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Linguagem & Ensino, Vol. 9, No. 1, 2006 (77-127) Autonomia e complexidade 1 (Autonomy and complexity) Vera Lúcia Menezes de Oliveira e PAIVA Universidade Federal de Minas Gerais We should not only use the brains we have, but all that we can borrow. (Woodrow Wilson) ABSTRACT: In this paper, after reviewing some concepts of autonomy in second language acquisition literature, I discuss the construct on the light of the chaos theory. In order to present empirical evidence for the assumption that autonomy is a complex system, a corpus of 80 language learning histories, collected in Brazil, by the project AMFALE (http:/www.veramenezes.com/ amfale.htm), was examined and some examples were provided. RESUMO: Neste texto, após rever alguns conceitos de autonomia na literatura sobre aquisição de segunda língua, discuto o construto sob a luz da teoria do caos. Para comprovar que a autonomia é um sistema complexo, apresento evidências empíricas fornecidas pela análise de um corpus com 80 narrativas de aprendizagem de língua inglêsa do projeto AMFALE (http:/www.veramenezes.com/ amfale.htm). 1 Esta pesquisa foi apoiada pelo CNPq.

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  • Linguagem & Ensino, Vol. 9, No. 1, 2006 (77-127)

    Autonomia e complexidade1

    (Autonomy and complexity)

    Vera Lcia Menezes de Oliveira e PAIVAUniversidade Federal de Minas Gerais

    We should not only use the brains we have,but all that we can borrow. (Woodrow Wilson)

    ABSTRACT: In this paper, after reviewing some conceptsof autonomy in second language acquisition literature, Idiscuss the construct on the light of the chaos theory. Inorder to present empirical evidence for the assumption thatautonomy is a complex system, a corpus of 80 languagelearning histories, collected in Brazil, by the projectAMFALE (http:/www.veramenezes.com/ amfale.htm), wasexamined and some examples were provided.

    RESUMO: Neste texto, aps rever alguns conceitos deautonomia na literatura sobre aquisio de segundalngua, discuto o construto sob a luz da teoria do caos.Para comprovar que a autonomia um sistema complexo,apresento evidncias empricas fornecidas pela anlise deum corpus com 80 narrativas de aprendizagem de lnguainglsa do projeto AMFALE (http:/www.veramenezes.com/amfale.htm).

    1 Esta pesquisa foi apoiada pelo CNPq.

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    KEY-WORDS: autonomy, language learning, complexsystem.

    PALAVRAS-CHAVE: autonomia, aprendizagem de lnguas,sistemas complexos.

    O CONCEITO

    O conceito de autonomia na aprendizagem de lngua es-trangeira (LE) surgiu com o advento da abordagem comunicati-va. Antes disso, no havia espao para o reconhecimento daautonomia, pois o professor controlava todas as atividades deaprendizagem e os direitos dos aprendizes ficavam limitados escolha da escola, embora os mais jovens no tivessem voznem sobre isso, j que essas escolhas eram feitas por seuspais.

    Os materiais eram desenvolvidos para controlar e guiaros alunos que no tinham nenhuma opo na seleo das estru-turas e vocabulrio ou na ordem em que eles deveriam ser es-tudados. Os professores se empenhavam em controlar os alu-nos para que todos os passos, previamente planejados, fossemseguidos. At mesmo o conceito de lngua no abria espaopara aceitar os processos mentais autnomos, pois a lnguaera concebida como um sistema fechado cuja aprendizagemseria facilitada se os alunos fossem expostos a uma gama deestruturas ordenadas da mais fcil para a mais difcil. Isso, noentanto, no significa que no aconteciam processos mentaisautnomos. Na realidade, os professores no tinham conscin-cia desses processos.

    Alm dos rgidos princpios lingsticos que embasavamas abordagens de ensino de LE, o papel dos aprendizes tambm

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    era minimizado, pois seus diferentes estilos de aprendizagem esuas estratgias preferidas eram totalmente ignorados e atmesmo combatidos. Essas abordagens eram centradas no pro-fessor e no se esperava nenhuma tentativa de aprendizagemautnoma.

    Exemplos tmidos de autonomia, no entanto, podem terocorrido entre aqueles aprendizes, apesar das orientaes dosprofessores e dos mtodos de aprendizagem. Os alunos podemter usado um dicionrio para aprender palavras que no estavamno material; podem ter construdo outras frases significativasem sua prpria realidade, etc. Em suma, eles podem ter tentadofazer a lngua trabalhar para eles.

    Eu mesma comecei a aprender ingls atravs do MtodoDireto, mtodo desenvolvido em oposio ao ensino pela gra-mtica e a traduo. No consigo esquecer minha primeiraprofessora dizendo que era proibido traduzir e que deveramospensar em ingls. Embora aquele fosse, em suas palavras, umpressuposto bsico, no havia nada nas atividades em sala deaula que desencadeasse o almejado pensar em ingls. Repe-tamos palavras e algumas frases isoladas sem qualquer prop-sito comunicativo. O dicionrio bilnge era um tesouro proibidoe a traduo uma estratgia, pecaminosamente, usada pelosalunos.

    Eu j havia me graduado quando decidi aprender francs,mas, novamente, nenhuma autonomia foi encorajada. O mtodoera o udio-visual. A professora nos fazia repetir os dilogosad nauseum e ns deveramos memoriz-los sem ler nenhumapalavra. O livro continha apenas gravuras e ns ramos priva-dos das formas escritas da lngua que nos esforvamos paraaprender, pois os autores acreditavam que a compreenso oraldeveria preceder a leitura.

    Usando meu instinto de autonomia, comprei o manual

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    do professor para ter acesso s transcries, mas a professoranunca suspeitou disso. Era a nica maneira que eu encontrarapara memorizar os dilogos, pois a gravuras no eramsuficientes para eu recordar as frases a elas associadas. Deuma certa forma, eu disputara o controle de minha prpriaaprendizagem com o mtodo e com a professora. Isso vai aoencontro da definio de Wisniewska (1998, p.24): aautonomia do aprendiz pode ser descrita como a habilidadeem assumir o controle sobre a prpria aprendizagem a fim demaximizar todo o seu potencial.2

    Minha autonomia, ao usar as formas escritas para meauxiliar durante o perodo de prtica oral, levou-me direooposta dos princpios subjacentes ao mtodo udio-visual. Omtodo pressupunha que os aprendizes deveriam ouvir e repetirdurante um perodo de 8 a 10 semanas. A leitura e a escritadeveriam ser introduzidas quando as estruturas fonticas bsi-cas estivessem totalmente adquiridas. Quanto mais controladofosse o aprendiz, melhor seria porque haveria poucas oportuni-dades para a ocorrncia de erros. Como a aprendizagem delnguas, naquela poca, era considerada uma questo de forma-o de hbitos, os erros deveriam ser evitados a todo custo,impedindo o estabelecimento de comportamentos lingsticosimperfeitos.

    A prpria professora no era autnoma, pois ela deveriaseguir todos os passos previstos pelo mtodo. At mesmo aquantidade de vocabulrio a ser ensinado era limitada e nohavia espao para a criatividade do professor.

    Na dcada de setenta, com a emergncia de um novoconceito de lngua lngua como comunicao e a nfase

    2 A traduo desta e de todas as demais citaes em lngua estrangeira so deminha responsabilidade.

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    nos processos cognitivos, a autonomia emergiu como um aspec-to central no ensino de LE. A abordagem comunicativa abriua porta para aprendizes mais autnomos, embora muitos fatores,que sero discutidos neste texto, possam causar obstculos aesse tipo de aprendiz.

    DEFININDO AUTONOMIA

    Definir autonomia no uma tarefa fcil, principalmente,porque h poucos contextos onde os aprendizes podem, real-mente, ser autnomos. Os alunos, raramente, esto totalmentelivres de interferncia de fatores externos que funcionam comoobstculos para a desejada autonomia. Estudar sozinho, porexemplo, no necessariamente sinnimo de autonomia, pois,como nos lembra Dickinson (1987), muitas das decises sobrea aprendizagem e seu gerenciamento j se encontram inseridosnos prprios materiais. Para ele, h graus de autonomia quevariam do auto-gerenciamento escolhas externamentedirigidas, envolvendo os seguintes fatores: deciso de aprender;mtodo de aprendizagem; ritmo; quando/onde; materiais;monitoramento; avaliao interna e externa. Considero queoutros fatores, tais como, caractersticas do aprendiz; professo-res; tecnologia; legislao educacional; e aspectos culturais,econmicos e polticos podem, tambm, interferir no processoda autonomia.

    Antes de discutir alguns desses aspectos, gostaria derever algumas definies. Comeo com o que no autonomia,nas palavras de Little (1991). Para ele, autonomia no sinni-mo de auto-instruo, nem algo que professores fazem paraseus alunos, embora no considere o professor redundante.Little (1991, p.3-4) lembra-nos que autonomia no um

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    comportamento nico e facilmente descrito, pois ele podese manifestar de vrias formas, pois, h vrios graus deautonomia.

    Uma das definies mais familiares a de Holec (1981,p.3). Segundo ele, autonomia a habilidade de se responsabili-zar pela prpria aprendizagem. Embora esta definio toqueuma questo central do fenmeno, considero-a um tanto ouquanto ingnua porque no podemos imaginar algum respons-vel pela prpria aprendizagem sem levar em conta outros fatoresque interferem no processo de aprendizagem. O mesmo podeser dito da definio apresentada por Little (1991, p.4), que dizque autonomia a capacidade de planejar, monitorar e avaliaras atividades de aprendizagem, e, necessariamente, abrangetanto o contedo quanto o processo de aprendizagem. Seuconceito inclui algumas estratgias metacognitivas que lidamcom fases diferentes do processo de aprendizagem. As defini-es dos dois autores focam os aprendizes autnomos comoseres humanos livres de restries externas.

    Dickinson (1987, p.9) vai na mesma direo e afirmaque um aprendiz autnomo aquele que totalmente respon-svel para tomar decises que dizem respeito sua aprendiza-gem e para implement-las. Seu conceito de autonomia, naminha opinio, bastante utpico, se levarmos em conta que,raramente, aprendizes de LE sero capazes de tomar todas asdecises sobre sua aprendizagem e de implement-las. Depen-dero, pelo menos, de material produzido por algum que, porsua vez, j decidira sobre o contedo e sobre os princpios lin-gsticos e metodolgicos que embasam o material. No entanto,parece que as definies de Little e de Dickinson podem seaplicar ao mais alto grau de autonomia um aprendiz capazde escolher o que quer aprender, como e quando, sem as restri-es de um contexto educacional formal. Essa idia est, tam-

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    bm, presente no argumento ideolgico de Crabbe (1993,p.443): o indivduo tem o direito de ser livre para exercer suasescolhas como em outras reas, e no tornar-se vtima (mesmoinvoluntariamente) das escolhas feitas pelas instituiessociais.

    Esse argumento nos remete ao significado etimolgicoda palavra o direito de se auto-governar, como registradono Dicionrio Oxford de Etimologia do Ingls e pelo DicionrioEtimolgico on-line que oferece a seguinte entrada: autono-nia 1623, do Grego autonomia, de autonomous independen-te, de auto + nomos costume, lei. A palavra autnomofoi registrada em 1800.

    Esta tambm a forma como a filosofia v a autonomia:Ser autnomo ser a lei para si mesmo, agentes autnomosso agentes auto-governveis (Buss, 2002).

    Candy (1989, p.101) outro autor que aponta a ameaaque a educao formal pode representar para a liberdade dosalunos de fazer suas escolhas. Para ele, autonomia umacapacidade inata do indivduo que pode ser suprimida ou distor-cida pela educao institucional. bom lembrar, porm, queoutros autores, como Karlsson et al. (1997), acreditam queautonomia uma capacidade que pode ser aprendida.

    Young (1986) e Pennycook (1997) seguem uma linhade pensamento semelhante, embora no mencionem a educa-o formal. Para Young (1986), em Pennycook (1997, p.35),autonomia significa ser autor de seu prprio mundo sem sesubmeter ao desejo dos outros e para Pennycook (1997, p.39) a luta para se tornar o autor de seu prprio mundo, ser ca-paz de criar seu prprio significado e de perseguir alternativasculturais no seio da poltica cultural do cotidiano.

    Freire (1997), em seu livro Pedagogia da autonomia,no define autonomia, mas pode-se inferir que, para ele, autono-

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    mia a capacidade e a liberdade do aprendiz de construir e re-construir o que lhe ensinado. Embora sendo o conceito deliberdade uma questo importante, Freire no ignora a importn-cia do professor, cujo papel, em sua viso, no o de transmitirconhecimento, mas o de criar possibilidades para que os alunosproduzam ou construam seu prprio conhecimento,

    Littlewood (1996, p.428) apresenta uma definiosemelhante:

    Podemos definir uma pessoa autnoma como aquela quetem a capacidade de fazer escolhas e conduzir suas prpriasaes. Esta capacidade depende de dois componentes:habilidade e desejo. Assim, uma pessoa pode ter a habilidadede fazer escolhas independentes, mas no sentir nenhumavontade de implement-las (porque tal comportamento no, por exemplo, percebido como apropriado ao seu papel emuma determinada situao). Por outro lado, uma pessoapode ter o desejo de exercitar escolhas independentes, masno ter a habilidade para faz-lo.

    O desejo, para Littlewood (1996, p.431), constitudopor motivao e confiana e habilidade a mistura de conheci-mento e habilidades. Sheerin (1997, p.57) tambm pontua que importante distinguir entre disposio e habilidade porqueum aprendiz pode estar disposto a ser independente em umaatividade como, por exemplo, estabelecer objetivos, mas faltara habilidade tcnica (...)

    De acordo com Littlewood, um indivduo pode ter trstipos de autonomia: como comunicador (usa a lngua de formacriativa, utilizando as estratgias comunicativas adequadas),como um aprendiz (engaja-se em aprendizagem independente,utilizando as estratgias de aprendizagem apropriadas) e comopessoa (expressa significados pessoais e cria contextos pessoais

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    de aprendizagem). Eu acrescentaria que, hoje em dia, impor-tante incluir tambm a autonomia como usurio de tecnologia(habilidade para usar a tecnologia, especialmente, a Internet,uma ferramenta auxiliar importante no processo de aprendiza-gem de LE. Warschauer (2002, p.457) vai alm e defendeque o conceito de autonomia deve ser ampliado e se aplicarno somente auto-direo no uso da lngua e na tecnologiado momento, mas tambm habilidade de desenvolver, avaliare adaptar as novas tecnologias em evoluo.

    A maioria dos lingistas aplicados enfatizam apenas osegundo tipo de autonomia. Coterall (1995, p.195), por exemplo,define autonomia como o ponto que os aprendizes demonstrama habilidade de usar um conjunto de tticas para assumir ocontrole sobre sua prpria aprendizagem. Crabbe (1993) tam-bm foca o aprendiz e diz que o argumento psicolgico apren-demos melhor quando estamos no controle de nossa prpriaaprendizagem o mais atraente. Dickinson (1995, p.167),na mesma direo, descreve autonomia tanto como uma atitu-de em relao aprendizagem como uma capacidade paraaprender de forma independente. Ele cita Wang e Peverly(1986, p.176) que concluem que

    aprendizes autnomos ou independentes so aqueles quetm a capacidade de serem ativos e independenetes no pro-cesso de aprendizagem; eles so capazes de identificar obje-tivos, formular seus prprios objetivos ou mud-los parase adequarem s suas necessidades e interesses de aprendi-zagem; eles so capazes e usar estratgias de aprendizagem,e de monitorar a prpria aprendizagem.

    De forma semelhante, Little (2003, p.1), apesar de reco-nhecer que a autonomia do aprendiz um termo problemticoporque bastante confundido com auto-instruo, afirma que

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    H, no entanto, amplo acordo de que aprendizes autnomoscompreendem o propsito de seus programas de aprendiza-gem, aceitam explicitamente a responsabilidade por suaaprendizagem, compartilham a formulao de objetivos,tomam iniciativa para planejar e executar as atividades deaprendizagem, e, regularmente, revem sua aprendizagem eavaliam sua eficcia (cf. Holec 1981, Little 1991). Em outraspalavras, h um consenso de que a prtica da autonomia doaprendiz requer insight, uma atitude positiva, uma capaci-dade de reflexo, e uma prontido para ser pr-ativo noauto-gerenciamento e na interao com os outros.

    Little acrescenta ao seu conceito a idia de autonomiacomo comunicador, pois ele inclui em sua definio o aspectosocial da aprendizagem de lngua e a interao com os outroscomo parte do processo de aquisio.

    Freire (1970,1997), Young, R (1986), Pennycook (1997)e Benson (1997) defendem a idia da autonomia como pessoa,isto , autonomia como um direito, implicando controle sobreseu prprio processo de aprendizagem e respeito pela identidadedo aprendiz. Essa viso critica da autonomia visa transforma-o social, a liberdade de pensar e agir para tornar-se autor deseu prprio mundo.

    Benson (1997, p.18) sugere que h, de fato, trs grandesverses de autonomia do aprendiz (tcnica, psicolgica epoltica) que ele relaciona com o positivismo, o construtivismoe a teoria crtica.

    Os aprendizes tecnicamente autnomos so aqueles queesto equipados com as habilidades e tcnicas necessrias paraos capacitar a aprender a lngua sem as restries da instituioformal e sem o professor. A verso psicolgica define a autono-mia como a capacidade para ser responsvel pela prpriaaprendizagem, e a poltica como controle sobre o contedo e

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    o processo da aprendizagem (Benson, 1997).Resumindo, podemos dizer que os conceitos de autonomia

    focam um ou mais dos seguintes pontos:

    Capacidade inata Um conjunto de habilidades que podem ser aprendidas

    (Benson, 1997) Responsabilidade sobre a prpria aprendizagem Controle sobre o contedo e o processo, auto-direo,

    auto-gerenciamento Direito/liberdade para fazer suas prprias escolhas e

    para construir a prpria aprendizagem

    Ouso dizer que nenhuma das definies at aqui mencio-nadas reconhece os obstculos que algum pode enfrentarquando tenta ser autnomo, como ser demonstrado no desen-volvimento desse texto.

    Kerka (1999) rene alguns autores que mencionam ainterferncia de fatores externos e fatores internos na autonomiado aprendiz. Diz ela:

    Para que a aprendizagem auto-dirigida atinja seu potencialemancipatrio, certas condies polticas devem existir(Brookfield 1993, p.227). A cultura organizacional pode limi-tar o controle do aprendiz sobre o ambiente educacional.Grupos de baixa renda ou marginalizados podem ter acessolimitado a recursos de aprendizagem (Merriam e Caffarella1999). Gray (1999) prope que a Internet pode ser uma dasferramentas atuais mais poderosas e importantes para aaprendizagem autodirigida (p.120). A Internet tem potencialpara proporcionar novas modalidades de aprendizagem esuperar barreiras de recursos, tempo e espao; e equalizaroportunidades de aprendizagem. No entanto, desigualda-des de gnero e de renda ainda existem entre os usurios,

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    interesses financeiros podem agir para exercer controle sobreo que transmitido e sobre quem tem acesso, e deficinciasinstrucionais na aprendizagem on-line ainda devem ser ade-quadamente abordadas (ibid).

    Podemos concluir que autonomia no uma questoapenas de assumir a responsabilidade pela prpria aprendiza-gem, no algo dado pela abordagem ou tolerado pelo pro-fessor. algo muito mais complexo.

    Alguns pesquisadores em Lingstica Aplicada reconhe-cem essa complexidade. Benson (1997, p.29) afirma que oconceito de autonomia da forma como foi desenvolvido na reado ensino de lingua complexo e multifacetado e Sheerin(1997, p.57) observa que a independncia um construto com-plexo, um conjunto de disposies e habilidades para assumircertas atividades. Breen e Mann (1997, p.133) advogam quedevemos procurar desenvolver os ideais de autonomia naprtica, mas estando alertas pra suas complexidades, seremosmais capazes para lutar contra suas restries. Nicolaides eFernandes (2002) concordam que

    ...autonomia parece ser uma idia bem mais complexa doque se possa pensar em um primeiro momento, principalmen-te, por no se saber, como ela se relaciona com o contextode aprendizagem e, considerando um contexto favorvel,qual a forma mais vivel de implement-lo.

    Silva (2003, p.74), tambm falando sobre autonomia, re-fere-se aos sistemas sociais como forma de organizao com-plexa porque faz conviver o social com o individual.

    Tendo em mente a complexidade do conceito e tambmalgumas restries que interferem na autonomia de algum,proponho a seguinte definio: autonomia um sistema scio-

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    cognitivo complexo, que se manifesta em diferentes grausde independncia e controle sobre o prprio processo deaprendizagem, envolvendo capacidades, habilidades, ati-tudes, desejos, tomadas de deciso, escolhas, e avaliaotanto como aprendiz de lngua ou como seu usurio, dentroou fora da sala de aula.

    Considero a autonomia um sistema scio-cognitivo por-que ele envolve no somente os estados e processos mentaisindividuais, mas, tambm, a dimenso social, se nossa viso delngua a de comunicao e no a de um conjunto de estruturaslingsticas apenas. Para aprender uma lngua, pode-se usar aprpria lngua e desenvolver a autonomia como comunicador(veja Littlewood, 1996). Os vrios graus de independncia econtrole variaro de acordo com as caractersticas individuaise o contexto scio-poltico.

    Tomando Sinclair (1997) e Karlsson et al. (1997) comoponto de partida, apresento um sumrio dos diferentes aspectosda autonomia discutidos at agora:

    1. Autonomia envolve a capacidade inata ou aprendida;2. Autonomia envolve auto-confiana e motivao;3. Autonomia envolve o uso de estratgias individuais

    de aprendizagem.4. Autonomia um processo que se manifesta em dife-

    rentes graus;5. Os graus de autonomia no so estveis e podem va-

    riar dependendo de condies internas ou externas;6. Autonomia depende da vontade do aprendiz em se

    responsabilizar pela prpria aprendizagem;7. Autonomia requer conscincia do processo de apren-

    dizagem;

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    8. Autonomia est intimamente relacionada s estrat-gias metacognitivas: planejar/tomar decises, monito-rar, e avaliar;

    9. Autonomia abarca dimenses sociais e individuais;10. O professor pode ajudar o aprendiz a ser autnomo

    tanto na sala de aula quanto fora dela;11. Autonomia, inevitavelmente, envolve uma mudana

    nas relaes de poder;12. A promoo da autonomia do aprendiz deve levar

    em considerao as dimenses psicolgicas, tcnicas,sociais e polticas.

    AUTONOMIA COMO UM SISTEMA COMPLEXO

    A autonomia um sistema complexo assim como a aquisi-o de segunda lngua ou lngua estrangeira. Lorenzen (2002)argumenta que

    A educao uma atividade incerta. No apenas difcilprever com exatido o que acontecer na sala de aula diaria-mente, como quase impossvel assegurar qual pode ser omelhor rumo para a educao de uma determinada pessoa.As razes so simples. A educao est conectada com oresto do universo e como tal est completamente sujeita aocaos que existe de forma natural na realidade.

    Larsen-Freeman (1997, p.141) j havia observado queh muitas semelhanas surpreendentes entre a nova cinciado caos/complexidade e aquisio de segunda lngua (ASL)e demonstra como o estudo dos sistemas complexos no-linea-

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    res jogam nova luz sobre vrios enigmas em ASL. Na mesmadireo, Finch (2002) entende que a teoria da complexidadeest oferecendo uma nova descrio do ambiente de aprendi-zagem e oferecendo justificativas adicionais para a promooda autonomia na aprendizagem de lngua.

    Como nos lembra Benson (1997, p.29), a autonomia um conceito complexo e multifacetado. Ele consiste de umgrande nmero de elementos, o que o torna difcil de ser comple-tamente descrito em uma nica definio. A complexidade ento a primeira caracterstica desse tipo de sistema que tambm chamado de sistema dinmico. Um sistema complexono um estado, mas um processo. Cada componente do sis-tema pertence a um ambiente construdo pela interao entresuas partes. Nada fixo, ao contrrio, existe um constantemovimento de ao e reao e mudanas acontecem comopassar do tempo. Tal sistema tambm chamado catico.Caos, segundo Lorenz (1995, p.20), um termo padro paracomportamento no-peridico. Ele acrescenta que nos siste-mas que so agora chamados de caticos, a maioria dos estadosiniciais so seguidos de comportamentos no peridicos, e ape-nas uns poucos especiais conduzem periodicidade. Da mes-ma forma, como a autonomia um processo catico, aprendizespodem experimentar perodos de mais ou de menos independn-cia e controle. Poucos aprendizes sero autnomos o tempotodo.

    Ao rever os doze aspectos da autonomia, listados acima,podemos facilmente reconhecer algumas caractersticas natu-rais de um sistema complexo ou dinmico, tais como a idia deprocesso em oposio a estado, instabilidade, variabilidade, eadaptabilidade. Assim, gostaria de sugerir que a autonomia um sistema complexo encaixado em outro sistema complexo,

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    o sistema da ASL3. Os componentes de um sistema complexoso eles mesmos sistemas complexos. Ouso dizer que a autono-mia essencialmente parte da ASL porque ela responsvelpor um aspecto essencial do sistema complexo a auto-orga-nizao. A autonomia do aprendiz pode auto-organizar a aquisi-o, pois os processos cognitivos e algumas escolhas de apren-dizagem dependem dos aprendizes, mesmo quando eles estosobre presso de ambientes educacionais muito controlados.

    Para descobrir as representaes que os alunos fazemda aprendizagem de lngua inglsa e se podemos achar evidn-cias de autonomia nessas representaes, estamos coletandohistrias de aprendizagem4. No nosso corpus, encontramosvrias evidncias de autonomia de aprendizagem at mesmoquando o aprendiz est submetido a controle externo. Vejamosalguns exemplos5:

    (1) My teacher always asked us to translate the texts andalso the vocabulary exercises at home. I must admit that Iacquired a certain knowledge about the language, as wellas vocabulary in those times, but I got to the conclusionthat if I did not studied by myself I would not learn somuch. Since I always liked studying languages, especiallyEnglish, I used to have a different hobby: I used to read my

    3 Em Paiva (2002), advogo que ASL um sistema complexo e que as vriasteorias de aquisio de lnguas esto, de fato, descrevendo diferentes aspectosdo mesmo sistema.

    4 O corpus est publicado na web na pgina do projeto: http://veramenezes.com/amfale.thm

    5 Os trechos das narrativas foram reproduzidos sem qualquer edio e asnarrativas completas podem ser encontradas nos links includos em cadanarrativa.

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    bilingual dictionary every time I could and also translatethe lyrics of songs that I liked in order to increase myvocabulary. I decided to watch films with subtitles insteadof seeing those dubbed ones. I confess that now I hatedubbed films, whatever is the original language. I also usedto listen to the songs in order to get the pronunciation ofsome words, what did not work very well because of thedifferent pronunciation some words have in songs. I onlytook English classes regarding conversation when I attendedto English I classes in 2000 [http://www.veramenezes.com/i004.htm]

    No exemplo (1), o aprendiz chegou concluso que a escolano era suficiente para a aquisio da lngua e desenvolveusuas prprias estratgias. Embora algum possa questionar aeficincia de se ler um dicionrio bilnge, esse estudante assu-miu o controle de sua aprendizagem, planejou o que fazer e sehabituou a ouvir linguagem autntica ao assistir filmes sem le-gendas. Seu comportamento autnomo o ajudou a perceberalgumas caractersticas do discurso falado, como, por exemplo,a variao na pronncia.

    No example (2) temos um experincia incomum:

    (2) () Then I went to high school, where English classesare simply awful. Every year the same subjects were taughtto us, such as verb to be, negative forms, interrogativeforms etc. However, the sport I have been practicing fromthat period so far is full of English words and expressions,what made me more interested in English. In fact skateboardhas been a catapult to my English learning process. It iscommon to meet native English speakers in skateboard con-tests, so I had to communicate with them in order to com-ment the contest, or even about my turn in it, for instance.This first steps where then, related to communicative

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    learning process, since real use of language was required inorder to communicate. Slangs and jargons were used allthe time, and I did not know what exactly they meant, but Icould get their meaning through the context we were in.After that, my interest have increased in many aspects ofEnglish, such as music, art and sports, what is just thecontinuity of the process that I began with when I was achild. [http://www.veramenezes.com/i001.htm]

    Nesta histria, vemos um aluno da graduao, um futuro profes-sor de ingls. Ele capaz de usar alguns jarges acadmicospara refletir sobre sua histria de aprendizagem. Podemosperceber a tenso entre o conceito de lngua do professor doensino fundamental estrutura gramatical e a conscinciado aprendiz de que se aprende a lngua usando a lngua, atravsda comunicao. Sua oportunidade de uso da lngua no foialgo planejado, mas produto de seu desejo de se comunicarcom seus companheiros skatistas. Se, no exemplo (1), temosum aprendiz que demonstra um certo grau de autonomia comoaprendiz de lngua, no exemplo (2), temos um narrador que en-fatiza sua habilidade de comunicador autnomo, algum queusa estratgias efetivas para interagir com sucesso e, assim,desenvolver seu processo de aquisio.

    A autonomia uma das propriedades de um sistemacomplexo, no nosso caso ASL, porque ela muda por razesque so, totalmente intrnsecas ao sistema, como o desejo deaprender de forma mais independente. A autonomia , assim,um trao fundamental na ASL e, como pudemos ver nos doisexemplos, impulsiona o processo de aprendizagem.

    Os sistemas complexos so, tambm, dinmicos, no-li-neares, imprevisveis, abertos, adaptativos, auto-organizveis,fractais, e sensveis s condies iniciais e a feedback(Gleik,1987; Lewin,1992; Lorenz,1995).

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    Um sistema dinmico muda constantemente com o pas-sar do tempo, freqentemente, como resultado de feedback, ese adapta ao novo ambiente, aprendendo com a prpria expe-rincia. As mudanas so no-lineares, pois o efeito no ,necessariamente proporcional causa. Elas so caticas por-que o sistema aparentemente desorganizado, apesar da exis-tncia de uma ordem subjacente a essa aparente desordem.Nada determinado ou previsvel. Pequenas mudanas nascondies iniciais podem ocasionar mudanas drsticas, a longoprazo, no comportamento do sistema. Kirshbaum (2002) explicaque

    A imprevisibilidade, que inerente na evoluo natural dossistemas complexos, pode produzir resultados totalmenteimprevisveis tendo em conta o conhecimento das condi-es originais. Tais resultados imprevisveis so chamadosde propriedades emergentes, As propriedades emergentesmostram, assim, como os sistemas complexos so, inerente-mente, criativos.

    Os sistemas so abertos, isto , novos elementos podementrar ou deixar o sistema, e qualquer elemento no sistema in-fluencia e influenciado por outros tantos. McGroarty (1998,p.613), por exemplo, reconhece as restries do sistema educa-cional. Segundo ele,

    os objetivos, metas, e atividades associadas com o ensinode lngua restringem as oportunidades de aprendizagem por-que elas esto ligadas a convenes da histria educacionale institucional e no s experincias contemporneas dosaprendizes e dos professores.

    Minha hiptese que, em um contexto educacional,esses e outros elementos podem trabalhar a favor ou contra a

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    autonomia. Considere, por exemplo, os seguintes fatores:aprendiz; professor; instituio; material, contextos social epoltico; legislao; tecnologia.

    Figura 1 - Representao do sistema da autonomia

    Na Fig.1, explicitei alguns elementos que considero cru-ciais quando se pensa em autonomia como um sistema comple-xo. Estou consciente de que a figura apenas uma representa-o grfica para explicitar alguns aspectos, pois eles no soentidades separadas e sim inter-relacionadas. Os componentesprofessores e aprendizes, por exemplo, so partes do contextoescolar, que, por sua vez, tambm fazem parte do contextosocial.

    No considero a autonomia como uma caractersticaintrnseca apenas. Ela pode ser inata, mas pode ser tambmincentivada ou reprimida por condies internas ou externas.

    Passo, agora a examinar alguns dos elementos do siste-ma da autonomia.

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    O APRENDIZ

    Em relao ao aprendiz, os seguintes fatores podem in-terferir, positiva ou negativamente, na autonomia de um apren-diz: personalidade; capacidade; habilidades; inteligncias6; estilode aprendizagem; atitude; estratgias de aprendizagem; motiva-o; desejo de aprender; desejo de comunicar; senso crtico;cultura; crenas; idade; liberdade; independncia; afiliao aoidioma7; confiana; responsabilidade; e experincias prvias.Essa lista no esgota todas as possibilidades, pois outros fatoresdevem existir, devido natureza dos sistemas complexos.

    No vou discutir todos esses fatores, mas apresentaralgumas narrativas que podem exemplificar o desejo de apren-der, um componente central da autonomia, de acordo com Little-wood (1996), e estratgias metacognitivas, que considero desuma importncia para dar sustentao autonomia doaprendiz.

    No excerto (3), podemos ver um bom exemplo de desejode aprender em um estudante autnomo.

    (3) Before starting studying English in the public school, Itried to learn English by myself at the age of 10. I lovedsongs sang in English, but I had to find out what the lyricswere telling me. Accordingly, I used a small dictionary severaltimes and made an effort to join the sentences with thepurpose of comprehending every song that I used to like. I

    6 O termo inteligncias est sendo usado no plural, tendo em vista oconceito de mltiplas inteligncias de Gardner (1993).

    7 Afiliao lngua, neste artigo, significa os sentimentos que a lnguadesperta nos aprendizes. Eles podem amar ou odiar a lngua e ter sentimentospositivos ou negativos. Eles tambm podem ter imagens estereotipadas dalngua e de seus falantes.

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    also tried hard to copy the singers pronunciation of wordsand that helped me on identifying the same words in differentsongs.I was in the 7th grade when I have my first formal Englishclass. Although I was so excited about really studyingEnglish, I got somehow disappointed when I was told thatthe teacher would work just with grammar, reading and alittle writing. Luckily, the teacher aimed to do more. She de-veloped interesting projects, worked with pronunciation,used a lot of games, songs and videos. Her classes werenice, but something was missing for me. I did not want justto repeat words and sentences. I wanted to really speakEnglish. The teacher used to ask us our opinion about asubject but comments were always in Portuguese. I wantedmore.I continued studying by myself and at school, until I got awonderful opportunity: I started working as a receptionistin private language school. I could study for free as I wasan employee there. I took a three years course there and, inmy opinion, it had a lot to do with the communicativeapproach. Classes were very communicative and student-centered; varied materials were applied; there was a lot ofinteraction - we were usually encouraged to express ourpoint of view and give personal exemplification; ()http://www.veramenezes.com/i018.htm

    O desejo de aprender ingls surgiu quando ela, aos 10 anos,tentou aprender a lngua sozinha. Ela recorreu a canes e adiferentes estratgias cognitivas para tentar compreender osignificado das canes. Seu desejo de aprender ingls nofoi satisfeito pela escola e a narradora compensou essa lacunatornando-se responsvel pela prpria aprendizagem (um indcioda adaptabilidade do sistema) at que surgiu a oportunidadede encontrar uma escola de idiomas onde foi possvel desenvol-ver suas habilidades orais. Aparentemente, o desejo de estudar

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    sozinha decresceu no momento em que ela encontrou um ambi-ente de aprendizagem que atendia s suas necessidades.

    A histria (4) semelhante s anteriores, mas o autordeixa claro que ele continuou a ser autnomo.

    (4) My learning history begins when I was thirteen yearsold. It was the first time I had contact with English, becauseonly Spanish was offered in the 5th and 6th grades in theschool where I studied. Therefore, when I was in the 7thgrade and I was supposed to learn English, I got scared,because that language sounded so weird and I could notunderstand a word, while most of my classmates alreadyknew it a lot. In this year, I was too shy and I could notparticipate in the class, since I was afraid of mistaking andsounding ridiculous to my classmates who knew at least alittle English.However, the next year. I changed my position. Somehowthat weird language started to get my attention and I realizedI had some facility to learn it. From this moment on, I enteredin an English course and had good results. Then I decidedto studied at (name of a language school is mentioned) andagain I was successful. Actually, I think that these courseswere a tool for me to develop my skills, but a bit part of mylearning processes depended on me. I say it because Ivealways been a very shy person and to afraid of speaking inpublic. Thus, I just could improve my English, mainly myoral skills, by studying on my own, through songs, moviesand cartoons.http://www.veramenezes.com/i025.htm

    Nesse excerto, podemos ver que o narrador tem conscinciade sua capacidade inata para aprender lnguas. Apesar da in-fluncia negativa de sua primeira experincia, quando ele noconseguia acompanhar seus colegas, uma mudana repentinaem sua atitude (I changed my position) e a conscincia sobre

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    sua capacidade para aprender o impulsionaram a achar umambiente mais favorvel para sua aprendizagem. Mesmo assim,ele continuou no controle e, para desenvolver as habilidadesorais, tentou superar sua timidez e medo de falar em pblico.

    Este exemplo tambm ilustrativo de uma outra caracte-rstica da teoria do caos a sensibilidade s condies iniciais.Lorenz (2001, p.24) redefine um sistema catico como aqueleque sensvel a mudanas internas do prprio sistema. Nesteultimo exemplo, fica claro que uma mudana interna na atitudedo aprendiz fez toda a diferena no processo de aprendizagem.Medo e timidez foram superados pela motivao, pelo desejode aprender, pela atitude, pelas crenas e por seus prpriosobjetivos que no eram atendidos pelo ensino fundamental.

    Os excertos (5) e (6) demonstram que alguns narradoresexibem autonomia, at mesmo, quando encontram um ensinoformal mais eficiente.

    (5) In 1998 I began to study in an English course. Thecourse helped improve my accuracy but didnt teach mecommunicative competencies. The material has emphasizedgrammar exercises and didnt had much about formal andinformal language, oral and written English and culturalcontext. It was up to the teacher: some of them haveexplained while another just have followed the book.I have my own methodologies as listen to a lot of music inEnglish, watch movies and TV in English. At University Idiscovered a great way to learn: reading. Literature makesme think about English. Also it helps me to improvevocabulary and to learn the language use.http://www.veramenezes.com/i010.htm

    O aprendiz da narrativa (5) foi capaz de avaliar o curso,descobrir pontos positivos e negativos (estratgias metacogniti-vas) e para atender as suas necessidades encontrou a melhor

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    maneira para aprender a lngua utilizando a comunicao demassa. Ele descobriu tambm que a leitura de textos literriosera uma boa estratgia para melhorar o vocabulrio e aprendermais sobre a lngua.

    (6) I think that the structural method was quite good for mebecause I had the common sense and autonomy to look forother resources outside the classroom, not depending onmy teacher to teach me everything I was supposed to know.http://www.veramenezes.com/i019.htm

    O exemplo (6) foi escolhido para mostrar que algunsalunos so conscientemente autnomos. Neste exemplo, aaprendiz tem conscincia das limitaes da metodologia usadapela professora, embora tambm reconhea seus pontos positi-vos. Ela avalia suas necessidades (estratgia metacognitiva),assume que responsvel pela prpria aprendizagem e queno pode depender unicamente da professora. Ela sabe quepode tambm procurar outros recursos, usar suas prprias es-tratgias e construir sua prpria agenda de aprendizagem.

    Finalmente, no excerto (7), temos um exemplo de umaprendiz bastante autnomo. Depois do ensino mdio, ele deci-diu continuar a estudar por conta prpria.

    (7) () In 1989, however (yes, folks, I am almost as old as adinosaur, but I still do not bite, ok?!), I started learningEnglish by myself, reading the magazine Speak Up,attending a distance short term course and exchangingletters with people from different countries. The problemwas that I only practiced reading and writing; no listening,no talking at all, and such a procedure brought me someproblems, some limitations, later on, when I decided to attenda normal course at a private English school. [http://www.veramenezes.com/i011.htm]

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    Esta histria demonstra que ser autnomo no apenas umaquesto de se responsabilizar pela prpria aprendizagem porque,dependendo do contexto, no fcil encontrar oportunidadespara desenvolver as habilidades orais. Os aprendizes anseiampor uma comunidade de prtica, que, de acordo com Murphy(no prelo) so construes sociais de comunidades de prticas quais eles pertencem ou aspiram pertencer. Essaslimitaes de contexto no do outra alternativa ao aprendizque no seja procurar uma escola de idiomas.

    O PROFESSOR

    O professor pode desempenhar um papel importante nodesenvolvimento da autonomia. Ele pode ser qualificado ouno-qualificado; autoritrio; conselheiro; conhecedor; pesquisa-dor; consultor; orientador; controlador; negociador; e, nos con-texto de LE, ele pode ser, tambm, um bom modelo (ou noto bom) da lngua que est sendo aprendida, pois, muitas vezes,o professor o nico falante competente com o qual o falantetem contato.

    No nosso corpus de 80 narrativas de aprendizagem,quando h meno a professores, ela acontece de trs formasdiferentes. A maioria dos narradores apenas descreve o queos professores faziam, alguns elogiam os bons professores eoutros os criticam. Como todos os nossos informantes soalunos de licenciatura e j estudaram Lingstica Aplicada, elestm domnio das novas tendncias no ensino de lnguas e, geral-mente, se queixam das experincias centradas no professor,como podemos ver na narrativa (8).

    (8) My first contact with the English language was at yearseven here in Brazil. The classes were very much teacher

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    centered and based on the PPP method. It was very boringand I didnt have any interest in learning the language.http://www.veramenezes.com/i032.htm

    H tambm os que observam que seus professores no de-monstram autonomia e permanecem muito presos aos livrosdidticos, como nos exemplos (9) e (10).

    (9) In high school I had a teacher called Beth, who did notdo anything else but follow the book by the rules, whichwas reading the text, and memorizing some specific wordsfor the quiz. http://www.veramenezes.com/i052.htm(10) The classes were mostly the same and most of myteachers wouldnt change a comma in the lessons (theywould really follow the teachers guide).http://www.veramenezes.com/i019.htm

    comum encontrar queixas sobre as atitudes dos professoresem comparao com experincias mais gratificantes. Noexemplo (11), a informante fala sobre professores diferentes:um que no dividia o palco com os aprendizes e outros queemancipavam os alunos, dando-lhes tarefas para desenvolveras atividades comunicativas.

    (11) She was kind of rude with us and she thought that shewas the best, that she never commited a mistake; she wasthe center of the class. She did not motivate us and heractivities were mainly to study grammar points.() The teachers were great and they tried to motivate usas much as possible. The teachers taught us to interpretthe social meaning of the choice of linguistic varieties andto use language with the appropriate social meaning for thedifferent communication situations. They also used toteach us to understand some aspects of a culture (peoples

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    beliefs and values) and the main purpose of their classeswas to give us the competence to be able to communicateeffectively in English and not the only purpose to have agrammatical competence. http://www.veramenezes.com/i055.htm

    O bom professor, na opinio desses alunos, parece ser aqueleque os ajudam a desenvolver sua autonomia como comunicado-res. Essa idia repetida no excerto (12):

    (12) () when i was in high school, i had good classes ofenglish... the teachers used to incentivate the students tospeak and communicate (specially by doing pair workactivities).http://www.veramenezes.com/i031.htm

    Os professores podem inibir as tentativas dos aprendizes parafalar ou fazer com que os alunos sintam-se vontade, comopodemos ver nos exemplos (13) e (14):

    (13) My teachers used to correct me when I made my mistakesof pronunciation when I read a text; thus I didnt want tospeak in the classes. http://www.veramenezes.com/i012.htm

    (14) My teacher used to lend me extra books for readingjust by pleasure and I practiced a lot of my English talkingto myself, but I could not talk to somebody else, because Iwas always afraid of make mistakes in pronunciation andvery insecure.At the university, things changed completely. The professorexplained us that we also had to collect materials, practicelot of listening activities besides the ones we had to practicein class. The interaction in class motivated me and most ofthe students to talk a lot and the more we used to speak, themore we learned in terms of vocabulary, pronunciation,

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    grammar, etc. She also advised us to leave grammar activitiesto do at home and bring doubts to class. http://www.veramenezes.com/i048.htm

    Podemos concluir que os professores podem influenciaro desenvolvimento da autonomia, mas mesmo quando eles nodesempenham os papis esperados, um caos interno pode impul-sionar o aprendiz a tomar decises para impulsionar seu proces-so de aprendizagem.

    O INPUT

    Vrias perguntas ocorrem quando se pensa na importn-cia do input para a aprendizagem autnoma. Que tipo deinput est disponvel para os aprendizes? Existem bons livrosdidticos? Quais so os outros materiais disponveis? Os estu-dantes so expostos a situaes comunicativas autnticas?Existe um centro de auto-acesso e o que ele oferece aoaprendiz?

    Quando os centros de auto-acesso emergiram, pareciaque as condies ideais para a autonomia estavam estabelecidas.Como lembra Sheerin (1997, p.55), [u]ma das razes princi-pais para criar um centro de auto-acesso estar atento s ne-cessidades individuais. Cada aprendiz tem seus pontos fracosque eles podem querer atacar sozinhos ou em grupos de aprendi-zes com os mesmos problemas. No entanto, como apontaKelly (1996, p.93-94),

    a criao de um centro de auto-acesso por si mesmo nocapacita os aprendizes a se auto-orientarem. Os aprendizesprecisam sofrer uma transformao considervel em suascrenas sobre a lngua e o papel dos aprendizes para ser

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    capaz de assumir, de forma efetiva a aprendizagemindependente.

    Em nossas narrativas no h meno a centros de auto-acesso, no entanto, os estudantes se referem a outras fontesde input, alm do livro didtico, como podemos ver nosexemplos (15), (16) e (17).

    (15) I remember reading many things in English: fromshampoos labels to whole books. I have over twentyrelatives living in the US nowadays, and theyd send memany things: books, magazines, candies etc. It sure hasmotivated me, being curious the way I am, to understandwhatever was written on these things.[http://www.veramenezes.com/amfale/i005.htm]

    (16) the material also got more real because we started touse a lot of newspaper, music, magazines, films, etc.[http://www.veramenezes.com/amfale/i015.htm]

    (17) At this University, I had an experience to meet foreignstudents, talked to them and practiced my English.[http://www.veramenezes.com/amfale/i030.htm]

    Os livros didticos so, reiteradamente, mencionados emmuitas narrativas como algo que os alunos gostam ou no, masno h nenhuma referncia a materiais que os estimulem a fa-zer escolhas, uma condio essencial para a autonomia. Umlivro texto, como o que descrito na narrativa (18), no parececontribuir para o desenvolvimento da autonomia.

    (18) The educational books demanded accuracy in theanswers and I didnt have any context situations. Theactivities was always very repetitives.[http://www.veramenezes.com/i012.htm]

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    (19) The teachers used to plan all classes according to thebook adopted for all the school which contained onlystructural exercises.[http://www.veramenezes.com/amfale/i062.htm]

    Os alunos tambm apontam qualidades em seus livros e mencio-nam que lem outros livros, como no exemplo (20):

    (20) The book we used was completely based on audio-lingualism approach, but I can say that it increased morevocabulary, my knowledge in grammar; moreover, myreading and writing abilities developed since I had to writeand interpret a lot of texts. () My teacher used to lend meextra books for reading just by pleasure and I practiced a lotof my English talking to myself, but I could not talk tosomebody else, because I was always afraid of make mistakesin pronunciation and very insecure.[http://www.veramenezes.com/amfale/i048.htm]

    Se por um lado, os livros no atendem s necessidades dosalunos, os mais privilegiados podem ter contato com input au-tntico atravs de TV a cabo, Internet, filmes e canes. Comono interagem com comunidades de falantes de ingls, tentamcompensar essa ausncia atravs da comunicao de massa.Quase todas as histrias revelam que os aprendizes ouvemmsica, assistem filmes e lem revistas.

    O CONTEXTO

    O contexto pode encorajar a autonomia ou impedi-la.H macro e micro contextos. Macro contextos sociais, polticose econmicos e micro contextos, tais como, a escola e a salade aula, incluindo o professor e os colegas.

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    Muitas questes podem ser postas. Em que pas a linguaest sendo aprendida? Como so as relaes polticas entreeste pas e os pases de lngua inglsa. Os aprendizes tmacesso a falantes de ingls com quem possam interagir? Elespodem viajar para outros pases para praticar a lngua queaprendem? Existe alguma relao de dependncia poltica oueconmica? H sentimentos negativos ou preconceitos contraos povos de lngua inglsa? Livros e outros materiais so impor-tados com facilidade? Todos tm acesso aprendizagem delnguas estrangeiras, sem distino de classe social? Existemsimilaridades entre a lngua materna e a estrangeira?

    Vejamos dois exemplos de como o contexto poltico eeconmico pode apresentar obstculos autonomia. Em 1993,por exemplo, quando visitei a China, observei que os chinesess podiam ter uma antena parablica com permisso do gover-no. Assistir programas de TV em ingls no era, portanto, tofcil como em outros pases. No Brasil, livros de portugus,histria, geografia, etc. so distribudos gratuitamente aos alu-nos carentes, mas o mesmo no acontece com livros didticosde LE, pois no so considerados como prioridade. Aprenderuma LE , de fato, um privilgio das elites, embora, legalmente,seja uma disciplina obrigatria no currculo do ensino bsico.

    Quanto ao contexto institucional, existem muitos fatoresque podem interferir no processo de aprendizagem e, conse-qentemente na autonomia: o projeto pedaggico, o tamanhoda sala, o suporte financeiro para atualizao de materiais didti-cos e equipamentos, e o investimento na educao continuadade professores.

    No contexto brasileiro, existe uma forte crena de queno se aprende lngua estrangeira nas escolas do ensino bsico.De fato, a maioria das escolas foca apenas a gramtica e atraduo e, algumas vezes, a leitura. As habilidades orais so,

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    geralmente, ignoradas. senso comum no Brasil que, se al-gum quer aprender uma lngua, deve ir para uma escola deidioma. Quando lemos as histrias de alguns de nossos infor-mantes, descobrimos que essas escolas podem ter um papelimportante na aprendizagem, mas elas no so os nicos fato-res, at porque, nem sempre, so reconhecidas como escolasideais.

    Em uma das histrias, a narradora relata que havia estu-dado em trs escolas de idiomas diferentes, e podemos vernos excertos selecionados que apenas uma parece ter atendidosuas necessidades comunicativas.

    (21) () I had a lot of Communication practice and I mustsay it was where I most learned, because I was supposed totalk all the time and it was not random talk: it involved a lotof real life situations, picture analysis, picture comparison,role-plays, focus on communication.() Teachers spoke all the time, there were no new activitiesand almost all the classes concerned with grammar. It seemsthat they were afraid of doing something more daring,something new, because they were traditional and had agood number of enrolled students.() I didnt really studied English there, I studied how totake the test, although I learned countless vocabulary.[http://www.veramenezes.com/i006.htm ]

    As escolas podem encorajar a autonomia dos aprendizesao lhes oferecer centros de auto-acesso, boas bibliotecas, eatividades mediadas por computador. Os princpios filosficose educacionais, presentes nos projetos pedaggicos, podemdar espao para a autonomia ou colocar obstculos para apren-dizes mais autnomos. No Brasil, como em outros contextosde aprendizagem de lngua estrangeira, so raros os cursos deLE gratuitos e os materiais importados so muito caros. Como

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    podemos ver em (22) e (23), alunos pobres enfrentam obstcu-los econmicos, mas alguns deles apelam para sua criatividadee autonomia para super-los.

    (22) Unfortunately, the lack of money was always an obstaclefor having access to different idioms. [http://www.veramenezes.com/i018.htm]

    interessante perceber que a autonomia pode ser resul-tante de um contexto no-favorvel como o descrito em (23):

    (23) I have NEVER had formal instructions in English beforeenter the college. I studied in a school where English wastaught from 7 srie on. But it was a public school andthere was NO available English teachers at the time. Theschool staff kept telling us: We are going to find you anEnglish teacher, but while this does not happen, you aregoing to have religion classes to replace the Englishones. I heard that discourse the 7, 8 sries. When Istarted high school I thought this problem would be solved.But it was not. Hence I had no formal instructions beforethe college. When I decided to try vestibular I borrowone set of books and tapes (from CURSOS DE IDIOMASGLOBO - CIG) and I studied by myself. The English test investibular for me was EXTREMELY hard. The things Igot from CIG was not enough to cover the kind of testrequired in vestibular. Well, but I passed vestibular andenter the college. It was in 1999. [http://www.veramenezes.com/i027.htm]

    Os dois estudantes, nos exemplos (22) e (23), pertencem a ca-madas mais pobres da populao. O primeiro no podia pagarum curso de idioma e o ltimo freqentou uma escola de ensinomdio que substituiu as aulas de ingls por aulas de religio,provavelmente, porque no havia professor de ingls disponvel.

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    Ele conseguiu material emprestado e conseguiu aprender umpouco de ingls sozinho, o que o ajudou a passar no vestibular.

    As pessoas pobres, geralmente, no viajam ou tm conta-to com estrangeiros. A Internet ainda no est disponvel emtodas as escolas pblicas e alunos pouco privilegiados no pos-suem computadores ligados Internet. Isso, no entanto, no motivo, para negar a esses aprendizes o direito de aprender.Afinal, ningum pode prever como ser o futuro de cadaaprendiz.

    No outro extremo, temos histrias de futuros professoresde ingls cujas condies iniciais fizeram toda a diferena, co-mo podemos ver no exemplo (24). A me da narradora eraprofessora de ingls e essa aprendiz teve a chance de ter tidocontato com a lngua desde a infncia. O ambiente ao seu re-dor no s lhe ofereceu algum com quem falar a lngua, mastambm muito material, oportunidade de viajar, e matrcula emum curso de ingls para crianas.

    (24) My English learning experience is quite different sinceI started having contact with the language when I was veryyoung, something like two/ three years old, that is becausemy mother is an English teacher, so she started teaching mesongs, poems, verses, prayers, etc, in English. It was soexciting! I felt like me and my mother had this secret codelanguage that only us could speak. For sure this earlylearning had a great role in my future motivation to learnmore and more about that code. My house was alwaysfull of English books and English materials in general, sowhen I was around 7, I started reading books and teachingmyself with a didactic book called Steps.I joined an English school when I was 9 years old, it wascalled (name of the language school is mentioned here),and it had a fantastic environment, teacher were very welltrained and we had a total emphasis in communication, both

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    oral and written, I studied there till I was 18. This studieswere essential to give me a communicative competence,specially the functional and socialinguistic ones, since theymade me aware of the language and its structure. When Iwas 11 I went to a trip in U.S, it was a great deal for me as Icould see that I was really able to communicate with natives.I still remember how excited I was because I could ask for amap in Epcot Center! [http://www.veramenezes.com/i033.htm]

    Em (25), temos o exemplo de outra aprendiz que teve achance de viajar quando tinha apenas sete anos e, o que a mo-tivou a aprender ingls.

    (25) I started studying English when I was 7 years old. Ihad traveled to Disney World and when I came back, I toldmy mother I wanted to learn English. Ive always studied atthe same English school, (name of the language school ismentioned here). I study there until today, but now Imtaking a course for teachers.[http://www.veramenezes.com/i034.htm]

    Em (26), o narrador teve a chance de interagir com ame-ricanos e brasileiros falantes de ingls.

    (26) Ive never been in a classroom to learn English but Ihad hundreds of teachers. Virtually every American orBrazilian who knew more than me and with whom I cameinto contact was my teacher. I asked questions all the timeand had a bilingual dictionary in my jacket pocket at alltimes. I also kept a list of words which I had difficultyremembering so that I wouldnt have to look them up again.My exposure to the language was pretty much the wayCommunicative Approach teachers try to expose studentsin the classroom: natural settings, real situations and

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    everyday language and seldom using translation (especiallyafter moving to Tulsa where I had no contact withBrazilians).Just as the Communicative Approach preaches I learnedeverything, from grammar to idioms and phrasal verbs, usingthem in real life settings. [http://www.veramenezes.com/i008.htm]

    Como pudemos ver, o contexto tambm complexo edinmico e muda constantemente com o passar do tempo. Alu-nos diferentes reagem de forma diferente s restries do con-texto e se adaptam, procurando alternativas para suprir o quea escola lhes nega.

    POLTICA EDUCACIONAL

    A poltica educacional outro aspecto a ser considerado.No Brasil, a LDB de 1996 reconhece a importncia da autono-mia de duas formas diferentes. Primeiramente, ao dar aosalunos o direito de ter suas experincias prvias incorporadasaos seus currculos escolares, e, segundo ao legitimar as experi-ncias em educao a distncia. Assim, os alunos que j domi-nam determinados contedos ou que decidem aprender de formaindependente podem se submeter a testes em vez de cursaremdeterminados contedos.

    Nos sistemas complexos, tudo est interligado, e, prova-velmente, a educao a distncia foi reconhecida como umaexperincia legal na ltima LDB devido ao advento das novastecnologias. A Internet resolveu problemas de espao e tempopara instruo, feedback e interao.

    Outros aspectos importantes so o projeto pedaggico,as normas acadmicas e os sistemas de avaliao. Currculos

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    flexveis, que oferecem aos alunos a chance de escolher o queaprender, so mais propcios autonomia. mais provveltambm que a autonomia seja estimulada se o sistema acadmi-co for aberto a experincias alternativas, tais como programasde intercmbio e contato com falantes proficientes em progra-mas de aprendizagem em tandem ou correspondncia via e-mail.

    TECNOLOGIA

    O uso de tecnologia pode tambm contribuir para a auto-nomia, aumentando as oportunidades de aprendizagem. Mate-rial impresso, fotocpias, dicionrios, recursos visuais, gravado-res, laboratrios de lnguas, vdeos, computadores, ferramentasda Internet (chat, e-mail, frum, plataformas de aprendizagem,etc.), software, recursos on-line, mquinas de traduo,corpora digitais, DVDs, e CD-rooms so alguns exemplos deartefatos culturais que podem emancipar os alunos em suastentativas rumo autonomia. Sandholtz, Ringstaff, e Dwyer(1997, p.176) afirmam que

    os benefcios da integrao da tecnologia so melhor com-preendidos quando a aprendizagem no apenas um proces-so de transferncia de fatos de uma pessoa para outra, masquando os objetivos do professor podem emancipar osalunos como pensadores e solucionadores de problemas.

    A Internet tem sido um bom veculo para a comunicao,mas sabemos que nem todos tm acesso web. Aqueles quetm acesso Internet em casa podem exercer sua autonomiaem busca de material extra e de oportunidades de interao.Cursos on-line so tambm excelentes contextos para o desen-

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    volvimento da autonomia. No entanto, no basta ter a tecnologiadisponvel, pois fatores afetivos podem interferir na sua utiliza-o. A forma como os aprendizes abordam esse tipo de experi-ncia so evidncias de gradaes de autonomia. Depoimentosde professores de ingls em um curso de especializao (a),(b) e (c) so bons exemplos de como as atitudes variam depessoa para pessoa.

    (a) The only thing I know about computers is to send andopen e-mails. Thats why I am terrified about your discipline.

    (b) Im very interested about this online course. I dontknow much about computers. I hope I enjoy this course!

    (c) I will do my best to deal with the computer, because Ialmost know nothing about it. Im sure this courses beingon line will help me a lot. It will take me some time to feelcomfortable dealing with it, but for sure Ill get it.

    Os depoimentos foram ordenados de forma a demonstrarcomo os sentimentos dos informantes podem se encaixar emum contnuo terror, esperana e confiana. Eles tambmdemonstram que dadas certas condies iniciais (neste caso,uma disciplina on-line), as reaes no so proporcionais scausa e os alunos reagem de formas diferentes. Nesses exem-plos, medo, desejo e confiana aparecem como fatores quepodem interferir no grau de autonomia e de utilizao datecnologia.

    CONCLUSO

    Gostaria de retornar minha epgrafe Devemos noapenas usar nosso crebro, mas tudo o que pudermos tomar

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    emprestado (Woodrow Wilson) e propor que a autonomia emcontextos ideais de aprendizagem de LE deveria ser vista comoautonomia distribuda, isto , um aprendiz e seu desejo de auto-nomia, compartilhando sua aprendizagem com outros aprendi-zes e tomando emprestado os resultados dos outros; professoresque tambm so autnomos e que oferecem aos alunos algumasescolhas em relao s atividades de aprendizagem e que acei-tam o direito dos aprendizes de questionar e sugerir mudanasna rota de seus cursos; escolas que so suficientemente flex-veis para aceitar experincias inovadoras e que permitem queprofessores e alunos sejam autores do processo educacional;tecnologia que fornece artefatos para professores e alunosexercerem sua autonomia como pessoas, aprendizes, comunica-dores, e usurios de tecnologia; e, finalmente, um sistema polti-co, econmico e social justo que d a cada aprendiz boas oportu-nidades de aprendizagem e a cada professor boas condiesde ensino.

    Nenhum aprendiz onipotente. Os aprendizes tm suaautonomia limitada por vrias restries como discuti nestetexto. Em contextos formais, a autonomia no pode ser vistacomo individualizao, mas como possibilidade de compartilha-mento de potencialidades, como autonomia distribuda. O papeldo professor incluiria tolerncia para evitar conflitos com alunosmais autnomos e para habilidade para estimul-los a comparti-lhar seu conhecimento com os colegas.

    Um professor que reconhea a autonomia dos aprendizesdeve estar preparado para um tipo diferente de ambiente deaprendizagem menos hierrquico, com mais distribuio depoder e mais autonomia distribuda onde os alunos mais criati-vos so os atratores estranhos que geram um equilbrio entre ogerenciamento centralizado e a autonomia distribuda.

    Como ressaltam Benson and Voller (1997, p.93),

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    modos autnomos de aprendizagem implicam a re-avaliaodos papis tanto do aluno quanto do professor, a relaoentre eles, e a relao de ambos com as instituies de ensi-no. Estes papis e relaes podem ser complexos e no sereduzem a simples expectativas de comportamento ou dedistribuio de poder.

    O uso da Internet gerou um novo contexto de aprendiza-gem dinmico e descentralizado. O avano da tecnologia dainformao criou espaos de inteligncia distribuda onde osalunos esto interconectados com outros alunos com diferentesgraus de autonomia e todos eles tm acesso a inmerosrecursos.

    Para fechar essa discusso, gostaria que os leitores exa-minassem a ltima narrativa:

    (22) I started learning English when I was very young. Ithink I was 6 or 7 years old. I remember my father went toEngland and stayed there for three months studying English.When he was back, he started teaching us (my sister andme) words and some simple sentences like: give me waterplease. I remember we came to memorize over a thousandwords. My mother sometimes made quizzes with us givinglollypops as prize for the one that knew all the words sheasked us. She used to give us the word in Portuguese andwe had to say it in English. I remember we had fun with this.Then at the age of 8 I was put in an English class with anAmerican teacher named Henry that passed lots of timeteaching the wright pronunciation of words like: world andthree. At that time we live in a little town. Then we movedto Rio de Janeiro and my parents put me in (name of thelanguage school is mentioned here). I had a hard time therebecause there was too much grammar structures and I wassupposed to study a lot which I didnt do. I hated thecourse and my classmates. I think I was the worse student

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    of my class and the teacher used to look at me with asympathetic expression but she wouldnt do anything. Atthe end of the year I was going to repeat the course becausemy grades were very bad. Then my mother said to me: thisis an expensive course and we are able to maintain only oneof you (me or my sister) studying. If you fail I will not keepyou there. I was so afraid of that, which I studied a lot. Acousin recorded the lesson for me and I listened to them ahundred times. I did the final test and almost took 10 in it. Ithink that was the time when, as Vera Menezes says in hertext (Fractal Model), the organizing of chaos happened inmy mind. After that experience English became somethingfun for things and me to study again were a lot easier fromthat time on. At the age of 12 the whole family went toBolivia where I studied in a Canadian school where we hadEnglish classes every day. Each class was divided in threelevels at the time of the English class and I was in theadvanced one. I had no fun studying because the classeswere based on the grammar and we had to memorize lots ofunusual words. From all that I only remember a verb: tocorroborate. When I got back to Brazil I studied in (name ofa language school is mentioned) were we used to do lots ofdrills and controlled activities using diapositives to tellstories and then change them a bit. The time I was there Ifelt my English improved a lot. I stayed there for two years.Then I stopped studying English. My maintenance of thelanguage was done through music and movies. I madesome trips abroad when I had to use English and that is all.[http://www.veramenezes.com/i046.htm]

    Esta histria revela quo imprevisvel a autonomia pode ser.O contexto dessa narradora forneceu condies iniciais favor-veis autonomia e ao sucesso. Ela teve contato com o inglsquando era criana; o pai e a me conheciam o idioma, e elafoi matriculada em um curso de ingls com a idade de oito

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    anos. No entanto, a mudana para o Rio de Janeiro e a matrcu-la em uma famosa escola de ingls trouxe instabilidade suavida e ela no sentia vontade de estudar a lngua. A beira docaos foi um ameaa da me de no mais bancar o curso deingls. Isso gerou uma mudana interna que impulsionou aautonomia. Com a ajuda de um primo, o que refora a idia deautonomia distribuda, ela teve acesso a material gravado econseguiu ser aprovada com boas notas. Depois do caos umanova ordem surgiu e aprender ingls tornou-se uma tarefa maisagradvel.

    Esse fenmeno bem explicado pela teoria do caos,como discutido por Waldrop (1992):

    () os sistemas complexos adquiriram, de alguma forma, ahabilidade de trazer ordem ao caos em uma espcie de equil-brio. Este ponto de equilbrio tambm chamado o limitedo caos onde os componentes do sistema nunca travamcompletamente, e ainda nunca se dissolvem totalmente naturbulncia. O limite do caos onde a vida tem estabilidadesuficiente para se sustentar e criatividade suficiente paramerecer o nome de vida (p.11).

    Na narrativa acima e em muitas outras, podemos encon-trar evidncias de autonomia como um sistema complexo. Hperodos de inrcia e perodos de criatividade. Tanto a aprendi-zagem como a autonomia no so processos lineares e osaprendizes exibem graus diferentes de independncia. A dina-micidade do processo de aprendizagem e a interferncia dediferentes aspectos do sistema trazem o caos e mudanasacontecem como resultado de feedback de micro e macro con-textos.

    Finalmente, gostaria de retornar aos doze aspectos daautonomia que fecharam a primeira parte deste texto e revis-

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    los luz de nossas narrativas.No temos evidncia para dizer que a autonomia uma

    capacidade inata (1), embora no possamos negar a possibilida-de de sua existncia. Por outro lado, temos vrios exemplosde autonomia como resultado da adaptabilidade a diferentessituaes, isto , com uma capacidade aprendida (2). Na maio-ria das histrias de aprendizagem, podemos ver, facilmente,que auto-confiana e motivao (3) do aos alunos o suporteafetivo necessrio para que eles escolham suas prprias estra-tgias de aprendizagem.

    Fica claro que os graus de autonomia variam (4) e quealguns alunos so mais desejosos do que outros de assumir aresponsabilidade por sua prpria aprendizagem. Fica claro,tambm, que a autonomia depende de mudanas internas e decondies externas (5). As mudanas internas, que podemser identificadas com o limite do caos, podem dar origem au-tonomia e as condies externas, favorveis ou desfavorveis,podem levar o aprendiz a comportamentos mais autnomos,(principalmente quando os alunos tm objetivos claros edesejam muito assumir o controle por sua prpria aprendizagem(6).

    Um aspecto que chamou minha ateno ao examinaras narrativas foi a conscincia do que aprender lngua (7)compartilhada pela maioria dos aprendizes. Para eles, aprende-se uma lngua usando essa lngua. Existe uma queixa recorrentede que alguns professores no forneciam input autntico euma demanda por situaes reais para usar a lngua.

    Na ausncia de uma comunidade de prtica (verMurphey, Jin and Li-Chi (no prelo), a maioria dos narradoresrelataram ter recorrido mdia filmes, canes, vdeos e,com menos intensidade, interao na Internet. A capacidadede avaliar seu processo de aprendizagem e as decises que os

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    alunos tomaram so evidncia da importncia das estratgiasmetacognitivas (8) para os aprendizes autnomos.

    Ficou, ainda, claro que a autonomia, embora alguns te-nham relatado que conversam sozinhos, no uma questo in-dividualizada, pois as dimenses sociais (9) da aprendizagemapareceram, tambm, de forma implcita, em muitas histrias.Os aprendizes relataram a ajuda de parentes e colegas, as ex-perincias de viagens, e a importncia da produo culturaldos pases de lngua inglsa. Os professores so tambm men-cionados como catalisadores da autonomia (10) em duas situa-es opostas. Alguns motivam os alunos a serem autnomosao emprestar materiais, sugerir estratgias, aconselhar, ofereceropes, etc. Paradoxalmente, outros professores so tambmcatalisadores da autonomia na incapacidade de preencher asexpectativas de seus aprendizes. Alguns de nossos narradoresassumiram a responsabilidade sobre sua aprendizagem porqueno queriam ficar limitados gramtica e traduo.

    Finalmente, podemos concluir que a autonomia envolvemudanas nas relaes de poder (11) e que pode ser conside-rada em termos de suas dimenses poltica, social, tcnica epsicolgica. Nosso corpus de narrativas de aprendizagem apre-sentam muitas experincias diferentes, demonstrando que osprofessores no tm controle sobre seus alunos. Alguns alunosrevelam que so capazes de tomar decises e guiar seu prprioprocesso de aprendizagem. Os aprendizes tambm registramcircunstncias em que sofreram restries sociais, econmicase polticas, embora alguns tenham sido capazes de superar osobstculos injustos.Como diz Waldrop (1992),

    () estes sistemas complexos e auto-organizveis soadaptativos, pois no reagem apenas passivamente aos

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    eventos como um seixo que pode rolar e provocar uma ava-lanche. Eles tentam, de forma ativa, tirar proveito de tudo oque acontece. Assim, o crebro humano, constantemente,organiza e reorganiza seus bilhes de conexes neurais deforma a aprender com a experincia. (p.12)

    As narrativas de aprendizagem de lngua inglsa revelamcomo os narradores se adaptam a diferentes situaes. Infeliz-mente, eles no tiveram a conscincia de seus direitos parademandar mais das escolas e aceitaram currculos que noatendiam s suas necessidades.

    Os aprendizes no percebem a escola como um direito,mas como uma entidade autoritria e incontestvel. Felizmente,alguns aprendizes experienciam o limite do caos e procuramexperincias para superar as falhas impostas pela educaoformal. Em vez de, passivamente, aceitarem as limitaescurriculares das escolas, eles desenvolvem suas prprias estra-tgias, exercem sua autonomia e tornam-se autores de suasprprias histrias de aprendizagem.

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    Endereo para correspondncia:

    Vera Lcia Menezes de Oliveira e PAIVARua Maria Fortunata Rothia, 381Condomnio Fazenda da Serra - Bairro Paquet31330-655 Belo Horizonte [email protected]://www.veramenezes.com