2. introdução 1 · 3.6 propriedades anti-bacterianas do mel 12 3.6.1 propriedades físicas 13...
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ÍNDICE
1. Resumo v
2. Introdução 1
3. Generalidades 3
3.1 Definição de Mel 3
3.2 Principais tipos de Mel 3
3.2.1 Classificação em função da origem 3
3.2.2 Classificação em função do modo de produção ou de apresentação 4
3.2.3 Classificação quanto à origem floral 5
3.4 Mel DOP 6
3.5 Composição química do Mel 7
3.5.1 Hidratos de carbono 7
3.5.2 Água 8
3.5.3 Ácidos Orgânicos 8
3.5.4 Minerais 9
3.5.5 Enzimas 10
3.5.6 Proteínas e aminoácidos 11
3.5.7 Vitaminas 11
3.6 Propriedades anti-bacterianas do Mel 12
3.6.1 Propriedades Físicas 13
3.6.1.1 Osmolaridade 13
3.6.1.2 Acidez 14
3.6.1.3 Viscosidade 16
3.6.2 Propriedades Químicas 16
ii
3.6.2.1 Peróxido de hidrogénio 16
3.6.2.2 Compostos fitoquímicos 17
3.6.3 Outros Factores 18
3.7 Variações na actividade anti-bacteriana do Mel 18
3.8 Potencial uso do Mel como agente anti-bacteriano 20
3.9 Aplicação do Mel no tratamento tópico de feridas 28
4. Análise Crítica 31
5. Conclusões 32
6. Bibliografia 34
iii
Agradecimentos
À Dr.ª. Liliana Sanches pelo material gentilmente fornecido.
iv
Lista de Abreviaturas
a.a. – aminoácidos
DDR – Dose Diária Recomendada
DOP – Denominação de Origem Protegida
MIC – Concentração Inibitória Mínima
MRSA – Staphylococcus aureus Meticilina Resistente
VRE – Enterococcus Vancomicina Resistente
VREC – Escherichia coli Vancomicina Resistente
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1. RESUMO
O mel, é uma substância natural açucarada, produzida em várias etapas, pelas
abelhas da espécie Apis mellifera a partir do néctar de plantas, ou de secreções
provenientes de partes vivas das plantas ou de excreções de insectos sugadores
que ficam sobre partes vivas das plantas. É composto maioritariamente pelos
açúcares glicose e frutose, e por água. Contém ainda quantidades consideráveis
de proteínas, minerais, ácidos orgânicos, vitaminas e enzimas.
Várias propriedades, quer físicas quer químicas, conferem-lhe características que
o tornam um produto de interesse mundial crescente, tanto por parte do público
como por parte das classes médica e científica. Estas propriedades físicas
(osmolaridade, acidez e viscosidade) e químicas (peróxido de hidrogénio,
compostos fitoquímicos e outros agentes químicos) podem contribuir para a
actividade anti-bacteriana do mel, potenciando o uso deste como agente anti-
bacteriano. As propriedades físico-químicas contribuem ainda para o processo de
cicatrização de feridas.
Pelos seus benefícios actualmente reconhecidos, a sua utilização deveria ser
prática clínica comum, não só de forma a evitar o abuso de antibióticos, mas
também a título profiláctico, para impedir o desenvolvimento de infecções em
feridas potencialmente predispostas a tal.
Palavras-chave: mel, osmolaridade, acidez, viscosidade, peróxido de hidrogénio,
compostos fitoquímicos, actividade anti-bacteriana.
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1. Summary
The honey, is a natural sugary substance, produced in some stages, by the bees
of Apis mellifera species, from the nectar of plants, or secretions proceeding from
live parts of plants or excretions of insects that are on live parts of plants. Honey is
composed principally for glucose, frutose, and water. It also contains considerable
amounts of proteins, minerals, organic acids, vitamins and enzymes.
Several properties, either physical either chemical, confer it characteristics that
make honey a product of increasing worldwide interest, either for general public
but also for medical and scientific societies. These physical (osmolarity, acidity
and viscosity) and chemical (phytochemical compounds, hydrogen peroxide and
other chemical agents) properties can contribute to the anti-bacterial activity of the
honey, potentiating its use as an anti-bacterial agent. The physical-chemical
properties also contribute for the process of wound cicatrization.
For its currently recognized benefits, its use should be practical common in clinic,
not only to prevent antibiotic abuse, but also as a prophylactic measure, to hinder
the development of infections in wounds potentially predisposed to such.
Key words: honey, osmolarity, acidity, viscosity, phytochemical compounds,
hydrogen peroxide, anti-bacterial activity.
1 2. INTRODUÇÃO
O mel foi sempre considerado um alimento superior de alto valor dietético. Desde
a pré-história que o homem o procura e recolhe, inicialmente em moldes
rudimentares, mais tarde como indústria de base científica e alto rendimento.
Desempenhando um importante papel nas actividades sócio-económicas dos
povos primitivos, quer em oferendas e rituais, quer como objecto de comércio, o
mel foi muito usado em vastas áreas do continente africano no fabrico artesanal
de bebidas fermentadas.
A utilização do mel na cicatrização das feridas tem uma longa tradição estando
referido amplamente na literatura médica do Egipto, Grécia e nas tradições
Ayurvédicas da Índia. O uso do mel remonta à antiguidade, já os egípcios em
2000 a.c. aplicavam mel no tratamento de feridas. Mas os registos do uso do mel
como cicatrizante de feridas não estão confinados aos tempos antigos. Existem
inúmeros relatos dos anos 30 sobre a eficácia do mel na limpeza de feridas
infectadas. Contudo, com a descoberta dos antibióticos nos anos 40-50 acabou
por ser substituído pela penicilina e drogas sintéticas.
Actualmente, a prevalência de espécies de bactérias resistentes a antibióticos tem
conduzido a uma re-avaliação dos usos terapêuticos de remédios antigos, como o
mel, e à medida que aumenta o número de artigos publicados a comprovarem a
sua eficácia, tem aumentado o interesse da classe médica no seu uso,
particularmente, onde os tratamentos modernos convencionais começam a falhar.
O mel tem sido descrito como possuindo efeito inibitório em cerca de 60 espécies
de bactérias, incluindo aeróbias, anaeróbias, gram positivas e gram negativas.
2
Méis com níveis médios de actividade anti-bacteriana mostraram-se capazes de
inibir totalmente a maior parte das bactérias causadoras de infecção das feridas.
Para além da actividade sobre as bactérias, tem sido observada acção anti-
fúngica sobre certas leveduras e espécies de Aspergillus e Penicillium, assim
como em todos os dermatófitos mais frequentes.
As observações clínicas publicadas são de que o mel desinfecta rapidamente as
infecções das feridas, a inflamação, edema, dor e odor são rapidamente
reduzidos, o aparecimento de tecido de granulação e a epitelização é acelerado, e
o processo de cicatrização ocorre rapidamente com o mínimo de desenvolvimento
de tecido cicatricial. O mel, contrariamente aos outros anti-sépticos, não provoca
danos nos tecidos, e não só impede o crescimento bacteriano, como tem um
efeito nutritivo directo, drena a linfa das células por osmose e impede a adesão do
penso à ferida, possibilitando a retirada do mesmo sem que tal provoque dor ou
dano aos tecidos recém-formados.
Actualmente, para além dos efeitos curativos que se lhe atribuem, o mel é
encarado como um óptimo alimento natural e como elemento açucarado ideal
para crianças e debilitados, dada a digestibilidade dos seus açúcares redutores.
É objectivo deste trabalho alargar os horizontes médicos de forma científica e
credível, de forma a encontrarem no mel um aliado, nomeadamente no combate
de infecções.
3 3. GENERALIDADES
3.1. DEFINIÇÃO DE MEL
O mel, é uma substância natural açucarada, produzida pelas abelhas da espécie
Apis mellifera a partir do néctar de plantas, ou de secreções provenientes de
partes vivas das plantas ou de excreções de insectos sugadores que ficam sobre
partes vivas das plantas. A produção do mel, pelas abelhas, consiste em várias
etapas: recolha, transformação por combinação com substâncias específicas
próprias, depósito, desidratação, armazenamento e maturação na colmeia1.
3.2. PRINCIPAIS TIPOS DE MEL
O mel pode ser classificado quanto à origem, em função do modo de produção ou
de apresentação ou ainda quanto à origem floral.
3.2.1. Classificação em função da origem
Mel de néctar ou mel de flores: mel obtido do néctar das plantas1;
Mel de melada: mel obtido, principalmente, a partir de excreções de insectos
sugadores que ficam sobre partes vivas das plantas ou de secreções
provenientes de partes vivas das plantas1.
4
3.2.2. Classificação em função do modo de produção ou de apresentação
Mel em favos: mel armazenado pelas abelhas nos alvéolos operculados de favos
construídos recentemente pelas próprias abelhas ou de finas folhas de cera
gravada, realizadas exclusivamente com cera de abelha, e que não contenham
criação, vendido em favos inteiros ou em secções de favos1;
Mel com pedaços de favos: mel que contem um ou vários pedaços de mel em
favos1;
Mel escorrido: mel obtido por escorrimento de favos desoperculados que não
contenha criação1;
Mel centrifugado: mel obtido por centrifugação de favos desoperculados que não
contenha criação1;
Mel prensado: mel obtido por compressão de favos que não contenha criação,
sem aquecimento, ou com aquecimento moderado de 45ºC, no máximo1;
Mel filtrado: mel obtido por um processo de eliminação de matérias orgânicas ou
inorgânicas estranhas à sua composição que retire uma parte importante do
pólen1.
5 3.2.3. Classificação quanto á origem floral
Mel monofloral: quando o néctar é predominantemente originário de uma única
fonte floral2;
Mel multifloral: quando o néctar recolhido é predominantemente originário de
mais de uma fonte floral2.
6
3.4. MEL DOP (DENOMINAÇÃO DE ORIGEM PROTEGIDA)
Produto cuja produção, transformação e elaboração ocorrem numa
área geográfica delimitada com um saber fazer reconhecido e
verificado11.
Fig.1 – Áreas Geográficas de produção, transformação e acondicionamento dos méis com
DOP12.
7 3.5. COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO MEL
O mel é uma solução hipersaturada com dois componentes principais, glucose e
frutose, sendo a água o terceiro, em proporção (tabela 1). Da sua composição
fazem ainda parte outros tipos de açúcares, como a sacarose e maltose, bem
como proteínas, minerais, ácidos orgânicos, vitaminas e enzimas3,4. A proporção
dos seus diversos constituintes está directamente relacionada com a flora apícola
da região4.
Componente Percentagem (%) Intervalo (%)
Água 17,20 15-21
Frutose 38,38 30,91-44,26
Glicose 30,31 22,89-40,75
Açucares redutores 76,65 61,39-83,72
Sacarose 1,310 0,25-7,75
Ácidos orgânicos 0,570 0,17-1,17
Minerais 0,169 0,10-0,37
Tabela 1 – Composição básica do mel3,4
3.5.1. Hidratos de Carbono
O mel contém uma grande variedade de hidratos de carbono. Os principais
açúcares do mel são, os monossacarideos – frutose (38%) e glicose (31%),
seguidos da maltose (7%) e sacarose (1%), e de alguns oligossacarideos (4%)5,6.
A alta concentração dos diferentes tipos de açúcares é responsável pelas
8
propriedades físicas do mel, tais como, a viscosidade, a densidade, a
higroscopicidade, a capacidade de granulação (cristalização) e o valor calórico6.
Muitos dos açúcares presentes no produto final, não existem no néctar inicial uma
vez que podem resultar, tanto da combinação com as enzimas produzidas pelas
abelhas durante a maturação na colmeia, como por acção química durante a
concentração7.
3.5.2. Água
O conteúdo em água do mel pode variar de 15% a 21%, sendo normalmente
encontrados valores de 17%6 (tabela 1).
3.5.3. Ácidos orgânicos
O conteúdo ácido do mel está presente numa percentagem inferior a 0,5% dos
sólidos totais7. O ácido orgânico presente em maior quantidade é o ácido
glicónico3,5,6. A sua presença está relacionada com as reacções enzimáticas que
ocorrem no mel durante o processo de amadurecimento6, e tem a capacidade de
aumentar a absorção de cálcio7. Já em menor quantidade, podem-se encontrar
outros ácidos como os ácidos acético, butírico, fórmico, glicólico, láctico, maleíco,
málico, oxálico, pirúvico, succínico e o ácido tartárico, entre outros5,6. O teor em
ácidos orgânicos varia com a origem floral do mel8. Os ácidos orgânicos têm um
efeito pronunciado no sabor e, contribuem, adicionalmente, para as propriedades
anti-bacterianas do mel8.
9 3.5.4. Minerais
Os minerais estão presentes no mel em pequena percentagem, sendo que alguns
dos elementos químicos inorgânicos existentes são: o alumínio, boro, cálcio,
chumbo, cloro, cobre, enxofre, estanho, ferro, fósforo, iodo, magnésio, manganês,
nitrogénio, ósmio, potássio, rádio, silício, sódio, titânio e zinco6. Na tabela 2
encontra-se a composição em minerais do mel, de acordo com a sua cor, e a
dose diária recomendada para o Homem6. A cor do mel está directamente
relacionada com o conteúdo em minerais, assim como com a origem floral6.
Elementos (macro e micro) Cor Variação (ppm) Média (ppm) DDR (mg)
Clara 23-68 49 Cálcio Escura 5-266 51 800
Clara 23-50 35 Fósforo Escura 27-58 47 800
Clara 100-588 205 Potássio Escura 115-4733 1676 782
Clara 6-35 18 Sódio Escura 9-400 76 460
Clara 11-56 19 Magnésio Escura 7-126 35 350
Clara 23-75 52 Cloro Escura 48-201 113 (300-1200)
Clara 7-12 9 Dióxido de silício Escura 5-28 14 (21-46)
Clara 1,20-4,80 2,40 Ferro Escura 0,70-33,50 9,40 20
Clara 0,17-0,44 0,30 Manganês Escura 0,45-9,53 4,09 10
Clara 0,14-0,70 0,29 Cobre Escura 0,35-1,04 0,56 2
Clara 36-108 58 Enxofre Escura 56-126 100 -
Tabela 2 – Composição em minerais e dose diária recomendada (DDR), em méis claros e
escuros6.
10
3.5.5. Enzimas
As enzimas são dos componentes mais importantes do mel, porque por um lado
intervêm na passagem de néctar ou secreção a mel, e por outro têm um papel
importante na sua conservação7.
As principais enzimas do mel têm origem nas glândulas hipofaríngeas das
abelhas e existindo outras com origem nas plantas3 (tabelas 3 e 4).
Enzimas com origem nas glândulas hipofaríngeas das abelhas8
SACARASE (INVERTASE)
Converte a sacarose em glicose e frutose. É adicionada ao néctar
pelas abelhas como glico-invertase e fruto-invertase. As altas
temperaturas inactivam-na.
AMILASE (DIASTASE)
Quebra as cadeias de amido para produzir, aleatoriamente,
dextrina e maltose. Tem origem quer nas abelhas quer no pólen e
é adicionada durante a recolha do néctar. O seu teor no mel varia
com a origem floral. Longos períodos de armazenamento,
exposição prolongada a altas temperaturas e pH fora do intervalo
óptimo, inactivam-na ou reduzem a sua actividade.
GLICOSE OXIDASE
Produz ácido glucónico e peróxido de hidrogénio a partir da
glucose. O peróxido de hidrogénio contribui para a actividade
anti-bacteriana do mel.
Tabela 3 – Enzimas com origem nas glândulas hipofaríngeas das abelhas
Enzimas com origem na planta
CATALASE Encontrada em pequenas quantidades no mel, produz água e
oxigénio a partir do peróxido de hidrogénio, regulando a
actividade da glucose oxidase8.
FOSFATASE ÁCIDA
Remove os fosfatos inorgânicos dos compostos orgânicos com
fosfatos9.
AMILASE (DIASTASE)
Características idênticas às descritas para a amilase das
abelhas8.
Tabela 4 – Enzimas com origem na planta
11 3.5.6. Proteínas e aminoácidos
As proteínas presentes no mel têm duas origens, uma vegetal, oriunda do néctar
e pólen da planta, e uma outra animal, proveniente dos constituintes das
secreções das glândulas salivares das abelhas e de produtos recolhidos durante
a colheita do néctar ou maturação do mel6.
O teor do mel em a.a. (aminoácidos) é reduzido, mas em contrapartida, possui
cerca de 18 a.a. essenciais e não essenciais, o que o torna único nesse
aspecto5,8. O a.a. prolina é aquele que está presente em maior quantidade, 50-
85% do total de a.a. presentes, e tem origem nas abelhas aquando do início da
conversão do néctar em mel10. A concentração em prolina juntamente com o teor
em água, é utilizado como parâmetro de identificação da maturidade do mel6.
Outros a.a. presentes são a fenilalanina, a tirosina, e os ácidos glutâmico e
aspártico8. O conteúdo em a.a. do mel varia com a origem floral8.
3.5.7. Vitaminas
Em concentrações ínfimas, podemos encontrar no mel, vitaminas do complexo B:
B1, B2, B3, B5, B6, B8 e B9, vitamina C e vitamina D (tabela 5)6.
As vitaminas são facilmente assimiláveis pela associação com outras substâncias
como os hidratos de carbono, sais minerais, oligoelementos, ácidos orgânicos e
outros. A filtração do mel pode reduzir o conteúdo em vitaminas ao retirar parte do
pólen, que é o responsável pela presença das mesmas6.
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Vitaminas Unidade Quantidade em 100g de
mel DDR
A UI - 2800
B1 (Tiamina) mg 0,004-0,006 1,5
B2 (Riboflavina) mg 0,02-0,06 1,7
B3 (Niacina ou ácido
nicotínico) mg 0,11-0,36 20
B6 (Piridoxina) mg 0,008-0,32 2
B12 (Cobalamina) mg - 6
B9 (Ácido fólico) mg - 0,4
B5 (Ácido pantoténico) mg 0,02-0,11 10
B7 (Biotina) mg - 0,330
C UI 2,2-2,4 60
D UI - 400
E UI - 30
Tabela 5 – Conteúdo do mel em vitaminas e respectivas DDR6.
3.6. PROPRIEDADES ANTI-BACTERIANAS DO MEL
A identidade química, contribuição quantitativa e origem das substâncias anti-
bacterianas do mel permanece, em grande parte, desconhecida13 constituindo um
enigma para os investigadores14. Sabe-se apenas que, as suas propriedades
físicas como a osmolaridade6,15, acidez6,15 e viscosidade16, e as suas
propriedades químicas como o conteúdo em peróxido de hidrogénio6,15, e
fitoquímicos6,15, assim como uma série de outros compostos e factores,
contribuem para a sua actividade anti-bacteriana9.
13 3.6.1. Propriedades físicas do mel
3.6.1.1. Osmolaridade
O mel é uma solução super-saturada de açúcares (80%) em água (17%)6. A sua
elevada concentração em açúcares, exerce uma acção anti-bacteriana, devido ao
seu efeito osmótico8,13,16-21.
No entanto, é importante observar que, os ensaios conduzidos para o estudo da
actividade anti-bacteriana do mel realizam-se, geralmente, a concentrações em
que os açúcares são osmoticamente inactivos13 e que feridas infectadas com
Staphylococcus aureus são rapidamente esterilizadas por méis, com um nível
médio de actividade anti-bacteriana, diluídos por mais de 7-14 vezes para além do
ponto em que cessa o efeito osmótico exercido pela alta concentração de
açúcares18.
Da forte interacção das moléculas de açúcar com as moléculas de água resulta
uma reduzida actividade da água – aw, cerca de 0,562-0,6206,8,21, o que
impossibilita o desenvolvimento de alguns microrganismos, uma vez que, o
crescimento da maioria das espécies de bactérias, é totalmente inibido para
valores de 0,94-0,9922. Estes valores correspondem a soluções de mel (com aw
inicial de 0,6) de concentrações de 12% até 2% (v/v)17,22. A aw no mel, está
dependente, entre outros factores, do seu conteúdo em água, da sua origem floral
e da temperatura8.
Do ponto de vista organoléptico, o conteúdo em água do mel, é uma das
características mais importantes, influenciando directamente a sua viscosidade,
peso específico, maturidade, cristalização, palatabilidade e conservação6.
14
Apesar da legislação portuguesa permitir um valor máximo de 20% de água no
mel1, valores acima de 18% podem comprometer a sua qualidade final6. Em méis
com teor de água superior a 17,1% (hidratos de carbono inferiores a 83%,
temperatura de armazenamento superior a 11ºC, ou que não tenham sido sujeitos
a tratamento térmico9) poderá ocorrer fermentação pela acção de leveduras
osmofílicas, presentes na sua composição6,9.
O processo de fermentação poderá ocorrer com maior facilidade em méis
colhidos de favos em que os alvéolos não foram devidamente operculados, ou em
locais, em que a humidade relativa do ar é superior a 60%. Outros factores
associados ao processo de fermentação relacionam-se com a falta de assepsia
durante a extracção, manipulação, embalagem e acondicionamento em local
desapropriado. A própria centrifugação pode contribuir negativamente para a
qualidade do mel, ao pulverizá-lo em micro partículas, devido à formação de uma
maior área de superfície em relação ao volume, o que favorece a adsorção de
água. Se este processo ocorrer num local com humidade relativa alta, o teor de
água do mel aumenta6.
De forma a prevenir a fermentação, e atrasar a cristalização, o mel é submetido a
tratamento térmico23 com temperaturas que podem atingir os 77ºC9.
3.6.1.2. Acidez
O pH do mel situa-se entre os 3,2 e os 4,5, que é suficientemente baixo para inibir
o crescimento da maioria dos microrganismos, já que o seu pH óptimo de
crescimento é de 7,2-7,420,24. Os valores mínimos de pH, necessários para o
crescimento de algumas espécies de bactérias normalmente encontradas em
feridas infectadas estão resumidas na tabela 620.
15
Bactéria pHEscherichia coli 4,3
Salmonella sp. 4,0
Streptococcus pyogenes 4,5
Pseudomonas aeruginosa 4,4
Tabela 6 – Valores mínimos de pH necessário ao desenvolvimento bacteriano
Contudo, se o mel for diluído, especialmente pelos fluídos corporais, o seu pH
aumenta, o que o poderá tornar ineficaz na inibição do crescimento de
determinadas espécies de bactérias20. Existem no entanto, alguns méis com pH >
5, que também inibem o crescimento bacteriano (por exemplo, o mel de
castanheiro)13,14.
Nos trabalhos que realizou, Stefan Bogdanov observou, que a actividade anti-
bacteriana não-peróxida (devida a outros componentes do mel que não o
peróxido de hidrogénio) do mel, se correlaciona significativamente com a acidez
livre e total, isto é, com o seu conteúdo em ácidos, mas não com o seu pH, uma
vez que, a maior parte da actividade não-peróxida se encontra na fracção ácida.
Os ácidos estão contidos nos fermentos que as abelhas adicionam ao mel
durante a sua elaboração tendo, portanto, parte da actividade anti-bacteriana tem
origem na abelha13. Esta observação reflecte apenas a tendência geral, já que,
por exemplo, para o mel de manuka, 90% da sua actividade anti-bacteriana é
atribuída à fracção ácida, enquanto que para o mel de colza, é o grupo das
substâncias neutras o mais activo, e no mel de montanha suíço, o grupo das
substâncias básicas14.
16
3.6.1.3. Viscosidade
A elevada viscosidade do mel opõe-se às correntes de convecção o que limita a
dissolução e difusão do oxigénio8, constituindo assim uma barreira física à
penetração e colonização de bactérias22 e impedindo o desenvolvimento
microbiano25.
3.6.2. Propriedades químicas do mel
3.6.2.1. Peróxido de hidrogénio
O peróxido de hidrogénio é um poderoso agente oxidante22 e o principal
responsável pela actividade anti-bacteriana presente no mel 6,8,13,14,20,21,24,26,27,28.
Ele é produzido, contínua e lentamente21, pela enzima glicose oxidase quando o
mel é diluído15,19,24. Esta enzima é segregada pelas glândulas hipofaríngeas das
abelhas15 e adicionada ao néctar aquando da formação do mel14,25,27, com o
objectivo de protegê-lo da decomposição bacteriana3, até que o seu conteúdo em
açúcares seja suficientemente elevado para o fazer6. A enzima permanece quase
inactiva no mel puro, devido ao seu baixo pH24,29, mas quando ele é diluído, esta
enzima está activa e reage com a glicose, produzindo ácido glicónico e peróxido
de hidrogénio, como produtos finais8,14,15,18,19,21,24,29,30:
Glicose + H2O + O2 → ácido glicónico + H2O2
17 Uma outra enzima presente no mel, originária do pólen das flores, é a catalase6,15,
que regula a actividade da glicose oxidase3 ao eliminar o peróxido de hidrogénio
produzido5,14,15, conforme resumido na reacção:
2H2O2 → 2H2O +O2
3.6.2.2. Compostos fitoquímicos
A constatação da existência de outros factores anti-bacterianos para além do
peróxido de hidrogénio, deve-se ao facto de se ter verificado que a actividade
anti-bacteriana do mel persistia após o aquecimento (para inactivar a glucose
oxidase) ou mesmo após tratamento do mel com catalase (para remoção do
peróxido de hidrogénio)20.
Os fitoquímicos (substâncias com origem nas plantas) presentes no mel têm
como caracteristica comum a sua capacidade antioxidante8. Eles protegem os
tecidos da ferida dos potenciais danos provocados pelos radicais livres de
oxigénio que o peróxido de hidrogénio possa produzir8,24.
O principal grupo de antioxidantes do mel é o dos flavonóides5, dos quais se
destaca a pinocembrina, exclusiva do mel e propólis5,8. Outros agentes
antioxidantes são outros compostos fenólicos8, o ácido ascórbico, a catalase e o
selénio5,8.
A capacidade antioxidante do mel varia com a origem floral8 e está correlacionada
positivamente com a cor e conteúdo do mel em água8,27: méis escuros (a cor
escura reflecte, em parte, o conteúdo em pigmentos, como os carotenóides e os
flavonóides, a maior parte dos quais com propriedades antioxidantes27) com alto
teor em água possuem maior potencial antioxidante9.
18
No entanto, a quantidade de fitoquímicos presentes no mel é insignificante para
que, por si só, possa explicar o seu efeito anti-bacteriano20.
3.6.3. Outros factores
O baixo conteúdo em proteínas, a alta relação carbono-azoto, o reduzido
potencial redox (Eh), devido ao alto conteúdo em açúcares redutores, bem como
a presença de lisozima, terpenos, álcool benzílico, substâncias voláteis e de
outros agentes químicos, podem contribuir para a actividade anti-bacteriana do
mel9.
3.7 VARIAÇÕES NA ACTIVIDADE ANTI-BACTERIANA DO MEL
Um grande intervalo de valores de concentração mínima necessária para inibir o
crescimento bacteriano (MIC) no mel têm sido observados em estudos
comparativos de diferentes méis contra a mesma espécie de bactéria26,29, desde
50% a 1,5% (v/v), 25% a 0,25% (v/v) e 20% a 0,6% (v/v)18 (tabela 7). Tais
discrepâncias devem-se ao facto de não se ter em conta que diferentes méis
possuem diferentes actividades anti-bacterianas18,20. Enquanto que alguns méis
não são mais anti-bacterianos do que uma solução de açúcar26, outros há, que
podem ser diluídos por mais de cem vezes que continuam a impedir o
crescimento bacteriano21.
19
Bactéria
Concentração de mel para
acção bactericida (%
por vol.)
Concentração de mel para inibição COMPLETA do crescimento (%
por vol.)
Concentração de mel para
inibição PARCIAL do
crescimento (% por vol.)
Bacillus anthracis 2,5 1,3-100* - Bacillus subtilis [50] 10*-100* 5-25 Corynebacterium diphtheriae 5-17 2,5-25 - Escherichia coli 7,4-99 0,25*-100* 0,7-17 Haemophilus influenza - 10 - Klebsiella pneumoniae 15-20 10-100* 40 Mycobacterium tuberculosis 100 4,5 1,2 Streptococcus pyogenes 0,6 0,6-100* 0,7-10 Vibrio cholerae - 17-20 - * a concentração activa do mel é baixa devido ao facto de ter sido diluído, por difusão, no agar Tabela 7 – Concentrações de mel necessárias para inibição do crescimento de algumas espécies
de bactérias8.
As variações na actividade anti-bacteriana do mel devem-se à origem
floral8,16,18,24, ao método de processamento8,18,24, às condições de
armazenamento24 e à quantidade de peróxido de hidrogénio produzido16,20,24,31.
Os valores absolutos de peróxido de hidrogénio no mel, estão directamente
relacionados com os respectivos níveis de glicose oxidase e de catalase6,27.
Assim, a quantidade de peróxido de hidrogénio produzido será tanto maior,
quanto menor for a quantidade de catalase presente no mel, e maior for a
quantidade de glucose oxidase adicionada pelas abelhas ao mel15,30. Enquanto
que os níveis de catalase estão dependentes da origem e actividade da catalase
do pólen e quantidade de pólen recolhido pelas abelhas6,15, os níveis de glicose
oxidase são afectados pela temperatura14,26 e luminosidade8,14,24,28,32, daí que o
mel processado possua frequentemente baixa actividade anti-bacteriana26. Como
tal, o mel deverá ser conservado num local fresco (a temperatura óptima de
conservação é abaixo dos 11ºC33) e ao abrigo da luz14,28.
Mais importante que a presença de peróxido de hidrogénio no mel, é a presença,
em certos méis raros32, de agentes não peróxidos. Estes agentes são termo-
20
estáveis e não são afectados pela luminosidade13,14,19 ou duração do período de
armazenamento13,14. São eles os responsáveis pela actividade anti-bacteriana em
méis velhos, em que a glicose oxidase está inactiva e a quantidade de peróxido
de hidrogénio é insuficiente14 para inibir o crescimento bacteriano13. Tais
componentes possuem um efeito anti-bacteriano sinérgico com o peróxido de
hidrogénio, resultando numa combinação poderosa contra as infecções32.
Segundo certos investigadores, uns terão origem nas plantas e outros nas
abelhas14, não obstante, a origem destas substâncias permanece dúbia19.
3.8. POTENCIAL USO DO MEL COMO AGENTE ANTI-BACTERIANO
As propriedades físico-químicas do mel, não só contribuem para a sua actividade
anti-bacteriana, como também para o processo de cicatrização das feridas16,
oferecendo vantagens, quando aplicado em pensos, sobre elas.
Alguns dos seus principais efeitos são:
● Efeito humectante: a reduzida aw do mel levaria a supor que este secasse a
ferida, no entanto, a elevada pressão osmótica provoca a saída de linfa para os
tecidos16,17, providenciando um ambiente húmido à ferida, sem permitir o
desenvolvimento bacteriano, mesmo em feridas intensamente infectadas16,17.
Impede ainda que a ferida encerre à superfície sem que haja cicatrização nos
tecidos mais profundos16 e promove a formação de tecido de
granulação16,17,24,25,28;
21 ● É um meio bastante efectivo de tornar feridas, intensamente infectadas,
estéreis, sem os efeitos secundários dos antibióticos 16,17 (tabela 8);
Bactéria Infecção
Bacillus anthracis Antrax
Corynebacterium diphtheriae Difteria
Escherichia coli Septicemia, infecção de feridas, infecções
urinárias, diarreia
Haemophilus influenzae Meningite, sinusite, infecção do ouvido,
infecções respiratórias
Klebesiella pneumoniae Pneumonia
Listeria monocytogenes Meningite
Mycobacterium tuberculosis Tuberculose
Pasteurella multocida Mordidelas de animais
Proteus spp. Septicemia, infecção de feridas, infecções
urinárias
Pseudomonas aeruginosa Infecção de feridas, infecções urinárias
Salmonella spp. Diarreia
Salmonella cholerae-suis Septicemia
Salmonella thyphi Febre tifóide
Salmonella thyphimurium Infecção de feridas
Serratia marcescens Septicemia, infecção de feridas
Shigella spp. Disenteria
Staphylococcus aureus Infecção de feridas, abcessos, impetigo,
furúnculos, carbúnculos
Streptococcus faecalis Infecções urinárias
Streptococcus mutans Cárie dentária
Streptococcus pneumoniae Meningite, pneumonia, sinusite, infecção do
ouvido
Streptococcus pyogenes Infecção de feridas, impetigo, infecção do
ouvido, febre reumática, febre puerpural,
22
escarlatina, inflamação da garganta
Vibrio cholerae Cólera
Tabela 8 – Infecções causadas por bactérias sensíveis à actividade anti-bacteriana do mel8.
● É eficaz contra estirpes bacterianas antibiótico-resistentes, como MRSA,
VREC16,17,31, VRE e Acinetobacter baumarii31;
● As suas propriedades anti-bacterianas e a sua viscosidade constituem uma
barreira protectora contra infecções cruzadas16,17;
● Efeito desbridante: o mecanismo não é totalmente conhecido, pensa-se que
seja devido à reacção de Fenton, de qualquer forma, a desbridação química pelo
mel é efectiva, tornando desnecessário o desbridamento cirúrgico16,17,25 e o
desconforto (dor e anestesia) do paciente17;
● Penso não aderente: o mel cria uma película de líquido entre o tecido e o
penso, o que possibilita a mudança de penso sem dor, tornando o processo mais
confortável para o paciente, e sem remoção do tecido recém-formado17,31;
● Efeito anti-inflamatório: diminui a inflamação, o exsudado e o edema24, talvez
devido à presença de antioxidantes28,31. Nenhum mecanismo definitivo foi
identificado16;
● A acidez do mel previne o dano dos tecidos da ferida evitando a formação de
formas não iónicas e tóxicas de amónia pelo metabolismo bacteriano17,31.
23 Também promove a cicatrização ao aumentar a libertação de oxigénio da
hemoglobina, que é essencial para o crescimento de novos tecidos31. Um valor
médio de pH ácido pode ajudar a criar e a manter as condições óptimas para a
actividade dos fibroblastos (migração, proliferação e organização do colagéneo)16
e auxiliar a actividade dos macrófagos, uma vez que um pH ácido no interior do
vacúolo está envolvido na morte de bactérias17;
● Efeito nutritivo directo: o mel contém uma grande variedade de aminoácidos,
vitaminas e minerais que melhoram a nutrição local e promovem uma rápida
epitelização16,27,28,31. A composição nutritiva do mel (tabela 9), varia com a fonte
floral onde a abelha pasta3,8, podendo influenciar o seu valor nutricional8.
Valor nutricional Por colher de
sopa, em média (21 g)
Por 100 g, em média
Total de calorias (kilocalorias) 64 304 Total de gorduras 0 0 Gorduras saturadas 0 0 Colesterol 0 0 Sódio 0,60 mg 2,85 mg Total de carbohidratos 17 g 81 g Açúcares 16 g 76 g Fibra alimentar 0 0 Proteína 0,15 mg 0,70 mg Cinzas 0,04 g 0,20 g Vitaminas Tiamina <0,002 mg <0,0 I 0 rrig Riboflavina <0,06 mg <0,30 mg Niacina <0,06 rng <0,30 mg Biotina não disponível não disponível Acido pantoténico <0,05 mg <0,25 mg Vitamina B6 <0,005 mg <0,002 rng Folato <0,002 mg <0,010 mg Vitamina B12 não disponível não disponível Vitamina C 0,1 mg 0,5 mg
Vitamina A 0 0
24
Vitamina D 0 0 Vitamina E 0 0 Minerais , Cálcio 1,0mg 4,8 mg Ferro 0,05 mg 0,25 mg Zinco 0,03 mg 0,15 mg Potássio 11,0mg 50,0 mg Fósforo 1,0 mg 5,0mg Magnésio 0,4 mg 2,0mg Selénio 0,002 mg 0,010 mg Cobre 0,01 mg 0,05 mg Crómio 0,005 mg 0,020 mg Manganês 0,03 mg 0,5 mg
Tabela 9 - Composição nutricional do mel8.
● Fornece substratos à glicólise, principal mecanismo de produção de energia dos
macrófagos, o que lhes permite funcionar em tecidos lesionados, com exsudado,
em que o fornecimento de oxigénio é reduzido17;
● Estimula a actividade linfocítica e fagocítica: estudos recentes mostram que a
actividade de linfócitos T e B e actividade dos macrófagos, no sangue periférico, é
estimulada pelo mel em concentrações tão baixas como 0,1%. Em culturas
celulares, mel na concentração de 1% (v/v), estimula os monócitos para a
libertação de citocinas, TNFα, interleucinas 1 e 6 (IL1 e IL6) que activam a
resposta do sistema imunitário à infecção18;
● Estimula a angiogénese através da presença de peróxido de hidrogénio24,31;
● Tem um efeito desodorizante, devido, provavelmente, aos altos níveis de
glicose que é utilizada pelas bactérias22, em detrimento dos aminoácidos,
resultando na produção de ácido láctico em vez de compostos sulfurosos, amónia
e aminas, responsáveis pelo mau odor presentes nas feridas16,24,31;
25 ● Efeito cosmético: o mel reduz a formação do tecido cicatricial16,24,31 e minimiza a
necessidade de grafts16 de pele;
● Não é irritante: a libertação lenta, contínua e a um baixo nível de peróxido de
hidrogénio, quando o mel é diluído, não provoca dano nos tecidos16,
contrariamente ao que acontece com a água oxigenada31,34. Os efeitos nefastos
do peróxido de hidrogénio são reduzidos porque o mel sequestra e inactiva os
iões livres de ferro, que catalizam a formação de radicais livres de oxigénio, e
também porque possui antioxidantes que neutralizam esses mesmos radicais18;
● Não é tóxico, excepto quando obtido de fonte floral tóxica24;
● É auto-estéril, no entanto pode conter microrganismos provenientes das
abelhas, do solo e do ar, que são introduzidos durante a sua colheita ou
manuseamento posterior. Os principais microrganismos encontrados são
leveduras e esporos bacterianos. Como as bactéria não se multiplicam no mel, se
um grande número de formas vegetativas for observado, tal poderá indicar
contaminação por fonte secundária8. O mel pode conter esporos viáveis, como os
de Clostridium18,29, havendo o risco de desenvolvimento de botulismo17,24,26, isto,
apesar de nenhum dos relatórios sobre o uso clínico de mel em feridas abertas ter
usado mel estirilizado, e da sua aplicação nunca ter resultado qualquer tipo de
infecção9,17,26. De forma a eliminar os esporos de Clostridium, o mel para uso em
feridas é esterilizado por irradiação γ, sem perda da sua actividade anti-
bacteriana8,17,18,24,26,28.
26
● Pode ainda ser útil como primeiros socorros, num local remoto, em que se
possa desenvolver uma infecção até que sejam prestados cuidados médicos16,17.
Pode ser particularmente adequado nos primeiros socorros a queimados, em que
o arrefecimento da queimadura envolve muitas das vezes, o recurso a água
contaminada, o que conduz ao aparecimento de fortes infecções no tecido
traumatizado17;
● Sob aspecto económico, o uso de mel no tratamento de feridas é mais
vantajoso que o tratamento convencional17;
● Produto facilmente disponível e barato35.
Apesar das vantagens do uso do mel serem muitas, existem, no entanto, algumas
desvantagens:
● Torna-se mais fluído a altas temperaturas, o que significa que se poderá
liquefazer à temperatura do tecido da ferida16. O risco de liquefacção pode
restringir a sua aplicação a certos locais dos corpo16;
● Pode ocorrer inoculação de bactérias na ferida, em méis não esterilizados16;
● Existem pessoas que são alérgicas ao mel, mais precisamente a um pólen
específico18, ou às proteínas das abelhas17, apesar de ser um acontecimento
27 raro8,17,18. De forma a evitar este risco, o mel para uso terapêutico é filtrado,
removendo-se assim a maioria do pólen18;
● Se não for convenientemente filtrado, o mel pode conter partículas
contaminantes que podem, potencialmente, provocar granulomas quando
embebidas nas feridas29;
● Pode provocar toxicidade, se obtido de uma fonte floral tóxica24;
● Quando aplicado sobre grandes extensões, em pessoas diabéticas, existe o
risco, teórico, de elevar os níveis de glicose16,17;
● O mel pode causar desidratação da ferida, dor e sensação de queimadura24. A
sensação de queimadura é devida à acidez do mel, e ocorre logo a seguir à sua
aplicação, após neutralização da acidez a sensação desaparece18;
● Alguns pacientes consideram desconfortável a sensação de escorrimento ou
pingar16;
● Pensos de mel poderão atrair insectos, pelo que se poderá tornar necessário o
recursos a um penso secundário, para evitar que o mel pingue e o penso primário
seja exposto aos insectos. No entanto, esta situação raramente é observada17.
28
3.9. APLICAÇÃO DO MEL NO TRATAMENTO TÓPICO DE FERIDAS
Até que os componentes do mel com actividade anti-bacteriana, e os seus
respectivos mecanismos de acção sejam devidamente isolados e caracterizados,
a sua potência anti-bacteriana é o único critério válido para a sua selecção com o
objectivo da sua aplicação topica no tratamento de feridas26. Consequentemente,
todo o mel que se destine a este efeito deverá possuir actividade anti-bacteriana
padronizada22 e ser sujeito a testes laboratoriais que a certifiquem3,18, assim como
ser especificamente designado para esse efeito24. Méis com estas características,
bem como produtos que os contêm, estão comercialmente disponíveis na
Austrália e Nova Zelândia28.
- A actividade anti-bacteriana do mel nos tecidos mais profundos da ferida
será tanto maior, quanto maior for a actividade anti-bacteriana do mel à superfície
da ferida29;
- A cristalização da glicose é um processo natural que ocorre no mel, e está
relacionada com o seu conteúdo em água e com a presença de núcleos para o
crescimento de cristais9. Se for necessário fluidificar o mel, este pode ser
aquecido suavemente a 30-35ºC22;
- Aplicar o mel sobre uma compressa esterilizada, com a ajuda de uma
espátula esterilizada, e só depois aplicar a compressa sobre a ferida8,17,26,28,36, é
mais prático17,18, proporciona uma melhor cobertura da superfície da ferida17 e é
menos traumático para o paciente17,28. Estão disponíveis comercialmente,
29 compressas impregnadas com mel, que são a forma mais conveniente de aplicar
mel sobre a superfície da ferida26,36;
- Qualquer depressão ou cavidade existente numa ferida, necessita de ser
previamente, e abundantemente preenchida com mel antes de se aplicar o penso
de mel8,9,18,26 de forma a assegurar a completa difusão dos componentes anti-
bacterianos para o leito da ferida18,36. A melhor forma de o fazer é usar tubos com
mel, disponíveis comercialmente17,26 ou com uma seringa18. Para manter o mel
em contacto com este tipo de feridas, pode-se usar um penso de filme adesivo,
excepto se se tratar de feridas intensamente exsudativas18;
- Cobrir uniforme e abundantemente a totalidade da superfície da ferida28;
- Os pensos de mel deverão cobrir as margens da ferida e toda a área
envolvente que possua inflamação8,9,18,36;
- A quantidade de mel necessária para tratar uma ferida será tanto maior,
quanto maior a quantidade de exsudado produzida pela mesma8,17,18,26,36, e
quanto mais profundamente se localizar a infecção26. De um modo geral, deverão
ser aplicados 20 ml de mel por cada 10 cm2 de penso26,36;
- A frequência da muda do penso está dependente da rapidez com que o
mel é diluído pelo exsudado da ferida8,17,18,26,36. Normalmente, o penso é mudado
uma vez por dia, mas em feridas bastante exsudativas e infectadas, poderá
inicialmente ser necessário mudar três vezes ou mais por dia. À media que a
30
acção anti-bacteriana e anti-inflamatória do mel diminuem, a quantidade de
exsudado, e a frequência de mudança do penso irão diminuindo, podendo em
determinados casos, ser reduzida para cada 2 ou 3 dias. Se o penso aderir à
ferida, normalmente indica que será necessário ser mudado com maior
frequência26,36, ou que a quantidade de mel que está a ser utilizada, é
insuficiente37;
- Pensos oclusivos (à prova de água) ou pensos absorventes secundários
são necessários para prevenir o gotejamento do mel. Os pensos oclusivos são
melhores uma vez que mantém, de uma forma eficaz, o mel em contacto com a
ferida, enquanto que os absorventes, absorvem o mel para fora da ferida. Se não
for usado um penso adesivo ou oclusivo, podem ser utilizados adesivos ou
ligaduras de forma a manterem o penso no local36;
- Para úlceras de pele e feridas extensas é preferível usar ligaduras
impermeáveis37;
- Nas úlceras varicosas, usar ligaduras compressivas sobre o penso de
mel37;
- O processo de cicatrização poderá ser retardado em pacientes com
doenças subjacentes, como por exemplo a diabetes ou a deficiência na circulação
sanguínea37.
31 4. ANÁLISE CRÍTICA
A importância da discussão do uso do mel como coadjuvante no tratamento tópico
de feridas e como agente antibacteriano, surge como indispensável na conjuntura
actual face ao aparecimento de novas estripes de bactérias resistentes aos
antibióticos.
A avaliação dos méis produzidos em Portugal tem vindo a ser realizada numa
tentativa de descobrir um mel nacional com acção antibacteriana eficaz.
Esta descoberta possibilitaria reduzir os custos dos tratamentos, bem como torná-
los mais acessíveis à população, tratando-se dum bem de produção nacional e
consumo nacional e até internacional.
O uso do mel enquanto agente terapeutico natural pode ser questionado,
nomedamente no que concerne à segurança da sua utilização, devido às
contaminações possíveis durante todas as fases de produção, transformação e
distribuição. Este factor de elevado risco de contaminação constitui um dos
obstáculos à garantia de um mel seguro.
Surge assim uma necessidade incontornável e fulcral de aplicar sistemas de
controlo, desde a extracção do mel da colmeia até à etapa imediatamente antes
do consumo (distribuição e venda). Para tornar possível a aplicação eficiente e
expedita destes métodos de controlo, não se pode dissociar a grande relevância
de coadunar a sua aplicação com a formação dos apicultores, no sentido de
assimilarem conceitos e critérios de segurança na produção primária.
Se a actual falta de segurança (biológica, química e física) pode actuar em
detrimento do uso do mel enquanto profilaxia na medicina moderna, o
32
desenvolvimento de métodos eficazes de garantia de segurança podem levar a
sociedade moderna a equacionar o seu uso enquanto agente terapêutico. Este
passo não só seria um revitalizar de conhecimentos e aplicabilidades da medicina
tradicional, como traria ainda um valioso aliado no combate ao crescente número
de antibioresistências.
A investigação de processos de produção de mel cada vez mais eficazes e
seguros é hoje uma mais valia para o Homem, constituindo, indubitavelmente,
uma alternativa terapêutica e natural a considerar pela medicina moderna e pela
sociedade actual.
5. CONCLUSÕES
O mel, é sem sombra de dúvida, um excelente aliado no combate às infecções
bacterianas e limpeza das feridas, assim como para a formação de tecido de
granulação saudável, e a sua utilização deveria ser prática clínica comum, não só
de forma a evitar o abuso de antibióticos, mas também a título profiláctico, para
impedir o desenvolvimento de infecções em feridas potencialmente predispostas a
tal.
O mel a aplicar numa ferida deverá, idealmemente, possuir a actividade anti-
bacteriana padronizada, ser obtido por filtração e ter sido submetido a
esterilização por radiação γ. No mercado português ainda não estão disponíveis
méis com estas características, o que não impede a sua obtenção no mercado
internacional.
33 Caso se pretenda aplicar um mel, poder-se-á utilizar mel de origem biológica,
certificada por Organismos Privados de Controlo e Certificação, de forma a
assegurar a isenção de resíduos de substâncias estranhas. Estes méis poderão,
eventualmente, ser obtidos directamente no produtor, possuindo a vantagem de
não terem sido expostos à luz ou terem perdido a sua frescura. É também
importante reter que o mel deverá ser acondicionado num local fresco e ao abrigo
da luz, de forma a conservar as suas propriedades anti-bacterianas.
Em Portugal existem algumas áreas geográficas protegidas e parques naturais,
bem como méis com DOP. Estas duas condições em conjunto, são favoráveis
para a criação de méis de origem biológica certificada, com características muito
uniformes e específicas, o que permitiria estudá-los mantendo constantes uma
série de parâmetros. Existem, actualmente, apenas dois méis em Portugal com
estas características, apesar da crescente procura deste tipo de produtos.
34
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