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III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares1
O ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA COMO POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL DAS PESSOAS SURDAS NO
SISTEMA PÚBLICO ESTADUAL DE ENSINO DE SÃO LUÍS – MA
Maria Nilza Oliveira Quixaba ([email protected])1
Resumo:
O presente estudo traz para reflexão a importância do ensino da Língua de Sinais Brasileira – LSB como possibilidade de inclusão sócio-político-cultural das pessoas surdas no sistema público estadual de ensino de São Luís-MA. Tendo em vista que as políticas de inclusão tem direcionado para uma proposta educacional bilíngue, e o que se tem percebido, é que além das escolas ainda não estarem no dizer de alguns atores sociais, “ainda não preparados” para essa realidade, ainda se monstram pouco aberto para uma proposta bilíngue, ou seja, ter que aprender uma língua sinalizada. Sendo assim, com a intenção de efetivar uma proposta inclusiva, passa-se a ser oferecido na rede de ensino estadual cursos de Língua de Sinais Básico. A grande questão que se instaura, é que os cursos na maioria das vezes não saem do curso básico, o que compromete, em certa medida, a inclusão dos alunos surdos nesta rede. Na perspectiva de analisar estes fatores mencionados, que constituí-se este estudo, realçando o cenário que se instalou a problemática que envolve o ensino da língua como possibilidade de inclusão sócio-político-cultural destes alunos surdos das escolas estaduais.
Palavras-chave: Ensino da Lingua de Sinais. Inclusão. Pessoas Surdas.
Abstract:
TEACHING THE LANGUAGE OF SIGNS AS BRAZILIAN POSSIBILITY OF SOCIO-POLITICAL INCLUSION OF CULTURAL PERSONS DEAF STATE
SYSTEM OF PUBLIC EDUCATION OF SAO LUIS - MA
This study brings into consideration the importance of teaching the Brazilian Sign Language - LSB as the possibility of including socio-political-cultural system of deaf people in state public schools in São Luís, MA. Considering that inclusion policies is directed to a bilingual education proposal, and what has been perceived, is that besides the schools are not yet in the words of some social actors, "not yet prepared" for this reality, even if some strate open for a proposed bilingual, ie, having to learn a language marked. Thus, with the purpose of effecting an inclusive proposal, is to be offered in the state education network courses Basic Sign Language. The big question that is established, is that the courses most often do not leave the basic course, which commits to a certain extent, the inclusion of deaf students in this network. A view to considering
1 Bióloga, Especialista em Educação Especial, Inclusão e LIBRAS, Mestra em Educação e Professora da Secretaria de Estado da Educação.
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these factors mentioned, which are built upon this study, highlighting the scenario that settled the issue involving the teaching of language as the possibility of including socio-political-cultural these deaf students from state schools.
Key words: Teaching Sign Language. Inclusion. Persons Deaf.
Introdução
A inclusão escolar do surdo tem sido marcada por diversos obstáculos, não só
pela imagem social que foi sendo construída ao longo do tempo, uma vez que a surdez
era vista como algo patológico e, em função disso, alimentavam-se argumentos de que
esta seria impeditiva para que as pessoas surdas tivessem acesso à aprendizagem,
portanto, esse “defeito” deveria ser corrigido. A indefinição de qual seria a melhor
língua para sua instrução, também era um grande obstáculo.
As pessoas surdas eram vistas como seres improdutivos; muitas vezes foram
confundidos como loucos por usarem expressões corporais e faciais para se
comunicarem, e esta forma de comunicação era tida como exótica e diferente, causando
com isso, espanto para aqueles que não a conheciam. Desconsideravam-se as condições
biológicas favoráveis para o uso de uma modalidade linguística viso motora na
educação dos surdos. Ainda hoje, o sistema escolar brasileiro tem encontrado
dificuldade para ofertar uma educação com qualidade às pessoas com deficiência.
Pensa-se que os obstáculos retratados possam ter contribuído para que os
educandos surdos fossem ignorados pelos sistemas de ensino do país ao longo dos anos.
Comprova-se esta afirmativa pelo baixo índice de educandos surdos matriculados no
sistema regular de ensino público, principalmente, no ensino superior. É inegável que
nos últimos anos as políticas de inclusão educacional no Brasil têm contribuído para que
programas e projetos contemplassem a inclusão dos surdos nos espaços educacionais,
porém, tal iniciativa não se constituiu suficiente.
O sistema público brasileiro ainda hoje não conseguiu sistematizar uma
proposta pedagógica que garantisse aos surdos ter como primeira língua de instrução
uma língua de base viso motora, não considerando as condições biológicas propícias 2
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para o uso da língua de sinais. Porquanto, pensa-se, que a língua de sinais brasileira seja
o meio ideal para os surdos acessarem a informação, a comunicação e a educação.
Entretanto, frequentemente tem-se observado, a exemplo nacional, que o sistema
educacional público estadual tem exigido e repassado conhecimentos com base
comunicativa na língua portuguesa, e os surdos não têm respondido, na sua maioria, de
forma satisfatória, e muitas vezes têm desistido de frequentar a escola por não se
enquadrar nas condições impostas por ela.
Acredita-se que isso ocorra em função dos mesmos não terem tido a
oportunidade de aquisição da língua de sinais, naturalmente, na família ou na escola.
Não tendo uma base linguística, não conseguem fazer referência com a língua oral, na
modalidade escrita. Mediante a necessidade de reflexão sobre a problemática que
permeia a aquisição da língua de sinais brasileira pelo educando surdo e a sua inclusão
social, cultural e linguística que se delineou o presente ensaio teórico, o qual consiste
em analisar a importância do ensino da Língua de Sinais Brasileira, como possibilidade
de inclusão sociopolítico-cultural das pessoas surdas no sistema público de ensino de
São Luís- MA.
O Ensino da Língua de Sinais Brasileira no Sistema Público Estadual de Ensino de
São Luís-MA.
Ao retroceder na trajetória histórica educacional da comunidade surda percebe-
se que a escolha da melhor forma de possibilitar o acesso à instrução, à comunicação,
aos bens sociais, lazer e trabalho sempre esteve relacionada às diferentes interpretações
adotadas, em diferentes tempos e espaços, relacionada diretamente com a
impossibilidade de ouvir e as diferentes formas de comunicação. A resolução dessa
problemática não foi e nem tem se configurado fácil, porque a modalidade comunicativa
sempre representou um problema que precisaria ser solucionado.
Ao longo da história várias tentativas foram empreendidas, umas exitosas
outras nem tanto. A grande questão que precisava e ainda precisa ser elucidada, é que
pensa-se muito sobre a melhor alternativa para solucionar o “problema” da
impossibilidade de ouvir em diversos períodos da história educacional dos surdos, no
entanto, não se observa na maioria desses períodos a escuta dessas pessoas. Sempre se
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decide pela ótica muitas vezes, dos não surdos, que tem maneira diferente de ver e
significar as coisas, provocando assim, distanciamento muitas vezes dos interesses da
comunidade surda. Diante dessa situação, algumas perguntas são necessárias: Será que
estes concordam com o modelo de inclusão adotado pelo país na atualidade? O modelo
bilíngue defendido pelos sistemas de ensino tem atendido as suas expectativas e
necessidades comunicacionais?
O que se propõe é que se desloque o entendimento da surdez como sendo a
falta de algo, para o entendimento de que existe uma diferença e que estas pessoas
constroem suas significações por intermédio da experiência visual, por meio da língua
de sinais e compreendem o mundo na interação com seus pares linguísticos e que esses
aspectos precisam ser considerados e respeitados. Talvez por não terem tido a
oportunidade de opinar sobre o seu processo de escolarização, que as tentativas em
favor da sua educação tenham registrados tantos insucessos, impossibilitando assim,
estarem inclusos nos níveis mais elevados de ensino.
O Estado do Maranhão, a exemplo do resto do país, seguiu acompanhando as
determinações nacionais; na maioria das vezes fundamentava-se em princípios
ideológicos clínico terapêutico, que defendia a oralização como meio mais eficaz para o
surdo ter acesso ao ensino. Por muito tempo esse pensamento foi alimentado por
pesquisadores de diversas áreas, entre eles médicos e educadores, que percebiam nesse
modelo, a alternativa mais viável para educá-los. Esse entendimento durou décadas e
influenciaram nos direcionamentos da educação no mundo, no Brasil e no Maranhão. E
o sistema educacional de ensino estadual operava conforme as deliberações nacionais.
Vale realçar que estas mudanças aconteciam de acordo com os interesses vigentes.
O que comprometeu em certa medida o avanço dos processos educacionais que
por muitas vezes enfrentou dificuldades de várias ordens, entre elas: práticas
pedagógicas ineficazes baseadas na oralização; discrepância entre o proposto na
legislação e a realidade das escolas destinadas à educação dos surdos, ausência de
recursos humanos e materiais, e a forma de perceber e entender as necessidades
linguísticas específicas dos surdos e por muitas vezes o desinteresse do poder público
em relação o atendimento as suas necessidades educacionais. Soares (2005, p. 2), ao
analisar a proposta curricular do MEC/CENESP (1979b), constatou
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naquele momento, que a orientação fornecida tornava o professor de surdos muito mais um terapeuta da fala, ou seja, seu trabalho estava muito mais voltado a uma atuação clínica. O que, por consequência, fez que subordinava o ensino das disciplinas escolares aos resultados satisfatórios da produção da linguagem oral.
Seguindo assim, a opção, pelo método oral já que sua orientação surgiu do
pressuposto que
a criança surda deve inicialmente ser introduzida na linguagem oral antes de iniciar seu conhecimento através da escrita. Isso significa que todos os conceitos relacionados às disciplinas contidas no currículo escolar devem inicialmente ser aprendidas através da linguagem oral e, a partir desta aquisição, é que gradativamente vai sendo exposto o conteúdo escolar. A aquisição da linguagem oral é pré-requisito para a aquisição da linguagem escrita e, por isso, é dada maior ênfase nas atividades de treinamento dos órgãos fono articulatórios e aproveitamento dos resíduos auditivos (SOARES, 2005, p. 2).
Com essa atitude colocou-se em segundo lugar o ensino e priorizaram-se as
atividades clínicas na educação desses alunos, principalmente, nas escolas públicas.
Mediante essa assertiva, comprova-se que o cenário do sistema público
estadual de São Luís do Maranhão assemelhava-se à realidade da maioria dos
municípios brasileiros, e as consequências foram diversas. Silva e Nembri (2008, p. 11-
12) ilustram bem essa realidade quando dizem
diferentes práticas pedagógicas têm sido desenvolvidas e aplicadas no que se refere à educação de surdos. No entanto, nota-se que um grande número de surdos, ao concluir sua escolarização básica, não é capaz de ler e escrever fluentemente ou de ter domínio sobre os conteúdos pertinentes a este nível de escolarização. Pode-se aqui, inferir que esta lacuna esteja diretamente ligada a uma série de fatores que vêm acompanhando o processo educacional do surdo por gerações. Entre esses fatores, pode-se destacar, como afirma Reis (1992, p. 198), “a escola não tem assumido sua função básica de educação, de escolaridade, pois tem adotado, em substituição ao trabalho pedagógico, uma ação terapêutica- preocupada com a reabilitação da fala e da audição – espaço esse onde está centrado o poder médico, poder da ciência, o poder da normalização”.
Não se nega a importância da área da medicina, bem como as suas
contribuições no decorrer do contexto histórico da surdez, o que não se pode esquecer é
que os estudos dessa área do conhecimento não respondem as questões pedagógicas e
outras necessárias para a educação dos surdos. Em razão disso, sugere-se que se
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busquem conhecimentos da linguística, da pedagogia e de outras áreas, ou seja, que se
aproxime as diversas áreas do conhecimento, tais como: socais, naturais, humanas e
tecnológicas para que assim possam contribuir, minimizar ou possivelmente, reduzir o
distanciamento entre os princípios que os surdos reclamam como importantes para sua
formação e os princípios que alicerçam as ações destinadas a eles. Entre os fatores que
“distancia de seus princípios básicos é a simplificação curricular que, muitas vezes,
acontece em função da dificuldade de comunicação causada pela insistência na corrente
oralista de educação” (SILVA; NEMBRI, 2008, p. 12).
É relevante focalizar que após os estudos do americano William Stokoe. Em
1960, iniciou-se um novo pensar sobre a comunicação por meio da língua de sinais, com
a junção de seus estudos e de outros linguistas de diversos países; as línguas de sinais
passaram a ocupar lugar de destaque nas discussões sobre as possibilidades
interacionais da mesma, e a sua eficácia como mecanismo fundamental para a interação
do surdo e, consequentemente, seria a melhor alternativa para sua instrução.
E com esse movimento foi se fortalecendo, no século XX, a defesa pela
abordagem bilíngue na educação, tendo em vista que esta abordagem educacional
bilíngue ou bilinguismo consiste em propor que
[...] sejam ensinadas duas línguas, a língua de sinais e, secundariamente, a língua do grupo ouvinte majoritário. A língua de sinais é considerada a mais adaptada à pessoa surda, por contar com a integridade do canal viso gestual. Por que as interações podem fluir, a criança surda é exposta, então, o mais cedo possível, à língua de sinais, aprendendo a sinalizar tão rapidamente quanto as crianças ouvintes aprendem a falar. Ao sinalizar, a criança desenvolve sua capacidade e sua competência linguística, numa língua que lhe servirá depois para aprender a língua falada, do grupo majoritário, como segunda língua, tornando-se bilíngue [...] (LACERDA, 1996, p.77).
No entanto, enquanto a maioria dos estados da federação já discutia as
possibilidades de uma abordagem educacional bilíngue, São Luís, a capital do Estado do
Maranhão e lócus onde aconteceram as maiores iniciativas em prol da educação de
surdos, ainda tentava se reordenar para compreender esse momento histórico.
Segundo Cabral (2005), o ensino para as pessoas surdas só começou
oficialmente em São Luís na rede estadual, em 1966. E que a Escola Modelo Benedito
Leite teria sido a primeira escola a atender surdos, e que estes atendimentos eram em 6
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classes especiais. A autora afirma ainda, que no ano de 1971, estas classes especiais
foram transferidas para a Unidade Integrada Raimundo Corrêa, permanecendo lá por
mais de vinte anos.
Já no início da década de 1990, a Escola Raimundo Corrêa, seguindo os
princípios da filosofia oralista, foi equipada com “salas acústicas, cortinas, mobiliário,
ar condicionado e professores especializados”. Estes equipamentos permitiam atender
os surdos coletivamente e individualmente (CABRAL, 2005, p. 40).
Na sequência, após reivindicações de pais de alunos surdos e profissionais da
área ampliaram-se as classes especiais para surdos para as escolas: Unidade Escolar
Castelo Branco, Unidade Integrada Monteiro Lobato, Unidade Escolar Estado do Piauí
e Complexo Educacional de Ensino Fundamental e Médio Governador Edison Lobão.
Sendo que a última se tornou referência para a comunidade surda, constituindo-se
espaço essencial de interação linguística e fortalecimento cultural, por reunir um
significativo número de alunos surdos e visitantes surdos de outros municípios até
mesmo de outros estados. A referida escola foi fundada em 1995 e é mais conhecida
como CEGEL. Torna-se relevante esclarecer que classe especial é a
Sala de aula em escolas de ensino regular organizada de forma a se constituir em ambiente próprio e adequado ao processo ensino-aprendizagem do alunado da educação especial. Nesse tipo de sala, os professores capacitados selecionados para essa função utilizam métodos, técnicas e recursos pedagógicos especializados e, quando necessário, equipamentos e materiais didáticos específicos (CAIADO, 2006, 139).
Ainda hoje essas classes especiais permanecem em São Luís, por ser ainda um
dos poucos lugares em que os surdos estabelecem contato com seus pares linguísticos e,
fundamentalmente, para a aquisição da língua de sinais, em função de a maioria não
contar com familiar que saiba se comunicar em língua de sinais. A luta mais recente se
concentra na criação de escolas bilíngues de fato, tendo em vista as escolas propagarem
o bilinguismo, mas, na prática, a língua oral é que tem imperado. Muitas vezes se utiliza
a língua para se comunicar, porém, quando se vai avaliar ou realizar as atividades
acadêmicas, sempre cobra-se respostas na língua oral.
Cabral (2005, p.41), ao analisar a situação educacional dos surdos na cidade de
São Luís, percebeu que
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As várias tentativas de Integração não obtiveram êxito, pois o critério exigido era o domínio da língua oral. Poucos alunos conseguiram continuar e concluir o ensino fundamental e médio. A maioria abandonou os estudos ou voltou para as classes especiais, que por sua vez também apresentavam diferentes problemas, como: desníveis dos alunos; falta de seriação das turmas; atendimento segregativo nas escolas; descaso das autoridades; prática da filosofia Oralista e/ ou Comunicação Total; ausência de professores especializados.
Os problemas apresentados são reflexos do entendimento que os gestores da
educação tinham em relação à educação de pessoas com deficiência e os surdos, nesse
cenário, eram bem mais prejudicados em função das questões de inacessibilidade à
comunicação de maneira considerada normal (oralização) na época.
É relevante registrar que, em 1996, uma professora da rede estadual de ensino
retornou do Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES após ter concluído um
curso de especialização na área de surdez. Ao retornar, a referida professora estimulou a
realização de diversas seções de estudos com alguns professores da área para refletir
sobre a Inclusão educacional dos surdos e a abordagem bilíngue na sua educação.
Outro marco importante que merece ser registrado aconteceu em 1998, quando
um grupo de quatro alunos surdos, egressos de classes especiais, foram inclusos na sala
regular de ensino, na 5ª série do ensino fundamental, no Complexo Educacional de
Ensino Fundamental e Médio Governador Edison Lobão. Para a mediação entre os
professores e alunos ouvintes e alunos surdos inclusos, foram retiradas duas professoras
com conhecimento em língua de sinais das classes especiais para esta sala regular.
Conforme Albuquerque (2005, p. 19), na sua pesquisa monográfica sobre a
construção da escrita por alunos surdos em salas de recursos, nessa mesma década
aconteceu o III Congresso de Educação de Surdos em Goiânia – GO., onde algumas professoras se fizeram presentes, e, aproveitando a ocasião, teceram críticas sobre o oralismo e registraram suas convicções de que a língua de sinais é fundamental para a aprendizagem e desenvolvimento sócio cultural das pessoas com surdez.
Tal registro permite inferir que neste período alguns profissionais já
manifestavam posicionamentos contrários a abordagem educacional fundamentada no
oralismo. No entanto, ainda se mantinha fortemente a abordagem oral em quase todos
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os municípios maranhenses e também em São Luís. Entende-se, assim, que a partir da
década de 1990, as escolas da rede estadual de ensino ampliaram os seus atendimentos
como intuito de promover a inclusão das pessoas surdas, principalmente, motivadas pela
declaração de Salamanca (1994).
Com a influência dos tratados e acordos internacionais, que motivaram a
universalização do ensino para todos somado as recomendações da Declaração de
Salamanca, o movimento em defesa a inclusão dos surdos se intensificou e as pesquisas
acadêmicas no mundo todo, em diversas áreas, continuaram comprovando que os surdos
que tiveram a chance de serem alfabetizados em língua de sinais apresentaram um
desempenho acadêmico surpreendente. Em função desses resultados satisfatórios, é que
passou-se a defender a língua de sinais como a língua natural do surdo, devendo ser
considerada como primeira língua (L1) e a segunda oral (L2), na modalidade escrita.
Vários cursos de formação de professores passaram a ser oferecidos na rede estadual de
ensino e gradativamente nos municípios do interior.
Interessa informar que em 2002 realizou-se uma das primeiras iniciativas mais
importantes empreendidas pelo Ministério da Educação em parceria com a Secretaria de
Estado da Educação, em relação a formação de docentes, o Curso de Formação de
Professores para a área de Deficiência auditiva. Contudo, apesar do curso ter tido uma
carga horária de 100 horas e conter no programa curricular conteúdos sobre a Língua de
Sinais Brasileira, pouco se viu a esse respeito, a abordagem do curso seguia a linha
clínica terapêutica. O curso destinava-se a professores da rede regular de ensino, tanto
de classes especiais, quanto de salas comuns.
Apesar do curso não ter permitido o aprofundamento de conhecimentos em
língua de sinais, foi em 2002, que o ensino de língua de sinais passou a se fazer presente
mais fortemente nas escolas que atendiam surdos. O reconhecimento oficial da língua
de sinais contribui significativamente para que a língua de sinais fosse reconhecida e
aceita pela maioria dos professores. Essa oficialização ocorreu pela Lei nº 10.436 em 24
de abril de 2002 e, posteriormente, foi regulamentada pelo Decreto nº 5. 626 em 22 de
dezembro de 2005.
Torna-se oportuno informar, ainda, que no Parágrafo Único da referida Lei a
língua de sinais é entendida
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como Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual - motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002, p. 1).
Cabe esclarecer que neste estudo optou-se pelo uso do termo língua de sinais
brasileira - LSB e não língua brasileira de sinais - LIBRAS como foi oficializado, por
entender que seja mais adequado, seguindo assim, a orientação do acordo internacional
que recomenda aos países a utilizarem apenas três letras para referenciar as línguas de
sinais. O termo LIBRAS remete a um problema semântico. Pois existe uma língua de
sinais no Brasil e não uma língua brasileira de sinais, conforme argumenta Sassaki
(2004) em seu artigo Terminologia sobre Deficiência na era da Inclusão, em que chama
atenção para a importância de utilizarmos a nomenclatura correta. No país várias
pesquisas e diversos profissionais da área utilizam o termo LSB para denominar a
língua de sinais, tal como é referenciada internacionalmente.
Desse modo, considera-se que a língua de sinais seja a mais adequada para
suprir as necessidades de comunicação dos surdos por ser ideal para atender as suas
necessidades básicas em decorrência das suas limitações biológicas. Considera-se ainda
que a língua de sinais deva ser reconhecida como primeira língua de instrução e a língua
portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, por ser a língua oficial do país e
por permitir aos seus usuários um meio de aquisição de cultura, inclusão social, política
e outros.
Entretanto, o que se tem percebido é que o direito de ter acesso à informação
por meio da língua de sinais tem sido impossibilitado em virtude do despreparo dos
educadores no sistema público estadual em relação ao atendimento aos alunos surdos. A
pesquisa de Albuquerque (2005, p. 70) constatou que
[...] o despreparo e o desconhecimento dos educadores para lidar com o aluno surdo, o que revela a reiterar a necessidade de dar continuidade ao processo de formação de professores que atuam com educandos surdos, pois um dos aspectos relevantes, que esta pesquisa verificou, é a grande dificuldade que os educadores têm em compreender a forma como o aluno surdo articula a sua produção textual.
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O despreparo mencionado está relacionado diretamente com o tipo ou ausência
de formação nessa área pelos professores, o que compromete o processo de ensino e a
aprendizagem desses alunos surdos, como também inviabiliza a sua permanência nesses
espaços inclusivos de forma produtiva. A presença de um profissional intérprete de
LIBRAS no espaço de sala de aula não é o suficiente, porque ele só permanece
enquanto a aula está sendo ministrada, e depois como fica a elaboração das atividades e
a correção da avaliação? o texto do surdo é considerado baseado em quais critérios, o da
língua oral a qual o professor é usuário ou da língua que o surdo é usuário? Não seria
melhor usar o termo nativo da língua de sinais do que usuário? Usuário dar a impressão
que pode usar ou não e a questão não é essa. É uma questão de necessidade natural.
Quanto ao ensino da língua de sinais na rede estadual de ensino, se intensificou
com a oferta de cursos para os professores da rede e para comunidade após a criação do
Centro de Ensino e de Apoio à Pessoa com Surdez Maria da Glória Costa Arcangeli, em
2003, fruto da parceria com o Ministério da Educação por meio da Secretaria de
Educação Especial - MEC/SEESP e Secretaria de Estado da Educação do Maranhão por
intermédio da Supervisão de Educação Especial/SUEESP, cujo o objetivo principal do
projeto do MEC se concentrava em promover a educação de surdos no Maranhão,
subsidiando a formação continuada aos profissionais que atuavam na área, atendimento
aos surdos e a suas famílias, do ponto de vista de orientações pedagógicas e difusão da
Língua Brasileira de Sinais (QUIXABA, 2011).
Com a criação do referido Centro, também conhecido como CAS,
fortaleceram-se sobremaneira a defesa da abordagem bilíngue para a educação dos
surdos, as escolas e os surdos passaram a contar com mais este espaço de apoio para
auxiliar na sua formação. Porquanto, apesar do esforço do CAS em disponibilizar
cursos de formação para os profissionais da rede não se constituiu satisfatório, e quanto
a disponibilizar cursos de língua de sinais para os surdos, aconteceram alguns, mas,
insuficiente para atender as necessidades linguísticas dos surdos mais profundamente.
Na atualidade este Centro tem dado mais suporte aos ouvintes do que aos
surdos propriamente. Se contabilizarmos a quantidade de cursos direcionados às pessoas
ouvintes e os destinados aos surdos, de longe os ofertados para surdos perdem para a
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quantidade destinada aos ouvintes, que na maioria das vezes nem são da rede de ensino
estadual, muito menos da área de educação. Entende-se que seja importante às pessoas
terem acesso ao ensino da língua de sinais, o que se questiona, por que os cursos para os
alunos surdos oriundos das escolas da rede estadual só ficam na maioria das vezes no
nível básico também.
Acredita-se que deve-se fortalecer as ações que promovam conhecimentos
mais aprofundados para os surdos, tendo em vista, que os surdos maranhenses na sua
grande maioria não conhecem a língua de sinais brasileira com profundidade, seu uso
instrumental, a morfologia dos sinais, a sintaxe, a semântica e o uso dos sinais em um
contexto estruturado. Não utilizam o sistema de transcrição por empréstimo dos
vocábulos da língua portuguesa para a língua de sinais, não conhecem o registro da sua
língua por meio do sign writing, elis ou outras formas de registro escrito. Essas
possibilidades de acesso e registro da língua de sinais ainda não se democratizaram nem
para os surdos e nem para a maioria dos educadores de surdos do Maranhão.
Observa-se que os fracassos educacionais dos surdos lhes são creditados pela
impossibilidade de ouvir, e em decorrência da não aceitação das possibilidades
linguísticas da língua de sinais, em alguns períodos na sua história educacional. Em
virtude dessas situações, os surdos a cada dia estão levantando bandeiras em defesa da
conquista de seus interesses.
A bandeira mais recente levantada está em defesa de uma escola bilíngue
própria para surdos, o que contrapõe-se as orientações do MEC. Por um lado pensa-se
que os surdos devem ter oportunidade de acessar espaços educacionais desde a
educação infantil, passando pelo ensino superior e profissionalizante, em ambientes
inclusivos, e por outro, cabe refletirmos: se estão reclamando e os indicadores
educacionais não estão evidenciando sua promoção aos níveis de ensino, então, é
fundamental ouvi-los para não cometermos os mesmos erros dos nossos antepassados.
Porque só sabe as dificuldades de fato, quem as sente. Um exemplo claro dessa
insatisfação foi percebido no I Seminário em defesa de uma Escola Bilíngue para
Surdos, que aconteceu no dia 23 de setembro de 2011, na Assembleia Legislativa do
Estado, em São Luís, promovido pela Associação de Surdos do Maranhão – ASMA em
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parceria com a Assembleia Legislativa, onde os surdos deram vozes ao desejo de uma
outra escola, a bilíngue.
Não seria o caso, também, de as escolas se reorganizarem para atendê-los de
maneira mais satisfatória, tendo em vista que esta escola própria para surdo pode ser
interpretada como na contramão da história, em decorrência do paradigma inclusivo
defendido pelos órgãos gestores? Porque mesmo que haja escolas bilíngues próprias só
para surdos, poderá não atender a todos por serem consideradas inviáveis sua
implantação em outros municípios maranhenses, em razão das diferentes interpretações
e formas de conceber a educação dessas pessoas no Estado.
Diante do exposto, percebe-se que existem muitos impasses envolvendo a
educação dos surdos, acredita-se que a rede estadual de ensino de São Luís já evoluiu
consideravelmente, no entanto, ainda não promoveu as condições para que a escola
inclusiva seja uma realidade. Para que isso aconteça torna-se emergencial construir uma
proposta pedagógica que atenda às especificidades linguísticas dos surdos e que os
programas de formação docente contemplem o ensino da língua de sinais, tanto para os
surdos quanto para os docentes de forma mais aprofundada e que estes avancem mais e
que possam ter uma sequência e continuidade para que ultrapassem o nível básico.
Com isto os surdos possam ter a possibilidade de promoção acadêmica,
considerando que adquirem a língua de sinais na escola e, para que isso aconteça os
docentes precisam saber com profundidade a língua para que estes possam ter acesso à
língua portuguesa com mais qualidade. A descontinuidade da oferta desses
conhecimentos contribui para inviabilizar sua inserção no mundo do trabalho e nos
níveis mais avançado de educação.
Sabe-se que a inclusão de pessoas surdas não é uma tarefa fácil, que exige
grande fôlego, mas que constitui um compromisso ético de todos envolvidos no
processo de democratização do ensino e que favoreça a troca de experiências e possa
promover a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas surdas.
Sendo assim, pesquisar sobre os problemas que envolvem a escolarização das
pessoas surdas impõe buscar compreensão para além da linguística, é óbvio que sem
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linguagem a cognição fica comprometida, contudo, as questões intrínsecas à
escolarização dos surdos não se localiza apenas no âmbito da linguística é necessário
buscar vários saberes.
Métodos
Por meio da pesquisa bibliográfica, procurou-se analisar textos científicos que
discutem sobre a temática: o ensino da língua de sinais brasileira como possibilidade de
inclusão social, cultural e linguística do educando surdo, visando possibilitar a
construção de uma reflexão crítica a respeito da temática em questão.
O estudo estruturou-se, também, em pressupostos de uma pesquisa qualitativa,
na medida em que se valoriza a discussão das ideias de uma forma dinâmica.
Resultados e Discussão
O que se percebe é que de um lado têm os surdos com suas dificuldades de
serem inclusos, em decorrência das condições linguísticas que são ofertadas pelos
sistemas educacionais, e do outro, os sistemas educacionais se ressentindo pela ausência
de informação específica. O que se tem observado é que existe uma carência gigantesca
de profissionais especializados para atuar junto a estes educandos. Observa-se, também,
que a frequência de experiências de fracassos e frustrações têm ocasionado ao aluno
surdo prejuízos imensuráveis, restringindo seu desenvolvimento com o meio escolar,
sendo na maioria das vezes, excluído.
Conclusão
Entende-se que conhecer os aspectos históricos, estruturais e linguísticos que
envolve a língua de sinais brasileira representa a possibilidade de contribuir para seu
uso e difusão, auxiliando, assim, para minimizar as distâncias comunicativas entre
pessoas surdas e não surdas, e consequentemente, ampliaria as chances de sua inclusão
sociopolítico-cultural no sistema público estadual de ensino de forma mais eficaz.
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Diversas iniciativas foram empreendidas nessa direção, no entanto, urge a
necessidade de uma proposta mais sistematizada de formação em rede, que forneça
resultados mais consistentes e exitosos, a questão não é simplesmente a ausência de
cursos, mas, a oferta contínua, sequenciada, aprofundada e não fragmentada.
O que se observa é que a maioria dos cursos de língua de sinais oferecidos pelo
sistema de ensino estadual, não saem do básico, e o aprofundamento linguístico fica
comprometido e os educandos surdos ficam sempre prejudicados tendo em vista que
estes, segundo alguns pesquisadores, são 95% filhos de país ouvintes, portanto, não
aprendem a língua de sinais em casa, na sua maioria dependem da escola para isso.
Diante desses pressupostos, compreende-se que uma proposta de formação em rede,
sistematizada e assistida contribuiria significativamente para a inclusão sócio-político-
cultural das pessoas com surdez na rede estadual de ensino.
Referências
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