198891204 merton-sociologia-teoria-e-estrutura

384

Click here to load reader

Upload: zpe-zonas-da-america

Post on 10-Jul-2015

642 views

Category:

Devices & Hardware


22 download

TRANSCRIPT

  • :ham 301 M575slutor: Merton, Robert King, 1910- ~:'itulo: Sociologia : teoria e estmtura .. ;'

    11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 ' . :.83230809 Ac. 2774 : t

  • SOCIOWGIA - Teoria eEstrutura

    ROBERT K. MERTON e profes-sor de Sodologia e diretor asso-ciado do Bureau of AppliedSocial Research da. Universi-dade de Columbia; Membro daThe American Academy of Artsan4 Sciences e ex-presidente deAmerican Sociological Associa-tion. Em 1962 foi agraciado como Premio Distinguished Scho-larship in the Humanities peloAmerican Council of LearnedSocieties e, em 1964, pelo Na-tional Institute of Health Lec-tureship em reconhecimento asdestacadas conquistas cientifi-cas. E autor ainda de variasoutras obras de grande valor.Desde 0 seu lanc;amento, Socio-logia, Teoria e Estrutura passoua ser considerado como a pala-vra de importancia central nasciencias sociais. Trata a obra,inicialmente, da influencia mu-tua entre a teoria social e ainvestigac;ao social e, a seguir, acodificac;aoprogressiva da teoriasubstantiva e os procedimentosda analise socio16gica.Sabre esta base S8 sustentam osdiversos trabalhos que 0 Autorreuniu, modificou e ampliou pa-ra dar ao livro uma unidade,uma coerencia e urn relevo quese man tern a altura da magni-tude do tema. Sociologia, Teoriae Estrutura ja foi traduzido parao frances, italiano, espanhol, ja-pones, checo, alemao e hebreu,o que constitui incontestavel eexpressivo significado do seumerito.

  • euLer OlqUtlra~O"6'ogo

    VICtor Natlllael Schwetter SilveiraPSIc6LOGO

    CRP 13523/04

  • 'I", T ~ , ( II ~Victor Natalae'i SCh " er Silveira

    PSlc6'CoGOCRP 13523/04

    SOCIOLOGIA

    cu. ~1-:r-~U.F.M.G. BIBLIOTECA UNIVERSITARIA

    III 111111111111111111111111111111183230809

    NAo DANIFIQUE ESTA ETIQUETA

    ~ItAEDITORA MESTRE IOU

    SAO PAULO

  • Primeira edi,iia em ingles ...................................... 1919

    Decima primeira reimpressao em ingles . . . . . .. . . . . . . . . . .. . .. 1967

    Prjmeira edi,iia ampliada em ingles 1968

    Primeira edi,iia em espanhal 1964

    Segunda edi,iia em espanhal ..................................... 1965

    Primeira edi,iia em partugues ................................... 1970

    PREFAclO DAEDlc;AO AMPLIADA

    DE 1968

    E STA NOVA IMPRESSAO nao e uma edigao novamente revista, masapenas ampliada. A edigao revista de 1957 permanece inalterada, salvoa sua curta introdugao, agora amplamente aumentada e transformada noscapitulos I e II do presente volume. As unicas outras alterag6es sactecnicas e de pequena monta: como ligeiras emendas nos indices analiticoe de nomes.

    Ao severn inicialmente compostos, os ensaios que formam este livronao eram destinados a constituir capitulos consecutivos de urn so volume.Seria inutil, portanto, pretender que os ensaios, como estao agor,a ordenados,apresentem uma progressao natural, estabelecendo rigorosa seqUencia deum ensaio para outro. Assim mesmo, nao acredito estarem ausentes asqualidades de coerencia, unidade e enfase.

    Para tornar a coerencia mais facilmente visivel, 0 livro esta divididoem quatro partes principais, a primeira estabelecendo uma orientagaoteorica, de ac6rdo com a qual sac eXiaminados a seguir tres conjuntos deproblemas sociologicos. Curtas introdug6es procedem cada uma dessastres partes substantivas, no intuito de facilitar ao leitor a passagem inte-lectual de uma parte para a seguinte.

    Objetivando dar unidade, os ensaios foram reunidos levando-se emconsideragao 0 gradual desdobramento e desenvolvimento de duas preo-cupag6es sociologicas que se estendem por todo 0 livro, preocupag6esmelhor expressas pela perspectiva ,encontrada em todos os capitulos doque' em cada assunto especifico sob exame. Trata-se da preocupagao pelaagaO reciproca da teoria social e da pesquisa social, e daquela de codificartanto a teoria substantiva quanto os processos de amilise sociologica,especialmente da analise qualitativa.

    Temos de admitir que esses dois interesses nao sofrem por excessivamodestia em suas dimens6es. De fato, se eu fOsse sugerir que os ensaiosfazem mais que contornar as margens desses territorios imensos e im-perfeitamente cartografados, 0 proprio exagero da pretengao aoentuariaainda mais a pobreza dos resultados. Mas uma vez que a consolidagao dateoria e da pesquisa e a codificagao da teoria e dos metodos sac assuntosaventados com dificuldade por todos os capitulos deste livro, creio serconveniente acrescentar algumas palavras a respeito da oi'ienbagao teorica,conforme apresentada na Parte 1.

    R~2~OR-Oq~JC/.r~= ~c8""

  • o capitulo I expoe as razoes das func;oes distintivas, embora reciprooas,das hist6rias da teoria sociol6gica, de urn lado, e formulac;6es dateoria correntemente utilizada, de outro. Escusado dizer que a teoriasociol6gica atual repousa sabre legados do passado. Acredito, porem, queha alguma utilidade em estudar os requisitos intelectuais para uma hist6riagenuina do pensamento sociol6gico, considerando-os mais que uma seriede sinopses de doutrina sociol6gica, cronolbgicamente disposta da mesmaforma que e utH observ,ar exatamente como a teoria socio16gica correntese inspira na teoria antecedente.

    Em vista da grande atenc;ao despertada pela teoria socio16gica demedio alcance na ultima decada, achei interessante fazer uma revisaodo seu carater e das suas realizac;oes, a luz das utilizac;oes e das criticaspelas quais passou essa teoria dumnte esse periodo. 0 capitulo II e dedicadoa essa tarefa.

    o capitulo III sugere urna estrutura para a teoria social conhecidacomo analise funcional. Centraliza-se num paradigma que procura codi-ficar as suposic;oes, conceitos e processos que tern estado implicitos (eas vezes explicitos) em interpretac;oes funcionais que se desenvolveramnos campos da sociologia, da psicologia e da antropologia sociais. Sedeixarmos de lado as exl!ensasconotac;oes da palavra descoberta, poderemosdizer entao que os elementos do paradigma foram principalmente des-cobertos, e nao inventados. Foram descobertos, em parte esmiuc;ando cri-ticamenl!e as pesquisas e as discussoes te6ricas feitas por eruditos queutilizam a orientac;ao funcional para 0 estudo da sociedade, e em parte pormelO do reexame dos meus pr6prios estudos sabre a estrutura social.

    Os dois ultimos capitulos da Parte I resurnem as especies de relac;6esreciprocas que hoje prevalecem na pesquisa socio16gica.

    o capitulo IV especifica os tipos relacionados, mas distintos de pes-quisar, compreendidos pelo termo teoria sociol6gica (urn tanto vago, masusado com fl'eqtiencia): metodologia ou l6gica do processo, orientac;6esgerais, analise de conceitos, interpretac;6es ex post jacto, generalizac;6esempiricas e teoria no sentido estrito. Ao examinar as interconexoes entreeles - 0 fato de serem conexos implica que tambem san distintos -acentuo as limitac;oes bem como as func;oes das orientac;aes gerais natea ria, com as quais a sociologia esta mais fartamente provida do' quecom conjuntos de uniformidades especificas e empiricamente confirmadas,derivadas da teoria geral. Assim, tambem, aoentuo e procuro caracterizara importancia bem como a natureza parcial da generalizac;ao empirica.Nesse capitulo, sugere-se que essas generalizac;6es dispares podem sercolacionadas e consolidadas mediante urn processo de codificac;ao. Tor-nam-se, entao, exemplos de urna regra geral.

    o capitulo V examina a outra parte dessa relac;ao reciproca entre teoriae pesquisa: as diversas especies de conseqtiencias de pesquisa empiricapara 0 desenvolvimento da teoria socio16gica. Sbmente aqueles queconhecem as pesquisas empiricas apenas pela }eitura, e que nao se dedieampraticamente a elas, podem continuar acreditando que a func;ao primordialou mesma exclusiva da pesquisa consiste em experimentar hip6teses pre-

    estabelecidas. Isto representa uma func;ao da pesquisa, essencial n.asrest rita, e que esta longe de ser a linica, poisa pesquisa desempenha urnpa.pel muito mais ativo no desenvolvimento da teoria, do que urna simplesfunc;ao passiva de confirmac;ao. Conforme 0 capitulo explica em detalhes,a investigac;ao empirica tambem inicia, reformula, reenfoca e clarifica ateoria sociol6gica. E na medida em que a pesquisa empirica faz assimfrutificar a teoria, e evidente que 0 soci610go te6rico, que se acha afas-tado de toda pesquisa, que apenas aprende como que "de oitiva", correo risco de ficar isolado das experiencias que mais provavelmente poderiamchamar a sua atenc;ao para novas e fecundas orientac;oes. Sua mente naofoi preparada pela experiencia. Acha-se afastado do fenomeno freqtiente-mente observado, de "serendipidade"* - a descoberta por acaso, poruma mente preparada, de novos resultados que nao eram procurados.Quando me refiro a isso, cansidero a serendipidade urn fato da investiga-c;ao empirica, e nao como uma filosofia.

    Max Weber tinha razao quando dizia que alguem nao precisa serCesar para compreender a Cesar. Mas os soci610gos te6ricos somos asvezes tent ados a agir como se nao fosse, ao menos, necessario estudarCesar a fim de entende-lo. Contudo, sabemos que a ac;ao reciproca dateoria e da pesquisa contribui tanto para a compreensao do caso espec1ficoquanto para a expansao da regra geral.

    Sou grato a Barbara Bengen, que emprestou seus talentos redatoriaisaos dois primeiros capitulos, a Dra. Harriet A. Zuckermann, que examinouos primeiros rascunhos dos mesmos, a Sra. Mary Miles, que converteu urnpalimpsesto em claro texto datilografado. Para a preparaC;ao desses doiscapitulos introdut6rios, beneficiei-me de urn subsidio outorgado pela Na-tional Science Foundation.

    Hastings-on-Hudson, Nova Iorquemarc;o de 1968

    (OJ N. do trad.: Em ingles serendipity. Vejam-se. a respeito. os esclarecimentos do Autor nasDotas 18 do cap. IV; 4-A do cap. V e 2, do cap. X.

  • PREFAclO DAEDICAo REVISTA

    com a Sra. Alice S. Rossi e originalmentepublicado em Continuities in Social Research Cedigao de R. K. Mertone P. F. Lazarsfeld). Baseia-se na ampla evidencia fornecida pelo TheAmerican Soldier, com a proposito de formular certas condig6es em queas pessoas se orientam pelas normas de varios grupos, pa,rticularmentePOl' aqueles a que nao se acham filiadas.

    Os outros dais capitulos acrescentados a est a edigao nao foram pu-blicados antes. 0 primeiro, "Continuidades na Teoria da Estrutura So-cial e da Anomia", procura consolidar recennes amilises empiricas e teoricasdas origens e conseqiiencias da infragao de normas sociais, descritas comoanomia. 0 segundo, "Continuidades na Teoria dos Grupos de Referen-cia e Estrutura Social", procura revelar algumas das inferencias especifica-mente sociologicas das investigag6es atuais sabre 0 comportamento dos gru-pos de referencia, distinguindo-as das indug6es sociopsicologicas. Seu ob-jetivo e examinar alguns dos problemas teoricos da estrutura social, que de-vem ser resolvidos antes que ocorram determinadas progressos na analisesaciologica dos grupos de referencia.

  • Os p6s-escritos bibliognificos tratam reswnidamente da analise fun-donal da sociologia e se detem urn tanto no papel do puritanism a nodesenvolvimento da ciencia moderna.

    Agradego especialmente a Dra. Elinor Barber e a Sra. Marie Klink,o auxflio prestado na corregao das provas. A Sra. Bernice Zelditch, apreparagao do indice. A revisao da presente obra foi beneficiada parpequeno auxflio monetario propiciado pelo Programa de Ciencias do Com-portamento, da Fundagao Ford, como parte de seu plano de auxflios, semrestrigoes previas, para urn "proj'eto" especifico. NENHUM HOMEM SABE, de modo integral, a que ;foi que modelou

    seu pr6prio pensamento. Torna-se dificH tragar, pormenorizadamente,a origem das concepgoes emitidas neste livro, bem como pesquisar ascausas das suas progressivas modificagoes, que surgiram no decorrerdos anos, a medida em que eu ia elaborando esta obra. Muitos cien-tistas sociais contribuiram para desenvolve-Ias e sempre que a origem setornava conhecida, eu tratava de referencia-Ia em nwnerosas notas, espa-lhadas pelos diversos capitulos. Entre essas fontes, porem, M seis deque me considero especialmente devedor, embora sob graus e modalida-des diversas, pelo que desejo prestar-Ihes 0 meu reconhecimento.

    o primeiro e maior desses tributos e ligeira e tardiamente reconhe-cido no fato de ser esse livro dedicado a Charles H. Hopkins, espaso deminha irma, cuja vida despertou em muitas criaturas 0 sentido profundoda dignidade hwnana. Para n6s, que compartHhamos do convivio desua exisrencia serena, ele continua vivo. E com amor, respeito e grati-dao, que dedico este livro a Hopkins, que aprendeu por si mesmo aquiloque pade ensinar aos outros.

    Ao meu born amigo George Eaton Simpson, presentemente no Ober-lin College, sou grato par haver incutido, na mente de wn estudante no-vato como eu, 0 devido interesse para estudar 0 funcionamento dos sis-temas de relagoes sociais. Nao me poderia ter sido mais auspiciosa qual-quer outra introdugao a sociologia.

    Com relagao a Pitirim A. Sorokin - antes que se absorvesse no estu-do dos movimentos hist6ricos em grande escala, tais como aqueles repro-sentados em sua obra Social and Cultural Dynamics, devo dizer que meajudou a fugir do provincianismo de pensar que os estudos efetivos da so>-ciedade se confinavam as fronteiras dos Estados Unidos. E mais: do provin-cianismo em acreditar que 0 assunto principal e primario da sociologiase centralizava em problemas tao perifericos da vida social, como sejam 0div6rcio e a delinquencia juvenil. Prazerosamente reconhego que aindadevo esta obrigagao.

    A George Sarton, 0 mais apreciado entre os historiadores da ciencia,sou grato tanto pela amizade como pela orientagao e priviIegio de terlabutado a maior parte do periodo de dois anos em sua famosa oficinade trabalho, na 189."Secgao da Biblioteca de Harvard. Urn pequeno ves-tigio de seu estfmulo sera encontrado na Parte IV deste livro, dedicadaa estudos sObre a sociologia da ciencia.

    Hastings-an-Hudson, Nova lorqueDia de Ac;;aode Grac;;as,1956

  • Aqueles que lerem as paginas que seguem, logo reco.'1hecerao que amaior divida nesse senti do e para com 0 meu professor e amigo TalcottParsons, que desde 0 inicio de sua carreira soube inculcar a tantos de seusdiscipulos 0 maior entusiasmo pela teoria analitica. A medida de suaeficiencia cemo professo~ esta no ,fato de ter despertado a independen-cia intelectual, ao inves de meramente fazer com que seus discipuloslhe obedecessem. Na intimidade espiritual proporcionada pelo pequenodepartamento de graduagao em sociologia, de Harvard, na primeira par-te da decada de 1930, era possivel a urn estudante do ultimo ano, comoeu, visa..'1doa ,formatura, manter est:-eitas e continuas relagaes de traba-lho com urn instrutor da qualidade do Dr. Parsons. Tratava-se, na rea-lidade, de urn collegium, 0 que hoj'e nao e facil encontrar, em departa-mentos que abrigam muitos estudantes e urn pequeno numero de professa-res, submetidos a pesada rotina.

    Nos ultimos anos, enquanto eu trabalhava no Departamento de Pes-quisa Social Aplicada, na Universidade de Columbia, compartilhando devarias ta.refas, muito aprendi com Paul F. Lazarsfeld. Uma vez queem nossas incontaveis conversagaes tornou-se evidente que ele nao sus-peitara da extensao de minha divida intelectual para com ele, sinto-meespecialmente feliz, nesta ocasiao, de chamar sabre ele a atengao do pu-blico. Para mim, urn de seus mais valiosos tragos tern side a sua ceticacuriosidade, que me compeliu a articular-me do modo mais completo pos-sivel, quanto as minhas razaes em considerar a analise funcional presen-temente como a mais promissora, senao a unica orientagao teorica ade-quada a extensa faixa de problemas da sociedade humana. E, acimade tudo, at raves de seu proprio exemplo, ele reforgou a minha convicgaode que a grande diferenga entre a ciencia social e 0 dHetantismo residena busca sistematica e seria, isto e, intelectualmente responsavel e aus-tera, daquilo que, a principio, e apenas uma ideia atraente e interessante.No mesmo sentido, penso que a presenga de Whitehead se patenteia naslinhas finais da passagem inscrita na epigrafe deste livro.

    Ha mais quatro pessoas que merecem breve referenda: todos quan-tos me conhecem sabem da minha grande obrigagao para com uma de-las; as demais, no devido tempo, descobrirao por si mesmas a exata na-tureza da minha grande obrigagao para com elas.

    P art~ ITEORIA SOCIOLOGICA

  • SOBRE A HISTORIAE A SISTEMATICA DATEORIA SOCIOLOGiCA

    Vma ciencia que hesita em esquecer seus fund:tdores estaperdidl.

    E caracteristico de uma ciencia, em seus primeiros estagios ...see ao meSilla tempo ambicios'amente profunda em seus objetivose trivial no maneje dos detalhes.

    Porem, aproximar-se muito de uma teoria verdadeira c do.minar sua aplica~ao exata. sac duas (a isas bem diversas. comonos ensina a Hist6ria da Ciencia. Tuda quanta hi de importanteji foi dito por alguem que, no entanto. nao 0 descobriu.

    EMBORAINSPIRADOS em larga escala nos trabalhos dos primeiros mes-tres da sociologia, os presentes ensaios nao tratam da hist6ria da teoriasocio16gica, mas da substancia sistematica de certas teorias hoje utilizadaspelos soci610gos. A distinc;ao entre as duas nao e apenas casual, mas ambasestao !reqiientemente con!undidas nos curriculos academicos e nas publi-cac;6es. Com e!eito, as ciencias sociais, em geral, com a. crescente excec;aoda psicologia e economia tendem a !undir a teoria corrente com a suapr6pria hist6ria, num grau muito mais elevado do que 0 !azem outrasciencias, tais como a biologia, a quimica ou a Hsica.1

    Simbblicamente, e muito adequado que os soci6logos tenham a ben-dencia de fundir a hist6ria com a sistematica da teoria, pois Auguste Comte,muitas vezes definido como 0 pai da sociologia, tern side tambem descrito

    1. Esta discussao inspirou-se num cnsaio anterior a respe,ito da {(posic;ao da teoria sociol6gica.Amencan SocIOlogical ReView, 1949, 13, 1648. Para observa

  • como a pai da historia da ciencia. 2 Todavia, a confusao atraente mas fatalda teoria sociologica corrente com a historia das ideias sociologicas, des-preza suas l'espectivas fung6es, tao acentuadamente diferentes.

    o reconhecimento adequado da diferenga entre a historia e a siste-matica da historia poderia ter, como resultado, a composigao de historiasautenticas. Estas poderiam ter as ingredientes e as caracberisticas formaisdas melhores historias de outras ciencias. Poderiam ocupar-se de assuntoscomo a filiagao complexa das ideias sociologicas, as maneiras como sedesenvolveram, as conex6es da teoria com as origens sociais variantes eas subseqtientes status sociais dos seus expoentes, a interagao da tea ria coma organizagao social variante da sociologia, a difusao da teoria a partirde centros de pensamento sociologico e as suas modificag6es no decursoda difusao, e das maneiras em que esse pensamento foi influenciado poralterag6es na cultura e na estrutura social ambientes. A pratica dessadistingao contribuiria, em suma, para a historia sociologica da teoriasociologica,.

    Os sociologos porem, ainda conservam uma concepgao provinciana,diriamos mesmo "pickwickiana"*, da historia da teoria sociologica que,para eles, nao e mais que uma colegao de criticas sumarias de antigasteorias, apimentadas com breves biografias dos grandes teoricos. Isto ajudaa explicar porque quase todos os sociologos consideram-se qualificadosa ensinar e a lescrever a "Historia" da teoria sociologica, pois, afinal decontas, eles estao a par dos escritos c1assicos do passado. Mas ess~ conceitoda historia da teoria nao e nem historia nem sistematica, apenas urnproduto hibrido, muito mal engendrado.

    Efetivamente, tal conceito constitui anomalia no campo do trabalhointelectual contemporaneo e assinala uma crescente inversao de papeisentre os sociologos e os historiadores, pois as sociologos estao mantendosua concepgao limitada e vaga da historia das ideias exatamente quandonova estirpe, de historiadores especializados, da ciencia esta inspirando-seampla e profundamente na sociologia, psicologia e politica da ciencia paraconseguir rumos teoricos as suas interpretag6es do desenvolvimento da

    mesma. 3 A historia especializada da clencia abrange as conceitos intell-gentes mas erroneos que eram aceitaveis na epoca em que foram enunciadosmas que foram mais tarde destruidos por testes empiricos inapelaveis, o~substituidos por conceitos mais adequados aos novas conhecimentos. Tam-bem inclui as saidas erradas, as doutrinas que se revelaram arcaicas, oserros frutiferos au infrutiferos do pass ado. A historia da ciencia justifica-sequando pretende atingir 0 conhecimento de como os fatos se desenvolveramem determinada ciencia ou complexo de ciencia, nao apenas quando quercolacar em ordem cronologica as sinopses da teoria cientifica. E, acimade tudo, essa especie de historia nao se destina a instruir 0 cientistas dehoje na teoria operante corrente, na metodologia. ou na tecnica de suaciencia. A historia e a sistematica da teoria cientifica podem ser relatadas,exatamente porque foram previamente l'econhecidas como sendo distintas.

    Os sociologos e os historiadores tern invertido seus papeis, de modoimpressionante. Os historiadores estao compHando com muito entusiasmoa "historia oral" 4 do recente passado nas ciencias, entrevistando as prin-cipais personagens dessa historia e gravando suas declarag6es pelo sistemade "video-tape", ao passe que os sociologos ainda se limitam a concentrarsua atengao aos documentos publicos. E outro caso em que as historiadoresestao "invadindo" e "sabrepujando" os sociologos em seu proprio dominio,ou seja, a tecnica da entrevista. Resumindo, podemos diZier que os his-toriadores da ciencia. fisica e biologica estao comegando a escrever his-torias analiticas baseadas em parte na sociologia da ciencia, 0 enquanto associologos continuam a considerar a historia da teoria sociologica comouma serie de sumarios criticos de suoessivos sistemas teoricos.

    Admitindo-se esse conceito restrito, conclui-se naturalmente que asobras de Marx, Weber, Durkheim, Simmel, Pareto, Sumner, Cooley e deoutros autol'es menos inportantes que descrevam esses sistemas teoricoscontinuam sendo as fontes principais de material para os sociologos.Porem, essa escolha de materiais nas fontes, que parece tao justificada,choca-se contra a destoante diferenga entre as vers6es terminadas dotrabalho cientifico como aparece na obra impressa e 0 andamento real dainvestigagao nas maos do pesquisador. A diferenga e urn pouca semelhante

    2. Ver, por exemplo, George Sarton, The Study of the History of Science (Cambridge.Harvard University Press, 1936), 3-4. A atribui

  • a que existe entre os manuais de "metodo cientifico" e as maneiras pelasquais os cientistas efetivamente pensam, sentem e procedem em seu traba-Iho. Os livros sabre metodos apresentam padr6es ideais: como os cientistasdeveriam pensar, sentir e agi.r, mas esses padr6es normativos consideniveis,como todas as pessoas que se tern dedicado a pesquisas sabem, nao re-produzem as adaptaQoes tipicamente desalinhadas e oportunistas que oscientistas fazeffi no transcorrer das suas inv'estigaQ6es. Tipicamente, 0ensaio cientifico e a monografia apresentam uma aparencia imaculada,que POliCO ou nada reflete os saltos intuitivos, as falsas saidas, enganos,observac;;6es confusas e inacabRdas, ou as felizes ocorrencias que van sur-O"indodesordenadamente durante a pesquisa. Os registros publicos da cien-~ia, ou seja, os livros impressos, deixam, portanto, de fornecer muitos dosmateriais das fontes originais, necessarios para reconstituir 0 curso realdos desenvolvimentos cientificos.

    A concepQao da historia da ideia sociologica, como uma serie der-elatorios criticos de conceitos publicados, retarda-se muito da realidadeja bem conhecida,. Mesmo antes da invenc;;aoevoluciomiria do ensaio cien-tHico, tres seculos atnis, ja se sabia que 0 idioma da ciencia, tlpicamenteimpessoal, neutro e convencional so podia comunicar as noc;;6esessenciaisdas novas contribuic;;6es cientificas, mas nao podia reproduzir 0 andamentoreal da pesquisa. Em outras palavras, ja se sabia 'entao que a historia e asistematica da teoria cientifica exigia especies diversas de materiais basicos.Nos primeiros anos do seculo XVII, Bacon simultaneamente observava elamentava:

    talvez a posteridade, a respeito das suas contribuic;;6es a ciencia., eles terncontinuado a publicar amplamente seus trabalhos de urn modo maisIbgicamente cogente do que historicamente descritivo. Essa pratica con-tinuou a suprir 0 mesmo tipo de observac;;ao feita por Bacon e Leibniz.Quase dois seculos depois de Leibniz, Mach declarou que, em sua opiniao,as coisas nao haviam mudado, para melhor, no milenio posterior a des-cobert a da geometria euclidiana. As exposic;;6escientLfieas e matematicasainda continuavam a inclinar-se mais para a casuistica logiea do que parao registro de cursos reais de investigac;;ao:

    0 sistema de EucJides fascinou os pensadores grac;as it sua excelencia 16gic3 e os seus defeitosforam esquecidos no meio dessa admirac;ao.\ Grandes pesquisadores, mesmo em cpocas recentes.~em sido erroneamentc levados a seguir 0 excmplo de Euclides na apresent.1C;J.o do resultado dosseus inqucritos e. dessa maneira, a esconder realmente seus metod-os de inve::tiga~ao, corn .

  • indutivo, mesmo quando atingiu, de fato, suas hipateses por analogia,reage instintivamente no sentido de esconder as suas pistas, e de apre-sentar todo 0 seu trabalho - e nao apenas a sua prova - em forma in.dutiva, como se as suas conclus6es houvessem sido realmente atingidaspar esse processo".10

    Agnes Arber observa que sbmente na literatura nao-cientifica encontra-mos tentativas para registrar 0 caniter reticula do e intricado do pensamento:

    Outro sinaI promissor foi 0 aparecimento, em 1965, do Journal oj theHistory oj the Behavioral Sciences, a primeira revista dedicada exclusiv3-mente a histaria das ciencias do comportamento - em contraste comgrande mimero de revistas importantes e uma centena da pequenas pu-blicag6es consagradas a histaria das ciencias fisica e biolagica. Terceirosinal foi 0 interesse cada vez maiar pelo estudo da histaria da pesquisasocial. Nathan Glazer, por exemplo, tragou 0 processo, por meio do seuensaio autenticamente histarico The Rise ot Social Research in Europe, aopasso que Paul F. Lazarsfeld instaurou urn programa especial de monogra-ijas dedicadas as primeiras manifestag6es da pesquisa social empirica naAIemanha, na Franga, na Inglaterra, na ItaJia, na Rolanda e na Escandi-mivia.14 Alvin Gouldner, em seu recente trabalho sabve a teoria socialde Platao,] 5 estabelece urn precedente auspicioso para as monografias querelacionam a estrutura sacio-cultural do ambiente social com 0 desenvol-vimento da teoria social. Estas sac apenas algumas das muitas provasde que os socialogos estao voltando sua atengao as alllilises caracteristica-mente histaricas e sociolagicas da expansao tea rica.

    Lawrence Sterne, e alguns escritores modernos influenciados pela sua tecnica [alusao bastanteclara 30$ impreSSlOnistas James Joyce e Virginia Woolf], visualizaram e procuraram transportarna lingua gem 0 comportamento complicado e nao linear da mente hllmana, que arrernetc: (J~ urnJado para Dutro sem se preocupar com as peias cia seqUencia temporal; mas POllCOS [cientistas)se arriscariam a tais experiencias. 1 I

    Contuo.o, nao e preciso ser muito otimista para perceber que a, inca-pac:idade da sociologia em distinguir entre a histaria e a sistematica dateoria sera urn dia superada. De inicio, alguns socialogos reconheceramque as publicag6es comuns proporciona,vam base insuficiente para desen-covar a histaria real da teoria e da investigagao sociolagica. Contornarama dificuldade langando mao de outras 'especies de materiais originais:c&dernos de notas e diarios cientificos (p. ex., Cooley), correspondencia(p. ex., Marx-Engels, Ross-Ward), autobiografias e biografias (p. ex., Marx,Spencer, Weber e muitos outros). Socialogos mais recentes tern chegadoa publicar, ocasionalmente, relatarios nao retocados, da maneira comoefetuaram suas pesquisas, incluindo todos os detalhes das influenciasintelectuais ,e sociais recebidas, os encontros ocasionais com dados eid6ias, os erros e descuidos, os desvios do plano original de investiga

  • precursores, de antecipagoes ou de prefi~ragoes, em muitos caso~ e:n queuma investigagao ma' profunda revelana tratar-se apenas de flCgoes.

    Compreende-se que os soci6logos compartilhem dessa tendi'mcia comos historiadores da ciencia, pois ambos adotam geralmente um modelode desenvolvimento hist6rico da cH~nciaque procede de incrementos doconhecimento. Desse ponto de vista, as lacunas ocasionais provem linica-mente da incapaeidade de se descobrirem informagoes completas mediantea investigagao das obras do passado. Desconhecendo os trabalhos anterio-res, os cientistas mais recentes fazem descobrimentos que resultam serredescobrimentos (isto e, conceitos ou achados que ja foram enunciados emtodos os seus aspectos relevantes). Para 0 historiador que tem acessotanto a primeira como a segunda versao da descoberta, essa ocorrencia'indica uma continuidade intelectual, embora nao hist6rica, de que 0 se-gundo descobridor nao tinha conhecimento. Essa presungao de continui-dade e confirmada pelo fate 'abundantemente comprovado de que descober-tas e ideias multiplas e independentes ocorvem nas ciencias.17

    Que algumas ideias cientificas tenham sido plenamente anteeipadas11aOsignifica, e claro, que todas 0 foram. A continuidade hist6rica doconhecimento implica novos incrementos do conhecimento previo quenao haviam sido antecipados; existe tambem certa dose de descontinuidadegenuina na forma da quantidade de saltos que se efetuam na formulagaodas ideias, e na descobert a de uniformidades empfricas. Um dos passosqUE;mais contribui para 0 progresso sociol6gico da cieneia, consiste pre-cisarnente na solugao do problema da identificagao das condigoes e pro-cessos que provocarn a continuidade e a descontinuidade na ciencia.

    ]::sses problemas de reconstruir a exbensao da continuidade e descon-tinuidade saa inerentes a toda a hist6ria da ciencia, mas adquirem caraterespecial naquelas hist6rias (como, por exemplo, na hist6ria tipica dasociologia) que se limitam principalmente a sumarios de ideias cronolbgi-carnente organizados. Nos trabalhos que excluem 0 estudo serio da agaorecfproca das ideias e da estrutura sociais, a pretensa ligagao entre asideias mais novas e as mais antigas e colocada no centro das cogitagoes.o histOliador de ideias, quer 0 perceba ou nao, esta entao obrigado a dis-tinguir a extensao da similaridade existente entre velhas e novas ideias,dando-se ao ambito dessas diferengas os nomes de redescobrimento, ante-cipagoes, prefiguragoes e, no caso mais extremo, "prefiguracionismo".

    1. Redeseobrimento e pre-deseobrimento. Falando em sentido estrito,as descobertas multiplas independentes na ciencia veferem-se a ideias subs-tantivamente identicas ou funcionalmente equivalentes, e a achados empf-ricos publicados por dois ou ma.is cientistas, cada qual desconhecedor dotrabalho do outro. Quando isso ocorre mais ou menos ao mesmo tempo,chama-se descobrimentos independentes "simultaneos". Os historiadores

    nao estabeleceram criterios universalmente aceitos de "simultaneidade"mas, na pratica, as descobertas multiplas sao designadas como simultaneasquando se dao dentro do prazo de alguns anos. Quando intervalos maioresseparam descobrimentos funeionalmente intercambiaveis, 0 mais recentee descrito como redeseobrimento. Como as historiadores da ciencia aindanao tem designagao firmada para as descobertas mais antigas adotaremoso termo pre-deseobrimento.

    Nao e facil estabelecer 0 grau de similaridade entre ideias que sedesenvolveram independentemente. Ate mesmo nas disciplinas mais exatastais como na matematica, as prebensoes a inventos multiplos independen:tes sao vigorosamente discutidas. A questao esta em saber quantas "coin-cidencias" podem ser alegadas para constituir "identidade". Cuidadosacamparagao das geometrias nao-euclidianas inventadas por Bolyai e Laba-chevsky, por e~emplo, demonstrou que Lobachevsky desenvolvera cincodcs nove componentes mais salientes dos conceitos coincidentes, de modomais sistematico, mais fecundo e mais detalhado 18 Da mesma formatern sido observado que nenhurn par, entve os dOz~ cientistas que "domi~naram por si mesmos as partes essenciais do conceito da energia e dasua conservagao", tinham preeisamente a mesma concepgao do assunto.19Nc entanto, diminuindo-se urn pouco 0 criterio da comparagao, as suasdescobertas sao geralmente consideradas como multiplas independentes.No que se refere a formulagao menos precisa em muitas das ciencias so-ciais, torna-se ainda mais dfficiI estabelecer a identidade substantiva ou aequivalencia funcional dos conceitos independentes elaborados.

    Contudo, em vez de urna comparagao radical entre as primeiras e asultimas versoes da "mesma" descobert a, surge outra especie de prova,presurnfvel senao compuls6ria de identidade ou equivaleneia: 0 depoi-mento, pelo qual 0 mais reeente inV'entor admite haver side precedidopar outro. Presume-se que esses depoimentos sejam verfdicos; urna vezque a ciencia moderna recompensa a originalidade (ao contrario de outrasepocas, em que as novas ideias precisavam ser referendadas por autori-dndes mais antigas), e pouco provavel que os inventores concordem emrenunciar a originalidade dos seus pr6prios trabalhos. Encontrarnos exem-plos de novos inventores, que admitem pre-deseobrimentos em todas asciencias. Thomas Young, por e~emplo, ffsico de grande poder inventivo,d'::clarou que "muitas circunstancias desconhecidas pelos matematicos in-gleses, que eu julgara ter side 0 primeiro a descobrir, ja haviam sidoc.escobertas e demonstradas por matematicos estrangeiros". 0 mesmoYoung, por sua V'ez, recebeu desculpas de Fresnel, quando este veio asaber que, por inadvertencia, havia reproduzido os trabalhos daquele sobrea teoria das ondas de luz. 20 Da mesma forma Bertrand Russell, referindo-se

    17. Para recentes cotejos de provas a respeito. colhidas pelo menos desde it epoca ?e Fr.a~cisBa.c,?n ~te a de William Ogburn e Dorothy Thomas e que fornec~m testemu!1hos slste~atlcosadlcIOnals, ver Merton, Singletons and multiples in scientific discovencs, op. CI(" ~ ReSistanceto the systematic study of multiple discoveries in science, E.uropean Journal of SOCIOlogy, 1963,4. 237-82.

    18. B. Petr~vievics. N. Lobatschewsky et J. Boll'ai: etude comparative d'un cas special d'in-;c~teurs_ slmultanes. Revue philosophique. 1929. CVII!. 190-214; e outro ensaio anterior do mesmoBU.or sabre o~tro caso antenor do mesmo genera: Charles Darwin and Alfred Russel Wallace:eltrl'p' zm hoheren ~sychologie und zur Wissenschaftsgeschichte. Isis. 1925. VI!. 25-27

    CI9. Thomas S. Kuhn. Energy conservatIOn as an example of SImultaneous dIscovery. Em

    agett. op. Clf.. 321-56.P 20. Alexander Wood. Thomas Yount: Natural Philosopher 1773-1829 (Cambridge: Universityress. 1954), 65. 188-9. Fresnel esereYeu a Young: Quando 'submeti meu trabalho [seu ensaio

  • as suas contribuigaes aos trabalhos de Whitehead e a sua propria obraPrzncipia Mathematica, declarou que "grande parte desse trabalho ja haviasido feita pOl' F:ege, thas, a principio, nos nao sabfamos disso".21

    Em todos os campos da ciencia social e das humanidades se encontramcasos em que os auto res mais recentes confessam que suas contribuigaestiveram predecessores, dando assim e10qUente testemunho do fenamenoda descoberta multipla nessas disciplinas. Consideremos apenas estesdiversos exemplos: Pavlov deu-se 0 trabalho de reconhecer que "a honrade tel' dado 0 primeiro passe nesse caminho [0 famoso metoda de inves-tigagao instaurado POl' lIe] pertence a F. L. Thorndike". 22 Freud, quemanifestou mais de 150 vezes seu interesse na questao da priori.dade dasdescobertas, diz 0 seguinte: "Muito mais tarde, encontrei as caracterfsticasessenciais e muito mais significativas da minha teoria dos sonhos - atransformaQao de uma distorgao onfrica em conflito interno, uma especiede desonestidade interior - num escritor familiarizado com a filosofia masnao a medicina, 0 engenheiro J. Popper que publicou as suas Phantasieneines Realisten sob 0 pseudanimo de Linkeus".23 R. G. D. Allen e J. R.Hicks, os quais levaram a moderna teoria econamica do valor ao seuponto culminante em 1934, tambem fizeram questao de advertir 0 publicosabre urn pre-descobrimento feito POl' urn economist a russo, Eugen Slutsky,e publicado num jornal Italiano em 1915,epoca em que a Guerra Europeiaocupava tadas as atengaes, em detrimento da facil circulagao das ideias.Allen dedicou urn artigo a teoria que Slutsky enunciara anteriormente eHicks batizou a equagao fundamental da teoria dos va16res como "equagaode Slutsky". 24

    A mesma configuragao se verifica entre os filosofos. Na obra. deMoore Principia Ethica, posslvelmente 0 livro que exerceu malar influenciaetica do seculo XX, encontra-se a bem conhecida declaragao: "Quando estelivro ja estava completo, encontrei em 'Origin of the Knowledge of Rightand Wrong' [Origem do conhecimento certo e do errado], de Brentano,cpini6es muito mais parecidas com as minhas do que as de qualquer outroescritor etico que eu conhega". E Moore prossegue, sumariando quatroconceitos principais sabre os quais escreveu iranicamente: "Brentano pa-rece que conco~da completamente comigo ... " 25

    As referencias a formulagoes precedentes atingem ate mesmo peque-nos detalhes, inclusive novas figuras de retorica. Assim, David Riesmanintroduz a imagem do "giroscopio psicologico", declarando a seguir: " ...logo depois, descobrir que Gardnes Murphy utilizara a mesma metaforaem seu livro Personality. 20

    Quando constatamos que uma ideia nossa ja foi descoberta no pass adofkamos tao desconcertados como quando encontramos, desprevenidos, u~sosia no meio da multidao. A economista Edith Penrose exprime semduvida a opiniao de muitos outros cientistas e estudiosos, quando diz:"depois de haver a duras penas elaborado POl' mim mesma uma ideia queeu julgava important-a e 'original', tenho sofrido muitas vezes a decepgao deconstatar, mais tarde, que a mesma ideia ja havia sido melhor exposta POl'Gutro autor".27

    Outra especie de prova que evidencia as redescobertas genufnas e for-Decida pelos numerosos cientistas e estudiosos que abandonam uma linhade trabalho ao achar que foram precedidos POl' outros. Os recem-chegadosao assunto teriam certamente todos os motivos para perceber ate mesmo asmenores diferengas entre 0 seu proprio trabalho e 0 dos que os precederam;se abandonam sua propria linha de pesquisa, e porque percebem clara-mente que os antecessores ja haviam atingido conclus6es significativasantes deles. Ca:l SpEarman, POl' exemplo, relata que construiu uma cuida-'dosa teoria de "coeficientes de correlagao" para medir graus de correlagao,mas logo verificou que "a malar parte da minha teoria ja fara estabele-cida - e muito melhor - POl' outros autores, especialmente pOl' Galtone Udney Yule. Assim grande parte do trabalho foi destrufda e a descobertaque me parecia tao original foi, pesarosamente abandonada".28 Tambemno campo da erudigao literaria, muitas pesquisas tern side feitas inutilmente,POl' ignorancia da existencia de trabalhos anteriores. POl' exemplo, 0 his-toriador J. H. Hexter, 'em sua linguagem direta e franca, declara que certa\'ez quase terminara urn apendice contestando "a tese de que, na Utopia,Thomas More se afastava dos conceitos sabre a propriedade privada, for-mulados POl' Hythloday, quando meu colega Prof. George Parks mostrou-meexcelente artigo de Edward L. Surtz, tratando exaustivamente do masmoassunto. " 0 meu trabalho tornou-se completamente desnecessario".29 Es-ses exemplos publicamente registrados nao representam certamente atotalidade dos redescobrimentos. Muitos cientistas e estudiosos nao chega-

    sobre a teoria da luz] aD Instituto. eu nao sabia das vossas experient:i3

  • ram a admitir pilblicamente que os seus trabalhos ja haviam sido antecipados por out rem e, pOn#isso, grande mlmero de casos so e conhecido numcirculo restrito de amigos e colaboradores intimo. so

    2. Antecipar;oes e Prefigumr;6es (ou prenuncios). Em livro reoente,'Ho historiador de ciencia Thomas S. Kuhn estabeleceu distinc;ao entre "cien-cia normal" e "revoluc;6es dentificas", como fases na evoluC;aoda ciencia.A maioria dos comentarios sabre essa obra concentra-se, como 0 proprioKuhn 0 fizera, sabre aqueles ocasionais assaltos progressivos que assinalama revoluc;ao cientifica. Mas, embora essas revoluc;6es representem os mo-mentos mais impressionantes do desenvolvimento da ciencia, a ma,ioria dos,cientistas, na maior parte do tempo, encontra-se engajada no trabalho da"ciencia normal", desenvolvendo por increment os cWTIulativos 0 conhecimento baseado em paradigmas divididos (conjuntos mais ou menos coeren-tes de suposic;6es ou de imagens). Assim, Kuhn nao rejeita a antiga teoriade que a ciencia progride principalmente por incrementos, embora suaprincipal preocupac;ao seja de demonstrar que isto e completamente re-moto a historia. Mas qualquer interpretagao do seu trabalho, inferindoque a acumulac;ao de conhecimentos reconhecida pela comunidade dosc,ientistas e apenas urn mito, estaria flagrantemente em desacardo comos registros historicos.

    A opiniao de que grande parte da ciencia se desenvolve pelo acumulo,de conhecimentos, embora estes sofram a influencia de desvios, engodos,ou retrocesS'os temporarios, implica que a maio ria das novas ideias e'achados tern sido antecipada ou esboc;ada. A cada momenta determinado'surgem aproximac;6es daquilo que logo se vai desenvolver de maneira:,mais total. Seria muito interessante estabelecer urn vocabulario adequadopara designar os varios graus de semelhanc;a entre as formulac;6es deideias e achados cientificos mais antigos e mais recentes. Temos examinadoos casos extremos, denominando-os pre-descobrimentos e redescobrimentos,designac;6es que envolvem identidades substantivas ou equivalencias fun-cionais. As antecipac;6es se ref'erem a algo menos que urna semelhanga,na qual as formulac;6es mais antigas se sobrep6em parcial mente as maisnovas, mas que nao enfocam ou extraem 0 mesmo conjunto de implicac;6es.As prefigurac;6es (ou esboc;os) se ref'erem a uma semelhanc;a ainda menor, naqual as formulac;6es mais antigas apenas prenunciaram literalmente as maisnovas, isto e, aproximaramse muito vagamente das ideias subseqiientes,sem praticamente provocar ou acompanhar qualquer implicac;ao especifica.

    A dHerenc;a basica entre antecipac;6es e redescobrimentos ou prefigurac;6es esta muito bem caracterizada no apotegma de Whitehead que en-cabec;a este capitulo: "Porem, aproximar-se muito de uma teoria verdadeirae dominar sua aplicac;ao exata, sac duas coisas bem diversas, como nosensina a historia da Ciencia. Tudo quanto ha de importante ja foi ditopor alguem que, no entanto, nao 0 descobriu". Whitehead teria side 0

    . 30. Para maiores dctalhes, ver Merton, Singletons and multiples jn scientific discovery. op.CH., 479 e segs,

    31. Thomas S. Kuhn, The Structure of Sci'entific Revolutions (Chicago: University of Ch;cagoPress, 1952).

    Sociologia - TeOria e Estrutura

    primeiro a apreciar a ironia historic a de que fele fara antecipado mas naa sofrera preemp _ ,8

    AO azer essa observac;ao,

    , . . c;ao. ugustus de Mexemplo, matematlCo, logico e historiador d 'd .. organ, port . . .e 1 ems pertencente .211 en or Ja havia dito que "dificilment h s a gerac;ao'" . e ouve uma grande d b

    C1enC1acUJos germes nao se encontrassem nos tr esc.o.erta natemporaneos ou predecessores do homem ue v d a~aJhos de vanos con_Mas foi outro teorico genial usando f' q d er. ade1ramente a realizou".S2

    . ,1guras e lmguagem qua f .quem f1XOUa diferenc;a decisiva entre pre-descob . t se. reudmna,o primeiro desses termos consiste em . nmen 0 e antec1pac;ao: so- persegUlr uma ideia f

    acnado bastante serio para tornar evid"nt '. _ ou azer urnM '. " es suas 1mphcac;oes ssas os h1stonadol'es das ideias muitas veze d '.

    basicas. A grande freqiienc1'a de d b s esprezam essas d1Stinc;6es, re esco ertas genuinas 1 .

    ~ ;elaxar os ~adr6es de identidade subs.tantiva e de eqUiv:~~~~a~mlU~e,,la, e a menClOnar como formulaC;6es "redescobertas" que so h . un~lO-vagamente pressentidas no passado' em cer . .avmm sldopensam completamente tais pad .: tos casos, os h1stonadores dis-"anlJecipac;6es" e "pre-deseObrime:~oess"::\.:ntregam ao jago de acharexagerar as semelhanc;as e a de .0 a parte. Essa tendencia amais antigas e as mais mOdern::r~zar as difere~c;a~ entre as formula

  • Robert K. Merton

    livros de sociologia eram escritosensaios e, pa,rtiCUlarmente'b?~ " raramente eram definidos comantigos dfJ eitos aslCO", ,

    num estilo em que os nc ue 0 processo e as relac;6es entre as ~eonasrio'or ao mesmo tempo em q t m sendo desenvolvidas), contmuava'" ,-, eis e a espedfica (que es ava d' - humanistica ha muito

    vanav " 't d acordo com a tra 1c;ao. _largamente 1mpIlc1a," e, teve duas COnseqtienClas: 1.0 - Os contempo estabelecida. Este sl~tema escapam facilmente da atenc;flOquando- . ' subJacentes d"lesceitos 'e ideias baslCOSe, os ou definidos e, assim, alguns ~nao sac expressamente et1quetad d 2 0 _ A imprecisao das mais ant1~assao, de fato, redeSc?bertos ,ma1~ta;r ecte'ideias a fazer faceis identificac;o8~formulac;6es incent1va 0 h1stonad uma analise mais meticulosa sode pre_descobrimentos em casos em qu~ ntes. agas e mconseque . 'd" sencontra semelhanc;as v , ' ombros do historiador de 1 .81aEssas ambigtiidades depos1tam nos tec1'pa,,6es genuinas e as pseudo-

    d' t'nguir entre as an ." .o pesado fardo de lS 1 . t'picamente confinada ao uso aC1-- s quais a semelhanc;a e ! 'da pelo-antecipac;oes, na 1 as da ultima versao, 1mpregna

    dfntal de algumas das mesmas p~:vr de conhecimentos mais recentes, Ahistoriador de sigl1ific~dOSextra1sZ~do-anteciPac;6esrealmente nao e clara,distinc;ao entre as genumas e as p _ ' dolencia e permitir que qualq':,ermas se 0 historiador se entre gar fa m la,,6es passe por antecipac;ao, ele

    lhas ,e novas ormu ." hi t' 'asemelhanc;a entre ve " d 'deias mas nao a sua s on .estara de fato escrevendo a m1tol~~~~es:~b~imentos, a evidencia presur:ni~a

    Conforme acontece com os p . . eracidade quando 0 propno,- 'na adqUlre mawr V'de uma antec1pac;ao genUl . t ntes dele tern apresentado e su-

    c'entista mais novO reconhece que ~du.:0 aFoi assim que Gordon AllportL tos da sua 1 e1a, 'a deblinhado certos aspec ,., d autonomia funcional: ou seJ ,formulou decisivamente 0 pnnc1plO a d' -es especificas se transformamque as formas de comportamento, sob co

    nb1C;0se houvess~m iniciado por

    , mesmas em ora t 'odeem fins ou alvos por Sl " I e que 0 comportamen 0 P- 0 ponto essenc1a I 'mpulsocualquer outra razao, d -0 e mais reforcado pe 0 1

    . ainda quan 0 na -" conmanter-se par si mesmo, formulou pela primeira vez esse , -ou motivo original. Quando Allport t tores mas bastante controvert1do

    , fl" 'a em cer os se esmoceito - de grande m uenC1 t primeiros exemplos que 0 rr:-em outros 35 - indicou prontamen e tOhSsegundo a qual os mecalllsmos

    -0 de Woodwor , -0 de sternsugeria' a observac;a , pulsos' a observac;a. formados em 1m, ,,,, de, 016gicos podem ser trans . em "genomot1voS , aPSlC , d m transformar-se 1 us "fenomotivos' po e ,,, d m "firmarse pe 0 sede que 0 " bJ'etos-mews po e - doTolman conforme a qual os 0 'f' m mais como antecipac;oes

    , se quaIl lCa , coinpr6prio merito". Esses casos ue as vers6es mais ant1gas -ue como pre_descobrimentos, uma, vez q _ 0 que e mais importanteq as ma1S novas e,cidiam apenas em parte com

    . d 0 problema aquid homem na sO~le~a. e. maS os atributoSnoSSO conheCimento 0 OIOglCOS

    de importancw mUlto maLOr para estdos nOS escritos soCt I l"" antecipac;oes Ct'f relatlvo dos dlferentcs . dares da sociologia a Dca tzarna-o e 0 mento C,lCn 1 1(0 I stana f1 encoraJam os 11 d' . r a . J . foal 0do ensalO 50000gICO que d desenvolv1mento dessa ISCIP JOf motives Amertcan ou orpretlgura~5es no decurso 0 h functional autonomy 0 . _ t:m sido observadas r35, Gordon W, Allport, T e . de Allport as anteClpa,oes 'John \''V'iley & Sons,

    Psychology, 1937, 50, 141,56, d As referT~~~~ies of Personality (Nova lorque,Calvin S, Hall e Gardner L,n zey, em1957), 2701.

    nao apresenta,vam muitas das implicac;6es l6gicas e das manifestac;6esempiricas especialmente relatadas por Allport. Foi por isso que as for-lY1ulac;6ssde Allport modificaram 0 curso cJ.ahistoria da autonomia funcio-nal, ao passo que as antecipac;6es nao 0 fizeram, Essa especie de diferenc;aperde-se de vista nas historias de ideias que se preocupam principalmenteem atribuir os "meritos" por contribuic;o'8S,porque tendem a misturar ospredescobrimentos e as antecipac;6es num borrao informe. Ao contrario,as historias das ideias que se preocuparam primordialmente em reconstruiro curso real do desenvolvimento cientifico levam em conside.rac;ao a dife-renc;a crucial entre as primeiras aproximac;6es a uma ideia e as formulac;6esmais recentes que deixaram sua marca no desenvolvimento dessa ideia,induzindo seus auto res e outros interessados a acompanharem sistemati-camente 0 seu curso,

    Quando urn cientista depara com uma formulac;ao antiga G esquecida,detem-se por acha-la instrutiva e a seguir a acompanha ele proprio, a segue,temos urn autentico caso de continuidacJ.e historica de ideias, ainda quealguns anos ja se tenham passado, Mas, contrariando a versao romanceadada pesquisa cientifica, esse padrao parece nao ser muito freqtiente. MaistreqUente e que uma ideia seja formulada com tanta enfase e precisaoque nao possa escapar a atenc;ao dos contemporaneos; nesse caso, torna-sefacil encontrar antecipac;6es e prefigurac;6es da mesma, Mas 0 que e de-cisivo para a historia das ideias e 0 fato de fica,rem esquecidas essas pri-meiras sugest6es e nao serem sistematicamente seguidas por alguem, ateque uma nova formulac;ao temporariamente definida as traga de volta aluz da publicidade,

    A identificac;ao dos pre-descobrimentos, das antecipac;6es e das prefi-gurac;6es pode ser rapida ou demorada, Em geral e rapida, em vista dagrande vigilancia exercida pelo si.stema social dos cientistas e dos estudiosos,Quando se publicam ideias novamente formuladas ou achados empiricos,ha geralmente urn pequeno numero de cientistas que ja examinou as ver-s6es mais antigas, embora nao as tenham utilizadas em seus trabalhos.A nova formula-c;ao reativa as suas lembranc;as da versao primitiva e elesentao comunicam os pre-descobrimentos, antecipac;6es ou prefigurac;6esaos seus colegas dentro do sistema, (As paginas da revista Science estaopontilhadas de comunicac;6es desse genero, dirigidas a irmandade cientifica).

    A identificac;ao demorada ocorre nos casos em que a versao maisantiga e rapidamente esquecida. Talvez houvesse side publicada em algumarevista obscura, ou incluida num ensaio tratando de outro assunto, ouescondida nas paginas ineditas de uma caderneta de laboratorio, num dia-rio ou carta intima,. Uma descoberta, durante certo tempo, e consideradacompletamente nova pelos contemporaneos. Mas quando se familiarizamCOmessa nova ideia, alguns cientistas e estudiosos reconhecem formulac;6esque se parecem com as novas, G, medida que vao relendo tra.balhos maisantigos, E nesse sentido que a historia passada da ciencia esta sendo con-tinuamente reescrita pela sua hist6ria subseqtiente.

    A autonomia funcional formulada par Allport como principio psicol6-gico exemplifica 0 segundo padrao de descoberta. Agora que Allport in-

  • cutiu em nos esse princ1plO, ficamos atentos a qualquer V'ersao sua, queapareQa em obras do passado. Assim, graQas a Allport, posso dizer, aposreler J. S. Mill, que'ele ja sugerira 0 mesmo principio em 1865: "Sbmentedepois que os nossos propositos se tornam independentes dos sentimentosde pena ou de prazer que lhes dao origem, e que podemos nos gabar depossuir urn carater firme".36 0 que desejo ressaltar e que eu nao prestaraatenQao a observaQao de Mill ao le-la pela primeira vez porque, na ocasiao,nao me achava sensibilizado pelo conhecimento da formulaQao de Allport.Posso tambem citar que em 1908 Simmel havia antecipado, em termossociologicos, 0 principio de Allport:

    sua forma posterior e mais desenvolvida. Prestaria atenQao, em suma,tanto as similaridades quanta as diferenQas: 1.0 - entre as varias formu-lagaes da ideia, 2.0 - ao grau em que s'e ajustava as outras construQ6este6ricas da epoca e, 3.0 - aos contextos que afetaram seu destino hist6rico.

    Mas, como sabemos, os historiadores da sociologia geralmente naocumprem esses severos requisitos para analisar antecipaQoes e prefigura-Qaes. Parecem, amiude, sentir prazer - e, sendo humanos, as vezes umprazer perverso - em desenterrar antecipaQoes, reais ou imaginarias, dasconcepQoes mais recentes. ~sse trabalho auto-suficiente nao e dificil, comoveremos pelos seguintes exemplos:

    Tanto a formulaQao de Mill como a de Simmel representam auten-ticas antecipaQoes do principio de Allport. Expoem explicitamente parteda mesma ideia, nao a aplicam suficientementJe a ponto de impressionarseus contemporaneos (isto apesar de Simmel have-la caracterizado como"fata da maior importancia socioI6gica") e, mais do que tudo, essas pri-meiras formulaQaes nao foram destacadas e desenvolvidas no intervaleentre 0 seu enunciado e a exposiQao de Allport sabre autonomia funcional.Realmente, se os primeiros houvessem continuado seus trahalhos du-rante esse intervalo, e provavel que Allport nao teria chegado a formularo principio; no maximo, re-lo-ia simplesmente ampliado.

    ~sse caso representa uma parabola para 0 tratamento apropriado dasantecipagaes na historia das ideias. Encontrando as antecipaQoes de Mille de Simmel apos haverem sido 'assinaladas na formulaQao de Allport, 0autentico historiador de ideias identificaria imediatamente 0 problema his-torico crucial; por que foram as primeiras sugestoes ("deixas") desprezadaspelos dois autores, pelos seus contemporaneos e pelos seus mais proximossucessores? Notaria que nao houve progressao imediata e inexoravel daideia, da mesma forma como notaria sua eV'entual reemergencia como focode pesquisa empirica. 0 historiador procuraria identificar as contextos,intelectual e social, dentro dos quais a ideia apareceu em sua primeiraforma e as alteragoes nesses contextos que the deram peso adicional na

    o Gruoo Primario. E bem sabido que a formula(30 do grupo primario. feit:t por Cooleyem 1909, deixou impressao imediata e duradoura sabre a analise socjol6~ica da vida em grupo.Alguns aoos mais tarde, urn historiador cia sociologia chamou a atendio sabre urn livro deHelen Bosanquet pub!icado naquele mesmo ano e que tratava da interac;ao entre os membrosde uma familia como processo social influente sobre a personalidade de cada membro. Prossegueo historiad0f. assir.alando que, em 1894, Small e Vincent haviam intitulado 0 Primeiro GrupoSocial: a Familia urn capitulo da sua obra Introduction to the Study of Society. Alguns anoSmais tarde, porem, 0 biografo de Cooley revisou todo 0 assunto e concluiu significativamenteque rotulos sao uma coisa; outra coisa e 0 conteudo respectivo geralmente aceito. Cooley deu:10 conceito urn conteudo cht'io de significado: i'ito e 0 Clue jrnpoft~J). ]o.1ai~ exatarnente. acrescentaque foi a formula,ao de Cooley, e nao a de qualquer outro, que provocou muitos estudos epesquisas sabre 0 grupo prirnario. Alertados pel:t inf!uente formubca.o de Cooley. podemos agoranotar que 0 termo grupo primfiriQ (

  • ApI1esento abaixo, rapidamente colhidas e nao glosadas, algumas alu-soes a pre-descobrimentos, anoecipac;oes, prefigurac;oes e pseudo-antecipa-c;oes em sociologia e psicologia, a fim de salientar 0 duplo ponto devista de que: 1.0 - podem ser encontradas com bastant'e facilidade e, 2._ degeneram facilmente num "antiquarianismo" que nao faz, absoluta-mente, progredir a hist6ria da teoria sociol6gica, mas apenas reforc;a aluta entre os advogados dos Antigos e dos Modernos, os quais despende-ram tanta energia intelectual nos seculos XVII e XVIII:

    mento. Excelente exemplo de pesquisa desse tipo e 0 exame cu'd d _ 1 a oso que

    J. J. Spengler fez da alegac;ao de Lovejoy, de que a Fable oj th BMandeville (1714) seria uma completa antecipaC;ao das princi;ais e~~~i~:sustentadas por Veblen em The Theory oj the Leisure Class. 41 Tomando atecerto ponto, as semelhanc;a.ssuperficiais como bastante evidentes S Ib t d . . '" , peng ersu me e as uas senes de IdeIas a uma analise exaustiva, conseguindo assim

    demonstrar as profundas diferengas, bem como as ocasionais similarida-~~s.entre elas. Dessa maneira, ele mostra como diferenc;as de formulac;ao,ImcIalmente pequenas, mas funcionalmente consequentes, podem ocasionarimplicagoes teoricas diferentes, as quais sac entao seguidas e desenvolvidaspelos sucessores.

    3. Prejigurar;oes. A identificac;ao dos pre-descobrimentos, das anteci-pac;6es ou das prefiguragoes discutidos na parte anterior, esta compreen-did~ nos canais de informac;ao do sistema social da ciencia e da erudic;ao,e nao depende de qualquer esforc;o especial. 0 prejiguracionismo, ao con-trario, Tefere-se a pesquisa deliberada e dedicada de toda especie de :mtigasvers6es de ideias cientificas ou eruditas. Nos casos mais extremos, 0prefiguracionista descreve a maiSt tenue semelhanga entre ideias antigas enovas como se fosse uma identidade virtual.

    Sao varias as fontes dessa pesquisa intencional. Em alguns casos, pa.rece que 0 estudioso se comprometeu em provar que, realmente, "naoha nada de novo debaixo do sol". A pesquisa entao apresenta 0 espetaculoprofundamente humano de eruditos e de cientistas argumentando quetudo 0 que existe de importante ja foi descoberto antes, ao mesmotempo rem que cada urn deles esta diligentemente tentando fazer novasdescobertas, para fazer progredir a sua disciplina.42 Em outros casos, apesquisa e acesa por uma faisca de chauvinismo. Quando uma nova ideiae formulada por urn cientista estrangeiro ou uma escola de pensamentoalienigena ou, mais geralmente, por urn membro de qualquer grupo defora ("outgroup"), 0 prefiguracionista sente-se incentivado a procurar al-guma antecipagao ou precursor aparente entre os seus proprios ances-trais intelectuais, a fim de restaurar a distribuic;ao apropriada de honradentro do sistema. Em outras instancias, a pesquisa parece ser inc,enti-vada por urn sentimento de hostilidade para com 0 inventor contemporaneo,que tera de descer provavelmente alguns degraus da sua posic;ao, ao serconfrontado com precursores da sua suposta nova contribuigao anunciada.Mas 0 prefiguracionismo adquire maior virulencia quando se costuma darmaior valor aos "Antigos" em detrimento dos "Modernos", ou de desprezaros vivos para prestigiar os mortos. 42"

    Shakespeare, antecipando ostensivamente Freud no wishful thinking [pensame~to em quealguem interpreta os fatos em termos daquilo em que deseja erer] e oa raclOnahzar;ao, assirn seexpressa em Henry IV: ... teu desejo foi pai, Harry, desse teu pensamento. .

    Epicteto (sem falar de Schopenhauer e de mllltos Dutros), anteclpando presuffilvelmente 0que tenho descrito como Teorema de Thomas, au seja. que as definir;oes que

  • S'ejam quais forem os motivos do prefiguracionista (que s6 podem serdeduzidos do que ele escreve), 0 aspecto observavel e bastante uniforme.De fato, 0 prefiguracionismo pode ser resumido numa especie de "Credo":

    "A descoberta nao e verdadeira;se verdadeira, nao e nova;se e nova e verdadeira, nao e relevante".

    Dotado de boa mem6ria e de alguma instrudio, nosso nomem descobregeral nao inventam os sells aS5unto5, e parece seotie-se muito satisfeito quan~e as poet~'1 ~ma fante on~e se abeber~r~m., I?o P?nto .de vista simplesmente hist6rico. e eVide~~ense~ue l.:adl~~'nad~ a obJetar; ,3. matena e as veze~ mtc!,essante, contanto que naa seja ofensivaq e I\fao arealtdade, cIa aS51ffi se transforma mUItas vezes e no caso de I angba 'ne h . as, na

    , 'S S X t' . I' -,1 , C ega a ser sempreagre~slva. . . e 0 r. !vesse posta os oeu as no oaeiz, teria vista em letra d~ f rsegulO"te ... e~c. ete. Acredlto que Dante, se houvesse conhecido Lanrrbaine t .1h' 0 ma 0urn fossa espcClJ.l em seu Inferno, onde nao faltaria lugar para outro; clJlpacl~:}). :~lareservado

    ,0 prefigur~cioni~mo nas humanidades e nas ciencias fisicas tern seueqUlvalente mUlto vIsivel nas ciencias sociais Tem por exem 1 f t. " ' , "p 0, ._or esraIzes na. soclOlog1a. Embora nao se disponha de estudos monog aficoscomparatIvos, 0 ~esenVOlv!mento inicial da modern a ciencia socio16gicap~re.c~ de fato nao ser tao cumulativa quanto 0 das ciencias fisicas eblOloglCas,47A predile9ao dos soci6logos do seculo XIX em desenvolverca~a um seu "pr6prio sistema" de sociologia - e que se manifesta ainda.hOJe em certos, setores - significa que os mesmos sac elaborados, tipica-mente, como SIstemas opostos de pensamento, mais do que consolidadosnum produto cumulativo. Essa tendencia distrai a aten9ao que, ao inves deconcentrarse sabre a analise hist6rica do desenvolvimento da teoria,ocupa-se em provar que 0 novo sistema, afinal de contas, nada t'em denovo. A hist6ria das ideias transforma-se, entao, numa arena onde sed!sputam reivindica90es e contra-reivindica90es de paternidade, que nadate~ a ver com 0 progresso da ciencia, Quanto menor 0 grau de acumula9aO,malOr a tendencia a procurar semelhan9as entre 0 pensamento presente eo ~as~ado, tendencia que pode facilmente terminar na mania do prefigu-raClOnISmo.

    Movem-s'8 as hist6rias da sociologia para dentro e para fora dessa es-fera sombria, Em grau muito variavel, 48oscilam entre as duas pressuposi-90es basicas que temos descrito, referentes ~.maneira como a sociologia, sedesenvolve: de um lado, prefiguracionismo; do outro, a afirma9aO de quea sociologia progride mediante novas orienta90es ocasionais e medianteincrement os de conhecimentos obtidos por meio da pesquisa sugerida poressas orienta90es - as quais envolvem as vezes pre-descobrimentos, anteci-pa90es e prefigura90es, devidamente documentados.

    Talvez, nenhum outro historiador da teoria sociol6gica se haja inte-ressado tao profundamente pelo assunto dos pre-descobrimentos, anteci-pa90es e prefigura90es quanto Pitirim A, Sorokin, em seu alentado traba

    As vitimas dos prefiguracionistas e os observadores imparc1als docomportamento dessa especie de criticos conseguiram identificar algumasvaria90es de canones, Muitas vezes, atingido pelas injurias dos prefiguracio-nistas, William James foi levado a descrever "os estagios classicos dacarreira de uma teoria": em primeiro lugar "e atacada por absurda; aseguir e admitida por verdadeira, mas considerada 6bvia e insigni.ficante;finalmente, e julgada tao importante que os seus adversarios reivindicama gl6ria de have-la descoberto",43 Provocado mais uma vez pelos "mausentendedores" da, sua descri9aO pragmatica da verdade, W, James deploroua insinoeridade dos opositores, "os quais ja come9aram a utilizar 0 clichede que '0 que e novo nao e verdadeiro, e 0 que e verdadeiro nao e novo' .. ,Se nada dissemos que fosse de certa maneira original, por que tiveramtanto trabalho para compreender 0 que diziamos? [A seguir, em magnifica eironica insinua9aO]: A culpa nao pode ser atribuida inteiramente a obs-curidade das nossas palavras, pois em outros assuntos sempre conseguimosnos fa~er entendidos". H

    Enquanto as vitimas protestam com veemencia contra 0 prefiguracio-nismo, os historiadores da ciencia 0 observam friamente, George Sarton,ate recentemente decano dos historiadnres mundiais da ciencia, observouque;1 violenta obje~ao a uma descoberta, especialmente quando e tao pertllrbadora. quanta iml?ortante,p;1ssa geralmente par dais estagios. 0 primeiro e a .da nega.

  • lho, Contemporary Sociological Theories, 10 ainda muito em uso quarenta'anos ap6s a sua primeira publicagao. Organizado em escolas do pensa-mento sociol6gico e destinado "a ,fazer a ligagao da sociologia de hoje com'a do passado", 0 livro introduz 0 estudo de cada escola com uma list a depI'ecursores. Talvez por referir-se, com diversos detalhes, a mais de mil:autores, a obra exibe quantidade variadissima de criterios de identidadeentre ideias anti gas e novas.

    Uma das asserg6es mais radicais e a de que os escritos antigos - osLivros Sagrados do Oriente, Confucio, 0 Tauismo etc. - contern "todo 0essencial" das ideias encontradas nas escolas sociol6gicas e psicol6gicasmodern as : estas sac descritas como "mera repetigao" ou como "nada mais"do que repetig6es. (Por ex., pp. 5n, 26 n, 309, 436-7). Em parte, as seme"lhangas consistem em referencias que se encontram nos antigos classicos ea certos "fatores" da vida social que tambem sac discutidos em trabalhosmais recentes: por exemplo, os Livros Sagrados "sublinham 0 papel"desempenhado pelos "fatOres de raga, selegao e hereditariedade" (p. 219);"0 fato de que, desde tempos imemoriais, os pensadores estavam cientesdo papel importante dos fatores economicos no comportamento humano,na organizagao social e nos processos sociais ... " (p. 514) etc. Em parte,a observac;:aode que uma escola de pensamento e muito antiga chega aser, as vezes, desagradavel. Assim, a escola formal (de Simmel, Tonnies,von Wiesse) que pretende ser nova, e descrita como "uma escola muitovelha, talvez mais antiga do que qualquer outra escola de ciencia social"(p. 495); a escola economica, especialmente a repudiada teoria de Marx eEngels, e descrita como "tao velha quanto 0 pr6prio pensamento humano"(p. 523); por outro lado, afirma 0 seguinte: "a teoria de que a crenc;:a,especialmente a crenc;:amagica ou religiosa, e 0 fator mais efidente dodestino humane e talvZ a mais velha forma de teoria social" (p. 662).

    No livro de Sorokin tambem se encontra encaixado 0 conceito de queessas antigas ideias foram significa.tivamente desenvolvidas em certos tra-balhos posteriores, que nao sac "meras repetic;:6es". E 0 que sa conclui deumas observac;:6es ambivalentes do seguinte tipo: "... nem Comte, nemWiniarsky, nem qualquer outro dentre os soci610gos do fim do seculo XIX,pode reivindicar 0 merito de ter dado origem a teoria acima, ou pratica-mente a qualquer outra t,eoria. Eles apenas estiveram desenvolvendo 0 queja era conhecido muitos seculos, ou mesmo milhares de anos atras" (p. 368n,os grifos sac nossos). E prossegue: a escola sociol6gica "como quase todosos sistemas sociol6gicos contemporaneos, originou-se no passado remoto.Desde aquele tempo, com variar;oes, os principios da escola podem serdetectados ao longo de toda ,a hist6ria do pensamento social" (p. 437,grifo nosso).

    Essas ,formulac;:6esintermediarias deixam aberta a possibilidade denovas e significantes estimativas na hist6ria do pensamento sociol6gico.Assim, E. de Roberty e considerado como "urn dos primeiros pioneirosda sociologia" (p. 438); Kovalevsky "elaborou sua teoria [demografica]

    independentemente de Loria, tres anos antes" (p. 390 [1); 0 brilhante Tarde"deixou muitos pIanos, ideias e teorias originais" (p. 637); pesquisas re-centes de opiniao publica "tem esclarecido em grau consideravel nosso co-nhecimento dos fenomenos" (p. 706); Giddings e urn "pioneiro da sociologianorte-americana e mundial (p. 727 n); e, como exemplo final de desenvOl-vimento incremental, "a fisiologia social ... dessa maneira, passe a passe ...tem-se expandido e, neste momento, estamos no inicio das primeiras tenta-tivas de construgao de uma teoria geral, porem concreta, de mobilidadesocial" (p. 748).

    Essa tendencia a faZier distinc;:ao dos graus de semelhanc;:a entre asteorias antigas e as mais recentes, revela-se muito mais acentuadamenteno livro de Sorokin sobre 0 mesmo assunto, Sociological Theories otToday, 50 publicado uma geragao mais tarde. Alguns fatos descritos comopre-descobrimentos no primeiro trabalho, sac tratados agora como ant&cipag6es, e assuntos tratados previamente como antecipag6es, sao agoraeonsiderados como prefigurac;:6es. Tao inexoravel em suas criticas quanto aanterior, esta obra possui contudo, e transmite ao leitor, urn sentido de,erescimento e de desenvolvimento da teoria. Dois exemplos, grifados porn6s, ilustram essa mudanc;:ade perspectiva:

    .Assim houve uma antecipac;ao de meio seculo. sabre as teorias de Spengler. Realemnte 0trabalh~ de Spengler, em t6das as suas caracteristicas essenciais., e uma simples .re~eti~a.o dasespecula,6es sociais de Leontieff e Danilevsky [mas como Dandevs~y precede. I;e~nt1eff quatroanos, presume-se que 0 trabalho de leontleff DaD seJa. IDaJS que uma mera repetl~ao )>>. (Canteroporary SocIOlogical Theories, p. 26n, grifos nossos).

    Como "mera repetic;:ao",0 trabalho de Spengler poderia parecer super-fIuo, pois nada havia que 0 distinguisse daquele dos seus predecessores.Contudo, parece que Sorokin adotou mais tarde um criterio mais ponderado:

    A obra de Spengler Der Unrergang des Abendlandes, publicada em 1918. provou ser umadas abras-primas mais infl~entes. contraverti~as e. duravei~ ?3: primeira .meta~e do s~eculo XX.nos dominios da sociolog!a cultural, da fJ1osofJa da hJStofJa e da f!losof,a alema. EmboraThe Decline of rhe West seja, em suas caracteristicas totais, bem diferente do trabalho de Damlevsky,a sua estrutura conceitual basica se parece, contudo. com a deste ultimo, em todos os pontos ...As numerosas p:iginas que Spengler dedica a an:ilise detalhada dessas transforma~6es [no ciclodas farmas ou sistemas sac.iais] sao frescas, penetrantes e chissic:tS... Apesar dos seus defeltos.The Decline of the West h:i provavelmente de sobreviver como urn dos mais importantes trabalhosda primeira metade do seculo XX. (Sociological Theories of Today, pags. 187, 1967).

    Por mais que se considere a original.idade e 0 conteudo da teoria materialistica marxista deconcep~ao cia hist6ria (mas nao a da jnfluencia pd.tica de Marx), no momento presente ... parecenao -ser passivel afirmar que Marx htt.ja acrescentado qualqucr simples ideia nova nesse campo, audado uma sintese nova e cientificamente melhor das ideias que existiam antes dele. (C. S. T.,520 n; 0 grifo e nosso).

    Em seu trabalho mais antigo Sorokin reitera continuamente que nemas ideias especificas, nem a sintese de Marx e Engels tinham qualque,rsombra de originalidade; e termina com 0 credo classico do prefiguracio-nista:

  • Em prirneiro lugar, do ponto de vista estritamente cientifico, nada existe em suas teorias quenao haja s.ido dito por a~tor~s. mais ~ntigos; em s~g~ndo l.u~ar, aquilo. q~e e realmente originalesta muito longe de ser C1enttfIco e, flllalmente, 0 unICO mento da teooa e 0 de ter generalizado,de modo mais convincente e exagerado, as ideias conhecidas antes da epoca de Marx... Nemhi motivo qualquer para considerar sua contribui~ao cientifica como sendo acima da media.(c. S. T., 545).

    Em &eus trabalhos posteriores, Sorokin, embora continuando a critical'severamente a teoria marxista e a insistir que ela nao se desenvolveu exnihilo, 51 mostrou-se disposto a conceder-lhe urn papel caracteristico, inte-lectual e nao apenas politico.

    mento significa que as contribuiQoes classicas feitas POl' homens de genioou de grande talento, sao amplamente desenvolvidas em obras post.eriores,l1mitas vezes, POI' homens de talento muito menor.

    o teste mais rigoroso do conhecimento realmente cumulativo consisteno fato de que, em nossos dias, mentalidades rotineiras podem resolverproblemas para os quais grandes cerebros do passado nao conseguiramencontrar urn comeQo de sOluQao. Urn estudante universitario sabe hojecomo resolver problemas que desafiavam os melhores raciocinios de urnLeibniz, urn Newton ou urn Cauchy. 53

    Uma vez que a teoria e as descobertas do passado mais remoto seacham largamente incorporadas ao conhecimento cumulativo atual nas cien-cias mais exatas, e a evocaQao dos grandes contribuidores do passado ficousubstancialmente reservada a hist6ria da disciplina; os cientistas, em seuslaborat6rios ou em seus escritos, utilizam principalmente as contribuiQoesmais recentes, que ja tern assimilado e desenvolvido as descobertas maisantigas. 0 resultado desse processo e que certas contribuiQoes cientfficasmais antigas e, as vezes, mais relevantes, correm 0 risco de serem obliteradasCembora com algumas exceQoes)pela sua absorQao em trabalhos posteriores.

    Nas humanidades, cada trabalho c1::issico- cada poema, drama, ro-mance, ensaio ou trabalho hist6rico - sendo observado diretamente, tendea continual' fazendo parte da experiencia direta das sucessivas geraQoes dehumanistas. Conforme foi muito bem ilustrado POI'Derek Price, "a estruturaacumulativa da ciencia possui urn tecido de malhas estreitamente entrela-Q:idas, ao passe que a tessitura do campo da erudiQao humanistica asse-melha-se muito mais a urn bordado, em que cada ponto pode ser ligadoindiferentemente a qualquer outro".54 Em outras palavras, 0 primeirocontato com os classicos desempenha papel insignifica.nte no trabalho doscientistas da fisica e da biologia, mas tern grande importfmcia no trabalhodos estudiosos de humanidades.

    Kessler, outro estudioso do sistema de informaQao na ciencia, descre-veu a questao em termos provocantes, se nao irritantes:

    Karl Marx e Friedrich Engels, pela sua divisao das rela~6es s6cio-culturais em duas classesprincipais, ou seja, as rela~oes de produ~ao {que] constituem a estrutura economica da sociedadee a superestrutura ideologica, ... deram nova vida c pleno desenvolvimento a varia

  • Sociologia - T1eoria e Estrutura

    e comemorativo pelos trabalhos precursores da c1encia e 0 nosso desejode fazer progredir a ciencia contemporanea, cujo progresso nao exigegrande conhecimento direto com os Principia, de Newton ou com 0 Traite,de Lavoisier. Contudo essa observa

  • que toma 0 estudo; pois uma vasta diferenQa separa os meros comentariose banalizaQoes, da pnitica ativa de acompanhar e desenvolver as orientaQoesteoricas dos antecessores importantes. E esta diferenQa que sublinha aambivalencia dos cientistas em relaQao a leitura extensa das obras dopassado.

    Essa ambivalencia dos cientistas tern raizes hist6ricas e psicologicas.Desde os albores da ciencia modema, tem-se argumentado que os cientistasdevem conhecer 0 trabalho dos seus predecessores, a fim de poder construirsabre as bases lanQadas anteriormente, e para dar 0 devido credito a quemo merece. Ate mesmo 0 mais eloqi.iente profeta do antiescolasticismo, Fran-cis Bacon, dava isso por assentado: "Quando urn homem se dedica adescobrir alguma coisa, ele primeiramente procura e examina tudo 0> quefoi dito sabre 0 assunto pelos outros; a seguir, poe-se a meditar por simesmo ... "58 E urn sistema que foi mais tarde institucionalizado, na formados ensaios cientificos, que devem apresentar urn sumario da teoria e daspesquisas ja realizadas sabre os problemas em exame. 0 fundamentologico desse procedimento e tao claro quanto familiar: a ignorancia dostrabalhos do passado muitas vezes condena 0 cientista a descobrir porsi mesmo 0 que ja era conhecido. Sorokin exempli fica 0 caso no campoda sua especialidade:

    ricas desta atitude estao implantadas na revolta contra 0 escolasticismodos comentadores e eX!egetas. Galileu, mais urna vez, da a sua clarinadaprecursora:

    . .. urn homem nunen se tornara fHosofo ocupandose somente dos escritos dos outroshomens, sem jamais levant:u os 01h05 para as obras cla natureza com 0 intuito de ali reconhecer :lSverda des ja conhecidas e de investigar algumas dentre 0 numero infinito das que falL....il descobrir.Repito. quem ass.im procede Dunea chegari a fil6sofo mas continuara estudante de outros fil6sofos-e pecito enl seus trabalhos. 61

    William Harvey imita esse pensamento (numa linguagem que impres-sionou profundamente Clerk Maxwell, e}e proprio colhido nas malhas daatitude ambivalente para com a erudiQao):

    Pois tadas aquelec; que teem autores e ,que, ~om a ajuda ~os seus sentidos_ pessoais, nao'18.6~. Claude Bernard An Inrroducrion ro the Stu.dy of Experimental Medicine (Non Iorq1le:

    Henry Schumann. 1949;'a 1.' ed. e de 1865),145,141_

    58. Francis Bacon, Novum Organum (Londres: George Routledge & Sons, sid.) AforismaLXXXII, p. 105.

    59. Sorokin, Conremporary Sociological Theories, XVIII-XIX.. 60. Lewis Campbell e William Garnett, The Life of James Clerk Maxwell, (Londres; Mac-

    mIllan & Co., 1884),162.

  • as laboriosas pesquisas psicanaliticas vieram simplesmente confirmar asverdades que aquele fil6sofo descobriu intuitivamente". (;9

    Um dos pais da sociologia levou a um ponto absurdo essa especle deadaptaQao da tensao entre erudiQao e originalidade. Durante os doze anosque devotou a composiQao do seu Cours de Philo sophie Positive. Comteseguiu 0 "principio da higiente cerebral" - conservando sua mentelivre de tudo 0 que nao f6sse suas pr6prias ideias, pelo simples recursode nao ler coisa alguma reladonada, ainda que de longe, ao' seu assunto.Conforme declar,ou orgulhosamente numa carta a A. B. Johnson: "Quantoa mim, s6 leio os grandes poetas antigos e modernos. A higiene cerebrale sobremaneira salutar para mim, especialmente porque permite mantera originalidade das minhas meditaQoes peculiares,".70 Assim, vemos Comtefazendo a mais 'extrema - e nesse ponto,absurda - distinQao entre ahist6ria e .a sistematica da sociologia; como historiador da ciencia, eleprocurou reconstruir 0 desenvolvimento da ciencia por meio da leiturarelativamente extensa dos classicos, ao passo que, como criador do sis-tema positivista de teoria sociol6gica, ele apaixonadamente ignorou asideias, imediatamente anteriores - ate mesmo as de Saint-Simon, quef6ra certa vez seu professor - a fim de alcanQar uma especie de origi-nalidade que poderiamos classificar de pickwickiana.

    Como temos visto, a tensao hist6rica entre a erudiQao e a originali-dade ainda e problema para ser resolvido. Os cientistas tem adv'ertido,desde 0 seculo XVII, que a erudiQao muitas vezes encoraja os simplescomentariosescolasticos de trabalhos anteriores, em prejuizo das novasinvestigaQoes empiricas e que 0 envolvimento profundo com as ideiasantigas prejudica muitas vezes a originalida.de, porque produz atitudesmentais inflexiveis. Mas apesar desses perigos, os grandes cientistas foram capazes de C'ombinar a erudiQao e a pesquisa original pa,ra 0 pro-gresso da ciencia, quer lendo sbmente as pesquisas imediatamente ante-riores dedicadas ao seu problema, as quais presumivelmente incorporamo relevante e cumulativo conhecimento do passado, quer explorandofontes mais remotas sbmente ap6s haverem levado a bom termo asua pr6pria pesquisa. Oontudo, 0 extremado esf6rQo para nos emancipar-moiS das ,ideias antecedentes - igual ao que foi ,feito por Comte - podetransformar-se em desprezo conscien1Jede t6das as teorias pertinentes dopassado e em distinQao artificial entre a hist6ria e a sistematica dateoria.

    e te6rico. 0 matematico Littlewood, da mesma maneira que 0 pr6prioBernard, enfrentou 0 problema, entregando-se primeiramente as suas pr6-prias ideias e, a seguir, comparando-as com a literatura antecedente, antesde publica-Ias. (;5 Assim fazendo, Bernard e Littlewood completaram 0cicIo, voltando ao metodo preconizado pelos sabios e cientistas do passado. G6

    Houve quem resolvesse a sua ambivalencia, abandonando quase com-pletamente 0 esf6rQo de tornar-se versado na' literatura antecedente, a fimde poder prosseguir em seu pr6prio trabalho. As ciencias sociais tem seuspr6?riOs exemplos de tais adaptaQoes. Ha muito tempo, Vico endossou demUlto bom grado a observaQao feita POI'Hobbes, de que se houvesse lidotanto como certos homens, teria conhecido tao pouco quanto eles. 67 HerbertSpencer - de quem se pode dizer que ninguem escrevera tanto antesdele, com tao escassos conhecimentos do que outros haviam escrit~ ante-riormente, s6bre a mesma ampla variedade de assuntos - transformoutanto sua hostilidade contra a autoridade dos predecessores, quanto suadoenQa (a leitura the causava tonturas) em uma filosofia de pesquisas quedava pouca importancia ao conhecimento dos antecessores.68 E Freud, emseguida e com plena consciencia, usou do sistema de elaborar os seus dadosclinicos e a sua teoria, sem recorrer aos trabalhos ja existentes. Disse, certafeita: "Realmente, pouco sei dos meus predecessores. Se nos encontrarmosalgum dia no outro mundo, eles certamente me tratarao de doente e01110um plagiario. Mas e tao grande a satisfaQao de investigar pessoalmente osproblemas, em vez de leI' a literatura s6bre 0 assunto!" E adiante: "Nosultimos anos, tenho-me privado do grande prazer de leI' as obras deNietzsche, pois tomei deliberadamente a resoluQao de nao ser tolhido naelaboraQao das impressoes recebidas na psicanalise, por qualquer perspectiva vinda de ,fora. POI' isso - e de muito bom grado - estou pronto.a desistir de t6da pretensao a prioridade nos numerosos casos em que

    65. J. E. Littlewood, A Mathematician Miscellany (Londres: Methuen Publishing Co., 1953),82-3. 11 naturalmente born metodo, e eu 0 tenho praticado muito, iniciar 0 pr6prio trabalho semse preocupar demais com a literatura existente (0 grifo e nosso). Charles Richet, em The NaturalHistory of a Savant, trad. de Sir Oliver Lodge (Nova Iorque: George H. Doran Co., 1972), 43-4,.formula 0 metoda com as seguintes palavras: 0 pesquisador bem informado ... talvez conhe

  • tematica da tea ria s-ocio16gica. Par distinQao temos aeentuado pe-e a SIS h' t _. dquenas semelhanQas de Comte, e nao todas. Uma genUlna "IS. ona ateoria socio16gica deve estender-se alem de urn conjunto cronolbglCamenteordenado de sinopses da doutrina; deve lidar com a influencia reciprocaentre a teoria e as assuntos como as origens sociais e as status dos seusexpoentes, a organizaQao social variante da sociologia, a~ alteraQoes pro-vocadas nas ideias e as suas relaQoes com a estrutura socIal e cultural doambiente. Desejamos agora delinear algumas funQoes caracteristicas paraa teoria sistematica bem alicerQada nas formulaQoes classicas da teoriasocio16gica.

    A condiQao das ciencias fisicas e bio16gicas permanece muito diferentedaquela das ciencias socia.is e da sociologia em particular. Se 0 fisico,como tal, nao tern necessidade de impregnar-se dos Principios de Newton,e a bi610go como tal, nao precisa ler e reler A Origem das Especies deDarwin, 0 soci610go, mais como soci61ogo do que como historiador dasociologia, tern amplos motivos para estudar as trabalhos de. Weber,Durkheim e Simmel e ate mesmo para remontar, ocasionalmente, as obmsde Hobbes, Rousseau, Condorcet e Saint-Simon.

    A razao dessa diferenQa e aqui examinada detalhadamente. Os re-o-istros demonstram que as ciencias fisicas e bio16gicas tern tido em geral~aior exito do que as ciencias sociais em restabelecer conhecimentosacumulados do passado e incorpora-los em formulaQoes subseqi.ientes.Este processo de obliteraQao pela incorporaQao e ainda raro na sociologia.Como conseqi.iencia, ainda ha muitas informaQoes nao reconstituidas pron-tas pa:-a seram utilmente empregadas como pontos de partida. Os usosatuais das teorias socio16gicas do passado san ainda mais complexos, comose evidencia pela extensa repercussao das citaQoes da tea ria classica.

    Certo tipo de cita.Qaonao envolve nem a simples comentario sabre osclassicas nem a usa do seu prestigio para estabelecer credenciais deideias atuais. E uma forma de citaQoes que, 810 contrario, constitui mo-mentos de afinidade entre nossas pr6prias ideias e as dos nossos anteces-sores. Mais de urn soci610go tern sofrido a humilhante experiencia deconstatar que a sua descoberta independente e, inadvertidamente, urnredescobrimento '8, ainda mais, que a linguagem do predecessor classico- esquecido par muito tempo - e tao viva, tao eloqi.iente ou tao cheia deimplicagoes, que deixa a nova versao em segundo plano. Encontrando-~ena situaQao ambivalente de tristeza par ter sido antecipado, e de alegnapela beleza da formulagao mais antiga, ele cita a redagao classica.

    Ha apenas uma pequena diferenQa quando 0 leitor, que ja tern suaspr6prias ideias formadas, encontra nos livIos antigos exatamente 0 queja tinha -em mente. 0 conceito, ainda nao descoberto por outros estu-diosos, chama a atenQao do leitor justamente par possuir afinidade can:a ideia que ja havia desenvolvido por seus pr6prios me~os._ Qu~n~o. ecitada uma antiga fonte, presume-se geralmente que essa cltaQao Slgruflcaobrigatariamente que a ideia au achado surgiu da pr6pria leitura. Mas,e evidente que 0 trecho antigo foi notado s6 porque correspondia 810 queo leitor ja havia elaborado par si mesma. Aqui nos encontramos numa

    situaQao muito curiosa: urn dialogo entre os mortos e os vivos. Isto naodifere muito dos dialogos entre cientistas oontemporaneos, quando urndeles fica muito satisfeito 310 descobrir que 0 outro concorda com umaideia ate entao mantida em segredo e que poderia ate mesmo parecersuspeita. As ideias adquirem novo valor quando saD expressas Ihdepen-dentemente por outra pessoa, verbalmente au par escrito. A unica vantagemem encontra-las ja impressas, e saber-se que nao houve contagia inadvertidoentre 0 livro ou 0 ensaio e qualquer formulaQao anterior da mesma ideia,feita por outrem.

    Os soci610gos mantem "dialogos" com as formulaQoes classicas aindade outra maneira. Urn soci6logo contemporaneo defronta-se muitas vezescom urn t6pico dos classicos que contraria uma ideia que ele estava prestesa apresentar como perfeita. Esse tipo de reflexoes, em que se procura aconfirmaQao do pr6prio pensamento, e muito util porque convida a modes-tia. 0 te6rico posterior, obrigado a admitir que esta errado, reexamina seuconceito e, achando-o realmente defeituoso, reformula-o em nova versaomelhorada graQas 810 dialogo acima referido.

    Uma outra funQao dos classicos e a de proporcionar urn modelo parao trabalho intelectual. 0 cantata com espiritos socio16gicos penetrantes,como as de Durkheim e Weber, ajuda-nos a formar padroes de criterio ejulgamento para identificar urn bom problema sociol6gico - urn quetenha implicac;;oessignificativas para a teoria - e a aprender 0 que cons-titui uma soluQao te6rica adequada para 0 problema. Os classicos SaD 0que Salvemini gostava de denominar libri tecondatori - livros que aguQamas faculdades dos leitores exigentes que lhes prestam total atenQao. Foiesse 0 processo que levou, 810 que se presume, 0 grande e jovem matemati-co noruegues Niels Abel, a registrar em seu livro de notas: UNa minhaopiniao, se alguem deseja progredir na Matematica, deve estudar os mes-tres e nao os discipulos".71.

    Finalmente, se urn livro ou trabalho socio16gioo classico e digno deseT lido par algum motivo, tambem e digno de ser relido de quando emquando; pois parte do que e transmitido pela pagina impressa muda emconseqi.iencia de urna interaQao entre 0 autor morto e 0 leitor WYO. Damesma forma que 0 Cantico dos Canticos muda de sentido quando lidoaos 17 ou aos 70 anos, assim tambem Wirtschatt und Gesellschatt, de Weber,SUicide, de Durkheim ou Soziologie, de Simmel diferem quando lidos emepocas diferentes. Pois, da mesma forma que os novas conhecimentostern efeito retroativo, ajudando-nos a reconhecer antecipaQoes e prefigura_Qoes nos trabalhos anteriores, tambem as mudanQas nos problemas efocos de atenQao no conhecimento socio16gico atual, ajuda-nos a encontrarnovas ideias numa obra ja lida anteriormente. 0 novo contexto dosrecentes desenvolvimentos em nossa vida intelectual pessoal ou na pr6priadiscipl:ina, faz surgir ideias ou sugestoes de ideias que haviam passadodespercebidas numa leitura anterior. Naturalment-e, esse processo requerintensa leitura dos ch:'issicos- a especie de concentraQao daquele erudito

    71. 0 extrato do livro de notas de Abel esta registrado em Niels Henrik Abel: MathematicianExtraordinary, de Oystein Ore (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1957), 138.

  • verdadeiramente dedicado (descrito POl' Edmundo Wilson), que, interrom-pido em seu trabalho POl' uma batida na porta" abriu-a, estrangulou 0desconhecido que ali estava e voltou ao seu trabalho.

    Para uma verificagao informal da fungao potencialmente criadora dareleitura dos classicos, basta examinar a marginalia e as notas que toma-mos de uma obra elassica, que foi lida e relida alguns anos mais tarde. Seo livro tern precisamente as mesmas coisas a nos dizer na segunda leitura,estamos sofrendo de severa estagnagao intelectual, ou 0 trabalho classicotern menos profundidade intelectual do que julgavamos, ou se dao simultaneamente essas duas infelizes circunstancias.

    o que e uma experiencia familiar na vida intelectual do soci610goindividual pode tornar-se prevalente para gerag5es inteiras de soci610gos.Pois como cada nova geragl10 acumula seu pr6prio repert6rio de conheci-mentos e assim adquire sensibilidade para novos problemas te6ricos, elachega a vel' muitas "novidades" nos trabalhos antigos, mesmo que essestrabalhos ja hajam side previamente examinados. Ha muito para dizer afavor da releitura das obras mais antigas - especialmente no que se re-fere a uma disciplina imperfeitament'e consolidada como a sociologia -contanto que ,esse estudo consista