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1 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição por Amilton Júnior

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1 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

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3 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Palavras & Sentimentos

Escrito por Amilton Júnior

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5 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

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Índice Apresentação ................................................................................................................................. 6

Amor Genuíno............................................................................................................................... 8

Ao seu lado, pela eternidade ....................................................................................................... 11

De Repente é Amor ..................................................................................................................... 14

Fascínio Coibido .......................................................................................................................... 17

Homens de Paz ............................................................................................................................ 20

Moldar-se .................................................................................................................................... 22

O Sentido da Vida ....................................................................................................................... 25

Olhos do Coração ........................................................................................................................ 29

Para o Amor Apenas Importa Amar ........................................................................................... 31

Peça Perdão ................................................................................................................................. 33

Perdoar para Amar ..................................................................................................................... 36

Quando Tudo Começou .............................................................................................................. 40

Tenha Misericórdia! .................................................................................................................... 43

Trágico Amor .............................................................................................................................. 47

Vazias de Amor ........................................................................................................................... 50

Acorrentados ............................................................................................................................... 52

Sorriso Fatal ................................................................................................................................. 56

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6 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Apresentação

Através das palavras, faladas ou escritas, transmitimos muitos dos nossos

sentimentos, demonstramos tantos dos nossos pensamentos, revelamos até mesmo

diversos dos nossos segredos. Acredito que as palavras são meios que a alma encontra

para se expressar, para falar ao mundo, para compartilhar o que pensa e acredita. As

palavras tocam, suave ou asperamente, agradável ou incomodamente, fato é que as

palavras fazem algo que os gestos não fazem, que os toques físicos não conseguem,

elas adentram nosso íntimo e alimenta nossas mentes, aquece nossos corações, de uma

forma que apenas elas conseguem fazer.

Nessa edição de Palavras & Sentimentos, reuni diversos contos que publiquei ao

longo de 2019, histórias de amor, de mistério, histórias de emoção! Escrever é uma

arte maravilhosa, quisera que todos se permitissem a essa aventura, talvez teríamos

um mundo mais sensível, um mundo menos bruto e grotesco. Quem escreve, quem se

dedica a momentos de introspecção para colocar no papel suas ideias, consegue

encontrar paz, consegue colocar para fora pensamentos que nem sabia ter, consegue

até mesmo se conhecer um pouco mais. É um exercício legítimo! É uma atividade

prazerosa! Convido a você a também escrever, nem que sejam textos curtos e secretos,

coloque no papel as palavras que vierem.

Espero que faça uma boa leitura através dos contos aqui reunidos, mais que isso,

espero que também compartilhe com o maior número de pessoas que puder. A

proposta que sigo é que levemos a literatura aos quatro cantos do mundo, que

espalhemos a leitura por onde pudermos, que motivemos as pessoas a embarcarem em

quantas histórias quiserem. Por isso esse livro é gratuito, para incentivar o mergulho

junto a personagens que tantas vezes nos impressionam pelas similares que possuem

conosco, afinal, a arte também imita a vida!

Estarei sempre aberto a sugestões!

Obrigado pela atenção!

Amilton Júnior

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7 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

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8 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Amor Genuíno

Quando poderia imaginar que viveria uma história de amor? Nunca passou pela

minha cabeça que alguém como eu, sempre tão tímida, tão retraída, tão discreta,

pudesse despertar os olhos de alguém, pudesse ser notada pelos olhos de outra pessoa.

Mas aconteceu. No final do ensino médio, apaixonada pelo garoto inteligente, dócil e

gentil, fui surpreendida: meu sentimento era recíproco.

Fomos nos conhecendo a cada dia. Descobrimos tantos gostos em comum como

nos adaptamos ao jeito de cada um ser. Ele, sempre que envergonhado, pressionado

pelos protocolos do que “se espera de um namorado”, recolhia-se ao silêncio após um

suave, por vezes intenso, mas sempre demorado beijo. Quando nossos lábios se uniam

nada mais importava, queríamos apenas sentir um ao outro, trocar a respiração,

perceber as batidas dos corações, permitir que as mãos se conectassem. Íamos ao

limite. Desafiávamos nosso fôlego. E lá ficava Luís, corado, tímido, sem saber o que

fazer.

Mas e quando ele me olhava sem piscar? Minhas pernas tremulavam sempre

que ouvia a frase mágica “você é linda, não me canso de contemplá-la”. Seus olhos

fixos, seu semblante sério, ele devia saber o quanto eu ficava perdidamente

apaixonada, sem reação, aposto que usava tão poderoso artifício por conhecer meu

frágil coração.

Ninguém poderia contestar, nem mesmo nós negávamos, o amor que nos unia

era forte o bastante para que nem a morte pudesse nos separar. Sempre acreditei

nisso, sempre confessei que não importava o que acontecesse, jamais esqueceria

aquele a quem me entreguei, jamais o substituiria, ninguém seria capaz de ocupar seu

lugar.

Casamo-nos em uma cerimônia que ficou marcada. Foi um momento lindo, de

realização, no qual olhei para trás, enxerguei aquela garota solitária, sem expectativas

e sorri para ela, foi sim capaz de reviravoltas, era naquele dia a mulher mais feliz do

mundo.

Em nossa lua de mel viajamos para o sul. Fazia frio, parecia que o clima quisesse

nos congelar, mas nossa paixão era quente, nosso amor ardia em chamas, nossos

corpos se aqueciam em momentos de puro êxtase, em horas de utópica magia.

Entregávamo-nos aos nossos sentimentos, embriagávamos no perfume um do outro,

éramos transportados da realidade a cada toque sedento por mais.

Amávamo-nos loucamente.

Em uma das noites durante os quinze dias que passamos no Paraná, deitados

sobre o tapete macio, aquecidos pela lareira cuja chama dançava graciosamente,

cobertos por um generoso cobertor, encostados um no outro, sentindo o calor dos

corpos ofegantes, discretamente molhados pelo suor da paixão, Luís declarou suas

palavras, as que se eternizaram em meu coração.

— Se existisse medida que mensurasse o tamanho de meu amor por você, ficaria

surpreendida pelo número infinito... — soando a voz aveludada que prometia me

acompanhar pelo resto dos anos, envolvendo-me em seus braços que firmemente me

prendiam a ele, o grande amor de minha vida alisou meu rosto, seus olhos verdes

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9 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

refletiam a chama às minhas costas, exibiam paixão —. Você é a mulher que sempre

sonhei em ter, é quem me faz feliz, nunca se esqueça disso. Não importa coisa alguma,

quero que seja minha e quero ser seu por toda a eternidade... — beijou-me selando

tão maravilhosa promessa. Não era mais o garoto que se envergonhava, era um

homem que não se enfadava de demonstrar seus descontrolados sentimentos.

— Você mudou a minha vida, transformou meus pensamentos e desvendou

meus olhos para que pudessem contemplar horizontes novos, belos e esperançosos.

Jamais fugirei de seus braços, seria um erro... — sempre fui apaixonada por Luís,

sempre desejei tê-lo vulnerável a mim e naquele momento meu sonho se concretizava.

Alisei seu rosto áspero, passeei os dedos pelos lábios que me garantiam prazeres

carnais e sentimentais, não me via sem a sua companhia —. E também nunca deixarei

que escape de minhas mãos!

Os meses se passaram.

Nossos laços apenas se fortaleciam.

Porém novos sonhos passaram a existir. Como todo casal que se ama

desejávamos ampliar nossa família, fazer nascer de nosso amor um fruto de alegria.

Queríamos abraçar um filho. No entanto, o que para muitos é a tarefa mais simples,

para outros pode ser uma batalha que deixa cicatrizes profundas. Não

engravidávamos.

Buscamos ajuda.

O problema não era com Luís, cheguei a torcer para que fosse, eu

compreenderia, não o trocaria por motivo algum, não lhe daria as costas por algo que

seria possível enfrentar...

O problema era comigo...

Quando recebi a notícia voltei a me sentir como aquela garota desprezada, sem

nada a oferecer. Senti-me inútil, inválida, incapaz de realizar o sonho de quem mais

amava. Chorei como se as lágrimas pudessem me libertar, lamentei como se nada mais

fizesse sentido. Isolei-me. Afastei-me até mesmo daquele que prometi não fugir.

Ele merecia ser feliz.

Eu não poderia lhe garantir esse direito.

Algumas semanas desde que pedi por um tempo, convicta de que abriria o

caminho para que Luís concretizasse seu anseio por ser pai, a campainha tocou

desesperadamente. Pensei que fosse algo sério. Alguém precisando de ajuda. Fui

surpreendida.

— Flávia... — um homem abatido, visivelmente ansioso, abraçou-me como se

fosse tudo o que tinha, derramou seu choro sobre meu ombro, feriu meu ser e

motivou minhas lágrimas —. Flávia... Por que está fazendo isso? Por que me ignora?

Por que me trata como um desconhecido?

— Luís, precisa entender, precisa saber que não posso lhe dar aquilo que por

certo seria seu maior presente, não posso fazê-lo feliz como sei que almeja, como

merece! — ainda que chorando, ainda que relutando contra minha vontade de sentir

aquele que perdidamente amava, fiz minha declaração na esperança de que me

esquecesse –. Não posso arruinar seu futuro, não posso...

— Arruinaria meu futuro se me abandonasse... — beijou-me como das outras

vezes, cheio de desejo, cheio de paixão. Tentei combater contra meus desejos, mas me

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10 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

rendi, retribuí, era fraca demais diante tudo o que sentia –. Não importa nada,

lembra? Quero que seja minha e quero ser seu por toda a eternidade...

Com os rostos colados, sentindo os corações balançarem desesperados, sorri,

sorri aliviada, sorri apaixonada. Fui ignorante. Fui tola. Quando o amor é genuíno não

há desafio que o vença!

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11 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Ao seu lado, pela eternidade

O tempo que passamos longe de quem amamos, ainda que sejam poucas horas,

mais parece uma insuportável eternidade, minutos infindáveis, nosso coração clama

por estar próximo daquele com o qual sincronizou.

Imagine dias.

Ou anos.

A alma sofre a dor do amor, esse sentimento paradoxal, capaz de garantir

inexprimíveis alegrias e causar lágrimas de intensa aflição. A alma sofre a dor da

distância, da malquista separação, do indesejável silêncio. Os ouvidos suplicam por

ouvir a voz especial, os dedos anseiam por tocar a pele inconfundível e os lábios se

agitam cansados de esperar para que outra vez sejam unidos.

Bruna sentia essa amargura.

Há anos não dividia a cama com o único homem que amou, o garoto que lhe

jurou fidelidade, que cresceu e se transformou na razão do seu sorriso.

Jovens ainda.

Submersos no mundo de novidades e descobertas já não se olhavam como

amigos, atentavam-se à beleza que o olhar de cada um exibia; quando prestavam

atenção nos próprios pensamentos se surpreendiam com os sonhos, queriam, no

futuro próximo, viverem unidos, como homem e mulher, para que juntos escrevessem

uma história.

— Preciso falar uma coisa. Há dias venho tentando, mas me falta coragem,

porém os desejos que pulsam aqui dentro se tornaram maiores que quaisquer

receios... — o ainda adolescente Hugo, tendo a face iluminada pelo sol resplendor,

exibindo os primeiros fios de barba que tomavam seu corpo, encarou as íris

esverdeadas de uma forma nunca feita, com seriedade, certeza sobre o que declararia.

Esperou que a amiga respondesse algo, mas ela apenas assentiu, prontificou-se a

ouvi-lo, parecia saber quais palavras seriam usadas.

— Sabe como estimo os amigos que possuo, torno-me um valente guardião e os

defendo com a minha própria vida, mas com você é diferente, não a vejo como

alguém que precisa da minha proteção, da minha vigília, sinto a necessidade de amá-

la como a mulher da minha vida... — era maduro o bastante para compreender os

próprios sentimentos, com esforço abrira o próprio negócio, sabia tomar as decisões

certas nos momentos precisos.

A doce Bruna, cuja pele ainda era lisa e os cabelos mais pareciam fios de ouro,

levou a delicada e aquecida mão ao rosto do melhor amigo, encarou os olhos

castanhos, jogou para o lado a charmosa franja que a impedia de contemplar o

constante brilho do olhar juvenil, abriu um sorriso apaixonado.

– Quando percebemos que seremos correspondidos em nossos afetos a vida

ganha mais cor, um significado maior e mais poderoso, enchemo-nos de coragem

para então descobrir a nudez de nossas almas... Não é mais amizade, é amor... —

respondeu.

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12 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Sentados na areia, com um belo e tranquilo mar à sua frente, os jovens

adolescentes beijaram-se sutilmente, sorriam tímidos, sentiram o friozinho da

inexperiência.

Sobre o armarinho repousava um porta-retrato cuja fotografia revelava o jovem

casal, a alegria estampada em ambos os semblantes, quando a distância não os

separava, quando o tempo não parecia tão longo assim, quando nada se colocara entre

eles e o amor que viviam.

Ela já estava avançada na idade.

Perdia as esperanças.

Finalmente, alguns anos depois da tarde especial na qual confessaram o amor,

homem e mulher se casaram e para comemorar em grande estilo optaram por uma

viagem ao Sul do país, onde fazia frio, justificativa para que os grandes amantes

nunca se desgrudassem um do outro.

Hugo pediu que a esposa fechasse os olhos antes que entrassem no apartamento

alugado.

Bruna, que cegamente confiava no esposo, atendeu ao pedido.

Em seus braços, o homem pegou a mulher, subiu com ela as escadas, abriu a

porta do quarto, flores o enfeitavam, som melodiosamente romântico tocava ao fundo,

o aroma remetia ao doce amor.

— Nem acredito que meu maior sonho hoje é realizado — Hugo se tornara um

homem galanteador, perdera a franja que lhe garantia o aspecto infantil, mas as

encantadoras covinhas continuavam a marcar presença em cada sorriso

compartilhado. Atraiu a esposa para si, deu início aos primeiros passos da dança

sincronizada com a suave música.

— Não existe maior prazer... — Bruna, que a cada dia se mostrava uma bela

mulher, lançou o olhar apaixonado àquele que inegavelmente amava, acariciou os

fios castanhos, entregou-se ao momento de paz e sossego.

— Promete que sempre estará ao meu lado? Promete que não importa o que

aconteça não me deixará por coisa alguma? — dispensava beijos sobre o pescoço da

amada, sentia-se o mais realizado dos homens por tê-la em seus braços —. Prometa-

me isso porque não sobreviverei sem o seu amor.

— Prometo que o amarei enquanto aqui estivermos, enquanto aqui vivermos,

alimento-me desse amor inigualável — mantendo os olhos fechados, recebendo as

demonstrações de afeto daquele que nunca deixava seus intentos nem enquanto

dormia, a mulher fez sua promessa, talvez não tivera refletido sobre o que prometia,

algum dia teria tempo para isso.

Do pescoço, os lábios de Hugo procuraram os de Bruna.

Naquela noite separada apenas a eles, entregaram-se à paixão, renderam-se

completamente ao amor, envolveram-se intimamente um com o outro.

Viveram tantas coisas juntos.

Construíram uma bela família.

Ensinaram aos filhos a nobreza do amor.

Mas agora estavam distantes.

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13 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

A distância, contudo, não era física.

As almas já não conseguiam se comunicar.

De olhos fechados – ninguém sabia dizer quando fora a última vez que

estiveram abertos –, Hugo era monitorado por aparelhos há três anos. Vítima de um

acidente grave, não conseguia sair do coma.

Bruna, porém, cumpria com sua promessa. Durante os três anos se mantivera ao

lado do homem que tinha rugas na pele, perdera a cor dos cabelos e o olhar já não

exibia o brilho juvenil, mas ainda assim era o mesmo menino pelo qual se apaixonara,

para o qual prometera ser fiel, com o qual era sincera.

Ficaria ao seu lado por quanto tempo precisasse.

Apenas a morte teria o direito de separá-los.

Amavam-se verdadeiramente.

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14 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

De Repente é Amor

Quem sabe quando vai se apaixonar? Quem prevê a aparição de uma insistente

paixão? Quem é capaz de ordenar ao coração o momento certo de palpitar por

amores? Todos são pegos de surpresa, o amor não avisa quando vai acontecer, de

repente ele floresce.

Eram amigos inseparáveis.

Eram cúmplices fiéis.

Os anos que juntos viveram serviram para que um conhecesse mais sobre o

outro, compartilhassem segredos, vivessem aventuras e gargalhassem para a vida.

Pensavam que para sempre teriam a tão agradável amizade os cercando, desejavam

que pela eternidade pudessem contar com o apoio um do outro.

O desejo, até então, era atendido.

Mas o destino propôs uma forma diferente para que o desfrutassem.

Diego, sempre tímido e reservado, enfrentava um dilema nunca antes

experimentado, sentia-se oprimido pelos desconhecidos sentimentos que se

manifestavam em seu peito quando se aproximava da melhor amiga, alguém que

gostaria de preservar em seu caminho. Não a via mais como a garota de antes, com o

olhar infantil que por tanto tempo tivera, seus intentos eram outros, seus anseios se

transformaram, a cada dia se convencia do que mais temia: estava apaixonado.

Mas não queria provar da doce paixão.

Ao seu paladar era ela amarga.

Se confessasse o que sentia correria riscos que não suportaria, se revelasse o

oculto de seu coração poderia afastar quem muito estimava, contudo sentia-se fraco

para combater a força dos impulsos juvenis, talvez não conseguisse guardar o segredo

pelo tempo necessário para que o esquecesse, afinal, todos os dias, a cada

aproximação, ele se manifestava com maior ímpeto.

O adolescente não sabia como agir.

Lamentava-se por não ser mais um menino.

Bianca, focada em seus estudos, ansiosa pelo vestibular que prestaria ao final do

ensino médio, não imaginava que fosse tão vulnerável a um sentimento que não

desejava provar, sentia-se indefesa diante os pensamentos involuntários que surgiam

em sua mente e lhe arrancavam suspiros, sentia-se fraca a cada vez que ouvia o som

de uma voz especial.

Teve que aceitar e confessar a si própria.

Apaixonara-se.

Não entendia como aquilo acontecera. Durante todos os derradeiros anos viveu

uma amizade tão ingênua e despretensiosa, por que agora via seu melhor amigo como

alguém capaz de acolher seu coração? O sentimento de amizade há muito deixara de

existir, amor era o que persistia em abrasar sua alma. Com ele as dúvidas também

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15 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

chegaram, os anseios surgiram e o medo de perder alguém querido não permitia que

seu desejo fosse exposto.

Quem melhor que o amigo para ser seu primeiro amor?

Mas e se tudo terminasse da pior forma?

Naquela manhã de sábado, ensolarada e agradável, os adolescentes despertaram

decididos a arriscarem suas chances, a assumirem suas vontades e enfrentarem o

futuro. Precisavam tentar, além de todas as ideias pessimistas existiam as

possibilidades de coragem: e se fosse para acontecer?

Por mensagem marcaram um encontro.

Davam o primeiro passo.

O sol raiava sua luz, aquecia a terra e iluminava o céu. As nuvens discretas e

leves vagueavam pelo tecido azulado, eram carregadas pelo vento que soprava no mar

e fazia as ondas saltitarem em harmonia. Ansioso, balançando as pernas sem que

percebesse ou pudesse controlar, o jovem adolescente encarava o oceano, aguardava

pela garota que deixara de ser uma amiga e passara a ser o desejo ardente de seu

embriagado coração. Pensava nas palavras que poderia dizer, no discurso a declarar,

em como venceria a timidez e se permitiria ao amor, seu primeiro amor.

Bianca, avistando o garoto pelo qual descobrira sentir desejos diferentes do que

acreditava cultivar, abriu um discreto sorriso, o formigamento nas mãos aumentou a

ansiedade por estar ao seu lado, pedir emprestada a sua atenção e revelar de uma vez

por todas o que já não era capaz de esconder.

Finalmente, estavam frente a frente.

Encaravam-se apaixonados.

Sentados no mesmo banco, mantendo os trinta enormes centímetros de

distância, os adolescentes confusos não trocavam palavra alguma, apenas se

permitiam perder na imensidão do mar agitado, tentavam encontrar coragem dentro

de si mesmos. O silêncio se quebrou quando ambos se chamaram pelos nomes,

sorriram envergonhados, mas o cavalheiro admirado deu vez à sua dama conquistada.

— Preciso que me ouça com atenção, não será fácil depois que eu revelar o que

tem me sufocado... — Bianca, desbravando a novidade do se apaixonar, descobriu em

seu parceiro o mais belo dos sorrisos, percebeu uma beleza ímpar nas brilhantes íris

castanhas que a encaravam atentas e não deixou de notar o charme especial que

Diego possuía tendo a testa coberta pela desgrenhada franja. Queria tocá-lo. Queria

senti-lo. Queria tê-lo para sempre.

— Por favor, pode confiar em mim... — o ingênuo Diego, acreditando ser aquele

só mais um diálogo como os outros, sentiu mais uma vez a ardência no peito ao

observar com meticulosidade os olhos azuis que o enfeitiçavam, os lábios delicados

que pareciam convidá-lo para um gesto transformador, romântico, um beijo que

mudaria toda a realidade.

— Pode parecer estranho, confuso talvez, mas não sinto mais que sejamos

amigos, pelo menos não como nos tempos antigos, as coisas mudaram...

— O que quer dizer? — preocupou-se rapidamente, pensava no que poderia ter

feito para que causasse aquele desabafo, faria o impossível a fim de alcançar

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16 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

reconciliação, mas não deixaria partir quem tinha por especial —. Se foi algo que fiz

peço que me perdoe, nunca será minha intenção...

— Diego, quero que me ouça... — tranquila, com a serenidade que deixava o

atordoado adolescente ainda mais perdidamente apaixonado, a jovem garota

interrompeu o mover dos lábios de seu ouvinte com um toque discreto, abriu o sorriso

compreensivo, diria tudo o que precisava —. Nós crescemos, guardamos memórias

incríveis e se parássemos para assistirmos ao nosso passado nos divertiríamos

incansáveis, mas sinto que a ingenuidade infantil se acabou, não consigo mais vê-lo

como o irmão que sempre considerei, meus desejos mudaram, estão intensos, descobri

que me apaixonei por você... — suspirou aliviada, esperaria por respostas.

Diego, em sua atônita surpresa, em sua falta de versejares, desenhou no rosto

um sorriso empolgante, exibia o olhar animado, seus olhos brilhavam como quando

ganhava os mais desejados presentes. Amava e era amado.

— Por tanto tempo tenho relutado contra mim mesmo, tenho ofuscado o que

sinto por medo, por incertezas e se não me declarasse o mais agradável dos segredos

talvez nunca tivesse coragem para dizer que, inegavelmente, também me apaixonei

pela única garota a qual posso confiar meu coração, alguém que quero amar como

merece! — finalmente se livrava de um peso tão incômodo.

Fora mais fácil do que imaginaram.

Se deixaram guiar pelas emoções e saborearam o doce sabor do primeiro de

muitos beijos que os uniriam mais e mais.

Entregar-se ao amor não é tarefa fácil, mas quando conseguimos abrir os nossos

corações àqueles que se dispõem em neles viver, conquistamos felicidades preciosas,

incalculáveis.

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17 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Fascínio Coibido

Os convidados entravam um a um.

Todos com máscaras que escondiam seus rostos.

Alguns estavam acompanhados, outros imaginavam encontrar naquela noite

agradável alguém que despertasse o amor.

O rei via o salão do castelo se encher.

A princesa estava ansiosa pela aparição de um alguém especial.

Amores proibidos sempre existiram, são os mais intensos, os mais difíceis de

acabar, são os que se fortalecem pelas dificuldades, pelos perigos, pelas ameaças que

os valentes amantes aprendem a suportar. Amores proibidos são de fato verdadeiros,

ninguém se importa com suas consequências, preocupa-se em vivê-los.

Sofia, a princesa adorável, vivia em segredo um romance suave, uma história

que enchia seu peito de esperança, de força para aguentar a distância, de paciência

para suportar a vida oculta que precisava manter. Vivia um amor proibido com

Rafael, jovem plebeu. Era por ele que esperava no baile de máscaras.

Rafael, um rapaz sonhador e esforçado, digno e honrado, apaixonara-se

perdidamente pela princesa tão logo a vira na cerimônia que celebrou seus quinze

anos, desde aquele dia nunca mais a esquecera. Vendendo sapatos e oferecendo outros

serviços ao rei, conseguiu se aproximar, conseguiu conquistar aquela que não deixava

seus sonhos, mesmo conhecendo os riscos, mesmo convencido sobre o quão difícil

poderia ser, alimentou aquele amor proibido e aproveitaria o baile de máscaras para

descobrir como seria estar com a amada diante tantos olhares.

Conseguiu entrar livremente.

Ninguém o reconheceu.

A música começou.

Os casais se formaram.

Sofia recusava todos os convites lançando um belo sorriso, até que ouviu a voz

inconfundível.

— Concede-me essa honra? — feito um nobre cavalheiro, vestido

elegantemente, disfarçado pela peça fundamental na festa tão aguardada, Rafael se

curvou diante a princesa, estendeu-lhe a mão, convidou-a para o que mais desejava.

— Será um prazer! — ainda mais sorridente, impossibilitada de exibir o brilho

dos olhos, Sofia se entregou ao convite, jamais recusaria as ofertas de quem amava

assim como nunca deixaria de conhecer sua melodiosa voz.

Começaram a dançar calmamente.

Estavam intimamente conectados naquele momento.

— Como é bom estar aqui, não imagina o quanto esperei por esse dia —

animado, satisfeito, o jovem plebeu envolvia a cintura da amada moça, entrelaçava os

dedos e sentia o doce aroma que dela exalava —. Está ainda mais bonita, é quase

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18 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

impossível ceder aos impulsos de beijá-la, como consegue ser tão mágica ao mesmo

tempo em que real?

— E o que posso dizer sobre você? Vestido dessa forma, como um verdadeiro

príncipe, provoca-me o desejo de anunciar ao mundo que já encontrei um grande

amor — podendo perceber as batidas do forte coração, mantendo os olhos fechados e

se concentrando no perfume amadeirado que emanava do belo rapaz, Sofia se

aninhou à curva de seu pescoço, esqueceu-se de todo o resto, entregava-se a uma

noite especial.

— E se o fizéssemos? E se declarássemos que estamos apaixonados? Que

queremos um ao outro? Que nos amamos? — lançou as incógnitas —. Não quero

pressioná-la, mas não é possível aguentar por muito tempo um segredo com tamanha

proporção...

— Entendo, meu querido, possuo o mesmo pensamento, mas não é por mim que

evito correr o risco, é por você... — afastou-se alguns centímetros, tocou o resto que

não se cansava de apalpar, como o desejava para sempre —. Não poupariam os

ataques, não sei como o meu pai reagiria, temo que seja você o maior prejudicado.

— Sabe que em nome desse sentimento que cultivo por você eu seria capaz de

morrer, não sabe? Sabe que a fim de viver esse sonho que nunca se acaba eu pagaria o

preço que fosse. A única coisa que quero é amá-la livre e abertamente, é gritar ao

universo que meu coração está em suas mãos.

— Beije-me...

— Como?

— Não há o que temer, qual o problema de amar? Por qual razão deveríamos

esconder o que sentimos? Não estaríamos cometendo um crime por nos entregarmos

ao mais limpo, puro, nobre e belo dos sentimentos, não podem nos condenar porque

amamos... Então, beije-me...

Rafael rompeu as barreiras, diminuiu as distâncias e demonstrou todo seu amor

no beijo apaixonado, sedento por dias diferentes, dias que trouxessem liberdade ao

amor proibido.

Mas há pessoas mal intencionadas que nos perseguem sem que percebamos, que

possuem planos maldosos e percebem na nossa ruína a sua ascensão.

— Sua filha namora um plebeu? — a voz feminina soou ao ouvido do rei.

— Do que está falando?

A mulher apontou na direção do casal que descobria o amor encoberto.

Sem que pudessem prever ou perceber alguém tirou a máscara de Rafael

revelando sua identidade.

Os guardas logo se aproximaram.

Separaram de maneira violenta o casal que se amava ignorando as exigências

para que o não fizessem.

Forte, o rapaz se livrou de seus algozes, lançou o último olhar à amada

namorada e correu pulando obstáculos, empurrando serventes, derrubando taças,

tombando convidados e desviando dos soldados que não puderam com sua destreza

para a fuga, viram-no fugir passivos.

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19 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

A festa chegou ao fim.

Sofia foi trancada em seu quarto enquanto o rei pensava no que fazer perante

tão caótica situação.

Olhando para as estrelas, lançando seus pedidos à formosa Lua, a princesa

interrogou sobre quando viveria aquele ardente amor ou se até mesmo o viveria.

A resposta somente o futuro seria capaz de dar.

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20 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Homens de Paz

Viver com medo é um castigo insuportável até para o mais valente dos homens.

Viver com medo faz perder a paz, o sono parece traidor e a sombra uma inimiga

cruel. Viver com medo tira de qualquer um a esperança sobre o futuro.

E quando esse medo é imposto de semelhante para semelhante?

Igor vivia com medo.

Medo da própria espécie.

Aos vinte anos de idade, com tantos sonhos ainda vivos em sua alma, com tantos

planos sendo construídos animosamente, o rapaz se via no meio da floresta,

caminhando a passos inaudíveis e extremamente cautelosos, sentindo o suor escorrer

pelo corpo por causa do calor insuportável que o uniforme garantia. Um olho fechado

e o outro sempre muito atento, à sua dianteira ia a metralhadora carregada, perdera

as contas de quantas vítimas tivera que fazer.

E pensar que aquilo poderia ser evitado.

Pensar que o inútil derramamento de sangue poderia ser interrompido através

de um simples acordo entre o governante do seu país e o do país opositor.

O poder sempre enlouqueceu os grandes.

E essa loucura custou a vida dos pequenos.

— Droga! — chutou uma árvore antes de se encostar nela, tirou o quepe que

exibia o brasão do exército, permitiu que os cabelos respirassem, suspirou

profundamente.

A guerra fora instaurada por uma disputa de terras. Os governos rivais tentavam

decidir a quem pertenceria o território cobiçado e encontrado, lugar de fartura

ambiental incrível, o que enchia os olhos de poderosos empresários sedentos por

matéria-prima ou motivados a construírem seus parques luxuosos.

Igor lamentava o homem ser tão ignorante ao ponto de colocar seus irmãos

contra a morte. “Morrer pelo país”. Será que o país morreria por ele? Claro que não.

Quando o pai mais precisou do auxílio do Estado para sobreviver foi desprezado,

negligenciado, quando resolveram dar atenção já era tarde demais, já estava

enterrado.

Sentia saudade da família.

Sentia saudade dos amigos que perdera na batalha injusta.

Sentia saudade dos tempos de criança, quando o mundo mais parecia um

divertido desenho animado, quando acreditava que seria um reconhecido engenheiro,

faria construções que orgulharia sua mãe, nas quais colocaria o honrado nome de seu

pai.

Mas cresceu.

Compreendeu que pela ineficiência do governo e em nome dos interesses de

oligarquias, vivia na miséria, pisado pelos ricos, esquecido pelos governantes,

perseguido por autoridades. Entendeu que seus sonhos não seriam tão facilmente

concretizados, foi obrigado a descobrir a dura realidade que o cercava, a mesma que

levara embora seu amado pai.

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21 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Agora, servindo ao Exército, sobre a falácia de que servir a nação é uma dádiva,

confessava que a nação de nada importava enquanto os seus cidadãos morriam de

fome, tinham os seus sonhos apagados, o sorriso de esperança afastado e os

semblantes tomados por amarga tristeza.

Encarando o céu azul ouviu passos se aproximando.

Armou-se.

Ficou cara a cara com o inimigo.

Não era, na verdade, um adversário.

Era só mais alguém que, como ele, cumpria ordens.

— Não quero que morra, mas também não quero morrer — anunciou, falavam

a mesma língua.

— A ordem é que matemos qualquer um de vocês — o rapaz, que parecia ter a

mesma idade de Igor, recitou o que ouvia nos quartéis, recitou com a voz embargada,

como se pedisse desculpas antecipadas pelo mal que estava prestes a oferecer.

— Como se chama? — tentaria uma conversa, fugira tanto, correra tanto do

inimigo, tudo o que queria era uma chance de voltar àqueles que amava.

— Márcio... — a mão tremulava, as lágrimas corriam pelo rosto ferido, também

ansiava pelo fim do pesadelo.

— Muito bem, Márcio, não tenha medo, não quero feri-lo... Meu nome é Igor,

meus amigos costumam me chamar de Sonhador, tem algum apelido? — sabia que

através do diálogo inteligente podemos alcançar os maiores acordos, não com

violência.

— Por que Sonhador? — quando foi que tivera a última conversa com alguém

disposto não a matá-lo, mas ouvi-lo? Entregava-se àquele raro momento.

— Porque ainda acredito no amor dos homens... — revelou —. Tem família?

— Sim, meus pais são agricultores e minha namorada quer ser escritora —

sorriu ao falar daquela pela qual era apaixonado.

— Sente saudade?

— Todos os dias...

— Também sinto a falta do meu povo, isso arde aqui dentro, há momentos que

parece insuportável... — desabafou —. Tenho sonhos, você também, eu não quero

destruir seu futuro em nome de homens insanos e egoístas que quanto mais têm mais

querem, mesmo que a preço de sangue — começou a se agachar —. Por isso peço a

sua misericórdia, peço que me olhe não como um inimigo, como seu igual —

repousou a metralhadora sobre o solo e se levantou, estava completamente vulnerável.

Márcio, espantado com tamanha confiança que existia naquele que lhe disseram

para tratar como um cruel inimigo, comoveu-se pelo discurso, jogou o armamento

para o lado, permitiu que a distância inútil fosse encurtada.

Os soldados se abraçaram no meio da mata.

Eram irmãos da terra.

Manipulados por homens de perversos, avarentos e injustificáveis desejos.

Homens que fingem se importar.

Importam-se apenas com a própria ascensão custem às vidas que custarem.

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22 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Moldar-se

A vida em conjunto não é tão fácil quanto parece, cada um de nós possui seus

próprios interesses, seus característicos gênios que muitas vezes conflitam com o

modo diferente do outro ser. Talvez o maior segredo do mesmo tamanho difícil de

realizar para que os relacionamentos sobrevivam, seja o de moldar-se um ao outro.

Luana, uma gerente de banco muito bem sucedida, orgulhava-se de seus

prêmios, deixava-os expostos na estante que ornamentava a sala onde recebia os

amigos e parentes que a visitavam esporadicamente, via no trabalho uma forma de

extravasar, descarregar todo o estresse, gastar energia.

Mas não poderia falar que na vida pessoal, mais especificamente amorosa,

conquistara o mesmo êxito. Às quatro da madrugada, com os olhos abertos e

submersos à escuridão do quarto, sentia a falta da companhia do esposo, com quem se

casara há dois anos, quando acreditava que as declarações de amor e o intenso

envolvimento durariam para sempre.

A cama estava vazia.

Entregue apenas a ela.

Aquele vazio indesejável manifestava-se também em sua alma. Não ouvir a voz

do marido, não implicar com suas manias que a irritavam, não sentir o seu perfume

amadeirado e nem receber os abraços inesperados ao longo do dia tornavam a

saudade ainda maior. Estavam sem se falar a quase um mês. Luana esperava pelo dia

que dos correios receberia o pedido de divórcio.

Mas o que poderia fazer?

Ele que decidiu sair.

Marcos, um professor de educação física amado pelos alunos e que nas horas

vagas não deixava o violão descansar, não se importava com conquistas profissionais,

buscava mesmo era pela simpatia das pessoas, em falar a língua do outro, em ser

compreensivo com o próximo.

Contudo, talvez esquecera que a esposa também representava o próximo.

Talvez tivesse que ser mais compreensivo com ela. Não estaria no pesqueiro,

segurando o anzol e contando as horas solitariamente.

Era romântico, amava receber a mulher após um longo dia de trabalho com um

lanche especial preparado por suas mãos, amava em ocasiões especiais organizar uma

viagem para que ambos se refugiassem do agito da cidade grande e tivessem apenas a

companhia um do outro no interior, amava também as noites de intensa paixão nas

quais fazia Luana se sentir a mais amada de todas as mulheres.

Gostava de ser meloso.

Chegava a ser grudento.

E quando chegava nesse ponto a esposa parecia jogar um balde d’água fria,

murchava suas expectativas e parecia ser ingrata quanto tudo o que ele procurava

demonstrar. Naquele pesqueiro, sentindo falta da parceira, tendo-a apenas nas

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23 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

lembranças, sendo acompanhado pelas estrelas, Marcos confessou que queria mudar

as coisas.

Mas teria mesmo que dar o primeiro passo?

Bem que ela poderia ser menos insensível, era o que pensava.

Mas a saudade nos corações sufocava as almas que ansiavam por estarem juntas.

O casal se amava apesar das diferenças, mas o orgulho, a falta de humildade em pedir

desculpas, mantinha dois intensos amantes inutilmente afastados.

Precisavam aniquilar o abismo.

Antes que caíssem nele.

Luana se lembrava perfeitamente do primeiro encontro com o esposo, era

primavera, vestia um vestido leve, florido e entre os fios louros prendera uma flor. Foi

assim que o conquistou. Foi até mesmo chamada de linda. E foi assim que se vestiu

outra vez.

Marcos se recordou do dia especial no qual pedira a mão da esposa em

casamento, escrevera uma música e fizera dela sua meiga proposta. Lembrou de ter

provocado as lágrimas emotivas, lembrou de que recebera um suave sim e de que sob

os aplausos da admirada plateia beijaram-se apaixonados. Pegou o violão, faria outra

vez o mesmo pedido.

Luana sabia exatamente onde encontrar o companheiro, estava na fazenda dos

pais, e Marcos sentiu o coração acelerar ao ver passar pela porteira o carro da

estimada parceira.

Ela, de vestido florido.

Ele, com o violão no braços.

Ela entendeu o que significava aquele gesto, recordou-se do pedido de

casamento.

Ele rememorou o primeiro encontro e o quanto se apaixonara em um simples

olhar.

A passos velozes, sob o pôr-do-sol envoltos pela bela paisagem da natureza,

romperam o abismo.

Abraçaram-se saudosos.

Beijaram-se nostálgicos.

— Eu sei que não tenho me preocupado com a nossa união tanto quanto me

preocupo com o trabalho, mas esses dias me serviram para entender que não posso

viver sem a sua presença em meu caminho, você me completa — com lágrimas nos

olhos, sorrindo alegremente, Luana dava voz ao coração.

— Também sou dependente do seu amor e preciso da sua companhia para que

me sinta protegido, realizado e satisfeito nesse mundo cheio de tantos inconvenientes,

contextos que só suportamos ao lado de quem amamos — aliviado pelo encurtar das

distâncias, acariciando o rosto delicado daquela que tão profundamente morava em

seu coração, Marcos declarou a pureza de seus sentimentos —. Prometo entendê-la

melhor, prometo que nunca mais soltarei suas mãos!

— E eu prometo ser menos exigente, mais romântica, lutar pelo nosso amor!

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24 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

É...

Poderiam comemorar.

Tiveram a chance da reconciliação.

Mas e quem perde tempo por motivos tão bobos?

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25 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

O Sentido da Vida

Era uma agradável tarde.

Os bancos na praça estavam ocupados por pessoas que apreciavam a natureza, a

própria companhia ou a presença de entes queridos com os quais compartilhavam

segredos, causos e sorrisos.

A brisa suave naquela fresca primavera parecia fazer os pensamentos flutuarem,

os sonhos voarem, as imaginações subirem ao mundo dos desejos.

Sentada solitariamente, praticando um de seus hobbies prediletos, Fátima

observava as cenas que inspiravam seus intentos e lhe ofertavam profundas reflexões,

não pôde deixar de notar as inocentes crianças que corriam de um lado ao outro, que

brincavam livres e despreocupadas dos preconceitos que os adultos deixam dominar

seu modo de viver.

Lembrou-se de quando era como elas, quando ainda acreditava na eterna

diversão que a vida aparentava ser, quando cultivava sonhos mirabolantes para o

futuro como acabar com as guerras e não permitir que mais ninguém morresse de

fome. Recordou-se das tardes de inverno que passava na casa da avó, quem fazia

maravilhosos bolinhos de chuva acompanhados de um saboroso e acalentador chá de

erva cidreira, sentia a falta da boa mulher, o lado ruim de crescer é que perdemos

aqueles que mais amamos e que um dia pensamos serem eternos.

Reparou também nos amigos adolescentes que se divertiam contagiosamente

com as piadas que surgiam em seus grupos, pareciam enérgicos, repletos de planos,

cheios de coragem e vontade para os concretizarem. Voltou para os dias de sua

adolescência. Relembrou as emoções que experimentara, os questionamentos que a

ajudaram a se transformar na mulher que era, as respostas que obtivera e que lhe

trouxeram tantas certezas. Sentia saudade dos amigos. Sentia falta de quando pensava

que a juventude era um eterno presente.

Levou a atenção aos jovens casais que uniam as mãos, trocavam doces olhares,

cochichavam inaudivelmente e logo em seguida sorriam com timidez, sorriam

apaixonados. Foi ali, naquela praça, que recebera o melhor dos pedidos.

Seus cabelos, além de enegrecidos, eram longos, chegavam à cintura e

encantavam a muitos. As rugas ainda não existiam. O tremor das mãos nem

imaginavam surgir. A jovialidade era estampada em sua face.

Sentada no costumeiro banco que ficava de frente para o chafariz rodeado por

um belo ornamento de orquídeas que exalavam o agradável perfume, Fátima

repousava a cabeça no ombro do namorado, mantinha os olhos fechados, a respiração

tranquila, entregava-se aos momentos de paz que nunca faltavam quando seu grande

amor ao seu lado estava.

Sentiu as mãos serem envoltas.

Sentiu o rosto ser acariciado.

Sorrindo sutilmente, a jovem mulher permitiu que as íris castanhas fossem

expostas, encarou o sedutor e galanteador olhar do bom Luís, sentiu no coração o

agito do amor.

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26 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

— Sempre tão linda... — o rapaz de cabelos louros fez soar a grave, sutil e

melodiosa voz, som amado por aquela que chamava de namorada —. Chego a me

questionar se não ofusco todo o seu brilho... — era bom com as palavras além de

saber como fazer de Fátima a mais feliz das mulheres.

— E eu me pergunto se realmente mereço alguém com tanto amor, com tanta

doçura e com tamanha ternura a ofertar — levou a suave mão

à face que estimava seu toque, que suplicava em todos os encontros para senti-la na

pele —. Você é muito especial...

— Especial é o que tenho vivido desde que nos conhecemos e é o que desejo

viver até o resto dos meus dias... Foi capaz de me transformar, foi capaz de me

esclarecer quanto o real sentido da vida que não está em ser rico, poderoso, notável...

— beijou a mão que por seu rosto passeava —. Está em ser amado.

— O amor nos modifica de dentro para fora, altera nossos pensamentos, garante

novos sentimentos e em pouco tempo já não conseguimos esconder a revolução que

trabalha em nosso ser e todo o mundo descobre quem somos, não poderia existir

sentido de vida melhor e mais lindo! — a aspirante a escritora, sonhadora e

sentimental, declarou o que a alma sentia, feriu o íntimo de seu namorado.

— Estou farto... — endureceu o semblante —. Estou farto das despedidas, farto

das distâncias, estou farto de não ter o direito de vê-la adormecer em meus braços, de

senti-la despreocupada sabendo que estou ao seu lado para defendê-la, estou farto de

dizer adeus... — desabafou o que não aguentava mais, desabafou sobre aquilo que

quando existe amor se torna insuportável.

Fátima não pôde lutar contra a emoção.

Ao ver o anel diante seus olhos não pôde esconder as lágrimas emotivas e

sentimentais.

— Estou farto de não poder chamá-la de minha esposa, é o que mais desejo, é o

que tudo anseio — ajoelhou-se perante a amada —. Aceita se casar com este pobre

apaixonado?

— Quando estamos distantes, quando não podemos trocar palavras de

esperança, quando o relógio parece lento e não conto com a sua presença sei que o

que sinto é verdadeiro, sei que você é o homem que minha alma escolheu para amar,

sei que é o cavalheiro com o qual devo cavalgar pelos caminhos da vida e o que mais

seria isso se não um puro, genuíno, imenso, invencível e verdadeiro amor? — fez o

amante se levantar, encarou-o com a emoção constante, com a admiração persistente,

com a estima interminável —. Mais do que ser sua esposa, quero ser sua melhor

companhia.

Beijaram-se românticos.

Saborearam o prazeroso gosto do amor incorruptível.

Os anos se passaram.

Contemplar os senhores e as senhoras já avançados na idade enganchados um

no outro, caminhando a lentos e sincronizados passos, a renomada escritora confessou

que o tampo também passou para si, os anos se foram, os dias voaram e agora,

beirando seus oitenta anos, já não tinha familiares saudosos, amigos queridos e o

grande amor de sua história, todos o tempo levou.

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27 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Não há como fugir.

Não há como correr.

Para todos o tempo passa, os anos se vão e a juventude se finda e com isso

surgem os desafios da velhice, as consequências da experiência longínqua, os

problemas que não podem ser ignorados.

A cada dia Luís perdia mais da memória.

Certas vezes não se lembrava nem de quem era.

Há meses não sabia que a esposa era a mulher que um dia amou

incontroladamente.

Fátima entendia que não era culpa de ninguém.

E nem o seu amor se esfriou.

Ela permaneceria no propósito de ser a melhor companhia para o querido

esposo. Talvez ele não soubesse quem era e nem a história que escrevera, mas ela era

capaz de contar em detalhes cada maravilhoso capítulo.

Luís acabou acometido por outras enfermidades.

Enfraqueceu-se.

Sucumbia aos muitos anos de existência.

No hospital, sentada na maca ao lado do eterno namorado, Fátima derramava

seu pranto, fora avisada de que o esposo não venceria aquela noite, teria todo o tempo

desejado para se despedir.

Acariciou o rosto adormecido.

Beijou a face inanimada.

— Tantas alegrias, tantas conquistas, tanta força, tanta coragem, tanta

esperança, tanta crença, tanta felicidade, tantos momentos, tantas histórias... Você me

ofertou o melhor livro que alguém poderia escrever, que lendo alguém se

emocionaria, que publicado jamais deixaria o carinho dos leitores porque foi algo

escrito com a alma, com o coração, através da veracidade de um amor que todos os

dias foi nutrido, se regenerou e é eternizado... Obrigado por todo esse amor!

Os olhos cansados se abriram encharcados.

Os lábios amortecidos se moveram vagarosos.

E a voz abafada teve forças para soar o que nunca foi escondido.

— Eu sempre te amei...

A vida se foi.

O espírito partiu.

Ficaram as lembranças de um amor bem vivido...

Discretamente, Fátima enxugou as lágrimas de saudade.

Caminhou a passos brandos em direção ao jovem casal sentado no banco que

ficava de frente para o chafariz cercado pelo ornamento de orquídeas.

— Posso entregar um presente? — manifestou-se notando com alegria o livro

que os acompanhava, tinha o seu nome.

— Você não é a autora de Amor na Guerra? — a jovem moça logo reconheceu.

— Sim...

— Preciso dizer que o amor tem vida através de suas palavras — estendeu o

livro — e que desejo um autógrafo — falou divertida.

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28 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

— Com prazer — escreveu os dizeres — e fico feliz que tenha tocado seu

coração — apresentou o presente que tinha a oferecer —. Espero que esse possa falar

diretamente com a sua alma — antes de partir declarou mais alguma importante coisa

—. Amem-se sobretudo, o sentido da vida está em amar e ser amado — repetiu o

ensinamento que anos atrás tivera com o esposo.

Seguiu seu destino deixando a história que escrevia desde o pedido de

casamento.

O Sentido da Vida.

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29 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Olhos do Coração

Rose nunca se imaginou em um vestido de noiva, caminhando pelo tradicional

tapete vermelho, sendo aguardada pelo noivo sorridente, acompanhada pelos olhares

dos muitos convidados que lotariam o espaço. Nunca acreditou que algum dia viveria

a magia do casamento embora desejasse ansiosamente por esse capítulo na história

que escrevia.

Suas incertezas, contudo, revelaram-se grandes equívocos.

O futuro a ela destinado realizava seu maior sonho.

E lá estava a doce Rose, tendo os cabelos ajustados, recebendo os últimos ajustes

para que participasse da cerimônia que traçaria um novo ciclo.

Por que era tão desacreditada?

Possuía uma deficiência. Não enxergava.

Pedro sempre sonhou com um grande amor, esperou pela pessoa que balançasse

seu peito, que conseguisse tocar em sua alma, aí sim teria a certeza de que era com

quem deveria firmar um compromisso em nome do soberano amor. De coração

disposto a ajudar quem precisava, foi no ônibus, auxiliando Rose a subir os degraus,

que o rapaz conheceu aquela que jamais deixaria seus pensamentos.

Foi conquistado pela sutileza.

Foi atraído pelo toque que ofertou à sua alma momentos de paz e refúgio.

O tempo foi se passando, o que começou como uma forte amizade se

transformou em algo mais íntimo e intenso e fez surgir uma nova ambição: viver a

eternidade com a amada.

Não se importava com deficiências.

O amor não vê como vê o homem.

A marcha nupcial anunciou que a estrela da festa se aproximava.

Rose não pôde conter a emoção quando deu seus primeiros passos rumo ao

compromisso que firmaria, sentia-se feliz, aceita, ia de encontro ao futuro que sempre

planejou, ao futuro que teria a boa oportunidade de construir.

Pedro também não escondeu a intensidade dos sentimentos que o envolviam,

considerava-se o homem mais sortudo do mundo, aquele que teria ao seu lado a mais

bela, meiga e especial das mulheres.

As mãos se tocaram.

Os sorrisos se abriram.

Sendo invadida pelo calor do amor, a mulher apaixonada, submersa à escuridão

dos olhos físicos, acariciou o rosto de seu amado, enxergava com os olhos da alma e

por isso levou a mão ao seu peito, onde estava a maior beleza.

— Você tem um coração valioso, tesouro algum poderia comprá-lo, sou

privilegiada por tê-lo em minhas mãos e prometo que cuidarei dele como se custasse a

minha vida, de fato custa, você é razão para que os meus dias sejam alegres, floridos e

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30 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

esperançosos — ela começou o discurso, seus olhos azulados pareciam dispersos, mas

seus pensamentos estavam bastante determinados em se entregarem aos cuidados de

um alguém especial —. Obrigado por me aceitar, obrigado por permitir que meus

desígnios sejam tão bravamente alcançados! Eu te amo e para sempre amarei! —

jurou.

Se já estava difícil segurá-las, tornou-se impossível para Pedro conter as suaves e

alegres lágrimas que molharam seu rosto, ouvir tão belas palavras o encheu de

certeza: fazia a coisa mais certa que um dia pensou fazer.

— Sou eu quem deve agradecimentos eternos a alguém cuja presença já é capaz

de me transportar para universos longínquos, distantes da pressa desse mundo

estressante, cheios de paz e calmaria — o moreno alto, cujos olhos esverdeados

comprovavam a sinceridade das palavras proferidas, repousou a mão sobre o rosto

delicado, acariciou a suave pele prometendo em seu coração que jamais deixaria de o

fazer —. Devo agradecer por entre tantos ter encontrado a mim para presentear com

esse amor genuíno, forte, que alimenta o meu espírito e me faz acreditar que a vida é

preciosa, é uma dádiva para quem sabe vivê-la apreciando os pequenos detalhes. Eu

também te amo e para sempre te guardarei em meu peito!

Os convidados se emocionaram.

Ninguém foi poupado das lágrimas por perceberem a grandiosidade do

sentimento que unia homem e mulher para toda a eternidade.

Perceberam que para o amor não há barreiras e nem obstáculos, o amor cria

caminhos para quem se sente aprisionado, dá asas a quem precisa voar e realiza o

mais impossível dos intentos que nossa simples alma é capaz de imaginar.

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31 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Para o Amor Apenas Importa Amar

O amor desperta em nós sentimentos intensos, desejos apaixonantes e planos

que ansiamos para a eternidade. Quem ama de verdade prova do doce sabor, do

embriagante aroma e quanto mais se alimenta de amor mais se torna dependente do

valoroso tesouro da alma.

Para o amor não existem circunstâncias, condições ou regras. Para o amor não

existem obstáculos, desafios ou problemas que não possam ser vencidos. Para o amor

nem mesmo a morte é invencível. Para o amor só importa uma coisa: amar.

Como amava aquela mulher.

Como sentia desejos apaixonantes por aquela que em seu peito adormecia, que

em seu peito descansava, que em seu peito se protegia do frio do inverno e dos perigos

da vida. Não pôde resistir aos seus impulsos, não pôde conter suas vontades, tocou

suavemente o rosto tranquilo, passeou o dedo calmamente, fechou os olhos e se

entregou aquele contato tão único, tão ímpar, tão especial.

Como amava aquela mulher.

Seus movimentos pelo rosto que não cansava de admirar eram cautelosos, não

queria despertar aquela que tão confiante e despreocupadamente se entregava aos

seus cuidados, aos seus afagos, ao seu amor. Sentia-se importante, sentia-se vitorioso.

Como amava aquela mulher e se não fosse por tão profundo e genuíno amor

talvez tivesse falhado, desistido do privilégio do viver, se rendido às decepções e

desavenças da vida e colocando um precoce ponto final na história que poderia ir

longe.

Conheceram-se em um grupo de alcoólicos anônimos.

Ele, como dependente.

Ela, como alguém que iria ajudá-lo na liberdade.

Em um ambiente tão incomum, tão improvável, surgiu entre eles o laço que

prometia uni-los para todo o sempre, nasceu aquilo que nem o fogo seria capaz de

apagar, nasceu o puro e sublime amor.

Um amor salvador.

Um amor renovador.

A cada palavra trocada, em cada encontro despretensioso, o sentimento era

regado, aumentava nos corações, suplicava para que fosse exposto ao mundo. Ela se

encantava pela coragem daquele que muito admirava. Ele se embriagava pela doçura

que sua oculta amante possuía em todas as palavras proferidas.

Existe algo chamado Tempo, ele trabalha com o amor, são companheiros

pacientes e inseparáveis, um prepara o caminho do outro, um recompensa o trabalho

do outro. O tempo chegou para aquele casal que se amava, que se desejava, que

imaginava um futuro de realizações, mas que não assumia.

O primeiro beijo.

O estonteante, agradável e inesquecível primeiro beijo os envolveu, foi a fúria

para que a chama da paixão ardesse em seus românticos corações.

Ele, antes derrotado, agora era premiado pelo amor.

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32 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Ela, sempre sonhadora, agora vivia a realidade.

Casaram-se.

E lá estava ele, admirando sua bela esposa.

Os olhos se abriram.

As íris brilhantes revelaram sua cor.

O sorriso espontâneo denunciou o que sentia a alma.

– Meu amor... — ela não se cansava de assim chamar seu bom e insubstituível

esposo, o homem que a conquistou para que jamais a perdesse.

— Sempre linda... — já ele não se enfadava de elogiar a estimada e amada

esposa, a mulher que o ajudara na construção de um futuro melhor e que fazia parte

desse querido futuro.

Ela sorriu o doce sorriso que enfeitiçava seu nobre admirador.

Ele a beijou com o envolvente beijo que intensificava a paixão em sua preciosa

companheira.

Abraçaram-se como amantes.

Cobriram seus corpos pelo edredom que compartilhavam.

Fecharam os olhos e se manteram em contato naquela fria manhã de inverno,

sentindo um ao outro, aquecendo um ao outro.

E assim o amor segue em manhãs, tardes e noites. Aproxima casais, fortalece

uniões e dissemina o prazer que é senti-lo, tê-lo entre os dedos, exibi-lo no olhar. A

cada dia derrama um pouco de sua virtude, a cada vez de uma forma diferente, o

importante é que para ele o que realmente importa é amar.

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33 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Peça Perdão

— Todo final de semana é assim, nunca muda, sempre temos que nos enfiar na

casa de sua mãe, se eu quiser um domingo diferente devo ignorar essa vontade e me

adaptar a essa inútil tradição! — no calor da discussão Rodrigo ergueu a voz —. Até

quando?

— Durante toda a semana vamos aonde quer, encontramo-nos com seus

amigos, vamos à casa de sua família e nunca reclamei, por que está montando esse

espetáculo agora?! — imitando o gesto do esposo, Camila o interrogou encolerizada.

— É claro que vai, mas sempre demonstra a insatisfação que sente, nem parece

aquela de alguns anos atrás que chegou a me dizer que não importava o lugar desde

que eu estivesse ao seu lado seria o melhor do mundo! — na verdade não ouviu o que

disse, não tinha motivos para acusar a esposa, mas na hora da discussão nossa boca

profere palavras que mais tarde poderão nos trazer arrependimento.

— Então é por vingança? Acha que não gosto de frequentar os lugares onde me

leva e agora quer me dar o troco?! – indignou-se —. Como você é infantil! — deu às

costas e começou a subir os degraus.

— Eu infantil? — puxou a mulher pelo braço —. Você não me entende e ainda

me chama de infantil? Isso é egoísmo! — acusou —. Pura ingratidão. Começo a

pensar que todas aquelas declarações foram mentirosas e que me casar não foi a coisa

certa! — não deveria declarar tal argumento.

— Nosso casamento para você não passa de um erro? — a forma como ouvimos

as coisas quando estamos sensíveis podem nos causar grandes incômodos —. Faço o

que posso para demonstrar o meu amor, para agradá-lo e ainda sou chamada de

egoísta? — encarava as íris verdes com olhar de decepção —. Tudo porque aos

domingos gosto de estar com as pessoas que amo?

— Se os ama tanto volte a eles!

Silêncio.

— Não foi isso...

— Já é o bastante — Camila se afastou do marido ariscamente —. Talvez tenha

sido mesmo um erro — abriu a porta da sala —. Quero ficar sozinha — partiu.

Atordoado, Rodrigo se sentou no sofá, levou a mão aos cabelos desgrenhados,

ouviu as próprias palavras soarem em seus ouvidos. Tarde demais.

Relacionamentos, no início, podem se assemelhar às coisas mais maravilhosas e

especiais que a vida é capaz de nos proporcionar, no entanto o tempo passa e os

problemas começam a surgir, sábios são aqueles que os contornam e os usam como

armas para fortalecer o amor que um dia existiu e que para sempre deveria existir.

Os problemas ficam ainda maiores quando falta a compreensão de um para com

o outro, quando o diálogo já não constrói acordos e dá lugar às discussões fervorosas

que não levam a destino algum. Eles se intensificam quando passamos a dar ouvidos

aos de fora e nos ensurdecemos a quem todos os dias está ao nosso lado.

Com as amizades que tinha, Rodrigo aos poucos se esquecia do que prometera à

Camila quando a pediu em casamento, assegurou que a amaria todos os dias e seria o

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34 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

motivo do seu sorriso, mas ultimamente parecia se importar mais com a felicidade dos

amigos solteiros ou divorciados que, inexperientes e desiludidos, levavam ao técnico

de informática uma vida que já não lhe pertencia, pensamentos que não devia

cultivar.

Dirigindo, tendo os olhos cobertos por lágrimas, a fala do esposo ecoava na

mente de Camila. “Se os ama tanto volte a eles”. Ela não conseguia entender a

implicância do marido, sempre foi tratado amistosamente na casa de seus pais e nem

eram tantas horas que ficavam juntos, ultimamente Rodrigo parecia pensar apenas

nele.

A escritora reconhecia suas promessas passadas, lembrava-se das palavras que

não se arrependia de ter dito, mas nada daquilo parecia ter importância, por mais que

tentasse nos últimos meses salvar o casamento não conseguia. Culpou-se. Sim, a culpa

era dela, pensava ser a responsável pela falta de carinho que o esposo exibia, afinal,

ela destruiu o seu sonho de ser pai, era estéril.

Estacionou no acostamento.

Pegou o celular.

Procurou na agenda pelo contato “Mãe”.

O carro capotou.

Um caminhão desgovernado, em alta velocidade, acertou em cheio o carro de

Camila, causou um acidente assustador aos olhos que o flagraram.

Nunca sabemos o que a vida nos reserva, quais surpresas nos aguardam no

futuro e quais caminhos o destino a nós determinou, por isso é importante que nossas

palavras sejam moderadas, que nossas atitudes sejam sensatas, não sabemos quando as

pessoas partirão e nem se teremos a oportunidade da despedida.

No hospital, Rodrigo chorava.

Tarde demais.

— O que aconteceu? – o pai se sentou ao seu lado.

— Um acidente...

— Antes disso, o que aconteceu antes dessa tragédia...

O rapaz ergueu os olhos, não teve forças para responder, deitou o rosto sobre o

ombro do pai.

— Quantas vezes conversamos, meu filho, quantas vezes lhe falei para que

valorizasse os esforços de sua esposa e parasse com as brigas infantis? — acariciava o

desconsolado filho —. Por que não me escutou? Em quê os seus amigos são mais

vividos do que eu? Em quê a vida que eles levam pode ser melhor que a sua? Todo o

dia tem um amor genuíno lhe sendo ofertado e tudo que tem feito foi desprezá-lo.

O técnico de informática deu razão às palavras do pai, palavras que deveria ter

escutado há muito tempo, palavras que, jurou em seu coração, adotaria para si se

tivesse uma nova chance.

— Eu errei... — reconheceu —. Errei ao me igualar a eles, homens sem

compromisso, sem preocupação, que preferem a diversão e tratei minha própria

esposa como uma simples companhia... Errei e não sei como corrigir isso.

— Se tiver a oportunidade, peça perdão...

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35 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Em alguns instantes o médico autorizou que Rodrigo entrasse na UTI do

hospital, seus passos foram apressados e pesados, seu coração ardia e a culpa o

oprimia sem misericórdia alguma.

Viu a mulher desacordada.

Colocou-se ao seu lado.

Envolveu sua mão.

Derramou as sentidas lágrimas.

O arrependimento é uma amarga e persistente dor, com ela vem a culpa e o

sentimento de incapacidade, incapacidade de acertar com quem merece o nosso amor.

Os olhos castanhos se abriram.

Para a alegria de um homem desesperado.

Camila sorriu discretamente, amava o esposo como a própria vida, seria capaz

de tudo para vê-lo feliz apesar de não compreender seus derradeiros comportamentos.

— Como se sente?

— Bem... Só alguma fraqueza... O que houve? — sentia-se confusa.

— Por minha causa, um acidente.

As últimas palavras do esposo retornaram aos ouvidos da escritora que recolheu

as mãos, rompeu o contato entre as peles.

Rodrigo percebeu, desvestiu-se do orgulho, do medo de ouvir palavras ácidas e

tomou outra postura.

— Negligenciei o nosso amor e tenho me comportado como um adolescente

inconsequente, despreocupado, que deixa se levar por efêmeras emoções, não tenho

sido o homem que merece — ajoelhou-se ao lado de Camila e tornou a acolher seus

dedos —. Quero que me perdoe por ser um egoísta, um ingrato, uma criança tola e

rebelde, preciso que me perdoe e que acredite em mim pela última vez, prometo que

não cometerei a loucura de errar com quem mais amo nesse mundo...

Tomando uma expressão sorridente, Camila passou a mão pelo rosto do homem

pelo qual tão inteiramente se apaixonara, amava contemplar os olhos verdes, adorava

enxergar-se neles.

— Beije-me...

O casal apaixonado rompeu o protocolo e contaminou o ambiente com o vírus

do amor.

— Graças a Deus o acidente não trouxe grandes impactos, mas nos revelou uma

agradável notícia — o médico, já conhecido pelo casal, comemorou o milagre que

alcançara a escritora —. Vocês serão pais!

Encararam-se maravilhosamente espantados.

Não conseguiam acreditar.

Fizeram o médico repetir tantas vezes a notícia e a cada anúncio o coração

transbordava.

Ganhavam um motivo novo para se manterem na luta pelo amor.

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36 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Perdoar para Amar

Amor e ódio são dois extremos completamente distantes e opostos, porém jamais

provaríamos do doce sabor do amor se não experimentássemos o amargo gosto do

ódio. São dependentes. São fortes. Um é o calor opressor. O outro é o refresco do

alívio.

Thomaz e Júlia, dois jovens inexperientes, ainda assim destemidos, eram

inegável e descontroladamente apaixonados. Mais que isso. Eram dois amantes

enlouquecidos, rendidos ao invencível sentimento que brotara em seus corações, um

sentimento poderoso, capaz de encorajar o mais covarde e fazê-lo batalhar em lutas

antes impensadas.

Mas todo esse amor era ameaçado pelo ódio mortal que rondava suas famílias,

ambas não se comunicavam, não se suportavam, um fato passado, que parecia durar

pela eternidade, causou a ruptura. Gerações iam embora e outras chegavam, mas a

rixa nunca era superada.

Contudo, ainda adolescentes, o casal se atraiu e nada do que pensassem,

intentassem ou planejassem, mudava essa verdade, destituía tão perigosa realidade.

Ignoraram os discursos, desprezaram os boatos, interessaram-se por apenas duas

coisas: não eram como seus patriarcas e se amavam mais que tudo. Às escondidas,

longe da luz, encobertos pelo secreto, assumiram o romance, comprometeram-se um

com o outro, renderam-se aos sentimentos.

O tempo foi se passando, os anos se findaram, ambos já estavam com seus vinte

e poucos anos e o amor que os unia apenas aumentava, crescia inevitavelmente, o

desejo de um pelo outro se intensificava, tornava-se insuportável, encorajava-os a

saírem do escuro e revelarem a verdade.

— Não podemos mais marcar encontros em lugares abandonados, ocultos a

todos os olhos, não é justo que vivam amores, sejam felizes despreocupadamente e nós

tenhamos que nos privar da vida que possuímos o direito de viver — o rapaz, atento

aos olhos azuis que o enfeitiçavam, que lhe garantiam tantos bons sonhos, declarou

seu pensamento, estava cansado de fugir, cansado de esconder o que sentia.

— Também não aguento mais marcar encontros com intervalos tão imensos,

não suporto essa distância abismal que insiste em se colocar entre nós, mas é arriscado

se rebelar, é perigoso enfrentar aqueles que se julgam donos de nossos destinos, não

quero perdê-lo... — sentimental, sempre prevenida quanto ao futuro, Júlia passeou os

suaves dedilhares pelo rosto de seu amado, deixava-se perder nas íris castanhas que

ardiam apaixonadas, que confirmavam a veracidade das inúmeras declarações de

afeto.

— Eu te amo tanto — buscando calma, controlando os próprios impulsos

revoltosos, Thomaz acariciou os cabelos soltos, abriu um sorriso apaixonado, seu

coração era daquela jovem mulher —. Seria capaz de entregar o meu futuro por esse

amor, sabe disso, sabe que por você faço o impossível — beijou-a se esquecendo dos

problemas, beijou-a sedento por senti-la, por tê-la, por jamais soltá-la.

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37 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

O desejo entre eles era intenso.

A cada reencontro aumentava.

Júlia perdeu o controle naquele beijo tão renovador, embriagante, que a

transportou para um mundo de paz, de segurança, um mundo que só existia quando

se entregava ao nobre cavalheiro. Levou as mãos aos seus cabelos, pressionou-o contra

si, queria mais daqueles instantes, os únicos nos quais era feliz.

O jovem rapaz, há muito rendido aos braços daquela que não deixava seus

intentos, que se fazia presente em cada paisagem que contemplava, a cada som que

apreciava e a cada devaneio que o envolvia, levou as mãos à cintura de sua donzela,

atraiu-a para seu corpo, passou a depositar seus beijos firmes e românticos pelo

pescoço do qual exalava o mais doce dos perfumes.

Por alguns instantes o casal se separou.

Ofegantes, encararam-se sem declarar palavra alguma.

Seus corações pulsavam enérgicos.

Romperam os centímetros de distância.

Entregaram-se à paixão e ao amor incontroláveis.

Deitada sobre o peito descoberto de seu sedutor amante, ouvindo seu coração

potente e sentindo a respiração profunda, Júlia deu um sorriso despreocupado, livre,

passara pelos melhores momentos de sua vida junto a quem mais estimava.

— Posso saber no que está pensando? — perceptivo, Thomaz questionou.

— Que não importa a situação e nem a condição, não importa se estaremos

numa casa abandonada como essa ou em uma fazenda repleta de tantos luxos, se você

estiver comigo estarei indescritivelmente realizada...

Tal declaração foi o estopim para que o rapaz sugerisse o que há dias se

manifestara em seus anseios, o que se tornara um objetivo a alcançar.

— E se fugíssemos? E se partíssemos para longe? Aceitaria desbravar o

desconhecido comigo?

A jovem mulher refletiu por alguns minutos, permaneceu em silêncio

analisando os próprios pensamentos e foi respeitada naquele momento de tão

importante escolha.

— Não importa o que façamos, o quanto tentamos mudar mentes tão fechadas,

continuaremos privados de nosso maior desejo. Não quero ter que esperar dias,

semanas, para ouvir sua voz. Já não me contento com cartas, preciso ouvi-lo, vê-lo e

tocá-lo. Também quero ser feliz e só o serei estando contigo — entrelaçou os dedos,

pressionou-os com ternura —. Eu aceito. Eu aceito ir aonde me levar!

Finalmente, o dia da fuga, depois de tanta ansiedade, chegou.

Montados em seus cavalos, cheios de força e valentia, obstinados à vida que

almejavam, os jovens cavalgavam contra o tempo, levantavam poeira, deixavam para

trás todos os preconceitos, todas as intolerâncias, os ressentimentos e as mágoas lhes

impostos, recomeçariam suas vidas, construiriam o próprio futuro.

Os animais frearam contra a vontade dos cavalheiros.

Armas lhes eram dirigidas.

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38 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Tentaram recuar.

Da estrada saltaram mais dois perigosos homens.

E de cada lado os pais do casal, com sangue nos olhos, ira nas mãos.

Não tinham para onde correr, fugir ou se esconder.

— O que pensam estar fazendo? — Frederico, pai de Thomaz, um homem

obcecado pelo bem, pela boa conduta, interrogou o filho, em seu tom de voz exigia

uma clara resposta.

— Correndo atrás da nossa felicidade! — o rapaz alçou a voz.

— Acha mesmo que esse arrogante será capaz de fazê-la feliz? — João, pai de

Júlia, um homem que buscava pela solução mais sensata em seus confrontos, já não

estava disposto a convencer seu rival de desistir do passado.

— Ele não é como vocês, não vive à sombra de ódios sem sentido, é com quem

quero viver! — a jovem mulher protestou.

— Ódios sem sentido? — Frederico riu —. Quer dizer que de nada importa

matar alguém? Filho, houve um confronto entre as fazendas e os homens dessa gente

mataram o meu avô!

— Sabe muito bem que aquela guerra não foi motivada por nenhum de nós,

nossos servos entraram em desacordo, por motivos audaciosos deram início a um

briga cuja proporção nos assustou, mas os meus avós nunca levantaram o dedo contra

vocês, quantas vezes mais precisarei explicar?

— Não importa! Eu vi com meus próprios olhos a tragédia acontecer.

— E sinto por isso, mas não pode me culpar por algo que eu nem compreendia,

que estava alheio ao meu controle. Éramos crianças, passou da hora de seguirmos em

frente!

— Para você é fácil, não perdeu ninguém.

— Está enganado, perdi um amigo cuja falta sinto até hoje...

Eram unidos.

Cresceram assim.

Mas por desentendimentos foram forçados a se odiarem.

Frederico se calou. Seria muito melhor voltar atrás, superar o passado, mas isso

feriria seu orgulho.

Levantou a mão.

Dois homens dirigiram os armamentos ao casal.

— Thomaz, qual é a sua escolha? Saiba que não permitirei que nosso sangue se

misture aos de uma gente sem escrúpulos.

O valente jovem desmontou do cavalo e se colocou ao lado da namorada,

envolveu sua mão gélida, lançou-lhe um olhar de conforto. Não importava o que fosse

acontecer, estavam juntos.

— A vida é curta demais para que sejamos privados por nós mesmos de

vivermos um amor arrebatador ou uma amizade transformadora. O ódio é veneno

para nosso suicídio. Enquanto odiamos bravamente, perdemos de viver momentos de

consolo, de paz e felicidade. Já conhecíamos essa história, sempre soubemos que tudo

fora motivado por forças alheias aos nossos patriarcas. Não vale a pena dizer não ao

amor, não vale a pena fugir do abraço de um amigo querido por motivações ilusórias,

nada disso corrigirá o passado. Pode ceifar a minha vida, não me importo, tenho tudo

o que sempre quis ter, o amor de Júlia!

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39 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

A jovem mulher se emocionou.

Thomaz aguardava ansioso pelo veredicto.

Frederico cerrou os punhos. Estreitou os olhos. Abriu a boca. Suspirou. Relaxou

o corpo tensionado. Encarou o chão. Ergueu o rosto.

— Somos bombardeados por muitas informações e levados a culpar os outros

pelo nosso sofrimento mesmo que eles não tenham o menor domínio sobre os fatos e

assim nos aprisionamos em nossa tristeza, somos aparentemente recompensados

causando a dor dos inocentes... Poderão ser felizes desde que João perdoe minhas

investidas e aceite meu acordo de paz!

— Sempre soube que meu amigo ainda vivia nesse coração! — abriu os braços

—. E ele sempre terá espaço no meu!

Às vezes é necessário insistir, persistir e até colocar a vida em risco pelo amor,

mas vale à pena, a consequência é um eterno júbilo.

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40 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Quando Tudo Começou

Braços enganchados.

Cabeças cobertas por chapéus.

Passos sincronizados e lentos.

Caminhavam pela praça onde tudo começou.

Luana era uma jovem atraente, cheia de expectativas quanto aos dias vindouros,

vaidosa, gostava de se cuidar para cumprir com suas obrigações. Porém, sofrera uma

decepção que jamais imaginara, as amargas dores ofuscaram o brilho da vida, fizeram

o prazer de viver seguir outros caminhos, diminuíram as forças daquela que

esbanjava energia para fazer da experiência de nesse mundo estar ser a melhor

história que alguém poderia escrever.

Os dias se passavam, menos as dores.

Amara verdadeiramente, entregara-se completamente, confiara o coração, seu

maior tesouro, a mãos que não souberam manuseá-lo, protegê-lo, antes foram as que

o estraçalharam.

Sentada no banco da agitada praça, sem admirar como antes a beleza da

natureza, o show do sol se escondendo e cedendo espaço à noite, a mulher de cabelos

castanhos e olhos atraentes mantinha o rosto escondido, depois de tanto relutar cedeu

às lágrimas.

Marcos era um rapaz de valente espírito, sempre esperançoso, sempre buscando

crer na melhor das situações, sempre procurando nos problemas um belo

aprendizado. Possuía a querência de muitos, contagiava a tantos com sua maneira

espontânea e sonhadora de viver: se quisessem um conselho, o procuravam; se

precisassem de um conforto era nele que encontravam.

Amava viver. Amava fazer a diferença na vida daqueles que se permitiam à sua

companhia.

No entanto, fugia do amor.

Sim, não acreditava no sentimento que arranca suspiros, desenha sorrisos,

aquece corações e consola almas, sabia que esse mesmo sentimento causava dores,

frustrações, amargos sofrimentos àqueles que nele confiavam cegamente.

Vivia outros amores.

Não o romântico.

Isso porque não encontrara a pessoa que faria seu coração pulsar de uma forma

diferente.

Sorridente, como sempre estava, caminhava pela inspiradora praça de cabeça

erguida, olhos atentos aos espetáculos que Deus garantira aos homens, olhos atentos a

quem precisasse de um cumprimento, olhos que se atentaram à moça solitária que

parecia distante, parecia submersa a prantos incômodos.

— Seria muita ousadia de minha parte oferecer a essa perfeita obra de arte as

rosas que merecem? — prostrou-se perante Luana como os nobres cavalheiros,

estendeu-lhe os ramos que montara em poucos minutos.

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41 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Surpresa, a jovem voltou em si, tomou noção da realidade, perdera o controle

sobre o tempo divagando em tantos pensamentos, percebeu que as estrelas já

despontavam.

Notou também os alegres olhos azulados que lhe eram dirigidos.

— Obrigada... — abriu um discreto sorriso aceitando as flores.

— Sei que esse riso é pura educação, não engane a mim, sou fascinado por

sorrisos e tenho certeza de que o seu é melhor do que isso — estava apenas sendo ele

mesmo, queria garantir contentamento a alguém visivelmente abalado.

— Sorrisos verdadeiros só podem ser dados quanto temos motivos verdadeiros,

certas coisas não conseguimos mudar... — desabafou mantendo-se na tristeza que a

perseguia.

— E se os motivos tiverem que ser criados por nós? — ligeiro, sentou-se ao lado

da moça, permitiu que o perfume amadeirado a alcançasse —. Quando era criança

chorava como um doido quando caía e via todos rirem, depois, aprendi a afastar a dor

gargalhando de mim mesmo, por que seria o sofredor da minha história se posso ser o

palhaço? — tirou do bolso uma foto de quando era mais novo, franzino, um menino

assustado —. Parecia o patinho feio — disse com piedade —. Mas se eu não

aprendesse a me valorizar nunca seria esse cisne maravilhoso! — colocou-se em pé

outra vez, através de sua ingênua e despretensiosa exaltação pôde inspirar o sorriso

mais espontâneo na face de Luana —. Era disso que estava falando, seus lábios

desenham curvas embriagantes...

Tímida, a mulher abaixou o rosto.

Mas o rapaz o ergueu.

— O que aconteceu?

— Traições. As pessoas nos decepcionam...

— Perdoe-me, donzela, mas quem a feriu dessa forma merece o prêmio de

jumento do ano — foi simplesmente franco —. Não vale a pena se lamentar por

jumentos, vale?

— Eu o amava...

— Ama, amou e amará. É assim mesmo. Nem sempre reconhecerão o nosso

valor, mas em algum lugar há alguém digno de receber a sua confiança!

Depois daquele dia nunca mais deixaram de se falar, construíram uma vida

juntos, escreveram memórias que jamais seriam apagadas.

— Foi ali, foi ali que me salvou... — já avançada no tempo, com os cabelos alvos

e a voz trêmula, sempre que passava pelo banco onde esteve sentada Luana declarava

tais palavras.

— Seria digno do prêmio de jumento do ano se permitisse que escapasse... —

Marcos perdera o vigor da juventude por conta do tempo, mas nunca a essência que o

marcava na vida das pessoas —. Fui salvo também...

Em uma simples conversa entre desconhecidos nasceu um verdadeiro amor.

Quantas oportunidades são perdidas por aqueles que preferem manter o semblante

fechado a descobrir novos sorrisos?

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42 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Se soubesse...

Se soubesse que a vida passa como num conto ligeiro e que o presente, como

num piscar de olhos, se transforma no distante passado, teria valorizado mais os

momentos de companhia, de alegria, de satisfação, de amor. Teria vivido cada dia

como se fosse o derradeiro, aquele que se encerrará anunciando que jamais retornará.

Teria aproveitado as horas, não apenas as horas, teria saboreado os segundos como se

experimenta a mais gostosa sobremesa. Teria vivido de verdade.

Quantos sorrisos deixou de dar por ser orgulhoso demais? Quantos abraços

negou em nome de sua aparente perfeição? Quantos amigos afastou por acreditar ter

em suas mãos a soberana razão? Quantos amores deixou esfriar por não saber como

alimentá-los? O quanto insistiu na tolice ao ponto de deixar escapar o coração que

para sempre possuiria?

Agora, já velho, indo para frente e voltando para trás, sentado naquela cadeira

costumeira, observando as gotas pesadas que do telhado caíam e soava o impacto

contra as poças formadas, escutando as trovoadas severas daquele fim de tarde em um

verão atípico, Eliseu assistia ao filme de sua vida. Muitos erros. Poucos acertos.

Negligências. Posturas erradas. Não era mais o de antes, não era mais o empresário

rodeado por amigos, cercado por tanta gente, agora vivia solitário, sentia o desprezo,

colhia os frutos de uma plantação mal feita.

Queria voltar ao passado. Queria dizer aos amigos que os amava mais que

qualquer fortuna. Queria dizer aos filhos que eram mais importantes que qualquer

negócio. Queria dizer à esposa que era apaixonado ao ponto de abandonar sua

própria ganância a fim de tê-la em seus braços eternamente.

Mas já era tarde.

Tratou as pessoas como simples marionetes, usava-as e descartava-as em nome

de seus interesses, colocou acima de qualquer sentimento sua adoração à riqueza

material, esqueceu-se de que da vida só levamos o amor que doamos.

Seu dinheiro não lhe daria novas oportunidades. Suas propriedades não seriam

capazes de pagar uma viagem ao passado. Sua fortuna não era o bastante para

comprar perdão, amor e companheirismo. Teve a oportunidade de, gratuitamente,

enriquecer-se dos valores da alma, adquirir espaço no coração de pessoas

importantes, mas preferiu investir seu interesse nas coisas momentâneas e

corruptíveis. Achou que “ter” e “poder” lhe dariam o que quisesse.

Restava-lhe apenas arrependimento. Em seus últimos dias de vida provava de

afastamentos, esquecimentos. Não tinha com quem conversar. Não tinha com quem

dividir suas angústias. Estava pobre de espírito, miserável de amor, infelizmente a

culpa era apenas sua.

Se soubesse, teria feito diferente...

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43 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Tenha Misericórdia!

De cabeça baixa, olhos estáticos, pensamentos distantes, caminhava pelo prédio

que cheirava a castigo, que soava maldade, que abrigava gemidos de dor, gritos de

ordem, ouviu em seus ouvidos um doce pedido, o que machucava sua alma,

desmantelava seu coração.

“Tenha misericórdia, pai...”

Roberto era um metalúrgico muito exigente em seus relacionamentos, cumpria

acordos, zelava pela confiança das pessoas e prezava por manter as boas aparências

diante da sociedade. Era um homem rígido, um tanto machista, de sua forma confusa

amava a esposa, quem recebia seu amor de forma nítida era Paco, o filho com o qual

muito se divertia, do qual esperava se orgulhar grandemente, naquele que colocava

expectativas para que se tornasse um grande e honrado homem.

Além de metalúrgico, era um brilhante carpinteiro, bastante requisitado em sua

região, possuía clientes em lugares longínquos, sua fama corria pelos móveis que

produzia, não deixava de ensinar ao filho a atividade que aprendera de seu pai que

aprendera com o avô que fez questão de suplicar para que a tradição jamais se

acabasse.

Paco crescia como qualquer criança, cheio de energia para aventuras, disposição

para descobertas e com uma sensibilidade incrível para ajudar o pai nos detalhes que

embelezavam as cadeiras, ornamentavam as estantes e deixavam irrecusáveis os

bancos de balanço. O talento corria em sua veia de uma forma muito mais sofisticada.

Tornou-se um adolescente adorável, querido entre os amigos, estimado pela

vizinhança e admirado pelos parentes, sempre disposto a ajudar, a estender a mão

inclusive aos que o pai considerava indecentes e por esse motivo ouvia sermões cujo

significado não conseguia encontrar, em seu coração acreditava que todas as pessoas

eram dignas de amor.

Amadureceu.

Por volta dos dezessete anos fez uma descoberta que mexeu com o seu ser, que

atraiu pensamentos turbulentos e criou inúmeras dúvidas, incertezas e fez nascer um

medo que jamais imaginou sentir: medo do próprio pai.

Quanto mais o tempo passava mais se sentia sufocado e angustiado por guardar

um segredo que se tornava insuportável de manter, por guardar um segredo que

transformaria o modo de muitos o enxergarem, que em alguns despertaria repulsa,

em outros espanto, tinha a noção de que poucos o apoiariam em sua essência, naquilo

que ele era, mas precisava negar.

Nunca foi de esconder a verdade.

Nunca foi de viver escondido dos pais algo que quisesse.

Sempre confiou neles para qualquer desabafo.

Confiaria mais uma vez.

Sentados ao redor da mesa, curiosos pelo que Paco tinha a declarar, imaginando

até mesmo que o filho conquistara alguma bolsa pelo ótimo desempenho escolar, seus

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por Amilton Júnior

pais balançavam as pernas, sorriam ansiosos, se incomodavam pelo tamanho suspense

criado.

— E então? — Roberto questionou —. O que é de tão importante para nos

reunir dessa forma?

— Primeiro quero que saibam que meu amor por vocês é maior que qualquer

desejo, supera qualquer outro sonho e por isso preciso ser transparente, verdadeiro,

preciso confiar a vocês cada passo que pretendo dar, cada conquista que venha a ter,

sempre moraram, moram e morarão no meu peito — os olhos esverdeados não

puderam conter as discretas lágrimas que atravessaram o sutil sorriso.

— Também te amamos, meu querido, sempre poderá contar com o nosso apoio

nos caminhos que deve seguir — Eunice, a sensível mãe, acariciou as mãos do filho,

ofertou seu olhar de compreensão, acima de tudo queria vê-lo feliz.

Roberto, no entanto, percebendo o teor sentimental daquela conversa, preferiu o

silêncio, preferiu avaliar com cuidado tudo o que ouvia, criava hipóteses, não eram as

melhores.

— Tem sido muito difícil tomar a decisão de revelar a vocês o que está aqui

dentro, o que todos os dias me pressiona a contar a verdade, a desabafar meus

intentos, tem sido cansativo guardar um segredo que não aguentaria ocultar por

muito tempo, esconder algo que faz parte de quem eu sou, do que represento, do que

quero viver.

— Aonde quer chegar? — a grave voz do pai soou imperativa.

Paco gaguejou.

O pranto travou sua garganta.

Os lábios estremeceram e o coração balançou.

As mãos foram recolhidas.

Os ombros encolhidos.

O rosto abaixado.

— Paco... — Eunice já sabia, ninguém precisou lhe contar, sempre soube a

verdade oculta, não se deixou dominar por muitos conceitos que julgava inúteis,

abrir-se-ia ao filho, seria a mãe que ele precisaria.

O jovem garoto ergueu a face.

As lágrimas o tomavam.

— Vocês sabem — a voz fraquejou —. Eu não preciso dizer...

A louça saltou.

A mesa foi duramente golpeada.

Bufando iradamente, passando a mão sobre os olhos como se a visão estivesse

agarrada, sem conseguir ordenar os furiosos pensamentos que subiam à sua mente e

aceleravam o coração, Roberto dirigiu o olhar severo ao filho, esqueceu-se do quanto

o amava, das alegrias que conquistara, dos elogios e parabenizações que recebia por

ser o pai de um jovem tão querido e admirado, encarava-o como se fosse um

abominável inimigo.

— É a sua escolha?

— Eu não escolhi... Apenas sinto... — respondeu em lamento.

— Não pode estar falando a verdade, precisa ser muito imbecil para dizer uma

coisa dessas olhando para a minha cara, quem colocou isso na sua cabeça? — não

aceitaria, se recusaria ao que tinha por humilhação, demonstraria toda a repulsa que

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era capaz de sentir —. Quem foi que o encheu de dúvidas perversas? — segurou o

braço do filho, pressionava-o com determinada força, queria mais que tudo estar

passando por um pesadelo, queria despertar e perceber que tudo não passava de um

sonho maldito.

— Não são dúvidas, é a verdade que está dentro de mim, ninguém precisou me

manipular ou seduzir, descobri por mim mesmo! — não acreditava que pudesse ser

tratado como um criminoso apenas por ser diferente da maioria, mesmo com todo o

amor que compartilhava agora era visto como um terrível meliante.

Um tapa.

Na face.

Paco caiu da cadeira.

Eunice se levantou na intenção de conter o esposo.

— Roberto, precisa se acalmar, precisa entender que nossos filhos seguem

caminhos opostos aos nossos, não são como nós, possuem os próprios meios para

serem felizes e se sentirem realizados.

— Não... Meu filho não me garantirá tal desgosto! — a voz soava firme e fria,

impiedosa.

— Que desgosto, meu esposo? Todos o amam, chegam a dizer que o desejavam

ter como filho, vai deixar que uma ignorância ultrapassada seja maior que todo o

orgulho que ele nos dá?! — tentou convencer, mas foi empurrada.

— Sabe o que penso de pessoas como você, não sabe? Para mim são como

vermes capazes de nos garantir as piores doenças, as mais humilhantes vergonhas, são

dignos de serem extirpados! — levantou o filho pelo colarinho, fixou os olhos

ardentes contra os assustados, intimidava-o grandemente —. Vou lhe dar a última

oportunidade para que volte atrás e me prometa manter essa loucura bem escondida!

Paco permaneceu em reflexão, não seria capaz de se esconder atrás de uma vida

que não lhe pertencia, não poderia viver episódios que a sociedade esperava, seria

infeliz, faria outras pessoas infelizes, não conseguiria negar quem era.

— Somos diferentes, nenhum de nós é completamente igual e as pessoas

precisam entender que nem todos trilharão pelo mesmo caminho, não teremos os

mesmos pensamentos, sempre divergiremos em algum ponto... Não posso prometer o

que não serei capaz de fazer.

— E eu não passarei pelo que não posso suportar — jogou o filho contra o chão,

subiu em seu corpo, passou a distribuir socos ferozes —. É isso o que merecem! —

gritava em meio ao choro de raiva —. Custa controlar seus desejos doentios? Custa

não se transformar em um animal desprezível? — mantinha-se nas agressões —.

Prefiro ter um filho morto a servir de zombaria!

Sentindo o coração arder, vendo o filho se debater sem conseguir liberdade,

recebendo hematomas pelo corpo, tendo o resto deformado por feridas desumanas,

cuspindo sangue e quase engasgando com ele, Eunice avançou contra as costas do

esposo, mas foi assustadoramente lançada para trás pelo homem descontrolado, bateu

a cabeça contra a parede, caiu desmaiada.

Paco não aguentava mais.

Sua alma ardia em indignação.

— Tenha misericórdia, pai... — foi a última súplica.

— Vá para o inferno!

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46 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Os portões se abriram.

O homem cabisbaixo cumprira toda a pena.

Não era mais castigado pelos homens por um assassinato frio e sem

justificativas.

Mas sua consciência era oprimida por enorme culpa: não soubera amar quem

acreditava no seu amor, não pôde aceitar quem compartilhava do seu sangue, antes se

vestiu de arrogância e destruiu o próprio filho, o único que em todos os momentos

estaria ao seu lado, em nome de preconceitos e da preocupação com o que os outros

falariam, outros que nunca mais o procuraram, que esqueceram sua existência.

Não suportava aquela culpa.

Esperou anos por aquilo.

Subiu no edifício abandonado.

Jogou-se da altura de mais de cem metros.

“— Tenha misericórdia, pai...”

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47 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Trágico Amor

O amor, para alguns, representa satisfações, conquistas, vitórias que se

eternizarão em suas vidas e garantirão momentos de paz, no entanto, para outros, o

amor pode atrair dores, amarguras e insuportáveis sofrimentos, lágrimas inesgotáveis.

Como isso é possível? Como pode um sentimento tão nobre, tão soberano e

poderoso causar tantas guerras? Sofia jamais compreenderia a razão pela qual era

punida por amor, mas também não deixaria de por ele lutar, nunca desistiria de

satisfazer sua alma a partir do único alimento suficiente. A filha do poderoso barão de

Montes Claros era apaixonada por Arthur, um pobre escravo.

Aquele romance fatal, potencialmente trágico, não começou de repente, através

de uma simples troca de olhar, tudo teve início quando as jovens crianças, puras de

quaisquer ignorâncias, preconceitos e segregações, compartilhavam de uma bela

amizade. Eram grandes amigos. Eram sinceros amigos. Só não compreendiam o

porquê de precisarem esconder a realidade dos olhos invejosos, maldosos e perversos.

A baronesa sabia.

A mãe do escravo também sabia.

Mas concordaram em esconder a verdade. Não foram capazes de afastar duas

ingênuas crianças que só almejavam união. Não foram capazes de combater a

humanidade que permeava ambos os corações. Não seriam as responsáveis por

decepções evitáveis. Não colaborariam para que a prepotente arrogância humana

colecionasse mais vítimas.

O tempo se passou.

Os dias correram.

Mas o sentimento não acabava, ao contrário, se intensificava e atribulava as

pobres mães que não tinham forças para descobrir o véu da crueldade. Porém a

verdade se manifestou, os adolescentes viram que entre eles havia um abismo enorme,

uma diferença gritante, não eram da mesma classe, não faziam parte do mesmo

grupo, eram proibidos de viverem como iguais.

Contudo o preconceito não era mais forte que a amizade genuína que os

envolvia, não foi empecilho para que permanecessem naquele saudável

relacionamento, para eles não existiam diferenças, pouco importava a falsa soberania

que uns sentiam possuir sobre outros. Recusaram-se às falácias, consideravam-se

iguais.

A adolescência. Foi na adolescência que Arthur descobriu outra verdade em um

dos encontros secretos com sua melhor confidente. Estavam à beira do riacho, jogando

pedras sobre o rio, assistindo-as saltitarem sobre a superfície da água, quando o

escravo, com tantos sonhos aprisionados em seu peito, teve os olhos descamados,

abertos, descobriu o amor.

— Vale mesmo a pena correr tantos riscos por alguém como eu? — lançou a

inesperada indagação, encarou os olhos castanhos firmemente, esperaria por uma

decisiva resposta —. Meu povo é visto como inferior, é tido como nojento, faço parte

dele, sei que tais afirmações não passam de mentiras e jamais o negarei, nunca

deixarei aqueles que fazem parte de mim e nem esconderei quem sou. Mas e você?

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48 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Por que insiste nisso? É livre para escolher caminhos melhores, é livre para evitar

atritos com aqueles que nos torturam. Por que não se veste de sensatez? — as palavras

soaram diferentes, estavam firmes, frias, precisavam ser assim.

Sofia refletiu sobre cada questionamento. Entendeu a colocação do querido

amigo, compreendia suas insatisfações, concordava que injustiças impiedosas o

cercavam fervorosamente. Mas não o perderia, nunca, nem que perdesse a vida.

— Conhecemo-nos por tempo suficiente para que soubesse que não me

contamino por pensamentos medíocres, ditados por homens oportunistas que à custa

dos outros procuram por sua própria ascensão — observava o semblante atento,

observava-o de forma diferente, não via mais Arthur como amigo de infância, aquele

menino destemido com o qual vivera tantas aventuras, a visão era outra —. Sempre

defenderei a dignidade do ser humano, se ainda não iniciei a luta por libertar o seu

povo é por não me sentir preparada, mas não há uma noite que eu me deite, procure

pelo sono e deixe de lamentar a perversa realidade à qual foram obrigados viver. Não

há sequer uma noite que eu deixe de pensar em como garantir a alguém que tanto

gosto uma vida digna! — descobriu que o sentimento de compaixão que ardia em sua

alma não era consequência de uma amizade infantil, era amor, confessou que o

amava.

O coração do jovem escravo, cheio de tantas incertezas, palpitou forte,

estremeceu surpreso, o sorriso que brotou em seus lábios eram de um alívio

prazeroso, uma libertação almejada.

— Mas meus questionamentos não acabam aqui, há um sentimento maior, uma

força que me oprime todos os dias e eu preciso confessar meu segredo —

impulsionado, conteve as delicadas mãos de Sofia, sentiu-se embriagado naquele

momento revelador —. Foi amizade, foi intensa e foi verdadeira, foi o que nos

aproximou a cada dia e fortaleceu nossos laços, mas há muito deixou de ser uma

simples amizade, há muito me sinto diferente quando ouço sua voz, estou apaixonado,

mais que isso, estou amando, preciso saber se é capaz de me aceitar...

A felicidade estampada na face da sonhadora garota entregava sua resposta,

declarava seus intentos, talvez aquele sentimento fosse recíproco.

— Demorou demais para que percebesse o mais visível dos segredos, talvez

tenhamos escondido de nós mesmos, negamos em nossos próprios corações a verdade

que nos aflige, mas não há o que negar, não há o que recusar e nem adiar. Quem pode

contra o coração? — seu olhar lacrimejado não desviava de Arthur, alguém que se

revelava seu maior tesouro —. É claro que o aceito, mas essa não é a questão, você me

aceitaria sabendo o preconceito que me cerca? Estaria disposto a lutar ao meu lado?

As palavras não foram reveladas.

O beijo intenso e desejoso falou por elas.

Os dias se passaram.

Os planos foram arquitetados.

Mas por um descuido fatal foram descobertos, oprimidos e presos, escondidos da

sociedade, escondidos dos olhos abertos, fadados a aguardarem por um julgamento

que os condenaria pelo crime de amar.

Não queriam se separar.

Não suportariam viver sem que ao lado tivessem o amor.

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49 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Encararam-se.

Deitaram-se um sobre o outro.

E morreram.

Eternizaram-se tragicamente, alcançaram seu desejo e se libertaram de

opressões injustas, covardes, mesquinhas. Mas os opressores seriam punidos por

matarem o amor.

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50 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Vazias de Amor

Dizem que nada pode durar para sempre, que as coisas mudam, desaparecem e

perdem seu gosto. Dizem que as pessoas enjoam do que conquistam e deixam de lado

tudo aquilo que para elas já não possui valor. Dizem até que o amor pode chegar ao

fim.

Discordo. Não acho que o amor seja tão comum, tão usual quanto os valores

terrenos ao ponto de se esgotar, de perder seu prestígio, de perder o seu brilho e o seu

sabor em nome do desgaste chamado tempo. Para mim o amor é eterno.

Ao contrário de Deus, que depende apenas Dele mesmo para se eternizar, o

amor depende do interesse, da retribuição, da manutenção, da valorização daqueles

que se dispuseram a vivê-lo. O problema é que ninguém quer se esforçar, ninguém

analisou ainda que é a partir do esforço que conquistamos os maiores valores, e depois

reclamam, insultam a nobreza de um sentimento precioso, dizem que por sua causa

sofreram amargamente.

Fui acompanhado pelo amor desde a juventude. No ápice da adolescência,

naquele momento de experiências e descobertas, quando nossas mentes constroem o

cenário do Futuro e as cenas do Porvir, apaixonei-me perdidamente por uma garota

especial. Ela era linda! Sua fala sutil envolvia meu coração, seu toque sublime era

conforto à minha alma. Se em um primeiro momento me vi preso por sua beleza

exterior, descobri que seu interior era ainda mais belo... Eu não era um simples

apaixonado, era um amante enlouquecido.

Acham que foi fácil conquistá-la? Entendo vocês, pobres jovens, mirados por

tantos medos, pensar que se assumisse meus sentimentos à Helena causaria seu

afastamento amedrontava esse velho que vos escreve, mas o desejo era forte, a vontade

de tê-la somente para mim se tornava insuportável, no dia em que a beijei

amorosamente e arrisquei todo o Futuro fiz uma descoberta inigualável: meus anseios

também eram os dela.

Ah... Nossa época de namoro foi maravilhosa. Se o tempo nos permitisse voltar

atrás nunca mais sairia de lá. Vejo os casais atualmente, quanta frieza, quanta

superficialidade, muitos não amam a pessoa, amam o status, amam o prestígio que é

anunciar “fulano de tal é meu namorado” apenas por beleza ou por riqueza, amam

lotar o famoso e complicado Instagram de fotos desenhando uma vida vazia e fria.

Namorei de verdade e ninguém precisou ficar sabendo, para mim bastava que Helena

soubesse o tamanho do meu sincero amor.

Teme o casamento? Muitos o temem, dizem que é nele que descobrimos a

verdade sobre quem está ao nosso lado, dizem que nele os sentimentos se esfriam. Não

acreditem nessas mentiras, foi o casamento que me deu meus maiores presentes: filhos

queridos, família dos sonhos. Se enfrentei brigas? É claro que sim, a convivência

humana não é fácil, mas nunca me deitei sem pedir perdão. Se eu me incomodava por

assumir a culpa mesmo sendo inocente? É claro que não, a vida é ligeira ao extremo

para perdermos tempo com mágoas, além disso, quantas vezes Helena não fez o

mesmo? Casamento é isso, é uma união, um acordo sagrado, às vezes um cede e em

outras o outro é flexível.

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51 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Hoje não tenho mais a minha amada, guardo sua memória, guardo suas doces

lembranças. Orgulho-me por saber que estive ao seu lado mesmo quando ela não

sabia mais quem eu era, mas sei que seu coração nunca me esquecera. O que

concluo? Hoje ninguém mais quer amar, ninguém mais se importa em fazer o outro

feliz, o amor tem sido trocado por aventuras e os seres humanos têm se vendido por

tão pouco... O resultado? Pessoas vazias, vazias de amor!

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52 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Acorrentados

Há muitos anos, em uma sociedade com rígidas e resistentes regras, existia uma

jovem chamada Luara. Filha do mais poderoso barão, cobiçada pelas mães de tantos

rapazes predestinados a assumirem os negócios de suas famílias, era também alguém

de revolucionário coração que, cansado das ordens injustificáveis, anseia por alterar

tudo que foi construído ao longo das gerações.

Mas como combater?

Como deixar de ser vista como mero objeto nas mãos de homens opressores e

arrogantes? Como convencer as caladas mulheres quanto aos direitos e à dignidade

que mereciam apalpar? Como se levantar diante toda uma civilização escrava de

discursos dominadores e ultrapassados?

Sentia-se fraca diante enorme desafio.

Até conhecer o formoso, gentil e humilde Lucas.

Apesar de conhecerem a lei que os governava, os jovens apaixonados não

ousaram confrontar o imbatível amor que entre eles nascia e os envolvia, seria inútil,

cansativamente inútil buscar fugir do inevitável.

Entregaram-se aos sentimentos.

Deixaram-se levar pelas muitas e intensas emoções.

A cada dia suas almas se conectavam mais e mais.

Porém, o mesmo amor que nos fortalece e enche de coragem para que vençamos

quaisquer estigmas, é o que nos impossibilita de imaginar as consequências das

escolhas que fazemos em nome de um sentimento tão devastador quanto ele.

Esqueceram-se de que forças fatais os rondavam.

Subestimaram a capacidade dos maldosos em descobrirem o romance que tão

intensamente às escondidas viviam.

Augusto, o terrível barão, não demorou a descobrir os passos da filha que

prometera a uma família influente, jamais voltava atrás em seus acordos e em

nenhuma hipótese permitiria que o forçassem a posturas contrárias ao que

previamente firmou. Evitou escândalos e discussões, evitou revelar o que sabia, apenas

marcou um jantar no qual oficializaria o destino da jovem mulher.

— Não há mais o que esperar, nossos filhos são dois adultos e nem vimos o

tempo passar, é chegada a hora de combinarmos o casamento — sem qualquer

cerimônia o barão informou sua decisão —. Luara, eis o seu esposo.

À mesa, ninguém questionou, ninguém se quer vestiu um semblante de espanto,

pena ou repulsa, reagiram da forma mais passiva e conformada possível, afinal,

sempre foi daquele jeito, sempre os homens ditavam a vida de suas mulheres tidas

como simplórias propriedades.

Lembrou-se de Lucas.

A revolucionária, pela primeira vez e para espanto dos presentes, levantou-se

bruscamente, encarou o pai com severidade, desafiaria o ultimato patriarcal, agrediria

os valores de uma sociedade estagnada.

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53 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

— Quando fui questionada quanto a minha intenção de casar-me? Em nenhum

momento! Por qual razão acreditou que decidiria algo tão importante que diz respeito

somente a mim?! Recuso-me a continuar no silêncio. Viver infeliz jamais será o meu

propósito!

— Aconselho que reavalie suas palavras e procure ouvir o que diz antes de

pronunciar qualquer fala, não pedi sua opinião, que manifeste seus pensamentos,

apenas comuniquei algo que tenho todo o direito de decidir e não será você quem

mudará isso!

— Sempre há uma primeira vez para tudo, o que nunca imaginei é que seria a

primeira a contestar suas ordens, não haverá casamento e se não quiser ser motivo de

falatórios por conta do escândalo que causarei, acatará minha decisão! — lançando os

talheres sobre a mesa deixou o ambiente, ficou o silêncio e a surpresa naqueles que

assistiram à cena tão anormal.

O barão, no entanto, jamais se rebaixaria às ordens de uma mulher, nem que

fosse a própria filha, alguém que compartilhava do seu sangue e não pouparia

esforços até que suas determinações fossem fervorosamente seguidas.

Adentrou os aposentos de Luara tão logo os convidados se retiraram.

Encarou-a diretamente nos olhos.

— Dê-me um bom motivo para reconsiderar meus conceitos — a voz grave

soou aos ouvidos sensíveis.

— Dizer que a vida pertence a mim e que, portanto, sou dona dos meus próprios

caminhos não é o bastante? — não se intimidou, falou ao pai de igual para igual.

— Lembra-se de quando me viu caçar e do quanto implorou para que eu

poupasse a vida de um simples e inofensivo coelho? — o barão trouxe à tona uma

antiga lembrança.

— É claro...

— Não queira assistir ao mesmo evento outra vez, garanto que já não atenderei

ao seu clamor e o seu bichinho adorável será privado de ver o dia amanhecer —

apertou a perna da filha com força o bastante para lhe causar angústia, deixar seu

aviso —. Sabe do que estou falando, meus olhos tudo percebem e meus ouvidos tudo

escutam...

A ameaça estava feita.

A perigosa ameaça.

Lançando pedras sobre o rio e vendo-as afundarem tão logo tocavam a

superfície da água, Lucas escutou os passos sobre as folhas caídas ao redor da mata,

aguardava por eles, não hesitou em receber a amada com o beijo quente de todos os

encontros.

Ciente de que aquela era a última demonstração de afeto, Luara se entregou aos

lábios do galanteador rapaz, até que se afastou bruscamente, empurrou o amante para

trás e, com os olhos marejados, proferiu as palavras que pensou nunca declarar.

— Temos que nos separar...

Lucas não compreendeu de imediato, encarou a mulher pela qual se apaixonara

exibindo confusão no olhar, como duas pessoas que se amavam daquela forma teriam

que se afastar de repente? Seria isso possível? Claro que não!

— Por que disse isso?

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54 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

— Se quiser continuar vivo terá que me abandonar... — não resistia aquela

insuportável distância, rendeu-se ao abraço afetuoso e protetor do único capaz de lhe

garantir segurança e paz, permitiu que as lágrimas caíssem bruscamente —. Ele

exigiu que me casasse com alguém que nem conheço, sabe sobre nós e prometeu que

o machucaria se eu me recusasse às suas ordens. Não suportaria essa culpa. Não

sobreviveria sabendo que sofreu alguma dor por me amar. Prefiro vê-lo vivo, nem que

para isso precise renegar minha própria felicidade!

O jovem comerciante, alguém de espírito trabalhador e coração aplicado,

apertou o que poderia ser o derradeiro abraço, intensificou-o, sentiu as lágrimas

densas molharem sua camisa.

Mas não desistiria daquele amor.

E se Luara o amasse de verdade também não desistiria.

— Pode parecer loucura, uma decisão difícil de escolher, mas tenho a solução.

Se aqui não podemos nos unir que outro lugar nos conceda essa dádiva! Estou disposto

em fugir com você e cumprir a mais importante das promessas que fiz, fazê-la a mais

realizada de todas as mulheres!

Partir a destinos desconhecidos, deixar para trás uma história vivida, afastar-se

de pessoas que valiam à pena. Tudo isso pesou no coração da jovem mulher que não

se deixou abalar por inseguranças, queria ter o amor de Lucas, desejava amá-lo por

todo o sempre. Ciente de que sua escolha a forçaria a importantes renúncias, a filha

do temido barão aceitou a proposta, quem sabe um dia teria a chance de retornar e

mostrar o quanto era feliz? Naquele momento o que de fato importava era viver seu

maior sonho.

Na calada da noite, quando todos deveriam estar rendidos ao cansaço, Luara

escalou as paredes da fazenda, libertou-se da prisão que a impossibilitava de uma vida

plena.

À cavalo, Lucas a aguardava.

Cavalgariam contra o vento.

Partiriam rumo ao amor.

Tão logo adentraram a estrada ouviram disparos violentos.

Assustado, o animal passou a ignorar os comandos do cavalheiro, penetrou a

mata à procura de refúgio, quando finalmente se acalmou voltou a dar atenção às

investidas de seu dono.

Luara gemia.

Suas vestes estavam manchadas.

Seu corpo tremulava e suava.

Enfraquecia.

Fora atingida.

Com a ajuda do lampião que garantia luz em meio à escuridão, Lucas acolheu a

namorada em seus braços, sentou-se sobre a relva, repousou o corpo que desfalecia

em seu colo, identificou que o disparo fora direto ao peito da amante, um disparo que

deveria tê-lo atingido.

— Precisamos voltar... — contra sua vontade as lágrimas rolavam desesperadas

—. Você precisa de um médico!

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55 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

— Não, não há o que fazer... — com dificuldade para respirar, Luara abriu um

sorriso gentil, seus olhos se esforçavam por contemplar o rosto do bondoso rapaz, a

última visão que teria —. Não daria tempo... — gemeu pela fisgada que sentira.

— Precisa ser forte! — tentou erguer a jovem, mas ela já não conseguia reagir

—. Precisa continuar ao meu lado...

— E eu estarei... — tocou o peito do estimado guerreiro, alguém que nunca a

decepcionaria —. Não deixe de acreditar no que vivemos e ajude outras pessoas a se

libertarem da opressão, sabe que esse sempre foi o meu sonho, ser livre, livre para

amá-lo... — as mãos frias tocaram o rosto molhado por lágrimas, era o derradeiro

toque —. Partirei feliz...

A mão perdeu sua força.

Angustiado, Lucas deitou-se sobre a mulher.

Jurava vingança em meio ao pranto.

Unir-se-ia a tantos outros injustiçados para que as correntes fossem

arrebentadas.

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56 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Sorriso Fatal

O pintor agachado se levantou tranquilamente com as mãos ensopadas pelo

líquido vermelho, parecia ter derramado toda a tinta sobre o carpete, uma forma

estranha de exercer o adorável talento. Ao som da 9ª Sinfonia de Beethoven, como se

regesse para a volumosa e enérgica orquestra que com tanto afinco executava cada

importante figura musical expressa na admirada partitura, o artista não usava pincéis,

sua arte era feita com as próprias mãos, os dedos davam a liberdade para que sua

imaginação fosse expressa.

A pintura abstrata não fazia sentido a quem contemplasse.

Porém, para o focado pintor, era mais que uma perfeita obra, ali eternizava a

história de alguém.

Antes de tudo...

Jake Summers era um homem absurdamente sedutor, ao ponto de causar ciúmes

em muitos amigos e êxtase em tantos admiradores. Seu porte atlético e seus olhos

vorazes juntavam-se à forma desleixada de pentear os fios castanhos, parecia não se

importar com a aparência, porém a pele invejavelmente lisa e bronzeada derrubava

por terra tal hipótese.

Mas não era apenas um rostinho atraente.

Destacava-se como o mais talentoso TI da região, bastante requisitado por

empresas poderosas, o trabalho independente lhe garantia a vida de conforto muito

cobiçada.

Tinha um defeito.

Como tantos outros de seu naipe.

Não dispensava as oportunidades para uma noite de lascívia e quando se atraía

por alguém não sossegava enquanto não o experimentasse.

Na atual empresa para a qual prestava serviços não foi diferente, seus olhos se

voltaram à gerente, viu-se perdidamente desejoso por ela, precisava possuí-la,

necessitava satisfazer seus anseios, encontrar a parte que lhe faltava.

Jessica Taylor era uma mulher confiante que com coragem assumiu um dos

postos mais altos, embora muitos acreditassem que a beleza exuberante fora a

responsável por tão invejável ascensão, mas ela sabia que não, cada conquista

abraçada envolveu muito esforço e dedicação.

A morena de longos cabelos não economizava no perfume, passava e deixava

rastros, aproximava-se e já alarmava os curiosos encantados, fazia fechar o cenho

daqueles que a tinham por rival. O olhar cativante esbanjava beleza rara, as íris que

mais pareciam um par de esmeraldas colocadas como ornamentos na face sutil

chamavam ainda mais atenção.

Contudo, nos últimos dias, vinha sentindo-se cansada pela correria do trabalho,

pelo peso das muitas responsabilidades e dos diversos problemas que recaíam sobre

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57 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

suas costas. Sentia falta de ter um tempo para se divertir, esvaziar a mente, tempo que

parecia impossível de recuperar.

— Está atrasada! — seu superior a importunou no escritório —. Eu falei! Falei

que seria um erro dar a vaga de gerente a uma... — pressionou fortemente os lábios.

— A uma mulher? — Jessica concluiu —. Agora entendo qual estratégia tem

utilizado, como fui ingênua! — sorriu indignada —. É só mais um machista frustrado,

não aceita que mulheres ocupem cargos de liderança e me sobrecarregou na intenção

de provar seus argumentos! — encolerizou-se —. Pois então terá que encontrar

alguém com o mesmo talento e empenho, reconheço meu valor e garanto que não será

fácil me substituir! — saiu da presença do homem de mente tão ultrapassada sem

poupar força ao bater da porta, se por um lado sentiu alívio em saber que se livrava

do lugar que já não lhe garantia prazeres, por outro temia não conseguir novas

oportunidades. Preocupar-se-ia com isso depois, queria relaxar.

O que ninguém sabia era que dos olhos atentos de Jake nada escapou.

Quando fora a última vez que se sentou num banco como aquele rodeado por

flores e crianças que não se cansavam de agredir suas gargantas? Ele não sabia dizer,

mas repetia a si mesmo que um dia apenas não o mataria, o perfume das rosas não o

intoxicaria e os gritos infantis não sangrariam seus ouvidos, porém algo excepcional

com certeza teria início.

Fingindo ler o livro que falava sobre representatividade feminina, Jake lançava

olhares discretos ao banco que dele se distanciava no comprimento de outros três.

Observava aquela que em silêncio tinha os pensamentos cercados pela música que

somente ela conseguia ouvir. Parecia refletir. Parecia desejar por alívio. O alívio que

ele daria.

Era o momento certo.

Desejava-a. Era seu novo desafio. Sua nova motivação.

A passos tranquilos, como sempre se comportava, o belo rapaz aproximou-se da

moça atraente, sentou-se ao seu lado sem nem ao menos ter sido convidado, não

achou que fosse algum problema.

Curiosa, Jessica abriu os olhos, encarou o intrometido como se quisesse indagá-

lo, mas se calou ao assistir o brilho do sorriso alinhado, perdeu-se por alguns

instantes, há muito tempo não se encontrava com alguém que não fizesse parte do

mundo profissional que a afogava.

— Aposto que esteja meditando sobre como chegou até aqui, como foi difícil e o

quanto ainda sonha com futuras conquistas, mas se me permite dizer, mulheres como

você alcançam qualquer sonho — a voz arrastada soou sensual aos ouvidos sensíveis,

as palavras soaram surpreendentes —. É o que diz aqui — exibiu a capa do livro —.

Acredita nisso?

Jessica abriu o próprio sorriso, surpreendeu-se por encontrar alguém

interessado em assuntos tidos como feministas, ainda mais por ser alguém como o

homem desconhecido.

— Acredito que somos muito mais do que pensa ou determina a sociedade, mas

não é tão fácil demonstrar, somos subestimadas... — reclamou, alcançou liberdade o

bastante para reclamar algo que a incomodava.

— Problemas no trabalho?

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58 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

— Esse é o pior lugar para se lutar contra machistas...

— E acha que desistir é o caminho?

— Desistir? — estranhou o questionamento que definia sua decisão, tinha

mesmo desistido, mas como o rapaz insuportavelmente bonito descobrira?

— A esse horário, mulheres vestidas como você estão enfurnadas no escritório

assinando papéis e preenchendo planilhas, não perdem tempo em parques — insistia

no jeito arrastado de discursar e no modo embriagante de proferir palavras entre o

sorriso galanteador, controlava-se para não ceder aos impulsos de revelar à morena

sensual a forma como a queria, não por enquanto —. A menos que tenha percebido

que a vida é muito mais do que dias a fio atrás de uma mesa e que merece ser vivida

plenamente — levantou-se estendendo a mão —. Por que não aproveitar esse

pensamento e recomeçar?

Parecia bom demais para ser real.

Jessica decidiu desfrutar do sonho antes que fosse desperta.

Entregou-se à mão ofertada.

Talvez se arrependeria de ter encarado a realidade como uma boa fantasia.

Odiava aquele lugar, detestava aglomerações, o som de pessoas falando

inesgotavelmente como se os assuntos nunca chegassem ao fim, não entendia como

aquilo era possível, sempre procurou objetividade nas palavras exceto quando

precisava conquistar alguém como a companheira, aí se transformava num poeta que

ansioso por ser escutado recita seus versos nas praças.

Caminharam pelo parque.

Sorriram despreocupados.

Distraíam-se quanto à vida.

Ao menos para Jessica tudo era despretensioso, Jake, no entanto, sabia

exatamente a qual objetivo correr.

— E, então, valeu à pena? — o sol se escondia, Summers se despedia de sua

presa, permitiria que ela partisse, ao menos por agora, tinha paciência.

— Muito... — seduzida pelo bom papo, conquistada pela inegável boa presença,

a mulher cedia aos encantos do predador como uma ovelha inocente confia no lobo

—. Às vezes tudo de que precisamos é que alguém nos entenda e encoraje a seguirmos

nossos planos...

— Quer dizer que quer ser entendida? — trouxe a desejada morena para perto

de si, exalou o perfume amadeirado com maior intensidade, Jessica pôde sentir o calor

que dele emanava, Jake teve a certeza de que fazia mais uma vítima —. Sempre

haverá alguém que nos entenda... — beijou-a fortemente, acariciava suas costas

sedento por algo mais, provocou na mulher cegada por aparências um desejo

inconsequente. Afastou-se ofegante. Contemplou surpresa no olhar esverdeado —.

Posso estar disposto a entendê-la — partiu deixando e sentindo vontades.

As semanas se passaram, os encontros foram frequentes e os sentimentos se

mostravam cheios de intensidade, um desejava ao outro, mas apenas um confiava no

outro.

Marcaram um jantar.

Na casa de Jake.

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59 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

O especialista em assuntos de informática organizou o ambiente como assistira

em filmes românticos que tantas vezes fora obrigado a assistir com suas parceiras, o

curioso era que nenhuma delas permanecia ao seu lado, mas isso ele explicava

facilmente: não as amava como era amado, apenas ansiava por satisfazer seus desejos

carnais.

Não amava Jessica.

Como nunca amaria ninguém.

A campainha tocou.

Ajeitando os fios espalhados sobre a testa, aprumando a camisa social que vestia,

sentindo o próprio hálito e certificando-se de que estava agradável, o anfitrião abriu a

porta, contemplou a morena coberta pelo vestido marsala que destacava suas curvas,

modelava seu corpo e guiava os olhos vorazes a um ponto específico. A sedução

envolvia aquele casal.

— Você está linda... — elogiou com a voz quase ofuscada, seus pensamentos

lascivos o enlouqueciam —. Mais que todos os dias... — tocou a mão quente, trouxe

sua convidada para dentro.

— É muito gentil... — apercebida, encantou-se pela perfeita arrumação, pelas

velas que iluminavam a mesa, pelo aroma sensual que envolvia a casa e pelo perfume

ardente que do rapaz era sentido —. Não precisava de tudo isso.

— Ainda é pouco... — Jake curvou-se para beijar o rosto de Jessica, inalou o

doce perfume, segurou-a pela cintura e não conteve o impulso de farejar seu pescoço.

Fechando os olhos, suspirando como se as forças lhe faltassem, a morena

pressionou as costas do homem sedutor, senti-lo era uma sensação estonteante, algo

que não conseguiria explicar por palavras simples e usuais.

Finalmente dominava sua presa, tinha-a em suas mãos, vulnerável a qualquer

violento ataque. Abriu o zíper do vestido apertado, despiu-a exibindo todo seu anseio

por aquele momento de puro prazer. Era o que a mulher também queria. Não hesitou

em desabotoar a camisa colada ao corpo másculo arrebentando seus botões, seu corpo

estremeceu ao tocar a pele tão bem cuidada.

Jogaram-se no sofá.

O clima esquentava furiosamente.

Em algum momento Jessica pareceu distante, como se não respondesse às

investidas românticas daquele que sedento por ela a beijava calorosamente, talvez

refletisse sobre o quão insano era se entregar a quem conhecera em tão poucas

semanas, tinha medo de sofrer.

Summers percebeu.

Precisou conquistar completamente aquela que jamais deixaria sua vida.

— Eu te amo... — sussurrou firme, fez a morena se render ao momento de

intensa luxúria, quando dois corpos se complementam e se rendem ao deleite.

O jantar ficaria para depois.

O que começou na sala terminou no quarto.

Exausto, Jake se virou para o lado, não queria nenhum contato com a parceira,

nenhum vínculo, já alcançara o que queria e o que parecia um desejo incontrolável se

transformou em desinteresse.

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60 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

Mas ela jamais suspeitaria que não representava mais do que um objeto àquele

que lhe lançava palavras tão belas. Aproximou-se do namorado. Abraçou-o com

carinho.

No meio da madrugada, os olhos vorazes se abriram.

Jake se levantou, entrou no ateliê cheio de quadros, cada um com um nome

escrito no rodapé, todos com gravuras vermelhas e abstratas, procurou por uma tela

em branco, levou-a até à sala, sentou-se com o tronco nu e encarou-a com se

pensasse na próxima arte que desenvolveria, na vida que daria ao plano inanimado.

Da estante, escolheu seu disco preferido intitulado como 9ª Sinfonia de

Beethoven.

Permitiu que o toca-discos, no meio da madrugada, fizesse soar a conhecida

melodia pela casa.

— Também é pintor? — Jessica, que deveria ter fugido, ou melhor, que jamais

deveria ter cruzado o caminho de alguém como Jake Summers, adentrou a sala e

encontrou o homem pensativo —. O que mais não sei sobre você?

— Há muitas coisas que não sabemos sobre muitas pessoas, isso pode ser um

problema dependendo do ponto de vista.

— Gostaria de saber mais... — sentou-se no sofá, estava apaixonada demais para

ver a verdade, o amor cega fatalmente.

— Tudo bem, terá o direito de me fazer uma única pergunta e então responderá

a minha — desviou a atenção do quadro para a morena, não a via mais com paixão,

encarava-a como um analista disposto a desvendar os mistérios mais obscuros de

quem se permite a isso.

— Qual o seu maior dilema? Parece tão confiante, tão seguro, mas qual é o

desafio que enfrenta todos os dias?

— Uau! — forçou o sorriso sedutor, o que fora dirigido a tantas outras, o que

arruinou a história de várias —. Não sei quem eu sou — respondeu seriamente —. É

como se esse corpo não me pertencesse, é como se a vida não me importasse, então

procuro nas pessoas a minha essência, o que chamam de outra metade, aquilo que me

completaria e me daria uma identidade, diria quem sou...

— Encontrou isso comigo?

— Tinha direito a somente uma pergunta — falou calmo, respeitando as regras

do jogo —. Quanto a você, quero saber qual é o seu maior medo, quero que me conte

o que mais teme, quero ser aquele que a salvará de todos os males e talvez isso

responda ao seu questionamento.

Sentiu-se amada.

Tinha certeza, era a outra metade de Summers.

— Tenho medo de que coisas boas como a que aconteceu hoje um dia terminem

e fiquem apenas na lembrança, tenho medo de ter que dar adeus e não receber a

mesma importância que dou àqueles que entram em minha vida, tenho medo de ser

esquecida...

— E se eu prometer que a eternizarei? — ajeitou a tela disposta a receber seus

traços.

— Não era apenas uma pergunta? — sorriu esperta.

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61 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

— Não quer ser eternizada? — caminhou até a namorada, passos serenos —.

Não quer ser lembrada para sempre? — encarou-a direto nos olhos, seu sorriso não

era mais sedutor, era perverso, era fatal —. Posso garantir isso a você — segurou com

força as mãos que por seu corpo passearam —. Aceita? — a música encaminhava-se

ao ápice.

— O que quer dizer? — confundiu-se.

— Quero dizer que não, mais uma vez não encontrei a minha outra metade —

tirou do vão do sofá o canivete afiado, reluzente, nem a luz fraca impedia seu brilho

de ser refletido. A orquestra se agitou —. Infelizmente... — cortou, em um movimento

ligeiro, a garganta de sua vítima. Instrumentos de corda tiniam seu sonido,

instrumentos de sopro pareciam receber todo o fôlego de seus tocadores.

Assustada, levando as mãos ao pescoço, desesperando-se pelo sangue que

jorrava às suas mãos, Jessica estalou os olhos, tentava gritar, pedir ajuda, tudo que

conseguia era contemplar os olhos obscuros estampados na face sombria.

Engasgou.

Passou a tossir compulsivamente.

As pernas fraquejaram.

Já não sentia o próprio corpo.

As vistas se escureceram.

E a morte a tragou.

Jake apreciou cada minuto da trágica cena, algo acostumado a assistir, algo que

por muito tempo ainda assistiria.

O pintor agachado se levantou tranquilamente com as mãos ensopadas pelo

líquido vermelho, parecia ter derramado toda a tinta sobre o carpete, uma forma

estranha de exercer o adorável talento. Ao som da 9ª Sinfonia de Beethoven, como se

regesse para a volumosa e enérgica orquestra que com tanto afinco executava cada

importante figura musical expressa na admirada partitura, o artista não usava pincéis,

sua arte era feita com as próprias mãos, os dedos davam a liberdade para que sua

imaginação fosse expressa.

Deu um passo para trás.

Sujou novamente as mãos com o sangue que inundava o carpete.

No rodapé escreveu o nome de Jessica.

— Está eternizada! — a música acabou.

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62 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição

por Amilton Júnior

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