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interdisciplinaridade, estética e ética

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  • SalvadorEditora Pontocom

    2013

    Desafios da prxis educadional:

    interdisciplinaridade, esttica e tica

    Cristina NovikoffMrian Paura S. Z. Grispun

    Robson Dutra(Organizao)

  • Copyright 2013 dos autores

    Direitos adquiridos para a publicao em

    formato eletrnico pela Editora Pontocom

    Editora PontocomSalvador - Bahia - Brasil

    Conselho Editorial

    Jos Carlos Sebe Bom MeihyMuniz Ferreira

    Pablo Iglesias MagalhesZeila de Brito Fabri Demartini

    Zilda Mrcia Grcoli Iokoi

    Coordeo Editorial

    Andr Gattaz

    Tambm disponvel em formatos ePub e Mobi

    no site www.editorapontocom.com.br

    D442

    Desafios da prxis educacional: interdisciplinaridade, esttica etica / Cristina Novikoff, Mrian Paura S. Z. Grispun, Robson Dutra,(organizao). Salvador : Editora Pontocom, 2013.278 p.: il. ; 21 cmISBN: 978-85-66048-30-8

    1. Educao. 2. Educao inclusiva. 3. Educao multicultural. 4.Integrao social. I. Novikoff, Cristina, org. II.Grispun, MrianPaura S. Z., org. III. Dutra, Robson, org.

    CDD 370.981

    Catalogao na Fonte / Ncleo deCoordenao de Bibliotecas Unigranrio

  • Sumrio

    ApresentaoCristina Novikoff

    Mrian Paura Sabrosa Zippin Grinspun

    Robson Dutra 9

    Literatura e ancestralidade:perspectivas interdisciplinares

    Robson Dutra 17

    A escravido negra e indgena segundo os Sermes:Padre Antnio Vieira

    Jos Carlos Sebe Bom Meihy 37

    Formao esttica docenteSnia Regina Mendes

    Nanci Cardim 57

    A potica libertria de Lrio de Rezende:arte e rebeldia

    Angela Maria Roberti Martins

    Vera Lucia Teixeira Kauss 69

    Interdisciplinaridade com canes deprotesto do perodo da ditadura militar

    Maria Aparecida Rocha Gouva 97

  • Formao humana/docente em temposde contradiscursos: tica ferida?

    Cristina Novikoff

    Otvio Barreiros Mithidieri

    Srgio Batista da Silva 115

    Festival de vdeos EmCurta: prticas interdisciplinares e alternativas da linguagem audiovisual no ensino superior

    Daniele Ribeiro Fortuna

    Dostoiewski Mariatt de Oliveira Champangnatte

    Lucy Deccache Moreira

    Protasio Ferreira e Castro 145

    tica, valores e educao:reflexes contemporneas

    Mrian Paura Sabrosa Zippin Grinspun

    Patricia Maneschy 173

    Das tradies africanas serenata de Conservatria:um projeto de extenso interdisciplinar

    Idemburgo Frazo

    Jaqueline Pinheiro Lima

    Jos Geraldo da Rocha 199

    A busca do sagrado na obscenidadepotica de Hilda Hilst

    Patricia Maria dos Santos Santana 219

    Cibercultura, educao e linguagem:interfaces interdisciplinares de formao humana

    Mrcio Luiz Corra Vilaa

    Renato da Silva 241

    Esttica e tica na formao de professores: o conceitode profisso e a profissionalizao no magistrio

    Cleonice Puggian 263

    66666

  • Nossa eterna homenagem

    ao amigo Robson

    Voc singular em perfeio

    Cuidou da palavra e a

    Palavra cuidadosa

    Se fez texto

    O texto cuidado

    Se fez livro

    O livro remexido

    Eclodir desejos

    Desejos de novas gentes de palavra.

    Todos os autores

    ROBSON LACERDA DUTRA4/NOV/1962 ~ 20/SET/2013

  • Apresentao

    Cristina Novikoff

    Mrian Paura S. Z. Grinspun

    Robson Dutra

    Pensar os Desafios da Prxis Educacional: interdisciplinaridade, estti-ca e tica representa a persistncia dos autores em difundir asdiscusses terico-epistemolgicas e metodolgicas do ensi-no, das artes e da cultura em prol da formao humana, susci-tadas no Curso de Mestrado em Letras e Cincias Humanas naUniversidade Prof. Jose de Souza Herdy UNIGRANRIO,do ano de 2010 vigente data.

    Neste sentido, a inteno continuar a difuso de estu-dos e pesquisas abordados na primeira verso da obra denomi-nada Desafios da prxis educacional promoo humana na contem-poraneidade de 2010, publicado sob o apoio da FAPERJ.Objetiva-se compartilhar diferentes vivncias na trajetria aca-dmica de docentes, como desafios das prxis educacionais emprol da interdisciplinaridade, da tica e da esttica que visam formao humana na contemporaneidade, dando visibilidades inquietaes dos professores frente pesquisa interinstitu-cional no Estado do Rio de Janeiro.

    A composio dos textos desta publicao mantm ocompromisso da difuso de estudos e pesquisas realizadas por

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    professores de diferentes Instituies de Ensino Superior quetm mantido dilogo com escolas pblicas no Estado do Riode Janeiro. Corrobora, assim, com com a troca de experinciasdos professores como docentes e pesquisadores em suas reastemticas, em construo de um dilogo interdisciplinar poreles experimentado.

    O escopo da obra rene um pouco da riqueza e da di-versidade das vivncias acadmicas de docentes atentos s ques-tes complexas e s diferentes perspectivas de construo doconhecimento interdisciplinar, ressaltando as dimenses est-ticas e ticas da produo cientfica, tecnolgica e artstica, al-ando voos pela arte, literatura e poesia traadas em uma lin-guagem acurada.

    Portanto, a obra pretende guardar coerncia na sua his-toricidade em relao ateno nas diferentes configuraesculturais dadas em espaos e tempos das seguintes temticas:etnia, gnero, transformaes urbanas e tecnolgicas, incluso,memria, formao humana, formao docente, e o papel daeducao, da esttica e da tica na promoo humana. Todasas propostas temticas so tecidas na diversidade no cotidiano,como um desafio prxis educacional frente a produo inter-disciplinar tica e esttica.

    Abrimos a obra com o belo e interessante trabalho so-bre a literatura afrodescendente, intitulado Literatura e ancestra-lidade: perspectivas interdisciplinares, de Robson Dutra, que nosbrinda com rica elucidao sobre os temas da literatura brasi-leira que oscilam recorrentemente em torno de conceitos comoos de raa e cor, visto que essa tem sido uma temtica polmi-ca e polissmica, para a qual contribuem fatores de diversasordens no apenas literrias, mas da prpria histria de nossopas. Discute um conjunto de variveis com que se pode ler aliteratura afrodescendente, cujo escopo procura viabilizar umaconstruo identitria no sentido em que a questo das identi-dades trabalhada mais pelo pensamento contemporneo do

    ApresentaoApresentaoApresentaoApresentaoApresentaoDUTRA, R.; GRISPUN, M.P.S.Z.; NOVIKOFF, C.

  • interdisciplinaridade, esttica e tica1111111111Desafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacional

    que nas esferas de uma descendncia racial e biolgica. De-monstra que se, a princpio, houve uma tendncia de se pensara nao atravs de conceitos como integralidade e unificao,vozes dissonantes tm, sistematicamente, se levantado, mos-trando, como enuncia Roger Bastide (1943), que a inexistnciade diferenas nos trabalhos de brasileiros brancos e de cor nopassa de uma falsa aparncia que, na verdade, dissimula con-trastes do que ocorre na realidade.

    A riqueza da cultura brasileira entrelaada por JosCarlos Sebe Bom Meihy em seu texto apresentado na AulaInaugural da disciplina Histria Ibrica, na USP. Com o insti-gante ttulo A escravido negra e indgena segundo os Sermes: PadreAntnio Vieira, Meihy retoma uma obra-prima do jesuta Ant-nio Vieira e a desvela como obra que mesmo vista trezentosanos depois de sua morte, ainda se apresenta como esfingfi-ca. O autor promove uma leitura histrica da obra do jesutaacompanhando a experincia vivencial de Vieira, que tevemuitos de seus escritos pautados por preocupaes imediatas.O texto encanta tanto pela novidade ressuscitada como pelaexibio de uma narrativa, que encerra o valor esttico e ticoda argumentao sobre o outro. A simplicidade e a fecundainteligncia do autor que reconhece e nos faz reconhecer ovalor da obra de Vieira, nos traz fluidamente os estudos religi-osos, scio-polticos, econmicos e culturais derivados da re-flexo de escritos.

    No ensaio de Snia Regina Mendes e Nanci Cardim,que tem por ttulo Formao Esttica Docente, encontramos ocaminho da fico literria para discorrer sobre a didtica, con-catenando inmeros textos a que se recorre para entender eperceber a formao docente. Trata-se de um experimento inau-gural de uma pesquisa qualitativa naturalista e expressa umareflexo acerca da formao docente atravs do que podera-mos chamar de percepo esttica. O mesmo no tem o objeti-vo de esclarecer, provar ou propor qualquer nova teoria, tese

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    ou conceito. Prope-se to somente buscar compreender asaes que integram e se materializam na formao da prticadocente e refletir sobre as percepes sensrias, particulares esolitrias e, consequentemente, oferecer subsdios para estimularnovas reflexes no mbito da sociedade lquida e globalizadaem que se efetiva a formao e prxis docente. fcil apreen-der neste texto, para alm dos conceitos, o valor das sensaesque colocam em confronto as certezas pessoais e sociais, ter-reno frtil para as aes intencionais do processo educativo.

    No texto de Angela Maria Roberti Martins e VeraLucia Teixeira Kauss, grafado como A potica libertria de L-rio de Rezende: arte e rebeldia, encontra-se o desdobramento deuma pesquisa sobre a potica libertria que vem sendo realiza-da no mbito do Programa de Ps-Graduao em Letras eCincias Humanas da UNIGRANRIO. Sua principal finalida-de problematizar alguns dos poemas libertrios escritos epublicados pelo poeta-militante Lrio de Rezende, no Rio deJaneiro, no incio do sculo XX, de modo a refletir sobre oiderio anarquista em prol da revoluo, contribuindo para acompreenso do ambiente poltico e da atmosfera cultural doperodo em que os anarquistas agiam e interagiam enquantosujeitos histricos.

    Maria Aparecida Rocha Gouva, em Interdisciplinari-dade com canes de protesto do perodo da ditadura militar, dis-cute a arte, em especial a msica oposicionista ao perodo daditadura militar no Brasil 1964 a 1985. Na poca, o ofcio decompor constitua-se na preocupao de combinar formas dedenncia e de preservao de face, j que muitos compositoreseram alvos da censura e sofriam perseguio. Para isso, eranecessrio utilizar estratgias discursivas que funcionassemcomo registro dessa realidade e, ao mesmo tempo, proteges-sem os compositores da perseguio militar. Amparado porteorias lingustico-discursivas, principalmente pelos estudos daAnlise do Discurso de Maingueneau e Charaudeau e da Anlise

    ApresentaoApresentaoApresentaoApresentaoApresentaoDUTRA, R.; GRISPUN, M.P.S.Z.; NOVIKOFF, C.

  • interdisciplinaridade, esttica e tica1313131313Desafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacional

    Crtica do Discurso, de Van Dijk, este artigo demonstra comoos professores de Lngua Portuguesa, Arte e Histria podemtrabalhar a interdisciplinaridade em sala de aula, produzindoconhecimentos com os alunos, de forma a compreender que alngua sempre est a servio da sociedade, construindo suaidentidade. Trata-se de uma pesquisa bibliogrfica, com suges-tes de atividades didticas, elaborada atravs da utilizao decanes do perodo da ditadura militar para um trabalho inter-disciplinar.

    Outro texto inaugurado na presente obra, intitulado For-mao humana/docente em tempos de contradiscursos: tica ferida?, oriundo do Laboratrio de Estudos e Pesquisas LAGERES,com apoio do CNPq. Neste, os autores de trs instituiesdistintas, Cristina Novikoff, Otvio Barreiros Mithidieri eSrgio Batista da Silva, contribuem terica e metodologica-mente com a formao humana articulada na do docente. Ini-cialmente, trazem tona alguns conceitos de / ou sobre tica einterdisciplinaridade para argumentar a respeito da complexa,trabalhosa e nova realidade do professor que foi formado naperspectiva do conhecimento ou cincia disciplinar e passa aatuar em programas de ps-graduao stricto sensu interdiscipli-nares assentados na grande rea multidisciplinar. Metodologi-camente demonstram um caminho possvel para produzir tex-tualmente e interdisciplinarmente, sinalizando a tica engajadano bem enquanto prazer intelectual, mesmo sob a presso datica contratualista vigente na profisso docente.

    O artigo Festival de Vdeos EmCurta Prticas interdisci-plinares e alternativas da linguagem audiovisual no Ensino Superiorrelata a experincia do grupo de autores composto por DanieleRibeiro Fortuna, Dostoiewski Mariatt, Lucy Deccache

    Moreira e Protasio Ferreira e Castro frente a um projeto decinema que coloca em prtica a tarefa de estimular os alunosa irem alm da sala de aula. Os autores, docentes do cursode Comunicao Social, em parceria com o de Engenharia,

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    desenvolvem este projeto interdisciplinar que estimula os estu-dantes a aplicar na prtica o contedo aprendido sobre o con-texto cinematogrfico brasileiro atual. Alm disso, o trabalhoanalisa o impacto das produes veiculadas e impresses dosseus participantes por meio da coleta de dados empricos emobservaes, questionrios fechados e entrevistas no-estrutu-radas. Discutem-se, ainda, as prticas pedaggicas e interdisci-plinares implicadas no festival EmCurta.

    Em tica, valores e educao: reflexes contemporneas, MrianPaura S. Z. Grinspun e Patricia Maneschy discutem a edu-cao enquanto uma prtica social incorporada de aspectos datica, da moral e dos valores, tanto na formao de conceitos,como nos prprios embasamentos tericos necessrios com-preenso daquela prtica. Apresentam a reflexo sobre essesconceitos que hoje se desenham na contemporaneidade. De-monstram que por ser uma prxis humana, a educao inclui-se na esfera de competncia da normatividade tica. Resgatamo aluno, como indivduo/ser dotado de entendimento, vonta-de, sentimentos e paixes inter-relacionados aos aspectos cog-nitivos e afetivos. E, na narrativa filosfica, trazem a educaocomo lugar comprometido com a formao do indivduo emtodos os sentidos. Portanto, faz parte de seu funcionamento ainter-relao com todos os segmentos da sociedade, em deter-minado momento histrico.

    Em Das tradies africanas serenata de Conservatria: um pro-jeto de extenso interdisciplinar, de Idemburgo Frazo, Jaqueli-ne Pinheiro e Jos Geraldo da Rocha, remontada a traje-tria de pesquisa do projeto Estudo das relaes dasrepresentaes sociais das manifestaes musicais com o coti-diano de Conservatria, Ipiabas e Regio. O projeto, comapoio da FAPERJ, possibilita algumas das reflexes resultan-tes de um grande exerccio de ao e interlocuo interdiscipli-nar e d nfase a questes relativas serenata de Conservat-ria evento que, ao longo de dcadas, tem encantado centenas

    ApresentaoApresentaoApresentaoApresentaoApresentaoDUTRA, R.; GRISPUN, M.P.S.Z.; NOVIKOFF, C.

  • interdisciplinaridade, esttica e tica1515151515Desafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacional

    pessoas na maioria idosos refletindo sobre a importnciada memria como mecanismo de ao cultural, ou comorecurso, para lembrar dos estudos de George Yudice. O eixodas discusses aqui implementadas est centrado nas reflexessobre o desenvolvimento social e econmico de uma regioque no passado teve como principal atividade econmica a pro-duo do caf e que hoje tem o turismo como importante fon-te de arrecadao.

    A obra Do Desejo desvelada por Patricia Maria dosSantos Santana em seu texto A busca do sagrado na obscenidadepotica de Hilda Hilst. Nesse captulo, Patricia discorre sobre essapoesia ertica e o vnculo ntimo da autora com o sagrado,salientando a busca divina de Hilst como fator essencial emseu processo de criao. Permite estudar esteticamente a ques-to de gnero na sociedade brasileira, representando a formaem que a mulher da sua poca procurava mostrar o seu pensa-mento e ser vista como ser social independente. Dessa inco-municabilidade existente, uma vez que no mais estamos tran-sitando em uma era mtica em que ocorria livremente acomunicao entre deuses e homens, cria-se uma ertica pro-fana e desesperada, fruto de um dilogo que no se concretiza,gerando uma espcie de monlogo enraivecido. Em termosticos, a obra prope a questo do feminino e da erotizaocomo caminhos possveis para se construir uma nova viso damulher no seio da sociedade brasileira.

    Mrcio Luiz Corra Vilaa e Renato da Silva em Ci-bercultura, Educao e Linguagem: interfaces interdisciplinares de forma-o humana, apresentam a anlise histrica do processo de de-senvolvimento da sociedade da informao, revelando questescomplexas e importantes a serem enfrentadas no contexto atual.Propem importantes reflexes sobre alguns desdobramentosque viabilizaram a criao de uma cibercultura, espao quepromoveu e promove transformaes significativas no mbitoeducacional e na comunicao humana. No texto possvel

  • observar as interfaces que nos motivam a questionar se as pos-sibilidades virtuais de Formao Humana so instrumentos reaisde aprendizagem coletiva que provm o homem e a sociedade.

    Esttica e tica na formao de professores: o conceito de profissoe a profissionalizao no magistrio, de Cleonice Puggian, resgataa historicidade da discusso sobre a profissionalizao docen-te. Enfatiza tanto os campos acadmicos como as graduais con-quistas nas esferas polticas, como a incluso no Plano Nacio-nal de Educao (2011-2020) da meta de assegurar, no prazode dois anos, a existncia de planos de carreira para os profis-sionais do magistrio em todos os sistemas de ensino. Um pontointeressante abordado nos estudos sobre profissionalizaorefere-se s possibilidades e limites da aplicao do conceitode profisso ao trabalho docente. Neste texto, a autora abordae explica o conceito de profisso e socializao profissionalcom base na sociologia das profisses; o processo de socializa-o profissional de professores e esta frente as novas polticasde formao e avaliao do trabalho docente implementadaspelo Ministrio da Educao.

    ApresentaoApresentaoApresentaoApresentaoApresentaoDUTRA, R.; GRISPUN, M.P.S.Z.; NOVIKOFF, C.

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  • Literatura e ancestralidade:perspectivas interdisciplinares

    Robson Dutra

    Toda a fico literria inevitavelmentehistrica.Jos Saramago

    Temas da literatura brasileira oscilam recorrentemente em tor-no a conceitos como os de raa e cor, visto que essa tem sidouma temtica polmica e polissmica, para a qual contribuemfatores de diversas ordens no apenas literrias, mas da prpriahistria de nosso pas. Se, a princpio, houve uma tendncia dese pensar a nao atravs de conceitos como integralidade eunificao, vozes dissonantes tm, sistematicamente, se levan-tado, mostrando, como enuncia Roger Bastide (1943), que ainexistncia de diferenas nos trabalhos de brasileiros brancose de cor no passa de uma falsa aparncia que, na verdade,dissimula contrastes do que ocorre na realidade.

    Numa perspectiva mais abrangente, qual concorremelementos no apenas da Literatura e da Histria, mas das pr-prias Cincias Humanas no que tange discusso sobre nao,nacionalismo, colonialismo e ps-colonialismo, por exemplo,lemos em Aijaz Ahmad (2002, p. 13) que:

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    [...] as narrativas de classe e nao, colnia e im-prio foram reunidas primordialmente em termosdo marxismo e do nacionalismo anti-imperialistade esquerda at aproximadamente o incio dadcada de 1970; quando a ascendncia do ps-modernismo comea nos centros, o nacionalis-mo de todas as espcies de nacionalismo entraem disputas terrveis, a poltica de identidade e aideia de classe como um assunto histrico co-mea a ser descartada com desprezo como, nafamosa expresso de Lyotard, simplesmenteuma metanarrativa de progresso.

    Para alm disso, Ahmad discorre sobre textos influentesem momentos histricos e literrios especficos e que conti-nuam a s-lo em muitos aspectos , pois atravs deles pode-sebuscar explicaes sobre algumas ideias-chave, bem como ascondies histricas de sua produo e divulgao. Para defi-nir alguns desses momentos e contextos foi cunhada uma ter-minologia nem sempre adequada, como o caso da denomi-nao Terceiro Mundo. Ahmad ressalta que, muito emboratenha sido utilizado na Amrica do Sul, na sia e na frica, otermo foi usado inicialmente na Frana para referenciar osEstados-nao asiticos e africanos que surgiram na descolo-nizao. Assim, o vis poltico que o caracterizou inicialmentepassou, a partir de 1960, a ser considerado como categoriacultural. Tal mudana surgiu em um contexto acadmico nor-te-americano que vivenciou radicalismos polticos, que, umavez sanados, resultaram numa ideologia que considera a cultu-ra no como um aspecto de organizao e comunicao social,mas como uma instncia determinante, denominada cultura-lismo. Com efeito, como prope Ahmad, cada nao cons-tituda de aglomerados de contestao ideolgica e cultural e,por isso, impossvel de ser plenamente definida.

    Literatura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeDUTRA, Robson

  • interdisciplinaridade, esttica e tica1919191919Desafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacional

    Se transpusermos essa concepo literatura afro-brasi-leira, veremos que ela retoma o questionamento feito por Bas-tide da ideia de identidade una e coesa, bem como da falibilida-de dos mecanismos crtico-tericos dos diversos manuais deliteratura produzidos no pas. O ponto comum a ser percebi-do, muito provavelmente, a constatao de vazios e omissesque exacerbam o silenciamento de muitas vozes oriundas dasmargens do tecido social, fato que decorre do conceito equi-vocado de Jameson tal qual criticado por Ahmad de que ostextos do Terceiro Mundo devem ser lidos como alegorias na-cionais, mesmo quando, ou talvez eu devesse dizer particular-mente quando suas formas se desenvolvem a partir de maqui-narias de representao predominantemente ocidentais, taiscomo o romance (JAMESON, apud AHMAD, 2002, p. 96).Ahmad rejeita essa ideia, bem como a noo de que o naciona-lismo a resposta definitiva para o que Jameson denominacultura ps-moderna norte-americana (Idem, p. 232). Ao con-trrio, defende uma ideologia especfica qual todos os nacio-nalismos inevitavelmente se articulam, uma vez que seu con-tedo determinado pelos agentes sociais que dela se apoderame mobilizam seus poderes no processo de luta pela hegemoniana esfera poltico-cultural a partir de conjunturas histricas es-pecficas. Para ele, o pensamento deve ser voltado para a ideiade cultura comum, no sentido de cultura das pessoas comuns;de que se deve retomar a ideia de que o objeto dos estudosculturais deve ser no a cultura simplesmente, mas a culturacomo sistema de comunicao que produz sentidos determi-nados que, efetivamente, transformam vidas reais.

    Esses pressupostos adquirem novos contornos quan-do associados etimologia da palavra esttica (que em gre-go significa percepo, sensao), cujo sentido tambmnorteia esse texto, posto que temos a um ramo de estudoscentrado nas variaes de beleza e na sua imaterialidade quantoaos fundamentos da arte. A acepo que aqui adotamos advm

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    do conceito hegeliano que preconiza a expressividade dessebelo a partir da espiritualidade da arte e da imaginao do su-jeito, relegando a beleza natural da concepo clssica a segun-do plano. Tem-se, ento, uma definio ao nvel da cincia,conferindo esttica um vis filosfico. Mais do que isso, atra-vs de suas proposies, Hegel aborda o mundo fsico con-creto em que a humanidade, de uma maneira evolutiva, fazcom que o esprito tome conscincia maior de si mesmo e desuas potencialidades.

    Todavia, mesmo diante da mudana dos tempos e dasvontades proposta por Cames, no se pode dizer que a con-cepo hegeliana tenha sido alcanada, ainda, pela literaturaafro-brasileira. Ao contrrio, a produo desses autores ao longode tempos de incessantes restries varia desde a prpria pu-blicao de livros, sua distribuio e absoro e, sobretudo, deuma crtica literria eficaz que faz com que ocorra o apaga-mento deliberado de vnculos autorais e marcas identitriasdessa letra. Uma das possveis razes , mais uma vez reto-mando Bastide e Ahmad, a falsa noo de unidade da culturabrasileira e o modo equivocado como esses textos vm sendoacolhidos, sobretudo sob influxos de uma forte miscigenaoque estilhaa a trajetria esse segmento da populao.

    Com efeito, desde o perodo colonial, o trabalho afro-descendente se estende aos diversos campos da atividade arts-tica de nossa histria sem, contudo, como ressaltam Rabassa(1965), Sayers (1958) e Brookshaw (1986) obter reconhecimentosimilar produo hegemnica. Desde os textos basilares deMaria Firmina dos Reis, primeira afrodescendente a publicarum romance no Brasil, rsula (So Luiz do Maranho, 1859),ainda que com o pseudnimo Uma maranhense; de LuizGama com as Trovas publicadas no mesmo ano; Carolina Ma-ria de Jesus, Lino Guedes, Eduardo de Oliveira, Oswaldo Ca-margo, muitos nomes ainda vivem numa penumbra crtico-terica, apesar de sua qualidade.

    Literatura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeDUTRA, Robson

  • interdisciplinaridade, esttica e tica2121212121Desafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacional

    Uma razo para tanto a contradiscursividade contidaneles, que, a despeito do cnone, unnime em exacerbar a di-versidade, mostrando a perverso de um sistema que cerceia oOutro. Por isso, atravs de pontos que margeiam o passado edesembocam no presente, o dilogo mediado pelos estudos in-terdisciplinares, sobretudo entre a Literatura, a Histria e demaisCincias Humanas, viabiliza uma viso do contexto em que fo-ram produzidos, cabendo densa teia dialgica suscitada recons-tituir traos que nos fazem conhecer pontos essenciais do que evidenciado pelos escritores ao longo dos mais diversos temposhistricos. ela que nos habilita perceber, por exemplo, que

    [...] a europeizao cultural foi a expresso mxi-ma da cultura ocidental, tendo implcito o con-ceito de difuso e imperialismo cultural com aimposio dos seus traos tcnicos e no mate-riais aos diversos povos da terra. Mas comoeuropeizar significa um aspecto particular daaculturao, reservaremos ao seu estudo um tra-tamento especial, visando compreenso dosresultados do contato das culturas europeias noBrasil. Uma das caractersticas da chamada civi-lizao ocidental a difuso. O fenmeno mi-gratrio foi em sido, verdade, a regra em quasetodos os povos da terra, nesta ou naquela fase dasua Histria (RAMOS, 1975, p. 35-36).

    Muito embora Artur Ramos se refira especificamente aosculo XIX, percebe-se que a mescla de tempos em que opreto de Lisboa joga cartas com uma preta baiana (Idem, p.59) se perpetua na contemporaneidade, mostrando as amarrasde uma sociedade ainda com forte vis colonial que os con-templa. Tal permanncia une passado e presente, mostrando,como afirma Bhabha (2007, p. 11), que:

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    [...] o objetivo do discurso colonial era apresen-tar o colonizado como uma populao de tiposdegenerados com base na origem racial de modoa justificar a conquista e estabelecer sistemas deadministrao e instruo. Apesar do jogo depoder no interior do discurso colonial e dasposicionalidades deslizantes de seus sujeitos (porexemplo, efeitos de classe, gnero, ideologia, for-maes sociais diferentes, sistemas diversos decolonizao, e assim por diante), estou me refe-rindo a uma forma de governabilidade que, aodelimitar uma nao sujeita, apropria, dirige edomina suas vrias esferas de atividade.

    Essa estrutura deslizante, contudo, no faz calar o su-jeito dominado, tanto que tem havido esforos concentrados,apesar de tnues, em fazer com que, a contrapelo da hist-ria, outras vozes sejam ouvidas passando, no obstante suasorigens, a migrar em direo ao cnone para, a partir da, assu-mirem novos focos enunciativos.

    Esse o caso ainda que segundo restries dos especia-listas dos Cadernos Negros, srie publicada anualmente em SoPaulo desde 1978 que, entretanto, tem sua circulao fora dogrande mercado editorial e com foco voltado para escritorescontemporneos nem sempre bem acolhidos. Isso faz com quepermanea intacto o processo de obliterao de autores afro-brasileiros do passado e, consequentemente, fatos importantesda histria.

    Assim, a primeira grande exceo nesse contexto Ma-chado de Assis que, segundo diversos crticos literrios, ocupaa posio pioneira de introdutor da perspectiva problemati-zadora do mundo radicalmente crtica e reflexiva que predo-mina na literatura contempornea. Isso porque o escritor, naesteira do pensamento de Lukcs, d-se conta das incongruncias

    Literatura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeLiteratura e ancestralidadeDUTRA, Robson

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    de um mundo esfacelado e degradado que caracteriza o s-culo XIX (LUCKCS, 1992, p. 63). Isso se d quando o escri-tor percebe questes que envolvem no apenas negros e mes-tios em relao ao pertencimento cultural num meio urbanoefervescente.

    Do mesmo modo, Marta de Senna reconhece que naliteratura brasileira no h romances to visceralmente cita-dinos como os do escritor, at porque a voga romnticaimediatamente anterior tendia a privilegiar o campo, na recusadeliberada da civilizao (SENNA, 1998, p. 84). Assim, lidan-do com as incongruncias do ser humano, bem como teste-munhando os momentos que resultaram na Lei urea, sua obraevidencia a opresso, ressaltando, com a ironia que lhe ine-rente, os desvos da Histria. Em crnica publicada na Gaze-ta de Notcias, em 19 de maio de 1888, por exemplo, l-se oseguinte:

    No golpe do meio (coupe du milieu, mas eu prefirofalar a minha lngua), levantei-me eu a taa dechampanhe e declarei que acompanhando as idei-as pregadas por Cristo, h dezoito sculos resti-tua a liberdade ao meu escravo Pancrcio; queentendia a que a nao inteira devia acompanharas mesmas ideias e imitar o meu exemplo; final-mente, que a liberdade era um dom de Deus, queos homens no podiam roubar sem pecado. (AS-SIS, 2007, p. 51)

    O apreo liberdade e o carter cristo da libertao,entretanto, no duram muito no texto, cuja fala relativa ao se-nhor composta por uma srie de expresses em latim e fran-cs, tanto para caracterizar a sociedade da poca quanto paramarcar as desigualdades sociais. Assim, Pancrcio, o escravoliberto, sem opes mo, tem como nica soluo permanecer

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    na casa do antigo patro e, em gesto de desmedido, entra nasala como furaco e joga-se aos ps do patro em agradeci-mento. A sucesso de brindes e louvores pseudogenerosida-de refora o carter irnico do texto veiculado, por exemplo,no retrato a leo a ser pintado como pagamento para tal ato.Todavia, a sacralidade do ato rompida quando

    [...] Pancrcio aceitou tudo; aceitou at um pete-leco que lhe dei no dia seguinte, por me no es-covar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas euexpliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulsonatural, no podia anular o direito civil adquiridopor um ttulo que lhe dei. Ele continuava livre,eu de mau humor; eram dois estados naturais,quase divinos. (ASSIS, 2007, p. 51)

    Como se pode perceber, o processo de libertao dosescravos e sua incluso social so permeados por lacunas esilncios que expressam uma proposta esvaziada de constru-o verbal. Se a memria foi perpetuada atravs da fala e doregistro de narrativas, essas no foram totalmente veiculadaspela letra, dado o processo de marginalizao de seus descen-dentes, bem como, tal qual mencionado anteriormente, a ine-xistncia de condies que garantissem a publicao e veicula-o desses dados. Tal questo posta por Bhabha ao indagar

    [...] como encenada a agncia histrica na exi-guidade da narrativa? De que forma histori-cizamos o acontecimento dos desistoricizados?Se, como se diz, o passado um pas estrangeiro,o que significa ento ir ao encontro e um passa-do que o seu prprio, mas reterritorializado, oumesmo aterrorizado por outro? (BHABHA,2007, p. 275)

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    A resposta que buscamos para isso, entre algumas res-postas possveis ao longo do sculo XX, mais uma vez com-posta de vazios, desmembramentos e deslocamentos que,ainda no dizer de Bhabha (2007, p. 73), no permitem sua totalexpresso. Se pensarmos a questo legal, a partir do dia 13 deMaio de 1888, vamos encontrar, mais de cem anos depois, umoutro momento em que a lei tenta tomar a dianteira no proces-so de incluso e socializao que tenta refazer o novelo defios esgarados pela Histria, procurando alinhavar temposdistintos (FAZENDA, 2010, p. 67), ou ainda, como mostraMassaud Moiss (1997, p. 287) conhecer o homem no seueu subterrneo e procurar enriquecer o leitor com o espet-culo de suas mazelas.

    As dezenas de dcadas que separam essas duas leis soeficazes em mostrar muito mais permanncias que transfor-maes, sobretudo porque as diretrizes polticas no represen-tam, necessariamente, um processo que vem de dentro parafora, que leve em considerao a incluso e a eliminao debarreiras que cerceiam os diversos pontos de que a literaturaafro-brasileira carece.

    No entanto, uma voz eficaz em elucidar esse panorama a de Conceio Evaristo, escritora afrodescendente que atra-vs de sua escrita e de um comprometimento poltico tem ilu-minado alguns desses desvos. Em seu romance inaugural, Pon-ci Vicncio, a autora narra densa e concisamente a vida dapersonagem-ttulo, oriunda do meio rural e estigmatizada pelosobrenome proveniente do dono da fazenda em que seus ante-passados foram escravizados, num modo alegrico de referen-ciar os ferros quentes com que eram marcados e no romanceatuam como lmina afiada a torturar-lhe o corpo (EVARIS-TO, 2005, p. 11).

    A subalternidade imposta a escravos como Pancrcio e seusancestrais perpetuada no presente que o texto enuncia atra-vs de uma total ausncia entre os descendentes dos requisitos

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    essenciais de cidadania e enraizamento identitrio. Assim, aspropostas de integrao do negro, assinaladas textualmentepelos ttulos de posse de terra que o patriarca Vicncio conce-deu aos antigos escravos, mas que foram confiscados por seusherdeiros, revelam o grande abismo que a Lei urea suscitouno desenrolar da histria. Por isso, o percurso de Ponci marcado por vazios seculares e derrotas, desde a infncia fase adulta, atravs de perdas como a de sua me, do irmo queparte para a cidade, dos sete filhos que enterra e do casamentomarcado por dores e agresses fsicas.

    Contudo, Ponci apresentada como legtima herdeirado av que, num aparente acesso de loucura, assassinara mu-lher e alguns dos filhos ao dar-se conta de que, apesar da pro-mulgao da Lei do Ventre-Livre, seriam vendidos. Essa he-rana alegorizada pelo punho cerrado da personagem,semelhante mo decepada pelo av aps ser impossibilitadode cometer suicdio. A linhagem dos Vicncios perpetuadapelo pai, sobrevivente ao av, num percurso marcado, igual-mente, pela desterritorializao da favela em que passa a viver,j na cidade, com seu companheiro. Interessante observar queessa personagem no recebe nome na narrativa, de modo acaracterizar a coisificao a que Ponci submetida ao tentarrecuperar sua memria e reconstituir sua famlia e sua identi-dade. atravs dessa busca que se entretece uma narrativa densae entrecortada, em que se mesclam passado e presente, mem-ria e sonho.

    Por meio do resgate de lembranas, o romance assinala,em mltiplas histrias, gestos de resistncia ao processo de es-poliao. Por meio de relatos de outras personagens surgemfatos como o referente ao pai de Ponci que, j liberto, foraforado a se tornar pajem do sinh-moo, escravo do sinh-moo, escravo do sinh-moo, tudo do sinh-moo (EVA-RISTO, 2005, p. 38), alm de ser submetido posio de latri-na em que sinh-moo urinava.

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    Apesar de, aparentemente fragmentados, esses relatospassam, no todo da obra, a integrar uma ampla trama discursi-va pela qual se revivem dores seculares que se explicitam tantono aspecto individual quanto no coletivo, j que afeta fsica emoralmente essas personagens, alm de ignorar esteticamentealgo oriundo das margens sociais.

    Todavia, de modo a recuperar esse espao de ausncias,Ponci exmia artfice na arte da cermica, moldando no bar-ro criaes originais que visam a reintegrar o negro com a ter-ra. Exemplo de uma outra memria que se perpetua, agora nasAmricas, o barro representa uma (re)ligao com um tempoprimordial, aquele em que Nzmbi, a divindade banto, criou oprimeiro homem e a primeira mulher, de modo a apaziguar ador e o sofrimento impostos pela escravatura, bem como abriruma nova possibilidade de contemplao esttica em moldeshegelianos. Como alegoria de um retorno, da busca a um tem-po perdido, a moldagem do barro atua eficazmente como pa-liativo aos infortnios e abertura a novas perspectivas, como oreencontro de Ponci com o irmo perdido. Desse modo, aaridez do barro que tingiu a pele de muitos escravos nas diver-sas lavouras, se soma gua que Nzmbi aspergiu sobre o pri-meiro casal, dotando-lhe, assim, de vida.

    Atravs da representao desse elemento da natureza,Conceio Evaristo aponta sadas para o dilema de sua prota-gonista fazendo-a reviver memrias de um passado remoto.Segundo Gaston Bachelard (1997, p. 163) a respeito das guas:

    A impresso de doura que podem receber umagarganta sedenta, uma lngua seca, sem dvidamuito ntida; mas essa impresso nada tem emcomum com as impresses visuais do amoleci-mento e da dissoluo das substncias pela gua.Todavia, a imaginao material est em ao; devepropiciar s substncias impresses primitivas.

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    Deve, pois atribuir gua as qualidades da bebi-da e, antes de tudo, as qualidades da primeirabebida.

    Semelhantemente, a gua alegoriza a integrao do ho-mem com a natureza, revelando a ligao direta com as cren-as e valores dos povos africanos trazidos e assimilados pelacultura afro-brasileira. Assim, a escritora utiliza uma imagemarquetpica, ora marcada pelas guas do rio, ora pelo arco-ris eseu poder de transformar o sexo de quem lhe passa por baixo,encantando, com sua representatividade, a jovem Ponci.

    O poder da gua se revela tambm na dualidade comque dissolve o barro, fazendo florescer diversas esculturas, ouseja, a expresso artstica com que a personagem-ttulo des-tri, (re)cria e (re)constri. Esse processo criativo se associaaos mitos ligados fertilizao e grande parte das apresenta-es mticas evoca o poder da criao comum a diversas cultu-ras, onde se encontra a Grande-Me, fora criadora do univer-so, a que propicia e mantm a vida.

    A metfora das guas, portanto, eficaz, apresentandoao homem negro diversos caminhos alm do silenciamento,visto que apresenta potencial de transformao e de regenera-o. Por outro lado, pode tambm ilustrar a perversidade doprocesso de branqueamento a que o negro fora exposto ao tersua histria e cultura interditadas ao retomar, por exemplo, apassagem de Macunama em que o protagonista lava na guamgica o pretume da pele, aproximando-se do modelo forjadopelo branco. Todavia, o texto de Evaristo opta pelas memriasdo passado ao optar pela possibilidade de regenerao. Essaescolha resulta, em Ponci Vicncio, no apenas no apazigua-mento da protagonista atravs da arte, mas, tambm, em Luan-di, seu irmo, que parte em busca da irm. O jovem, que per-dera o endereo de Ponci, termina por ficar pela cidade,interessando-se pelo trabalho como policial. Apesar de se dar

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    em outro locus, a trajetria de Luandi traz consigo as mesmasmarcas de subalternidade comuns a outros desterritorializa-dos, fazendo-nos ver que a dispora pode perpetuar, em diver-sos tempos e nveis, o mesmo infortnio dos que foram em-barcados nos muitos navios negreiros que aqui aportaram.

    Contudo, ciente da eficcia do resgate de memrias e darevitalizao da ancestralidade, Conceio Evaristo alegorizano reencontro do rapaz com a irm e, posteriormente, comMaria Vicncio, sua me, a descoberta de que o sedutor ofcionada mais do que uma forma de vilipendiar outros oprimi-dos, tanto na cor quanto na posio social.

    Tal a situao descrita pela escritora em Becos da Mem-ria, romance publicado em 2006, apesar de datar de alguns anosantes, em que a protagonista, Maria Nova, uma jovem tal qualPonci, rene fiapos de histrias que levam seus leitores a, maisuma vez atravs de um olhar infantil, adentrar os becos da fa-vela, o espao em que a ao romanesca desenvolvida. Ape-sar de estar situada num tempo em que algumas mazelas dopresente, como trfico de drogas e a violncia urbana aindano eram to intensas, o livro no deixa de lado o carter etno-lgico de um meio situado s margens da sociedade. Assim,Evaristo nos torna a apresentar um cenrio de dores, lutas esofrimentos em que a degradao do meio vivenciada diaria-mente atravs da perpetuao de um objetivo nico e inexor-vel que sobreviver a cada dia.

    As brincadeiras infantis, muitas vezes inconsequentes, efestividades como So Joo tornam-se paliativos de um outrotempo de sofrimento em que a proximidade com a cidade re-sulta em perigo constante. Tal se d na desocupao da favelaalegorizada pelo grande buraco que as diversas mquinas e tra-tores redimensionam ao destrurem as casas de antigos mora-dores. Sua grande dimenso e a ameaa iminente de destruiode tempos pretritos no permitem que se perpetuem hbitoscomo o plantio de roas de mandioca, milho e verduras, bem

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    como a narrao de histrias nos quintais dos barraces. As-sim, o buraco no s assusta como devora e silencia histriasdiversas de uma comunidade fadada ao desmembramento,numa espcie de morte anunciada a cada roncar de motor.

    No entanto, dali que provm personagens emblemti-cas como Bondade, o contador de histrias que se solidarizacom os desafortunados ao mesmo tempo em que mantm vivaa narrao do passado. A ele se junta a voz de V Rita, quecom seu temperamento amigvel e fraterno, serve de contra-ponto aos infortnios de cada dia e, por fim, o Negro Alrio,personagem que pelo estudo descobre na leitura uma novaforma de enfrentamento s leis dos brancos.

    Interessante observar que, ao se dar conta do alcanceque o conhecimento das letras poderia significar na vida dosescravos, em Ponci o sinh-moo interrompe a brincadeiraque fizera com o pai de Ponci, e que consistia em ensin-lo aler, numa forma de testar sua inteligncia. Em Becos, acontecealgo similar com a personagem Negro Alrio, s que esta apren-de a ler com o prprio inimigo (EVARISTO, 2006, p. 61),fazendo frente presena dos capangas de um outro coronel,que manda que seus antagonistas sejam mortos e jogados norio para depois espalharem que haviam cometido suicdio (Idem,p. 59). Por isso, a personagem utiliza seu saber para transfor-mar o mundo ao seu redor, tornando-se um cidado atuante,decidido a transformar a sua realidade e a dos seus compa-nheiros atravs da fundao de uma cooperativa:

    Havia ainda o problema das crianas que, com odesfavelamento, perderam as vagas nas escolasprximas para onde iam. Negro Alrio, um dia,no intervalo do almoo, correu escola que aten-dia as crianas das favelas. Era preciso um docu-mento que garantisse a matrcula das crianas emoutras escolas. Esta era a preocupao maior de

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    Negro Alrio. Para ele, a leitura havia concorridopara a sua compreenso do mundo. Ele acredita-va que, quando um sujeito sabia ler o que estavaescrito e o que no estava, dava um passo muitoimportante para a sua libertao (EVARISTO,2006, p. 134).

    Assim, ao buscar na ancestralidade das palavras a forapara reagir ao presente, Conceio Evaristo faz com que arepresentatividade das guas apresentadas em Ponci Vicncioseja substituda, em Becos da Memria pela fora da oralidade, aque Hampt B se refere, por exemplo, em Palavra africana(1993, p. 16):

    Uma vez que a palavra a exteriorizao das vi-braes das foras, toda manifestao de fora,no importa em que forma, ser considerada pa-lavra. Por isso no universo tudo fala, tudo pala-vra que tomou corpo e forma. Como afirma ofilsofo e historiador mals, essa fora originaum vnculo gerador de movimento, ritmo, vidae ao que se presentifica nas oralidades, nagestualidade do ir e vir dos ps do tecelo em seuofcio e, posteriormente, nos textos literrios emque a voz se une letra atravs de palavras conti-nuam a ser por excelncia, o grande agente ativoda magia africana.

    Personagem recorrente nas duas narrativas, a morte,quando no uma ameaa iminente na vida sofrida e miser-vel dos habitantes da favela, mostrada de forma crua, seca,direta. Um assassinato que acontece no local apresentadocomo algo banal, corriqueiro. A violncia domstica, que mutilae mata muitas mulheres no Brasil, retratada atravs da histria

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    de Fuinha. Espancador da mulher e da filha, um dia o agressoracaba matando a esposa. Os gritos dilacerantes da me e filhaso ouvidos pelos vizinhos, que se omitem, muito provavel-mente porque no acreditam no cumprimento das leis, j queo Poder Pblico se encontra muito distante de sua realidade.Alm disso, o machismo inerente sociedade brasileira, prin-cipalmente durante meados do sculo XX, poca em que trans-correm as histrias narradas no livro, preconiza o dito de queem briga marido e mulher ningum mete a colher. Aps amorte da mulher, Fuinha passa a utilizar a filha como umasubstituta da me. Alguns moradores o procuram, mas so re-cebidos com cinismo pela personagem. A mulher, na viso dele, mero objeto seu, para usar e dispor como bem lhe convier:Houve quem tentasse falar com ele e Fuinha cinicamente res-pondeu que a filha era dele e que ele fazia com ela o que bemquisesse (EVARISTO, 2006, p. 76).

    O ato de vivenciar histrias trgicas vividas nos becos dafavela faz com que Maria Nova, munida do mesmo sentimen-to de transformao do real com que Ponci molda suas escul-turas, sinta, desde a mais tenra idade, o desejo de dividir suasvivncias com os outros, amadurecendo, aos poucos, o desejode se tornar escritora. Na verdade, atravs dessa personagemque a autora reafirma a sua crena na educao como instru-mento transformador de vidas: Tinha uma vantagem sobreos colegas: lia muito. Lia e comparava as coisas. Comparavatudo e sempre chegava a algum ponto. [...] ela era a nica alunaque chegava s concluses (Idem, p. 103). Por isso, Maria Novaretira a motivao para escrever dos prprios acontecimentosque a circundam e a levam a inspirar-se na postura de NegroAlrio, pois ele agia querendo construir uma nova e outra His-tria (Idem, p. 138) e tambm a buscar dentro de si uma enor-me vontade de reescrever a histria, algumas vezes grafada comminscula, outras, com maiscula:

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    Maria Nova olhou novamente a professora e aturma. Era uma Histria muito grande! Uma his-tria viva que nascia das pessoas, do hoje, do ago-ra. Era diferente de ler aquele texto. Assentou-see, pela primeira vez, veio-lhe um pensamento:quem sabe escreveria esta histria um dia? Quemsabe passaria para o papel o que estava escrito,cravado e gravado no seu corpo, na sua alma, nasua mente. (EVARISTO, 2006, p. 138)

    Essa mesma viso otimista de uma vida melhor patroci-nada pelos estudos est presente, tambm, em Ponci. Diferen-temente de Becos, em Ponci o leitor acompanha toda a traje-tria de sua protagonista, desde a sua infncia at a idade adulta, testemunha de sua impossibilidade de ascenso social.

    Como Becos da memria termina com a desocupao dafavela, o leitor no acompanha a vida de Maria Nova, pois elaainda criana quando o romance acaba. Mesmo assim, hindcios de que sua histria seria bem diferente da de Ponci.H trechos que falam de esperana, da certeza de que ela vol-taria a estudar um dia, de que o futuro poderia ser mais gene-roso. O contraste com Ponci acentuado, pois para ela o fu-turo inexistente. Ao oferecer-se de corpo e alma ao rio, ela sedespe de qualquer conexo com a ordem cronolgica das coi-sas, passando a habitar o espao que Evaristo chama de pas-sado-presente-e-o-que-h-de-vir (EVARISTO, 2003, p. 132).

    , portanto, dentro desse conjunto de variveis que sepode ler a literatura afrodescendente, cujo escopo procura via-bilizar uma construo identitria no sentido em que a questodas identidades trabalhada pelo pensamento contemporneodo que nas esferas de uma descendncia racial e biolgica. Es-ses pressupostos mostram que a lgica da maioria dos nacio-nalismos deve caminhar na direo da diversidade cultural, daincluso e da heterogeneidade e no na direo da exclusividade,

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    da pseudopurificao e do majoritarismo, visto que nessa ou-tra direo, to comum atualmente, que o nacionalismo tendea se tornar um parente prximo do racismo (AHMAD, 2002,p. 222). Assim, a questo propriamente racial, que proclama ainexorabilidade dos laos de sangue, to desacreditada atual-mente nos meios cientficos, recebe a necessria contrapartidarepresentada pelos conceitos de etnicidade e de pertencimen-to cultural.

    Revigorando memrias ancestrais, a escrita literria afro-descendente faz vir tona uma srie de reminiscncias quefazem reviver textos do passado, produzindo em um s corpusas inquietaes de Pancrcio, a herana de Ponci Vicncio eas lembranas que sustentam Becos da memria, trazendo a es-teio elementos caros a uma africanidade pungente ainda embusca de legitimidade.

    Com isso, ampliam-se esteticamente os diversos matizesque compem a literatura brasileira. Estes, por sua vez, rea-gem a uma tentativa de imposio de uma vertente culturalhegemnica, fazendo com que o sujeito nacional seja pensadonuma perspectiva etnogrfica de contemporaneidade da cul-tura (BHABHA, 2007, p. 213) na qual tanto o observadorquanto a coisa observada tornem-se parte da prpria observa-o, num gesto deliberadamente inclusivo que permite tantoposio terica quanto autoridade narrativa para vozes e dis-cursos, ainda, minoritrios.

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  • interdisciplinaridade, esttica e tica3535353535Desafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacional

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    Robson Dutra

    Doutor em Literaturas Africanas pela UFRJ/Universidadede Lisboa com ps-doutorado pela UERJ. Professor doMestrado em Letras e Cincias Humanas da Unigranrio, autor de Pepetela e a elipse do heroi (Luanda: UEA, 2009), arti-gos em revistas indexadas e captulos em livros como AMulher em frica e Francisco Jos Tenreiro, as mltiplas faces de umintelectual (Lisboa: Colibri, 2007 e 2009, respectivamente),Mia Couto e o desejo de contar (Maputo: Ndjira, 2011), Literatu-ras da Guin-Bissau cantando os escritos da histria (Porto:Afrontamento, 2011), entre outros. Sua atual pesquisa so-bre o romance africano contemporneo.

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  • A escravido negra e indgena segundoos Sermes: Padre Antnio Vieira*

    Jos Carlos Sebe Bom Meihy

    Arqueologia textual de VieiraArqueologia textual de VieiraArqueologia textual de VieiraArqueologia textual de VieiraArqueologia textual de Vieira

    A obra do jesuta Antnio Vieira, vista trezentos anos depoisde sua morte, ainda se mostra desafiadora de entendimentos.Sedutores e complexos, seus textos encantam e ao mesmo tem-po amedrontam analistas preocupados com as alternativas ana-lticas. De um modo geral, pode-se dizer que existam trs seg-mentos de estudiosos da obra vieirense: intelectuais do mundoluso-brasileiro, agregados da Companhia de Jesus e estrangei-ros de outras lnguas, principalmente anglo-saxes, protestan-tes e judeus. So muitos, pois, os que se deixam enfeitiar e noresistem ao fascnio narrativo que vai alm da ardilosa lingua-gem, das metforas bem feitas, dos efeitos barrocos. Isso semcontar as implicaes formalistas transparentes nos gnerospraticados pelo profcuo jesuta.

    Mesmo retomadas sob vrios pretextos e reas do co-nhecimento, ainda restam regies insondveis da produo do

    * Este texto originalmente foi escrito para leitura em aula inaugural apresentadana Disciplina de Histria Ibrica, no Departamento de Histria da USP, em2001.

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    mais importante dos loiolanos que atuaram na fase expansio-nista portuguesa. Servindo aos estudiosos de diferentes reas,contudo, os escritos vieirenses tm sido mais frequentados porbigrafos e pesquisadores atentos s abordagens literrias, es-tticas ou lingusticas. Os demais campos do conhecimento em particular a Histria demandam da produo vieirensesua equiparao a documento ou fonte e isto dificulta seuuso alm da transparncia imediata, formalista ou esttica. Fala-se da extrema necessidade, neste caso, de apurada crtica do-cumental. A julgar pelos nmeros de estudos sobre aquelaproduo, percebe-se que Vieira tem produzido delcias aoscultores da linguagem que se exercitam nos sedosos labirintose jogos especulares da melhor lavra sermnica produzida porqualquer pena portuguesa.

    Os historiadores, particularmente, tm procedido a umaapropriao pobre do conjunto documental deixado pelo pa-dre Vieira. Isto explicado por dois fatores complementares:

    1) as dificuldades de estudo dos escritos originais e aprofcua variao de textos decorrentes, modificados;

    2) a no existncia sequer de identificao de toda obrado padre, nem mesmo um guia sistematizado indicando os ar-quivos onde se podem localizar os documentos.

    Na altura dos nossos tempos, obra de Vieira precisa serhistoricizada, isto , considerada desde sua gnese. Se isto verdade para qualquer trabalho, para os pesquisadores dessecampo algo mais evidente, posto que muito de sua obra, emparticular a que remete aos textos sermnicos, tem pelo me-nos dois momentos bsicos e diferentes. Primeiro, fala-se dosestudos feitos com olhos atentos sincronia temporal da pro-duo dos textos. Segundo, tem sido comum abordar a obra deVieira considerando a produo reescrita no final da vida, noBrasil, na Cidade de Salvador, Bahia. Por uma questo de co-modidade ou de desconhecimento, a obra de Vieira tem sidoassumida, sempre, a partir de seus textos finalizados. Isto

    A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os SermesSermesSermesSermesSermesMEIHY, Jos Carlos Sebe Bom

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    implica srias deformaes, posto que existem notveis varia-es entre o momento da produo e sua colocao ao pbli-co, em forma impressa.

    Ao assumir a leitura dos textos vieirenses na rea da His-tria, cabe propor um acompanhamento cronolgico do espa-o vivencial de Vieira, pois ele teve muitos de seus escritossuscetveis a influncias imediatas. Fato complicador a exis-tncia alongada e recortada por tantas viagens, uma vez queVieira viveu quase um sculo, entre 1608 e 1697. Neste quasesculo atribulado, o SJ viveu como membro de um institutoreligioso detentor de um projeto dinmico, polmico, orienta-do no sentido do redirecionamento da Igreja Catlica, confun-dida em boa parte com o papel de Portugal. Alm disto, pre-ciso recordar que Vieira era, pelo lado materno, neto de umanegra. Este detalhe servir de farol para iluminar os argumen-tos deste texto, que visa o exame de questes de dois segmen-tos ndios e negros frente escravido inscrita no amplssi-mo projeto colonial.

    TTTTTrs gneros vieirensesrs gneros vieirensesrs gneros vieirensesrs gneros vieirensesrs gneros vieirenses

    Pensando que Vieira, ao refazer sua produo mais importan-te, no final da vida, impunha-se uma retomada organizada deseu pensamento e trajetria, vale supor que sua obra refeitaestruturou-se mediante um propsito que a justifica em conjun-to. Sem uma pressuposio ampla e finalista, se perdida a no-o global, seria provisrio o suposto de anlises adequadas dealguns temas implicados nas linhas gerais de sua propositurateolgica. Basicamente, Vieira inscrevia-se em trs tipos ougneros textuais, a saber:

    1) variada prtica epistolar;2) relatrios e pareceres e3) sermes.

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    As cartas, somadas aos relatrios e pareceres, cabem noelenco dos chamados textos instrumentais. Entendendo por tex-tos instrumentais os escritos de efeitos sincrnicos ao tempo emque foram elaborados, percebem-se neles as intenes imedia-tistas que os explicam em sincronia com o tempo cronolgicode sua produo. Foram esses textos redigidos para se atingirdeterminados fins especficos e diretos.

    A noo de que os escritos de Vieira so sistmicos, isto, que se complementam e se comunicam, deve ser vista comcuidados especiais, crivada pelo gnero e formalismo e, sem-pre, sob a anlise do critrio tipolgico do texto. H, ainda, acorroborar com os limites propostos pelos cortes temticosgeneralizados, outro ponto que merece ser relevado com aten-o: seus escritos instrumentais mantiveram-se como foram con-cludos no tempo de sua produo, enquanto os sermes, di-versamente, foram todos cuidadosamente reescritos no fim davida. Em face destes elementos, questiona-se a lgica imediatadas leituras vieirenses sem antes a exegese de sua produo.Por certo, h articulaes bsicas que servem como epicentrospara as ideias essenciais de Vieira, mas convm lembrar quesem um bom entendimento dos compromissos formalistas dasfontes, pode-se e o que comumente se faz l-las como sefossem de um autor que no teve percalos na orientao desua teoria. Em decorrncia, se implicadas suas leituras no con-texto dos objetivos e das retomadas das fontes, pode-se chegar organizao de suas propostas na idade madura e, assim, per-ceberem-se os tortuosos meandros percorridos por ele.

    Sem dvidas, quem contempla a obra sermnica de Viei-ra sem question-la em seus trajetos constitutivos, pode ficarsurpreso com a pouca contradio encontrada. A complemen-taridade dos sermes, como eles esto colocados a pblico nasmodernas/atuais Obras completas, explica-se perversamente.As buscas das primeiras edies ou, mais pertinentemente, dastradues feitas no tempo difceis porque, raras e frustrantes,

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    desmentem verdades estabelecidas pela historiografia reve-lam algumas lacunas espetaculares, no registradas nas edieshoje colocadas ao consumo. A lgica das Obras completas recla-ma por uma arqueologia que garanta sua historicidade. Cabelembrar que o prprio Vieira nunca negou esta evidncia. Suasligaes internas, retomadas em conjunto no fim da vida dojesuta, que em 1681 voltava Bahia, onde reelaborou sua pro-duo, acabaram por gerar um acabamento definitivo.

    Deslocada do tempo em que foi disposta ao pblico pelaprimeira vez, comum aos estudiosos compartimentarem osentido da produo vieirense propondo um fatiamento que,alm de simplificador, promove anacronismos que reduzem acomplexidade do conjunto daquela produo. Nesse caso, aba-lada a organizao interna da produo do grande jesuta, po-dem-se aferir aspectos que no condizem com a as intenesdo autor. A recorrncia a certos cortes temticos, independen-temente dos compromissos formalistas, produz distores.Assim, comum assumi-lo como vanguardista, revolucio-nrio ou mesmo libertrio, desfazendo os ns atados emcompromissos imediatos. Nesta linha, quase sempre o que ocor-re a confuso entre o aspecto humanitrio de Vieira e suapretensa face revolucionria. Advoga-se que h em Vieira fa-cetas divergentes do senso comum historiogrfico. Evocandoa relao imediata dos escritos com o contexto em que vivia,prope-se, mais do que se deter no humanitarismo vieirense,abordar a necessidade de observar quais eram os mveis des-sas atitudes. Assume-se, pois, de partida, um Vieira imperial,isto , um padre voltado para a (re)construo do imprio co-lonial portugus sob as bases de um Estado colonialista. nestaperspectiva que se buscou o entendimento da catequese e damisso indgena segundo suas propostas.

    Certos de que o humanitarismo vieirense uma das suasmanifestaes, afirma-se que muito perigoso analisar sua lutainclemente pela justia independentemente das intenes que

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    armam uma teoria geral de seu pensamento. Esta teoriaantevia a liberdade dos participantes do mundo colonial comoforma de salvao religiosa salvao crist-catlica, reforma-da-romana. claro esta interpretao estava a servio do des-tino interpretado pelo loiolano do papel cristianizador do go-verno portugus.

    Destacando a ideia do Quinto Imprio de Cristo na Terracomo inteno bsica que levou Vieira a rearticular sua obra naBahia, tem-se que, naquela oportunidade, ao reescrever tudo oque havia produzido exceo das cartas e relatrios , proce-dia a uma harmonizao que superava lapsos, corrigia contradi-es, restabelecendo os vnculos entre as partes. Assim, o Vieirados sermes mais ntido sem perder a sutileza e complexida-de. Suas palavras reescritas foram triadas tornando as apresenta-es mais teatrais, menos taxativas, mais sutis e justificadas pelostextos sagrados, pelos mitos antigos e pela filosofia clssica.Paradoxalmente, contudo, pelo fato de Vieira ter praticamenterefeito toda sua obra sermnica, este aspecto, que seria facilita-dor da compreenso de suas ideias, acaba prejudicado pelo fatode ainda no estar inteiramente disponvel outro texto produ-zido nessa poca a Clavis Prophetarum, repertrio conclusivode sua teoria. Sem exagero, pensando na Clavis, pode-se garan-tir que qualquer anlise sobre Vieira ser provisria, posto queela encerra o pice de uma teoria ainda desconhecida.

    Sem a noo de que Vieira nutriu uma teoria geral,marcada pela busca obsessiva do estabelecimento do QuintoImprio, o que tem valido como critrio operacional para osestudiosos a escolha de situaes especficas de sua produ-o. Nestes casos recortam-se subtemas e os valorizam comofundamentais. Em igual medida, a seleo de alguns de seustextos em que o jesuta diferia do conjunto dos demais perso-nagens da poca tem servido para mostr-lo como diferente eassim, com facilidade se lhe creditam aspectos que se no sofalsos, pelo menos so parciais.

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    Uma reflexo sobre os textos de Vieira mostra que elecuidou de pensar sua poca envolvendo um nmero grande desituaes e personagens, todos implicados na recuperao doImprio e mais do que isto, na sua percepo proftica. Poli-ticamente, contudo, fica explcito que construiu um teatro emque alguns segmentos constituam a trama de seus argumentoscentrais. Basicamente so trs os tipos sociais enfocados porVieira: o negro, o judeu que no espao desta comunicaofica ausente de referncias posto que mereceu estudo anterior e o ndio. Em conjunto, estes personagens estariam se com-pletando para que os desgnios lusitanos fossem conseguidos.Com a reunio destes trs personagens Vieira concebeu umdiscurso integrador da situao do Imprio portugus e, atra-vs da animao da crtica aos procedimentos em face deles,estabeleceu um dilogo continuado com as autoridades. Aforaas cartas, que evidentemente tinham endereos variados, com-portando inclusive no caso dos judeus, muitos membros dessacomunidade, os textos sermnicos de Vieira dirigiam-se s eli-tes. Estabelecendo interlocutores importantes o rei ou osnobres, os ricos ou poderosos religiosos , Vieira se colocavano circuito dos grandes. verdade que falou tambm aos es-cravos e aos ndios, mas, centradamente, sua mensagem, prin-cipalmente a escrita, era dirigida aos mandatrios. No caso es-pecfico dos ndios convm lembrar que Vieira falou com, mas,sobretudo escreveu sobre os indgenas.

    O ndio no sermoO ndio no sermoO ndio no sermoO ndio no sermoO ndio no sermo

    importante lembrar que a vastssima produo de Vieira e aoriginalidade de suas idias permitem que se o estabelea umser problemtico. Nesta linha vale lembrar que estava sempreem confronto, mesmo quando comparado com os demaismembros da Companhia. A considerao de seu comporta-

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    mento, em particular em face das perseguies inquisitoriais,possibilitam questionar o papel que desempenhou na Ordem.Extrapolou regras? Foi alm da Ordem? Divergiu? A leitura desuas obras justificaria pensar que sim, que superou os limitesda normalidade jesutica tanto que foi entregue Inquisiopor colegas jesutas. Isto tambm se expressa mesmo na obser-vncia sempre questionvel das Constituies loiolanas. Para tan-to, teria que se justificar e, neste sentido, a produo sermnicafora-lhe um recurso. Recurso favorito, diga-se. Sendo que eleprprio iniciou sua carreira escrevendo uma Carta nua, logodeixa esta prtica em favor de Sermes. Assim, vale assegurarque superava o estilo das cartas notificantes e das edificantes. Nestetrajeto Vieira institui um outro personagem a quem se referee que assim o objetiva como elemento a ser integrado no seuQuinto Imprio: os ndios. O nativo ou gentio como preferia dizer,seria o centro de suas preocupaes, mas, Vieira sabia das impos-sibilidades de integr-lo sem tambm cuidar dos judeus, dosescravos negros e principalmente dos colonos portugueses.

    fundamental que se procedam a esforos em favor daconsiderao do sentido do sermo na cultura jesutica e por-tuguesa do sculo XVII e seguintes. O prprio Vieira decidiuque suas manifestaes sermnicas fossem precedidas de umaexplicao que remetesse diferenciao das pregaes emrelao a seus demais escritos. Na introduo de suas obrascompletas, ao refaz-las na Bahia no final da vida, ele mesmooptou por colocar como texto inaugural, no tomo I, o Sermoda Sexagsima, pregado na Capela Real no ano de 1655, ondeevocava o princpio dado por Mateus, que reza o Ecce exiit quiseminat, seminare ou seja: a misso de Cristo seria pregar apalavra divina.1 Na realidade, este Sermo a mais eloquente

    1 Alis, a epgrafe deste Sermo : Semem est Verbum Dei, retirado de Lucas, VIII(Sermes, Tomo I, p. 3). A mesma evocao explicitada no item IX do mesmoSermo, onde Vieira explica os motivos do tema (Idem, p. 29).

    A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os SermesSermesSermesSermesSermesMEIHY, Jos Carlos Sebe Bom

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    apologia do sculo XVII em favor da pregao moral. Ele seconstitui em uma reviso crist-catlica do dever de interpre-tar as profecias e, neste sentido, evoca o Esprito Santo comoinspirador e os Apstolos como modelos motivados pelas ln-guas de fogo, e, assim, de forma interpretativa diz:

    Veio o Esprito Santo sobre os Apstolos, e quan-do as lnguas desciam do Cu, cuidava eu quelhes havia de pr na boca; mas elas foram-se prna cabea. Pois por que na cabea e no na bocaque o lugar da lngua? Porque o que h de dizero pregador, no-h de sair s da boca; h de sairda boca, mas da cabea (Sermes, Tomo 1, p. 25).2

    E, Vieira, em um apelo dramtico, conclui nesse sermoque a palavra equivale arma, e que ainda h quem lhe faaguerra com a palavra de Deus, e mais: que seus efeitos estari-am em estado de reverdecer, e dar muito fruto (Idem, p. 38).

    Religioso reformado, Vieira advogava uma reinterpreta-o da Bblia e a histria do povo sagrado lhe era sinnimo datrajetria histrica lusitana. Os portugueses, como eleitos, teri-am a misso de inserir os novos sditos no circuito do catoli-cismo. Alguns princpios das Escrituras foram selecionados porVieira como fundamentais e sem a retomada deles seria im-possvel entender sua produo. Fala-se principalmente dosseguintes princpios sagrados que se articulam:

    1) o homem s se salva em conjunto;2) o Evangelho tem que ser difundido (Ide e ensinai-o

    a todos);3) a crena irrestrita no Esprito Santo;4) Haver um s rebanho e um s pastor;

    2 Todas as citaes dos Sermes provm da edio de 1959, da editora Lello &Irmos, Porto)

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    5) h um povo escolhido para consumar os desgniosdivinos na Terra;

    6) todo entendimento da histria humana estava escritoe cabe aos profetas sua interpretao.

    A soma destes princpios levaria a humanidade a um ati-vismo explicado dentro das propostas da teoria, corrente napoca, das causas segundas. Seguindo essa perspectiva, caberia scriaturas completarem a obra do Criador. Assim, Deus teriacriado o mundo e deixado aos seus filhos a misso de comple-tar a sua proposta. Portanto, o homem, segundo o projeto doPai, teria o direito de aceitar ou no a consumao do planodivino at que se chegasse a um s rebanho e um s pastor.3 Assim que se torna compreensvel a proposta de Vieira de enlaartipos como negros, ndios e judeus. Vale recordar que no per-odo em que Vieira propunha sua teoria, a cristandade estavacindida pelo triunfo de variantes do protestantismo. Reinte-grar grupos dispersos, pois, representava um esforo de unifi-cao no sentido salvacionista universal.

    Pensando que a proposta de Vieira era primordialmentea restaurao do Imprio Portugus que afinal se identifica-ria com o pressuposto do povo escolhido no poderia eleconsiderar menor o sentido das estratgias para conseguir areorganizao do Imprio da F. Coerente com o objetivo daOrdem Tudo para maior glria de Deus e convencido que ohomem na Terra teria que lutar para, com esprito de guerra como, alis, propunha a Companhia , conquistar a meta deredeno dos seres humanos, Vieira identificava os papeis dospersonagens do teatro social que seria a (re)montagem do

    3 Talvez o mais eloquente exemplo desta manifestao esteja encerrada naspalavras do Sermo dos Bons Anos quando vieira conclui que os portugue-ses devem ter grande nimo pois haveria um destino certssimo estabe-lecido sobre sangue de hereges na Europa, sangue de mouros na frica,sangue de gentios na sia e na Amrica, vencendo e sujeitando todas as par-tes do Mundo a um s imprio, para todas em uma coroa as meterem glorio-samente debaixo dos ps do sucessor de S. Pedro (Sermes, Tomo I, p. 341).

    A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os SermesSermesSermesSermesSermesMEIHY, Jos Carlos Sebe Bom

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    Imprio portugus, entrando em outra fase. Sem esta misso, ahumanidade no se salvaria, e, neste sentido Portugal teria umpapel definitivo no projeto salvacionista da humanidade: lti-mo guardio.

    Vieira, como era comum ao seu tempo, usava o instru-mental vocabular aristotlico, disposto para a qualificao dossditos e demais personagens do universo lusitano. Retomava,com agilidade, o conceitual adaptado desde o Renascimento esobre ele elaborava suas explicaes. Valendo-se de termoscomo gentio, escravo, colnia, guerra justa, imprio e escravido, com-punha um universo sistmico onde cada parte deveria desem-penhar uma atividade para que houvesse a salvao conjunta.Esses conceitos seriam, portanto, complementares e convmque seja lembrado que sem eles invivel entender o essencialdo sentido poltico-proftico vieirense.

    No caso do negro, enquanto escravo, para Vieira esteera um elemento acessrio, ainda que importante, no conjuntodos demais tipos sociais da poca. Logicamente no despre-zvel considerar que sua condio pessoal de mulato, neto deescrava negra, era-lhe marca social indelvel. Longe, contudo,supor que isso seria argumento suficiente para indicar maiorflexibilidade ao olhar vieirense sobre os negros. Fugindo dareferncia comum de que os negros seriam escravos pelo lega-do da descendncia de Caim, nota-se que ele incorporava osprincpios aristotlicos de guerra justa e assumia, cristianizandoa base da inspirao antiga e pag, que os negros tiveram opor-tunidade de se converter ao cristianismo, mas que se negarame assim a escravido era-lhes um castigo. Castigo e forma deremisso. Isso no rouba de Vieira, em absoluto, o mrito delutador pelas causas justas, em prol dos bons tratos em relaoaos escravos. O que deve ser barrado, contudo, o anacronis-mo de se supor Vieira um abolicionista precoce.

    Na srie de trinta sermes sobre a escravido, h um emque, com especial eloquncia, Vieira d conta de sua percepo

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    sobre os selvagens o Vigsimo, onde evocando o princpio daigualdade e unicidade de descendncia, garante que, em rela-o humanidade como um todo, em face dos negros e aosdemais seres, f-los Deus a todos de uma mesma massa, paraque vivessem unidos, e eles se desunem: f-los iguais, e eles sedesigualam: f-los irmos, e eles se desprezam do parentesco:e para maior exagerao deste esquecimento da prpria natu-reza baste o exemplo que temos presente (referindo-se es-cravido no Brasil). Inconformado com a distino presenteat nos dias festivos da celebrao da festa do Rosrio, recla-mava no mesmo sermo: o domingo passado, falando na lin-guagem da terra, celebraram os brancos a sua festa do Rosrio,e hoje, em dia e acto apartado, festejam a sua a dos pretos, e sos pretos e conclua dramaticamente: at nas cousas sagradas,e que pertencem ao culto do mesmo Deus, que fez a todosiguais, primeiro buscam os homens a distino que a piedade.Depois destas consideraes preliminares provava vieira queos negros tambm so filhos de Maria; reconhecendo-lhes ossofrimentos, chegando a determinar que os negros s so es-cravos fisicamente e que suas almas so livres (Sermo Vigsimoda srie Rosrio; Tomo XII, p. 81). A fase de concentraovieirense em relao temtica dos negros teve vigncia mar-cada at 1638, ocasio em que mudava o enfoque para os as-suntos relacionados Guerra contra os holandeses.

    Cabe lembrar que na construo jesutica o ndio s po-deria ser livre se os negros fizessem o seu trabalho. Como osndios eram os alvos primordiais dos padres da Companhia, osnegros seriam considerados de acordo com o interesse dosnativos no plano de sua salvao. Alm das propostas imedia-tas que defendiam os ndios e propunham a escravizao donegro, os sermes de Vieira expressaram com soberania suapredileo pelos selvagens. Da ser a questo da chamada causados ndios a mais importante estratgia para se atingir o QuintoImprio. Antnio Soares Amora explica o que seria causa dos

    A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os SermesSermesSermesSermesSermesMEIHY, Jos Carlos Sebe Bom

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    ndios afirmando que dentro da terminologia histrica a ex-presso causa dos ndios, tem um especial sentido, a sua liber-dade. A ao vieirense em face da proteo aos ndios mereceser periodizada a fim de contextualizar a evoluo de sua teo-ria proftica. Vieira iniciou sua vida pretendendo dedicar-seaos ndios que circundavam a Bahia. Chegou mesmo a assumirtal papel, sendo, porm, desviado a mando da Ordem. Umasegunda etapa, esta muito mais consequente, deu-se em 1653,quando depois de se esforar na aproximao com os judeus edepois de suas embaixadas na Europa, chegou ao Maranhocom o fito de doar-se aos selvagens. O primeiro grande sermodesta etapa foi o da Primeira Dominga da Quaresma.A anlise do Sermo da Primeira Dominga da Quaresma muitodifcil. Convm lembrar que no h uma linearidade nas falasde Vieira em relao liberdade dos ndios. No caso destesermo, por exemplo, Vieira estava mais preocupado em serttico, e ento assumiu como estratgia inicial a conivnciacom os colonos que praticavam a escravido. Aproveitando-se do tema da data, o dia das tentaes do Demnio, dasvitrias de Cristo, evocando as tentaes feitas peloDemnio ao Filho, demonstrava que se pode, com facilidade,aplicar o caso da negociao do Rei do Inferno com Cristos situaes do Maranho, onde tudo barato e que emrelao ao negro

    [...] basta acenar o Diabo com um tujupar depindoba, e dous tapuias; e logo est adorado comambos os joelhos... oh que feira to barata! Ne-gro por alma; e mais negra ela que ele! Esse ne-gro ser teu escravo esses poucos dias que viver:e a tua alma ser minha escrava por toda eterni-dade, enquanto Deus for Deus. Este o contra-to que o demnio faz convosco; e no s lhoaceitais, seno que lhe dais o vosso dinheiro em

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    cima. (Sermo da Primeira Dominga da Quaresma.Tomo III, p. 8-9)

    Mais adiante conclui:

    [...] sabeis porque no dais liberdade aos cativosmal havidos, referindo-se aos ndios, porque noconheceis a Deus. Falta de f, a causa de tudo earremata ameaando ironicamente com o infer-no: se vs crreis verdadeiramente na imortali-dade da alma, se vs crreis que h Inferno paratoda a eternidade; bem me rio eu que quissseisir l pelo cativeiro de um tapuia. (Ibid.)

    Passado um ano no mesmo Maranho, em sermo de-sesperanado Viera atacava, sem tantos escrpulos desta feita,os problemas do cativeiro indgena. Por este tempo, ele, comoos demais jesutas, havia j desenvolvido atitudes contra oscolonos e ficava claro que as relaes entre os religiosos deSanto Incio e outras partes no eram as mais felizes. Os limi-tes da ao de Vieira para com os negros so evidentes, mas,logram entendimento se articulados com outros tipos de trata-mento dispensados idealisticamente aos ndios e aos judeus.

    Em relao aos ndios, a posio de Vieira mais lgicae facilmente compreensvel. Vivendo em um contexto cristodividido entre protestantes e catlicos, entre ortodoxos e hete-rodoxos, entre hereges, cripto-judeus e islmicos, cabia-lhebuscar solues implicadas no sentido da universalidade cat-lica. O pretendido haveria de despontar a partir de um novocontingente a ser integrado no rebanho de Cristo: os ndios.Diferentes autores tm feito escolhas diversas para evidenciara preferncia que Vieira tinha pelos ndios. Por minha parte,considero que as mais expressivas pginas escritas por Vieirasobre o sentido da catequese do nativo residem no Sermo daOitava da Pscoa, pregado na cidade de Belm do Gro Par,

    A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os SermesSermesSermesSermesSermesMEIHY, Jos Carlos Sebe Bom

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    por ocasio do fracasso da expedio que partira em busca deminas. Depois de longa pregao evocando passagens impor-tantes da histria sagrada, Vieira mostra que as grandes rique-zas no esto nos mananciais de ouro ou de prata; residem,isto sim, nas minas de que Cristo hoje subiu to rico do cen-tro da Terra: estas as que eu vos prometi descobrir. Depois derender graas ao fracasso material dos exploradores, garanteque na regio estaria a maior das riquezas e referindo-se aosucesso da incorporao do rio Amazonas, diz: este granderio, rei de todos os do mundo... outros lhe chamam rio dasAlmazonas; mas eu lhe chamo rio das Almazinhas: no porserem menores, nem de menos preo (pois todas custaram omesmo) mas pelo desamparo e desprezo com que se estoperdendo (Tomo V, p. 251).

    Eloquente exemplo em favor da salvao dos ndiosfoi dado por Vieira no sermo pregado enquanto superinten-dente das misses do Brasil, no colgio da Bahia. Na ocasio,fez a renovao de seus votos e com isto garantia a objetivida-de de sua opo pelos ndios. Diz em uma passagem, na qualse respalda em Santo Incio, depois de seguir detalhada refle-xo sobre as lnguas de fogo e seus efeitos sobre os apstolos,que reprovava o esforo anterior da Ordem ao substituir o es-tudo das lnguas indgenas pela retrica, filosofia e teologia.So palavras de Vieira:

    porm na ocasio em que s obrigaes destaProvncia se tem acrescentado a conquista uni-versal do novo mundo do Maranho, e grandemar do rio das Amazonas, no h dvida que alngua geral do Brasil, como porta por onde sse pode entrar ao conhecimento das outras, nosfaz a grande falta e aperto em que nos vemos(Exortao Primeira: em vspera do Esprito Santo.Tomo V, p. 385).

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    Alm de alguns outros sermes gerais, vinculados aosndios, de todos o mais reputado o de Santo Antnio aos Peixes.Opta Vieira por falar aos peixes no sentido da agresso pro-posta aos portugueses do Maranho, em 1654. Depois de exor-tar o sal da terra e reclamar que as pessoas no mais salga-vam, Vieira evoca Santo Antnio, que teria preferido falar aospeixes. Na aparncia o texto no remete diretamente aos ndi-os, antes fala da indiferena dos portugueses, porm, no itemIV, deixa a sutileza e a fluidez deste discurso e agride os ouvin-tes com frases contundentes como esta: vs virais os olhospara os matos e para o serto? Para c; para a cidade , quehaveis de olhar. Cuidais que s os Tapuias se comem uns aosoutros, muito maior aougue o de c, muito mais se comemos brancos (Sermo de Santo Antnio. Tomo VII, p. 261).

    A terceira etapa da atividade sermnica vieirense em fa-vor dos ndios abre-se com Sermo da Epifania, dito para a corteportuguesa em 1662, na Capela Real em Lisboa. Representan-do os jesutas expulsos do Maranho, o SJ no perdeu a opor-tunidade para arrematar as razes do fracasso da misso emprol dos nativos. Deles, diz que:

    [...] a lngua geral dos selvagens de tda aquelacosta carece de trs letras F, L. R; de F, porqueno tm f; de L, porque no tm lei; de R, por-que no tm Rei. Gente de to pouco cabedalque uma rvore lhe basta para o necessrio davida: com as folhas se cobrem, com a fruta sesustentam, com os ramos se armam, como tron-co se abrigam, e sobre a casca navegam. (Sermoda Epifania. Tomo VII, p. 195)

    Procedendo a uma magistral articulao entre MundoVelho (Europa, sia e frica) e Mundo Novo (Amrica e partedesconhecida da frica e sia), coloca o destino dos portu-

    A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os A escravido negra e indgena segundo os SermesSermesSermesSermesSermesMEIHY, Jos Carlos Sebe Bom

  • interdisciplinaridade, esttica e tica5353535353Desafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacionalDesafios da prxis educacional

    gueses como responsvel pelo futuro do mundo. Comparandoos primeiros descobridores com argonautas, mostra que, como passar dos tempos, a cidade de Belm transformava-se noreino do Anticristo.

    Esta etapa em Vieira finalizada com o Sermo da Primei-ra Oitava da Pscoa, onde deixa de falar dos ndios enquantotipos sociais e passa a falar do governo e de suas obrigaes.Em verdade, remete ao rei e a seus ministros e assim deixa aquesto da briga com os colonos e passa a outra linha de ata-que: a moral do Imprio. Posto isto, tem-se que Vieira, emrelao catequese indgena, retraou um priplo perfeito. Ini-ciou sua carreira com a viso singular da mera assistncia. Ter-minou-a por inserir a problemtica indgena nas linhas da exe-gese do Imprio. No trajeto de sua experincia pessoal.Experincia que foi mais que um sonho.

    A trajetria analtica dos sermes vieirenses, no que tangeaos ndios e negros, demonstra a adequao das estratgias daCompanhia de Jesus ao processo colonial. Mas Vieira foi maislonge quando no final da vida, ao reescrever suas prdicas, dei-xa de lado detalhes circunstanciais do tempo cronolgico dasapresentaes e, ento, integra a essncia de sua teoria geral.Os ndios tiveram lugar privilegiado na formulao vieirense,mas apenas se explicariam junto dos negros e judeus.

    BibliografiaBibliografiaBibliografiaBibliografiaBibliografia

    AMORA, Antnio Soares. Vieira. Lisboa: Editora Assuno Limi-tada, 1944.

    AZEVEDO, Joo Lcio. Histria de Antnio Vieira, 2 ed. Lisboa:Livraria Clssica, 1931, 2 vols.

    BESSELAAR, J. Antnio Vieira: o Homem, a Obra, as Ideias. Lisboa:Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa, 1981.

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