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Teoria Geral dos Direitos Humanos

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C a p í t u l o 1

Teoria Geral dos Direitos Humanos

Sumário: 1. Conceito de direitos humanos; 2. Dimensão ética dos direi-tos humanos; 3. Direitos do homem, direitos fundamentais e direitos humanos; 4. Direitos humanos fundamentais; 5. Características dos direi-tos humanos; 6. Evolução histórica: marcos e pensamentos; 7. Evolução histórica: documentos; 8. Gerações de direitos; 9. Crítica ao sistema ge-racional; 10. O indivíduo como sujeito do Direito Internacional (DI); 11. Tópico-síntese.

\ leia a lei

ͳ Constituição Federal, de 1988; Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966; Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; e Convenção Americana sobre Di-reitos Humanos, de 1969.

Os direitos humanos são dotados de uma indeclinável e inegável importância; eles são base de todos os ordenamentos jurídicos, re-quisito indispensável para se qualificar, verdadeiramente, um Estado como Democrático. Por meio de sua proteção é que se conseguirá as-segurar a dignidade humana.

No Estado de Direito democrático “devem ser intransigentemen-te respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos” (HC 82.424, Rel. Min. Moreira Alves, STF, J. 17/09/2003).

É facilmente perceptível que essa ideologia moderna foi adotada pela Constituição Federal de 1988, na linha de tantas outras Leis Fun-damentais, que estão em sintonia com o movimente internacional de expansão da tutela dos direitos das pessoas. Os Direitos Constitucio-nais internos estão em comunicação com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, em todos esses campos espraiou-se a importância dos direitos humanos.

Por isso, justifica-se uma Teoria Geral. Esta visa, inicialmente, situ-ar a matéria e fincar estacas propedêuticas para o prosseguimento dos demais capítulos do Livro. A partir daqui, poder-se-á, mais à frente, pesquisar sobre os sistemas de proteção e outros temas correlatos, indispensáveis para os Direitos Humanos.

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Diego Pereira Machado

1. CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS

Não há um entendimento doutrinário pacífico, nem uma vertente jurisprudencial internacional abalizada, muito menos uma definição legal ou convencional que possa fornecer de forma segura um concei-to de direitos humanos. Cabe, então, à doutrina, por meio da análise de suas características e aglomerado de pensamentos, traçar um con-ceito, quiçá, enriquecedor.

Os direitos humanos podem ser entendidos como: “A proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado ou regras para se estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento da perso-nalidade humana” (UNESCO, 1978, p. 11, apud ÂNGELO, 1998, p. 17. Grifos meus).

Outro conceito proveitoso é o de que os direitos humanos cons-tituem um “conjunto de faculdades e instituições que, em cada mo-mento histórico, concretizam as exigências da dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional” (TA-VARES, 2008, p. 461).

2. DIMENSÃO ÉTICA DOS DIREITOS HUMANOS

A despeito da tentativa de se tentar reproduzir um conceito dos direitos humanos, a descrição segura é a de que eles pertencem ao homem, pela simples qualidade de ser “humano”. O indivíduo não pode ser privado de sua substância em nenhuma situação.

Tais direitos são inerentes, ou melhor, intrínsecos à condição hu-mana.

A Carta Internacional de Direitos Humanos – formada pela Decla-ração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econô-micos, Sociais e Culturais – materializa textualmente esta dimensão ética, eis o preâmbulo da Declaração Universal: “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, em seu preâmbulo, também apregoa que “os direitos essenciais do homem

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não se originam do fato de alguém ser uma pessoa natural de um de-terminado Estado, mas sim, estão baseados nos atributos da persona-lidade humana”.

3. DIREITOS DO HOMEM, DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS

Há uma clássica distinção doutrinária entre as expressões direi-tos humanos, direitos fundamentais e direitos do homem.

A expressão direitos do homem possui cunho nitidamente natu-ralista ou jusnaturalista, cuja conotação remonta a direitos naturais ou ainda não positivados. São direitos que não se encontram previstos nas Constituições internas e nem nos tratados internacionais. Atual-mente, essa classificação está em desuso, porque a quase totalidade dos direitos conhecidos estão previstos, implícita ou explicitamente, nos textos normativos internos e internacionais.

Os direitos fundamentais relacionam-se à previsão constitucio-nal dos direitos das pessoas que se encontram dentro de um determi-nado Estado. Eles representam a proteção interna (sistema interno ou nacional) de salvaguarda aos direitos. Devem estar previstos nas Leis Fundamentais dos países, sob pena de nem ser possível falar em Constituição, conforme preceitua a Declaração dos Direitos do Ho-mem e do Cidadão, de 1789: “Artigo 16º – Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a se-paração dos poderes não tem Constituição”.

\ atençãoComo acima exposto, percebe-se que, ao se estudar os direitos sob uma perspectiva apenas interna, prepondera o título “direitos fundamentais”, conforme a própria re-dação da CF de 1988. Contudo, é preciso reconhecer que há outras denominações aos mesmos direitos fundamentais. Podem ser citadas as seguintes nomenclaturas: direitos individuais (espécies de direitos fundamentais, estando representados pelos direitos de primeira geração); direitos públicos subjetivos (direitos subjetivos atribuídos por nor-mas de Direito Público); direitos da personalidade (relacionados à proteção pessoal, com a intimidade e a privacidade, integrida de, imagem, nome e moral); e situações funcionais (situações jurídicas ativas e passivas dos titulares dos órgãos e de certos agentes do Estado, outorgadas aos órgãos e não aos indivíduos) (SOUSA, 2008, pp. 09-13).

Já a expressão direitos humanos configura os direitos pre-vistos nos tratados internacionais e costumes internacionais. Eles

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corporificam o Direito Internacional dos Direitos Humanos, enrique-cendo o escudo protetor interno dos Estados.

Na visão de Ingo Sarlet, em que “pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamen-tais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determi-nado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)” (SARLET, 2007, pp. 35-36).

\ atençãoCuriosamente, a Carta da ONU, de 1945, estabelece essa distinção entre direitos hu-manos e direitos fundamentais. Da mesma forma, a Constituição brasileira de 1988 efetua uma correta distinção entre as expressões. Veja-se que o § 1º do art. 5º da CF, escorreitamente, ao se referir aos direitos em âmbito interno, assenta que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. De outra banda, no § 3º do art. 5º, ao se referir à proteção internacional, a CF se utiliza, irreto-cavelmente, da expressão direitos humanos: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

No presente Livro será adotada a distinção que acabamos de efe-tuar. Contudo, não será seguida de forma rigorosa, haja vista que cada vez mais os doutrinadores preferem a expressão direitos humanos fundamentais, de forma a conciliar a união da proteção constitucio-nal com a salvaguarda internacional.

4. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Já como título de sua indispensável obra “Direitos Humanos Fun-damentais”, o Emérito Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho ex-prime a tendência moderna de se adotar a expressão direitos huma-nos fundamentais (FEREREIRA FILHO, 2007).

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A despeito da distinção das expressões, o que mais interessa é que haja efetivo respeito aos direitos, situados interna ou internacionalmen-te. A complementação e a comunicabilidade dos sistemas, interno e in-ternacional, mostram-se imprescindíveis para uma concreta proteção.

Ademais, uma das características dos direitos é a indivisibilidade, o que, mais uma vez, corrobora a denominação em relevo.

5. CARACTERíSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

Emergem infindáveis características dos direitos humanos impos-síveis de serem citadas de forma exaustiva. A doutrina, a depender da perspectiva e até do país de origem, oscila quanto às terminologias. Nós optamos pelas principais características arroladas pelas escolas nacionais.

Podem ser citadas como as principais características dos direitos humanos:

Historicidade Imprescritibilidade

Universalidade Efetividade

Essencialidade Inviolabilidade

Irrenunciabilidade Complementaridade

Inalienabilidade Limitabilidade

Indisponibilidade Vedação ao retrocesso

Inesgotabilidade Universalidade

Inexauribilidade Indivisibilidade

Os direitos humanos são caracterizados pela historicidade. A construção ou reconstrução dos direitos vem se dando ao decorrer dos tempos. Conforme será aprofundado no capítulo sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, foi a partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra, com a criação da Organização das Nações Uni-das (ONU) e com a adoção da Declaração Universal, que os direitos humanos se desenvolveram internacionalmente, embora antes já se reconhecessem marcos importantes, como a criação da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, em 1919.

Levando em conta essa característica, pode-se citar uma concep-ção contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzi-da pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de

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Direitos Humanos de Viena, de 1993. Essa concepção “é fruto da in-ternacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do Pós-Guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o na-zismo” (PIOVESAN, 2006, p. 08).

Há também a característica da universalidade, estampada no tí-tulo da Declaração UNIVERSAL dos Direitos Humanos. Os direitos são universais. Basta ter a condição de ser humano para titularizar direi-tos, independentemente de qualquer circunstância (sexo, etnia, idade e afinidade política).

\ posição do StFEm relação à inexistência de distinção quanto ao sexo e à opção sexual, o STF prolatou histórica decisão para fins de reconhecimento de direitos aos casais do mesmo sexo, vejamos: “(....) O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmen-te com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelsenia-na “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vonta-de das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATE-GORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais hetero-afetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorá-ria, celebração civil ou liturgia religiosa. (...) 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTI-TUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JU-RÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades

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domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patí-bulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade fa-miliar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. (...) INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECO-NHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. (...)” (ADPF 132, Min. Rel. Carlos Ayres Britto, STF, J. 05/05/2011).

Ademais, os direitos são essenciais. A essencialidade atine à im-portância antes citada.

Já a irrenunciabilidade não permite que a autorização do titular do direito permita sua violação.

Conectada com a irrenunciabilidade está a inalienabilidade, que não permite transferir ou ceder os direitos, onerosa ou gratuitamente, a outrem, ainda que com o consentimento da pessoa; e isso os torna indisponíveis e inesgotáveis.

A inexauribilidade é uma das principais marcas dos direitos hu-manos, pois eles podem ser sempre expandidos, há sempre a possibi-lidade de se acrescer novos direitos.

Eles são também imprescritíveis, não podendo haver esgota-mento dos mesmos com o passar do tempo, o que possibilita sejam vindicados e protegidos a qualquer tempo, não se esvanecem pelo ad-vento da prescrição (aplicável aos direitos patrimoniais).

Quanto à sua proteção, deve-se também zelar pela (característica) da efetividade, haja vista que há que se garantir uma proteção concreta, efetiva e material, não apenas sob o aspecto formal. Afinal, é corriquei-ra a tentativa do legislador brasileiro de tentar solucionar os edemas sociais por meio do papel mágico, ou seja, edita-se uma lei, coloca-se a panaceia milagrosa no texto legal e tudo está solucionado (MACHADO, 2013, p. 193), por isso, além de se declararem os direitos, torna-se fun-damental que se concretizem meios para sua implementação.

Se deve haver proteção real e fática, com outras palavras, resta então claro que não pode haver violação, o que nos remete a mais uma característica: a da inviolabilidade.

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A complementaridade é mais uma peculiaridade dos direitos hu-manos. Eles devem ser interpretados de forma plurilateral e enrique-cedora, no sentido de que um direito enriqueça e complemente os demais.

Os direitos humanos, em situações excepcionais e com previsão normativa, podem ser limitados, eis sua limitabilidade, a qual será pesquisada no capítulo sobre a Constituição Federal e os direitos fun-damentais.

Os direitos humanos também são adjetivados (protegidos) pela vedação ao retrocesso, cujo significado compreende o dever de sem-pre se agregar algo novo e melhor, não podendo retroceder. Aos Es-tados está proscrito proteger menos do que já protegem, estando os tratados internacionais, por eles concluídos, impedidos de impor restrições que diminuam ou nulifiquem direitos anteriormente já as-segurados. Internamente, o princípio da vedação ao retrocesso veda ao legislador a supressão pura e simples da concretização de norma constitucional que permita a fruição de um direito fundamental, espe-cialmente os sociais.

\ posição do StF“(...) A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIO-NAIS. – O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos funda-mentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetiva-ção desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto consti-tucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados” (ARE-AgR 639337, Min. Rel. Celso de Mello, STF, J. 23/08/2011. Grifos meus).

As características acima elencadas podem ser aplicadas aos di-reitos humanos, entretanto, há três outras características tidas como contemporâneas decorrentes expressamente de documentos interna-cionais. Elas são classificadas pela doutrina como básicas, e merecem destaque nesse encerramento de tópico, são elas: a universalidade, já

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citada; a indivisibilidade; e, a inter-relacionariedade. Em razão de sua importância, as três serão retomadas quando do estudo da Decla-ração Universal, de 1948.

6. EVOLUÇÃO HISTÓRICA: MARCOS E PENSAMENTOS

Há diferentes formas de explicar a evolução histórica dos direitos humanos.

A historicidade pode ser representada pela cronologia dos docu-mentos importantes para a formação e reconhecimento das liberda-des. Desde Declarações até Constituições influíram para a formação dos direitos humanos fundamentais.

De outra forma, a historicidade também pode ser estudada com arrimo nas gerações ou dimensões.

Ocorre que, no momento, o que se almeja é sintetizar os marcos e pensamentos relevantes para a consolidação dos direitos humanos.

Podem ser destacados três marcos históricos fundamentais, quais sejam: o Iluminismo, a Revolução Francesa e o término da Segun-da Guerra Mundial (OLIVEIRA, 2009, p. 14).

O Iluminismo (ou Era da Razão) configurou uma revolução in-telectual que se efetivou no continente europeu, particularmente na França, no século XVIII. Esse movimento representou o auge das transformações culturais iniciadas no século XIV pelo movimento re-nascentista, e colocou em destaque os valores da burguesia, favore-cendo o aumento dessa camada social.

O Iluminismo procurava uma explicação por meio da razão para todos os acontecimentos; rompendo, assim, com as formas de pensar que até o momento eram aceitas. Alguns princípios podem ser desta-cados como norteadores da sociedade na época, quais sejam: a busca da felicidade; a garantia dos direitos, da liberdade individual e da livre posse de bens pelo governo; a tolerância para a expressão de ideias; e a igualdade perante a lei (GRESPAN, 2003).

Entre os principais filósofos do movimento, destacam-se: Jhon Locke (1632-1704); Voltaire (1694-1778); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Montesquieu (1689-1755); Denis Diderot (1713-1784); e Jean Le Rond d'Alembert (1717-1783) (GRESPAN, 2003).

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\ atençãoNão muito citado pela doutrina é o movimento do Humanismo, o qual deve ser lem-brado. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu-se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. Para o pen-samento humanista o valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua originalidade e sua superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto como um ser que pode construir seu próprio destino (SAID, 2007).

A seguir vem a Revolução Francesa, que foi um movimento po-lítico e social que questionava os privilégios da nobreza e do clero, bem como o poder absoluto do monarca. Por volta de 1789, a França enfrentava uma grave crise econômica, sendo que a maioria dos traba-lhadores rurais pagava excessiva carga tributária. Já a indústria ainda funcionava, só que de forma muito artesanal, e o comércio também enfrentava dificuldades (HOBSBAWM, 1996).

Dentre as principais vitórias dos revoltosos franceses, está apro-vação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento dos mais indispensáveis para a evolução concreta dos direitos humanos. Ele assegura, dentre outros direitos, a liberda-de, a igualdade e a propriedade. A Declaração, inspirada em ideias ilu-ministas, serviu de base para a construção de diversas Constituições de Estados Democráticos. A Revolução Francesa incentivou muitos outros movimentos revolucionários nas décadas seguintes, marcando a luta pelo fim dos privilégios sociais e pela promoção da dignidade humana.

O lema da Revolução Francesa era: liberdade, igualdade e frater-nidade. Tais ideias representam as três primeiras e clássicas gerações de direitos, logo abaixo estudadas.

Nessa conjuntura, calha sublinhar as ideias de Immanuel Kant, ex-postas em suas obras Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo (1790). Com arrimo em uma verten-te racionalista, Kant definiu o Estado como instrumento de produção das leis, representando os cidadãos, sendo a liberdade o principal fun-damento para se valorizar a dignidade humana (HÖFFE, 2005).

Por fim, o terceiro marco que merece destaque é o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945. O período pós-guerra instau-rou uma nova lógica planetária, exaltando a importância do indivíduo como um dos novos sujeitos do Direito Internacional. O Estado não

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é mais o único ator internacional, o instituto da soberania é flexibili-zado e o Direito Internacional dos Direitos Humanos emerge. Este é materializado pelo sistema global de proteção dos direitos humanos (da Organização das Nações Unidas), posteriormente complementado pelos sistemas regionais (europeu, americano e africano). O período em questão teve alguns documentos de destaque, quais sejam: Carta da ONU, de 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Após a Segunda Guerra, exalta-se uma nova corrente de pensa-mento, a qual normalmente é aprofundada nas obras de Direito Cons-titucional. Todavia, merece aqui destaque, porque além de fortemente influenciar a salvaguarda interna dos direitos (fundamentais), tam-bém respingou suas balizas nas normativas internacionais (direitos humanos). Trata-se do pós-positivismo.

Citados os principais marcos históricos (Iluminismo, Revolução Francesa e término da Segunda Guerra Mundial), passa-se à análise das correntes de pensamentos relevantes (jusnaturalismo, positi-vismo e pós-positivismo).

Transpassados o jusnaturalismo e o positivismo, ocupou lugar o pós-positivismo.

Conforme Barroso, o jusnaturalismo está fundado na existência de um Direito natural, sua concepção consiste no reconhecimento de que há valores e pretensões humanas legítimas que não decorrem de uma norma jurídica emanada do Estado, i.e., independem do Direito positivo. Esse Direito natural tem validade em si, legitimado por uma ética superior, e estabelece limites à própria norma estatal (BARROSO, 2001, p. 13). Já o positivismo “foi fruto de uma idealização do conheci-mento científico, uma crença romântica e onipotente de que os múl-tiplos domínios da indagação e da atividade intelectual pudessem ser regidos por leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana. (...) O positivismo comportou algumas variações e teve seu ponto culminante no normativismo de Hans Kelsen” (BARROSO, 2001, pp. 16-17).

Ainda de acordo com a doutrina do professor Barroso, a “supe-ração histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivis-mo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O

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pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário di-fuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princí-pios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais” (BARROSO, 2001, p. 19).

Com o pós-positivismo, passa a ocorrer a distinção entre princí-pios e regras, os dois são espécies do termo norma e os dois osten-tam normatividade.

Na linha desse pensamento, Canotilho refere-se ao sistema jurí-dico do Estado Democrático português como um “sistema normati-vo aberto de regras e princípios” (2003, p. 1159). Rafaela Machado, partindo do mesmo norte, exalta a importância dos princípios para o Direito Constitucional dos países (2012).

A mudança “de paradigma nessa matéria deve especial tributo às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por Robert Alexy. A conjugação das ideias desses dois autores domi-nou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencio-nal da matéria” (BARROSO, 2004, p. 353).

7. EVOLUÇÃO HISTÓRICA: DOCUMENTOS

Como outrora dito, a historicidade também pode ser representada pela cronologia dos documentos importantes para a formação e reco-nhecimento das liberdades.

O primeiro documento referido pela doutrina quanto aos direitos humanos é a Magna Carta, de 1215. Trata-se de um acordo entre rei e barões revoltados. Ela direciona-se à proteção dos direitos dos ingleses, originários da law of the land (lei da terra). Embora restrita aos ingleses, ela é o nascedouro dos direitos, tendo influenciado inúmeros outros do-cumentos. Seu principal desiderato é a limitação do poder do rei. A judi-cialidade é um dos princípios do Estado de Direito. Prevê, v.g., direito de ir e vir, propriedade privada e graduação da pena do delito.

Em 1628 adota-se a Petition of Rights. Ela reafirmou os direitos da Magna Carta, dando ênfase à, v.g., propriedade e à proibição da de-tenção arbitrária.

O Habeas Corpus Act data de 1679, remete ao habeas corpus, uma das mais relevantes garantias aos direitos humanos já cria-das na história da Humanidade. Este documento foi fortemente

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influenciado pela Magna Carta e almejava, precipuamente, garantir o direito de ir e vir.

A Declaração de Direitos de 1689, ou Bill of Rights, submete a monarquia inglesa à soberania popular. Ela limita a autoridade real. Ao rei não mais é permitido suspender leis ou as descumprir, muito menos pode cobrar tributos sem o consentimento do Parlamento. Assegura-se a supremacia do Parlamento. Neste momento, são dados passos importantes para a definição da separação de poderes.

Os quatro documentos citados (Magna Carta, Petition of Rights, Habeas Corpus Act e Bill of Rights) exaltam a regra da Rule of Law, que dispõe sobre a necessidade de todos se sujeitarem ao Direito (Estado de Direito), inclusive os detentores do poder.

Uma noção mais clara de direitos individuais é instaurada com a Declaração de Virgínia, de 1776, a qual abre caminho para a inde-pendência dos Estados Unidos. Ela preceitua sobre, v.g., o direito de igualdade, o poder emanado do povo, o direito à felicidade, a separa-ção de poderes, o direito geral ao sufrágio e o direito à propriedade. Em 04 de julho de 1776 há também a Declaração Americana da Independência.

No ano de 1789, aprova-se a, importante é já citada, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada na França. É a mais famosa de todas as Declarações. É curioso ressaltar que ela ainda está em vigor na França e integra o bloco de constitucionalidade daque-le país. Sua finalidade principal é proteger os direitos dos homens con-tra os atos do governo. Seu objetivo imediato é instruir os indivíduos de seus direitos fundamentais, possuindo, para tanto, caráter pedagó-gico. Como é uma Declaração, os direitos nela são apenas recordados, pois preexistem a ela. A igualdade perante a lei é o elemento essencial da Declaração, conforme seu art. 6º. O presente documento, decorren-te da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), foi a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948.

Outra fonte histórica dos direitos humanos foi a Constituição Francesa, de 1848, fundamental para a futura consagração dos di-reitos econômicos e sociais (segunda geração) nas Leis Fundamentais dos demais países.

Mais recente, mas mesmo assim influenciadora, foi a Constitui-ção do México, de 1917. Ela constitucionalizou de forma expressa

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Diego Pereira Machado

os direitos econômicos, sociais e culturais e exaltou a função social da propriedade. O seu art. 123 tratava de vários assuntos inéditos, tais como a limitação da jornada de trabalho para 8 horas diárias, a disci-plina do trabalho de menores de 12 anos, bem como a limitação de 6 horas diárias para os menores de 16 anos, a limitação de 7 horas de jornada de trabalho noturno, o descanso semanal, o salário mínimo, a igualdade salarial, o direito de greve e outros institutos inovadores que vieram proteger as relações de trabalho.

A Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explo-rado, de 1918, merece destaque, já que visava, conforme seu Capítulo II, “precipuamente a suprimir toda exploração do homem pelo homem, a abolir completamente a divisão da sociedade em classes, a esmagar implacavelmente todos os exploradores, a instalar a organização socia-lista da sociedade e a fazer triunfar o socialismo em todos os países (...)”.

A Constituição alemã de Weimer, de 1919, surgiu como fruto da Primeira Guerra Mundial. O Estado Democrático Social, cujos parâme-tros já haviam sido delineados pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu com a Constituição alemã uma melhor estruturação. E, tal como a Constituição do México, os direitos trabalhistas e previdenci-ários ganharam o status de direitos fundamentais. Ela estabeleceu um novo modelo constitucional para os direitos sociais e influenciou mui-tas outras, como a Constituição brasileira de 1934.

É possível, por fim, realçar outros documentos, como o Tratado de Versailles, de 1919 (que criou a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho), a Carta da ONU, de 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Fontes estas que ainda serão objeto de abordagem específica.

8. GERAÇÕES DE DIREITOS

A evolução histórica dos direitos humanos pode, da mesma for-ma, ser expressa por meio do estudo das gerações. O termo “gerações” indica os grandes momentos de conscientização em que se reconhecem famílias de direitos, com características comuns e peculiares (FERREI-RA FILHO, 2007, p. 06).

Há diferentes nomenclaturas encontradas na doutrina. Além de gerações, podem ser referidas: dimensões, categorias, espécies, naipes ou ondas.