001.10 merlim extracto
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Merlim, o Magoe o Livro do Graal
histórias simbólicas do ciclo arturiano
Robert de Boron
Merlim, o Magoe o Livro do Graalhistórias simbólicas do ciclo arturiano
apeirone d i ç õ e s
Pintura de Gabriela Marques da Costa
Merlim, o Mago e o Livro do Graal
Apeiron Edições 7
Índice
Nota do Editor
Merlim, o Mago
Apêndices O possível fim de Merlim segundo o Manuscrito de Modena O possível fim de Merlim segundo o Manuscrito de Didot
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197201
Pela sua importância histórica e o seu significado simbólico, es-
colhemos como primeiro título da Apeiron Edições, a obra de Robert de
Boron, Merlim, o Mago e o Livro do Graal.
Os primeiros registos sobre o mago Merlim datam dos inícios do sé-
culo X. Inicialmente chamado Emrys, só mais tarde se tornou conhecido
como Merlim, versão latinizada da palavra gaulesa Myrddin.
Merlim, personagem de origem misteriosa, mago com poderes so-
brenaturais e concebido num concílio de demónios, confia ao narrador
Brás, confessor de sua mãe, a tarefa de pôr a sua missão profética por
escrito. O Livro do Graal vai surgindo à medida dos acontecimentos,
profetizando que nunca a estória de uma vida será ouvida com tanto
agrado como a de Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda.
Robert de Boron situa a personagem Merlim num momento crucial.
Ao perceberem que o seu poder corria um grave risco com a vinda do
Redentor, os demónios resolveram, em concílio, criar o Anticristo, por
meios (magia negra) que violam as leis naturais da criação. Assim, um
íncubo (diabo) fecundou o corpo de uma pura donzela, tal como, em
sentido contrário, o Espírito Santo fizera com a Virgem. O rebento nas-
cido dessa relação diabólica teria a missão de afastar a humanidade do
caminho do Bem, traçado por Cristo, e de conduzi-la para os abismos
infernais.
Há, na narrativa de Robert de Boron, uma relação tão íntima entre
Merlim e o Graal, que o próprio Mago tornou-se o autor da estória, na
medida em que é ele quem transmite os factos a serem registados pelo
seu fiel escriba Brás. Desse modo, Merlim cumpre a missão de preparar
os reis e o povo para o advento do mais puro de entre todos os ca-
valeiros da Terra, único digno de ocupar o cadeirão vazio na Távola
Redonda, fundada pelo Rei Artur.
O Editor
Nota do Editor
Merlim, o Mago e o Livro do Graal
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Quando o Homem desperta para um grande sonho e
acredita nele com toda a força da sua alma...
todo o universo conspira a seu favor
G o e t h e
O inimigo ficou muito irritado quando Nosso Senhor desceu aos in-
fernos e libertou Adão e Eva e quantos mais lhe agradou. Quando os
demónios viram isso, ficaram muito maravilhados, reuniram-se em con-
selho e disseram entre si:
– Quem é este homem que nos levou de vencida? Porque é que,
com toda a nossa força, nada há que possamos fazer para impedir que
continue a fazer o que bem lhe apraz? Nunca poderíamos imaginar que
algum homem nascido de mulher pudesse escapar às nossas garras. E
eis que este nos destrói! Como pode ter nascido sem fazer parte dos
pecados deste mundo, ao contrário de todos os outros homens?
Um dos demónios respondeu então:
– Fomos vencidos pelo que julgávamos que mais nos valeria. Lem-
brai-vos do que diziam os profetas que anunciavam que o Filho de Deus
viria à Terra para apagar o pecado de Adão e Eva e dos seus descen-
dentes. Nós apoderamo-nos daqueles que proclamavam que esse ho-
mem viria à Terra e livrá-los-ia das penas do inferno. E eis que acon-
teceu o que não se cansavam de anunciar. Esse homem arrebatou-nos
aquilo de que nos tínhamos apoderado e nada podemos contra ele. Ele
arrebatou-nos todos aqueles que já tínhamos sob o nosso domínio e que
mais ninguém nos podia retirar. Como foi que isso aconteceu? Como é
que já não os teremos mais?
– Não sabeis então, prosseguiu outro demónio, que ele faz com que
se lavem com água, em seu nome, para que essa água lave o delito de
pai e mãe, precisamente aquele pecado pelo qual os teríamos sob o
nosso domínio, como sempre os tivemos? Doravante perdemo-los todos,
por causa dessa água, e não temos nenhum poder sobre eles, a menos
que venham a nós pelos seus próprios pecados. Deste modo, o nosso
poder ficou rebaixado e bloqueado. E há mais ainda: ele anunciou que
vai ordenar e deixar ministros seus na Terra para salvá-los, ainda que
venham a participar das nossas obras, bastando para tal que as re-
neguem, que se arrependam e façam o que lhes for ordenado. Assim os
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perderemos, se forem moderados. Aquele que veio à Terra para salvar a
humanidade e quis nascer de uma mulher, sem que o soubéssemos, sem
pecado de homem e de mulher, propiciou um benefício inteiramente
espiritual. E se o víssemos e o tentássemos de todos os modos ao nosso
alcance, não encontraríamos nele nenhuma das nossas obras, tal é a sua
determinação em salvar os homens. Tanto amou os homens, que quis
morrer para salvá-los e tirá-los do nosso jugo. Deveríamos então buscar
agora um meio de reconquistar os homens, antes que se possam ar-
repender e antes que digam a quem lhes concedeu o perdão que esse
homem os redimiu com a sua morte.
Então disseram todos juntos:
– Perdemos tudo, visto que ele pode perdoar os pecados até ao
último instante da vida do homem. E, se o encontrar nas suas obras,
estará salvo; e ainda que esteja nas nossas obras até ao fim, se se
arrepender e cumprir o que mandam os seus ministros, perdê-lo-emos.
Assim perderemos a todos, se não os retivermos. Mas quem é que nos
prejudicou mais e nos estorvou e propiciou a vinda dele à Terra?
Então prosseguiram dizendo entre si:
– Quem nos prejudicou mais foram aqueles que anunciaram a sua
vinda. Por meio deles é que nos aconteceram os maiores prejuízos.
Quanto mais anunciavam a sua vinda, mais nós os atormentávamos.
Parece mesmo que ele se apressou em vir ajudá-los e socorrê-los dos
tormentos que lhes causávamos. De que modo conseguiríamos alguém
que falasse aos homens e dissesse quais são os nossos objectivos, qual o
nosso poder e a nossa maneira de agir, e que tenha, como nós, poder de
saber o que acontece, o que se diz e o que se faz? Se contássemos com
um homem com esse poder, que soubesse essas coisas, e pudesse viver
com os outros homens na Terra, ele poderia ajudar-nos muito a enganá-
-los, assim como os profetas que estavam do nosso lado e prediziam o
que nunca imaginávamos que pudesse acontecer. Esse homem narraria
as coisas ditas e feitas num passado distante ou próximo e ganharia a
confiança de muita gente. Então disseram todos juntos:
– Excelentes resultados conseguiria quem pudesse criar um tal ho-
mem. Todos acreditariam nele.
Disse um deles:
Robert de Boron
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– Não tenho o poder de conceber nem de fecundar uma mulher,
mas se tivesse, faria com gosto, porque tenho uma mulher que faz e diz
tudo o que eu quero.
Disse um outro:
– Mas há entre nós quem possa assumir a figura humana e fecundar
uma mulher, e convém que a engravide o mais discretamente possível.
Assim disseram e decidiram que gerariam um homem que enganaria
os outros. São loucos demais, porque imaginam que Nosso Senhor, que
tudo sabe, ignora as suas obras. O diabo então decidiu fazer um homem
que tivesse a sua memória e a sua inteligência para enganar Jesus Cris-
to. Deste modo podeis saber quanto louco é o diabo, e muito devemos
temer, porque tão louca coisa nos engana.
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