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013_(ÁREAS DE RISCO _(APP´s_), DESAPROPIRAÇÕES E A COPA DE 2012 EM CUIABÁ IMPACTOS SOCIOAMBIENTIAS E LEGISLAÇÃO XSBCG)

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  • REAS DE RISCO (APPs), DESAPROPRIAES E A COPA DE 2014 EM CUIAB/MT: IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS E LEGISLAO

    162 REVISTA GEONORTE, Edio Especial 2, V.2, N.5, p. 162 172, 2012.

    REAS DE RISCO (APPs), DESAPROPRIAES E A COPA DE 2014 EM CUIAB/MT: IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS E LEGISLAO

    Cleusa Aparecida Gonalves Pereira Zamparoni UFMT

    [email protected]

    Onlia Carmem Rossetto UFMT

    [email protected]

    O CLIMA DAS CIDADES

    RESUMO

    Cuiab/MT uma das cidades que ir sediar a Copa de 2014 e, atualmente, o seu espao urbano est sendo contemplado com vrias obras derivadas das polticas pblicas voltadas para as aes de mobilidade urbana. Uma delas ser a construo da Avenida Parque do Barbado, onde vive uma parte da populao que, h 25 anos aproximadamente, ocupa esta localidade de forma irregular. A construo da Avenida Parque implica na desapropriao e remanejamento desta populao que vive nos bairros Belos Vista, Castelo Branco, Pedregal e Renascer localizados em reas de Proteo Permanente (APPs) onde ocorrem episdios de enchentes e alagamentos na estao chuvosa. Neste contexto, convencionou-se para este artigo analisar os impactos socioambientais derivados da ocupao de reas de risco desastres naturais (APPs), bem como o processo de desapropriao/remanejamento e a legislao vigente que no contempla as questes climticas como os desastres naturais.

    Palavras-Chave: APPs; reas de Risco; Desapropriaes; Enchentes, Alagamentos, Planejamento Urbano.

    ABSTRACT

    Cuiab/MT is one of the cities that will go to host the Pantry of 2014 e, currently, its urban space is being contemplated with some workmanships derived from the public politics directed toward the actions of urban mobility. One of them will be the construction of the Avenue Park of the Bearded man, where a part of the population lives that, has 25 years approximately, occupies this locality of irregular form. The construction of the Avenue Park implies in the dispossession and remanejamento of this population that lives in the Beautiful quarters Seen, located Castello Branco, Pedregal and Renascer in Areas of Permanent Protection (APPs) where occurs episodes of floods and overflows in the rainy station. In this context, this article was stipulated to analyze the socioambientais impacts derivatives of the occupation of areas of risk to the natural disasters (APPs), as well as the dispossession process/remanejamento and the current law that does not contemplate the climatic questions as the natural disasters.

  • REAS DE RISCO (APPs), DESAPROPRIAES E A COPA DE 2014 EM CUIAB/MT: IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS E LEGISLAO

    163 REVISTA GEONORTE, Edio Especial 2, V.2, N.5, p. 162 172, 2012.

    Word-Key: APPs; Areas of Risk; Dispossessions; Floods, Overflows, Urban Planning.

    Introduo

    O grau de urbanizao do sculo XXI caracteriza-se pela globalizao dos problemas socioambientais expressos pela elevada densidade demogrfica, desigualdade de renda e da oferta de bens e servios que impelem a populao carente a ocupar rea de riscos nas cidades, em especial as APPs (reas de Proteo Permanente). Esta ocupao permitida pelos rgos de planejamento urbanos para resolver/adiar temporariamente problemas socioeconmicos. Para Mendona (2012, p. 243) Na etapa mais avanada da Modernidade (Ps-Modernidade? Alta modernidade?), especialmente no final do sculo XX e inicio do XXI, a percepo humana coloca em evidencia a dimenso global que os problemas ambientais (scio) passam a configurar, o que coloca em risco a prpria experincia humana no planeta. A possibilidade de sediar eventos esportivos de relevncia global disputada pelos pases com o objetivo de atrair investimentos e estimular o desenvolvimento econmico. A Copa do Mundo de 2014 ser realizada no Brasil, e Cuiab est entre as dez cidades eleitas pela FIFA para sediarem o evento. Por tal razo , vrias obras sero realizadas, em especial, no tocante mobilidade urbana, como correlato, ser necessrio remanejar famlias de determinadas reas da cidade, entre elas, aquelas onde ser construda a Avenida Parque do Barbado. A populao que ser impactada pela construo da referida composta por cerca de 579 famlias distribudas em 445 casas (domiclios) totalizando 1695 pessoas. No Bairro Bela Vista moram 113 famlias, no Castelo Branco so 220, no Pedregal 122 e no Renascer 70, alm de 54 famlias que habitam a rea denominada Margem de Segurana (MS). Grande parte destas famlias ocupa, de forma irregular uma rea de risco desastres naturais (APPs) como enchentes e alagamentos, a cerca de 25 anos com o conhecimento dos rgos responsveis pelo planejamento urbano da cidade. Assim, um processo de remanejamento deve atender as necessidades individuais destas famlias que investiram recursos na construo de suas moradias, trabalham e estudam em reas prximas, cultivaram relaes de parentesco e amizade, entre outras razes. Moraes (2009), ao discutir o direito moradia adequada, enfatiza a importncia da avaliao dos impactos dos projetos que envolvem remanejamento populacional, especialmente em relao populao mais vulnervel e recomenda a necessidade de considerar os aspectos econmicos no mesmo patamar de importncia dos aspectos sociais e culturais, respeitando, inclusive, as condies de convivncia pr-existentes, dessa forma, o deslocamento das famlias requer necessariamente um processo de gesto voltado manuteno e melhoria da qualidade de vida. Pesquisas realizadas por Bordest (2003) afirmam que o Crrego do Barbado, tributrio do Rio Cuiab, possui 9.400 metros de extenso e tem sua sub-bacia totalmente inserida no permetro urbano.

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    164 REVISTA GEONORTE, Edio Especial 2, V.2, N.5, p. 162 172, 2012.

    A ocupao dessa rea ocorreu principalmente a partir da dcada de 70 do sculo XX com a construo do Centro Poltico Administrativo (CPA), na poro nordeste da cidade, na regio das cabeceiras do crrego; e com a instalao da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) na rea central da bacia, em 1972. Como esses dois plos de expanso estavam, na poca, localizados em regies afastadas da rea central da cidade, foram deixadas, ao longo do permetro, grandes manchas de vazios urbanos, onde inicialmente foram abertos loteamentos residenciais de classe mdia e mdia alta, posteriormente, algumas reas foram ocupadas para uso residencial de famlias de baixa renda.

    As ocupaes irregulares ao longo do crrego ocorreram sem que houvesse cumprimento das legislaes ambientais e urbansticas locais, como correlato, a sub-bacia do Barbado um espao heterogneo, marcado por fortes contradies sociais. So locais suscetveis desastres naturais como enchentes e alagamentos, colocam a populao em situao de vulnerabilidade, alm de ser tratar de rea de Proteo Permanente (APPs). Desse modo, para este artigo convencionou-se analisar os impactos socioambientais derivados da ocupao de reas de risco desastres naturais (APPs), a desapropriao e a legislao vigente. As informaes apresentadas neste artigo so resultantes do Relatrio Tcnico denominado ESTUDO DO IMPACTO SOCIOECONMICO DA CONSTRUO DA AVENIDA PARQUE DO BARBADO CUIAB /MT que foi realizado por uma equipe tcnica multidisciplinar, coordenada pelo Departamento de Geografia - UFMT, da qual participaram as seguintes reas do conhecimento: Cincias Sociais, Servio Social, Psicologia, Histria, Filosofia, Pedagogia e Letras, alm do Escritrio de Inovao Tecnolgica (EIT/UFMT) em parceria com a AGECOPA (Agencia da Copa do Mundo), atual SECOPA (Secretaria da Copa), representantes do Governo do Estado do Mato Grosso.

    rea de Estudos

    Cuiab est localizada no centro geodsico da Amrica do Sul, no estado de Mato Grosso, na mesorregio Centro-Sul Matogrossense e Microrregio Cuiab. Possui aproximadamente 556.449 habitantes segundo IBGE (2010). A macrozona urbana ocupa 254,57 Km2 que foi regulamentada pela lei municipal n 4.719/2004. A cidade divide-se nas regies administrativas Norte, Sul, Leste e Oeste com 118 bairros. As divises em regies administrativas e respectivas reas, do municpio de Cuiab, foram regulamentadas pela Lei Municipal n 3.262 de 11/01/1994.

    Assim como grande parte dos municpios brasileiros, apresentam vrios problemas socioeconmicos que causam impactos negativos no ambiente original. Dentre eles, merece destaque a ocupao das reas de Preservao Permanente (APPs).

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    Na cidade de Cuiab, capital do Estado de Mato Grosso, na direo sul, iniciam-se os primeiros declives do Pantanal Matogrossense, caracterizando o aspecto de acumulao recente dos sedimentos dessa rea enquanto nas direes Norte, Nordeste a cidade est circundada pelas reas serranas dos Planaltos dos Guimares (ROSS e SANTOS, 1982). A rea urbana drenada pelo rio Cuiab e seus afluentes, dos quais se destacam o Rio Coxip e inmeros crregos, tais como: Crrego da Prainha, Ribeiro da Ponte, Manoel Pinto, Moinho, Barbados, Gamb e So Gonalo.

    Os Bairros Bela Vista, Castelo Branco, Pedregal e Renascer esto localizados em regies nobres do espao urbano de Cuiab, contudo, as suas caractersticas fsicas, estruturais, econmicas e sociais se aproximam da realidade das reas perifricas onde a populao de menor renda tem acesso posse do solo urbano, demonstrando a presena de uma forte segregao social em Cuiab. Torna-se necessrio frisar que esta parcela da populao vive em rea de ocupao irregular, em APPs, em ambiente de pobreza, violncia e drogas, mas em um contexto urbano com elementos de infraestrutura privilegiada que oferta acesso a diversas reas nobres da cidade. O Censo Demogrfico 2010 (IBGE, 2011) classifica a ocupao irregular como aglomerado subnormal, conceituado como cada conjunto de, no mnimo, 51 unidades habitacionais carentes, em sua maioria, de servios pblicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, at perodo recente, terreno de propriedade alheia (pblica ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa. A identificao atende aos seguintes critrios:

    a) Ocupao ilegal da terra, ou seja, construo em terrenos de propriedade alheia (pblica ou particular) no momento atual ou em perodo recente (obteno do ttulo de propriedade do terreno h dez anos ou menos); e

    b) Possurem urbanizao fora dos padres vigentes (refletido por vias de circulao estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construes no regularizadas por rgos pblicos) ou precariedade na oferta de servios pblicos essenciais (abastecimento de gua, esgotamento sanitrio, coleta de lixo e fornecimento de energia eltrica).

    Os contrastes sociais esto presentes ao longo do percurso onde ser construda a referida estrada. As reas de ocupao irregular esto mescladas com habitaes de alto padro, condomnios fechados como o Alphaville e dois shoppings centers, em bairros com infraestrutura de gua, energia, linha de nibus, pavimentao asfltica, assim como bairros informais sem pavimentao e onde o abastecimento de gua e energia precrio. Um espao, portanto heterogneo e marcado por fortes contradies sociais que, configura como o perfil caracterstico do espao urbano brasileiro.

    reas de Preservao Permanente (APPs) Impactos Socioambientais e Legislao.

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    Os componentes fsicos de uma rea geogrfica s podem ser entendidos luz dos feitos de uma sociedade, inseridos em um processo histrico determinado. Assim, analisar o ambiente urbano significa considerar, alm de outros fatores, os conflitos socioambientais existentes nessas reas. Porto Gonalves (1990) mostra que no mais possvel conceber o ambiente como equivalente a natural, pois o conceito de natureza no o que o natural, mas sim a ideia criada e inventada pela sociedade em cada processo histrico cultural. De acordo com Rodrigues (1998), o banido por meio das formas concretas de desenvolvimento. Poucas vezes a cidade pensada como parte do ambiente natural onde est inserida. Na viso da autora:

    O meio ambiente urbano pode ser compreendido pelo conjunto das edificaes, com suas caractersticas construtivas, sua histria e memria, seus espaos segregados, a infraestrutura e os equipamentos de consumo coletivos [...]. Ao mesmo tempo significa imagens, smbolos e representaes subjetivas e/ou objetivas [...]. Compreende tambm o conjunto de normas jurdicas que envolvem o conjunto das atividades exercidas na cidade, incluindo as atividades pblicas e polticas, podendo tambm ser representado pela problemtica ambiental, o que torna cada vez mais fundamental pensar o passado, o presente e o futuro, pautado na anlise da produo socioespacial (RODRIGUES, 1998, p. 104-106).

    Suertegaray (2000), ao abordar os conceitos geogrficos, natureza e ambiente, afirma que estes se expressam em diferentes nveis de abstrao e, por consequncia, possuem possibilidades operacionais tambm diferenciadas. Para a autora, o conceito de natureza evoluiu de algo externo ao ser humano a uma concepo conjuntiva da relao natureza/sociedade sob a tica da apropriao, concebendo a natureza como recurso produo. J para Oliveira & Hermann (2001) conjunto das coisas naturais. [...] Ao contrrio, o conceito de ambiente traz em sua etimologia a noo de envoltrio que serve sustentao dos seres vivos (Art. 1998). Para que haja ambiente, necessrio, portanto, que haja seres vivos que possam ser envolvidos. Logo, no existe ambiente sem seres, assim como no existe ambiente urbano sem seres humanos (p. 148).

    Conforme Dulley (2004), a natureza sempre pensada e constitui-se em um ideal, uma vez que o homem est sempre a modificando para sobreviver. J o ambiente seria a natureza conhecida pelo sistema social humano composto pelo meio ambiente humano e o meio ambiente das demais espcies conhecidas. Nesse sentido, para os seres humanos, o meio ambiente mais comum so as cidades, onde a natureza modificada pelo homem, assumindo a categoria de meio ambiente especfico ou meio ambiente construdo, adaptado s necessidades da aglomerao, transformado em habitat da populao e das atividades humanas aglomeradas.

    Veyret (2001), afirma que a noo de meio ambiente no diz respeito somente a natureza, e menos ainda a fauna e a flora sozinhas, mas implica nas relaes de interdependncia que existem

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    entre o homem, as sociedades e os componentes fsicos, qumicos e biticos do meio, integrando tambm seus aspectos econmicos, sociais e culturais.

    Mendona (2012, p. 244) mostra que

    .....que os problemas ambientais so em sua essncia sociais, que emanam e evocam princpios humanos, que eles so resultantes da apropriao diferenciada da natureza pelos diferentes sistemas sociais; que, por estas condies, so inerentes aos homens e que, para sua analise, devem envolver essencialmente estes organizados socialmente.

    Assim sendo, possvel constatar que as relaes conflituosas entre os homens e destes com os recursos naturais se expressa de forma relevante no mbito das cidades nas vrias escalas de abordagem, e muitos dos conflitos ambientais que se desenvolvem na cidade tm origem em conflitos sociais desigualdades sociais, dficit habitacional e polticas pblicas imediatistas.

    No Brasil, normatizaes nas esferas federal, estadual e municipal rezam que parte das reas urbanas deve manter sua vegetao natural protegida, entretanto, muitas vezes, so ocupadas por assentamentos humanos informais. A situao atinge hoje nveis insustentveis em muitas das cidades brasileiras. Estima-se que mais de um milho de pessoas vivem em reas que deveriam ter pouca ou nenhuma ocupao por fora da legislao de proteo de mananciais.

    Entretanto, os limites entre o processo de urbanizao e a relao com a preservao ambiental merecem ser alvos de intensa reflexo, especialmente com relao s APP que so as faixas marginais aos corpos dgua, onde legalmente um arcabouo legal cuja regra a intocabilidade (Arajo, 2002), admitida excepcionalmente a supresso da vegetao apenas em casos de utilidade pblica ou interesse social legalmente previsto (Resoluo CONAMA 369/2006). Embora o regime legal de proteo das APP seja bastante rgido, as diversas restries previstas na legislao ambiental e que regulamentam a proteo das APP - Constituio Federal (Art. 225; 1988), Cdigo Florestal (Lei n. 4.711/65), Resoluo CONAMA 369 (2006), e regulamentaes municipais tm se mostrado ineficazes no contexto do uso do solo, em especial em reas urbanas.

    A crescente ocupao desses espaos tem expressado, nas cidades, graves situaes de conflitos que envolvem os impactos ambientais, o contexto e a forma de ocupao social nessas reas ao longo do tempo. Atualmente, a populao urbana que ocupa as APPs vive em conflito com os aspectos legais que integram os instrumentos de proteo ambiental. Por isso, so necessrios estudos que busquem alternativas de conciliao entre esses interesses. De acordo De acordo com Moreira (1990) adotar esta perspectiva significa passar da concepo de catstrofes e riscos eventuais

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    168 REVISTA GEONORTE, Edio Especial 2, V.2, N.5, p. 162 172, 2012.

    conscincia dos problemas cotidianos, a fim de tratar os problemas ambientais no apenas como desastres possveis, mas, sobretudo pelo critrio de conflitualidade entre os atores.

    As APPs existentes s margens desses espelhos dgua urbanos tm sido, ao longo dos anos, fortemente alteradas, perdendo suas caractersticas naturais em funo de um crescimento urbano muitas vezes desordenado, sendo necessria uma anlise quanto ao cumprimento de seu papel, funo e importncia, ainda na forma como haviam sido criadas e protegidas atravs da legislao ambiental. Atualmente, pelo menos um milho de pessoas vive em reas de APP, na maioria populao de baixa renda que no consegue ter acesso moradia nas reas urbanas legais, com infraestrutura adequada e preo acessvel (SERVILHA, 2006).

    A informalidade ou clandestinidade, existente no ambiente urbano desafia a gesto pblica da cidade, contudo impele necessidade cada vez maior de integrao das diferentes polticas pblicas, em especial as relativas natureza e sociedade. Sob este aspecto, destaca-se a importncia da gesto ambiental urbana. A regularizao das situaes clandestinas poder permitir ao Poder Pblico exigir ou promover melhorias nas condies de habitabilidade e, consequentemente da qualidade da gua dos cursos dgua investigados. Torna-se necessrio sensibilizar a sociedade sobre a importncia de se preservarem as matas ciliares, divulgando as diretrizes legais que versam sobre a sua preservao, impondo sanes aos infratores, em especial multa, e obrigando a restaurar reas degradadas, como prescreve o art. 26 do Cdigo Florestal (Lei N. 4.771, de 15 de setembro de 1965) (BRASIL, 1965), a Lei Federal N. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1998), e o Decreto N. 3.179 de 21 de setembro de 1999 (BRASIL, 1999).

    A Resoluo do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA 001/86 define como conceito de impacto ambiental as alteraes nos aspectos fsicos, qumicos e biolgicos do meio ambiente resultantes das atividades humanas que afetem a segurana e o bem-estar da populao e as atividades sociais e econmicas. A proteo ambiental urbana disciplinada pela Constituio Federal de 1988; a Lei Federal 6938/81 que institui a Poltica Nacional do Meio Ambiente; o Cdigo Florestal (Lei n. 4771/65); Lei de Parcelamento Territorial Urbano (Lei n. 6766/79); Lei da Poltica Nacional dos Recursos Hdricos (Lei n. 9433/97); Sistema Nacional de Unidades de Conservao (Lei n. 9985/2000); Estatuto das Cidades (Lei n. 10257/01) alm das legislaes municipais. Apesar do arcabouo legal existente, os problemas ambientais urbanos avolumam-se.

    O Estatuto da Cidade, Lei n 10.257, que entrou em vigor no dia 10 de outubro de 2001 no traz em seus princpios o conceito de meio ambiente urbano. Contudo, Silva (2007), ao enfatizar as conquistas socioambientais alcanadas pela Lei, afirma que s a tica da gesto democrtica da cidade, com destaque para o meio ambiente urbano, garantir a compatibilizao de um projeto

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    adequado de desenvolvimento da sociedade e a necessidade de uma poltica de preservao do meio ambiente e dos recursos naturais. A referida Lei regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituio Federal de 1988 que tratam especificamente da Poltica Urbana. A partir dessa Lei, foram estabelecidas importantes normas de ordem pblica e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurana e do bem-estar dos cidados, bem como do equilbrio ambiental. Dessa forma, uma srie de instrumentos voltados ao planejamento e gesto urbana e que passaram a considerar as questes ambientais esto aos poucos sendo estabelecidos nos municpios.

    Em termos de planejamento e gesto ambiental das reas urbanas, h de se considerar o singular valor estratgico das reas de Preservao Permanente, tendo em vista a estrutura e o funcionamento que cumprem no ecossistema. No entanto, o planejador e o gestor urbano tambm precisam considerar as demais formas de uso e ocupao do solo nessas reas. Permeando esse tema, existem situaes como as do direito propriedade, as situaes consolidadas antes da criao de leis ambientais vigentes, o contexto histrico de evoluo urbana, a negligncia do poder pblico no que se refere ao cumprimento de leis e, infelizmente, a transgresso legislao vigente.

    Dessa maneira, estudos que considerem a dinmica da expanso urbana das cidades, combinados com a avaliao dos aspectos legais que incidem sobre essas reas, alm da anlise do processo de evoluo, forma, perodo, uso e ocupao do solo nesses espaos, podero contribuir significativamente para a busca de novas alternativas voltadas gesto ambiental dos ambientes urbanos, tendo em vista o inegvel valor das reas de preservao permanente e a urgente necessidade de solucionar os graves conflitos decorrentes da ocupao humana das APPs.

    nesse contexto que se fez necessrio, inicialmente, refletir sobre os conceitos que se encontram norteando a discusso proposta neste estudo. Coexistem natureza e sociedade no espao urbano, ambas regidas por um conjunto de leis ambientais e de uso do solo, geradoras, por vezes, de conflitos que possibilitam questionar as novas dimenses da relao sociedade/natureza, alm de permitirem uma reflexo em relao ao conceito de ambiente nelas existente, e tambm nas polticas vigentes para reas urbanas.

    Consideraes Finais

    A forma de ocupao espacial encontrada no percurso em que ser construda a Estrada Parque do Barbado, bem como as condies socioeconmicas da populao local expressou, em escala de bairros, um exemplo do que ocorre nas reas urbanas brasileiras no que tange a produo de espaos

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    desiguais e conflitantes, onde diferentes classes sociais convivem lado a lado em termos de localizao geogrfica. As condies precrias da ocupao irregular das APPs podem contribuir com os eventos dos desastres naturais, como os episdios de alagamentos e enchentes e encontram-se diretamente relacionados ao processo de excluso social produzido na construo histrica dos espaos urbanos expressos pelas condies de vulnerabilidade social. A maior parte das reas de risco s enchentes localizam as margens do rio Cuiab e dos crregos da cidade de Cuiab onde a ocupao formada por grilos, invases, propriedades sem documentao legalizada junto aos rgos de planejamento do municpio. Grande parte da populao de baixa renda vive nestas localidades onde esto as reas de Proteo Permanente ( APPs).

    A ocupao desordenada das APPs pela populao mais carente economicamente se deu em funo do processo de evoluo urbana e excluso social combinado com o descompasso com a aplicao da legislao fragilizando essas importantes reas ambientais. Nesta esteira desta anlise, muitas vezes, a populao que ocupa estas reas, responsabilizada pela transgresso s leis vigentes. Alm disso, exemplos tm mostrado que nem sempre as condies de remanejamento so realizadas respeitando a realidade das famlias como o tamanho das habitaes, a localizao em termos de facilidade de transporte, escolas, trabalho, relao de amizade e parentesco e mobilidade de PNEs. No contexto do processo de desapropriao/remanejamento desta populao para a construo da Estrada Parque do Barbado como uma das polticas de mobilidade urbana para a realizao da Copa 2014 em Cuiab, tornam-se relevantes algumas reflexes que permeiam a situao gerada para as famlias residentes e o gestor pblico, no que tange aos conflitos de competncia entre a legislao que regulamenta as reas de APPs e as que regem o planejamento urbano. Os descompassos na legislao ocorrem, tambm, no sombreamento das escalas federal, estadual e municipal. Assim, possvel que uma legislao federal regulamente de forma homognea situaes especficas de uso e ocupao da terra, na escala municipal? Levando em considerao a forma de ocupao, desenvolvimento e consolidao, quais so as funes socioambientais e ecolgicas das APPs urbanas atualmente? Uma ocupao irregular de aproximadamente 30 anos pode ser tratada com base na legislao atual da APPs? A Legislao vigente, nas escalas estadual e municipal no contemplam os problemas sociais e ambientais decorrentes dos desastres naturais expressos pelas enchentes e alagamentos em reas de APPs.

    Desse modo, espera-se por parte dos rgos de gesto e deciso pblica, que o processo de remanejamento desta parcela da populao, seja realizado de forma que garanta a dignidade de todas as pessoas envolvidas objetivando o bem estar coletivo que concilia a qualidade de vida das famlias e a preservao ambiental.

    Lidia PereiraDestacar

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    o

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