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capítulo 1

INTRODUÇÃO

É muito comum que aquilo integrado ostensivamente à vida dos indivíduos se torne tão corriqueiro que deixa de demandar atenção, impedindo uma constante reavaliação e reflexão: de tão presente, torna-se imperceptível. As alterações por que passa deixam de ser percebidas instantaneamente, mesmo que exerçam necessária al-teração de comportamentos e façam surgir problemas e soluções. Adaptações e dificuldades são tomadas sem que se dê conta dos reais motivos para tanto. Só em avançado estádio de mudança é que se tem a percepção sobre ela.

É possível exemplificar isso com as paulatinas mudanças do ambiente urbano. Quando se tem contato com imagens do pas-sado da cidade, bairro ou mesmo vizinhança, percebem-se quão modificados estão. Só então dá-se conta dos novos obstáculos que passaram a ser superados inconscientemente, o mesmo ocorrendo com as facilitações. Em outras ocasiões, as consequências dessas mudanças são de tal modo brutais que causam o abruto despertar desta condição letárgica de percepção.

Algo similar acontece com os precedentes no Brasil. De tão presente na atividade jurídica em suas mais diversas dimensões (profissionais, educacionais e científicas), parte-se da irrefletida premissa de que bem se sabe o que sejam, como se os utilizam e qual sua função. Ressalvadas valorosas exceções, não se verifica uma preocupação em se desenvolver pensamento especificamente para o tema.

Há algum tempo, passou-se a ter cuidado em se promover abor-dagem focada mais detidamente sobre os precedentes, não signifi-cando, porém, que tenha sido adequada. Cada vez mais se fala e se escreve sobre o tema. É comum, entretanto, o uso de perspectiva teórica moldada para um Direito legislativo (típico da tradição ju-rídica nacional) ou a simples importação de institutos do âmbito inglês e estadunidense. Ambas as posições não condizem com o constitucionalismo contemporâneo.

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Este livro tem por objeto uma apropriada análise dos preceden-tes, realizada segundo o constitucionalismo contemporâneo, o qual exige uma reavaliação da infraestrutura filosófica do Direito em prol da Hermenêutica filosófica, bem como o estabelecimento de referenciais teórico e ideológico calcados no Direito como integri-dade e em um sistema jurídico coerentista. Só assim será possível bem apreender os cada vez mais comuns textos legislativos disci-plinando o respeito a julgados pretéritos, especialmente de tribu-nais superiores.

O estudo é dividido em cinco capítulos. No segundo, logo após a introdução, faz-se uma apresentação do quadro geral dos pre-cedentes atualmente no Brasil. Busca-se trazer os motivos de sua relevância atualmente, que são: a) teóricos, a busca de segurança jurídica por meio das alterações por que passou o Estado de Direi-to nas tradições alemã, francesa e inglesa; b) político-institucional, tentativa de concentração dos novos poderes judiciais nos órgãos de cúpula do Judiciário; c) prático, o mais fácil acesso aos mais dife-rentes julgados dos diversos tribunais da Federação.

Ainda no segundo módulo são identificados os quatro erros mais expressivos que se percebem na doutrina e jurisdição brasilei-ras: a) tomar ementa por precedente e aplicá-la por subsunção; b) crer que o constitucionalismo contemporâneo causa a necessidade de importação de institutos do common law para lidar com a nova jurisdição de matiz constitucional; c) indicar que precedente é ca-paz de garantir segurança jurídica como previsibilidade; e d) tomar indistintamente precedente, jurisprudência e súmula.

Feita a apresentação do atual estado de coisas, atenta-se para o que (é precedente), por que (o respeito a eles) e como (devem ser usados). Essa estruturação tripartite permite a contextualização do assunto, a identificação de seus pontos fundamentais e, daí, a ela-boração de uma proposta propriamente desenvolvida e adequada ao atual estádio de desenvolvimento jurídico.

O terceiro segmento preocupa-se com a delimitação conceitual e o esquadrinhamento dos elementos constitutivos do precedente, segundo os vários paradigmas possíveis. Faz uma análise em três níveis – o da infraestrutura filosófica, em que se demonstram as

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Introdução 19

características da filosofia da consciência que ainda remanescem no senso comum jurídico e que prejudicam a necessária incorpora-ção dos aportes da hermenêutica filosófica; o nível das estruturas profundas ocupa-se do esquadrinhamento teórico dos vários as-pectos de estudo dos precedentes (de definição, sistemáticos, prag-máticos e de justificação), cujas diversas abordagens podem ser agrupadas em três paradigmas ideológicos (normativo, contextua-lista e sistêmico). Com base na adoção do paradigma sistêmico, que alia Hermenêutica filosófica, Direito como integridade e uma noção de sistema coerentista, propõe-se conceito de precedente que será pedra angular para desenvolvimento do tema.

Conclui-se o terceiro capítulo constatando-se a contribuição do nível superficial do Direito positivo ser apenas formal. De fato, a le-gislação não traz consigo uma perspectiva ostensiva sobre os níveis subjacentes, sendo papel da doutrina enriquecer a legislação com essa visão percuciente.

O capítulo quatro é desenvolvido com respaldo no conceito de precedente erigido e proposto no anterior. Dele se inferem as fun-ções dos precedentes, cuja principal é enriquecer o sistema jurídico com sentidos não captáveis numa abordagem abstrata e desprendi-da da realidade. Dessa função principal, derivam outras três acessó-rias. A primeira é a garantia de segurança jurídica, não como mera previsibilidade, mas coerência sistêmica, calcada em critérios pró-prios e, também, na consideração dos precedentes extrajudiciais. A segunda é a igualdade como dever de impedir a desintegração e a hiperintegração do Direito, as quais são irrefletidamente praticadas tanto pela excessiva distinção dos precedentes aplicáveis quanto pela extensão automática e acrítica da solução pretérita a situações novas sequer cogitadas anteriormente. A terceira e última função acessória é a economia argumentativa que um precedente permite, o que evita a rediscussão de matérias já enfrentadas.

Aborda-se o estudo do uso do precedente no mesmo capítulo, o quatro, porque se propõe uma maneira apropriada a essas fun-ções, o que exclui, de logo, o método subsuntivo atualmente utiliza-do. Precedente não se reduz à norma, pelo que não pode um juízo dedutivo satisfazer a correta compreensão de seu uso. A abordagem

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adequada identifica uma força hermenêutica que faz a influência posterior do precedente variar segundo elementos formais e ma-teriais (os quais se subdividem em de justificação e de coerência). Esses elementos são detidamente explorados.

A pesquisa desenvolveu-se nos níveis em que se estruturou o capítulo três. Foi feita incursão pelo pensamento filosófico que se julgou adequado. Os níveis teóricos foram buscados não só na doutrina nacional, como também, e principalmente, em obras es-trangeiras, das mais diversas nacionalidades que expressassem as tradições inglesa, francesa e alemã. Sempre que possível, as posi-ções foram justificadas com a indicação de julgados dos tribunais pátrios. Conquanto seja feita referência a precedentes estrangeiros, evitam-se essas citações porque, nos estudos desenvolvidos, per-cebeu-se que pouco revelam sobre o caso brasileiro, o que é recru-descido pela falta de domínio das estruturas jurídicas subjacentes imprescindíveis para a perfeita compreensão de seu impacto. Pre-fere-se explorar precedentes nacionais, tanto utilizando a técnica positivista costumeira, a fim de demonstrar suas insuficiências, quanto pela perspectiva da força hermenêutica proposta.

Conclui-se a obra, arrematando a resposta às perguntas lança-das: o que é precedente; por que se deve respeitá-los e como se faz uso deles; sempre tomando como referência as exigências próprias do constitucionalismo contemporâneo e as características próprias do Brasil.

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capítulo 5

CONCLUSÃO

O constitucionalismo contemporâneo impede que o uso e es-tudo do precedente se deem por sua redução automática a uma norma geral e abstrata de modo a incidir em situações posteriores mediante subsunção, abarcando, necessária e infalivelmente, todas as hipóteses enquadráveis na literalidade do enunciado inferido e confundido com sua ementa. Essa é uma atitude positivista arraiga-da na tradição jurídica brasileira que resiste à incorporação plena das exigências do Estado de Direito Constitucional. As aspirações do Estado Legislativo foram tão fortes que ainda se fazem presentes subliminarmente, mesmo ante a clara necessidade de evolução. O positivismo transforma-se para sobreviver.

Assim, o precedente deve ser tomado por uma perspectiva her-menêutica que submeta sua apreensão e uso posterior a um cotejo sistêmico mais amplo com vários elementos. Isso evita reduções simplificadoras que, sob pretexto de garantir uma impossível segurança como previsibilidade, tornam o Direito judicial autori-tário e de cúpula.

Para superar tais obstáculos, é necessário um redimensiona-mento do estudo dos precedentes pela incorporação da Hermenêu-tica filosófica, o Direito como integridade e do sistema coerentista para alinhavar e conectar logicamente os vários julgados. Em aten-ção a essas constatações gerais, extraem-se as seguintes conclusões:

1. Precedente é uma resposta institucional a um caso (justamente por ser uma decisão), dada por meio de uma applicatio, que tenha causado um ganho de sentido para as prescrições jurídicas envolvi-das (legais ou constitucionais), seja mediante a obtenção de novos sentidos, seja pela escolha de um sentido específico em detrimento de outros ou ainda avançando sobre questões não aprioristicamen-te tratadas em textos legislativos ou constitucionais.

2. Essa resposta é identificada em função não só dos elemen-tos de fato (abstratos ou concretos) e de direito (em suas mútuas

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influências) considerados no julgamento e obtidos da análise da motivação apresentada, mas também dos elementos amplos que atuaram no jogo de-e-para do círculo hermenêutico e que integram as razões subjacentes do julgamento.

3. Essa resposta compõe a tradição institucional do Judiciário merecendo consideração no futuro, inclusive por tribunais supe-riores, pois mesmo os escalões mais elevados não podem ignorar os outros elos do sistema em rede que integram. Sua utilidade na ordem jurídica é, adicionalmente, funcional, pois elide o desenvol-vimento de outras decisões desde um grau zero, evitando subjeti-vismos, economizando tempo e garantindo uma igualdade de trata-mento entre casos substancialmente iguais.

4. Há uma distinção entre precedente e caso julgado, que con-siste na solução de uma lide sem qualquer acréscimo de sentido ao sistema jurídico.

5. Esse conceito hermenêutico de precedente permite uma aná-lise adequada de seus aspectos estruturantes – de definição, siste-máticos, pragmáticos e de justificação.

6. No aspecto de definição, precedente não se reduz, como afir-mado, a uma norma geral e abstrata inferida do julgamento e apli-cável por subsunção. Embora seja possível se erigir uma norma do julgado, não é ela sua única dimensão nem a mais relevante, mas apenas parte dele. A generalização apregoada não é automática, por possuir força variável segundo as circunstâncias hermenêu-ticas posteriores. Então, aplicar precedente no tudo ou nada, da maneira típica de regras, é um equívoco, porque repristina método exegético.

7. Como não se reduz à norma, não se pode falar que o prece-dente tenha vigência – entendida como marco temporal fixo e bem definido em que integra a ordem jurídica em uma forma perfeita e acabada. Também não se pode afirmar que precedente possa ser revogado, ou seja, retirado do sistema jurídico de maneira abrup-ta, desde quando deixa de irradiar qualquer efeito jurídico. Tanto o ganho quanto a perda de relevância de uma precedente no sistema jurídico se dá de maneira gradual, justamente porque, na qualidade de uma resposta, não é algo perfeito e acabado fruto do ato de von-

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Conclusão 437

tade da corte emissora, é objeto de um trabalho conjunto depurado com o tempo. Também em atenção a isso é que a firme distinção entre ratio decidendi e obiter dicta esvai-se, reduzindo-se quase a um sofisma, porquanto não se pode firmar que apenas uma par-te da decisão possui relevância enquanto outra seja desprovida de qualquer utilidade – tudo dependerá da gradação posterior de sua força hermenêutica;

8. No aspecto sistemático, o precedente rejeita a estruturação no sistema dinâmico, hierárquico e piramidal desenvolvido por Kelsen e Bobbio para as normas jurídicas em geral. Essa rejeição é decorrência lógica da constatação de que precedente não se reduz a uma norma. Como não é apenas norma, não pode esse seu aspec-to ser o único considerado para organizar as várias partes em um conjunto. Assim, seu posicionamento segundo o nível hierárquico da corte emissora é rejeitado com veemência, ainda que se reco-nheça alguma relevância. Também não se admite relação meramen-te unidirecional entre as partes sistemáticas, ou seja, não há, entre os julgados, uma relação de subordinação, em que o inferior colhe seu fundamento de validade no superior. Essa estruturação siste-mática “de cima para baixo” é fundacionalista, concebida sob o po-sitivismo, tendo como referência as normas legislativas. O sistema adequado é o coerentista, que propõe uma estrutura em rede, com uma mútua interferência entre as partes, de maneira multidirecio-nal, sem posição determinada por uma rigidez hierárquica prévia que pré-estabeleça seus efeitos jurídicos. Com isso, não só julgados superiores devem ser considerados, pois, em uma coerência ampla, deve se perscrutar o que os demais tribunais, ainda que inferiores, estão a decidir; o mesmo deve se dar em relação a precedentes ex-trajudiciais; tudo sem uma obediência reverencial, mas pela aqui-latação, caso a caso, de sua força hermenêutica, permitindo uma abertura argumentativa.

9. No aspecto pragmático, precedente não pode ser tomado como uma constrição inarredável para os julgadores posteriores. Na condição de resposta institucional que ocasiona um ganho hermenêutico, ele causa uma economia argumentativa, porque aspectos já decididos anteriormente prescindem de uma nova

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avaliação profunda. Contudo, ele deve abrir o sistema jurídico, ou seja, deve possibilitar a obtenção de novos entendimentos e conclu-sões, e não encerrar discussões estagnando-as como algo já defini-do, passível de alteração apenas pela corte que emitiu o julgado-pa-drão. Ao ser inserido no sistema, o precedente passa a ser moldado, trabalhado, erigido e reestruturado por seus vários operadores. Por essa razão, os critérios para uso ou não uso de um julgado não obedece exclusivamente a concepções formais pré-fixadas, ainda que prescritas por lei ou pela Constituição.

10. No aspecto de justificação, o precedente se impõe por causa de critérios de justiça substancial e não formal, reduzidos à mera previsibilidade e respeito hierárquico. Não é pelo simples fato de haver um entendimento superior e uma prescrição legislativa obri-gando sua observância que se irá reproduzi-lo acriticamente. É necessário aferir os vários elementos que tornam um precedente mais ou menos relevante para o caso posterior, o que, além de ele-mentos meramente formais, demanda uma análise de sua justifi-cação e coerência ampla com outras fontes produtoras de sentido jurídico, afinal, o Direito não é apenas aquilo que os tribunais dizem o que ele é; nem os tribunais superiores nem o Supremo Tribunal Federal podem ser considerados ilhas cognitivas e de sentido, estão inseridos em uma rede sistêmica mais ampla.

11. Ainda no aspecto de justificação, a perspectiva ideológica diz respeito ao paradigma (padrão de referência) pelo qual se to-mam e analisam os precedentes. Podem ser agrupados em três: a) normativista – típico das tradições francesa e germânica, e forja-do sob a influência do positivismo exegético e normativista – que procura e eleva precedente como norma, como um ato de vontade da corte emissora; b) contextualista – próprio da tradição inglesa – arrefece o positivismo normativista e exegético, preocupando-se em compreender o contexto geral de produção do julgado e com o que o tribunal fez, e não com o que ele disse que fez; ainda que seja uma evolução, esse paradigma prestigia o subjetivismo da corte emissora; e c) sistêmico, erigido desde as ideias de Dworkin, bem se amolda à Hermenêutica filosófica e propõe o precedente como uma peça no quadro maior do Direito como integridade, desenvolvendo

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concepções que extravasam a dimensão normativa e subjetivista, primando pela concepção de gravitational force, que, em termos hermenêuticos, deve ser compreendida como força hermenêutica.

12. O paradigma próprio ao constitucionalismo contemporâneo é o sistêmico, pois alia Direito como integridade, Hermenêutica fi-losófica e o sistema coerentista.

13. As funções dos precedentes devem ser buscadas em suas características próprias que os diferenciam das normas legislativas. Ao compreendê-los como uma resposta hermenêutica a um caso que ocasiona ganho hermenêutico, é na applicatio gadameriana – na qual se opera a mediação entre Direito e realidade – que deve ser procurada a função, e, por via de consequência, a razão de se se-guir precedentes. Assim, conclui-se que a função principal do pre-cedente é enriquecer o sistema com sentidos que não são possíveis de serem obtidos por interpretação geral e abstrata. Dessa função principal, extraem-se outras acessórias.

14. A primeira função acessória do precedente é garantir segu-rança jurídica como coerência sistêmica, a qual é obtida mediante uma cuidadosa análise dos elementos hermenêuticos pertinentes ao precedente e ao novo caso sob julgamento: fundamentação de-senvolvida e apropriada, servindo o modelo de Toulmin para argu-mentação como guia para mensuração de qualidade; consideração e respeito as expectativas justas que um precedente ocasiona na forma de previsibilidade apriorística, demandando instrumentos de modulação dos efeitos de eventual guinada jurisprudencial, de modo a impedir sua aplicação retroativa e evitar supressas por que-bras abruptas. Na coerência sistêmica ampla, também merece ne-cessária consideração, ainda que não uma obediência absoluta, os precedentes extrajudiciais, como decisões de tribunais administra-tivos, cortes de contas e pareceres vinculantes ou não produzidos por procuradorias e consultorias jurídicas. Atualmente, o uso desses precedentes extrajudiciais é plenamente arbitrário, variando segun-do a conveniência argumentativa definida pelo líbito do julgador.

15. A segunda função acessória do precedente é garantir a igual-dade em termos de afastamento de desintegração e hiperintegra-

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ção do sistema. A desintegração ocorre quando se deixa de aplicar, sem qualquer motivo indicado ou determinante, um precedente a situação posterior similar (segundo uma perspectiva hermenêuti-ca). A hiperintegração é quando se estende, unicamente por razões semânticas, a solução de um caso pretérito a outro que lhe é pos-terior, mas que não guardam qualquer similitude hermenêutica. O precedente, portanto, deve ser aplicado uma vez constatada sua im-portância para o novo caso, o que é aferido segundo a aquilatação de sua força hermenêutica.

16. A terceira e última função acessória dos precedentes é prá-tica, porque ocasiona uma economia argumentativa. Com efeito, questões já solucionadas em julgados anteriores prescindem de uma nova análise plena, como que de um grau zero de cognição. Deve se fazer a análise tendo como ponto de referência o ganho já auferido pelo precedente. A ilustração do romance em série de Dworkin, aqui, amolda-se à perfeição.

17. O uso do precedente deve ser definido considerando suas funções específicas, tanto a principal quanto as acessórias. Então, a subsunção, tradicionalmente utilizada no Brasil, não se presta a este papel, porque erigida para aplicação de normas legislativas, não ar-gumentadas. O precedente, justamente por trazer as várias aspectos argumentados para a mediação entre lei e realidade, deve ter uma influência graduada, e não no tudo ou nada, típica de uma regra le-gislativa. Tem-se que aferir sua força hermenêutica, ou seja, o grau de influência que um precedente exerce na solução de um novo caso.

18. Os elementos de aferição da força hermenêutica são formais e materiais.

19. Os elementos formais não se ocupam do conteúdo da deci-são, mas de sua forma e origem. Por isso, deve-se ter em mente: a) o grau hierárquico da corte emissora, o que prestigia, não em termos cogentes absolutos, os julgados dos tribunais superiores e do Supre-mo Tribunal Federal; b) o tipo de processo em que foi produzido, dada a existência de normas prescrevendo expressamente efeito vinculante; c) órgão interno da corte em que é produzido, se fracio-nário, especial ou plenário; d) existência ou não de divergência, por-

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Conclusão 441

que eventual voto vencido, por conter argumentação desenvolvida, pode, no futuro, ser elementos para uma guinada jurisprudencial, e d) modificação da composição da corte, porquanto levantamentos empíricos alhures evidenciam que é rara a mudança jurisprudencial com a permanência dos mesmos membros.

20. Os elementos materiais são subdivididos em elementos de coerência e de justificação. São materiais porque se ocupam do con-teúdo do precedente de modo a aquilatar suas bases de justificação e a coerência com as demais peças que integram o sistema jurídico.

21. Os elementos de justificação são: a) fundamentação ade-quada e detida, que cumpra adequadamente o dever fundamental de motivação dos julgados; b) grau qualitativo e quantitativo de análise das questões envolvidas; c) o ramo do Direito pertinente, porquanto há ramos que prestigiam mais uma estabilidade das re-lações sociais enquanto outros apregoam sua modificação e evolu-ção; e d) a idade do precedente, o que implica que precedente mais recente não significa necessariamente precedente com maior força, dada a noção de superprecedentes, ou seja, aqueles cuja antiguida-de os fez arraiga-se na tradição jurídica moldando amplamente o estudo do Direito, pelo que o critério temporal concebido por Bob-bio não se aplica ao Direito jurisprudencial.

22. Os elementos de coerência aferem a harmonia do julgado com outras fontes jurídicas. Quanto mais isolado um precedente, menor será seu grau de influência posterior. São eles: a) obediência ao paradigma sistêmico amplo, de modo a se laborar sobre as ba-ses da Hermenêutica filosófica e do Direito como integridade, evi-tando os equívocos dos paradigmas normativistas e contextualista porque incompatíveis com o constitucionalismo contemporâneo; b) existência ou não de desafio de precedentes, pois verificar que outros tribunais divergem do precedente deve ser significar indí-cio de sua fraqueza, sua debilidade em convencer legitimamente os pares, e não demonstração de insubordinação punível disciplinar-mente; c) similitude hermenêutica entre os casos, a qual é aferida pela comparação dos dois jogos hermenêuticos, e não apenas pe-los fatos e pelo direito envolvido; d) aplicação de efeitos ex nunc a

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guinadas jurisprudenciais, de modo a preservar a previsibilidade apriorística; e) modificação do plano legislativo e constitucional; f) modificação ou manutenção do quadro político e social; g) apoio ou desafio acadêmico.

23. Na aferição da força hermenêutica há uma mútua interfe-rência desses elementos, razão por que não se pode falar que um deles seja, por si, determinante.