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Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 289 1. Introdução Podemos pensar a história como um processo civilizatório por meio do qual a humanidade aprende a viver em sociedade, a resolver seus conflitos e a definir os direitos e obrigações de seus membros. Ou então como um processo de desenvolvimento econômico por meio do qual esta mesma humanidade aprende a trabalhar em conjunto, a dividir o trabalho e alocar recursos, a cooperar na produção e competir pelo produto social. No primeiro caso, a resolução dos problemas de ação coletiva passa pela institucionalização do Estado e a criação do Direito; no segundo, pela institucionalização dos mercados. Nos dois casos, por um processo de distribuição de poder, de riqueza e de renda entre participantes que satisfaça minimamente os objetivos políticos maiores de ordem, bem-estar, liberdade e a justiça social. Uma sociedade será tanto mais civilizada quanto mais equilibrada e plena- mente se aproximar desses objetivos. Neste trabalho vou me concentrar no processo civilizatório mais geral, de natureza política, por meio do qual homens e mulheres vêm buscando a ordem, a liberdade e a justiça social. Para isso, partindo da proposta básica de Marshall, examinarei o desenvolvimento da idéia de cidadania a partir da afirmação, primeiro, dos direitos civis, segundo, dos Cidadania e res publica: a emergência dos direitos republicanos LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA Luiz Carlos Bresser Pereira é Professor da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, e Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado. SUMÁRIO 1. Introdução. 2. Direito, Estado e os direitos. 3. Cidadão, Direito e direitos. 4. O público e o privado. 5. Os direitos republicanos e os interesses difusos. 6. Direito à coisa pública. 7. Positivação do direito à res publica. 8. Defensores e adversários. 9. Conclusão.

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cidadania e republica

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Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 289

1. IntroduçãoPodemos pensar a história como um

processo civilizatório por meio do qual ahumanidade aprende a viver em sociedade, aresolver seus conflitos e a definir os direitos eobrigações de seus membros. Ou então comoum processo de desenvolvimento econômicopor meio do qual esta mesma humanidadeaprende a trabalhar em conjunto, a dividir otrabalho e alocar recursos, a cooperar naprodução e competir pelo produto social. Noprimeiro caso, a resolução dos problemas deação coletiva passa pela institucionalização doEstado e a criação do Direito; no segundo, pelainstitucionalização dos mercados. Nos doiscasos, por um processo de distribuição de poder,de riqueza e de renda entre participantes quesatisfaça minimamente os objetivos políticosmaiores de ordem, bem-estar, liberdade e ajustiça social. Uma sociedade será tanto maiscivilizada quanto mais equilibrada e plena-mente se aproximar desses objetivos.

Neste trabalho vou me concentrar noprocesso civilizatório mais geral, de naturezapolítica, por meio do qual homens e mulheresvêm buscando a ordem, a liberdade e a justiçasocial. Para isso, partindo da proposta básicade Marshall, examinarei o desenvolvimento daidéia de cidadania a partir da afirmação,primeiro, dos direitos civis, segundo, dos

Cidadania e res publica: a emergênciados direitos republicanos

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

Luiz Carlos Bresser Pereira é Professor daFundação Getúlio Vargas, São Paulo, e Ministro daAdministração Federal e Reforma do Estado.

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Direito, Estado e os direitos.3. Cidadão, Direito e direitos. 4. O público e oprivado. 5. Os direitos republicanos e os interessesdifusos. 6. Direito à coisa pública. 7. Positivaçãodo direito à res publica. 8. Defensores e adversários.9. Conclusão.

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direitos políticos, e terceiro, dos direitos sociais.Na medida, entretanto, em que esses direitos,ainda que não tenham sido efetivamenteassegurados, já foram razoavelmente bemdefinidos e incorporados nas Constituições enas leis dos países civilizados, argumentareineste artigo que, no último quartel do séculoXX, um quarto direito de cidadania – os direitospúblicos ou, mais precisamente, os direitosrepublicanos –, está sendo definido e precisaser melhor positivado e efetivamente garantido.Definirei os direitos republicanos como osdireitos que todo cidadão tem que o patrimôniopúblico – seja ele o patrimônio histórico-cultural, seja o patrimônio ambiental, seja opatrimônio econômico ou res publica estritosenso –, seja efetivamente público, ou seja, detodos e para todos. E procurarei, especialmente,entre os direitos republicanos, propor umadefinição para o direito à res publica, entendidaesta, de forma restrita, como o estoque de ativose principalmente o fluxo de recursos que oEstado e as entidades públicas não-estataiscontrolam. Em um século em que essa respublica tornou-se muito grande, representandoentre um terço e a metade de toda a renda dasnações, a cobiça de indivíduos e grupos emrelação a ela aumentou muito, tornando-sehistoricamente imperativa sua proteção. Estemesmo século, entretanto, foi também o séculoda afirmação da democracia em todo o mundo.E a democracia implica um desenvolvimentocrescente do conceito de cidadania, que seafirma à medida que a tensão entre o privado eo público, entre os direitos individuais e oscoletivos, encontra soluções.

2. Direito, Estado e os direitosO Direito geralmente é definido como sendo

o conjunto de normas dotadas de poderinstitucionalizado de coerção que regulam avida social1. Uma outra forma de entender oDireito, que para os objetivos deste trabalho émais interessante, é pensá-lo como o conjuntode direitos e obrigações dos cidadãos e daspessoas jurídicas que o Estado reconhece eassegura. Em qualquer das duas hipóteses,podemos pensar o Direito ou como criação doEstado, ou, inversamente, o Estado como

criatura do Direito. Por paradoxal que pareça,as duas afirmações estão corretas. Não háDireito sem Estado nas sociedades modernas,já que não haverá norma jurídica se não houvera correspondente possibilidade de sanção peloEstado. Podem existir normas costumeiras,tradicionais, mas não chegam a se constituirem Direito no sentido estrito do termo. Por issopode-se afirmar que o Estado – a organizaçãocom poder de legislar e tributar a população deum determinado território –, cria o Direito. Maso inverso também é verdadeiro. Não é possívelfalar em Estado sem o Direito. O Estado sedefine a partir da norma constitucional. Surgeum Estado quando um conjunto de indivíduosse afirmam como cidadãos ao formularem edarem vigência ao conjunto de normas queconstitui o Estado. Nesse sentido o Direito criao Estado.

Na verdade, conforme observou Celso Lafer(1988: 72), o Estado no mundo contemporâneoé mais um mediador dos conflitos existentesna sociedade do que ente soberano semprepronto a fazer valer a positividade da lei. Nessesentido

“a unidade do Estado e do Direito não éum ponto de chegada, à maneira docontratualismo clássico na sua expli-cação da origem da sociedade, do Estadoe do Direito no paradigma do Direitonatural; nem um pressuposto não-problemático da dogmática jurídica, nalinha do positivismo, mas sim umprocesso contínuo e aberto”.

O positivismo jurídico tem pouco a oferecernas explicações das relações entre Estado eDireito, na medida em que unifica as duasinstituições2. Mais iluminadoras são as teoriasde caráter histórico e as de natureza lógico-dedutiva sobre as origens do Estado e doDireito. Na primeira acepção podemos explicaro Estado, segundo a tradição de Aristóteles,Hegel e Marx, como a conseqüência de umprocesso histórico por meio do qual os gruposou classes com maior poder institucionalizaramesse poder, estabeleceram a ordem na sociedadee garantiram para si a apropriação do excedente

1 Bobbio (1958, p. 111-113) enfatiza o caráterinstitucionalizado da garantia da norma jurídica.Para ele o que caracteriza a norma jurídica é o poderde coerção externo, desde que institucionalizado,distinguindo-se, assim, dos poderes de tipo mafioso,que também são dotados de coercibilidade.

2 Vale observar que esta posição é muitodiferente da de Kelsen (1934, p. 378-385) para quemo Estado é simplesmente um tipo de ordem jurídica,desta forma subordinando o Estado ao Direito.Segundo ele, “aquilo que se concebe como forma deEstado é apenas um caso especial de forma do Direitoem geral... o Estado é uma ordem jurídica”. OEstado, para Kelsen, é a personificação da ordemjurídica.

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econômico. Na segunda, podemos vê-lo comoo resultado de um contrato social entre oscidadãos, ou seja, como um resultado racio-nalmente necessário para os homens escaparemao estado de natureza, como o fizeram osjusnaturalistas de Hobbes a Rousseau e Kant3.

No primeiro caso a cidadania só surgehistoricamente, na medida em que os indi-víduos vão se investindo de direitos – maisprecisamente direitos e obrigações que vãoconstituir o Direito. No segundo, o Estado é oresultado de uma escolha ou de um contrato,que, a rigor, já se pressupõe a existência docidadão: um cidadão detentor de direitos –direitos naturais ou valores morais básicos –que ele cede parcialmente ao Estado paragarantir a ordem social. No primeiro caso, aidéia de justiça e os direitos e deverescorrespondentes vão surgindo à medida que asociedade vai se tornando capaz de efetivá-los;no segundo, a justiça das instituições básicasda sociedade e de suas leis é deduzidalogicamente a partir da maximização dasatisfação que elas proporcionam, como queremos utilitaristas, ou é o resultado de princípiosmorais básicos a que chegariam consen-sualmente homens e mulheres hipoteticamenteiguais entre si ao estabelecerem o contrato socialoriginal entre si, e, em conseqüência, a estruturabásica da sociedade, definida pelas instituiçõesbásicas da sociedade que distribuem os direitose deveres fundamentais e determinam a divisãodas vantagens da cooperação social, como querRawls (1971: 1-22). Nos dois casos, Estado,Direito e cidadania são termos intrinsecamenteinterdependentes. Estado e Direito são duasinstituições básicas da sociedade por meio dasquais esta estabelece a ordem, garante aliberdade para seus membros e manifesta suaaspiração de justiça4. A cidadania surge dainteração dessas três conquistas sociais. Nesseprocesso, conforme enfatiza Habermas, a moralnão tem precedência sobre o Direito, comoquerem os jusnaturalistas, nem este é indepen-

dente da moral, como pretenderia o positivismo:na verdade, são complementares5.

Nesse sentido, Estado e Direito não passamde criaturas e instrumentos da sociedade. Sãoinstituições sociais cujas características variarãoem função das mudanças que estiveremocorrendo na estrutura da sociedade. Dasmudanças que estiverem ocorrendo na distri-buição dos quatro atributos que conferem poderaos indivíduos e grupos: a força material oucapacidade de coerção, a riqueza, a hegemoniaideológico-religiosa e o conhecimento técnicoe organizacional. Quando esses quatro ele-mentos estiverem muito concentrados emgrupos com capacidade de organização, teremossociedades autoritárias, Estados correspon-dentemente autoritários e o Direito a serviçodos poderosos. Os direitos estarão limitados auma minoria. Na medida, entretanto, que odesenvolvimento econômico ocorre, as socie-dades tornam-se mais complexas, a educaçãose generaliza, passa a ocorrer um crescenteprocesso de equalização social e portanto dedesconcentração daqueles quatro atributos, e acapacidade de organização política da sociedadecomo um todo aumenta. Aos poucos os regimespolíticos autocráticos vão dando lugar a regimesdemocráticos, sistemas sociais baseados emestamentos quando não no regime de castas dãolugar a classes sociais e estas a camadas ouestratos sociais.

Este processo ganha um extraordinárioimpulso com o surgimento do capitalismo e damais-valia capitalista. Nesse momento aapropriação do excedente econômico deixa deser o resultado do uso da força por meio docontrole direto do Estado e passa a ser oresultado de uma troca de equivalentes nomercado. Abre-se, então, a possibilidade dosurgimento das democracias modernas, nasquais a cidadania finalmente se afirmará. Emum primeiro momento a força material cedelugar para a riqueza como fonte de poder, e as

3 Ver a respeito Bobbio (1979, p. 49-58), BresserPereira e Tadeu Lima (1996). Nas ciências sociais ésempre possível adotar predominantemente um ououtro método, resultando daí teorias aparentementeconflitantes, mas que na verdade são ou podem sercomplementares.

4 Além do Estado e do Direito, as outras duasinstituições básicas da sociedade são o mercado e asociedade civil. Por meio delas os “arranjoseconômicos e sociais”, na terminologia de Rawls(1971, p. 7), se constituem, a ordem econômica esocial é definida.

5 Nas palavras de Habermas (1992, p. 106):“Uma ordem legal só pode ser legítima se nãocontraditar princípios morais básicos. Em virtudedos componentes de legitimidade que fundamentama validade da lei, a lei positiva tem uma referênciamoral nela inscrita. Mas essa referência moral nãonos deve levar à confusão de colocar a moral acimada lei, como se existisse uma hierarquia de normas.A noção de uma lei maior (isto é, de uma hierarquiana ordem legal) pertence ao mundo moderno. Aoinvés, a moralidade autônoma e a lei positiva quedepende de justificação apresentam-se em umarelação de complementaridade”.

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classes sociais substituem as castas como formade organização social. Em um segundomomento, já neste século, a riqueza começa aceder espaço para o conhecimento técnico eorganizacional, e a estrutura social passa secaracterizar cada vez mais por camadas ouestratos ao invés de classes sociais. Por meiodesse processo, força, riqueza e conhecimentotécnico e organizacional vão pouco a pouco sedesconcentrando, viabilizando o surgimento desociedades plurais, nas quais o Estado sedemocratiza, os direitos se afirmam, e o Direitose transforma em instrumento da cidadania6.

3. Cidadão, Direito e direitosCidadão é o membro do Estado-Nação

dotado de direitos e capaz de interferir naprodução do Direito. Este, por sua vez, é oconjunto dos direitos dos cidadãos – e daspessoas jurídicas por eles instituídas. Acidadania se expande e se afirma na sociedadeà medida que os indivíduos adquirem direitose ampliam sua participação na criação dopróprio Direito. Logo, os direitos estão nocentro das idéias de Direito, Estado e cidadania.

Os direitos que constituem a cidadania sãosempre conquistas, são sempre o resultado deum processo histórico por meio do qualindivíduos, grupos e nações lutam por adquiri-los e fazê-los valer. Ninguém foi mais enfáticoe inspirado em afirmar tal fato do que Ihering(1872: 15):

“todo e qualquer direito, seja o direitode um povo, seja o direito de umindivíduo, só se afirma através de umadisposição ininterrupta para a luta”.

Bobbio (1992: XVI) caminha na mesma linha.Para ele, que adota uma posição firme contra aidéia dos direitos naturais, os direitos nascemquando devem e podem nascer. São direitoshistóricos, que nascem de lutas que se travamatravés do tempo, gradualmente. Que nascemem circunstâncias determinadas, relacionadascom a defesa de novas liberdades. Desta forma:

“Certas demandas nascem quandosurgem determinadas necessidades.Novas necessidades nascem em corres-pondência às mudanças das condiçõessociais, quando o desenvolvimentotécnico permite satisfazê-las. Falar de

direitos naturais, ou fundamentais, ouinalienáveis, ou invioláveis é usarfórmulas de linguagem persuasiva quepodem ter uma função prática em umdocumento político para dar mais forçaà demanda, mas não têm qualquer valorteórico, e portanto são completamenteirrelevantes em uma discussão sobre ateoria do direito”.

A luta pelo direito e pela afirmação dacidadania é, em um primeiro momento, umaluta da burguesia ou da classe média. No séculoXX, entretanto, tornou-se uma luta muito maisampla, em que os pobres tornavam-se nãoapenas cidadãos formais, com direito a voto,mas cidadãos de fato7. Para isso, dois fatoresassumiram um papel relevante de caráterinformativo: a educação e uma imprensa livre.Por outro lado, a cidadania é uma prática. Porisso, sociólogos e antropólogos salientaram aimportância crescente dos movimentos sociaispara a construção da cidadania por meio daafirmação de direitos sociais8. Essa prática,entretanto, pode se realizar mediante defesa dedireitos civis, particularmente da afirmação dodireito do consumidor. Por meio da sua defesao consumidor assume o caráter de cidadão9.

Os direitos historicamente afirmados sãoassegurados pelo Estado a favor do cidadão econtra algo ou alguém: primeiro temos osdireitos civis e políticos: são direitos contra umEstado autoritário e oligárquico; em seguida,temos os direitos sociais: são os direitos contra

6 Examinei estes temas em Estado e Subde-senvolvimento Industrializado (1977), A SociedadeEstatal e a Tecnoburocracia (1981) e Estado,Sociedade Civil e Legitimidade Democrática (1995).

7 Chamei de “contradição da cidadania” oproblema político resultante da existência no Brasilde um número muito grande de cidadãos com direitoa voto, mas sem consciência de seus direitos e deverespolíticos e sociais. Ver Bresser Pereira (1996a).

8 Conforme observa Ruth Cardoso (1994, p. 90):“A cidadania não apareceu do nada, ela tem umahistória, está referida a um conceito preciso. É esseconceito que não está mais dando conta do queacontece agora porque está baseado na idéia de queexistem direitos individuais e, hoje, através da lutados movimentos sociais, há um reconhecimentopleno de que existem direitos coletivos”. Ver arespeito também Durham (1984), Dagnino (1994) eSilva Telles (1994).

9 Segundo observa Letícia Schwarz (1997, p. 14),a oposição entre cidadão e consumidor é falsa. Pormeio da defesa dos seus direitos enquanto consu-midor a pessoa vai se transformando em cidadão: “otiro de largada é dado pelo conhecimento dos direitosdo consumidor, muitas vezes de forma totalmenteequivocada, os conflitos e negociações são o percursoe, se a faixa de chegada é rompida, muitos sentem asua dignidade civil resgatada”.

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os ricos ou poderosos; e finalmente, conformeprocuraremos enfatizar neste trabalho, temosos direitos republicanos: são os direitos contraos aproveitadores ou privatizadores da respublica10.

Nos termos da análise clássica de Marshall(1950) sobre a afirmação histórica da cidadania,primeiro foram definidos os direitos civis,depois os direitos políticos e finalmente osdireitos sociais. Os primeiros dois direitosconquistados pelos cidadãos e assegurados peloEstado foram direitos contra o Estado, ou, maisprecisamente, contra um Estado capturado ouprivatizado por oligarquias ou aristocracias queo tornavam despótico11. No século XVIII oscontratualistas e as cortes inglesas definiramos direitos civis, que serviriam de base para oliberalismo; no século XIX os democratasdefiniram os direitos políticos. Esses doisdireitos estabeleceram as bases das democraciasliberais do século XX. Por meio dos direitoscivis os cidadãos conquistaram o direito àliberdade e à propriedade, em relação a umEstado antes opressor ou despótico; por meiodos direitos políticos os cidadãos conquistaramo direito de votar e ser votado, de participar,portanto, do poder político do Estado, contraum Estado antes oligárquico. Finalmente, nasegunda metade do século XIX os socialistasdefiniram os direitos sociais, que, no séculoseguinte, foram inscritos nas Constituições enas leis dos países12.

O fato de os direitos civis terem sidoestabelecidos contra o Estado não deixa de serparadoxal: como o Estado pode assegurardireitos contra ele próprio? O paradoxo, porém,se resolve se observarmos que: quando novosdireitos são definidos, mudam as relações depoder dentro do Estado e da sociedade, já quenovos direitos são novas pautas de compor-tamento entre os indivíduos que definem opróprio Estado. Segundo o paradoxo deRousseau, o cidadão, ao alienar sua liberdadeao Estado mediante um contrato social, vêgarantida pela lei do Estado, que exprime avontade geral soberana, sua liberdade13. OEstado contra quem se afirmam esses novosdireitos, é um Estado no qual o Governo – aelite dirigente do Estado – era “antes” despóticoou oligárquico; depois que os direitos sãoafirmados, os governantes perdem poderrelativo em relação aos cidadãos, o Estado deixade ser despótico e oligárquico: a cidadaniacomeça a se constituir14.

Esta perspectiva, entretanto, é uma pers-pectiva lógico-dedutiva, própria do pensamento

10 Está claro para mim o risco de utilizar a idéiade direitos “contra” o Estado, ou contra oscriminosos, ou contra os ricos e poderosos. Naperspectiva jurídica clássica, os direitos sãopostulados “perante” o Estado-Administração ouEstado-Juiz. Assim os direitos civis, os direitossociais e os direitos republicanos. O sujeito passivoda obrigação/condenação é que pode variar: outroscidadãos e o próprio poder público, ou apenas um enão o outro. Quando, entretanto, usamos essa idéiade direitos “contra”, queremos destacar o sujeitopassivo da obrigação, sujeito, aliás, que de “passivo”pouco tem se abandonarmos a terminologia jurídica.

11 A rigor, os direitos civis não são apenas direitoscontra o Estado. São também de cada cidadão contraoutros cidadãos que o roubam ou o agridem. ODireito Penal, enquanto direito público, está voltadopara garantir os direitos civis dos cidadãos contraos criminosos. Ou, mais amplamente, para garantiros direitos de cidadãos, empresas e do próprio Estadocontra a ação criminosa.

12 Esta notável análise de Marshall tem sidoobjeto de críticas dos mais variados tipos. Talvez amais significativa seja aquela que, seguindo a linhade Klaus Offe, vê na afirmação dos direitos sociais

e “no welfare state o caráter de necessidade funcionaldo próprio capitalismo... as práticas relativas àpolítica social, ao invés de representarem algo comoum colorido adicional e de alguma forma acidentaladquirido pelo Estado num processo de desen-volvimento capitalista cuja lógica de mercado lhesseria alheia, na verdade constituem um contraponto‘não-mercantil’ inerente a essa lógica mesma”,(Wanderley Reis, 1990, p. 7 – sublinhado do autor).Não há, entretanto, na análise de Marshall caráter“acidental”, e o fato de os direitos sociais seremfuncionais para o capitalismo, como Offe (1984)muito bem assinalou, não lhes tira o caráter deconquista nem a qualidade de representarem umavanço no processo democrático. Uma outradiscussão é a da relativa perda de funcionalidadedesses direitos desde o momento em que o Estadodo Bem-Estar entrou em crise.

13 Por meio do contrato social, que estabelece asbases para o poder soberano ou para o Estado,segundo Rousseau (17–, p. 244), “cada um dando-se a todos não se dá a ninguém; e como cadaassociado adquire o mesmo direito que ele cede,ganha-se o equivalente a tudo quanto se perde, emais força para se conservar o que já se tem”.

14 Conforme observou Ferreira Filho (1972, p.74): “Traduz o Estado de Direito a experiênciaimemorial de que o poder tende ao abuso, e queeste só é evitado, ou, ao menos, dificultado, quandoo próprio Estado obedece à lei e está enquadradoem um estatuto jurídico a ele superior”. Os direitoscivis estabeleceram as bases para os regimes liberais,os direitos políticos, para o regime democrático, osdireitos sociais, para os regimes social-democráticos.

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contratualista e hegeliano, segundo o qual oEstado é o ponto culminante da história. Ocontratualismo nasceu com Hobbes, que era umconservador preocupado com a ordem, passoupor Locke, que fundou o liberalismo, passoupor Rousseau, que fundou no contrato umateoria radical de democracia, e terminou comHegel, que fez a transição de uma abordagemlógico-dedutiva para uma abordagem históricado Estado. Apesar do conservadorismo de seufundador, Hobbes, o contratualismo terminoupor servir de base revolucionária para oliberalismo e a democracia ao basear alegitimidade do príncipe em um contratolivremente pactado por cidadãos e não natradição. No momento, entretanto, em que essaconcepção de Estado se torna vitoriosa com asrevoluções burguesas e o predomínio do modode produção capitalista e da ideologia liberal,renasce com Saint Simon e Marx a abordagemhistórica, agora com uma conotação revolu-cionária de crítica do Estado enquantoinstrumento de dominação. E de fato o caráterracional do Estado, definido pelos contra-tualistas e que Hegel levou ao paroxismo, é umanotável construção teórica que não impede queos governos, em nome do Estado, continuem apraticar atos autoritários e no interesse de umaminoria15. Por isso a afirmação dos direitos docidadão é um problema permanente. E, comoviram os liberais e em seguida os democratasmodernos, que têm sua origem no contra-tualismo, a defesa da cidadania depende dapermanente luta pela garantia dos direitos civise políticos.

Assegurados – pelo menos em tese –, osdireitos dos cidadãos contra o Estado, entre-tanto, surge o problema adicional de assegurá-los também contra os outros cidadãos: os ricose/ou os poderosos. Os direitos sociais têm essanatureza. Os direitos sociais podem serentendidos, de forma estrita, como direitoscontra outros cidadãos, se pensarmos nosdireitos dos trabalhadores em relação a seusempregadores. Quando, entretanto, pensamosnos direitos sociais, como o direito à sobre-vivência digna, à educação, à cultura, à saúde,esses são direitos dos cidadãos contra a

sociedade civil – na medida em que esta é asociedade organizada, em que os pesos dosdiversos poderes econômicos e sociais se fazemsentir –, e o respectivo Estado que a representa16.Se a sociedade dispõe de recursos materiais paragarantir estas necessidades, elas se trans-formam em direitos – direitos que não podemser assegurados na medida em que os recursossociais estejam excessivamente concentradosnas mãos de um grupo reduzido de capitalistase de altos burocratas públicos e privados.

No último quartel do século XX, entretanto,um quarto tipo de direitos está surgindo: osdireitos dos cidadãos de que o patrimôniopúblico seja efetivamente de todos e para todos.Este trabalho concentrar-se-á na análise dessesnovos direitos, que estamos propondo chamarde direitos públicos ou de “direitos republi-canos” – direitos dos cidadãos contra aquelesque buscam capturar privadamente os bens quesão ou devem ser de todos –, e particularmentea uma categoria desses direitos: o direito à respublica ou ao patrimônio econômico público17.Poderíamos dizer, a partir de uma perspectivaa-histórica, que esses direitos sempre existiram.No plano da história, entretanto, esses sãodireitos que só recentemente começaram aganhar contorno definido entre os interessesdifusos. São direitos que cada vez mais deverãomerecer a atenção de filósofos políticos ejuristas.

Antes de examinarmos mais detidamente odireito à coisa pública, é necessário, porém,situar os direitos republicanos entre os demaisdireitos não apenas do ponto de vista histórico,mas também lógico.

4. O Público e o PrivadoHabermas (1992: 78) observa que a análise

do conceito de cidadania realizado por

15 Em seu comentário à versão preliminar destetrabalho, Rosenfield, que escreveu sua tese dedoutorado sobre Hegel, (1982) fez uma observaçãoque merece ser aqui reproduzida: “Hegel jamaisidentificou o Estado empiricamente existente com aracionalidade... O Estado é, para ele, a expressãopolítica da racionalidade sob a condição de ser aconcretização efetiva da idéia da liberdade”.

16 Geralmente pensamos na sociedade civil emoposição ao Estado. Essa oposição, entretanto, sófaz sentido quando o governo que ocupa a liderançado Estado perde legitimidade. Normalmentesociedade civil e Estado caminham juntos: o governorepresenta a sociedade civil no Estado.

17 Devo a Guillermo O’Donnell a sugestão dedenominar estes direitos de “republicanos” ao invésde públicos. Inicialmente pensei usar a expressão“direitos públicos”, a qual se distinguiria daexpressão “direito público” (em oposição a direitoprivado) na medida em que seria sempre usada noplural. Esta expressão, entretanto, pode levar aconfusões, enquanto que a expressão “direitosrepublicanos” é nova, permitindo identificar direitosque também são novos.

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Marshall, definindo sucessivamente trêsdireitos (aos quais estamos aqui acrescentandoum quarto, os direitos republicanos) “faz parteda ampla tendência que os sociólogos chamamde ‘inclusão’. Em uma sociedade cada vez maisdiferenciada, um número cada vez maior depessoas adquire direitos cada vez maisinclusivos de acesso a, e de participação em,um número crescente de subsistemas...”, Masadverte, fiel a sua teoria da ação comunicativaem que a democracia desempenha um papelcrucial, que se trata de uma análise linear, quenão acentua o papel crucial dos direitospolíticos na cidadania, colocando-os no mesmonível dos demais:

“De fato, apenas os direitos departicipação política servem de base parao posicionamento legal auto-referenciadodo cidadão reflexivo. Liberdades nega-tivas e direitos sociais podem, emcontraste, ser garantidos por umaautoridade paternalista. Em princípio, oEstado constitucional e o Estado do Bem-Estar são possíveis sem democracia”(1992: 504).

Na segunda metade do século XX, direitoscivis, direitos políticos e direitos sociais foramunidos sob o nome direitos do homem oudireitos humanos. A Declaração Universal dosDireitos do Homem, de 1948, declarou avalidade universal desses direitos, que, assim,foram positivados em nível internacional.Pensados em termos abstratos, direitoshumanos e direitos do homem são sinônimos:abrangem todos os direitos. Entretanto, sepensarmos em termos históricos, veremos quea idéia dos “direitos humanos” aparece comforça nos anos 70, identificada principalmentecom os direitos civis, como uma reação contraos regimes autoritários que se tornam domi-nantes nos países em desenvolvimento. Desdeos anos 30 a grande ênfase fora transferida paraos direitos sociais, na medida em que seimaginava que os direitos civis e políticosestavam assegurados, ou então que eramdireitos “formais”, produto de uma “democraciaformal” que só se tornaria real ou substantivaquando os direitos sociais estivessem tambémdefendidos. Esta era a posição clássica daesquerda até os anos 60. Entretanto, quando,nos anos 60 e 70, regimes autoritários de direitaassumem o poder em um grande número depaíses, principalmente na América Latina, epassam a violentar os direitos civis e políticos,a esquerda é obrigada a rever sua posição.Diante da violência estatal e privada contra ospolíticos de esquerda, muitos dos quais

pertencentes à classe média, diante da torturae do assassinato, tornou-se essencial revalorizaros direitos políticos, expressos na democracia,e os direitos civis, agora ampliados para ascamadas mais pobres da população18.

Tornou-se em seguida claro para os setoresdemocráticos da sociedade que não eram apenasos direitos humanos dos contestadores políticosque estavam em jogo. Era também precisodefender os direitos civis dos fracos e opri-midos: adolescentes infratores assassinadosbarbaramente por esquadrões-da-morte, dosbandidos torturados e assassinados pela polícia,dos índios, dos posseiros sem-terra, das jovensmulheres pobres levadas à prostituição, dosnegros que sofrem discriminação, dos homos-sexuais vítimas de todos os abusos19. Para adefesa dos direitos civis ou mais amplamentedos direitos humanos, tanto dos contestadorespolíticos quanto dos fracos e oprimidos, a IgrejaCatólica desempenhou na América Latina umpapel decisivo nos anos 70 e 8020. Ao mesmotempo a sociedade civil organizada, sob a formade instituições públicas não-estatais, passou ater um papel cada vez mais importante nadefesa dos direitos humanos21, enquanto aimprensa assumia um papel cada vez maisestratégico nessa matéria22. Nesses termos,

18 Segundo Jelin e Hershberg (1996, p. 3):“Enquanto era um lugar comum distinguir os direitoscivis dos políticos e dos sociais, e definir cidadaniaprincipalmente em termos de direitos sociais, nosanos 80 direitos humanos e civis básicos não podiammais ser relegados a segundo plano ou assumidoscomo garantidos. De fato, tornaram-se o centro doativismo político e da preocupação intelectual”.

19 Segundo, por exemplo, o ouvidor da políciade São Paulo, Benedito Domingos Mariano, “avítima da tortura em geral é homem, negro, pobre emora na periferia” (Folha de S. Paulo, 1.1.1997).

20 Para o Brasil o documento fundamental arespeito é o da Arquidiocese de São Paulo (1985)Brasil : nunca mais. Ver também Paulo SérgioPinheiro e Eric Braun (1986).

21 As instituições públicas não-estatais sãoimpropriamente chamadas de ONGs (organizaçõesnão-governamentais) uma tradução da denominaçãoamericana, NGOs (non-governamental organi-zations). Impropriamente porque na tradição anglo-saxônica, Estado e Governo são confundidos, eporque além de afirmar que é não-estatal, é precisodizer que a instituição é pública – pertence a todos,não tem proprietários individuais ou coletivos.

2 2 Neste plano os trabalhos de GilbertoDimenstein, a partir de A Guerra dos Meninos(1990), são essenciais. Estes trabalhos foramreunidos e sintetizados em Dimenstein (1996). Oprefácio deste livro, escrito por Paulo SérgioPinheiro, tem um título significativo: “O Passadonão Está Morto: nem Passado é Ainda”.

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embora continuasse a existir um fundamentoautoritário em parte considerável da populaçãodos países, principalmente dos países em queas democracias são recentes e as estruturassociais gravemente heterogêneas23, os direitoshumanos, enquanto essencialmente direitoscivis dos fracos e oprimidos, enquanto direitoem primeiro lugar à vida, foram novamentevalorizados, ao mesmo tempo que os valoresdemocráticos eram reafirmados. Os direitossociais continuaram importantes, mas deixavade se justificar a quase exclusiva ênfase neles,que se originava ou no pressuposto equivocadode que os direitos civis já eram uma conquistade todos – quando o eram apenas para aselites –, ou na visão enviesada segundo a qualos direitos civis só estariam garantidos quandoos sociais também o estivessem24.

No conceito de direitos humanos existe umaespécie de unificação de todos os direitos.Entretanto, embora os direitos possam serconsiderados consistentes entre si e portantocomplementares, eles também são contra-ditórios. Os direitos sociais são consistentescom os civis na medida em que, conformeobserva Reis (1996: 121),

“se a desigualdade social é manifesta, opoder será distribuído desigualmente, oque inevitavelmente minará as perspec-tivas do pleno gozo dos direitos civis epolíticos por todos”.

Em muitos casos os direitos civis, políticos esociais são contraditórios, impondo-se com-pensações (trade-offs) entre eles. Isto seráespecialmente verdade, se salientarmos ocaráter individualista e egoísta dos direitoscivis, na medida em que eles foram histori-camente implantados nos quadros do indivi-

dualismo utilitarista do século XVIII. Por issoReis (1995), apoiando-se na distinção feita porKelly (1979), enfatiza a diferença entre direitoscivis e direitos cívicos. Nos direitos civis oelemento dominante é o do direito à liberdadee à propriedade. O cidadão é cidadão, segundoessa concepção clássica ou liberal de cidadania,na medida em que tem esses direitos garantidos.Já os direitos cívicos envolvem a idéia dedeveres do cidadão para com a sociedade. Ocidadão é cidadão na medida em que, além deter seus direitos egoístas garantidos, assumeresponsabilidades, em relação ao interessepúblico, que podem estar em contradição comseus interesses particulares. Segundo Reis(1995: 128):

“A tensão entre as duas dimensões, eentre os valores afirmados em cada umadelas, é tão severo que freqüentementeelas aparecem contraditórias. Se a esferaprivada, de mercado, civil é a esfera daautonomia, é também do egoísmo e doparticularismo; e se a esfera cívica é ondea solidariedade ocorre, é simultanea-mente a esfera da dependência”.

Não existe solução simples para essatensão25. A convivência social nas democraciasmodernas é o resultado dos compromissosnecessários entre essas duas esferas – a doprivado ou civil e a do público ou cívico –, eentre os quatro direitos básicos: civis, políticos,sociais e republicanos26. Enquanto os direitoscivis são direitos freqüentemente considerados“negativos”, no sentido de que o que se quer,

23 Este fundamento autoritário expressa-se nafalta de indignação em relação aos atos de violênciacontra os direitos humanos dos setores excluídos oumesmo no apoio a estes atos por setores consi-deráveis da sociedade. Nancy Cardia (1994), a partirde uma pesquisa sobre a falta de rejeição contra asviolências da polícia e forças parapoliciais contraos excluídos, vê o problema como um caso de“exclusão moral de grupos considerados à margemda sociedade”, em um contexto de ausência de poderdos governados sobre os governantes, de alienaçãodo processo de produção de leis, de desconhecimentodo significado dos direitos civis e políticos, e de faltade canais de acesso dos grupos excluídos à proteçãoda lei.

24 O debate entre os direitos individuais e ossociais, entretanto, continua vivo, por meio dadiscussão dos ideais de justiça e de solidariedade.Ver a respeito Cardoso de Oliveira (1996).

25 Enquanto os social-democratas procuramampliar a esfera pública, os liberais assinalam osriscos envolvidos. Conforme observa Giannnetti daFonseca (1993, p. 126), “a tensão entre moralidadecívica e pessoal – entre as normas sociais deconvivência pacífica e os desejos de valores de cadaindivíduo – é um traço permanente da existênciahumana... Existem sérios limites e riscos associadosao predomínio excessivo da autoridade política e damoralidade cívica em detrimento da moralidadepessoal”.

26 A expressão direitos cívicos poderia serpensada como uma denominação alternativa adireitos republicanos, embora Kelly e Reis a usemem um contexto diferente, para salientar aimportância, para o conceito de cidadania, dapreocupação de cada cidadão com o interessepúblico – preocupação que não está clara – quandonão é negada – quando o pensador liberal se refereaos direitos civis. Nos direitos republicanos, comonos cívicos, ainda que o cidadão esteja defendendoo seu direito, ele tem necessariamente que estarpreocupado com o interesse público.

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principalmente em relação aos direitos civis, éque a liberdade e a propriedade do cidadão nãoseja ferida, no caso dos direitos políticos e dosdireitos sociais é necessária uma ação “positiva”do Estado. O conceito negativo de liberdadeestá associado aos direitos civis e ao liberalismo,enquanto que o conceito de liberdade positiva,associada à democracia no caso dos direitospolíticos, ao socialismo, no caso dos direitossociais, e à cidadania plena, no caso dos direitosrepublicanos. A liberdade negativa é umaliberdade “de”, enquanto a positiva é umaliberdade “para”. O cidadão tem a liberdadenegativa de não sofrer restrições ou inter-ferências em relação a seus desejos legítimos;tem a liberdade positiva para participar dogoverno, partilhar a riqueza social, e garantir queo que foi decidido ser público de fato o seja.

Essa distinção que na sua formulaçãocontemporânea se deve a Isaiah Berlin (1958),embora atrativa, é, na verdade, relativa27. Parase garantir os direitos civis é também necessáriauma ação positiva do Estado, implicandoinclusive custos administrativos: afinal, todo oaparato clássico do Estado – Poder Legislativo,Poder Judiciário, polícia, forças armadas –existe para garantir positivamente os direitoscivis, da mesma forma que o aparato social doEstado, expresso nos ministérios da educação,da saúde, da cultura etc., além do PoderJudiciário e do Poder Legislativo, existem paragarantir os direitos sociais28. Talvez maissignificativo seja o fato de que enquanto osdireitos civis são direitos individuais, no sentidoque protegem cada indivíduo que se pode suporegoísta, voltado para a defesa exclusiva dos seusinteresses, os direitos republicanos são direitoscoletivos, no sentido que protegem a coleti-vidade, que seria também capaz de agir coletivae solidariamente em função do interesse comumou público. Se pensarmos em uma escala quevai do privado para o público, do interesseindividual para o coletivo, teríamos os direitos

políticos e os direitos sociais entre os direitoscivis e os republicanos. Todos são funda-mentais, não existe uma hierarquia entre eles,mas a tensão entre o civil e o cívico, entre ocidadão que protege seus interesses e o cidadãoque protege os interesses gerais, é permanente.

Essa distinção entre direitos individuais ecoletivos é naturalmente relativa, já que osinteresses individuais só podem ser garantidosdentro de uma sociedade em que a ação coletivade fato ocorre, cria o Estado e as instituiçõesliberais e democráticas, e assim garante essesdireitos, enquanto que os direitos coletivos, cujadefesa exige diretamente, a ação coletiva e emúltima análise solidária dos prejudicados, sãotambém direitos de cada cidadão indi-vidualmente.

É difícil senão impossível pensar emcidadania a partir apenas de direitos civis e doconceito de liberdade negativa, como queremos liberais radicais modernos, neoliberais.Nossa premissa é a de que a democracia é umregime político historicamente em construção,que vai sendo aperfeiçoado na medida em queos quatro direitos de cidadania vão sendoafirmados, ao mesmo tempo que os políticossão responsabilizados perante os eleitores. Ademocracia não é apenas um ideal, um conceitoabstrato. É uma realidade política histórica. Osfilósofos gregos preferiam a monarquia e aaristocracia à democracia, embora soubessemque a corrupção da primeira era a tirania e a dasegunda, a oligarquia, porque viam a demo-cracia como eminentemente instável. Ademocracia só se tornou historicamentedominante a partir do momento em que odesenvolvimento econômico e social tornouesse tipo de regime mais estável do que osregimes autoritários de caráter monárquico ouaristocrático.

Na idéia de democracia, desde que ela foiconcebida na Grécia, existe sempre a idéia deinteresse público. Conforme observa Abranches(1985: 7):

“Na política clássica grega, tanto odemos como a Polis tinham um signi-ficado coletivo e eram organizadospoliticamente. O governo e o Estadorepousavam no fato mais abrangente dacidadania. A politeia representava aunidade dos cidadãos, não apenas a somados indivíduos – que é a noção (liberal)de sociedade civil –, mas uma comu-nidade viva”.

Para o cidadão grego a política entendidacomo interesse público era o bem maior.

27 Berlin escreveu seu ensaio sobre os doisconceitos de liberdade em 1958, no auge do conflitoideológico entre liberais e marxistas. Emborasabendo que os trade offs entre os dois tipos deliberdade são necessários, como representante doliberalismo, fez o elogio da liberdade negativa eenfatizou radicalmente os riscos da liberdadepositiva, que, “em certos momentos não é outra coisasenão um hábil disfarce para mais brutal tirania”(1958, p. 131).

28 Para uma crítica da teoria classificando osdireitos segundo envolvam prestações positivas ounegativas, ver Lindgren Alves (1994).

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Cidadão era aquele que participava da Polis.Era esta participação plena, era esta prioridadedo público sobre o privado, do coletivo sobre oindividual, que definia concepção de cidadaniaentre os gregos. A idéia de cidadania desen-volvida na Grécia antiga só iria ressurgir,embora parcialmente, no século XVIII, com aafirmação dos direitos civis e do liberalismo.O modelo liberal de sociedade, entretanto,distanciar-se-á do modelo grego. Está baseadoem três postulados: um filosófico – a concepçãoabstrata e absoluta do indivíduo racional,voltado para seus interesses, como centro detudo; um político – a legitimação do Estado edo seu poder a partir de um contrato sociallivremente aceito pelos indivíduos-cidadãos,estabelecendo-se, em conseqüência, uma rígidaseparação entre a esfera pública e a privada; eum econômico – no plano da produção edistribuição de renda, desde que o Estadogaranta o funcionamento dos mercados, se cadaum defender seu próprio interesse, o interessegeral será automaticamente garantido.

Este modelo, que permitiu a afirmação dosdireitos civis de liberdade e propriedade para aclasse burguesa então emergente, emborapudesse ser visto como um retrocesso emrelação ao ideal grego, representou um grandeavanço em relação aos sistemas aristocráticose autoritários. A partir do século XIX,entretanto, passou a ser sistematicamentedesafiado, primeiro pelos democratas, por meioda afirmação dos direitos políticos, e, emseguida, pelos socialistas, por intermédio daluta pelos direitos sociais. Da mesma forma,porém, que o liberalismo identificou-seinicialmente com a burguesia, a ideologiasocialista, embora pretendesse exprimir osinteresses do “proletariado”, afinal traduziu osinteresses e a visão de mundo da classeburocrática emergente a partir da segundametade do século XIX29. E, a partir desse fato,pretendeu, em um certo momento, negar todosos valores liberais, estabelecendo uma oposiçãoradical entre o socialismo e o liberalismo.

O socialismo radical, não apenas de carátermarxista, mas principalmente de naturezaburocrática e autoritária, só foi absolutamentedominante nos países em que os partidoscomunistas tomaram o poder político. Uma

versão moderada, social-democrática, entre-tanto, do socialismo, foi dominante entre osanos 30 e os anos 60 no mundo capitalista, nosquadros do Estado do Bem-Estar ou EstadoSocial, permitindo o avanço dos direitos sociaisem combinação com os direitos civis e osdireitos políticos.

Os liberais, que permaneceram na defensivanesta última fase, retomam a iniciativa nos anos70, quando o Estado Social – nas suas trêsversões, o Estado do Bem-Estar, o EstadoDesenvolvimentista e o Estado Comunista –afinal entrou em crise30. O novo liberalismo –o neoliberalismo – terá uma inspiração anteseconômica do que política, partirá do indivi-dualismo metodológico e de uma radicaldescrença na possibilidade de ação coletiva(Olson, 1965). Nos termos da teoria da escolharacional, que então passa a prosperar, oindivíduo racional será um ser estritamenteegoísta, voltado apenas para seus interessespessoais. No campo da teoria política, porexemplo, toda a literatura está baseada nopressuposto de que o político se motivará apenaspela busca de rendas ou pela vontade de serreeleito, fazendo trade offs entre esses doisobjetivos. A idéia de que este seja o maupolítico, e que existe um segundo tipo depolítico que se motiva pela vontade de serreeleito e pelo interesse público, fazendo tradeoffs entre eles, é alheia ao novo conservado-rismo neoliberal que então se afirma31.

Contraditória e significativamente, porém,é nos quadros desse neoconservadorismo,

29 Examinei extensamente o problema daemergência da classe burocrática (ou da tecno-burocracia, ou da nova classe média, ou da classemédia assalariada – expressões sinônimas) emBresser Pereira (1981).

30 O liberalismo moderado e democrático, quedialogava e criticava a perspectiva social-demo-crática de Bobbio e Habermas, será representado,entre outros, por Ralf Dahrendorf e Raymond Aron.Embora conflitantes, estes autores conduzem a umaperspectiva social-liberal. Já o neoliberalismo terácomo expoentes Hayek, Friedman, Olson, Buchanan,Lucas. No Brasil José Guilherme Merquior foi talvezo mais representativo expoente do liberalismomoderado, social-liberal. Para uma ampla eatualizada resenha do pensamento liberal verMerquior (1991).

31 Não estou, com estas afirmações, diminuindoa importância da escola da escolha racional nem areduzindo a uma perspectiva liberal ou neoliberal.Existem cientistas políticos social-democratas, comoAdam Przeworski, que têm utilizado o instrumentalda escolha racional de forma criativa e politicamenteprogressista. Por outro lado, conforme deixarei claroem seguida, a contribuição dos intelectuaisconservadores ligados à escola da escolha racionalpara a emergência dos direitos republicanos éfundamental.

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apesar dele e, em parte, graças a ele, que a idéiados direitos republicanos e particularmente odireito à res publica vão se firmar. A visãonegativa da natureza humana levará à convic-ção na inevitabilidade do rent-seeking. OEstado será sempre objeto da apropriaçãoprivada. Por outro lado, à descrença correlatana possibilidade de ação coletiva para grandesgrupos conduzirá à certeza de que o Estado nãoterá capacidade de se opor ao rent-seeking, e àproposta do Estado mínimo. Entretanto, a tesedo Estado mínimo é apenas uma visãoirrealista, meramente lógico-dedutiva, de comodeve ser a política. Não corresponde à realidadedo capitalismo contemporâneo, não respondeàs necessidades efetivas da sociedade, sejamelas deduzidas logicamente, sejam avaliadasempiricamente. No Reino Unido, por exemplo,dezoito anos de um governo conservador, queadotou explicitamente o ideário neoliberal,resultaram em reformas importantes, mas nãopermitiram a redução do Estado em sentidoestrito: a carga tributária em relação ao produtointerno bruto é praticamente a mesma dezoitoanos depois32. Mas, ao mesmo tempo que setornava clara a inviabilidade da redução doEstado ao mínimo, ficava claro também oquanto esse Estado estava sendo ameaçado, oquanto as atividades de rent-seeking distorciama ação estatal, eram ineficientes e injustas. Paraisso a crítica dos neoliberais foi extremamenteimportante, somando-se à crítica da novaesquerda, que, desvinculando-se crescente-mente da burocracia, fazia a crítica da priva-tização do Estado não apenas pelos capitalistas,mas também pela classe média e particular-mente pela burocracia estatal.

Com a definição dos direitos republicanosneste último quartel do século XX, a visão decidadania ligada à idéia de interesse público ede valores cívicos, que foi ameaçada pela visãoneoliberal, afinal ganhou novas forças. Foi setornando claro que a cidadania só se completaquando os cidadãos têm a consciência dointeresse público. Quando o cidadão luta porseus direitos civis, políticos e sociais, ele o fazcomo membro de uma sociedade cujos inte-resses coletivos ele sabe que estão acima dos

seus interesses particulares. No individualismoclássico, liberal, cada um está voltado para seuauto-interesse, mas não de uma forma egoístae cega como pretende o neoconservadorismocontemporâneo. O individualismo liberal de umLocke, de um Tocqueville ou de um Mill é umindividualismo iluminado, que, sem dúvida,conta com o mercado e a concorrência paraassegurar o interesse geral, mas que contatambém com o espírito público de cada cidadão.

A idéia de uma cidadania plena se completaquando acrescentamos aos direitos civis,políticos e sociais os direitos republicanos.Nesse momento o cidadão é obrigado a pensarno interesse público explícita e diretamente. Sóassim terá condições de defender o patrimôniopúblico em geral – cultural, ambiental, eeconômico. Nesse momento surge a indignaçãocívica contra as violências que sofre a respublica . Indignação que Denis Rosenfield(1992: 13) expressou no Brasil, quando, dianteda onda de corrupção que assolava o País nogoverno Collor, afirmou:

“O público é colocado em questão.Trata-se de um processo de cartelizaçãoda política, reduzida a um mero jogo deforças, onde os vencedores são aquelesque se apropriam, às expensas dos outros,da maior parte do ‘butim’, figura esta aque se viu reduzida a ‘coisa pública’. Suaexpressão é a luta corporativa entre osque são detentores de força... Assim, asdemandas corporativas, provenientestantos dos setores mais ricos da sociedadequanto dos sindicatos de funcionários oude operários, terminam por prevalecersobre o interesse coletivo”33.

Direita e esquerda, liberais e social-democratas têm se esgrimido ao longo dostempos em torno do conceito de cidadania e daênfase que direitos civis ou direitos socaisdevem ter. Na verdade esse debate faz poucosentido quando fica claro que os direitos civissão também direitos humanos fundamentais dosmais pobres, e que sem os direitos socais nãohá possibilidade de um sistema capitalistaeficiente e de um governo legítimo. Por outrolado, que sem os direitos políticos não há a

32 Houve uma diminuição do tamanho do Estadose consideramos o Estado em sentido amplo comoenvolvendo as empresas estatais. Estas foramprivatizadas. A rigor, porém, não constituem oEstado, cujo tamanho deve ser medido princi-palmente pela carga tributária ou pela despesapública em relação ao produto.

33 Em termos mais gerais, Rosenfield (1996, p.40) entende que o Estado só se realiza plenamente“por intermédio da discussão, que é realizada noespaço público”. O problema democrático funda-mental é assim “resgatar a função do Estado em seucaráter público, isto é, que não se torne refém desuas próprias corporações, e responda pelacoletividade”.

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garantia democrática de que esses direitos serãoassegurados estavelmente, e que sem os direitosrepublicanos garantidos não há segurança deque o Estado possa realizar as tarefas que lhesão inerentes. Na verdade, os inimigos dosdireitos de cidadania não são os liberais nemos socialistas, mas os autoritários, os patrimo-nialistas, os corporativistas, e os simplesmentecorruptos34.

5. Os Direitos republicanose os Interesses Difusos

A emergência dos direitos republicanos estárelacionada com o processo de democratizaçãoque se tornou dominante em todo o mundo. Ademocracia transformou-se “em um valoruniversal” (Coutinho, 1980), exigindo docidadão uma crescente preocupação pelos temaspúblicos. Assim, ao mesmo tempo que a lutapelos direitos humanos ganhava nova dimen-são, nesta segunda metade do século XX surgiauma profusão de novos direitos. As NaçõesUnidas, que patrocinaram a DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos, passou a falarem “direitos de terceira geração”, que inclui-riam direitos à solidariedade, à paz, aodesenvolvimento econômico 35. Entretanto,conforme observou Bobbio, (1992: XIV) essesdireitos “constituem uma categoria aindademasiado heterogênea e vaga”. São maisaspirações do que direitos.

Entre os interesses de terceira geração,alguns novos direitos vão ganhando especi-ficidade na medida em que apresentam apossibilidade de serem positivados, transfor-mados em lei. São os interesses difusos ou, maisespecificamente, o que chamaremos de direitosrepublicanos. Entendemos como direitosrepublicanos os direitos que cada cidadão temde que os bens públicos – os bens que são detodos e para todos – permaneçam públicos, não

sejam capturados por indivíduos ou grupos deinteresse. Da mesma forma que o cidadão temo direito à liberdade e à propriedade (direitoscivis), a votar e a ser votado (direitos polí-ticos), à educação, à saúde e à cultura (direi-tos sociais), ele tem o direito de que o patri-mônio do Estado – seja ele constituído pelopatrimônio ambiental, seja pelo patrimôniocultural, seja pela res publica – continue a serum patrimônio a serviço de todos ao invés deser apropriado por grupos patrimonialistas oucorporativistas que agem dentro da sociedadecomo livre-atiradores.

A ameaça aos direitos republicanos origina-se na perspectiva patrimonialista do Estado –que confunde o patrimônio público com o doindivíduo ou de sua família – ou na perspectivacorporativista, que confunde o patrimônio doEstado com o dos grupos de interesse corpo-rativamente organizados. Patrimonialistas ecorporativistas são livre-atiradores, indivíduosque, contando que a maioria não faça o mesmo,não hesitam – individualmente no caso dopatrimonialismo, coletivamente, no caso docorporativismo – em privatizar o Estado, emcapturá-lo. O criminoso, o violentador dedireitos é sempre um livre-atirador. Ele conheceas leis que organizam a vida social, sabe que setodos as transgredirem elas perdem eficácia ea desordem se generaliza. Como, entretanto, amaioria obedece às leis, ele sabe que existeespaço para sua ação danosa ou criminosa.

Podemos pensar em três direitos repu-blicanos fundamentais: o direito ao patrimônioambiental, o direito ao patrimônio histórico-cultural e o direito ao patrimônio econômicopúblico, ou seja, à res publica estrito senso ou“coisa pública”. O patrimônio econômicopúblico é principalmente patrimônio estatal,embora a cada dia cresça a importância da respublica não-estatal. Nos três casos falamos debens públicos, porque são ou devem ser de todose para todos. Na medida em que são bens detodos e para todos, tendem a ser mal defendidose por isso estão permanentemente ameaçados.

A ameaça ao patrimônio ambiental e aopatrimônio cultural é principalmente a daviolência contra eles. No caso da res publica,que é constituída principalmente pela receitado Estado obtida por meio de impostos, oproblema é o da sua apropriação privada. Adiferença entre a ameaça aos bens privados eaos bens públicos está no fato de que o detentordo bem privado é um indivíduo permanen-temente atento, pronto para defender suapropriedade, enquanto que o detentor do bem

34 Nestes termos a proposta de distinguir umaabordagem liberal de uma abordagem histórica noconceito de cidadania faz pouco sentido (Wiener,1992). Metodologicamente podemos usar prefe-rencialmente o método lógico-dedutivo ou o métodohistórico-indutivo, mas daí não se segue que umconceito ideológico de cidadania seja de grandeajuda.

35 Os direitos de primeira geração seriam os civise os políticos, e os de segunda, os direitos sociais.Ferreira Filho (1995), em seu estudo sobre os direitoshumanos fundamentais, prefere chamar os direitosde terceira geração de direitos de solidariedade.

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público é a sociedade, é a nação, é o conjuntodos cidadãos organizados coletivamente nopróprio Estado. Ora, sabemos como sãolimitadas as possibilidades da ação coletiva.

Os direitos republicanos são geralmentedireitos coletivos ou pluriindividuais, namedida em que seus titulares são principalmentegrupos de pessoas, mas fazem parte do direitode cada cidadão. Seu surgimento constitui umsinal do avanço da cidadania. Na teoria doDireito não se fala, geralmente, em direitosrepublicanos, mas em interesses difusos.Conforme observa Antunes (1989: 21-22) aemergência dos interesses difusos é umaconseqüência inevitável do amadurecimentocívico do cidadão em um momento históricoem que o Estado ainda não deu coberturanormativa adequada a uma vasta área deinteresses. Nesse sentido, afirma Antunes, os“interesses difusos são interesses públicoslatentes, eventualmente fragmentados”. Não éfácil defini-los: “de modo geral, a figura dointeresse difuso pode aplicar-se a muitosdireitos sociais e culturais e a muitas normasprogramáticas de nossa Constituição”. Dessaforma, os interesses difusos ou os direitosrepublicanos assumem um caráter tão amploque acabam se esvaziando de conteúdo.

Os direitos republicanos são mal definidose pior defendidos. Por isso os juristas, pruden-temente, falam em interesses e não em direitos,e os qualificam como “difusos”. Falam tambémem interesses ou “direitos coletivos”. Sãodireitos coletivos quando sua titularidade seexpressa coletivamente, como direito de umaclasse ou categoria de sujeitos36. Mas os direitosrepublicanos são um direito subjetivo individualna medida em que os cidadãos são delesdetentores. Os juristas também falam em“direitos republicanos subjetivos” para designarde forma ampla todos os direitos dos indivíduosem face ao Estado: direitos que obrigam oEstado a não fazer (não atentar contra aliberdade, principalmente) ou fazer (parti-cularmente os direitos sociais a serem garan-

tidos pelo Estado). Os direitos republicanospoderiam ser incluídos nessa categoria, mas aodefinir assim direitos republicanos estaríamosampliando excessivamente o conceito e, afinal,invertendo o seu significado. Quando nosreferimos a direitos republicanos não nosinteressam os direitos dos cidadãos contra oEstado – esses são os direitos civis –, mas osdireitos dos cidadãos reunidos no Estado contraos indivíduos e grupos que querem capturar opatrimônio público.

Embora baseados em princípios moraisgerais senão universais, os direitos surgem paradar resposta a problemas concretos de umadeterminada sociedade quando esta sociedadese convence de que tem condições mínimas deresolvê-los. A defesa sistemática do patrimôniohistórico-cultural das nações é uma conquistada primeira metade deste século. A consciênciada existência dos direitos sobre o patrimôniohistórico-cultural vem ganhando força paula-tinamente, mas em nenhum momento assumiucaráter dramático ou emergencial. Já os direitosao patrimônio ambiental emergiram emconseqüência da grande ameaça que a indus-trialização estava impondo ao meio ambiente.Tornaram-se universalmente reconhecidosdepois da grande reunião sobre o meio ambienteorganizada pelas Nações Unidas em Estocolmo,em 1972. A partir daí a defesa do meioambiente, que era o objeto da luta de grupos“verdes” radicais, de esquerda, passou a ser umapreocupação geral.

A defesa da res publica já está presente, demuitas maneiras, em todo o direito público,especialmente no direito penal quando esteprevê penas para quem se apodera do patri-mônio público de forma corrupta ou ilegal, eno direito administrativo quando este afirma aprioridade do interesse público e procuraproteger o Estado contra sua subordinação ainteresses privados37. Os direitos republicanosem geral e o direito à res publica, em particular,entretanto, só ganharam amplitude que os tornaum direito à parte, distinto dos demais, nesteúltimo quartel do século XX. A causa maisgeral dessa preocupação nova com a coisa

36 Antunes inclui entre os interesses difusos osdireitos do consumidor. Este é um direito que podeser coletivo, na medida em que seu titularfreqüentemente é um grupo, categoria ou classe depessoas ligadas entre si. Mas não é um direitorepublicano. É um direito civil, é um direitosubordinado ao direito de propriedade. O direito doconsumidor, embora possa ser visto como coletivo,é no fundo um direito privado: expressa o direito docomprador de bens de consumo de não ser enganadona sua compra.

37 A rigor é possível, no direito administrativo,distinguir o interesse público do interesse do Estado.É o que faz Bandeira de Mello (1995), quandodistingue o interesse público primário do Estado,que se identifica com o interesse público propria-mente dito, do interesse secundário, que pode serum mero interesse da instituição estatal em conflitocom o interesse público. No plano do ser (não no dodever ser) essa distinção faz todo sentido.

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pública está no enorme crescimento do Estadoneste século, com a proteção ao patrimônioambiental, os efeitos danosos da indus-trialização contra ele.

Estou entendendo, aqui, a res publica nãocomo regime político, nem como espaçopúblico, nem como bem comum, muito menoscomo espaço estatal, mas como patrimônioeconômico público, de todos e para todos38.Enquanto regime político a república é osistema de poder político legitimado pelo povoe no seu interesse exercido39. O conceito dosdireitos republicanos deriva antes do conceitode res publica do que do de república, emboraambos estejam intimamente relacionados. Hojerepública confunde-se com democracia; nopassado, quando ainda não haviam surgido asmonarquias parlamentares, opunha-se àmonarquia ou aos principados, podendo,segundo Maquiavel, assumir a forma tanto deuma república democrática quanto aristo-crática. A rigor, conforme observou Vico, arepública originalmente não tem nada dedemocrática, nasce aristocrática: foi a primeiraforma civil de governo, originando-se da reaçãodas famílias aristocráticas contra a revolta dosservos40.

Enquanto conceito mais geral de espaçopúblico, a res publica ou “o público” inclui tudoo que é público, que é do povo, que é de todos epara todos, que é manifesto e portanto dotadode publicidade, e que é garantido ou afirmadopor meio do Direito Público 41. Enquantoconsubstanciação do bem comum ou dointeresse público a res publica assume umcaráter valorativo. Os cidadãos serão tanto maiscidadãos quanto menos forem meros espec-

tadores e maior for seu compromisso com o bemcomum ou com interesse público42. Essas trêsacepções de coisa pública são fundamentais. Naverdade, é impossível defender a coisa públicase não existir a república e se os cidadãos nãotiverem claros para eles a noção de espaçopúblico e de bem comum ou de interessepúblico.

Inaceitável porque limitadora e, em últimainstância, enganadora, é a identificação da respublica com o Estado, ou do público com oestatal. Existe um patrimônio e um espaço queé público, mas não-estatal. E tudo que é estatalsó é público em termos de dever ser. Em termosde ser, conforme enfatizaremos neste trabalho,a propriedade estatal é freqüentementeapropriada privadamente.

Enquanto patrimônio econômico público,a res publica ou a coisa pública é constituídapelo estoque de ativos públicos e principalmentedo fluxo de recursos públicos que o Estado e asorganizações públicas não-estatais realizamperiodicamente. Este fluxo de recursos tem umaimportância fundamental porque é muitogrande e porque é muito vulnerável, muito maissujeito à apropriação privada do que o estoquede ativos públicos. À medida que, neste século,cresciam de forma extraordinária o Estado e asinstituições públicas não-estatais, à medida queaumentavam a carga tributária do Estado e asreceitas e contribuições voluntárias dasentidades públicas sem fins lucrativos, ou seja,à medida que crescia o patrimônio público,crescia a cobiça dos grupos de interesse por ele,e tornava-se imperativa sua proteção43.

38 Conforme observa Canotilho (1991, p. 492),“num velho e amplo sentido, a República significava‘coisa pública’ (é este o sentido que lhe dão, porexemplo, Bodin e Kant)”. Nesse sentido repúblicaou coisa pública identifica-se com “o público”, oespaço público, que inclui o regime republicano epatrimônio público.

39 Segundo a definição de Geraldo Ataliba(1985:IX), “república é o regime político em que osexercentes das funções políticas (executivas elegislativas) representam o povo e decidem em seunome, fazendo-o com responsabilidade, eleti-vamente, mediante mandatos renováveis periodi-camente”. Para uma resenha do conceito de repúblicana filosofia política clássica e no pensamento jurídicobrasileiro, ver Cármen Lúcia Antunes Rocha (1997).

40 Esta observação sobre o pensamento de Vicoencontra-se em Bobbio (1976, p. 124).

41 Ver a análise de Smend (1934) sobre oproblema do público e da coisa pública.

42 Segundo Janine Ribeiro (1994, p. 34), “quantomais os cidadãos forem reduzidos a público, aespectadores das decisões políticas, menor será ocaráter público das políticas adotadas, menor o seucompromisso com o bem comum, com a res publicaque deu nome ao regime republicano”.

43 Não existe uma estimativa deste fluxo derecursos se incluirmos as receitas das entidadespúblicas não-estatais. Se tomarmos, entretanto,apenas a carga tributária, sabemos que esta, nospaíses desenvolvidos, aumentou de cerca de 5 a 10por cento, no início do século XX, para 30 a 50 doproduto interno bruto atualmente. A rigor, dever-se-ia incluir no conceito de res publica o conjuntode renúncias fiscais do Estado em benefício dedeterminados grupos. Trata-se de uma coisa públicapotencial, cuja inclusão na res publica se justificana medida em que a receita que o Estado deixa derealizar não beneficia toda a sociedade, nãocorresponde a uma redução geral de impostos, masum benefício a determinados grupos.

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A preocupação de proteger a res publica sópassou a ser dominante na segunda metade doséculo XX. Não por acaso, nos anos 70, umcientista político progressista no Brasil(Martins, 1978) pela primeira vez escreveusobre o fenômeno da “privatização do Estado”,do uso do Estado para atender a interesses degrupos, enquanto uma economista conser-vadora nos Estados Unidos (Krueger, 1974),em um texto que abriu novos caminhos para ateoria econômica, definiu o processo de rent-seeking – de busca de rendas extramercado pormeio do controle do Estado. Ambos se referiamao mesmo problema: percebiam que eranecessário proteger a res publica contra aganância de indivíduos e grupos poderosos.

À medida que a proteção aos direitosrepublicanos passava a ser um tema dominanteem todo o mundo, foi-se tornando cada vez maisclaro que era preciso “refundar a república”;que a crise do Estado tornara sua reforma umanova prioridade; que a democracia e aadministração pública burocrática – as duasinstituições criadas para proteger o patrimôniopúblico – tinham de mudar: a democracia deviaser aprimorada para se tornar mais participativaou mais direta; e a administração públicaburocrática devia ser substituída por umaadministração pública gerencial. Neste processorefundacional uma coisa parece certa: aproteção dos direitos republicanos e, parti-cularmente, do direito à coisa pública, é umatarefa essencial. Para protegê-los, especial-mente o direito à res publica, no qual vamosnos concentrar a seguir, entretanto, é precisoalcançarmos uma conceituação mais clara doque seja esse novo direito que está surgindo nahistória.

6. Direito à coisa públicaSó é possível definir com clareza o direito

à res publica se tivermos uma noção clara dointeresse público. Isto não é essencial quandoestamos diante de ofensas óbvias à coisa públicacomo a corrupção e o nepotismo. Poderíamoschamar de direitos “clássicos” à res publica osdireitos do cidadão contra a corrupção nascompras públicas, contra a sonegação deimpostos e contra o nepotismo. O direito contraa corrupção nas compras públicas está previstono direito penal. Procura-se evitar o nepotismopor meio de instituições do direito adminis-trativo, principalmente o concurso público paraadmissão de servidores.

Existem, entretanto, outras violências tãoou mais graves contra o direito à res publica,que não são tão óbvias ou clássicas. Todas sãorelacionadas a políticas de Estado quepretendem ser políticas públicas, mas que naverdade atendem a interesses particulares eindefensáveis.

Neste caso temos, em primeiro lugar, aspolíticas econômicas ou “políticas industriais”,que, sem uma justificativa econômica baseadano interesse geral, protegem indevida eexcessivamente determinadas empresas ouindivíduos, beneficiando-os com subsídios,renúncias fiscais e proteção contra a concor-rência. Embora seja difícil distinguir astransferências legítimas das ilegítimas, noBrasil tivemos abusos evidentes, casos-limite,como os empréstimos sem correção monetáriaou com correção monetária limitada em épocade alta inflação, os subsídios recorrentes ausineiros de açúcar no Nordeste quando estaatividade é claramente antieconômica naregião etc.

Em segundo lugar temos as políticaspretensamente sociais, mas que protegemindevidamente indivíduos e grupos, princi-palmente membros da classe média, que detêmmaior poder eleitoral. Novamente casos-limitedesse tipo de violência foram as vantagensconcedidas aos mutuários do sistema financeirode habitação no final dos anos 80 e as vantagensque gozam os pensionistas dos fundos fechadosdas empresas estatais; nos dois casos osprejuízos do Tesouro do Estado foram enormes.

Em terceiro lugar temos as políticasadministrativas que protegem indevida edesequilibradamente ou todos os funcionáriospúblicos, ou determinados grupos de servidorespúblicos, inviabilizando que se cobre delestrabalho e remunerando-os de forma despro-porcional à sua contribuição ao Estado. Aestabilidade rígida garantida aos servidores pelaConstituição de 1988 e os profundos desequi-líbrios existentes nas suas remunerações sãoexemplos desse tipo de violência contra o direitoà res publica. Políticas previdenciárias paraservidores públicos, que lhes garantemprivilégios de uma aposentadoria integral eprecoce, totalmente desvinculada das contri-buições previdenciárias que realizaram, sãooutra forma de violência aos direitos repu-blicanos.

Esse tipo de violência contra a res publicaapresenta, entretanto, uma grande dificuldade.Afinal o que é o interesse público? Como dizerse determinada política do Estado consulta o

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interesse público, defende a res publica, ou, aocontrário, privilegia grupos especiais deinteresse? Evidentemente não é possívelidentificar o Estado e as políticas do Estadocom a racionalidade absoluta, com o interessepúblico em abstrato, como sugeriu Hegel, damesma forma que não é possível cair no errooposto de transformar o Estado em agenteexclusivo das classes dominantes, como fizeramMarx e principalmente Engels. Neste ponto,análises lógico-dedutivas do tipo adotado porHegel são de pouca utilidade. A visão históricade Marx e Engels, por sua vez, tem valorlimitado na medida em que o avanço, nestesúltimos cento e cinqüenta anos, da democraciae dos direitos de cidadania vão aos poucos seencarregando de refutá-la.

Na verdade, nas democracias social-liberaiscontemporâneas, marcadas pela representaçãopolítica dos mais variados grupos de interesses,por coalizões de classe de todos os tipos,ninguém tem o monopólio da definição dointeresse público. Cada grupo, cada classepretende representar corporativamente ointeresse público, de forma que nos deparamoscom uma heterogeneidade de “interessespúblicos” conflitantes. Isto, entretanto, nãosignifica que o interesse público não exista, quea defesa da res publica em nome do interessepúblico não possa ser realizada. Não significatambém que o interesse público só possa serdefendido indiretamente por meio da defesa doauto-interesse, dos interesses egoístas, coorde-nados pelo mercado, como pretende o libera-lismo radical, neoliberal. Significa apenas queo interesse público não existe de forma absolutae portanto autoritária. Existe, sim, de formarelativa, por meio do consenso que aos poucosas sociedades civilizadas vão formando sobreo que o constitui, e, mais amplamente, sobre oque constitui uma moral comum.

Esse consenso parte de uma distinção entreo auto-interesse o os valores civis, como fatoresdeterminantes da motivação humana. Seaceitarmos, como se tornou corrente entre oseconomistas e cientistas políticos neoliberaisda escolha racional e das expectativas racionaisneste final de século, que os indivíduos só semotivam pelo auto-interesse, a idéia de umconsenso em torno do interesse público torna-se contraditória, como se torna contraditória aidéia de cidadania44. Conforme observa Souza

Santos (1995: 255), “o regresso ao princípiodo mercado nos últimos vinte anos representaa revalidação social e política do ideário liberalem detrimento da cidadania”. Entretanto, seincluirmos na motivação humana, ao lado dosinteresses egoístas de cada indivíduo ou grupoos valores cívicos – os valores que permitem apaidea dos gregos, podemos pensar naformação de um consenso sobre o interessepúblico ou sobre os valores cívicos por meio,principalmente, da educação como umacaracterística fundamental das sociedadescivilizadas. Conforme nos dizem Davidson eDavidson, criticando o pensamento conser-vador moderno, que supõe como única moti-vação humana o auto-interesse (1996: 1-20):

“As nações são construídas sobreduas forças motivadoras: o auto-interessee os valores cívicos... A sociedadecivilizada requer a cooperação públicacom base nos ideais de eqüidade e justiçana busca do auto-interesse e da efi-ciência”.

A sociedade civilizada e a constituição deum consenso sobre o interesse público são frutoda racionalidade substantiva, orientada parafins. Mesmo, porém, quando a racionalidadeinstrumental se torna dominante, tornando abusca da eficiência ou do desenvolvimentoeconômico um valor fundamental do mundomoderno, os valores cívicos que constituem ointeresse público e permitem a cooperação oua ação coletiva são essenciais. Por meio delesse forma um consenso civilizado sobre ointeresse público, que, em seguida, se trans-forma em direito de cada cidadão: transforma-se nos direitos republicanos que merecem tantaproteção quanto mereceram no passado econtinuam a merecer hoje os direitos civis, osdireitos políticos e os direitos sociais.

Existe naturalmente o conceito positivistade interesse público (interesse resguardado nalei aprovada pelos representantes do povo). Parair além dele esse consenso social é importante.A partir dele será possível identificar a violaçãodo interesse público toda vez que, exposta amatéria à publicidade, ela provoca escândaloou reação coletiva de desprezo ou revolta. Atransparência efetiva da coisa pública e de sua

44 Observe-se que, da mesma forma que ocidadão dos filósofos políticos é uma construçãosocial e histórica, o indivíduo dos economistas

liberais operando livremente no mercado, apesar daabstração radical envolvida no conceito, é tambémuma construção histórica, estando ambos referidosao Estado que abriga o indivíduo econômico e ocidadão político. Sobre o caráter socialmenteconstruído do indivíduo ver Paulani (1996).

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gestão é a garantia mais concreta da democraciaparticipativa contra a violação dos direitosrepublicanos e a privatização da res publica.

A caracterização da violência à coisapública depende da clareza existente nasociedade em relação ao que ela entende porinteresse público. Podemos identificar três tiposde violência, classificados pela facilidade de suaidentificação. Em primeiro lugar temos asformas clássicas e bem definidas de violênciaà coisa pública: a corrupção, o nepotismo e asonegação fiscal. Em segundo lugar, o ganhode causa em ações judiciais injustas ouinfundadas contra o Estado45. Finalmente,temos as formas “modernas” e mal definidasde exercício de violência contra a coisa pública:as transferências indevidas a capitalistas, àclasse média e aos funcionários em nome depolíticas pretendidamente públicas.

Além da corrupção, a sonegação fiscal éuma violência que em países civilizados já foiincluída no direito penal46. O nepotismo ou,mais amplamente, o uso do cargo público nointeresse pessoal não é geralmente consideradocrime, mas, por meio dos concursos públicos paraadmissão de funcionários e de outros princípiosde direito administrativo, procura-se evitá-lo47.Em situação semelhante encontra-se o uso debens públicos de forma privada.

As vitórias em ações judiciais injustas ouindevidas contra o Estado, movidas porindivíduos privados e por funcionários, aquelespedindo indenizações absurdas em funçãoprincipalmente de desapropriações, ou livran-do-se da cobrança de impostos, estes solicitandovantagens indevidas que acabam desequili-brando todo o sistema remuneratório público,violentam a res publica. Nesses episódios, queenvolvem freqüentemente enormes prejuízospara o Tesouro, revela-se com freqüência o fato

de que o sistema jurídico ainda não logrou selivrar de seu viés liberal anti-estatal. O PoderJudiciário comporta-se, nessas ocasiões, comose ainda estivéssemos diante do problemaliberal de defender o cidadão contra um Estadotodo-poderoso e oligárquico. Todo o avanço dademocracia, nestes dois últimos séculos, teve osentido de garantir os direitos individuais. Umavez, entretanto, alcançada uma razoávelgarantia desses direitos, o problema da defesada res publica assumiu uma importânciafundamental que os sistemas jurídicos contem-porâneos não foram ainda capazes de dar conta,que não estão preparados para enfrentar oproblema, não dispondo muitas vezes doscritérios para distinguir as transferênciasdevidas das indevidas e as ações judiciaisabusivas das legítimas, nem está suficien-temente alertado da violência para com acidadania envolvida. A derrota judicial doEstado em ações dessa natureza, em certoscasos, deriva simplesmente da corrupção, masna maioria deles, é conseqüência do fato de queo direito administrativo, ainda que preocupadocom o interesse público, não tem cuidado deperceber a gravidade desses novos modos dedano à coisa pública. Por outro lado, sórecentemente vem ficando claro para osadministrativistas que a preocupação primeirado direito administrativo deve ser a defesa dacoisa pública, não apenas contra o adminis-trador corrupto, mas também senão princi-palmente contra o usurpador de fundospúblicos48.

Finalmente temos as formas “modernas” decaptura privada da coisa pública: as transfe-rências e renúncias fiscais em nome de políticaspúblicas distributivistas, ou de promoção dodesenvolvimento econômico. Esta é uma áreacinzenta, mal definida por natureza. É a áreaonde no passado atuavam as forças patrimo-nialistas e hoje atua o corporativismo. O patri-monialismo era mais direto: confundia o patri-mônio público com o privado abertamente –enquanto o corporativismo é mais sutil: defende

45 Obviamente não é fácil distinguir o que sejam“ações injustas contra o Estado”. Em muitos casoselas são fruto da má-fé do autor e só logram êxito sehouver corrupção do juiz ou de membros do poderjudiciário. Para uma ação ser injusta, entretanto, nãosão necessárias estas duas condições-limite.

46 O Brasil, por meio da Lei nº 4.729, de 14 dejulho de 1965, que definia o crime de sonegaçãofiscal, incluiu-se entre esses países. Essa lei,posteriormente, foi derrogada pela Lei nº 8.137, de27 de dezembro de 1990, que define os crimes contraa ordem tributária, econômica e contra as relaçõesde consumo.

47 Embora não considerado crime, o nepotismoé geralmente definido como “ato de improbidade”,podendo gerar responsabilidade civil se provado.

48 Na verdade, o direito administrativo vive hojeuma crise derivada de sua origem estritamenteburocrática, baseada na lei napoleônica de 1800.Enquanto o mundo passava por uma revoluçãotecnológica e gerencial, o corpo comum do direitoadministrativo continuava intocado. Uma crisedesencadeia-se então, a partir dos anos 60, queMedauar (1992, p. 226) analisa, para concluir que“ante as transformações da sociedade e do Estado,torna-se necessário fazer uma espécie de controlede validade das concepções tradicionais”.

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os interesses grupais sempre em nome dointeresse público. E o problema está no fato deque, ao contrário do que pretende o pensamentoneoliberal, uma parte dessas transferências énecessária, principalmente em nome dasolidariedade social. Distinguir as trans-ferências devidas das indevidas é um desafiofundamental das democracias modernas. Ocorporativismo é parte da democracia contem-porânea. O interesse público se define por meiode um complexo processo de negociações entregrupos corporativos intermediados peloEstado. Em muitos casos, entretanto, oresultado não é a afirmação do interessepúblico, mas o dos interesses privados. Nessemomento o Estado contemporâneo e o seurespectivo regime político, a democracia,entram em crise: o Estado em crise fiscal ede governança, a democracia em crise degovernabilidade49.

7. Positivação do Direito à res publicaO grande problema com os direitos repu-

blicanos e particularmente com o direito à respublica está no fato de que não é fácil identificaras violências “modernas” e mesmo as “violên-cias intermediárias” aos direitos republicanos.Todas elas implicam apropriação privada doEstado ou sua captura por particulares. Todaselas envolvem um enorme prejuízo para asociedade não apenas em função das transfe-rências indevidas que envolvem, mas tambémporque implica uso de uma enorme quantidadede trabalho improdutivo: a busca de rendasextramercado com apoio no Estado (rent-seeking).

O Direito fez pouco, até agora, na definiçãoe positivação dos novos direitos republicanos.Estão positivados os direitos republicanosclássicos: fundamentalmente o direito à coisapública contra as diversas formas de corrupção.Na lei brasileira, por exemplo, o Código Penalde 1941 não apenas tipifica como crime a

corrupção passiva, como o crime de empregoirregular de verbas ou rendas públicas,concussão (exigir vantagem indevida) e aadvocacia administrativa. Adicionalmente, aLei da Improbidade, de 1992, ampliou oconceito de improbidade administrativa,incluindo entre eles: (a) os atos lesivos ao erário;(b) os atos que importam em enriquecimentoilícito do agente público, acarretem ou nãodanos ao erário; (c) os atos que atentem contraos princípios da administração, acarretem ounão lesão ao erário ou enriquecimento ilícito.Nesses casos o problema é o da efetiva defesados direitos republicanos correspondentes.

Por outro lado, entre os novos direitosrepublicanos, o direito ao patrimônio ambientale o direito ao patrimônio cultural vêm tambémsendo afirmados pela lei. Na própria Cons-tituição brasileira o direito ao meio ambiente(art. 225) e o direito ao patrimônio histórico-cultural (art. 216) são explicitamente afirmados.Além disso, a Lei de Ação Civil Pública de 1985deu, de forma pioneira, instrumentos aoscidadãos para cobrar responsabilidade pordanos causados ao meio ambiente, ao consu-midor e a bens e direitos de valor artístico,estético, histórico, turístico e paisagístico.

Finalmente, no art. 5º da Constituiçãobrasileira, um rol de direitos republicanos éelencado e a ação popular é assegurada aqualquer cidadão para anular ato lesivo aopatrimônio público, ao meio ambiente e aopatrimônio histórico e cultural. Se esses direitosnão estão adequadamente garantidos é porquefalta operacionalizar a fiscalização, a ordenaçãode provas dos fatos violadores dos direitosrepublicanos e o aparelhamento adequado dosórgãos incumbidos de fiscalizar e cobrarresponsabilidades pela violação dos direitosrepublicanos. O Judiciário, por definição, époder inerte e, quando acionado, exige provasdas acusações e não meras narrativas de queviolações ocorreram.

Já em relação ao direito à res publica estritosenso, ao patrimônio econômico público, poucofoi feito para sua positivação. Esses são direitosnovos, sobre os quais a própria sociedade nãofoi ainda capaz de tomar consciência clara. Ora,a positivação dos direitos pelos legisladores, esua conceituação e interpretação pelos juristas,só ocorre historicamente quando essa tomadade consciência já ocorreu por parte dasociedade. Definir melhor esses direitos,caracterizar melhor as formas e modos de suatransgressão, transformá-los em normas

49 Devo esta observação a Denis Rosenfield, queem seus comentários à versão preliminar desteartigo, escreveu: “Há formas de ação particularmentedanosas para a res publica que são não apenas legaismas correspondem ao modo de funcionamento deum tipo de sociedade democrática. Na minhaperspectiva, tenderia a dizer que não se trata de umdisfuncionamento da democracia, mas talvez de suacrise, pois a atuação política e jurídica docorporativismo, de apropriação privada do público,é reveladora de uma determinada forma de exercíciocontemporâneo da política”.

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eficazes é, portanto, o grande desafio do Direito,principalmente do direito administrativo doséculo XXI.

Sob muitos aspectos, entretanto, o direitoadministrativo ainda está preso às suas origens:ao século XIX. Neste século o direito adminis-trativo surgiu como disciplina jurídica epreocupou-se com três problemas funda-mentais, que, a rigor, estão na base dos direitosrepublicanos: a afirmação do poder ou dasoberania do Estado e da supremacia dointeresse público sobre o privado50; a defesa doEstado contra a corrupção e o nepotismo e aregulamentação da administração pública e dasua burocracia. Ao mesmo tempo, entretanto,e fiel ao liberalismo que lhe deu origem,preocupava-se, no plano dos direitos, com agarantia dos direitos civis contra o Estadodespótico; no século XX, com a emergência doEstado Social, acrescentou à sua agenda osdireitos sociais.

Nesse processo o direito administrativo seviu imerso em uma contradição básica.Afirmava a supremacia do interesse público,mas acabou descurando-se dos novos direitosrepublicanos, decorrentes do aumento da respublica em fluxo representada pela cargatributária. Ao invés, concentrou-se em defenderos direitos civis e os direitos sociais em face aoEstado. Ora, esses direitos, se entendidos deforma desmedida, podem facilmente entrar emconflito com o direito à res publica. Enquantoa democracia liberal não estava definida eassegurada, a prioridade para os direitos civise políticos era inevitável. Da mesma forma,enquanto a desigualdade e a injustiça mar-cavam as relações sociais, a importância dosdireitos sociais era essencial. Nos paísesdesenvolvidos, o primeiro problema foiadequadamente resolvido, nos países civi-lizados, o segundo também51. Por isso, parasociedades que somam desenvolvimento e

civilização, o problema dos direitos repu-blicanos tornou-se essencial.

Nos países em desenvolvimento, entretanto,o problema dos direitos republicanos é tambémfundamental. Esses países, apenas neste últimoquartel do século XX, parecem ter alcançado ademocracia de forma razoavelmente estável, eestão ainda muito longe de um sistema socialeqüitativo. Entretanto, sabemos que o subdesen-volvimento é caracterizado pela sobreposiçãode fases históricas. Esta é uma fonte de confusãoconceitual para os analistas, mas é também umaoportunidade que as sociedades em desenvol-vimento mais criativas podem aproveitar.

No século XXI, o grande desafio para odireito administrativo será proteger o Estado,ou mais precisamente, a res publica, para, dessaforma, proteger o cidadão. Cidadão-contri-buinte, que paga impostos e tem direito que osserviços prestados pelo Estado sejam eficientes,custem o mínimo necessário. Cidadão-usuário,que recebe serviços e tem direito que eles sejamde boa qualidade. Cidadãos-cidadãos, que têmdireito à res publica. Nos séculos anteriores, oDireito, por meio dos direitos civis e políticos,afirmou a liberdade e protegeu os cidadãosdiretamente contra a opressão, e por meio dosdireitos sociais, afirmou a igualdade e protegeuos cidadãos em grupo contra a desigualdade,no século XXI, afirmará a prioridade dointeresse público e, por meio dos direitosrepublicanos, protegerá adicionalmente oscidadãos contra a captura do Estado pelosinteresses privados.

Na Constituição brasileira, existe umainstituição que assinala a problemática dapositivação e da defesa dos direitos repu-blicanos: a ação popular. Por meio dela cadacidadão pode exigir que a coisa pública nãoseja violentada. Além disso, nesse mesmoestatuto, há a previsão, entre as funçõesinstitucionais do Ministério Público, a de“promover o inquérito civil e a ação civilpública, para a proteção do patrimônio públicoe social, do meio ambiente e de outros interessesdifusos e coletivos”. Nesse sentido, houve umavanço no sentido da defesa da res publica. Ostribunais, entretanto, têm uma grande difi-culdade em julgar as ações populares na medidaem que os direitos republicanos estão muitasvezes mal definidos, ou então porque, no Direitobrasileiro, o sistema processual de tal formaprotege o réu que, da mesma forma que ocorrenos crimes comuns, se o ofensor contar comum bom advogado, torna-se quase impossívelcondená-lo. Por outro lado, quando a Consti-

50 Conforme Bandeira de Mello (1995, p. 17),“todo o sistema do Direito Administrativo, a nossover, se constrói sobre os mencionados princípios dasupremacia do interesse público sobre o particulare indisponibilidade do interesse público pelaAdministração”.

51 Um país desenvolvido não é necessariamentecivilizado, dependendo do conceito de civilizaçãoque adotemos. Um país civilizado não é apenas umpaís rico, mas também justo. Przeworski (1995)definiu um país civilizado como aquele em quemenos de 10 por cento da população está abaixo dalinha de pobreza. De acordo com essa definição osEstados Unidos não são civilizados.

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tuição de 1988 retirou a advocacia do Estadodo Ministério Público, que passou a serexclusivamente um defensor da cidadaniacontra as ações criminosas, a idéia foi distinguirtermos dois órgãos defendendo a res publica,sendo um independente do Executivo. E, defato, as atribuições do Ministério Públicocresceram na parte cível e de defesa dacidadania e da coisa pública. O MinistérioPúblico foi fortalecido, transformando-sepraticamente em um quarto poder, e conservouseu papel de combater os crimes contra oscidadãos e o Estado. Mas, na medida em queas violências contra a res publica não sepositivam ainda como crimes, ou não foramainda plenamente identificadas com as figurastípicas existentes, não está suficientementeclaro que seu papel fundamental, como defensordo interesse público, é defender a res publicano sentido que estamos utilizando aqui, nosentido de patrimônio econômico público,contra as violências contra ela. As violênciascivis contra o Estado passaram a ser objeto daAdvocacia Geral da União, enquanto oMinistério Público acentuava seu papel dedefensor da cidadania clássica e do patrimônioambiental e cultural, deixando, em segundoplano, a defesa do patrimônio econômicopúblico. Ora, na defesa da cidadania clássica,o Estado aparece mais freqüentemente comoagente violentador do que como violentado.

Para a defesa da res publica, uma instituiçãointeressante, no Estado francês, é o Conseild’Etat. Seu papel é claramente o de defensorda res publica na medida em que, além deconselheiro do governo, este órgão se constituiem tribunal de última instância, embora decaráter administrativo, em relação às açõespatrimoniais contra o Estado. No julgamentodas ações contra o Estado, o Conseil d’Etatadota uma perspectiva de proteção do interessepúblico que, nos países em que não existe umainstituição desse tipo, se torna mais difícil, jáque, na tradição liberal dos direitos civis, osinteresses dos cidadãos são vistos como opostosaos do Estado, embora, contraditoriamente, seassuma que o Estado represente o interessepúblico. A contradição de certo modo sedissolve com a distinção entre o público que oEstado representa e os interesses momentâneosdo Governo ou da Burocracia. Quando osdireitos civis defendidos são legítimos, suasatisfação atende o interesse público, emborapossa não estar atendendo o interesse doaparelho estatal ou do governo que o dirige.

8. Defensores e AdversáriosA conscientização, positivação e garantia

do direito à res publica, ocorrerá lentamente, àmedida que a sociedade se aperceba da suaexistência. Precisamos, entretanto, ter claroquem são seus principais defensores oupropugnadores, e quem são seus principaisinimigos. A definição dos principais defensoresé sempre arbitrária. Para cada direito temos umnúmero enorme de defensores, que tende a seampliar à medida que o direito se afirma.Podemos, entretanto, distinguir historicamentealguns defensores especiais para cada um dosdireitos.

Os direitos de cidadania anteriores tiveramcada um um defensor principal diferente. Osdireitos civis tiveram como campeões no séculoXVIII as cortes inglesas e os filósofos ilu-ministas, em busca de um mundo mais livre;os direitos políticos se afirmaram no século XIXa partir da superação do liberalismo econômicopelos políticos democráticos comprometidoscom as causas populares52; os direitos sociaisforam fruto direto da luta dos socialistas. Osdireitos republicanos terão defensores depen-dendo da natureza dos mesmos: os direitos aopatrimônio cultural têm como principaisdefensores os artistas; os defensores dopatrimônio ambiental são protegidos princi-palmente pelos biólogos e ambientalistas; e odireito à res publica , finalmente, tem noseconomistas seus patronos mais diretos, emboradeva caber sempre aos juristas e filósofos adefinição desses direitos, e aos juristas a suaimplementação. Na definição dos limites entreas políticas econômicas e sociais legítimas eilegítimas os economistas teóricos, com seuinstrumental baseado nos conceitos de benspúblicos, poder monopolista, externalidades ede custos de transação, já vêm dando umacontribuição importante. Por outro lado, oseconomistas e os gestores públicos localizadosnos ministérios das finanças dos diversos paísessão os profissionais mais diretamente respon-sáveis pelo equilíbrio das contas fiscais e,portanto, pelo veto ao mau uso de recursospúblicos. Entretanto, o papel decisivo dedefinição e implementação do direito repu-blicano à res publica caberá sempre aos juristassituados fora e dentro do Estado. Fora doEstado, será a partir do debate filosófico ejurídico que poderão ser melhor definidos osdireitos republicanos. Dentro do Estado, são

52 Ver a respeito Thereborn (1977) e Bobbio(1988).

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defensores por excelência da res publica, poruma questão profissional, os advogados doEstado, o Ministério Público, e, mais generica-mente, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo.Os advogados protegem juridicamente o Estadonas questões civis tradicionais em que o Estadoé réu ou autor: questões tributárias, desa-propriações, questões trabalhistas. Ao Minis-tério Público cabe especificamente a defesa dosdireitos republicanos; na prática, as açõesprovocadas por entidades ligadas ao meio-ambiente quase sempre acabam iniciadas peloMinistério Público; provavelmente as ações,protegendo o patrimônio econômico públicotenderão a ser no futuro próximo cada vez maisfreqüentes. Ao Poder Judiciário caberá julgaras ações a partir dos critérios que o PoderLegislativo procurará definir em lei, mas quedependerão em grande parte da própriajurisprudência que aos poucos for sendodefinida. Na medida, porém, em que não hádireito positivo definido para as violências àres publica relacionadas com as políticaseconômicas e sociais do Estado, nem critériospara julgar o que é abusivo e o que é legítimonessa área, o trabalho de definição desta áreado Direito será necessariamente o resultado dotrabalho conjunto de economistas, filósofospolíticos e sociais, e juristas.

Constituindo-se principalmente de um fluxode receitas tributárias, a res publica é um bemeconômico comum fundamental. Os econo-mistas, apesar de todo o seu individualismo,que os leva freqüentemente a desacreditar dapossibilidade de ação coletiva, estão profis-sionalmente voltados para a utilização ótimade recursos escassos. Sua permanente tentaçãoestá em acreditar que os mercados sejamcapazes de realizar autonomamente essa tarefa.Entretanto, quando a intervenção do Estado semostra inevitável, os economistas – e nãoapenas os que trabalham para o Estado –dispõem do instrumental para desenvolvermétodos razoavelmente rigorosos de avaliaçãodas políticas públicas por meio dos quaisprotegem o patrimônio econômico público.Logram assim critérios para distinguir qual éa intervenção do Estado no econômico e nosocial, que é legítima, e qual não é53. Os critérioseconômicos que adotam para justificar aintervenção do Estado – externalidades

positivas e negativas, ganhos de escala, poderde monopólio, assimetria de informações,mercados incompletos – são, naturalmente, dedifícil aplicação nos casos concretos. Como,entretanto, as violências contra a coisa públicasão geralmente grosseiras, estes critérios, se nãosão suficientes, ajudam muito na avaliação doproblema.

Aos critérios econômicos é necessário,porém, acrescentar os critérios morais relacio-nados com os direitos sociais ou, maisamplamente, com os direitos humanos. Quandoo Estado garante saúde de forma universal, oueducação de primeiro grau, ou um sistema deprevidência básico, seus gastos podem ter umajustificativa econômica, mas estão respondendoessencialmente a imperativos de ordem moral.Da mesma forma, entretanto, que pode haverabuso, apropriação privada da coisa públicacom justificativas de ordem econômica, maisfacilmente podem ser apresentadas justifi-cativas de ordem social e moral. Saber criticaressas justificativas é uma tarefa fundamental aque economistas, filósofos e juristas terãocrescentemente que se dedicar.

Os critérios econômicos e os morais quedistinguem a intervenção estatal legítima daapropriação privada da coisa pública sãosempre fortemente influenciados por fatores deordem ideológica. Neste momento, a visão deesquerda e de direita volta a entrar em conflitoe a tornar irracional o debate. Apesar, de umlado, do colapso do comunismo ter eliminadoa alternativa utópica da esquerda de umaeconomia coordenada pelo Estado ao invés domercado, e, de outro, dos recorrentes fracassosneoliberais em implantar a utopia oposta doEstado mínimo, existe ainda um grande númerode pessoas que afirma a legitimidade daintervenção estatal a partir das suas preferênciaspessoais pela esquerda ou pela direta54. Naverdade, haverá sempre indivíduos e gruposmais de direita ou mais de esquerda, na medidaem que priorizem respectivamente a ordem oua justiça social, mas não terão, para isto, queadotar uma posição mais ou menos inter-vencionista. A história registra posições dedireita altamente intervencionistas, favoráveis

53 A literatura a respeito é imensa. Ver parti-cularmente Lane (1985), Santos (1988, cap. 2),Stiglitz (1989, 1994), Przeworski (1990, 1995),Rapaczynski (1996).

54 Para uma crítica do uso do critério intervençãodo Estado para distinguir esquerda de direita, verBresser Pereira (1996b). Nesse trabalho proponhocomo critérios universais para distinguir esquerdade direita a ordem e a justiça social. Emboravalorizando estes dois objetivos políticos funda-mentais, a direita prioriza a ordem, a esquerda, ajustiça.

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a políticas industriais agressivas, enquanto hojetornam-se freqüentes postulações de esquerdalimitativas da intervenção do Estado no planodas políticas de promoção do desenvolvimentoeconômico.

Quando é adotada uma posição conser-vadora e liberal-radical (neoliberal), como é ocaso dos economistas da escolha racional,imagina-se que a melhor alternativa paradefender a coisa pública é diminuí-la aomínimo. Na medida, entretanto, que falta a estaalternativa qualquer viabilidade prática, já queas sociedades contemporâneas continuam aexigir do Estado um papel ativo na promoçãodos direitos sociais e dos direitos republicanos,não resta outra possibilidade senão defender ares publica.

Dado seu equipamento teórico de quedispõem e sua missão específica, quandoocupam funções no Estado, de defesa doTesouro, os economistas são candidatos naturaisà proteção da res publica. Entretanto, esta éuma tarefa muito maior do que aquela quepodem eles realizar. Precisam da contribuiçãocrítica e atuante de cientistas sociais, de juristas,de filósofos sociais, de administradores públicose de políticos. A tarefa não é apenas a de definircritérios. É principalmente a de denunciar osviolentadores da coisa pública.

Quem são eles? Sob certos aspectos, somostodos nós. Afinal Hobbes postulava para oshomens a “cobiça natural”. Podemos, entre-tanto, ser mais específicos. Historicamente aapropriação da coisa pública ocorreu por meiodo mecanismo patrimonialista, embora, a rigor,enquanto não havia a clara separação entre opatrimônio público e o privado, não se pudessefalar em res publica, nem em sua apropriaçãoprivada. A partir do século XVIII, porém, coma afirmação do capitalismo, e, em seguida, noséculo XIX, com a progressiva introdução dosregimes democráticos, o patrimonialismo e suasformas contemporâneas – o clientelismo e ofisiologismo – passaram a se constituir noinimigo a ser combatido. A democracia, comuma imprensa livre e uma oposição políticaatuante, e a introdução da administraçãopública burocrática foram os dois instrumentosfundamentais de combate ao nepotismo e àcorrupção patrimonialista.

No século XX, entretanto, surgiu uma novaforma institucionalizada de apropriação privadada coisa pública: o corporativismo. Enquantono patrimonialismo se confunde o patrimôniopúblico com o da família, no corporativismo o

patrimônio público é confundido com opatrimônio do grupo de interesses ou corpo-ração. Estou entendendo aqui corporativismonão como uma forma de regulação socialassociado ao Estado do Bem-Estar, mas comouma forma de representação de interesses queé, ao mesmo tempo, legítima e perversa55. Élegítima porque faz parte da lógica política docapitalismo contemporâneo que os grupossociais se façam representar politicamente edefendam seus interesses. É perversa porqueesses grupos, ao invés de admitir que estãodefendendo interesses particulares, tendem aidentificar seus interesses particulares com ointeresse público. Quando alguém ou algumgrupo defende explicitamente seus interessesjunto ao Estado, esta ação é absolutamentelegítima. Deixa de sê-lo, entretanto, quando aargumentação usada esconde ou minimiza osinteresses particulares representados, preten-dendo afirmar os interesses gerais. Neste casoa probabilidade de que esteja havendo umprocesso de privatização da coisa pública émuito grande.

9. ConclusãoA esfera econômica é definida por um

processo de produção e distribuição de riquezae renda, a política, pela produção e distribuiçãode poder. Estas duas esferas são interde-pendentes. Da mesma forma que quando asempresas exercem poder de monopólio, elasestão incluindo no mercado um elemento depoder, quando o Estado assume o papel dedistribuidor de renda por meio das transfe-rências que realiza, a distribuição de rendapassa a ter um caráter eminentemente político.Neste momento a res publica entra em jogo, eevitar que ela seja apropriada de forma privadatorna-se um problema político fundamental dassociedades civilizadas.

O avanço da cidadania e da civilização nomundo tem ocorrido historicamente por meioda afirmação de direitos. A definição eintrodução nas leis dos países dos direitos civismarcou o início do regimes políticos liberais; aafirmação dos direitos políticos permitiu osurgimento das democracias liberais; adefinição dos direitos sociais, a emergência dassocial-democracias. A afirmação dos direitosrepublicanos completará esse ciclo histórico deafirmação da cidadania.

55 Para uma conceituação de corporativismocomo modo de regulação social ver Schmitter (1974),Cawson (1985).

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Cada um desses direitos constrói-se sobre oanterior. Os dois primeiros afirmaram direitosindividuais; os dois últimos, direitos coletivos.Mas os direitos individuais só são viáveis noplano de uma polis em que o público temprecedência sobre o privado. Da mesma formaque o interesse público só é atendido quandoos direitos individuais estão assegurados.

Todos esses direitos são direitos do homem,são direitos humanos. Direitos que os homensvêm afirmando e procurando positivar nestesúltimos três séculos. Sua definição e suaintrodução nas leis dos países foi uma grandeconquista civilizatória, mas é apenas uma etapade sua afirmação mais geral. Esta depende dasua efetiva proteção, da garantia de que ela seestenda a toda a sociedade. Embora não acrediteno desenvolvimento linear das sociedades,acredito que a tendência ao progresso e àcivilização é dominante. Quando os direitoscivis e políticos se transformaram, nestasegunda metade do século XX, em “direitoshumanos”, o que estava acontecendo era a buscasistemática de estendê-los às camadas maispobres da população. Quando os direitosrepublicanos começam a ser definidos nestefinal de século, o que vemos é a busca de umnível mais alto de democracia e de integraçãodo público e do privado.

Definir os direitos republicanos – o direitoao patrimônio histórico-cultural, ao patrimônioambiental e ao patrimônio econômico comuns– não é fácil. A dificuldade é especialmentegrande em relação ao patrimônio econômico,que neste trabalho identificamos com a respublica . Esta coisa pública é representadaprincipalmente pelo fluxo de impostos que oEstado coleta todos os anos. Dependendo daforma segundo a qual esses recursos estiveremsendo gastos, estará havendo um uso públicoou uma apropriação privada da res publica.

Muitos são os privatizadores da coisapública. No passado, eram representados pelopatrimonialismo, no presente pelo corpo-rativismo. Por outro lado, muitos são oscandidatos a defensores da res publica. Tudoindica, entretanto, que cabe aos economistasum papel estratégico nesse processo, na medidaem que sejam capazes de definir os critériosque permitam distinguir a despesa públicalegítima da ilegítima. Não há dúvida, entre-tanto, que esta é uma tarefa que supera de muitoa capacidade dos economistas. É um desafiode toda a sociedade que além de democráticase quer civilizada.

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