931. EmSer e Tempo: o conceito de "mundo" ainda não está claramente elaborado.

54. Compare-se E. Staiger, "Ensaio Sobre o Conceito do Belo",in Trivium, ano III, 1945, pág. 189 e 3egs,

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"alheio" a êle. Uma vez comove-o algo, em seguida emociona-ooutra coisa. Nunca_s^J.nt_eres_sa pelo todo, jiem_s£_preocupacom_seus relacionamentos, apesar de nada poder comovê-lo,nem êle poder perceber nada emocionante, sem_a_préyia cons-'

Jataçãõ de um naundo. O autor épico é comparável a_uni_jia-vegánte__o^ alpm^andarilho. Lança-se a caminho em companhia de seu herói, para ver terra e homens desconhecidos. Percorre o orbis terrarum. Aqui e ali sempre vem algonôvp deencontro a sua curiosidade. O passado desaparece corno, uma

SZ^L.??. .norizonie- Mas como'êle observa tudo dentro deuma mesma ótica, a sua, considera tudo que existe pertencente a um mesmo cosmos. Já a entronização de Zeus em Homero mostra que o mundo de onde as coisas saem a seu encon«-tro começa a alvorecer em sua consciência. Mas Zeus é o deussupremo mais em nome que de fato; os outros deuses o atacam, e a Moir, num mistério impenetrável, reina realmentesobre êle. Isto quer dizer que o mundo como que ainda permanece aberto. Homero não percebe conscientemente seus con-

Jornos e_êstes, ao invés de fechlrim-se, perdem-se nas brumasde seu esquecimento^ que busjça^sem cessar algo de novo, tomando a si levianamente indefinições e contradições.

Totalmente diverso é o que se dá com o espírito dramáti-f°_iJEste- não se Preocupa absolutamente com novidades. Sfcui5í^se_dirige-se _menos_às__cqisas,..queJLlinifíd^sIque^Iètenciona^dar-lhes. Toma-as como sinal.Justificação ou evidên-

lnãlcíe~seu problema. Çomo^prpbléma^^ntinuamos enten-<^d2la ''proposição", o lance antecipado que_c^ançãdõrlejmciHe-íe5uP:eraI- Pode isso ser uma bela "pointe" como no Faust-tino de Lessing, ou uma moral como na fábula de Esopo. Numsj^idp_mais_comp_lexoJ_trata-seude_uma.proA tão citada "idéia" da obra dramática .não.ielÍmita-ab^oIuia-imente a uma questão lançada entre tantas outra^JEncabeçauma fila em movimento. A própria_pergunta "por que razão?",que_orienta oautor draroátjcojpode,_pqr_exemplo,_por fraque^z^contentar-se com uma ou^ outra respwta.l~MalsJanç_adaj:omvigorlconduz incansavelmente para diante e só descansa quau-dg^ngga a Um _új1 rimojsen_tjo^^ajexist^(^c7ã7l0^s_e_sentidoúkimo, essa última causa ^aquele mundo que já antes, comouma organização incompreendida, determinava_deseJQ, conhe-cimento, sentimento e ação, e agora, finalmente^.crisjta_Hza-s«em_uma_clam "visão do mundo". £ assim que o mesmo mundoque jáTnalIngua de Lutero impera obscuro, revela-se no "Faus-

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?* •

to" de Goethe como idéia consciente.55 E o mesmo mundo quesustenta os hexâmetros de Homero desperta como conceitos dafilosofia pré-socrática.

De acordo com o mundo conscientemente apreendido, oautor dramático ordena tôdás as~particularidades do drama enão descansa até fazer tudo girar em torno dessa idéia única,ãTrigir-se~ãT~eTa,~ ~e""tornar-se à süã luz intêirãlnlmTiê~cIaro etransparente. Afasta indiferentemente tudo que não lhe digarespeito. Por isso! ólhandó^sé""déppãrte, "pode-se_ julgar sua obrarnais^ppbre:__que_ajcqmpqs_i_çãq_épica. Sêüs personagens não terão aquela •versatilidade despreocupada que nos encanta nosheróis homérícos. Desaparece aquela quantidade de utensíliosque cerca Homero, armas, arreios de animais, cântaros, taças,a não ser que um tal objetorpor acaso vájservir como corpusdelictij como o cântaro quebrado em Kleist, ou__yenha_a__terqjjjlquer^ignjiicação para o todo. Via de regra não_se_dá maisaténçãqjispjrial ao comer ou beber, ojautprdramáticoriegli-genpia-os como a tudo que não se relacione intimamente como problema central. É comparável aqui ao juiz a quem apre>sentamos um caso a julgar. Êle se esforça por um conhecimentoexato do caso, mas deixará de ser exato, se examinar minuciosamente tudo que tiver alguma relação com o réu. Deveráescolher dentre todo o material apenas o que lhe venha a servir para o justo veredicto. Pedirá igualmente ao advogadopara evitar abordar fatos que não digam respeito ao crime,pois seu tempo é limitado e divagações só farão dificultar avisão global. Por outro lado, submete às mais detalhadas provas tudo que se relacionar ao fato. Combina ocorrências asmais distantes. Tem uma rede de relacionamentos, forja comhonestidade as premissas, deduz grande número de conclusões,e dá o veredicto segundo a lei já de antemão vigente e reconhecida. Tudo depende desse julgamento baseado na lei preexistente. Novamente sob este ponto de vista, encontram-selado_a_iado ambas as modalidades do estilo dramático — oproblemático e o patético. "

O herói patético esforça-se por uma decisão, decide-se evai,_ejuã_o,__à_ação. Decisão e ação são, porém, condenadas, ao

'menos, pelo fato de que a ação penitencia-se com o desfecho.Até a passagem de monólogo a diálogo e vice-versa lembra um

55. Compare Hannes Maeder, Estudo Sobre o Relacionamentoentre História da Língua « História do Pensamento, Zurique 1945,pág. 35 e segs.

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tribunal. O monólogo comunica a intenção e as razões ocultas do agir. Esclarece-nos sobre como uma ação deve ser apreciada, quais as suas circunstâncias agravantes ou atenuantes.No diálogo discutem-se prós e contras, em interlocuções longasou em rápidos dísticos. Um questiona, o outro discorre. Umacusa o outro defende. Assim nem no drama nem no tribunal,representamos a vida, e sim a julganios.

Por isso, essa índoledo drama tende também a uma foj-ma_aparente de julgamento, testemunho de grande número depeças teatrais de épocas diversas. A "Orestíade" de Esquiloculmina na cena violenta frente ao Areópago de Atenas, em,que deuses e homens são levados ao tribunal. Os discursos deacusação e defesa e mais que tudo a sentença de Atenas fazemum retrospecto desde a partida para Tróia até a morte deAgamenon e Clitemnestra, só então esclarecendo-se tudo. Só-focles no "ReijEdipo^ descobre a forma mais significativa da

j5oejna_dnün^ qinquéritoacirrado e ojpathos do direito acabam por destrui-lo.Em "Antígona" há um julgamento humano e depois um divino, anunciados respectivamente por Creonte e Tiresias. Natragédia barroca surge freqüentemente o príncipe, para apaziguar uma disputa. No "Cântaro Quebrado", Kleist faz descambar o antigo tema para o cômico e nó "Príncipe Friedrich,von Homburg" tira ao juiz "corujão", intérprete literal dasleis, a responsabilidade do julgamento, para submetê-la a umtribunal superior, ao príncipe representante do senhor. Ibsencomparou sua própria obra a um "Juízo Final", e embora sómuito raro deixe desenrolar-se um julgamento no palco, redige o enredo como para os atos de um processo. A últimainstância, diante da qual se desenrola o processo, não decidesobre a perfeição do drama, sobre sua harmonia estilística, esim sobre seu nível, sua significação mais profunda. Um Kotze-bue, um Wildenbruch satisfaz-se com primeiras instâncias, problemas de estado, ou o bem da sociedade. Já entre os gregosresolve-se tudo diretamente com os deuses. Às vezes, entretanto, um caso é levado de uma instância a outra, seus direitos

^empne~dTscutidos, até que finalmente chega ao tribunal com-J^etente ejião pode mais"ir ãdiame."Tssõl_cfía^rtisticamente ajLensão. De coluna em coluna, a abóbada esforça-se para alcan>çar a cúpula vertiginosa.

O maior exemplo em língua alemã traz "Wallenstein" deSchiller. A obra é uma trilogia e na primeira parte, o "Acam-'

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•I •.1

pamento de Wallenstein", os soldados opinam sobre a pessoae o plano do general. Não têm muito conhecimento .da situação e contentam-se facilmente com suposições e boatos. Seuhorizonte, seu mundo, é muito limitado. Interessa-lhes, apenas,a guerra e querem que a vida de soldado, sem preocupações,perdure sempre. Quem compartilha de suas aspirações, a estequerem como chefe. Afloram, porém, embora raras, idéias sobre novos valores e outras possibilidades, através do bunmêsque quer deter o recruta e do capuchinho que prega virtudescristãs. Mas os soldados zombam do burguês, e toleram o capuchinho apenas porque um acampamento deve ter um vigário. E mesmo este acaba por perder a autoridade quando procura tirar conclusões práticas de suas virtudes, chegando a difamar Wallenstein. Uma coisa a igreja santa, outra muito diferente a guerra profana. Os soldados desprezam a coerência.Justamente daí decorre o traço decididamente épico que oacampamento ainda apresenta. É mais um espetáculo para osolhos que um drama. Fatos soltos abundam e se avolumam,como coisas vagas que passeiam pela mente dos soldados.

A segunda parte, "Os Piccolomini", desenrola-se entre oficiais. Deles exige-se imediatamente uma maior consciência deseus feitos. Têm que relacionar o plano de Wallenstein e adecisão que tomarem com o juramento do imperador e a própria honra. Alguns percebem realmente a profundidade dacoisa; a outros ela passa despercebida como a Isolane, cujocomportamento é comparável ao dos soldados. A segunda parte serve, assim, de ponte entre o acampamento e o general.Essa posição intermediária realiza-se plàsticamente num quadro do quarto ato: em primeiro plano (o da responsabilidade) está o papel a ser assinado, e aq fundo tem lugar um banquete durante o qual o vinho rouba a consciência e afoga apergunta "por que razão?". Os oficiais movem-se entre o primeiro e segundo plano, como reflexo de uma humanidadevacilante entre seriedade e descompromisso.

A terceira parte, a "Morte de Wallenstein", vai aos poucos afastando o descompromisso, ainda presente apenas pararecapitulaçao de situações anteriores e conseqüente realce decertos fatos. Toda cena, toda palavra tem funcionalidade dramática. Wallenstein se dispõe a prestar contas a si mesmo, eexamina sua decisão frente a todas as instâncias competentes.Uma das primeiras é seu orgulho. O imperador insultou-o. ÊJeé tentado a vingar-se do insulto. Se essa atitude o contentasse,

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não estaria agindo muito dilerente de um simples mordomo.Mas é o direito que o leva avante. A condêssa Terzky conven-cc~o de que o direito exige outro direito recíproco. O imperador injustiçou-o publicamente e praticou ações ilegais por meiode seu general. Wallenstein está ainda mais* disposto a reconhecer tais fatos depois de apelar para uma instância maiselevada, o bem do estado, a salvação da humanidade: o imperador, fraco, não pode estabelecer a paz na Alemanha oprimida, enquanto Wallenstein, com o apoio do exército, pode ousar a tentativa. Finalmente Wallenstein procura ir além dopresente e perserutar o julgamento da História. £ o vencedorque escreve a História, e Wallenstein ficará coberto de famapara a posteridade, como ficou Júlio César. Com tal argumjen-tação delimita-se o mundo realista e as idéias vagas transformam-se em noções bem sedimentadas. A crença astrológica vemainda coroar a idéia que dá razão à vida de Wallenstein. Nãoparece existir mais nada superior. Porém Max Piccolominiprossegue a investigar "por que razão" e apela para uma instância além do plano terreno, para o julgamento absoluto. Ohomem existe para ocupar-se, comover-se e afirmar-se. Quandoêle tem que escolher entre a volúpia dos sentidos e a paz deespírito, ou simplesmente entre sobrevivência terrena e dever.terá que escolher o dever. Não há mais que argumentar. Oimperativo categórico traz em si mesmo sua fundamentaçãoe é, sem dúvida, o mais alto tribunal de apelação.

O autor também se coloca ao lado de Max e diria como profeta: "o que é bom, você mesmo o sabe, homem!". A conversa de Max e Wallenstein revela o texto da lei diante daqual se irá julgar toda a ação humana, e portanto também ado próprio Wallenstein. Ela revela o mundo idealista, temacentral da obra, o problema que Schiller tenciona focalizardesde a primeira cena. O que ainda se segue, e que o autortalvez tenha prolongado exageradamente, por razões técnicas,é apenas o cumprimento da sentença.

Essa rápida exposição nos mostra que o móvel do drama,aj9rÇa que o leva adiante, éexclusivame^nte_uma_ÍaexorSêlçoerênciajcom a.questão JinaL que.no.fundQ__é_a_mesma inicial.Durante todo o desenrolar, o homem tem a liberdade de romper com ela ou de resignar-se. A soldadesca não se deixa implicar nos problemas e vive, indiferentemente, à margem. Comisso perde, naturalmente, sua dignidade. Mas até Iocasta, no"Rei Edipo" grita ao esposo:

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"Evite, por favor, sugerir resposta1- a suas próprias perguntas"(V. 1057)

Caso ela conseguisse com isso abafar a pergunta, esta se trans»-formaria em angústia, que destrói a vida, zombando de todapretensa proteção, locasta participou da sorte de Clitemnestra.Quem se envolveu num problema, não consegue livrar-se deleileso. Não terá paz até o momento em que à custa de muitareflexão solucione-o, ou em que faça justiça com suas ações.Esse o papel do herói no_ drama que visa um objetivo, geralmente um ideal último do homenr.

Pode acontecer que o movimento ainda vá mais adianteque o objetivo. Pode acontecer que a ação do drama se pro-

Jwigue_para_além_da-meta- visada e_que a pergunta "por querazãoll venha desaguar rio vazia Ao planejar, ainda jovem, ameta de sua vida, M Kleist considerou a verdade e a virtudeiseus dois mais altos valores. Êle indica o caminho que permitirá ao homem com absoluta segurança atingir essa meta. Suascartas nos mostram como êle dirigiu sua vida de acordo comseu plano, numa coerência prussiana, e com a "precisão nór-dica do hipocondríaco", 5~ e como procurou relacionar cadahora, cada dia, cada pensamento seu com aquela idéia mestra. Em pouco tempo, porém, Kleist compreende que não podeprosseguir naquele caminho aparentemente seguro, não porque lhe faltassem os esforços, mas porque nota que não estápreparado para a menor transigência. No momento em queseus protestos de virtude vêm a colidir com a necessidade dodever, os princípios sucumbem. Kleist não sabe se deve agircomo oficial ou como homem. Por outro lado, seu desejo deverdade vem reforçar o ensinamento Kantiano de que é impossível uma verdade desligada do ser do homem. Uma preocupação mais prolongada com o problema deixa claro que êlemesmo se contradiz.

56. Compare-se "Ensaio Sobre como Encontrar o Caminho Seguro da Felicidade".

57. Goethe a Falk, cerca de 1809.

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"Afundou-se meu único e mais elevado objetivo; agoranão tenho mais nenhum".58

Com a "Família Schroffenstein" revela-se a insuficiênciada verdade pregada por Deus, um deus misterioso, um deusabsconditus. Este primeiro drama já revela um mundo superior, o mundo "do sentimento" como o chama Kleist, o mundodo amor, cuja ventura não depende da tranqüila posse da virtude nem do conhecimento discursivo, mas da identificaçãocom o amado. Com uma coerência ferrenha Kleist destrói, entretanto, também este ideal. A identificação deverá ser perfei- •ta. O "eu em você e você em mim" das canções de amor temque ser válido para o homem total. Nem beijo e abraço podem satisfazer-se com o contato do corpo. Pentesiléia lança-separa Aquiles e dilacera-o em amor, esforçando-se por destruira insuportável distância existente entre dois seres. A paixão élevada ao absurdo na "organização deficiente do mundo", emque a felicidade amorosa é impossível. Se a paixão tivesse sidomenos impetuosa, ter-se-ia satisfeito com a felicidade relativa.

O fracasso da verdade na "Família Schroffenstein" ou doamor em "Pentesiléia" são considerados acontecimentos trágicos. Quando se destrói a razão de uma_existênda_huinana_,quando uma causa final e única cessa de existir, nasce o trá-gico^Dito de outro modo, há notrágico a explosão j3õ_mundk*.de__um„hqmem, de um povo, ou de uma classe.

Precisamos esclarecer o uso da palavra trágico. Provém dogrego e refere-se à poesia de Esquilo, SóioclèTe Eurípides. Mas

Têmõslque reconhecer• que_muitas de_suas_j)bras — todas consideradas tragédias —fogern_g^sentido_de__trágicq___qu.e_d^_üni-mos. Nemji "Orestíade" deEsquilo,, nen^oJTiloctetes" de Só-Jpcles ou "Ifigênia em Táurida" de Eurípides terminam tragicamente. Ao contrário, as relações entre os homens e os deuses,

Ibãstãnfe ameaçadas no desenrolar do drama, são claramentereatadas no fim, de tal modo que todos sabem no que estão..j\jeqria_aristotélica-da-catarsis —em suas interpretações maisdiversas — também não condiz com a nossa expJicàção_dojênnp.

"Somente Goethe, Schelling, Hegel eJ^bd!L_qu_ando_ten-,tam_ interpretar uma ^determinada situação-limite —__a_çriseem que entra a visão do mundo do idealismo —aproximam-se

58. Carta a Wilhelmine von Zenge, 22 de março de 1801.

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.deJ<u.Mas mesmo essa interpretação só se adapta a uma modalidade especial do que denominamos de crise trágica, a.quenasce_Q^^njradição_insplúvel_ entre livre^rbítíiTe destinoA nova^ definição dó conceito procura libertar-se de tal limita;çao. Nao_éjrágica, apenas, a__cris_e_ do mundo idealista: Sal ade qualquer mundo possível,. antigo,._buiguês, crisTãõ ~oíTgeT-mamco. ^comjsso nãojnos referimos_apenas"à crise, mts aum^traca_ssp__irrecprríye.I, jum^desespèrp moní{^~aü&^^yi.sjial^salvaçãp. Necessitamos um termo definido para designar _tal situação. A única expressão que se apresenta com in-ençao semelhante nos vem do idealismo alemão. Teremos que

levar em conta a divergência da tradição antiga e estar cientes/de queínM2jtoda_obra chamada "tragédiaVpodçrá__ser consi-derada^rixa". Novamente nãovai aqui nenhum julga^nto^Valor. Muitas obras de Shakespeare, que apesar de sofridase comoventes nao são trágicas, têm sem dúvida maior importância que a Família Schroffenstein". Os últimos dramas deSchiller que não abordam o problema do sentido último daexistência tem vantagens preciosas sobre os "Bandidos" obratrágica. '

^Trágica, assim compreendida, não se relaciona à drama-ü«|ia^n1S_ajneiafísLca, UnLcétiço_que fracassa^nT^uT^r-Jajp^ãH^ ceticismo a.sério.Te desesperado dTcab^Fluaex^tenoa- ou um crente que vê seu amor a deus escarnecido&n,T gvvi?T ' C°m° P°r eXempI° ° terrem°t° de Lisboa noséculo XVIII, e por isso não consegue mais se aprumar; ou^a^J^_amante.compJVerto para quemapaixão é o vaTi^JHE«mo__ej1ue_chega_a..cpndiisão.^iIói^d1e^ojitrosi.toda^essas_são figuras trágicas "e t7rmi..n^ãq^ããmaçã^limite em que se rompem tôdaTaí^r-

Jms eanulatsp realidade, humana. ODeus desmoron^si" esem Deus nenhum homem pode sobreviver como homem Por-ITu --m-t-oda- desgraca--4_trágica,. mas apenas aquela querpub^^ojiomem seu p.o_u.so,_s_uajneta flriih dê "mWo~^uTeTepassa a cambalear e fica fora de si. Nisso baseia-se a conhecidaafirmação de quep_acaso_nã0_éjrágico; o acontecimento trá-

.gicore^uermna^^^quandcTlembramos de que nenhum acontecimento isolado consegue abalar realmente a fé.. O. trágico, porém, não frustra ape--"a-t,u°L°g!£lg. ou "ma esperança casual, mas destróITTóBcade um contexlõTdS rriüfiab m«irio7-Quándo a idéia dã existência exclui o acaso, como no mundo do racionalismo por exemplo, quando ohomem confia em que nada pode acontecer que148

venha a contradizer a razão, nesses casos o próprio acaso étambém trágico, e uma telha que venha a cair do teto, esmiga-lhando o crânio de um talento, não vai abalar menos o racio-nalista conseqüente que a Kleist abalou a descoberta da subjetividade da verdade.

Para que o trágico apareça como verdadeira catástrofe"mundial" é necessário inferir um mundo e compreendê-locomo a ordem generalizada. Para que o trágico cause efeito

_^e_espalhe.juaj_ôr,ça_fat.aj_k_deyerá_.atingir um homem que vivacoerente com sua idéia e nãq_vacile uni momento sobre a va-Jid£z_desTãlTdêia, Sòmente__p_^espíritq dramático satisfaz essasexigências. Conhecemo-lo como força que retém com firmeza

_asingularidade .e jrelaciona:a__com o objetivo central, o problema. Falta^essacoerência ao autor épico. Como seu mundonão êsfaT consolidado, também nãose pode despedaçar. Seupoder de esquecimento o protege contra toda constatação quepudesse vir a ser fatal. Se algo desaba, não tem obrigatoriamente que trazer atrás de si todo um edifício, porquê as partesj^o^_i_^pendent_eA_m O épico contempla estaif-r(:cicl0 ^"£.1?_.fala*ldade._e._yqlta-se para novos açpntecimentos.Quanto ao autor lírico^sje_ir_^mq^que__não consegue, absorjuumaente, uma_aproximaçãojxágica. £le não observa fatos, e

J^ajajiòmente:quandoem_uni_ss^no com as coisas. Mas o espiritodramático está sempre exposto ao perigo dxTtrágico. Nã_o__qiieeste perigo tenha obrigatoriamente .que irrolnper~a aproxj_ma-çãojlo^Jiria^i. Pode ocorrer que no fim o todo esteja acorde com'seu intento inicial, e o satisfaça como consciência de uma estrutura duradoura. Porém qj^a^m:q_niais_comeqüj^nte_o_poeta,quanto mais impetuosamente êle_comluza_sempre_adiante oquestionamento "por que razão", tanto mais cedo arroja-se aoslimites do incompatível; pois toda idéia, todo mundo é finito.E só perante um deus desconhecido detém-se o vivente.A Trágica apresenta-se, assim, como resultado sempre possível— embora não obrigatório — do estilo dramático.

O trágico surpreende o_Jierói dramático inesperadamente.J-Lte_.Er.e.9i:.upa-se com seu problema, seu deus ou sua idéia.Abandona o que hão se relaciona com essa idéia, e não lhe dá,'maiores atenções, como já insinuamos. Pode acontecer que oque êle deixa de lado não possa ajustar-se à sua idéia, mastambém não lhe seja indiferente, hostilize-a. É o que se dá como príncipe de Homburg, que obsecado por seu objetivo negligencia a ordem tio marechal, não atenta com o conselho do

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príncipe eleitor * e não percebe a situação da cabeça de ponteem.Rhyn. Igualmente Wallenstein, confiante nas estrelas, menospreza a problemática de seu meio e tendo olhos não vê. Opengo verdadeiro decorre, portanto, exatamente daquilo queambos negligenciaram por que não perceberam. O julgamento do príncipe eleitor destrói a idéia que Homburg fazia daharmonia da vida, que para seu eu parecia preestabelecida,destrói portanto, em outras palavras, seu mundo romântico. Asimples traição de Otávio vem a destruir todos os cálculos minuciosos de Wallenstein, que não tinha deixado de observarnem a aprovação dos soldados nem a aquiescência decisiva deJúpiter.

Homburg precipitara-se, isso é claro. Mas também Wallenstein, considerado indeciso, age precipitadamente. Prova de que

_a_precipitação caracteriza toda idéiajmmana. ^espírito, pas-wndopOTama de muitasj>osiibilfdades~fHÍs, apressa-wlíaraatingir_seu^ objetivo final e, enquanto isso, afasta tudo o quees.tá.fora .desse objetivo. Ateodicéia torna-se, por conseguinte,a idéia do melhor dos mundos possíveis, onde nem o mal nem osofrimento são levados a sério. O apaixonado eleva-se acimadas exigências da sociedade, enquanto o bom burguês desconhece a linguagem de uma paixão desordenada. Todo homemque consagra sua existência a uma divindade, por mais poderosa e grande que ela seja, está automaticamente sacrificandooutros que não sejam deuses. O mundo antigo completa-se ex-

•cluindo de si a interiorização. No mundo cristão asceta nãohá lugar para os sentidos e estes se vingam pela rebelião. Por

•toda a parte,

'IQuando sirvo a um,falta-me o outro. . ." 59

.Quanto mais leal o culto, quanto mais coerente a dedicação,mais difícil fica libertar-me da maldição do "falta-me o outro"'.O indeciso que hesita tomar uma posição não está agindode melhor maneira, pois apenas mascara sua finitude. Essa fi-nitude é a culpa que já existe com a essência do homem efunda toda culpa verdadeira.60

* Apenas o príncipe eleitor (Kurfürst), e não qualquer príncipe(Fürst), tinha o direito de eleger com seu voto o rei alemão.

59. Hõlderlin "O Ünico".60. Compare-se Martin Heidegger, Ser e Tempo Halle 1927

pág. 280 e segs.

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__0_modo como a questão da culpa trágica é abordada naEsjtérica leva a crer que seülpapel seja~ antes aplacar o trágicodo que fazer aflorar uma possibilidade intrínseca do homem.Dá a impressão de que a "culpa inocente" ~é apenas o desunode alguns a que uma desgraça demoníaca persegue. Em verdade, entretanto, ela preexiste„à,ação_e apenas_torna=s.e_evi-dente com o ato assumido e a consciência de sua responsabilidade. O visionário também se precipita, esse então sem a menor dúvida. Mas sua culpa não se apresenta em catástrofesclaras. Quem terja sido maTs precipitado que o romântico cujaexistência o príncipe de Homburg representou no primeiroato? Schlegel, Tieck e Novalis, entretanto, nunca se defrontaram com o trágico. Este só se apresenta se a idéia tenta realizar-se „np presente. Se Édipo sonhasse de mãos no bolso com ajustiça não conseguiria de modo algum deixar claro o contraste entre o direito humançLe o divino. Seu pathos o levaconipjjlsòriani£nte-à_comprovacãq do sonho. JE_pela ação êkchega àj;ealidade„horrenda__ como Homburg chegou, em conseqüência da batalha de Fehrbellin. A ação comprova a hipótese.Se o presente se opõe, se algo negligenciado quer fazer valerseus direitos, a ação dramática torna-se trágica. O homem trágico tem a coragem da culpa já existente na essência humana.

Não esqueçamos quej:m qualquer caso deve-se tratar do_obje_tivp__úítimo e mais elevado a que o homem esteja ligãclocomp ser humano. O Wallenstein que se vê enganado pelas-estrêlas deixa de ser Wallenstein. No momento da traição deOtávio, pode tentar convencer-se ainda de que aquilo aconteJcia "contra o aviso das estrelas e contra o destino". Mas seu

espírito conseqüente não mais tem descanso quando a lançado assassino brilha diante dele no escuro, quando percebe definitivamente o engano; êle já está destruído antes que a lança o alcance. O mesmo se dá em "Maria Madalena" de Hebbel.Mestre Antônio já não é o mesmo quando a honra do burguêsé maculada em sua frente. Êle "não compreende mais o mundo". Como poderá êle ainda planejar e agir?

Com isso procuro mostrar a fatalidade do trágico percebida por Goethe, 61 e reafirmada pelo fim funesto de Kleist. •"Apenas um espírito extraordinariamente conseqüente pode vir

61. Carta a Schiller, 9 de dezembro de 1797.* Kleist suicidou-se em 21 de novembro de 1811 a tiros de re

vólver, às margens do Wannsee, um lago das imediações de Berlim,

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.a..conheíxr-o_trigico. Mas esse espírito assim conseqüente serádestruído por êle, Terminárálouco ou süícidãMõ-seTTmênõs.

•que o cansaço cubra sua alma com uma sombra protetora. Porisso o trágico não pode ser expresso pura e diretamente napoesia. Aquele que poderia expressá-lo terá no mesmo momento deixado a esfera da realidade compreensível dos homensA compreensão, baseia-se na comunidade de um mundo limitado. Mas o desespero trágico faz justamente explodir os limites desse mundo.

A obra que mais se aproxima do trágico puro é a "Família Schroffenstein"; na estridente gargalhada final de Johanno espectador, como que atingido pelo hálito gélido de zonas-inimigas, teme pressentir o romper da loucura de Kleist. Porisso mesmo essa sua primeira obra é artisticamente quase in.suportável. Mais tarde Kleist compõe a catástrofe da verdadeou do amor de uma torre de observação bem mais elevada edistante. Em "Alquimene", nos últimos gestos e palavras dePentesiléia, no brilho da segunda noite de luar de Hombureexpressa-se a possibilidade de um estado de graça que a inson-dabihdade dos desígnios divinos pode conceder ao homem numdado momento. Kleist só veio a duvidar dessa possibilidadeem relação a si mesmo nos últimos dias de sua vida.

Schiller realiza com "Wallenstein" a tragédia do realismo.Mas ele próprio já abandona com a obra o terreno do realismo que pisava quando jovem, e contempla o destino de seuherói da perspectiva da liberdade kantiana. Isso reflete que oautor se vê capaz de destruir os limites de um mundo, porquepara ele a existência já se deixa coordenar dentro de outromundo maior. É esse o fenômeno considerado há muito pelaEftética como "reconciliação". Depois de sofrer a morte comoromântico, o príncipe de Homburg consegue essa reconcilia-ça.o na perspectiva de um mundo sem mais antinomia entreconhecimento discursivo e intuição. Enquanto o próprio Wallenstein não se reconcilia, reconcilia-se aquele que testemunhasua sorte, conduzido pelo autor - a partir do momento emque desaparece a fundamentação de esperança e planejamento terrenos - da perspectiva do idealismo. Hebbel esmerou-sequase pedantemente em mostrar vezes repetidas a explosão deum contorno mais acanhado, para a formação de um mais amplo. Tanto o mundo burguês de "Maria Madalena", como omundo do despotismo oriental em "Herodes e Mariana", comoainda o mundo germânico dos "Nibelungos" resolvem-se no

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mundo cristão. Todavia no "RgxJÉdipo" de Sófocles tem-se aJmpressão que_o_autor condena uma pretensão justa do homem, a^^ãs^J^T^^onserva-se na crença dos antepassadoscom uma lealdade inflexivèT. "~

Essa reconciliação aplaca tanto autor como público. Teriasido possível que este contínuo esforço para adiante recomeçasse, e que o próximo mundo fosse como o anterior igualmente posto em questão. _Não se pode prevg_r_um fim_deasjyp,pois, por maisj^uj^__^hpmem se esforce_não consegue livrar-sede suas limitações. E não se dá por satisfeito com elas. Assim,é uma sorte para êle que as forças de seu espírito sejam também limitadas, que êle se canse e pare de perscrutar, que nãocontinue desperto e sim adormeça e receba diariamente danatureza a dádiva imprescindível do esquecimento.

O homem é, contudo, uma criatura tenaz e a mesma sinada limitação, que o ameaça de desespero trágico, abre-lhe umasaída inesperada para a comodidade do cômico. Se dizemosque o trágico faz explodir os contornos de um mundo, diremosdo cômico que êle extravasa as bordas desse mundo e acomoi-da-se à margem numa evidência despreocupada.62

Esse extravasar-se fica bem claro em algumas tiradas dacomédia, conservadas desde Aristófanes até hoje; um personagem, ao invés de falar ao companheiro ou a alguma testemut-nha ideal, dirige-se subitamente ao público; outro chama opúblico em auxílio contra um adversário, ou confia timidamente algo à orquestra. Esses casos já se tornaram regra naparábase da antiga comédia, e de tão evidentes já são esperados, não provocando mais o riso imediato.

Falo e Pança, criações de Aristófanes, um nariz tremendamente vermelho ou uma orelha em forma de colher, excedemigualmente os contornos normais, aqui criados pelo contextode um todo orgânico, que temos em mente ao examinar umcorpo humano. Ludibria-se, com isso, uma expectativa aprio-rística, ou se deixa subitamente de realizar um plano.

62. Compare-se com Emil Staiger, O Tempo como Força de Imaginação do Poeta. Zurique, 1539, pág. 173 e segs.

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O mesmo se dá com sons da língua que provocam o riso.Quando lemos na paródia "Judith" de Nestroy os versos des-concertantes.

"Uma refeição frugal faz o Holofelaapenas uma galinha com salada e porco,uma vitela.. ."

nossa atenção dispersa-se, fugindo do sentido global, atraídaà força pela rima excessivamente importuna. A tensão que oobjetivo da frase cria em nós não se sustenta, e como que escorregamos pelo lado e declinamo-nos com o jogo de palavras gratuito. As rimas líricas comuns não despertam o riso,porque a suave consonância leva o sentido apenas a pairar ea ressoar, .mas não foge à rede de significação. Também nãoé cômica a cadência que condiciona discretamente as palavras;do verso, e sim aquela que chama a atenção sobre si e zombade qualquer esforço por adaptar-se ao sentido, como na balada de Schiller "Der Gang nach dem Eisenhammer" ("Ao Ritmo do Martelo"), ou alguns versos de Wilhelm Busch.

O que extravasa pelas bordas do mundo cômico deve seragradável e bastar-se a si mesmo. Se um ator não domina seupapel e procura em volta alguém que possa ajudá-lo, isso deixa de ser cômico, e causa apenas aborrecimento. Nenhum adulto sorri de um corcunda, porque sabe calcular os sofrimentos!causados por tal deformação. Mas por mais sérias que sejam)as anomalias de Falo, Pança e Traseiro, suas hipertrofias indicam apenas excesso de prazer. Se alguém exibe uma pança descomunal, deixa claro que tem uma vida mais fácil que a nossa, e ó está provando pela aparência. Um engano do texto"também desvia nossa atenção do encadeamento global, mas nãoprovocará o riso do mesmo modo que a rima e a cadência exat-geradamente marcadas, na medida em que não conduza a algoque se baste por si mesmo e prestigie uma existência irrefletida.

A teoria do ridículo vem de há muito apaixonando e aomesmo tempo desgastando a Estética. Alguns céticos compra-zem-se em apontar incongruências nas tentativas de sistemati-zação. Mas se examinamos, minuciosamente, o caso não é tãodesanimador. Cada qual consegue esclarecer pelo menos seuspróprios exemplos e assim contribui para a interpretação dafenomenologia do ridículo. Não é aqui o lugar para examinarmos a quantidade incalculável de ensaios sobre o assunto, já

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que apenas nos preocupa o que se relaciona com o estilo dra>-mático. Vamos tentar esclarecer a tese através de poucas referências:

Kant drz na "Crítica do Juízo":

ü nso ^ a paixão decorrente da transformação~^ubitã~de uma expect~ativã~d"è~nsa em nada". 63

O que Kant chama "expectativa" corresponde ao a priorido "mundo", do projeto, dentro do qual o homem está sempre adiante de si mesmo em qualquer ato de conhecimento,em qualquer vivência. Essa expectativa não se transforma porém num nada —o que seria decepção —e sim decai, porquealgo mais espontâneo e mais desconexo vem despontando.

Sígmund Freud explica a sensação de comodidade do risoa partir das "energias armazenadas". 6*

Friedrich Theodor Vischer procura definir a "expectativa" do que se aproxima, esclarecendo que ela é devida a "algoque se vem enunciando como sublime e que é captado numimpulso mais ou menos patético".65 Essa expectativa dissipai-se pela "bagatela de qualquer coisa pertencente ao mundo inferior das aparências, coisa essa que de súbito se intromete pelosublime, antes oculto, derrubando-o ao nível do chão. Mas assim restringe-se muito o sentido da "expectativa". Pode-se explicar dessa maneira a comicidade do "Dom Quixote", ou coisa semelhante. Mas em muitas das "peças" pregadas por Eu-lenspiegel a expectativa não é sublime, mas no máximo racional. Vischer, portanto, examina apenas um dos meios —porsinal dos mais ricos —de desencadear o riso, aquele em que oriso provém da economia de um projeto sublime.

Para Schopenhauer é a "percepção da incongruência entre o que se pensa e o que se vê" que provoca o riso. Ouçamoso que êle diz na segunda parte do "Welt ais Wille und Vor-stellung" ("Mundo como Vontade e Imaginação").

63. Edição Insel, Leipzig, 1924, vol. VI. pág. 213.

64. A Anedota e sua Relação com o Inconsciente, 4.» ed Leipzig, 1925.

65. Sobre o Sublime e o Cômico, Stuttgart, 1837, pág. 158.

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"Do conflito repentino entre o que se contempla e o quefe tem na mente, conclui-se que o contemplado- tem semprerazão indubitável: não está sujeito a engano, não necessita deuma comprovação de fora, testemunha-se pela simples presença. O conflito com o pensado nasce em última análise, porqueeste não pode rebaixar suas noções abstratas às modalidades,e nuances do que se contempla. Essa vitória do conhecimentovisual sobre o pensar alegra-nos, porque o primeiro é o modooriginal de conhecimento, próprio da natureza animal, e representa a satisfação imediata de um impulso. É o instrumento do presente, do prazer e da alegria, e não requer qualquer1esforço. O contrário se pode dizer do pensar: é a segunda potência do conhecimento, cuja prática exige em geral grande,esforço e cujos conceitos vão muitas vezes se opor à satisfaçãode nossos desejos espontâneos, servindo como instrumento dopassado, do futuro, e das coisas graves, ou de veículo a nossostemores, a nosso remorso e a toda as nossas preocupações".ss

. Poderíamos fundamentar tal esclarecimento com uma infinidade de exemplos convincentes. Êle capta magistralmentea chamada "altura da queda", o relacionamento dos dois planos entre os quais impera o riso. Apenas os termos "pensar"e "contemplar" são dúbios. Nem sempre projetar é pensar. Odesejo, a curiosidade sensual, o medo cego também fazem projetos. Quando nos "Sonhos de uma Noite de Verão" aparecede repente a cabeça de burro do tecelão, não se tinha pensadoabsolutamente em tal coisa; é diante daquela grotesca e inesperada aparência que se faz notar em contraste a atmosferaflorestal temerosamente romântica. A consideração da coerência de um todo orgânico que torna Pança e Falo cômicos é, naverdade, uma visão que se projeta. Porém as risadas são provei-cadas por qualquer tipo de projeto que se mostre inadequado,que crie uma tensão exagerada. Com isso distensionamo-nosdo que — na expressão de Schopenhauer — constitui a essência mais elevada do homem, isto é do esforço de síntese quetorna possível qualquer experiência e qualquer conhecimento, segundo o esquema "adiantar-se" e "voltar a". Nem sempredescemos logo ao plano animal; já o quotidiano e o prosaicofogem muito aos limites do sublime e se tornam ridículos; emKeller, por exemplo, Viggi Stõrteler escreve cartas de amor1buriiadíssimas e põe um postscriptum falando sobre os troços

66. Obras Completas, editada;-; por O. Weiss, Leipzig, 1919, vol.II, pág. 120.

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da loja, coisa que, entretanto, numa simples carta comerciaUnão resultaria ridícula. Do quotidiano passa-se então ao ingênuo e daí ao indecente. É essencial aqui que o fático exija menos gasto de energia que o projetado, e que o esforço que vaitentar realizar o projeto se veja de súbito desnecessário. Onome John Kabys-Ervinha desliga-nos das elevadas paragensanglo-saxônicas para uma conhecida e abundante planta denossos jardins. O efeito cômico das nádegas de Pompeu, em.Shakespeare, nasce do desnível entre a grandiosidade romana,e uma das partes do corpo de menor dignidade, sobre a qualqualquer pessoa se conserva quando sentada, por mais diferentes movimentos que faça.

Não é fácil analisar-se os exemplos capazes de produzir»efeitos cômicos, e algo no homem procura quase sempre evitar o fenômeno e sua interpretação. Mas interessa saber de queo riso relaxa e a que êle nos quer conduzir. A comédia do ra-cionalismo contenta-se com uma modesta "altura da queda".Seus heróis são doentes imaginários, o hipocondríaco, o ava-rento —um tipo que dificulta sem necessidade a própria vidae a de outros. O sublime conceito de honra de Tellheim na"Minna von Barnhelm" representa já uma variedade últimabem refinada do jogo. O riso, aí, provém de uma seriedadede certa forma exagerada e vai terminar na certeza de uma-vida racional que não necessita qualquer esforço para ser agra«-dável e íntegra, e portanto ainda não desce a baixezas mas seconserva no plano do quotidiano aprazível de uma boa sociedade. Já a farsa de Goethe "Deuses, Heróis e Wieland" começa a este nível, para terminar na rude evidência da vitalidadede Hércules. Mas ainda aí a "altura da queda" não é grandeEla chega até as bases da eroticidade mais elementar (queGoethe, aliás, procura só descobrir parcialmente), mas não seinicia em nível bastante alto. A comédia do barroco, essa simque se desenrola do alto das mais pomposas pretensões até des-fazeiVse em indecorosidades quase animais. Hoje assustamo-nosao ler o "Horribilieribrifax", ou dentre as comédias antigas,a "Lisístrata", em que o problema sério "guerra ou paz", asalvação da própria cidade, vai descambar na simples satisfação dos desejos sexuais, tanto que o político lascivo abandona;de bom grado os interesses do estado, exclusivamente para, alcançar o objetivo imediato para o qual seus instintos o arrastam desesperadamente.

O leitor mais delicado perguntará como dar a tais obraso título de grande criação. Mas só no riso que o cômico pro-

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^ voca jAJíá um grande triunfo c urna verdade índestn-tível.^Novamente o homem percebe seus limites, mas agora, êle não

pode deixar de louvar essa limitação. Êle planeja, projeta, reflete' e relaciona. Está sempre adiante de si mesmo e procuraresumir a totalidade da vida sob uma perspectiva. Por isso,justamente, êle fica sempre atrás de si. E do mesmo modo queo trágico, o cômico o toma de emboscada mas não para destruí-lo, e sim para fazê-lo silenciar com o grito: "pare! paraque isso?". Sósias no "Amphitrion" considera inteiramente dispensáveis as minuciosas investigações sobre a essência da identidade, e há em nós algo que lhe dá razão, uma teimosia dajvida que não deixa roubar seu direito natural e despreza debom grado toda fundamentação.

Aqui já podemos fazer uma idéia de como o cômico pertence ao estilo dramático. O autor cômico cria a tensão, para/desfazê-la em seguida. Ele finge que que7Trlrímíõ~lbnge,_parano momento em que nós fazemos os preparativos, economizá-Jos e. ir, então, provar algo, cuja evidência dispensa quaisqueresforços. "Com que fim! para que isso?", este é o ritmo em quose move nossa razão. O problema, o pathos, resolvem-se sem-

' pre sucessivamente por si mesmos. Com isso naturalmente põemem perigo a unidade da obra dramática. O esforço em direçãoao objetivo é interrompido. Aristófanes começa as "Rãs" diretamente com o efeito do riso. O ouvinte espera uma ação eprepara-se para prestar atenção. Ao invés disso, aparece Dionísio com o escravo Xantias, que lhe pergunta se êle não vaidizer nada indecente, como é costume entre os escritores decomédias. Essas palavras e atitudes deseducadas tornam desdejá desnecessárias quaisquer previsões e esforços e contêm, além

•disso, um certo sentido polêmico em relação aos rivais do po_e-ta. Abandona-se, assim, o círculo da ilusão, antes mesmo dele

.formar-se totalmente. Dessa maneira ficamos impossibilitadosde prosseguir. Chegamos a um beco sem saída e precisamos!ser iniciados de novo no contexto de uma ação. Assim prosse;-gue-se sempre, no antagonismo da tensão dramática e disten-ção cômica. Os autores cômicos modernos procedem igualmente. Lembremos agora apenas a cena de "Diamante do Rei dosEspíritos" de Raimund. O herói amável, Eduardo, está muitopreocupado. Tentamos, então, uma solução, para o bem oupara o mal. Enfim, depois de várias cerimônias, evoca-se o espírito de seu pai. O espírito aparece, fala a Eduardo:

"Sou seu pai Zéfiso, e não tenho mais nada a dizer-lhealém disso".

e desaparece em seguida. Com isso, não se chega a nada, oumelhor, chega-se tão somente a um jogo de sons bem agradávela nossos instintos lúdicos e que nos faz inicialmente abrir mãoda decisão esperada. Assim, contrariando inteiramente a objetividade dramática, chegamos freqüentes vezes a algo essencialmente gratuito mas sem dúvidas deveras satisfatório.

Quanto mais um autor tende ao cômico, tanto mais é tentado a criar tensão dramática, mas apenas para desencadearo riso, e dispersar-se em uma infinidade de minúcias ridículas.Aristófanes, Plauto, Shakespeare em suas peças mais rudes, Mo.lière em suas farsas, Gryphius, Raimund não se inibem a esserespeito. Entretanto a comédia está sendo freqüentemente reformada como criação literária. Estabelece-se, assim, aquele tipo em que se mantém uma tensão uniforme e o ridículo atuaapenas como auxiliar da ação, tipo que na língua alemã a"Minna von Barnhelm" representa magistralmente. Merecedestaque a comédia de Kleist "O Cântaro Quebrado". A forma de júri garante do princípio ao fim o traço dramático. Ojuiz mesmo é o réu, e por isso tenta fervorosamente desviar aatenção do assunto que realmente interessa. A comicidade desuas digressões e disfarces oferecem a necessária resistência queWalter, membro do tribunal terá que romper. Essa resistência novamente faz crescer a tensão. Uma vem em auxilio da ou

tra. É a peça mais espirituosa que um dramaturgo já conce->beu em todos os tempos, tão perfeita no cômico como o "ReiEdipo" nó trágico.

Não nos surpreenderemos com o fato de Kleist, o melhorautor trágico dentre os dramaturgos da idade moderna, ter sidotambém o maior cômico. Se a sentença de Sócrates, no final do"Banquete" de Platão, dizendo que o autor trágico será também cômico, quer realmente expressar algo difinitivo, terá <)uesignificar o seguinte: que o trágico em seu ofício só conseguealgo verdadeiramente aniquilador, quando, ao invés de despencar-se no precipício do nada, cai no terreno do cômico, epor sobre os destroços de seu mundo faz entoar a risada autêntica daquele que sabe que o espírito não pode ser real semiuma base física, que essa base física, ao contrário, pode dispensar o espírito e se basta a si mesma em gozo igualmenteelementar.

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