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O ensino de arte e a valorização do agricultor: Ampliando conceitos artísticos de alunos de escola rural por meio de experiências estéticas do cotidiano Julmara Goulart Sefstrom Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC Resumo O texto a seguir apresenta uma pesquisa desenvolvida e apresentada como monografia do curso de especialização em “Educação Estética: arte e as perspectivas contemporâneas” da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC em 2010. O trabalho aqui descrito também foi premiado no XI Prêmio Arte na Escola Cidadã no ano de 2010 na categoria Ensino Fundamental II. Foi desenvolvido com alunos da Escola de Educação Básica Ângelo Izé, situada na zona rural do município de Forquilhinha (SC) no ano letivo de 2009. Foram envolvidas quatro turmas da escola, sendo estas 6º, 7º, 8º e 9º anos. Por meio de diálogos com a diretora da escola, percebeu-se a necessidade de desenvolver um projeto aliando conceitos artísticos ao cotidiano dos alunos, pois muitos sentiam vergonha de assumir sua origem rural, não tendo consciência de seu importante papel na sociedade. A disciplina de Artes fez-se um caminho, por permitir um olhar sensível para a realidade e oportunizar subsídios para a aproximação escola- comunidade. Partindo de leituras de imagens relacionadas ao contexto rural, foram desenvolvidas ações diferenciadas em cada turma. Apesar de diferenciadas, as ações dialogam entre si, pois tiveram o objetivo comum de possibilitar percursos de reflexão e criação artística que estabelecessem relações entre os conhecimentos de arte e o cotidiano dos alunos, promovendo a alfabetização estética e artística. Um dos objetivos da pesquisa também os conceitos artísticos podem ser apropriados pelos alunos a partir de experiências estéticas relacionadas a seu cotidiano. Tomo como referência o pensamento de autores como Pillar (2008), Iavelberg (2003), Ferraz e Fusari (2001), Arslan e Iavelberg (2006), entre outros, os quais defendem a importância em se considerar o contexto dos educandos nas escolhas referentes ao planejamento de ensino de arte. Os resultados demonstram que promover experiências estéticas a partir do cotidiano dos estudantes é um dos caminhos para a aprendizagem significativa dos conceitos de Arte. Palavras-chave: Arte; ensino; cotidiano; experiência estética. Anais do VII Colóquio sobre o ensino de Arte - AAESC (2011) Associação de Arte Educadores de Santa Catarina ISSN: 2179-5452

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O ensino de arte e a valorização do agricultor: Ampliando conceitos artísticos de alunos de escola rural por meio de experiências estéticas

do cotidiano

Julmara Goulart Sefstrom Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC

ResumoO texto a seguir apresenta uma pesquisa desenvolvida e apresentada como monografia do curso de especialização em “Educação Estética: arte e as perspectivas contemporâneas” da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC em 2010. O trabalho aqui descrito também foi premiado no XI Prêmio Arte na Escola Cidadã no ano de 2010 na categoria Ensino Fundamental II. Foi desenvolvido com alunos da Escola de Educação Básica Ângelo Izé, situada na zona rural do município de Forquilhinha (SC) no ano letivo de 2009. Foram envolvidas quatro turmas da escola, sendo estas 6º, 7º, 8º e 9º anos. Por meio de diálogos com a diretora da escola, percebeu-se a necessidade de desenvolver um projeto aliando conceitos artísticos ao cotidiano dos alunos, pois muitos sentiam vergonha de assumir sua origem rural, não tendo consciência de seu importante papel na sociedade. A disciplina de Artes fez-se um caminho, por permitir um olhar sensível para a realidade e oportunizar subsídios para a aproximação escola-comunidade. Partindo de leituras de imagens relacionadas ao contexto rural, foram desenvolvidas ações diferenciadas em cada turma. Apesar de diferenciadas, as ações dialogam entre si, pois tiveram o objetivo comum de possibilitar percursos de reflexão e criação artística que estabelecessem relações entre os conhecimentos de arte e o cotidiano dos alunos, promovendo a alfabetização estética e artística. Um dos objetivos da pesquisa também os conceitos artísticos podem ser apropriados pelos alunos a partir de experiências estéticas relacionadas a seu cotidiano. Tomo como referência o pensamento de autores como Pillar (2008), Iavelberg (2003), Ferraz e Fusari (2001), Arslan e Iavelberg (2006), entre outros, os quais defendem a importância em se considerar o contexto dos educandos nas escolhas referentes ao planejamento de ensino de arte. Os resultados demonstram que promover experiências estéticas a partir do cotidiano dos estudantes é um dos caminhos para a aprendizagem significativa dos conceitos de Arte.

Palavras-chave: Arte; ensino; cotidiano; experiência estética.

Anais do VII Colóquio sobre o ensino de Arte - AAESC (2011)

Associação de Arte Educadores de Santa Catarina ISSN: 2179-5452

1. Introdução

Não há receita acabada no que diz respeito ao ensino de Arte1. Por mais que o professor tenha conhecimentos referentes aos conceitos artísticos e aos documentos oficiais (PCNʼs, propostas curriculares), não é possível promover uma aprendizagem significativa em arte desconsiderando os sujeitos mais importantes do processo, ou seja, os alunos envolvidos.

O conceito de aprendizagem significativa é entendido a partir de uma postura onde o aluno constrói a realidade, atribuindo-lhe significado. Com base na teoria de Ausubel (1970, apud Iavelberg, 2003) e de Zabala (1997, apud Iavelberg, 2003), Iavelberg (2003) aponta que, na perspectiva da aprendizagem significativa, o aluno não aprende acumulando informações. Atuando como sujeito ativo, o aprendiz, “mobiliza seus esquemas de conhecimento para construir novas formas de agir e compreender o universo. Segundo a autora, “o aluno aprende para si e não para o professor ou para atingir bons resultados nas provas”. (IAVELBERG, 2003, p.45)

Pensando nas peculiaridades dos alunos da Escola de Educação Básica Ângelo Izé é que foi desenvolvida esta proposta. A escolha do tema “ensino de arte e cotidiano” foi impulsionada por diálogos realizados com a diretora, os quais mostraram a importância em inserir, nas aulas de artes, o tema da agricultura, levando em conta que a maioria dos alunos da escola são agricultores e/ou filhos de agricultores.

Foi desenvolvida então uma proposta de ensino de Arte considerando as questões cotidianas dos alunos da escola rural, sem perder de vista os conceitos da disciplina, promovendo uma aprendizagem mais significativa dos conceitos de artes. Para fundamentar a pesquisa em questão, trago ao debate o pensamento de autores que defendem a importância de se levar em conta o contexto e o cotidiano dos educandos nas ações de planejamento de Arte, tais como Pillar (2008), Iavelberg (2003), Ferraz e Fusari (2001), Arslan e Iavelberg (2006), entre outros.

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1 Neste texto “Arte” com letra maiúscula, se refere à disciplina, ao passo que “arte” diz respeito à área de conhecimento.

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2. Fundamentação teórica

Qual seria hoje o papel da arte na escola? O que ensinar? Como ensinar? De que forma promover um ensino significativo em arte? Estes e outros questionamentos, acredito, acompanham a trajetória de muitos professores de Arte em sua constituição enquanto docentes.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam que no processo de ensino e aprendizagem, a arte deve ser considerada em suas dimensões de criação, apreciação e comunicação, numa atmosfera reflexiva e dialógica, “possibilitando aos alunos entender e posicionar-se diante dos conteúdos artísticos, estéticos e culturais [...]” (BRASIL, 1998, p.15).

Mas o que seria esta dimensão artística, estética e cultural dos conteúdos? Acredito ser pertinente uma tentativa em definir estes termos, visto que o cerne desta pesquisa é a ampliação de conceitos artísticos dos alunos por meio de experiências referentes à dimensão estética do cotidiano.

Ferraz e Fusari (2001, p. 58, grifo das autoras) apontam que “a concepção de artístico relaciona-se diretamente com o ato de criação da obra de arte, desde as primeiras elaborações de formalização dessas obras até seu contato com o público.” Desse modo, entendo que contemplar a dimensão artística dos conteúdos em sala de aula refere-se a proporcionar aos estudantes o contato, apreciação e o conhecimento das obras de arte. Além disso, significa alfabetizar os alunos mediante os elementos da visualidade (linhas, texturas, cores, espaço, volume, entre outros) e suas estruturas compositivas (movimento, direções, ritmos, simetrias/assimetria, contraste, etc) não mais de forma isolada como acontecia nos anos 70, influenciados pela pedagogia tecnicista, mas de uma forma contextualizada.

Pillar (2008, p.71) aponta que “o papel da arte na educação está relacionado aos aspectos artísticos e estéticos do conhecimento” (grifo meu), sendo que a educação estética tem lugar privilegiado no ensino de arte. De acordo com Pillar (2008) a educação estética é entendida como experiências de leitura e fruição que podem ser possibilitadas aos alunos, tanto por meio de obras de arte quanto por meio do cotidiano.

Acerca da dimensão estética, Leontiev (2000) afirma que não se trata do aspecto puramente cognitivo, como ensinar História e Teoria da Arte. Para ele, “aquilo que devemos ensinar na Educação Estética é a capacidade de perceber e entender a arte e a

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beleza em geral” (LEONTIEV, 2000, p.127). Ferraz e Fusari (2001) alertam quanto à forma indistinta em que são empregadas as concepções de artístico e estético, as quais muitas vezes são consideradas erroneamente como sendo a mesma coisa. Comungam com o pensamento de Leontiev, pois consideram, na concepção estética, não apenas as obras de arte:

O estético em arte diz respeito, dentre outros aspectos, à compreensão sensível-cognitiva do objeto artístico inserido em um determinado tempo/espaço sociocultural. Todavia, a experiência estética pode ser mais ampla e não necessariamente derivada da arte, embora a arte seja uma de suas principais fontes de aplicação. (FERRAZ E FUSARI, 2001, p.56)

O aprendizado dos conceitos artísticos e a educação estética podem ser oportunizados de forma mais significativa levando-se em conta o universo cultural e o cotidiano dos educandos. Arslan e Iavelberg (2006) apontam que uma proposta de ensino de Arte prescritiva que desconsidere o contexto da escola e dos alunos está fadada ao fracasso. Segundo as autoras “faz-se necessária a construção, pelos arte-educadores, de uma proposta que responda às características da realidade local, das escolas, dos docentes, dirigentes e, sobretudo, dos alunos, considerando a realidade global.” (ARSLAN E IAVELBERG, 2006, p.5)

Para promover o conhecimento artístico a partir do universo dos alunos, é importante que nas escolhas referentes ao planejamento do professor, haja uma preocupação em trazer para a sala de aula conceitos artísticos que dialoguem com o ambiente de origem e o cotidiano dos estudantes. (IAVELBERG, 2003) A partir das práticas de vida e interesses dos alunos, pode-se trabalhar o ensino de arte em seus conceitos artísticos e estéticos na perspectiva da estética do cotidiano, considerando desse modo o contexto social dos alunos e da comunidade. Segundo Richter (2003, p. 20):

a estética do cotidiano subentende, além dos objetos ou atividades presentes na vida comum, considerados como possuindo valor estético para aquela cultura, também e principalmente a subjetividade dos sujeitos que a compõem e cuja estética se organiza a partir de múltiplas facetas do seu processo de vida e de transformação.

Comungando com o pensamento destes autores, apresento a seguir as propostas desenvolvidas em cada turma, as quais apontam caminhos para um ensino de arte que amplie conceitos artísticos dos alunos, conectando-se com experiências estéticas do cotidiano da escola e da comunidade.

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3. Cenário da pesquisa e ações desenvolvidasA Escola de Educação Básica Ângelo Izé localiza-se na zona rural do município de

Forquilhinha, Santa Catarina, sendo que 95% dos alunos são filhos de pequenos agricultores. Levando em conta os aspectos do cotidiano rural da comunidade escolar e com base nos estudos bibliográficos, elenquei propostas de ensino para minhas quatro turmas (6º, 7º, 8º e 9ºs anos). Foram seis meses de atividades realizadas nas aulas de Arte. A cada semana, tínhamos um encontro de duas aulas, totalizando 90 minutos. No 6º ano apresentei a imagem “Caipira Picando Fumo”. Os alunos destacaram que a imagem retratava um agricultor. As crianças desenharam os produtos cultivados pelos pais, sendo que a maioria dos desenhos revelou uma representação das frutas e legumes distribuídos aleatoriamente na superfície do papel. Para o encontro posterior, solicitei que a turma trouxesse para a sala de aula frutas, verduras e legumes produzidos pelos pais. Com os produtos trazidos, montamos uma composição. Os alunos observaram e desenharam a composição usando giz pastel sobre papel canson. Esta proposta possibilitou a educação do olhar e percepção estética, por meio da observação das formas, cores, texturas, sobreposições, volumes, experimentação de novos materiais, noção de composição e a discussão sobre pontos de vista. Os desenhos a seguir exemplificam uma mudança na percepção visual de um aluno. No desenho de observação há a sobreposição de elementos e uma melhor organização compositiva.

À esquerda, de memória, à direita, desenho de observação feitos pelo mesmo aluno

No encontro posterior, levei para a sala de aula a imagem “Verão2” de Giuseppe Arcimboldo. Partindo dessa imagem, em grupos os alunos realizaram composições de rostos usando frutas e legumes produzidos pelos pais agricultores.

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2Verão, 1563, Giuseppe Arcimboldo, óleo sobre tela, 76x64 cm

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Resultados das composições de rostos produzidas pelos alunos.

Na sequência das propostas, apresentei imagens de Frans Kracjberg, mostrando que mesma natureza que é utilizada no cultivo da lavoura dos pais pode ser fonte de experiências artísticas e estéticas. Partindo dos estudos de Krajcberg, produzimos, em grupos, tintas com pigmentos naturais de urucum, terra, carvão e folhas. O desafio, nesse momento foi de criar produções artísticas abstratas sobre cartolina A3 partindo da natureza que circunda a escola e pintá-las com as tintas naturais produzidas. O resultado dos trabalhos demonstrou que os alunos adquiriram um significativo repertório plástico no decorrer do processo. Apesar das dificuldades iniciais, conseguiram elaborar suas composições organizando as formas no espaço de forma equilibrada, usando a gama limitada de cores de modo a conseguir interessantes contrastes.

Resultados de algumas das produções abstratas dos alunos

Com o 7º ano, iniciei as propostas apresentando uma imagem fotográfica de Sebastião Salgado3, a fim de verificar como os alunos fariam a relação com sua realidade. Os alunos a relacionaram com o cotidiano do agricultor. Feita a leitura e exploração da imagem, solicitei que os alunos imaginassem o dono dos pés fotografados por Sebastião Salgado, o modo como estaria vestidos, o lugar onde estaria e o desenhassem. Todos os alunos realizaram os desenhos associando-os os pais agricultores.

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3 Trata-se da imagem “Sem título”, ensaio A luta pela terra, 1983.

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Em seguida, elenquei ações que pudessem levar os alunos a compreender as transformações que a arte sofreu no decorrer do tempo, bem como as relações destas transformações com o contexto histórico. Os alunos perceberam que, após o advento da fotografia, as pinturas deixaram de ser apenas registros da realidade, reconhecendo que os artistas também passaram a usar a fotografia junto com outras técnicas, criando produções híbridas, tais como a fotopintura. Conceitos como enquadramento, close, composição fotográfica, recorte visual, regra dos três terços, contraste foram apropriados pelos alunos a partir de vídeos, leituras de imagens e textos verbais. Após os estudos teóricos, os alunos saíram para fotografar os agricultores da comunidade. As fotografias foram expostas por meio de uma instalação.

Usando cópias preto e branco destas fotografias, os alunos criaram produções artísticas híbridas, usando fotografia, pintura e colagem com tecidos, motivadas pelas fotopinturas apreciadas.

Instalação feita com as fotografias dos agricultores da comunidade.

Exemplos de fotopinturas finalizadas.

A fim de ampliar o repertório estético e artístico dos alunos, trabalhar o conceito de memória e promover mais experimentações com a fotografia, apresentei para os alunos a

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imagem “Parede de Memória”4 da afro-brasileira Rosana Paulino. A obra “Parede de memória” levou os alunos a tecerem relações com seu cotidiano, as fotos de família, as lembranças. O modo como ela foi arranjada pela artista fez algumas crianças lembrarem-se das colchas de retalhos, que segundo os alunos, são comuns nas casas das avós. Novamente utilizamos as cópias das fotografias para que os alunos produzissem um trabalho de “colcha de memórias coletiva”.

Colcha de memórias finalizada.

Com a turma do 8º ano, foram trabalhadas manifestações artísticas modernas e contemporâneas, incluindo a linguagem da instalação. Pedi que cada aluno trouxesse de casa algum acessório, objeto ou produto que tivesse relação direta com o trabalho do agricultor. Após a apresentação dos objetos, dividi a turma em pequenos grupos. Propus que usassem o material trazido para realizar uma composição com os objetos. Estas composições foram fotografadas e impressas em preto e branco.

Exemplos de composições com objetos do cotidiano agrícola criadas pelos alunos

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4 “Parede de Memória”, 1994, técnica mista, 275x360 cm.

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Em aula posterior a esta experiência, apresentei para a turma a imagem “Salvai nossas almas”5 de Siron Franco, com o intuito de dialogar com a experiência anterior vivida pelos alunos. Depois de apreciá-la e compreender o contexto de sua produção, os alunos trouxeram de casa roupas utilizadas pelos pais agricultores. Com as roupas realizamos uma proposta de instalação que evocou os agricultores da comunidade. A turma montou a instalação numa parede do corredor da escola. No momento de avaliar a proposta com os alunos, os mesmos apontaram que foi interessante fazer o trabalho, pois aprenderam o que é uma instalação e permitiram que as pessoas se lembrassem dos agricultores, mesmo eles não estando presentes, apenas pela visualização das roupas.

Instalação feita com roupas dos pais agricultores

Em outra aula, as fotografias das composições com objetos tiradas no início da pesquisa foram resgatadas, sendo colocadas à disposição dos alunos. Partindo dessas fotografias, os alunos retiraram fragmentos, originando desenhos que foram transformados em telas abstratas. Os conceitos trabalhados para esta proposta foram: cores (primárias, secundárias, quentes, frias, complementares), tonalidade, monocromia e policromia. Esses conhecimentos foram fundamentais para a produção da tela, pois permitiram aos alunos refletir sobre suas escolhas, tal como fazem os artistas em suas criações.

Produção das telas abstratas

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5 “Salvai nossas almas 1, série Césio, 1999 “ técnica mista, 200 x 300 cm,

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O 9º ano sugeriu que fossem elaboradas poesias para a valorização do agricultor. Foi trabalhada a literatura de cordel, envolvendo a linguagem escrita e a xilogravura. A fim de que os alunos compreendessem o que é a literatura de cordel, trouxe para a sala vídeos sobre o assunto e exemplares genuínos de cordéis para apreciação. A imagem da obra “Malabarismo”6 de Rubem Grilo, feita por meio da xilogravura, foi apresentada aos alunos, a fim de que percebessem os aspectos da composição plástica e refletissem sobre a intencionalidade do artista. Os alunos fizeram um exercício de gravar um desenho sobre uma plaquinha de isopor, a qual serviu como matriz. Com esta atividade, puderam perceber as características de reprodutibilidade da xilogravura e o fato de a impressão sair ao contrário da figura original. Cada aluno elaborou um texto abordando questões referentes ao agricultor e à vida no campo. Estes textos foram transformados em poesias de dez estrofes cada uma, que foram digitadas e apresentadas em forma de livros de cordel. A capa do livrinho foi feita em xilogravura, usando uma matriz de madeira e goivas. As impressões foram feitas com tinta gráfica. Cada aluno fez no mínimo três cópias, para vivenciar a característica de reprodutibilidade da xilogravura.

Momentos do processo de produção das xilogravuras

Todas as propostas realizadas foram expostas à comunidade escolar, por ocasião de um evento de socialização na escola contando com a presença dos pais.

4. Considerações

Ao final da pesquisa, pedi que os alunos de cada turma escrevessem sobre os conceitos aprendidos com as propostas. Os alunos do 6º ano revelaram por meio de escritos o aprendizado de conceitos relacionados ao processo de criação artística, materialidade da obra de arte e intencionalidade do artista. Reconheceram que materiais

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6 Malabarismo, 1984, Rubem Grilo, 23x33 cm.

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do próprio cotidiano podem ser utilizados na produção de objetos artísticos. Questões relacionadas à intencionalidade da obra de arte também foram apropriadas por estes alunos. Percebe-se no escrito a seguir que a aluna aprendeu a ver além do objeto artístico, percebendo o que o artista deseja dizer por meio de sua produção plástica: “Eu aprendi que o Krajcberg faz arte para denunciar as queimadas que existem no lugar ondeele mora e ele pega coisas da natureza para fazer artes.” (S.D.D., 5ª série) Segundo Pillar (1999, p.16)

É importante lembrar que a marca maior das obras de artes plásticas é querer dizer o indizível, ou seja, não é um discurso verbal, é um diálogo entre formas, cores, espaços. Desse modo, quando fazemos uma leitura, estamos explicitando verbalmente relações de outra natureza, da natureza do sensível.

O 7º ano demonstrou o aprendizado de aspectos conceituais da fotografia (enquadramento, composição, close, entre outros) bem como uma visão histórica das transformações que a fotografia provocou na história da arte. Também ampliaram o repertório acerca de fotógrafos brasileiros estudados, citando Sebastião Salgado. Também perceberam que nem sempre a fotografia pode ser considerada arte.

Os conceitos abordados com o 8º ano se referem à aspectos compositivos da pintura, arte abstrata e instalação. Apareceram nos escritos dos alunos, demonstrando que a aprendizagem ocorreu: “Aprendi mais sobre as cores, como se consegue tons de cores, aprendi que arte também se faz com objetos do dia-a-dia, aprendi a abstrair elementos e formar desenhos, aprendi sobre cores, linhas, volume, luz, aprendi sobre pigmentos que é aquilo que dá a cor, fiz a tela que eu nunca tinha feito.” ( C. P. G., 7ª série).

O 9º ano apontou o aprendizado de uma nova cultura, a literatura de cordel, bem como o conhecimento da linguagem da xilogravura, até então desconhecida por eles: “Aprendi sobre tradições populares do nordeste brasileiro, a literatura de cordel e também sobre xilogravura que é esculpida na madeira.” (D. S.J. 8ª série)

É importante ressaltar que as propostas desenvolvidas partiram de aspectos da realidade local, porém, ampliaram os conhecimentos dos educandos acerca de conceitos universais. Segundo Iavelberg (2003, p.22)

o próprio contexto educativo pode gerar conteúdos com a inclusão das culturas locais nos planejamentos escolares. A escola não deve isolar-se das culturas de suas comunidades nem privar o aluno do acesso aos conteúdos universais, pois, se o fizer, correrá o risco de esses alunos preferirem a vida extra-escolar A integração da escola com as famílias e com as instituições fortalece a identidade dos seus agentes educativos que desenvolvem projetos culturais.

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O trabalho comprova que o cotidiano dos alunos da zona rural da E. E. B. Ângelo Izé inserido nas propostas das aulas de Artes contribuiu na apropriação de conceitos estéticos e artísticos e na valorização da figura do agricultor, promovendo uma aprendizagem significativa.

5. Referências:

ARSLAN, Luciana Mourão; IAVELBERG, Rosa. Ensino de Arte. São Paulo: Thomson Learning, 2006.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais/Arte: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1998.

FERRAZ, Maria Heloísa C. de T.; FUSARI, Maria F. de Rezende e; Arte na Educação Escolar. 2 ed. Revista. São Paulo: Cortez, 2001. 157 p.

IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. São Paulo: Artmed, 2003.

LEONTIEV, Dmitry A. Funções da arte e da educação estética. In: HOUSEN, Abigail ET AL. Educação Estética e Artística: abordagens transdisciplinares. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

PILLAR, Analice Dutra. A educação do olhar no ensino da arte. In: BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética no cotidiano do ensino das artes visuais. Campinas: Mercado de Letras, 2003.

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