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05/12/11 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 1/10 dgsi.pt/jtrp.nsf/«/7fa0c22fa74fede58025710e00400b9e?OpenDocument Acyrdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0536901 Nº Convencional: JTRP00038740 Relator: GONÇALO SILVANO Descritores: COMPRA E VENDA FURTO SUBSTITUIÇÃO Nº do Documento: RP200601260536901 Data do Acordão: 26-01-2006 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA. Èrea Temática: . Sumário: Uma compradora de um sistema informático não tem que pagar à fornecedora o fornecido para substitui o daquele que havia sido furtado. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I- Relatório B........, S.A., intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra C........, L.Dª”,alegando, em síntese, o seguinte: - No exercício da sua actividade de comércio de máquinas e artigos para a indústria de calçado, a A., a pedido da R., vendeu-lhe uma máquina industrial computorizada com software que entregou e a segunda passou a utilizar na sua indústria de fabrico de calçado, sem reclamação alguma. - O valor dos bens fornecido importou em € 20.774,94, conforme factura enviada à R. e por esta devolvida à A. sem pagamento apesar de interpelações para o efeito. - Concluiu pedindo a procedência da acção com a condenação da R. a pagar à A. a quantia de € 20.774,94 acrescida de juros de mora, à taxa legal de 12% ao ano, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Em contestação, a R. impugnou a matéria alegada pela A. e pediu a improcedência da acção com a sua absolvição do pedido, alegando, em síntese, o seguinte: - O equipamento efectivamente adquirido destinou-se a substituir um equipamento anteriormente também comprado à A. e que fora objecto de furto, destinado ao mesmo fim na sua indústria de calçado. - Com a aquisição daquele primeiro equipamento adquiriu também a licença de utilização dos programas informáticos que o compunham e que, entende, estar a ser-lhe facturado de novo na aquisição do segundo sistema, não sendo devido por o seu direito ou licença de autorização de utilização não poder ser objecto do furto e se dever ter por transferido

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05/12/11 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

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Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do PortoProcesso: 0536901

Nº Convencional: JTRP00038740

Relator: GONÇALO SILVANO

Descritores: COMPRA E VENDA

FURTO

SUBSTITUIÇÃO

Nº do Documento: RP200601260536901

Data do Acordão: 26-01-2006Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.

Área Temática: .

Sumário: Uma compradora de um sistema informático não tem que pagarà fornecedora o fornecido para substituição daquele que havia

sido furtado.Reclamações:

Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

B........, S.A., intentou a presente acção declarativa com processo

ordinário contra C........, L.Dª”,alegando, em síntese, o seguinte:

- No exercício da sua actividade de comércio de máquinas e artigos para

a indústria de calçado, a A., a pedido da R., vendeu-lhe uma máquinaindustrial computorizada com software que entregou e a segunda passoua utilizar na sua indústria de fabrico de calçado, sem reclamação alguma.

- O valor dos bens fornecido importou em € 20.774,94, conforme facturaenviada à R. e por esta devolvida à A. sem pagamento apesar de

interpelações para o efeito.

- Concluiu pedindo a procedência da acção com a condenação da R. a

pagar à A. a quantia de € 20.774,94 acrescida de juros de mora, à taxa

legal de 12% ao ano, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em contestação, a R. impugnou a matéria alegada pela A. e pediu a

improcedência da acção com a sua absolvição do pedido, alegando, em

síntese, o seguinte:

- O equipamento efectivamente adquirido destinou-se a substituir um

equipamento anteriormente também comprado à A. e que fora objecto defurto, destinado ao mesmo fim na sua indústria de calçado.

- Com a aquisição daquele primeiro equipamento adquiriu também a

licença de utilização dos programas informáticos que o compunham e

que, entende, estar a ser-lhe facturado de novo na aquisição do segundo

sistema, não sendo devido por o seu direito ou licença de autorização de

utilização não poder ser objecto do furto e se dever ter por transferido

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para o novo sistema agora sob facturação.- Considerou que apenas o custo do novo hardware e a actualização do

software são devidos à demandante.

A ré suscitou ainda a intervenção provocada da sociedade “D......., S.A.”

por ter transferido para ela a responsabilidade civil por furto do primeiro

equipamento informático por haver de receber desta o preço do

hardware em último lugar adquirido, bem como o custo da actualização

do novo programa informático, assim como o custo de qualquer quantia

em que possa vir a ser condenada neste processo.

A A. deduziu oposição ao pedido de intervenção provocada e por

despacho de fl.s 72 e 73 foi rejeitado o incidente, decisão que foi objecto

de recurso por parte da ré, mas cujo agravo 8que subiu em separado)veio a ser confirmado nesta Relação.

Após instrução e julgamento da acção veio a mesma a ser julgada

parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré a pagarà A. todo o hardware que lhe foi fornecido pela A. em 4/6/02, bem como o

custo da actualização (upgrade) do programa informático ou softwarefornecido para ambiente Windows e demais despesas inerentes,designadamente com o transporte e instalação aos preços em vigor na

referida data, a liquidar em execução de sentença.

Inconformada com o decidido a autora recorreu, tendo concluído as suasalegações ,pela forma seguinte:

1ª– Vem o presente recurso interposto da parte da decisão que julgouprocedente a excepção invocada pela Recorrida e a absolveu de parte do

pedido.2ª-A discordância da Recorrente incide, essencialmente, dos efeitos

jurídicos atribuídos pelo Tribunal de P instância aos factos provados.3ª- O caso dos autos tem enquadramento legal no Código do Direito deAutor e dos Direitos Conexos, no DL 252/94 de 20 de Outubro e,

subsidiariamente, no Código Civil, por força do disposto no nº 2, do artº1303 desse Código.

4ª-A exploração económica dos programas de computador é, em geral,efectuada através de um contrato, designado por "contrato de licença",

mediante o qual o titular dos direitos sobre o software transmite paraoutrem o direito a explorar economicamente o programa em causa, sem

carácter de exclusividade e, eventualmente, limitado no tempo.5ª- Desse contrato resulta para o titular dos direitos originários a

obrigação de autorização de utilização de uma cópia, tendo direito a umacontrapartida económica ou preço.6ª- A aqui Recorrente – simples fornecedora, pois a criadora ou titular

dos direitos originários é a "Mind" – autorizou a Recorrida, em 2001, autilizar o software relativo ao equipamento designado por ShoeCad 2D,

tendo-lhe para o efeito fornecido uma cópia desse software, mediante umpreço, que a Recorrida pagou.

7ª-Em 2002, o mencionado ShoeCad 2D foi furtado das instalações daRecorrida, tendo sido levado quer o hardware, quer o software.

8ª- Com esse furto, ao qual a Recorrente é completamente alheia, a

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Recorrida viu-se impedida de aceder ao software em causa, nãopodendo, assim, exercer o direito de fruição sabre tal programa.

9ª- Para substituição do ShoeCad 2D furtado, a Recorrente forneceu áRecorrida, a seu pedido, um novo ShoeCad 2D, composto de hardware e

software (acompanhado da respectiva licença), este a funcionar emambiente Windwos, diferentemente do furtado que funcionava em

ambiente Linux.10ª- A Recorrida não pagou o preço do segundo fornecimento,

defendendo que a licença adquirida em 2001 a autorizava a utilizar osoftware adquirido, sem necessidade de comprar nova licença.

11ª- Acolhendo a posição da Recorrida, o Tribunal de 1a instância deu-lhe razão, fundamentando a sua decisão na circunstância da Recorrentenão ter viabilizado a criação de uma cópia de segurança.

12ª- Discordando deste fundamento, diz a Recorrente que o risco defurto do sistema, deveria ter sido acautelado pela Recorrida, mediante

por exemplo a contratação de um seguro.13ª- Caso existisse cópia de segurança e esta tivesse sido furtada

juntamente com o original, também a Recorrida teria de suportar oscustos de uma nova autorização ou licença.

14ª- Esta é, também, a política da grandes empresa de software, como aMicrosoft, que têm vindo a recomendar aos seus clientes a celebração

de um contrato de seguro que previna os riscos de perda ou roubo dosoriginais e CD's de segurança.15ª-Por outro lado, as cópias de segurança – admitidas pelo artº 6º, nº 1,

a) do DL 252/94 de 20 de Outubro destinam-se a prevenir riscos dedestruição, avaria, deterioração e quaisquer danos que ocorram na cópia

original e não, no que ao caso interessa, o risco de furto.16ª- Nos casos atrás mencionados, face à inexistência de cópia de

segurança, seria legitimo, à luz do direito e da boa-fé, exigir da aquiRecorrente o reconhecimento do direito da Recorrida à fruição dosoftware danificado, assegurando-lhe o seu uso mediante a reinstalação

desse programa.

17ª- Efectivamente, podendo o fornecedor comprovar que a cópiaoriginal fornecida e ora danificada ou destruída, não estava a ser usada

por outrem que não o seu utilizador legítimo, os seus direitos de carácter

patrimonial, abrangidos no conteúdo do direito de autor, não seriam

ofendidos.

18ª- Da qualificação do contrato celebrado entre as partes como de"chave na mão" com elementos de escrow, também não resulta para a

Recorrente, a obrigação de reconhecer e assegurar à Recorrida o uso da

licença após o furto.

19ª- Nesses contratos, protege-se o consumidor de eventuais actosabusivos do fornecedor/criador (mediante, por exemplo, a introdução de

um bloqueio no sistema, para obtenção de uma vantagem patrimonial) ou

situações em que o fornecedor/criador esteja impedido de prestarserviços de manutenção e assistência (por falência, por exemplo).

20ª-Neles não está incluído o risco de furto do programa informático,

nem o principio da protecção do consumidor o exige, pois é a este que

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cabe guardar e acautelar os seus bens contra eventuais furtos.

21ª- A solução jurídica de um caso apresentado à apreciação do Tribunal

faz-se tendo em conta os contornos concretos desse caso. Na situaçãodos autos, não deixa de ser relevante para apreciação da

responsabilidade da Recorrente decorrente do não fornecimento de uma

cópia de segurança, o facto do software fornecido em 2001 funcionar emambiente Linux e os códigos informáticos que materializavam a licença

se encontrarem inseridos na própria placa de rede do equipamento.

22ª- Furtado o equipamento, furtou-se o respectivo código.

23ª- Significando tal facto que a leitura dos códigos que permitiam aoutilizador aceder ao software, ficou inviabilizada.

24ª- Por outro lado, o software adquirido em 2001, que funcionava em

ambiente Linux, não poderia ser actualizado ou sujeito ao up grade

mencionado na decisão recorrida, através da solução adquirida em 2002,que funcionava em ambiente Windows, pois a actualização ou up grade

supõe a prévia existência do programa original. Inexistindo o programa

original furtado -, nada há para actualizar.25ª- As licenças de utilização do software não são, como se refere na

decisão recorrida, intransmissíveis e pessoais.

26ª- A transmissibilidade da licença decorre do próprio conteúdo do

direito de propriedade enunciado no artº 1305º do Código Civil, querefere, entre outros direitos, o direito de disposição.

27ª- Por seu lado, a transmissão das licenças está prevista no DL 252/94

de 20 de Outubro, nomeadamente, no seu artigo 6º, nº 3.

28ª- O que está vedado ao proprietário é reproduzir ou locar, pois este éum direito exclusivo do fornecedor/criador, pelo próprio direito de autor.

29ª- A intransmissibilidade pode, contudo, ser clausulada pelos

contraentes, o que não aconteceu no caso dos autos.

30ª- A licença refere-se a um concreto programa informático e não ápessoa do seu adquirente.

31ª- Apesar da licença se reportar a uma determinada entidade ou

pessoa, não significa que mais ninguém, para além daquela, possa usar

legitimamente o programa licenciado, como ocorrerá em caso de venda,doação, permuta ou outra forma de transmissão do software.

32ª- Com o furto do software, a Recorrida não deixou de ser titular das

respectivas licenças.33ª- Porém, isso não a legitima a exigir, com base nessas mesmas

licenças, o fornecimento de uma nova cópia original.

34ª- Á nova cópia original corresponde uma nova licença, cujo custo a

Recorrida deve suportar.35ª- Efectivamente, as licenças fornecidas em 2001 dizem respeito à

cópia original fornecida em 2001 e só a ela, não se transmitindo para o

novo fornecimento.

36ª- Tanto assim é que, se a Recorrida tivesse adquirido dois Shoecad's2D, com o mesmo software, na mesma data, também pagaria duas

licenças, sob pena de uso ilegítimo de um software, caso apenas se

disponibilizasse a pagar apenas uma.37ª- Entre Recorrente e Recorrida foi celebrado, em 2002, um contrato

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de compra e venda relativo a um equipamento industrial, composto dehardware e software, este devidamente acompanhado das obrigatórias

licenças de utilização.

38ª- Por via dessa contrato, nasceu para a Recorrente a obrigação de

entrega da coisa – o que esta fez – e para a Recorrida a obrigação depagamento do preço correspondente.

39ª- Porque a Recorrida não pagou, deverá ser condenada a fazê-lo, na

totalidade do montante reclamado – 20.774,94 € - acrescida dos

respectivos juros de mora, desde a citação até efectivo e integralpagamento.

40ª- Ao decidir como decidiu, o Tribunal de 1ªinstância violou o disposto

no Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, nomeadamente, noseu artigo 9º, o disposto nos artigos 6º e 8º do DL 252/94 de 20 de

Outubro e os artigos 1303º, 1305º e 879º do Código Civil.

Houve contra-alegações onde se sustenta o decidido em sentença.

Corridos os vistos, cumpre decidir:

II- Fundamentos

a)- A matéria de facto provada.1- A A. dedica-se ao comércio de máquinas e artigos para a indústria de

calçado;

2- A R. dedica-se ao fabrico de calçado;

3- A R. confessa-se devedora do preço do hardware que lhe foi fornecidopela A. em 4/6/02, bem como do custo da actualização do programa

informático que consistiu no fornecimento de software em sistema

Windows e custo do respectivo transporte;

4- Em 20 de Maio de 2002 a R. encomendou à A. uma máquina industrial(1 computador, um teclado e um monitor) e um programa de software

informático denominado “Shoecad 2D” para desenvolvimento e

escalonamentos de moldes e previsão de consumos;5- Após a instalação provisória do programa Shoecad em ambiente Linux

em 24 de Maio de 2002, a A., em 4/6/2002 substituiu esse equipamento

pelo hardware e software em ambiente Windows, conforme

encomendado, facturado a fl.s 7 e referido na resposta ao quesito l, e queera uma actualização de programa relativamente ao Shoecad que no ano

de 2001 tinha adquirido à A.;

6- Que lhe foi entregue nesse mesmo dia 4/6/2002;

7- Os bens encomendados foram entregues à R.;8- Que os conferiu e achou conformes ao encomendado à A., nada tendo

reclamado a esta;

9- A A. facturou os equipamentos fornecidos em 4/6/2002, incluindo ovalor da licença do programa “Shoecad D2”, pelo valor de € 17.457,93,

acrescido de IVA no valor de € 3.317,01, no total de € 20.774,94,

conforme factura enviada à R.;

10- Após a recepção da factura a R. devolveu-a à A.;11- A R. recusou-se a pagar parte do valor nela inscrito, apesar das

sucessivas insistências da A. para o efeito;

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12- O equipamento informático que se alude no documento nº 2 junto

pela A. com a petição inicial, foi cedido por ela à R., a título provisório,

em 24/5/2002;13- Aquele equipamento foi devolvido à A., posteriormente, quando esta

entregou o equipamento a que alude na nota de encomenda e factura

juntas pela A. sob os documentos n.ºs 3 e 5;

14- A actualização do software consistiu no fornecimento de software“Shoecad D2” evoluído, agora a correr em ambiente Windows, em

detrimento do que a R. adquirira à A. em Maio de 2001, em ambiente

“Linux”;

15º- E cuja licença ou direito de acesso e utilização de tal programa

informático a R. pagara em Maio de 2001;

16º- Por contrato de 31/5/2001, a R. adquiriu à A. um sistema informáticocomposto por hardware CAD, que incluía computador Pentium,

digitalizador, scanner, Plotter, desenho e cabos;

17º- E software e licenças, em conformidade com o que consta do

documento de fl.s 109, incluindo licença de software CAD 2D

“Shoecad”;

18º- Os equipamentos e o software acima identificados foram instalados

pela A. e pagos pela R., pagamentos que incluem as licenças desoftware;

19º- Entre 18 e 20 de Maio de 2002 as instalações industriais da R.

foram assaltadas e subtraíram, além do mais, quase todo o referido

sistema informático, incluindo o hardware que continha todo o software

referido;

20º- Pelo que a R. providenciou pela aquisição junto da A. de hardware e

software em substituição daquele;21º- Daí o fornecimento da encomenda a que se refere o item 4.

b)-O recurso de apelação.

É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º,nº 3

e 690º, nº1 do CPC),salvo quanto às questões de conhecimento oficioso

ainda não decididas com trânsito em julgado.

Vejamos, pois, do seu mérito.

A recorrente expressamente refere que não pretende pôr em causaneste recurso os factos que se tiveram como provados em 1ª instância.

Será, pois, tendo em conta a factualidade acima descrita que se fará a

apreciação das questões colocadas nesta apelação.

1-Discorda a recorrente, essencialmente, dos efeitos jurídicos atribuídosna sentença aos factos provados.

A sentença enquadrou a questão decidida nas disposições do DL nº

252/94 de 20 de Outubro, no Código do Direito de Autor e dos Direitos

Conexos e no nº 2 do artº 1303 do Código Civil.

O citado DL nº 252/94 de 20 de Outubro (com as alterações introduzidaspela Rectificação nº 2-A/95 de 17 de Março) transpõe para a ordem

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jurídica interna a Directiva nº 91/250/CEE do Conselho de 14 de Maio,

relativa à protecção jurídica dos programas de computador.

É efectivamente no artº 11º deste diploma que se determina (nº1) que

“Os negócios relativos a direitos sobre programas de computador são

disciplinados pelas regras gerais dos contratos e pelas disposições doscontratos típicos em que se integram ou com que ofereçam maior

analogia”.

E no seu nº 2 dispõe-se que “São aplicáveis a estes negócios as

disposições dos artºs 40º, 45º a 51º e 55º do Código do Direito de autor e

dos Direitos Conexos”.

Por fim e como que apelando aos princípios gerais do CC, no nº 3 do

mesmo artigo consagra-se que “As estipulações contratuais são sempreentendidas de maneira conforme à boa fé e com o âmbito justificado

pelas finalidades”.

Toda esta legislação foi tomada em consideração na sentença com apoio

fundamentado em doutrina que, por isso, nos dispensamos de reproduzir,

havendo tão só que apreciar se as questões colocadas agora pelarecorrente merecem ou não acolhimento.

Importa apenas evidenciar que os programas informáticos (Software)

estão protegidos contra a criação de cópias não autorizadas, quer pelo

Código do Direito de autor e dos Direitos Conexos (CDADC) quer pelaLei da Criminalidade Informática (Lei nº 109/91 de 17 de Agosto.([Cfr.

sobre esta matéria Alexandre Dias Pereira - Contratos de Software,

Pinto Monteiro - Direito dos Contratos e da Publicidade - Textos de A ao

Curso de Direito da Comunicação – Ano Lectivo de 1995/1996 - Coimbra

- 1996 e Joel Timóteo Pereira - Compêndio Jurídico-Sociedade da

Informação, pag.794 a 820, referindo outra bibliografia a página 1049])

2- A questão que importa decidir é a de saber se a ré está ou não

obrigada a pagar o sistema informático fornecido para substituição do

que lhe fora furtado, incluindo também, no seu preço, o valor da

respectiva licença de fruição do software.

Na sentença recorrida entendeu-se que a recorrida não tem de pagar a

licença do software fornecido em 2002,porque a ré já era sua titulardesde 2001.

A argumentação da recorrente vai no sentido de que com o furto a

recorrida viu-se impedida de aceder ao software em causa, não podendo,

assim, exercer o direito de fruição sobre tal programa quando voltou aadquirir à autora um novo equipamento.

Os factos provados demonstram que “por contrato de 31/5/2001, a R.

adquiriu à A. um sistema informático composto por hardware CAD, que

incluía computador Pentium, digitalizador, scanner, Plotter, desenho e

cabos e software e licenças, em conformidade com o que consta dodocumento de fl.s 109, incluindo licença de software CAD 2D “Shoecad.

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Esses equipamentos e o software foram instalados pela A. e pagos pela

R., pagamentos que incluem as licenças de software.Porém, entre 18 e 20 de Maio de 2002 as instalações industriais da R.

foram assaltadas e subtraíram, além do mais, quase todo o referido

sistema informático, incluindo o hardware que continha todo o software

referido, pelo que a R. providenciou pela aquisição junto da A. de

hardware e software em substituição daquele.

Desse modo efectivamente em 20 de Maio de 2002 a R. encomendou à

A. uma máquina industrial (1 computador, um teclado e um monitor) e um

programa de software informático denominado “Shoecad 2D” paradesenvolvimento e escalonamentos de moldes e previsão de consumos.

Após a instalação provisória do programa Shoecad em ambiente Linux

em 24 de Maio de 2002, a A., em 4/6/2002 substituiu esse equipamento

pelo hardware e software em ambiente Windows, conforme

encomendado, facturado a fl.s 7…, e que era uma actualização de

programa relativamente ao Shoecad que no ano de 2001 tinha adquirido

à A.,que lhe foi entregue nesse mesmo dia 4/6/2002.Essa actualização do software consistiu no fornecimento de software

“Shoecad D2” evoluído, agora a correr em ambiente Windows, em

detrimento do que a R. adquirira à A. em Maio de 2001, em ambiente

“Linux” e cuja licença ou direito de acesso e utilização de tal programa

informático a R. pagara em Maio de 2001.

3- É neste contexto factual que terá de se responder à aludida questão

de saber se a ré está ou não obrigada a pagar o sistema informático

fornecido para substituição do que lhe fora furtado, incluindo também, no

seu preço, o valor da respectiva licença de software.

Como sabemos na sentença acolheu-se o entendimento defendido pela

recorrida, de que não tinha de pagar novamente (com o preço do

segundo fornecimento) a licença de software adquirida em 2001 pois que

por ela estava já autorizada a utilizar o software, sem necessidade de

comprar nova licença.

Entendemos, com respeito por opinião contrária, que o assim decidido

em sentença está correcto, não assistindo razão à recorrente.

O facto de ter existido um furto do equipamento onde corria o software

cuja licença de utilização a ré adquirira à autora, não obriga a ré a ter sesuportar novamente os custos da licença que já pagara anteriormente.

A licença de utilização do software foi passada à ré na própria factura de

aquisição emitida pela autora e a ré mantém-se na sua titularidade

independentemente de o suporte material lhe ter sido furtado.

Só a ré, por virtude dessa aquisição do software licenciado, pode delefruir e o facto de ter lhe ter sido furtado o equipamento com esse

software com licença de utilização nominal, não pode servir para eliminar

definitivamente esse direito que adquirira, obrigando-se a ré a ter de

adquirir uma nova licença.

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Conforme foi evidenciado na sentença, citando-se a doutrina de Isabel

Hernando Collazos, Contratos informáticos, Caramelo, San Sebastián,

1995, pp. 125-126 “na aquisição de software standard, as restrições

típicas que se podem estipular, distinguindo entre as necessidades do

licenciante e as do licenciado, são, entre outras, as seguintes: Umreconhecimento pelo licenciado de que o software contém segredos

pertencentes ao licenciante e um compromisso da sua parte de mantê-los

confidenciais;

- Uma proibição de copiar o programa, salvo as excepções permitidas na

lei, e uma obrigação de incluir em todas as cópias realizadas uma

identificação do proprietário bem como específicas manifestações de

propriedade;- Uma limitação do uso do software num computador identificado, ou num

local determinado;

- Uma proibição de transmitir o software e os materiais relacionados, que

contenham informação secreta, a pessoas alheias aos empregados do

licenciado que, por sua vez, acordaram, por escrito, manter confidenciais

os materiais;

- O licenciado obriga-se a notificar o licenciante de qualquer uso outransmissão não autorizada e a cooperar na persecução dos infractores;

- Uma obrigação de incluir em todos os contratos de sublicença do

software as cláusulas restritivas do licenciante;

- Um compromisso do licenciado para restituir todas as cópias do

programa e a documentação no termo da licença”.

No contrato dos autos não existem limitações ao uso do software senão

as inerentes à sua fruição pela própria ré.

A ré adquiriu à autora (que o obteve do seu criador intelectual), através

de contrato, o software com a respectiva licença de utilização que pagou,

sendo-lhe entregue um exemplar do mesmo a funcionar no hardware .

Por isso há que distinguir a relação comercial de venda do hardware, da

venda do software.

Trata-se efectivamente de duas relações comerciais autónomas, embora

negociadas em simultâneo.

Quando foi furtado o hardware à ré onde se encontrava instalado o

software nele instalado e em relação ao qual apenas a ré foi autorizada a

dele fruir, não se pode considerar que a ré ficou desapossada da licençade utilização do referido software, pois que se tivesse sido fornecida uma

copia de segurança do mesmo e não havendo como houve necessidade

de fazer upgrade para o sistema de Windows, bastar-lhe-ia a simples

aquisição do hardware que lhe foi furtado.

E como correctamente se afirma na sentença, os autores do furto, acaso

utilizem os programas instalados (software) nos equipamentos furtados,

fazem-no sem licença, abusiva e ilegitimamente (sujeitando-se aprocedimento criminal),pois não se prova que a R. para tal tivesse

contribuído com qualquer atitude passível de censura.

4- A ré ao adquirir os novos equipamentos e sendo os mesmos

05/12/11 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

10/10dgsi.pt/jtrp.nsf/…/7fa0c22fa74fede58025710e00400b9e?OpenDocument

independentes do software, tinha tão só de pagar o respectivo preço

daqueles, já que é titular das licenças de utilização do software do

Shoecad 2D em ambiente Linux, licenças essas que são pessoais e

intransmissíveis e estão tituladas e discriminadas na própria factura por

parte da vendedora.

Ora como a recorrida adquiriu novo hardware à A. e, não sendo possível

a instalação do antigo Shoecad 2D em ambiente Linux, a Ré terá apenas

de pagar a instalação do mesmo programa evoluído, em ambiente

Windows, mas o software Shoecad 2D, por já o ter adquirido, está a ré

autorizada a continuar a utilizá-lo com a mesma licença em vigor desde

Maio de 2001, agora no novo ambiente Windows.

Entendemos, pois, que foram bem apreciados os factos e feito o

adequado enquadramento jurídico à luz das normas jurídicas acima

citadas aplicáveis ao caso, podendo-se afirmar que o software colocado a

funcionar no novo hardware adquirido à autora de que a ré tinha

anteriormente adquirido a respectiva licença, se insere no âmbito dosdireitos do utente (artº 6º do DL nº 252/94 de 20/10), a ter uma cópia de

segurança do software adquirido (a qual não se deduz que tenha sido

fornecida pela A., aquando da aquisição do software).

O facto de o software fornecido em 2001 funcionar em ambiente Linux e

os códigos informáticos que materializavam a licença se encontrarem

inseridos na própria placa de rede do equipamento, não afasta os direitos

da ré como utente do programa para a fruição do qual pagou ocompetente preço.

Seria incompreensível acolher o entendimento da recorrente que furtado

o equipamento também desaparecia a licença que a ré adquirira por só

ela poder utilizar o programa informático em causa.

Deste modo a R., tal como foi decidido, só deve pagar o hardware e oupgrade do programa de software e não a licença.

Nestes termos não assiste razão à apelante, não merecendo a sentença

qualquer censura e por isso se confirma .

III - Decisão.

Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação,

confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 26 de Janeiro de 2006

Gonçalo Xavier SilvanoFernando Manuel Pinto de Almeida

Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo