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    REVISTA USP, So Paulo, n.60, p. 114-121, dezembro/fevereiro 2003-2004114

    Paulo Emlioe a constituio

    das bases dapesquisa

    histricasobre cinema

    no Brasil

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    bastante conhecido o desinteresse de

    Paulo Emlio Salles Gomes pela produo

    brasileira quando do incio da sua ativida-de intelectual sobre cinema ainda no incio

    dos anos 40, no que, alis, ele estava acom-

    panhado por outros crticos da mesma ge-

    rao como, por exemplo, Francisco Luiz

    de Almeida Salles e Alex Viany. Posterior-

    mente, todos trs tiveram atuao destaca-

    da na preservao da memria do cinema

    brasileiro e fizeram autocrticas eivadas por

    grande sentimento de culpa.

    O interesse de Paulo Emlio pela hist-ria do cinema brasileiro cristalizou-se so-

    mente em meados da dcada de 50, aps

    sua segunda estadia na Europa onde desen-

    volveu a pesquisa de flego que deu ori-

    gem ao hoje clssico Jean Vigo (1). De volta

    ao Brasil em 1954 devido ao I Festival In-

    ternacional de Cinema, ocorrido por oca-

    sio dos festejos do quarto centenrio da

    cidade de So Paulo, Paulo Emlio colabo-

    rou intensamente com o evento fazendo

    contatos para emprstimo de filmes, con-

    vidando personalidades do mundo cinema-

    togrfico internacional e ainda escrevendo

    para os catlogos (2).

    Observa-se por a que mesmo na Euro-

    pa ele j se encontrava ligado ao movimen-

    to brasileiro de cultura cinematogrfica,

    movimento este bastante intenso naquele

    momento pela atuao de vrios crticos de

    valor na imprensa, realizao de mostras,

    atividade de cineclubes, publicao de re-vistas especializadas e at a edio de li-

    vros. Tal ligao consubstanciava-se no fato

    de Paulo Emlio representar a Filmoteca do

    MAM (SP) na Europa e pela atividade como

    correspondente deAnhembi e O Estado de

    S. Paulo.

    A grande inovao do movimento de

    cultura cinematogrfica dos anos 50 em

    relao dcada anterior, do qual Paulo

    Emlio participara como organizador do pri-

    meiro Clube de Cinema de So Paulo e

    crtico da revista Clima, era a efervescncia

    em torno dos estudos histricos sobre o

    cinema brasileiro, antes absolutamente des-

    prezado. Representativo dessa mudana

    o fato de no mbito do prprio festival

    ocorrer a II Retrospectiva do Cinema Bra-

    sileiro, cujo catlogo continha o ambicioso

    texto de cunho histrico As Idades do

    Cinema Brasileiro, escrito por B. J. Duarte.Uma vez estabelecido no Brasil, Paulo

    Emlio tornou-se conservador da Filmote-

    ca do MAM (SP), que em 1956 transfor-

    mou-se na Cinemateca Brasileira. Ainda

    em 1956 assumiu a coluna cinematogrfi-

    ca do Suplemento Literrio de O Estado de

    S. Paulo, tribuna a partir da qual discutia a

    histria do cinema, os problemas da cine-

    mateca e a produo contempornea.

    Apesar do clima geral animador e doamplo trabalho de pesquisa desenvolvido

    na Cinemateca Brasileira no sentido de

    coletar e catalogar material, Paulo Emlio

    nesse momento escreveu relativamente

    pouco sobre a histria do cinema brasileiro

    quando comparado quantidade de artigos

    dedicados histria do cinema mundial,

    aos problemas da cinemateca, s questes

    econmicas da produo nacional e mes-

    mo a respeito de grandes diretores contem-

    porneos. Quatro artigos representam bem

    suas preocupaes nesse perodo em rela-

    o histria do cinema brasileiro: Um

    Pioneiro Esquecido, Evocao Campi-

    neira, Dramas e Enigmas Gachos e Vi-

    sita a Pedro Lima.

    Em Um Pioneiro Esquecido (3), ar-

    tigo publicado a 6 de outubro de 1956

    que versa sobre Anbal Requio, o autor

    problematiza a concepo ento domi-

    nante de histria do cinema mundial eaponta para sua inadequao quando da

    investigao histrica em torno da pro-

    duo brasileira.

    ARTHUR AUTRAN

    professor noDepartamento de Artes eComunicaes daUniversidade Federal deSo Carlos e autor de AlexViany: Crtico e

    Historiador(Perspectiva,no prelo).

    Este texto serviu de base para apalestra do mesmo ttulo apresen-tada no evento Atualidade dePaulo Emlio, promovido pelaCinemateca Brasileira em setem-bro de 2002 para rememorar os25 anos de falecimento de PauloEmlio Salles Gomes.

    ARTHUR AUTRAN

    1 Paulo Emlio Salles Gomes,JeanVigo, Paris, Seuil, 1957.

    2 Jos Incio de Melo Souza,Paulo Emlio no Paraso, Rio de

    Janeiro , Record, 2002 , pp.347-57.

    3 Paulo Emlio Salles Gomes, UmPioneiro Esquecido, in Crticade Cinema no Suplemento Lite-rrio, v. I, Rio de Janeiro,Embrafilme/Paz e Terra, 1982,pp. 8-10.

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    Prope-se antes de mais nada o problema

    de situar no tempo o cinema primitivo bra-

    sileiro. No que at hoje se convencionou

    chamar de histria mundial do cinema, mas

    que na realidade no passa da histria do

    cinema europeu e norte-americano, a ques-

    to j est h muito tempo resolvida.

    As histrias do cinema mundial at en-

    to surgidas, segundo Paulo Emlio, efeti-

    vamente relacionavam-se com os Estados

    Unidos e a Europa, no abarcando outras

    cinematografias. Na periodizao desen-

    volvida para dar conta de narrar a histria do

    cinema nos pases industrializados, o pero-

    do primitivo ia dos primeiros filmes dos ir-

    mos Lumire at a realizao de Cabiria(Giovanni Pastrone, 1914), j no Brasil no

    havia informaes confiveis sobre o pri-

    meiro filme aqui realizado, comprometen-

    do a cronologia inicial, e quanto ao trmino

    do perodo tambm havia dvidas muito

    grandes sobre qual obra cristalizou pioneira-

    mente uma maturidade narrativa.

    Evocao Campineira (4), publicado

    a 15 de dezembro de 1956, trata do ciclo

    ocorrido nessa cidade nos anos 20. A idiados ciclos foi empregada tambm por

    outros historiadores de ento como B. J.

    Duarte, Francisco Silva Nobre, Jos

    Roberto D. Novaes e Alex Viany este

    prefere a palavra surto. Embora nenhum

    desses autores conceitue ciclo, como ali-

    s no conceituam quase nunca as

    periodizaes ou recortes empregados,

    possvel interpret-lo como relativo pro-

    duo numericamente intensa de filmes

    ficcionais em dado perodo de tempo, num

    espao fora do eixo Rio-So Paulo em

    geral uma cidade , cujo declnio foi acen-

    tuado. Note-se que ainda hoje a historio-

    grafia se vale da idia de ciclo sem nunca

    defini-la claramente e sem dar conta para

    sua fragilidade ideolgica e operacional,

    pois de um lado ela refora a crena de que

    o cinema brasileiro um eterno recomear

    no qual a histria se repete pela ausncia de

    qualquer acmulo de experincia e de ou-tro no d conta da produo de filmes de

    no-fico que muitas vezes continuava a

    ocorrer aps os ciclos.

    Em torno da fitaA Carne (Felippe Ricci,

    1925) Paulo Emlio faz uma observao

    bastante arguta:

    A histria era considerada audaciosa e

    temia-se que a atriz principal abandonasse

    o trabalho se descobrisse o sentido exato

    do enredo. No contorno dessa dificuldade

    Ricci fez que uma passagem de seu filme

    prenunciasse a clebre seqncia dos ca-

    valos noxtase de Machaty, com Heddy

    Lamar. No podendo filmar uma cena de

    amor particularmente realista num bosque,

    Ricci, inspirando-se no romance, apelou

    para estranhas imagens de um touro e de

    uma vaca. Ignorante das possibilidades me-

    tafricas do cinema, a atriz no compreen-dia por que depois de uma cena idlica o

    diretor lhe pedia que exprimisse o mais

    profundo cansao.

    Para alm do humor fino, a se articula

    uma rica anlise sobre o nvel de desenvol-

    vimento da linguagem cinematogrfica do

    filme campineiro, mesmo no existindo

    cpias deste. Ou seja, Paulo Emlio inter-

    preta, a partir de informaes sobre o cicloe do seu conhecimento dos poucos filmes

    mudos brasileiros de fico preservados,

    qual procedimento de linguagem poderia

    ter sido utilizado. Esse tipo de interpreta-

    o fascinante at pelo que exige de ima-

    ginao, caracterstica do historiador cons-

    tante nos seus textos e pesquisas.

    Dramas e Enigmas Gachos (5), pu-

    blicado a 29 de dezembro de 1956, e Vi-

    sita a Pedro Lima (6), publicado a 19 de

    janeiro de 1957, expressam a perplexidade

    de Paulo Emlio diante da dificuldade em

    aprofundar a anlise histrica pela inexis-

    tncia de documentao primria acess-

    vel. No primeiro artigo, sobre o cinema

    mudo feito no Rio Grande do Sul, o autor

    afirma que as pesquisas sobre a histria do

    cinema brasileiro iniciaram-se tardiamen-

    te, devido a isso vrios pioneiros j haviam

    falecido sem deixar depoimentos e seus

    arquivos tinham se dispersado. No segun-do artigo, feito a partir de uma visita ao

    velho cronista cinematogrfico, contam-se

    algumas passagens da vida deste, subli-

    4 Idem, Evocao Campineira,in op. cit., v. I, pp. 45-8.

    5 Idem, Dramas e En igmasGachos, in op. cit., v. I, pp.54-7.

    6 Idem, Visita a Pedro Lima, inop. cit., v. I, pp. 66-70.

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    nhando que Pedro Lima, Pery Ribas e

    Adhemar Gonzaga eram figuras essenciais

    para a histria do cinema brasileiro, pois os

    seus arquivos constituam-se em fontes

    primordiais. A perplexidade diante do atra-

    so generalizado das pesquisas histricas

    entre ns parece indicar que, num primeiro

    momento, Paulo Emlio preferiu dedicar-

    se, s tarefas de localizao, coleta e orga-

    nizao de filmes, fotos e documentos es-

    critos do que produo de textos.

    Dessa sua pequena e valiosa produo

    historiogrfica datada dos anos 50 desta-

    cam-se: o cuidado para com os recortes

    temporais, a utilizao das fontes confron-

    tando-as, a interpretao atenta e ao mes-mo tempo criativa das informaes e a cons-

    cincia da dificuldade em escrever sobre o

    passado do cinema brasileiro devido ao

    estgio muito primrio da coleta e organi-

    zao de dados. Tudo isso demonstra rigor

    incomum para a poca e ele deriva da for-

    mao acadmica ligada filosofia uspiana,

    dos cursos acompanhados na Cinemateca

    Francesa, da relao intelectual com figu-

    ras como Andr Bazin e Henri Langlois eda experincia de pesquisa deJean Vigo.

    A publicao do livro pioneiroIntrodu-

    o ao Cinema Brasileiro (7), de Alex

    Viany, momento que Paulo Emlio espera-

    va marcar o incio da to esperada fase de

    estudos metdicos em torno do cinema

    brasileiro (8), deu ensejo a importantes

    discusses em torno das pesquisas de vis

    histrico sobre cinema entre ns.

    O artigo Estudos Histricos, de 23 de

    janeiro de 1960, salienta o estado atrasa-

    dssimo das pesquisas e afirma que a to-

    mada de conscincia da existncia da his-

    tria do cinema brasileiro deveu-se ao de-

    senvolvimento industrial e cultural cine-

    matogrficos ocorridos a partir de 1950.

    Alm de lembrar as contribuies de vri-

    os crticos e pesquisadores Carlos Ortiz,Francisco Silva Nobre, Caio Scheiby,

    Almeida Salles, B. J. Duarte e Jurandyr

    Noronha, entre outros , rememora even-

    tos como a I e a II Retrospectivas do Cine-

    ma Brasileiro em 1952 e 1954, anos que

    balizariam o perodo mais fecundo das

    pesquisas histricas, cujo desenvolvimen-

    to posterior no teria sido to vigoroso (9).

    O artigo Contribuio de Alex Viany

    (10), de 30 de janeiro de 1960, ressalta a

    importncia dos apndices daIntroduo

    ao Cinema Brasileiro dedicados a relacio-

    nar os profissionais envolvidos na ativida-

    de, a legislao sobre cinema, fotos e, es-

    pecialmente, a filmografia.

    Percebe-se que foi a esse apndice que o

    autor dedicou mais cuidado, e o esforo foi

    plenamente recompensado. Com a Filmo-

    grafia includa em suaIntroduo ao Ci-nema Brasileiro, Alex Viany tornou-se um

    benemrito do movimento de cultura cine-

    matogrfica no Brasil.

    Com o objetivo de aprimorar a Filmo-

    grafia so sugeridos: o acrscimo na ficha

    filmogrfica da metragem do filme; a con-

    tribuio de Pery Ribas, Adhemar Gonzaga

    e Pedro Lima; a necessidade de critrios

    mais definidos na elaborao da Filmogra-fia, pois alguns longas documentrios

    esto relacionados e outros no; e, por fim,

    que os filmes deveriam ser indexados cro-

    nologicamente e no por ordem alfabtica.

    Mas no comentrio sobre o cadastro

    dos profissionais do cinema brasileiro que

    Paulo Emlio entra numa acirrada polmi-

    ca com B. J. Duarte sobre a metodologia da

    constituio daquela relao. Para B. J.

    Duarte era errado no arrolar crticos des-

    tacados como Moniz Vianna, Almeida

    Salles, Dcio Vieira Otoni, entre outros, e,

    em compensao, mencionar figuras que

    no teriam importncia, tais como Csar

    de Alencar, Joozinho da Gomia, o Ballet

    Pigalle, etc. (11). A posio de Paulo Emlio

    era totalmente diversa:

    De qualquer maneira, e em desacordo com

    a opinio expressa recentemente por B. J.

    Duarte, penso que Alex Viany tem razoem limitar-se, no Cadastro, ao nome de

    pessoas, grupos (E. C. Corinthians ou Bal

    Pigalle) ou bichos (co Duque) que partici-

    7 Alex Viany, Introduo ao Ci-nema Brasileiro, Rio de Janei-ro, Instituto Nacional do Livro,1959.

    8 Paulo Emlio Salles Gomes, Li-teratura Cinematogrfica, inop. cit., v. I, p. 168.

    9 Idem, Estudos Histricos, inop. cit., v. II, pp. 139-44.

    10 Idem, Contribuio de Alex

    Viany, in op. cit., v. II, pp.145-9.

    11 B. J. Duarte, Introduo ao Ci-nema Brasileiro. Anhembi, SoPaulo, v. XXXVII, n. 111, fev./1960.

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    param, diretamente ou no, como o caso

    de alguns escritores, na fatura de filmes,

    deixando de lado os crticos, ensastas, a

    gente de cinemateca e os cineclubistas, cuja

    atividade no se encontra obrigatoriamen-

    te ligada ao esforo concreto da produo

    de fitas.

    B. J. Duarte no se convenceu e escre-

    veu uma rplica na qual repisa que discor-

    da do critrio de Alex Viany ao formular o

    Cadastro, pois, enquanto nomes impor-

    tantes para a histria do cinema brasileiro

    foram omitidos, outros sem valor histri-

    co ou esttico estavam includos naquele

    apndice (12).

    No vejo em que possa contribuir para a

    cultura cinematogrfica de algum cienti-

    ficar-se que o Esporte Clube Corinthians

    Paulista tomou parte no elenco de uma fita

    ultramedocre da falecida Multifilmes. Mas

    com tristeza que verifico nas pginas do

    Cadastro e nas da Introduo a ausncia

    dos nomes de muitos crticos brasileiros,

    de ensastas, de pesquisadores do nosso ci-

    nema, que, de modo premeditado, ou por

    simples ignorncia e aodamento do sr.

    Alex Viany, foram postos margem, nos

    itens do Cadastro e dos pargrafos da In-

    troduo.

    O que temos em jogo nessa oposio ,

    de um lado Alex Viany & Paulo Emlio , a defesa de alguma forma de objetividade

    como critrio para a elaborao da lista-

    gem e, de outro B. J. Duarte , a defesa do

    merecimento como critrio. No primeiro

    caso no importa a qualidade do filme nem

    da participao, mas sim o fato de haver

    efetivamente trabalhado na produo; no

    segundo caso o que conta unicamente o

    valor da contribuio para a arte cinemato-

    grfica e isso poderia se relacionar com aatuao de crticos que nunca militaram na

    produo. No passa pela cabea de B. J.

    Duarte que o tal merecimento teria diferen-

    tes significados para cada um. O articulista

    entende os seus pontos de vista como uni-

    versais e indiscutveis, portanto, a partir

    deles, poder-se-ia eleger os indivduos

    ou filmes que mereceriam figurar na his-

    tria do cinema brasileiro.

    Em seguida, Paulo Emlio dedica o texto

    Decepo e Esperana (13), de 6 de feve-

    reiro de 1960, anlise da narrativa histri-

    ca elaborada por Alex Viany. O comentrio

    francamente negativo. Minha insatisfa-

    o diante destaIntroduo ao Cinema Bra-

    sileiro constante. Ressalvando sempre os

    apndices, a contribuio pessoal de Alex

    Viany para os estudos histricos brasileiros

    afigura-se-me bem restrita. Dentre as crti-

    cas mais significativas deve-se ressaltar: a

    insuficincia da documentao utilizada;ausncia de rigor na organizao das fontes,

    pois vrios textos de jornais e revistas no

    possuam nem a data; falta total de pesquisa

    12 Idem, Ainda a Introduo aoCinema Brasileiro. Anhembi,So Paulo, v. XXXVIII, n. 112,mar./1960.

    13 Paulo Emlio Salles Gomes, De-cepo e Esperana, in op.cit., v. II, pp. 150-5.

    Foto: Arquivo CCS/Jusp

    Abaixo,

    auditrio do

    Cinusp Paulo

    Emlio Salles

    Gomes

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    sistemtica sem consulta a nenhuma das

    principais revistas antigas de cinema; a

    estruturao do livro tnue, obedecendo

    apenas a uma frouxa cronologia; e falta de

    discernimento crtico na utilizao das

    informaes coligidas. Aps todas essas

    observaes, conclui:

    O texto de Alex Viany chama a nossa aten-

    o, justamente por tudo o que tem de mau,

    para a urgncia de se iniciar a pesquisa

    histrica sistemtica. Deposito ainda espe-

    ranas nos recursos de autocrtica de Alex

    Viany. Se ele avaliar bem todas as falhas da

    sua concepo de histria do cinema e de

    sua metodologia, muito se poder esperar

    ainda da segunda edio daIntroduo aoCinema Brasileiro.

    Pelo trecho acima, os problemas do li-

    vro so atribudos menos ao prprio Viany

    e mais ao estado geral de atraso dos estudos

    histricos entre ns. Paulo Emlio percebe

    que esse atraso tornava muito difcil escre-

    ver uma narrativa histrica panormica,

    devido s inmeras lacunas no conhecimen-

    to do passado, da a urgncia de comear apesquisa sistemtica.

    De um ponto de vista ideolgico mais

    geral, o pensamento de Paulo Emlio pos-

    sui homologias com as reflexes desenvol-

    vidas no Iseb, especialmente por lvaro

    Vieira Pinto e Roland Corbisier. Por exem-

    plo, a insistncia na importncia da cons-

    cincia do atraso como fundamento para

    a sua superao possua forte incidncia

    nas reflexes produzidas no interior do Iseb

    e freqente nos textos datados dos anos

    50 e 60 escritos pelo crtico cinematogrfi-

    co, da mesma forma que a crena no desen-

    volvimentismo industrial como essencial

    para a afirmao nacional. Note-se ainda

    que no importante ensaio Uma Situao

    Colonial? (14), tese apresentada I Con-

    veno Nacional da Crtica Cinematogr-fica e publicada no Suplemento Literrio a

    19 de novembro de 1960, o autor afirma

    como dado comum de todas as atividades

    cinematogrficas desenvolvidas no pas a

    mediocridade, classificada como a mar-

    ca cruel do subdesenvolvimento; j para

    os intelectuais do Iseb, segundo Caio

    Navarro de Toledo, a situao do Brasil era

    entendida de forma homognea como sub-

    desenvolvida, sem nenhuma autonomia

    relativa entre a economia, a cultura e a

    ideologia, concepo expressa no axioma

    tudo subdesenvolvido no subdesenvol-

    vimento (15).

    Dentre as principais problemticas do

    perodo formador da historiografia clssi-

    ca do cinema brasileiro temos: as origens

    do cinema brasileiro, os ciclos regionais,

    a decadncia artstica da produo quando

    do advento do som, o ataque s chanchadase a constituio da conscincia cinemato-

    grfica entre ns. A expresso conscin-

    cia cinematogrfica surge em Alex Viany

    (16), mas seu pleno desenvolvimento dar-

    se- com Paulo Emlio Salles Gomes j em

    meados dos anos 60 no texto atualmente

    publicado com o ttulo Panorama do Ci-

    nema Brasileiro: 1896/1966, produzido no

    quadro do incio da institucionalizao dos

    estudos sobre cinema na universidade bra-sileira. Paulo Emlio, alm da docncia na

    USP, tambm participou junto a Nelson

    Pereira dos Santos e Jean-Claude Bernardet,

    no incio dos anos 60, da efmera experin-

    cia do curso de Cinema da UnB institui-

    o cujo projeto educacional revolucion-

    rio foi pensado por Darcy Ribeiro e destro-

    ado pelo regime militar. Quanto cons-

    cincia cinematogrfica, o historiador a

    define da seguinte forma:

    Pedro Lima emSelecta, e Adhemar Gonza-

    ga em Paratodos, ambos mais tarde na re-

    vistaCinearte, procuraram orientar e conju-

    gar a ao de grupos em geral jovens, igno-

    rando-se uns aos outros, dispersos pelo pas.

    desse momento em diante que se manifes-

    ta uma verdadeira tomada de conscincia

    cinematogrfica: as informaes e os vncu-

    los fornecidos por essas revistas, o estmulo

    do dilogo e a propaganda, teceram umaorganicidade que se constitui como um

    marco a partir do qual j se pode falar de um

    movimento de cinema brasileiro (17).

    14 Idem, Uma Situao Colo-nial?, in op. cit., v. II, pp.286-91.

    15 Caio Navarro de Toledo, ISEB:Fbrica de Ideologias, 2a ed.,So Paulo, tica, 1978, pp.18, 86 e 87.

    16 Alex Viany, O Cinema Brasi-leiro Por Dentro II. A EscolaNo Foi Risonha e Franca, inManchete, n. 111, Rio de Ja-neiro, 5/jun./1954.

    17 Paulo Emlio Salles Gomes, Pa-norama do Cinema Brasileiro:1896/1966, in Cinema: Tra-jetria no Subdesenvolvimen-to, Rio de Janeiro, Paz e Ter-ra/Embrafilme, 1980, p. 54.

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    Nesse texto existe ainda a preocupao

    com a falta de determinao sobre a pr-

    pria histria a que estariam submetidos os

    pases subdesenvolvidos, conforme se pode

    observar no comentrio de que a realizao

    das obras-primas do cinema mudo brasi-

    leiro como Brasa Dormida (Humberto

    Mauro, 1928) eBarro Humano (Adhemar

    Gonzaga, 1929) coincidiu com a decadn-

    cia da linguagem desse tipo de cinema de-

    vido ao advento do som.

    Em Panorama do Cinema Brasileiro:

    1896/1966, Paulo Emlio elabora uma

    cronologia para a histria do cinema brasi-

    leiro caracterizando os seus principais pe-

    rodos, ou, como ele denominou, pocas.

    A cronologia baseia-se nas crises de pro-duo, tomadas como marcos das pocas,

    com exceo da quinta e ltima poca

    marcada pelo advento da Vera Cruz. H

    um refinamento sem igual quando compa-

    rada s outras tentativas anteriores ou mes-

    mo posteriores de periodizao do cinema

    brasileiro.

    Destacam-se tambm observaes me-

    ticulosas e criativas do pesquisador, como

    aquela em que considera as pelculas comtemtica criminal,A Quadrilha do Esque-

    leto (Vasco Lima, 1917) ouRosa Que se

    Desfolha(Antnio Leal, 1917), mais desen-

    volvidas do ponto de vista narrativo do que

    as fitas baseadas em crimes realmente ocor-

    ridos, pois estas tinham ao seu favor as in-

    formaes veiculadas pela imprensa. Por

    outro lado no se atenta suficientemente,

    como j salientou Jean-Claude Bernardet,

    para o principal veio econmico da produ-

    o: o filme natural. A tendncia dos

    historiadores foi aplicar ao Brasil, sem cr-

    tica, um modelo de histria elaborado para

    os pases industrializados em que o filme de

    fico o sustentculo da produo (18).

    O prprio Paulo Emlio, observando a

    limitao da sua anlise em torno do natu-

    ral, escreveu em 1974 o seminal ensaio

    A Expresso Social dos Filmes Documen-

    tais no Cinema Mudo Brasileiro (1898-

    1930) (19), no qual busca dar conta dosignificado ideolgico desta at ento des-

    prezada parcela da produo cinematogr-

    fica a partir da classificao dos filmes em

    Bero Esplndido e Ritual do Poder. O

    Bero Esplndido seria a descrio das

    belezas naturais brasileiras, abundantemen-

    te explorada pela produo documentria

    das duas primeiras dcadas do sculo XX;

    j o Ritual do Poder englobava o registro

    das atividades das grandes autoridades da

    Repblica especialmente o presidente.

    Jean-Claude Bernardet observou posteri-

    ormente que mesmo quando a temtica do

    natural envolve figuras do povo existe a

    possibilidade de o filme se encaixar nesta

    ltima categoria, pois uma produo como

    As Curas do Professor Mozart (Alberto

    Botelho, 1924) foi realizada a partir do in-

    teresse de polticos e jornalistas pelo as-

    sunto (20). Paulo Emlio comenta que oBero Esplndido tendeu a desaparecer

    com o passar do tempo, transmutando-se

    num gnero de documentrio cuja temtica

    girava em torno da vida e dos costumes do

    homem do interior, gerando viva repercus-

    so na imprensa carioca atravs de crticos

    como Adhemar Gonzaga e Pedro Lima, para

    os quais apenas o filme de fico era digno

    de ateno e que deploravam tanto a quali-

    dade artstica das produes documentriasquanto o fato de elas mostrarem o atraso do

    18 Jean-Claude Bernardet,CinemaBrasileiro: Propostas Para umaHistria, Rio de Janeiro, Paz eTerra, 1979, p. 28.

    19 Paulo Emlio Salles Gomes, AExpresso Social dos FilmesDocumentais no Cinema MudoBrasileiro (1898-1930), inPaulo Emlio Um Intelectualna Linha de Frente, organiza-do por Carlos Augusto Calil e

    Maria Teresa Machado, SoPaulo/Rio de Janeiro,Brasiliense/Embrafilme, 1986,pp. 323-30.

    20 Jean-Claude Bernardet, op. cit.,p. 26.

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    REVISTA USP, So Paulo, n.60, p. 114-121, dezembro/fevereiro 2003-2004 121

    pas ao invs do seu desenvolvimento.

    Houve, entretanto, outros comentaristas,

    como o intelectual Oliveira Vianna, que

    ficaram impressionados com as imagens

    do atraso expressas de forma ingnua por

    esses filmes, expresso secretada tanto pelo

    tema quanto pela prpria fatura das fitas.

    Concluindo, Paulo Emlio afirma que a

    funo do documentrio no foi a de levar

    educao e cultura para o homem do inte-

    rior, conforme esperavam figuras como o

    jornalista Mrio Behring, mas levar para

    o litoral a viso do atraso insuportvel do

    interior.

    Resta-nos apontar uma limitao na

    monumental tarefa empreendida por Paulo

    Emlio como principal nome da pesquisa eda historiografia clssica do cinema brasi-

    leiro. Com isso no se pretende diminuir a

    importncia capital do seu pensamento, mas

    to-somente dialogar de forma viva com

    ele evitando trat-lo de forma embalsama-

    da ou como bode exultrio.

    A nosso ver, um grande problema do

    projeto historiogrfico de Paulo Emlio

    reside na ausncia de aprofundamento da

    crtica ideolgica principalmente em rela-o aos filmes e cineastas mais antigos. Tal

    ausncia na realidade era estratgica, vi-

    sando a valorizar ao mximo os pioneiros

    do cinema brasileiro e a experincia hist-

    rica desta cinematografia como algo essen-

    cialmente positivo apesar da opresso

    advinda da ocupao do mercado pelo pro-

    duto norte-americano.

    Destarte algumas questes fundamen-

    tais se no chegaram a ser desconsideradas

    foram relegadas para um segundo plano

    bastante apagado pela historiografia cls-

    sica. Citamos apenas um exemplo elemen-

    tar: a representao do negro no cinema

    brasileiro. Fora algumas poucas pginas em

    Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte

    (21), o tema quase no vem baila na obra

    de Paulo Emlio, cujo interesse pela repre-sentao dos oprimidos patente bem como

    pelos grandes quadros ideolgicos.

    Ademais, conforme observou Joo

    Carlos Rodrigues, a argumentao de Pau-

    lo Emlio sobre a ausncia de racismo em

    O Thesouro Perdido (Humberto Mauro,

    1927), quando um menino negro fumando

    comparado a um sapo, no convence ao

    apelar para a candura e para a tonalida-

    de brasileira da seqncia (22). Antes,acrescentaramos ns, a argumentao de

    Paulo Emlio torna claras as lacunas da his-

    toriografia clssica e a incapacidade dos

    projetos nacionalistas de dar resposta para

    as grandes fraturas sociais brasileiras quan-

    do estas no se justificam pela opresso

    externa.

    Atualmente mais perceptvel tal limi-

    tao no apenas por toda crtica de que foi

    alvo o nacionalismo nos vrios campos da

    cultura, como ainda pela ascenso contem-

    pornea do movimento negro no Brasil,

    inclusive no campo do audiovisual. Devi-

    do a isso se torna premente analisar a pre-

    sena do negro na frente e atrs das cmeras.

    Trabalhos como os de Joo Carlos Ro-

    drigues e de Robert Stam (23) sobre a re-

    presentao do negro ou a pesquisa atual-

    mente desenvolvida por Noel dos Santos

    Carvalho sobre diretores de cinema negros

    apontam para uma das possibilidades maisricas de renovao do discurso sobre o ci-

    nema brasileiro, aquela que envolve a ques-

    to tnica.

    21 Paulo Emlio Salles Gomes,Humberto Mauro, Cataguases,Cinearte, So Paulo, Perspec-tiva/Ed. da Universidade deSo Paulo, 1974, pp. 146,147 e 310.

    22 Joo Carlos Rodrigues, O Ne-gro Brasileiro e o Cinema, 3aed., Rio de Janeiro, Pallas,

    2001, p. 80.23 Robert Stam, Tropical Multi-

    culturalism: A ComparativeHistory of Race in BrazilianFilms and Culture, Durham,Duke University Press, 1997.