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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 04 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 07/01/2010 AÇÃO CIVIL PÚBLICA b) Defensoria Pública (inciso II) Art. 5º da Lei de Ação Civil Publica Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). A nova redação do art. 5º, da Lei de Ação Civil Pública foi dada pela Lei 11.448/07, que inseriu expressamente a defensoria pública como uma autora coletiva. Sobre a legitimidade da defensoria pública para propor a ação civil pública, eu tenho três considerações a fazer 1ª Observação : Dentro da ideia de adequada representação, eu tenho que perquirir sobre a finalidade institucional da defensoria pública. E quando você vai ao art. 134, da CF, vai ver que a finalidade institucional da defensoria pública está lá. Art. 134 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV. É instituição que integra as atividades essenciais da administração da justiça, mas cuja finalidade é a defesa dos necessitados. Se fosse só isso, estaria resolvido o problema, mas a defensoria pública pode propor ação coletiva quando tiver interesse de necessitado. Mas que raio, de inferno de coisa que são os necessitados? Afinal de contas, o que a Constituição Federal quis dizer a respeito dessa expressão “necessitados”. Formou-se na doutrina e na jurisprudência duas acorrentes a respeito da definição do que é esse tal “necessitados”: Corrente restritiva – Essa corrente olha o art. 134 da Constituição e verifica a remissão ao art. 5.º LXXIV e lá se percebe que quando a CF fala que a defensoria presta assistência aos necessitados, ela está falando apenas de necessitados econômicos. Apenas necessitados do ponto de vista econômico. Para os adeptos dessa teoria restritiva, a defensoria pública só poderia ajuizar ação civil pública se o interesse em jogo fosse de pobre. Ela poderia perfeitamente ajuizar uma ACP para discutir expurgos da poupança porque tem poupança, em tese, é quem não tem muito recurso. Quem tem, faz aplicação financeira. Mas não poderia entrar com ACP para discutir o caviar estragado ou a peça da Mercedes. 54

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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 04 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 07/01/2010

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

b) Defensoria Pública (inciso II)

Art. 5º da Lei de Ação Civil Publica  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

A nova redação do art. 5º, da Lei de Ação Civil Pública foi dada pela Lei 11.448/07, que inseriu expressamente a defensoria pública como uma autora coletiva. Sobre a legitimidade da defensoria pública para propor a ação civil pública, eu tenho três considerações a fazer

1ª Observação: Dentro da ideia de adequada representação, eu tenho que perquirir sobre a finalidade institucional da defensoria pública. E quando você vai ao art. 134, da CF, vai ver que a finalidade institucional da defensoria pública está lá.

Art. 134 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV.

É instituição que integra as atividades essenciais da administração da justiça, mas cuja finalidade é a defesa dos necessitados. Se fosse só isso, estaria resolvido o problema, mas a defensoria pública pode propor ação coletiva quando tiver interesse de necessitado. Mas que raio, de inferno de coisa que são os necessitados? Afinal de contas, o que a Constituição Federal quis dizer a respeito dessa expressão “necessitados”. Formou-se na doutrina e na jurisprudência duas acorrentes a respeito da definição do que é esse tal “necessitados”:

Corrente restritiva – Essa corrente olha o art. 134 da Constituição e verifica a remissão ao art. 5.º LXXIV e lá se percebe que quando a CF fala que a defensoria presta assistência aos necessitados, ela está falando apenas de necessitados econômicos. Apenas necessitados do ponto de vista econômico. Para os adeptos dessa teoria restritiva, a defensoria pública só poderia ajuizar ação civil pública se o interesse em jogo fosse de pobre. Ela poderia perfeitamente ajuizar uma ACP para discutir expurgos da poupança porque tem poupança, em tese, é quem não tem muito recurso. Quem tem, faz aplicação financeira. Mas não poderia entrar com ACP para discutir o caviar estragado ou a peça da Mercedes.

Corrente ampliativa – Essa corrente ampliativa, para poder explicar o que é a expressão necessitados recorre a uma outra explicação que eu preciso te mostrar: essa corrente diz que se você analisar a LC 80/94, que é a lei complementar que rege a defensoria pública (e que foi profundamente alterada pela LC 132/09). Quando você analisa a LC 80/94 com as alterações, verá que o art. 4º prevê que a defensoria pública tem funções típicas e atípicas. Obviamente, todas previstas nesta lei complementar. A atividade típica da defensoria pública é a de prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados em todos os graus (art. 4º, I, da LC 80/94):

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: I – prestar orientação jurídica e

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exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

Aqui, é “necessitados” no sentido de hipossuficiente econômico. Portanto, aqui, para a corrente ampliativa, a atividade típica da defensoria pública é a de defender o pobre. O grande problema é que se você ler os outros incisos do art. 4º vai ver que a defensoria tem inúmeras outras atividades que não são apenas a defesa do hipossuficiente econômico. Daí porque os adeptos da teoria ampliativa dizem que quando eu pego as funções atípicas da defensoria pública, você verifica que elas incluem não só o hipossuficiente econômico, mas também o hipossuficiente jurídico. E o hipossuficiente jurídico não necessariamente é pobre. E a defensoria poderia defender mesmo ele não tendo escassez de recursos. Portanto, quem adota a corrente ampliativa diz que a expressão “necessitados” da CF pega o necessitado (porque está na CF) e pega também o necessitado jurídico porque o jurídico estaria na função atípica.

Hipossuficiente jurídico – É todo aquele que pela dificuldade fática ou técnica não possam se defender. O cara está preso, é milionário e não quer constituir advogado. Quem vai defender? A defensoria, porque, aqui, ele é hipossuficiente do ponto de vista jurídico. Se você analisar e parar para refletir comigo, estaremos diante de uma situação em que quando ele não quis contratar advogado, essa situação fática impôs a nomeação de um defensor público para a defesa dele. Percebem a função atípica da defensoria pública?

No processo coletivo, para os adeptos dessa teoria, a defensoria poderia entrar com uma ACP (e esse é um caso verdadeiro da jurisprudência) para discutir cláusula de contrato de arrendamento mercantil. O STJ entendeu pela legitimidade da defensoria nesse caso porque havia uma dispersão tão grande de lesados que, do ponto de vista jurídico, eles não tinham como se defender. Consequentemente, a defensoria teve sua legitimidade reconhecida para discutir as cláusulas do contrato de arrendamento mercantil (leasing).

2ª Observação: Uma segunda discussão sobre a legitimidade da defensoria pública surge com a resposta à seguinte pergunta: quais interesses metaindividuais podem ser tutelados pela defensoria pública? A primeira observação foi só para a gente discutir o que era “necessitado” (econômico e jurídico – ou só o primeiro ou os dois). Agora, a pergunta, já sabendo que pode ser a posição 01 ou a posição 02, mas dentro da posição 01 ou 02 a defensoria pública pode atender que interesses? Difusos? Coletivos? Individuais homogêneos? Só um? Só outro? Todos? Nenhum? É isso que eu estou querendo saber. Para responder a essa pergunta, há três posições, três entendimentos absolutamente discrepantes:

1ª Corrente (adotada pelo Conamp – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) – A resposta para o Conamp é que nenhum interesse metaindividual pode ser tutelado pela defensoria pública é nenhuma. O Conamp ajuizou uma ADI contra a Lei 11.448/07 que reconheceu a legitimidade da defensoria pública para a propositura de ACP. Essa lei foi a que alterou o art. 5º da Lei de ACP, que lemos há alguns minutos. A Conamp sustenta que para que a defensoria possa ajuizar a ação, a pessoa tem que ser individualizada, identificada. A tese é essa. E você concorda comigo que contraria a própria essência do processo coletivo a individualização dos indivíduos? A ideia para o processo coletivo é exatamente a de que os indivíduos sejam indeterminados? Podem ser até

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determináveis, mas são, em princípios indeterminados, seja nos difusos, seja nos coletivos, seja nos individuais homogêneos. Os sujeitos não são conhecidos num primeiro momento. Podem ser conhecidos em outro momento, mas de início não são. Então, o Conamp sustenta que a defensoria pública não poderia ajuizar ação em favor de pessoas desconhecidas e dizem isso porque não dá para saber se o desconhecido é pobre ou não, não dá para saber se ele é hipossuficiente econômico ou jurídico. Esse é o fundamento da ADI ajuizada pela Conamp, que pretende ver declarada a inconstitucionalidade do art. 5º, II, da Lei de ACP, por violação do art. 134, da CF, que é o que fala da defensoria pública. Eles usam outros argumentos, inclusive o da colisão de atribuições entre o MP e a defensoria pública. Mas, qual é o problema de haver essa colisão? Absolutamente nenhum! Quanto mais gente puder defender o interesse coletivo, melhor. Quando estudamos o princípio do processo coletivo, a tendência é que se maximize a legitimidade e não restringir. Indo um pouco mais além, temos que entender algo (que torna essa ADI algo desprezível, senão algo que não merece provimento algum): a Lei de ACP é de 1985. Desde lá tem legitimidade da Administração Direta, Indireta, associações e por que ele nunca alegou a ilegitimidade dos outros, mas só da defensoria pública? Não tem cabimento!

Os defensores públicos, aproveitando o vácuo que foi aberto pela Lei 11.448, que previu a sua legitimidade, eles lançaram expressamente a possibilidade de a defensoria ajuizar a ACP, nos arts. 4º, VII, VIII e XI, da LC 80/94. Vamos ver, a título de exemplo, um desses incisos:

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

Ou seja, com a lei 11.448, e depois a ADI e eles já pegaram a lei complementar deles e já jogaram a possibilidade de propositura da ACP para não ter dúvida nenhuma a respeito disso.

2ª Corrente – É uma corrente intermediária, que estabelece que a defensoria pode propor a ACP, mas só nos direitos individuais homogêneos. Os interesses individuais homogêneos são aqueles que, na verdade, são individuais. Só que tem tanta gente que tem esse interesse que a lei permite o tratamento coletivo para um direito que, na essência é individual. Para os adeptos dessa corrente, seria possível a defensoria pública defender só os individuais homogêneos porque aqui, os titulares são determináveis e sendo assim, seria possível saber quem é e quem não é hipossuficiente. Então, para os direitos individuais homogêneos seria a única forma de atuação para a defensoria pública, portanto, a defensoria pública poderia entrar com aquela ação do leasing, poderia entrar com ACP para defender os exportadores porque são indivíduos que poderiam ter proposto individualmente, já que se trata de pretensões individuais. Para os adeptos dessa corrente, a defensoria pública não poderia propor nenhuma ACP ambiental porque esse interesse já não seria mais individual homogêneo, mas difuso.

3ª Corrente – É uma posição mais ampliativa e diz que a defensoria pública poderia propor ACP em todos os interesses metaindividuais. Poderia, por exemplo,

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propor uma ação ambiental, desde que para tutelar os necessitados, seja do ponto de vista econômico ou jurídico. Tomando uma classe tradicionalmente hipossuficiente, como a dos garis. Ela poderia propor uma ACP para que, a cada 6 meses, as vassouras dos garis fossem trocadas para evitar maior esforço na hora de varrer. Eu estou dando um exemplo absurdo para você entender que é um direito de categoria de classe hipossuficiente. Pela posição anterior, a defensoria não poderia propor essa ação porque o direito não seria individual homogêneo.

Qual posição adotar? Para um concurso do MP, eu adotaria a segunda posição. Mas a última me parece que é a dominante. Sabe qual é sempre a posição dominante em qualquer tema? É a de quem julga, de quem decide. E a terceira corrente tem um precedente (meio escamoteado) no STJ. É de um caso de individuais homogêneos. Só que no julgamento, ficou claro que a defensoria pode propor em todos os casos: difusos, coletivos e individuais homogêneos. RE 912849/RS.

REsp 912849 / RS - Ministro JOSÉ DELGADO - PRIMEIRA TURMA - Julgamento 26/02/2008 - DJe 28/04/2008 1. Recursos especiais contra acórdão que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores.2. Esta Superior Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/07), a Defensoria Pública tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências.3. Recursos especiais não-providos.

3ª Observação: Havendo parcela de não necessitados na coletividade beneficiada pela sentença coletiva, eles também poderão executar a decisão? O exemplo típico é o da poupança, que discute os índices do Plano Verão, Plano Collor, Plano Bresser, etc. A defensoria ajuizou em vários lugares do Brasil ACP para que os poupadores tivessem direito à correção monetária nesses períodos. Tinha poupança quem era pobre e quem não era pobre. A dúvida é: o rico pode pegar essa sentença e executá-la? São duas posições:

1ª Corrente: Condiciona à prova da necessidade. Ou seja, para essa primeira posição, a pessoa poderia executar se tivesse poupança, desde que comprovasse, no momento da execução que é pobre. A pessoa, para executar a ação da defensoria, teria que provar que é pobre. Essa é a posição bem minoritária.

2ª Corrente: É a amplamente majoritária. E admite que é possível, independentemente da posição econômica. Qualquer pessoa que tinha poupança poderia executar essa sentença, independentemente de ser pobre ou não. Essa segunda posição é bem melhor porque passa a ideia de tratar a todos com igualdade. Não tem cabimento diferenciar dois portadores das mesmas

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circunstâncias. Essa posição privilegia o princípio constitucional da isonomia, da igualdade. É uma posição melhor do ponto de vista do sistema.

Com essas considerações, eu encerro a legitimidade da defensoria para a ACP.

c) Administração Direta e Indireta (incisos III e IV)

Art. 5º  da Lei de Ação Civil Publica  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).        III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).        IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

Poucas pessoas investigam esse tema. É um tema legal para mestrado, doutorado porque nossa doutrina é muito pouco atuante na discussão da legitimidade da atuação da Administração Direta e Indireta, mesmo porque esses caras raramente ajuízam ACP.

O juiz, como vimos, tem o controle inicial adequada representação. A pergunta é: qual a finalidade institucional desses caras? Quando você vai investigar a finalidade institucional da União, se você parar para pensar, serve para tudo. A finalidade da Administração, seja Direta, seja Indireta, é ampla! Muito ampla! De modo que, talvez, esse grupo de legitimados seja o que possa propor ação civil pública em quase todos os temas. A análise, portanto, da adequada representação da Administração Direta e Indireta (não dá para fazer como foi feito com o MP ou com a defensoria) só poderá ser feita no caso concreto.

Petrobras é sociedade de economia mista. Em quais temas você acha que ela pode propor ação civil pública? A finalidade institucional da Petrobras é trabalhar com petróleo, meio ambiente. Portanto, só pode propor ACP em meio ambiente, questão de consumo envolvendo gasolina, derivados do petróleo. Mas a Petrobras, definitivamente, não tem legitimidade para ajuizar ACP na defesa do consumidor, ou da moralidade administrativa.

No caso da Administração Direta (União, Estados, DF e Municípios) é difícil falar o que eles não podem. A União tem que incentivar o consumidor, o meio ambiente, o patrimônio histórico, a economia, o idoso, então, poderia entrar com ACP em quase todos os temas.

Então, o controle da legitimidade, da representação adequada da Administração Direta e Indireta é algo extremamente tormentoso e que tem que ser investigado casuisticamente.

O art. 82, III, do Código do Consumidor, na verdade é a cópia do art. 5º, da Lei de Ação Civil Pública. E lá tem uma particularidade importante, que é o inciso III do art. 82: ele diz que também podem propor ACP:

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III - as entidades e órgãos da Administração Pública, Direta ou Indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;

Ou seja, o CDC, no art. 82, III, diz que podem propor a ACP não só a Administração Direta e Indireta, mas também os órgãos dela que não tenham personalidade jurídica, mas que tenham prerrogativas a defender. E quem são esses órgãos? O PROCON, que é uma pasta da Administração Municipal. O PROCON pode propor ACP em nome próprio, porque tem prerrogativas próprias a defender. É o melhor exemplo, mas se você tiver uma pasta da prefeitura, por exemplo, um órgão de defesa do meio ambiente da prefeitura, a própria pasta poderia propor ACP, não o Município, porque teria prerrogativas próprias a defender.

d) Associações (inciso V)

Art. 5º  da Lei de Ação Civil Publica  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).        V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).        a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).        b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

Para que uma associação possa propor ação civil pública, é necessário que sejam observadas duas condições:

Constituição ânua - tem que ter a constituição ânua, ou seja, o intento do legislador foi evitar a constituição de associações ad hoc, de associações temporais, evitar que duas pessoas se juntem e formem uma associação só para fins de ajuizamento de ACP. Mais importante do que a constituição ânua é observar que no § 4º, do art. 5º a lei autoriza que, em casos excepcionais, o juiz dispense a constituição ânua:

         § 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

São raríssimas as hipóteses de dispensa, mas tivemos um leading case no Brasil. Foi o caso de uma associação aqui de SP, e que foi parar no STJ, chamada ADEF (Associação de Defesa dos Fumantes). Em 1994/95 entrou com uma ação para indenizar todos os que tiveram câncer de pulmão pelo uso do cigarro, só que ela tinha sido constituída havia dois meses. O Judiciário teve que decidir e decidiu

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que, aplicando o § 4º, do art. 5º, como o interesse era socialmente relevante era o caso de permitir o seu processamento, mesmo sem ter havido a constituição ânua. A ADEF perdeu a ação no mérito.

Pertinência temática – É o segundo requisito indicado pelo inciso V, do art. 5.º, para que uma associação possa entrar com uma ACP. Nada mais é do que a finalidade institucional da associação. É aquilo que o estatuto diz para o quê serve a associação. Portanto, quando a lei diz que tem que ter pertinência temática, é no sentido de que a associação pode propor a ação apenas dentro dos seus objetivos institucionais. Anota: A lei diz que a associação tem a possibilidade de propor ACP se ela incluir entre as suas finalidades institucionais. Isso quer dizer: não precisa ser a principal finalidade. A ação civil pública para essa associação não precisa ser ajuizada só na principal finalidade da associação, mas também para as outras finalidades.

Pensa em uma associação de magistrados como a ANB. Sua finalidade precípua é defender as prerrogativas dos magistrados. Isso vem logo no art. 1º. Mas também está lá: “incluem-se também entre as finalidades da associação:” E vamos supor que lá pelo art. 8º esteja: “a defensa do direito de consumidor dos magistrados.” Nesse caso, a ANB pode entrar com uma ACP para a defesa, por exemplo, dos magistrados que compraram um carro com uma peça defeituosa. E isso não tem nada a ver com a principal finalidade da instituição, mas tem a ver com uma das finalidades institucionais.

Uma última observação sobre o art. 2.º-A, § único, da Lei 9.494/97, que é uma aberração e vai dizer o seguinte:

Art. 2o-A.  A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

                Parágrafo único.  Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Está dizendo basicamente o seguinte: “quando se tratar de ação para a tutela dos individuais homogêneos, ajuizada por associação contra o poder público, a inicial tem que estar acompanhada de autorização assemblear e lista com nome e endereço dos que serão beneficiados.”

A finalidade desse dispositivo é inviabilizar o ajuizamento dessas ações. Como é possível fazer uma assembleia para pedir autorização para entrar com uma ação pela tutela de individuais homogêneos? E olha, é só para os individuais homogêneos. Para os difusos, isso não precisa. Quando a associação for muito

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grande, você não consegue isso nunca! Imagine, 5 mil membros! Como reunir toda essa gente para saber se pode ou não pode entrar com uma ação na defesa dos interesses individuais homogêneos dos associados?

O art. 2º-A é objeto de intensa controvérsia na doutrina. A doutrina critica veementemente esse dispositivo por uma razão só: quando eu dei autorização para a entidade defender meu interesse? Em que momento eu falei: “pode entrar com a ação”? No momento em que eu me associei. A minha autorização está dada no momento que eu entro na associação, que conheço suas finalidades institucionais. E a partir daquele momento, ela pode propor ação no meu interesse. E o art. 2º-A nada mais faz do que desvirtuar o objetivo do direito de se associar que, nada mais é do que a autorização que você dá para a associação representar os seus interesses.

Se você for prestar concurso para AGU, procuradorias, diga que esse dispositivo é o melhor do mundo, mas nós temos no Brasil um precedente do STJ que é o REsp 805277/RS, que entendeu pela inaplicabilidade desse dispositivo. Foi um belo voto relatado pela Ministra Nancy Andrighi, que disse que esse dispositivo contraria o próprio fim associativo.

REsp 805277 / RS - Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) - TERCEIRA TURMA - Julgamento - DJe 08/10/2008 - A ação coletiva é o instrumento adequado para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes.- Independentemente de autorização especial ou da apresentação de relação nominal de associados, as associações civis, constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, gozam de legitimidade ativa para a propositura de ação coletiva.- É regular a devolução do prazo quando, cessado o impedimento, a parte prejudicada demonstra a existência de justa causa no qüinqüídio e, no prazo legal, interpõe o Recurso. Na ausência de fixação judicial sobre a restituição do prazo, é aplicável o disposto no art. 185 do CPC.- A prerrogativa assegurada ao Ministério Público de ter vista dos autos exige que lhe seja assegurada a possibilidade de compulsar o feito durante o prazo que a lei lhe concede, para que possa, assim, exercer o contraditório, a ampla defesa, seu papel de 'custos legis' e, em última análise, a própria pretensão recursal. A remessa dos autos à primeira instância, durante o prazo assegurado ao MP para a interposição do Especial, frustra tal prerrogativa e, nesse sentido, deve ser considerada justa causa para a devolução do prazo.Recurso Especial Provido.

3.2. Legitimidade passiva

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Já vimos quem vai ser autor, agora falta ver quem vai ser réu na ACP, quem vai ser demandado na ACP e na lei de ACP não há previsão legal quanto ao legitimado passivo para a propositura da ACP, o que leva a doutrina a abraçar duas posições:

1ª Corrente – Diz que como não há previsão legal, o legitimado passivo vai ser formado através de um litisconsórcio facultativo simples a ser eleito pelo autor coletivo. Isso significa que a ACP pode ser ajuizada contra quem o autor quiser. Se há quatro empresas poluidoras, a associação não estaria obrigada a ajuizar contra as quatro, mas contra uma, duas, três, contra quantas quiser. Como não há previsão legal, ficaria à livre escolha do autor. Não me parece que é a melhor posição.

2ª Corrente – Defendida, entre outros, pelo professor Mancuso, que manda aplica o microssistema, que diz que se não há norma na Lei de ACP, eu busco onde? No CDC. E se não há norma no CDC, eu busco nas demais normas que compõem o microssistema (Lei de Ação Popular, LMS, Lei dos Juizados, etc.). E o Mancuso acha no art. 6º, da Lei de Ação Popular (lei 4.717), um dispositivo bem interessante:

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

Ou seja, diz que quem vai ser réu na ação popular: o mundo, o universo. Todos os que participaram, de qualquer maneira do ato. Trata-se de um típico caso de litisconsórcio necessário e simples entre todos os citados pelo art. 6º, da Lei de Ação Popular. Então, essa é a posição a ser adotada. Quando não tem norma, aplica o microssistema. E no caso das quatro empresas poluidoras, se a associação entrar contra uma só, o juiz tem que mandar emendar, porque o caso é de litisconsórcio necessário e não de litisconsórcio facultativo.

4. INQUÉRITO CIVIL

4.1. Generalidades

1ª Observação: O inquérito civil tem previsão nos arts. 8º, § 1º e 9º, da Lei de Ação Civil Pública, e também na Constituição Federal no art. 129, III (se quiserem acabar com ele, vai ter que ser por emenda constitucional). E cada MP estadual tem uma lei orgânica que disciplina o inquérito civil, cada uma dizendo uma coisa. Para resolver o problema, o Conselho Nacional do Ministério Público, influenciado negativamente pelo CNJ, editou uma resolução, a Resolução 23, de 17/09/2007. Essa resolução quer padronizar os procedimentos do inquérito civil nos âmbitos estadual e federal.

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Mas se você ler os artigos 8º, § 1º e 9º, da Lei de ACP, o art. 129, III, da Constituição Federal e essa resolução, é mais do que bastante para você dominar bem o tema inquérito civil.

        Lei de ACP Art. 8º § 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

      Lei de ACP  Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.

CF Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

2ª Observação: O inquérito civil impõe um constante paralelo com o inquérito policial. E por quê? Toda vez que você tiver dúvidas quanto ao inquérito civil, vai no inquérito policial. 90% das vezes é igual. E por que se impõe esse paralelo? Porque ambos são procedimentos investigativos para a formação do convencimento do órgão ministerial. O inquérito civil é instaurado para que o promotor possa amealhar elementos para saber se proporá ou não a ACP. O diferencial é que quem faz inquérito policial é a autoridade policial e quem denuncia é o MP. E quem faz o inquérito civil é o próprio Ministério Público para instrução da ação cível.

4.2. Características do inquérito civil apontadas pela doutrina:

a) Trata-se de um procedimento meramente informativo – Isso significa que não se aplicam sanções, penas, não se reconhece responsabilidade. É meramente informativo. Não há sanções, não há responsabilidade.

b) Trata-se de um procedimento de natureza administrativo – No inquérito policial o juiz mete a pata para conceder prazo. O inquérito civil, o juiz nem vê.

c) O inquérito civil não é obrigatório – Se o promotor estiver convencido de que houve o dano, pode entrar diretamente com a ACP.

d) O inquérito civil é público – Qualquer pessoa pode ter acesso, cabendo, inclusive MS para ter acesso aos autos. É possível, excepcionalmente, a decretação dos sigilos das investigações, por analogia ao art. 20, do CPP.

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e) É procedimento inquisitivo – Isso significa que é sem contraditório. A finalidade aqui é formação do convencimento. O momento da discussão ocorrerá, se for ajuizada, na ação civil pública. A professora Ada entende que tem que ter contraditório porque se trata de procedimento administrativo acusatório, mas é posição isolada.

f) É instrumento privativo e exclusivo do MP – Muitos querem, mas só o MP tem. Se não tem como investigar, não propõe ação coletiva. A defensoria pública não pode instaurar inquérito civil. Na nova Lei de Ação Civil Pública, uma das maiores públicas foi no sentido de que daria ou não inquérito civil para a defensoria pública. E a maioria, por uma mínima vantagem de votos, entendeu que não. Sabe por quê? Porque isso desvirtuaria a função típica da defensoria.

4.3. Fases do Inquérito Civil:

a) Instauração

Como começa o IPL? Flagrante, portaria, requisição. O inquérito civil tem início por portaria. De acordo com a Resolução do Conselho Nacional do MP, na portaria tem que ser indicado o objetivo da investigação, bem como determinadas as provas que serão inicialmente colhidas (pede laudo, vistoria, designa oitiva, etc.).

Instauração abusiva do inquérito civil – Se a instauração for abusiva, tem-se entendido pacificamente, que cabe mandado de segurança contra o promotor. O mecanismo para trancar o inquérito civil abusivo seria o mandado de segurança contra o promotor, o procurador da república ou o procurador do trabalho. A dúvida é: quem julga o MS contra o promotor, contra o procurador da república? Há duas posições. Na verdade essas são posições conciliáveis:

1ª Posição – É o tribunal, desde que o promotor goze da mesma prerrogativa de foro que o juiz – Onde eu vou saber isso? Na Constituição Estadual. Aí você vai ter que ir na Constituição do seu Estado para ver se o promotor tem a mesma prerrogativa de foro do que o juiz. Geralmente tem. Se é o tribunal que julga o MS contra o juiz, quem julga MS contra instauração abusiva de inquérito civil é o tribunal, porque ele está no mesmo status institucional do juiz. Em SP, o art. 64, II, da Constituição Estadual, dá prerrogativa de foro para o promotor. Em SP, quem julga é o tribunal, é o mesmo órgão que julga MS contra o juiz.

2ª Posição – Quem julga é o juiz de primeiro grau, à míngua de previsão legal expressa na Constituição Federal ou Estadual. No MPF quem disciplina o foro privilegiado do procurador da república é a CF e na CF não tem essa prerrogativa do MS. E, portanto, quem julga MS contra MPF por instauração abusiva é a justiça federal de primeiro grau.

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Impedimento e suspeição do promotor para a presidência do IC – Aplicam-se as regras dos arts. 134 e 135, do CPC. Você vai reclamar que ele é impedido ou suspeito para o órgão superior dele.

Art. 134 - É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

I - de que for parte;II - em que interveio como mandatário da parte,

oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;

III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

Art. 135 - Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

Efeito da instauração nas relações de consumo – Há um dispositivo no CDC que você tem que estar muito esperto, que é o art. 26, § 2º, III, do CDC. O art. 26 trata dos prazo de decadência para as reclamações a respeito de relações de consumo. Trata de prescrição e decadência. E são prazos muito curós: 30, 90, 5 anos (para acidentes de consumo). Esse artigo manda uma informação que passa meio despercebida por muitos. O legislador entendeu razoável que enquanto o promotor estivesse investigando a ocorrência de um evento prejudicial aos direitos do consumidor, que o prazo de decadência ficasse obstado. Daí a previsão do art. 26, § 2º, III:

§ 2º - Obstam a decadência: III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

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Do momento em que o promotor baixou a portaria, até a decisão final no inquérito civil, os prazos decadenciais, de perda de direito previstos pelo CDC se tornam obstados. O prazo nem começa a correr.

Há um dispositivo no Código Penal, que é o art. 339, que trata do crime de denunciação caluniosa. Ele fala que configura denunciação caluniosa dar causa indevida (sabendo ser falsa a afirmação) a inquérito civil, não só a inquérito policial. Isso é para evitar que o sujeito minta para o promotor com a finalidade de prejudicar terceiros.

(Intervalo – 01:34:20)

b) Poderes instrutórios do MP

Quando se pensa em instrução, pensa-se nas provas que serão trazidas ao bojo do inquérito civil. Mais do que falar em instrução, é melhor a gente falar em poderes do MP a bem da instrução do inquérito civil. Dentro do IC, o membro do MP tem três poderes instrutórios

1º Poder Instrutório: Poder de vistoria e inspeções

Isso está no art. 8º, V, da LOMP-U, que é a Lei orgânica do MP da União. O MP pode vistoriar pessoas e coisas, evidentemente que respeitadas às garantias constitucionais. Aquilo que não é coberta pela proteção do domicílio, o promotor tem poder, independentemente de autorização de quem quer que seja. O exemplo clássico é a vistoria em repartições públicas. O MP, no bojo do IC pode comparecer à repartição para aferir se há ou não funcionários fantasmas em determinada instituição.

2º Poder Instrutório: Poder de intimação para depoimento sob pena de condução coercitiva

O MP pode intimar qualquer pessoa para depor. E se ela não comparecer para prestar depoimento, não precisa de intervenção judicial. O próprio promotor requisita força policial para trazer pela orelha. Mentir na delegacia é falso testemunho? Sim, desde que não seja o acusado. No IC, mentir para o promotor é falso testemunho? No IPL é. E no IC? Me parece que à luz do art. 342, do CP, é crime, porque o art. 342 fala que é crime mentir em inquérito ou procedimento administrativo. E o IC é um procedimento administrativo. Calar ou falsear a verdade é falso testemunho, embora haja posições em contrário. Há quem ache que mentir em inquérito civil não comete falso porque não há no tipo penal a expressão “inquérito civil.”

3º Poder Instrutório: Poder de requisição de qualquer entidade pública ou privada, física ou jurídica de documentos, salvo os protegidos pela Constituição Federal por sigilo.

Esse poder tem, como o anterior, previsão no art. 26, da LOMP, que é Lei Orgânica do MP (Lei 8.625/93). Tanto o poder de condução coercitiva, quanto esse, que é o de requisição do MP, estão previstos na LOMP. A grande dificuldade que se impõe é a definição do que seja “salvo os protegidos pela CF por sigilo.” Esses

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protegidos por sigilo não podem ser requisitados pelo MP e esses são os protegidos por:

Sigilo de dados telefônicos Sigilo de correspondência

O MP, por exemplo, não poderia requisitar por correio que as cartas dirigidas a você fossem encaminhadas antes para ele e não poderia pedir à companhia telefônica que entregasse as ligações que você fez. Para esses casos, de sigilo de comunicações e de correspondência é necessária prévia autorização judicial. O MP pode ter acesso aos dados telefônicos, mas via autorização judicial. Ele, sozinho, não tem autorização para quebrar.

Sigilo fiscal e bancário – O MP pode requisitar qualquer documento, menos os protegidos por sigilo constitucional (telefonia e correspondência). Pode o MP oficiar a receita e pedir a declaração de renda do sujeito? Essa é uma questão altamente polêmica. Em torno dela surgem duas posições diametralmente opostas:

1ª Corrente (Néri, Hugo Nigro Mazzilli) – A lei que trata do sigilo é a Lei Complementar 105/01, que proíbe. Já a lei que permite a quebra do sigilo de documentos pelo MP é a LOMP (Lei 8.625/93). O que esses doutrinadores dizem para sustentar que pode requisitar direto? Ou seja, que o promotor pode decretar quebra de sigilo fiscal e bancário independentemente de autorização judicial? O que eles alegam para poder sustentar isso? Alegam que esses dois sigilos decorrem da lei ou decorrem da Constituição Federal? Decorrem da lei. O MP pode requisitar documentos, salvo os resguardados por sigilo constitucional. Nesse caso, o sigilo não é constitucional, mas legal. No modo de entender deles, o MP pode requisitar documentos fiscais e bancários porque o sigilo não é constitucional, mas infraconstitucional, de modo que prevaleceria a LOMP, sobre a LC 105/01. Esse entendimento foi amparado pelo STF no passado, no MS 121729. No julgamento desse MS, o Supremo entendeu que o MP pode requisitar diretamente os dados sob esse fundamento, de que os dados não decorrem de sigilo constitucional, mas legal. Então, a LOMP poderia excepcionar LC 105/01

2ª Corrente – A LC 105, na verdade, simplesmente disciplina a garantia à intimidade, de modo que os sigilos fiscais e bancários têm status constitucional. A LC só disciplina, só explicita, mas a garantia não decorre da LC 105, mas decorre de um direito à intimidade que é previsto no art. 5.º da Constituição Federal. Ora, se o direito à intimidade é previsto no art. 5º da CF, e os sigilos fiscal e bancário, por serem integrantes dele, têm status constitucional. Por isso, de acordo com os adeptos dessa teoria, o MP não teria poder de quebrar o sigilo fiscal e bancário, uma vez que eles teriam status constitucional. Esse entendimento também foi adotado pelo STF, no julgamento do RMS 8716/GO. Nesse julgamento, o STF entendeu que o sigilo fiscal e bancário decorrem do direito constitucional à intimidade e que, portanto, o MP não poderia determinar a sua quebra sem autorização judicial.

Essas posições são diametralmente opostas. Há julgados do STF para os dois lados. Na prática, os promotores não querem correr o risco de ver todas às investigações deles indo por água abaixo porque temem que no futuro se decida que não poderiam ter requisitado a prova diretamente. Então, eles acabam pedindo a autorização para não ter que enfrentar essa polêmica. Na minha opinião, acho que pode.

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Para encerrar o poder de requisição, eu queria chamar atenção para o que diz o art. 10, da Lei de ACP, que tipifica um crime para os que não apresentam os documentos requisitados pelo MP:

        Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.

Olha a importância que tem o poder de requisição. Se a pessoa descumpre a requisição, ela responde por um tipo próprio, que é o de negar informações no âmbito do IC.

c) Conclusão

A conclusão do IC pode ser representada graficamente, do seguinte modo: o MP instaurou inquérito civil. Depois de instaurado, ele promoveu a instrução. Chega no derradeiro momento, que é o momento da conclusão. E quais são as conclusões possíveis para o promotor?

1ª Conclusão: Ajuizamento da ação civil pública – Feito isso, a atribuição deixa de ser administrativa, se tornou judiciária.

2ª Conclusão: Arquivamento fundamentado – Se o IC não revelou informações suficientes para a formação do seu convencimento (não ficou comprovado o dano ambiental, o dano a ser reparado), o promotor promove aquilo que a lei chama de arquivamento fundamentado. Ele tem que explicitar as razões do seu convencimento no sentido de não estarem presentes os elementos que demandem uma intervenção jurisdicional. Ele promove esse arquivamento no prazo de 3 dias. Quem faz a análise sobre se o IPL pode ou não ser arquivado é o juiz. Aqui, não. Se ele não concorda, usa o art. 28. O IC não passa pelo juiz. Ele é fundamentado em três dias e é encaminhado para o órgão superior do MP. No MP estadual, chama Conselho Superior do Ministério Publico. Todos os estados têm. No MPF é a Câmara de Coordenação e Revisão. Encaminhados os autos em 3 dias para esse órgão superior do MP, esse órgão vai marcar uma sessão pública. Até aqui qualquer interessado pode se manifestar. O órgão superior vai marcar uma sessão para julgar o arquivamento e até esse momento, qualquer um pode juntar documento, se manifestar, reclamara do promotor. Tudo isso contribui para verificar se o caso é ou não de arquivamento. Sempre vai ter alguém feliz (investigado) e alguém triste (vítima) com o arquivamento.

O órgão superior pode tomar três atitudes:

1ª Opção: Homologa o arquivamento.

2ª Opção: Converter o julgamento em diligência – Por exemplo, manda ouvir uma testemunha que o promotor esqueceu. Nesse caso, os autos voltam à primeira instância para oitiva da testemunha e depois retornam à câmara ou conselho para apreciar o pedido de arquivamento.

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3ª Opção: Rejeita o arquivamento – Nesse caso de arquivamento rejeitado, o procurador-geral necessariamente designará outro promotor para o ajuizamento da ação civil pública. E fará essa nomeação por um motivo simples. Ele tem que respeitar a independência funcional do promotor que pediu o arquivamento. O promotor nomeado no lugar daquele não pode arquivar de novo porque, aqui, ele vai atuar em nome do procurador-geral. É um longa manus do procurador-geral. Ele não pode promover um novo arquivamento. Ele é obrigado a entrar com a ACP.

Sobre a conclusão do IC, duas observações finais importantes:

1ª Observação: O arquivamento do IC não impede que qualquer outro legitimado ou até outro órgão do MP proponha a ACP. O arquivamento é um instrumento do MP. Nada impede que uma associação entre com a ação. A legitimidade para a propositura da ACP é disjuntiva, um não depende da atuação do outro legitimado. É óbvio que o réu dessa nova ACP vai usar como primeiro elemento de defesa o arquivamento. Mas isso é argumento de defesa, não impede o ajuizamento da ACP.

2ª Observação: Tanto quanto no IPL, é vedado o arquivamento implícito do inquérito civil. Se num IPL que investiga extorsão, furto e peculato, o promotor entender que só houve peculato, ele tem que denunciar o peculato e promover o arquivamento da extorsão e do furto. O promotor está apurando superfaturamento na prefeitura em 2004, 2005 e 2006. Conclui que só houve superfaturamento em 2006. O que ele faz? Manda o arquivamento de 2005 e 2004 para o conselho arquivar e toca a ACP de 2006. Não dá para fazer arquivamento implícito. Se fizer isso, é sanção funcional. Ele pode ser até demitido do cargo. Cuidado com essa questão do arquivamento implícito.

5. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – CAC ou TAC

Ao compromisso de ajustamento de conduta diz-se CAC (compromisso) ou TAC (termo). Compromisso é conteúdo, termo é a forma. Mas usam-se essas expressões como sinônimas. Ninguém se preocupa com essa diferenciação formal. TAC e CAC são a mesma coisa.

Nosso legislador foi extremamente breve ao tratar de TAC, só o art. 5º, § 6º trata disso. Ele diz que

            § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto)  (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

Quer dizer, a nossa lei só fala isso sobre TAC e a gente tem que se virar para acrescentar outras informações. Muitas dessas informações hoje podem ser obtidas na Resolução 23, do CNMP, que tem um capítulo próprio dedicado

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exclusivamente à celebração do TAC, mas legalmente falando o que existe é só o art. 5º, § 6º.

5.1. Natureza do TAC

Muitos autores, do meu ponto de vista erradamente, indicam que o CAC tem natureza de transação. Considero equivocado porque a transação pressupõe concessões múltiplas e recíprocas e aqui, nesse caso, o interesse em jogo não é disponível. Por isso, não há concessões recíprocas até porque o autor da ação coletiva não pode abrir mão de algo que não é dele. Por isso, eu entendo que a natureza do CAC não é de transação, mas de reconhecimento jurídico do pedido.

Quando o órgão legitimado faz o CAC ele não abre mão do conteúdo da obrigação, mas da forma de cumprimento da obrigação. Ele só negocia a forma. Exemplo: se o cara desmatou 500 árvores e a reparação exige a reparação de 500 árvores, o réu tem que plantar 500. O promotor não pode abrir mão de interesse que não é dele, deixando o cara plantar só 250. Ele pode abrir mão da forma de cumprimento da obrigação (“planta 100 por mês”). Há uma indisponibilidade do direito em jogo. Por isso, me parece que a natureza é de reconhecimento jurídico do pedido.

Na maioria dos casos, o CAC é feito em obrigações de fazer e não fazer. A cada 100, que você pegar, 99 vão recair sobre obrigações de fazer e não fazer. É muito raro o CAC sobre obrigação de pagar. Eu nunca vi um TAC sobre pagar.

5.2. Legitimação

Quem pode celebrar TAC? A resposta está no § 6º, do art. 5º: órgãos públicos legitimados.

            § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto)  (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

Quem pode? MP, Defensoria Pública, Administração Direta e Indireta.

Quem não pode? Associações, que são os órgãos privados legitimados. Só os órgãos públicos legitimados podem firmar TAC.

Não tem controle do MP! O MP não é tutor dos interesses coletivos. Se a defensoria que fazer um TAC do jeito X, não precisa pedir bênção do MP para o acordo.

5.3. Fiscalização do cumprimento

Quem fiscaliza é quem firmou. O órgão que celebrou o TAC é quem faz a fiscalização. Mas e se quem firmou o TAC foi uma prefeitura comprometida com os

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interesses do madeireiro? Então, a fiscalização é de quem celebrou, no entanto, a má celebração ou má fiscalização gera improbidade administrativa do celebrante, sem prejuízo de uma outra ACP para reparação do dano causado.

O cara desmatou 5000 árvores o prefeito fez o TAC mandando plantar 500. Ele vai responder por improbidade administrativa e qualquer outro legitimado vai entrar com uma ACP contra o prefeito e o cara que desmatou, para obrigar a plantar as 4500 árvores faltantes. É assim que funciona.

5.4. Eficácia

É de título extrajudicial. Se o cara não cumprir, execução de título extrajudicial. O § 6º, do art. 5º é bastante claro nesse sentido:

            § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto)  (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

5.5. Celebração no bojo do IC

Em 90% das vezes acontece isso: conforme ele investiga aparece o suposto causador do dano querendo fazer um TAC, o promotor no bojo do inquérito civil celebra o TAC. Se ele cumprir, acabou o problema. Então, a celebração do CAC dentro do IC, leva à necessidade de arquivamento do IC. E como é feito isso? O promotor faz uma promoção de arquivamento dizendo se dirigindo ao conselho superior pedindo a homologação porque o sujeito celebrou o TAC. O órgão superior faz o quê com esse caso? Pode homologar e pode mandar seguir o IC. A realização do TAC dentro do inquérito civil, quando leva ao arquivamento, é levado ao órgão superior do MP. Se o órgão não homologar, o TAC do MP não vale. É mais fácil os outros órgãos públicos celebrarem TAC porque não tem controle. O promotor só celebra na ponta da faca porque se fizer mal feito, não vinga. Se o promotor não fizer um TAC direito, o conselho superior não vai homologar. Só que, às vezes, o promotor morre de dó do caboclinho lá e ele sabe que 100 árvores recomporiam o dano ao invés de 300. Sabe o que ele faz? Ajuíza a ACP e na audiência de conciliação resolve o problema. Não tem controle do órgão superior do MP. O controle nessa fase é feito pelo juiz.

“Se, eventualmente houver a celebração do acordo após o ajuizamento da ACP, ele só será submetido ao crivo judicial, e não mais ao órgão superior do MP.”

5.6. Compromisso preliminar

“O compromisso preliminar é o CAC celebrado para solução de apenas parcela dos fatos ou de pessoas investigadas.”

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Estou investigando 4 por dano ao consumidor. Dois vão ao MP e dizem que topam pagar o dano. Você resolve o problema parcialmente. Isso chama compromisso preliminar. É uma solução parcial do problema. Não há óbice à celebração do compromisso preliminar.

“Caso haja celebração de compromisso preliminar, haverá prosseguimento da investigação ou ajuizamento da ação contra os demais fatos ou pessoas.”

5.7. TAC em improbidade administrativa

Em princípio não cabe TAC em improbidade administrativa. Por quê? Porque o cara tem que ser castigado, tem que sofrer as sanções da improbidade. É por isso que não cabe, em princípio, TAC em improbidade administrativa, por causa das sanções do art. 12, da Lei 8429/92 que não podem ser objeto de renúncia. O promotor não pode deixar de processar para evitar a suspensão dos direitos políticos. Se houvesse possibilidade de TAC em improbidade, o sujeito ia roubar e ver no que ia dar. Se não desse em nada, ele torrava o dinheiro. Você incentivaria a ilegalidade.

Há uma única exceção de que, em princípio, não há TAC na improbidade. Entende que:

“Se o funcionário for do baixo clero e a Administração Pública já o sancionou, é possível a celebração do TAC.”

O cara deve 10 mil, já foi mandado embora da prefeitura. Se ele topar as pagar duas de 5 mil, faz o TAC porque o castigo já veio, a Administração já sancionou adequadamente. Não há porque tocar a improbidade para ter o mesmo efeito que a prefeitura conseguiu, ou seja, mandar o cara embora.

6. OUTRAS QUESTÕES PROCESSUAIS

Eu tenho algumas questões processuais finais sobre ACP para você ficar esperto, em especial, em prova de marcar.

6.1. Art. 2º, da Lei 8.437/92

O art. 2º veda a concessão de liminar inaudita altera para em ACP contra o Poder Público. Ele praticamente determina que o Poder Público, antes de o juiz dar à liminar, seja ouvido em 72 horas.

Art. 2º No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas .

Atenção! Sobre essa lei, duas observações extremamente importantes sobre esse artigo:

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1ª Observação: Quem será ouvido é o representante judicial. E é diferente de representante legal. O legal é quem representa extrajudicialmente a pessoa (prefeito, governador, presidente). O representante judicial dos órgãos públicos é a procuradoria. Para acelerar, eu não ouço o prefeito, o governador, o presidente, mas ouço o procurador do estado, do município, o advogado da União, o procurador federal.

2ª Observação: O STF, em mais de uma oportunidade, pronunciou a constitucionalidade desse dispositivo. Ele disse que é plenamente constitucional porque não veda, apenas condiciona o cabimento da liminar contra o Poder Público. Ele diz que o Poder Público tem que ter um tratamento especial, que merece uma proteção maior do que a dos demais jurisdicionados e que, exatamente por isso, não há inconstitucionalidade. Entretanto, o Supremo deixou a porta aberta ao dizer: não é inconstitucional, o juiz tem que ouvir previamente, mas, excepcionalmente, no caso concreto, não sendo possível a oitiva, conceda à liminar, mesmo sem ouvir o Poder Público. Deixou brecha. Disse que o juiz, em princípio, tem que ouvir previamente, mas em casos extremos, para proteger a saúde, a segurança pública, quando não der tempo de ouvir, passa por cima do dispositivo, porque a garantia jurisdicional efetiva deve prevalecer sobre a proteção do Poder Público. Esse é um voto primoroso do Sepúlveda Pertence

6.2. Sucumbência – Arts. 17 e 18 da Lei de ACP

        Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

        Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

Atenção! O autor da ação coletiva, se for MP ou associação, só vai pagar sucumbência nas hipóteses de má-fé. Quer dizer, só vai ter pagamento de custas, honorários, despesas, se ficar provado que o autor entrou com a ação de sacanagem, para prejudicar. Aqui em SP temos um caso em que o juiz da Vara de Fazenda Pública meteu uma litigância de má-fé por causa de uma ação contra o Maluf. Era o tal do “frangogate”, superfaturamento na compra do frango e ficou comprovado que não havia superfaturamento algum. Era questão de centavos. Ou seja, preço de mercado, e o juiz entendeu que o MP abusou do direito de acusar e condenou o MP a custas e honorários por má-fé. É lógico que quem paga não é o promotor, mas o Estado que emprega o promotor, mas é plenamente possível.

Mas se o autor for a Administração Direta ou Indireta ou a Defensoria Pública, existem duas posições:

1ª Corrente: Diz que é só na má-fé. Só paga se houver má-fé, como na hipótese anterior.

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2ª Corrente: Posição do STJ. Em um julgado, estabeleceu que paga independentemente de má-fé. O réu teve que pagar advogado, daí a necessidade de condenação em honorários.

No STJ há as duas posições. Você acha acórdão dizendo que é só na má-fé e, portanto, aplica a mesma regra aplicável para o MP e para a associação. Antes, eu defendia a outra posição, hoje estou convicto de que a melhor é essa: só tem que pagar no caso de má-fé. Senão, você desencoraja os caras a entrar com a ACP. A prefeitura descobriu desvio de verba. Ao invés de entrar ela, mesma, bate na porta do MP. E qual a lógica da associação não pagar nada e a defensoria ou a prefeitura ter que pagar?

MP vencedor – Se o MP for vencedor, há entendimento, também do STJ, que o réu não paga sucumbência. O autor da ACP ganhou, o réu foi condenado a reparar dano, por que eu não o condeno em custas e honorários advocatícios? Porque o MP não recebe honorários, não paga custas e não tem despesas processuais, consequentemente, se o MP for vencedor, o réu não paga sucumbência. Não vai mandar esse dinheiro para o Estado. Não paga porque o MP é isento de tudo.

Demais legitimados vencedores – Réu paga sucumbência. Se a defensoria entrar com ação e ganhar, o réu paga honorários. E essa grana vai para onde? Vai para o Fundo, para equipar a defensoria, etc.

6.3. Efeito suspensivo da apelação – Art. 14 da Lei de ACP

Eu queria que você ficasse atento ao art. 14, da Lei de ACP, até porque tem um projeto de lei que quer transformar todas as apelações igual ao 14:

        Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

No âmbito da ACP, a regra do efeito suspensivo da apelação é diferente da regra do CPC. O art. 520, do CPC diz que a apelação tem, como regra, efeito devolutivo e suspensivo. Na ACP, quem decide se dá ou não efeito suspensivo não é a lei, mas o juiz. E isso é fundamental. Cuidado! Na ACP, a apelação fica dependendo de efeito suspensivo a ser ou não concedido pelo magistrado.

6.4. Reexame necessário

Tem previsão no art. 475 do CPC. Regra geral: o reexame necessário é em favor do Poder Público. Na ACP, esse regime é diferente! A regra geral é que o reexame necessário é a favor do interesse coletivo. Consequência: é que eu aplico o art. 19, da Lei de Ação Popular (microssistema) ou o art. 4º, § 1º, da Lei 7.853/89 (Estatuto dos Deficientes), ambos dispositivos estabelecem que, em tema de ação popular ou ação para tutela dos deficientes (nesses casos e em todos os demais por conta do microssistema), você vai ter reexame necessário na ACP se o autor coletivo perder. Se o MP entrou com uma ação julgada improcedente, reexame necessário. Se a associação entrou com ACP julgada improcedente, reexame necessário. Se a defensoria entrou e perdeu, reexame necessário. O

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reexame necessário é em favor do interesse coletivo. Há autores que falam que nesse caso, o reexame necessário é invertido. Reexame necessário invertido porque não é do poder público. Isso que eu falei é objeto de um julgado do STJ: REsp 1108542/SP.

REsp 1108542 / SC - Ministro CASTRO MEIRA - SEGUNDA TURMA - Julgamento 19/05/2009 - DJe 29/05/20091. Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário. Doutrina.2. Recurso especial provido.

6.5. ACP vs. ADI

Muitos se perguntam se você pode entrar com ACP alegando inconstitucionalidade de leis. Alguns sustentam que isso seria uma forma indireta de usurpar a competência do Supremo porque obteria o mesmo efeito de uma ADI, já que a ACP tem, nos difusos, eficácia erga omnes, atingindo a todos. Você usurparia, via ACP, uma atribuição do Supremo, que é declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei.

O Supremo já teve a oportunidade de enfrentar essa questão. O Supremo tem admitido o uso de ACP com fundamento na inconstitucionalidade de ato normativo. Tem entendido que é plenamente possível o uso de ACP com fundamento na inconstitucionalidade de ato normativo. Mas como assim? É fácil de entender: saiu uma lei absolutamente inconstitucional dando, por exemplo, o Centro do DF para a iniciativa privada. É absolutamente inconstitucional. O PGR ajuíza uma ADI no STF. Observe o exemplo. Qual é a causa de pedir dessa ADI? Por que o PGR entrou com ação? Porque há inconstitucionalidade de lei. E qual é o pedido que ele faz? Inconstitucionalidade da lei, ou seja, a ADI é uma ação cujo pedido e causa de pedir são idênticas, qual seja, a inconstitucionalidade da lei. O Supremo vai declarar a inconstitucionalidade da lei que deu para a iniciativa privada a área no centro da cidade. O supremo declarou a inconstitucionalidade, acabou. Acabou porque o papel do Supremo é simplesmente declarar a inconstitucionalidade. Se o governante vai ou não vai deixar de cumprir ou não a lei é outro problema porque se ele está entregando para a iniciativa privada, com base em lei inconstitucional, o centro da cidade, ele que responda depois por improbidade administrativa, mas o Supremo não faz mais nada além de declarar que essa lei é inconstitucional.

Por outro lado, quando eu entro com a ACP e a ACP é em primeiro grau, reparem como muda: o MP vai entrar com uma ação cuja causa de pedir vai ser a mesma da ADI: inconstitucionalidade da lei: “olha, essa lei é inconstitucional porque não pode dar para a iniciativa privada o centro da cidade. Mas é aqui que está o diferencial. O pedido numa ACP não pode ser a declaração de inconstitucionalidade, mas vai ser uma providência concreta. O pedido numa ACP vai ser uma providência concreta. No caso de dar para a iniciativa privada o centro da cidade, o MP entra com a ACP e fala que a lei é inconstitucional e o que ele pede? “Prefeito, não entregue o centro da cidade”, ou “juiz, impeça que a empresa privada se aposse do centro da cidade sob pena de multa.” A diferença, portanto, é

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que na ACP, o pedido não é abstrato, mas concreto. Já na ADI, o pedido é abstrato. Aqui, eu obtenho algo concreto e que vai impedir a aplicação da lei inconstitucional. Na ADI, o juízo é apenas abstrato da constitucionalidade. E é por isso que o Supremo reiteradamente vem decidindo que a ADI com a ACP são compatíveis, desde que observado que o pedido de uma é uma providência concreta e o pedido de outra é uma providência abstrata.

6.6. Possibilidade de ajuizamento de ACP em favor de uma única pessoa

Pode o MP entrar com ACP para garantir vaga em creche para um aluno? Remédio para uma pessoa carente? Tratamento para um idoso? No próprio STJ (que em processo coletivo colabora pouco, já que é mais dúvida do que conclusão), há duas posições diametralmente opostas:

1ª Posição: Não é possível ACP individual, pois a defesa de um único necessitado é função da defensoria. Então, o MP não poderia fazer isso. REsp 620622/RS diz isso.

2ª Posição: É possível se o interesse tutelado for indisponível, caso em que o MP poderá ajuizar ACP individual. Em abono dessa tese, o REsp 819010/SP. O raciocínio do STJ nesse julgado é simples: entre as atribuições do MP está a tutela dos direitos individuais indisponíveis.

O culpado por essa briga é o MP que, para tudo, usa ACP. Nem tudo o que o MP pode usar é ACP. Se ele entrar com uma ação de obrigação de fazer, pronto! Acabou o problema. O problema é dar o nome ACP para algo que não é para tutelar direito metaindividual. Se parasse com isso, não teria essa discussão na jurisprudência. Como tem, a melhor maneira de se portar é tentando ampliar a legitimidade.

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