22 glomerulonefrites primárias

22
Capítulo 22 Glomerulonefrites Primárias Maria Fernanda C. Carvalho, Marcello F. de Franco e Vitor A. Soares (In Memoriam) FISIOPATOLOGIA DOS SINAIS E SINTOMAS DAS GLOMERULONEFRITES Proteinúria Queda da filtração glomerular Hematúria Retenção de sódio Alterações metabólicas Tratamento inespecífico Diagnóstico da glomerulonefrite GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA Anatomia patológica Etiopatogenia Tratamento GLOMERULONEFRITE CRESCÊNTICA Anatomia patológica Etiopatogenia Tratamento Glomerulonefrite crescêntica e transplante NEFROPATIA POR IgA Anatomia patológica Etiopatogenia Tratamento Nefropatia por IgA e transplante GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA (GNMP) Anatomia patológica Etiopatogenia Tratamento Glomerulonefrite membranoproliferativa e transplante renal GLOMERULONEFRITE POR LESÕES MÍNIMAS Anatomia patológica Etiopatogenia Tratamento GLOMERULOSCLEROSE FOCAL E SEGMENTAR Anatomia patológica Etiopatogenia Tratamento Glomerulosclerose focal e segmentar e transplante GLOMERULONEFRITE MEMBRANOSA Anatomia patológica Etiopatogenia Tratamento Glomerulonefrite membranosa e transplante DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL BIBLIOGRAFIA SELECIONADA ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET As glomerulonefrites são classificadas de acordo com a presença ou ausência de doença sistêmica, com a apre- sentação clínica e quanto ao seu modo de instalação e pro- gressão. Quando as glomerulopatias aparecem isoladamente, são classificadas como primárias, e quando estão associ- adas a doenças sistêmicas, tais como lúpus eritematoso sistêmico, diabetes etc., são classificadas como secundá- rias. Neste capítulo trataremos apenas das glomerulone- frites primárias. As conseqüências da agressão glomerular são basica- mente: proteinúria, hematúria, queda de filtração glome- rular e retenção de sódio. Dependendo principalmente da intensidade e do tipo da agressão, pode haver predomínio de um sinal sobre outro, dando origem a diferentes apre- sentações clínicas: síndrome nefrítica, síndrome nefrótica, e não-nefrítica e não-nefrótica. Síndrome nefrítica é descrita como o aparecimento sú- bito de edema, hipertensão arterial e hematúria geralmente macroscópica.

Upload: paulo-silva

Post on 23-Jul-2015

790 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Capítulo

22Glomerulonefrites Primárias

Maria Fernanda C. Carvalho, Marcello F. de Franco e Vitor A. Soares (In Memoriam)

FISIOPATOLOGIA DOS SINAIS E SINTOMAS DAS

GLOMERULONEFRITES

Proteinúria

Queda da filtração glomerular

Hematúria

Retenção de sódio

Alterações metabólicas

Tratamento inespecífico

Diagnóstico da glomerulonefrite

GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA

Anatomia patológica

Etiopatogenia

Tratamento

GLOMERULONEFRITE CRESCÊNTICA

Anatomia patológica

Etiopatogenia

Tratamento

Glomerulonefrite crescêntica e transplante

NEFROPATIA POR IgA

Anatomia patológica

Etiopatogenia

Tratamento

Nefropatia por IgA e transplante

GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA (GNMP)

Anatomia patológica

Etiopatogenia

Tratamento

Glomerulonefrite membranoproliferativa e transplante renal

GLOMERULONEFRITE POR LESÕES MÍNIMAS

Anatomia patológica

Etiopatogenia

Tratamento

GLOMERULOSCLEROSE FOCAL E SEGMENTAR

Anatomia patológica

Etiopatogenia

Tratamento

Glomerulosclerose focal e segmentar e transplante

GLOMERULONEFRITE MEMBRANOSA

Anatomia patológica

Etiopatogenia

Tratamento

Glomerulonefrite membranosa e transplante

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

As glomerulonefrites são classificadas de acordo coma presença ou ausência de doença sistêmica, com a apre-sentação clínica e quanto ao seu modo de instalação e pro-gressão.

Quando as glomerulopatias aparecem isoladamente,são classificadas como primárias, e quando estão associ-adas a doenças sistêmicas, tais como lúpus eritematososistêmico, diabetes etc., são classificadas como secundá-rias. Neste capítulo trataremos apenas das glomerulone-frites primárias.

As conseqüências da agressão glomerular são basica-mente: proteinúria, hematúria, queda de filtração glome-rular e retenção de sódio. Dependendo principalmente daintensidade e do tipo da agressão, pode haver predomíniode um sinal sobre outro, dando origem a diferentes apre-sentações clínicas: síndrome nefrítica, síndrome nefrótica,e não-nefrítica e não-nefrótica.

Síndrome nefrítica é descrita como o aparecimento sú-bito de edema, hipertensão arterial e hematúria geralmentemacroscópica.

capítulo 22 403

Síndrome nefrótica foi originariamente definida comoproteinúria de 24 horas acima de 3,5 g, acompanhada dehipoalbuminemia, hipercolesterolemia e edema. O enten-dimento de que as três últimas alterações são apenas con-seqüência da intensidade da proteinúria levou à definiçãomais recente de síndrome nefrótica, que é: proteinúriamaciça, com tendência a edema, hipoalbuminemia e hiper-colesterolemia.

Na apresentação não-nefrítica e não-nefrótica são clas-sificados aqueles casos de glomerulonefrites que não seencaixam nas classificações anteriores.

Como será visto posteriormente, uma mesma glomeru-lonefrite pode ter diversas apresentações clínicas em dife-rentes indivíduos, ou até um mesmo indivíduo pode ma-nifestar durante a sua evolução várias apresentações clí-nicas.

Raramente as glomerulonefrites podem evoluir parainsuficiência renal terminal em questão de semanas oumeses, e quando isto ocorre, elas são classificadas comoglomerulonefrite rapidamente progressiva, independente-mente do tipo histológico. Inicialmente, este termo foi uti-lizado como sinônimo de glomerulonefrite crescêntica,porém, o reconhecimento de que esta nem sempre apre-senta deterioração rápida da função renal e de que outrasglomerulonefrites podem evoluir rapidamente para insu-ficiência renal terminal fez com que este uso fosse aban-donado.

Estas classificações têm objetivo apenas didático e ser-vem somente como orientação, quando se está frente a umportador de glomerulonefrite.

FISIOPATOLOGIA DOS SINAISE SINTOMAS DAS

GLOMERULONEFRITES

ProteinúriaA membrana basal glomerular é um gel com carga elé-

trica negativa, que apresenta grande quantidade de porospequenos, denominados poros discriminantes, e baixa den-sidade de poros grandes, denominados poros não-discrimi-nantes. Essas características fazem com que ela seja altamen-te permeável à água e pequenas moléculas, tais como uréia,creatinina, glicose etc., e praticamente impermeável a ma-cromoléculas, como por exemplo imunoglobulinas.

Em moléculas com tamanho intermediário, a carga elé-trica é outro fator que influencia na permeabilidade damembrana basal glomerular. A albumina plasmática, porexemplo, apresenta raio molecular de 33 Å e, quando emsolução no plasma, apresenta carga negativa. Pelo seu ta-manho ela poderia atravessar a membrana basal, porém ofato de ela apresentar carga negativa faz com que a suapassagem através desta membrana seja desprezível.

Nas glomerulopatias tem sido demonstrado que existeperda de cargas aniônicas e aumento da densidade deporos não-discriminantes da membrana basal glomerular,o que leva ao aumento da sua permeabilidade com conse-qüente proteinúria. Nas glomerulopatias onde ocorre ape-nas perda de carga (glomerulonefrite por lesões mínimas),as proteínas encontradas na urina são basicamente albu-mina e transferrina, enquanto naquelas onde ocorre au-mento da densidade de poros não-discriminantes (glome-rulonefrite membranosa, glomerulonefrite membranopro-liferativa, glomerulosclerose focal e segmentar), além dealbumina e transferrina, encontram-se também proteínasde maior peso molecular, como por exemplo imunoglobu-linas.

A maior parte das glomerulonefrites são mediadas pelosistema imune, quer pela deposição de imunocomplexoscirculantes, quer pela reação antígeno-anticorpo in situ.Essas reações ativam o sistema complemento, o que, dire-ta ou indiretamente, leva ao aumento de permeabilidadeda membrana basal glomerular, resultando em proteinú-ria (v. Cap. 21).

Tem sido demonstrado que nas diferentes glomerulo-nefrites experimentais existe aumento da pressão hidros-tática dentro do capilar glomerular e que esse aumento éoutro fator importante na gênese da proteinúria.

Queda da Filtração Glomerular

A filtração glomerular depende basicamente de doisfatores: a pressão intraglomerular e o coeficiente de per-meabilidade da membrana glomerular (v. Cap. 3). Nasglomerulonefrites experimentais, onde esses parâmetrospodem ser quantificados, tem sido demonstrado que exis-te aumento da pressão hidrostática e queda do coeficientede ultrafiltração. Estudos realizados em seres humanos,onde esses parâmetros são deduzidos, têm sido compatí-veis com esses achados.

Vários fatores, tais como a retração dos podócitos (queocorre em pacientes com síndrome nefrótica, independen-temente do tipo histológico), a infiltração de neutrófilosocluindo as fenestrações do endotélio e a diminuição daárea filtrante da membrana basal ocasionada pela esclero-se glomerular, têm sido propostos para explicar a quedado coeficiente de permeabilidade da membrana basal.

Hematúria

O mecanismo de hematúria nas glomerulopatias é muitopouco estudado. O que se aceita hoje é que no curso daagressão renal acabam ocorrendo soluções de continuida-de na membrana basal glomerular, através das quais ocorrea passagem de hemácias para o espaço de Bowman. Estase faz através de diapedese, o que provoca intensa altera-ção da sua forma, e, por isso, a maior parte dos eritrócitos

404 Glomerulonefrites Primárias

encontrados na urina de pacientes com glomerulopatiasapresenta alterações quanto à sua morfologia (hemáciasdismórficas).

Retenção de Sódio (v. Cap. 10)Outra alteração muito freqüente nas glomerulopatias é

a retenção de sódio, que se manifesta clinicamente poredema e hipertensão arterial.

O edema presente nos pacientes portadores de nefropa-tia tem sido explicado por dois mecanismos diferentes. Nospacientes portadores de nefropatia sem hipoalbuminemia,ele tem sido imputado à retenção primária de sódio pelorim lesado, com aumento da volemia, aumento da pressãohidrostática intravascular e extravasamento de líquidopara o interstício, com conseqüente aparecimento de ede-ma. Nos pacientes onde ocorre hipoalbuminemia esta temsido responsabilizada pela formação do edema. Assim,nestes casos ocorreria perda de proteínas pelo rim, comconseqüente hipoalbuminemia, e diminuição da pressãooncótica do plasma; essa diminuição levaria a extravasa-mento de líquido para o interstício com formação de ede-ma, levando à hipovolemia, o que ativaria diferentes sis-temas de retenção de sódio (ativação do sistema renina-angiotensina, do sistema simpático e diminuição do fatornatriurético), agravando o edema.

Nos últimos anos têm surgido evidências de que a hipo-albuminemia como principal causa do edema na síndromenefrótica deve ser questionada. Assim, menos de 50% depacientes portadores de analbuminemia congênita apresen-tam edema; a volemia de pacientes com síndrome nefróticaestá normal ou aumentada em 70% dos casos; a concentra-ção intersticial de albumina nos pacientes nefróticos encon-tra-se em níveis semelhantes à concentração plasmática e,portanto, não existe a diferença de pressão oncótica entre ointravascular e o interstício; nos pacientes que apresentamremissão da síndrome nefrótica a excreção urinária de só-dio antecede o aumento da albumina plasmática. A expan-são da volemia de pacientes nefróticos resulta em discretoaumento da natriurese. Além do mais, tem sido demonstra-do que animais de experimentação com nefropatia unilate-ral apenas retêm sódio no rim lesado. Por estes motivos, hojese acredita que, mesmo nos pacientes com hipoalbuminemia,a origem do edema é a maior retenção de sódio provocadapela lesão renal e não conseqüente às alterações sistêmicas.

Alterações Metabólicas

O nível de albumina sérica do paciente com síndromenefrótica é resultado de um balanço onde os fatores maisimportantes são: a intensidade e a duração da perda uri-nária e a síntese hepática aumentada.

Outro fator que influencia este balanço é o aumento docatabolismo protéico. Normalmente a pequena quantida-

de de albumina filtrada é reabsorvida pelos túbulos pro-ximais. Nas situações onde existe aumento dessa filtraçãoocorre aumento da reabsorção tubular. A albumina reab-sorvida é catabolizada, o que contribui para hipoalbumi-nemia.

As alterações lipídicas encontradas na síndrome nefró-tica relacionam-se diretamente com os níveis de albuminaplasmática. A hipoalbuminemia é um estímulo para o au-mento da síntese protéica pelo fígado, o que leva à maiorsíntese de lipoproteínas de baixa densidade e de muitobaixa densidade; como as primeiras são carreadoras decolesterol e as segundas de triglicérides, ocorre hipercoles-terolemia e hipertrigliceridemia. Acresce-se a isso o fato deque hipoalbuminemias muito intensas inibem a lipólise.

O encontro de hipocalcemia não é incomum na síndro-me nefrótica. Como parte do cálcio plasmático está ligadaà albumina, esta pode ser explicada parcialmente pelaqueda da concentração plasmática desta proteína. Pode-seobservar também queda do cálcio iônico, que é explicadapela perda urinária de proteínas ligadas ao metabolismodesse íon [1,25(OH)2 colecalciferol e 24,25(OH)2 colecalci-ferol].

Outras complicações relativamente comuns na síndro-me nefrótica, como tromboses ou infecções repetidas, sãodecorrentes, pelo menos parcialmente, da perda urináriade fatores antitrombóticos e de imunoglobulinas, respec-tivamente.

Tratamento InespecíficoO tratamento específico de cada glomerulopatia será

discutido separadamente, porém algumas medidas toma-das, independentemente do tipo histológico, serão discu-tidas neste item.

Como foi dito anteriormente, um dos possíveis meca-nismos que contribuem na gênese da proteinúria é o au-mento da pressão intraglomerular. Esta depende basica-mente do fluxo sanguíneo glomerular e da resistência queo glomérulo opõe a esse fluxo. O primeiro depende dire-tamente da pressão arterial sistêmica e inversamente daresistência da arteríola aferente.

Os antiinflamatórios não-hormonais inibem a síntese deprostaglandinas, que são vasodilatadores da arteríola afe-rente, promovendo vasoconstrição desta arteríola, comconseqüente diminuição da pressão intraglomerular e daproteinúria.

Nos glomérulos, a angiotensina II induz vasoconstriçãoda arteríola eferente e das células mesangiais, levando aoaumento da pressão intraglomerular; portanto, quando asua síntese é inibida, ocorre diminuição desta pressão. Poresse motivo, os inibidores da enzima de conversão da an-giotensina I têm sido utilizados como droga antiproteinú-rica, com bons resultados.

Ambos os grupos de drogas citadas podem induzirqueda de filtração glomerular, que é reversível com a sua

capítulo 22 405

retirada. Em pacientes nos quais a filtração glomerular nãose apresenta muito comprometida, essa piora da filtraçãonão deve ser motivo para a suspensão da droga.

Outro modo de se tentar diminuir a pressão intraglome-rular, e com isso a proteinúria, é o uso de dietas hipoprotéi-cas, uma vez que essa dieta promove a vasoconstrição daarteríola aferente. A sua eficácia na redução da proteinúriaa longo prazo, em seres humanos, é ainda discutível.

O tratamento do edema deve ser feito preferencialmentecom diuréticos de alça. Estes são substâncias catiônicas, depequeno peso molecular, que após atingirem a correntesanguínea se ligam à albumina. No rim eles são captadospelas células do túbulo proximal e secretados para a luztubular, onde vão agir. Na síndrome nefrótica, devido àhipoalbuminemia, parte do diurético que atinge a corren-te circulatória não se liga à albumina e se difunde para ointerstício, diminuindo assim a sua concentração plasmá-tica. Além disso, na luz tubular ele se liga à albumina aípresente, inibindo a sua ação.

Por esses motivos, essas substâncias têm menor ação nopaciente com síndrome nefrótica. Assim, é preferível quese administrem altas doses de diurético de uma só vez, doque pequenas doses várias vezes ao dia. O fracionamentodas doses só deve ser feito quando a dose total a ser usadanas 24 horas for muito alta. Outro meio para se tentar au-mentar a ação do diurético é administrá-lo associado apequenas quantidades de albumina humana. Expansoresde volume tipo albumina, plasma humano ou dextran ra-ramente induzem natriurese nestes pacientes, podendoinduzir hipervolemia; assim, o seu uso deve ser avaliadocautelosamente.

Outra alteração importante é a presença de hipertensãoarterial. Na maior parte, senão em todas as glomerulopa-tias, demonstrou-se que o controle da hipertensão arterialexerce influência positiva na evolução da nefropatia, inde-pendentemente do anti-hipertensivo utilizado. Assim, ocontrole pressórico rigoroso deve ser um dos objetivos dotratamento.

A hipertrigliceridemia e a hipercolesterolemia são fato-res de risco para doença cardiovascular em indivíduosnormais. Pacientes com síndrome nefrótica apresentammaior risco de infarto agudo do miocárdio ou óbito devi-do a evento coronariano, quando comparados a indivídu-os não-nefróticos, do mesmo sexo e idade. O uso de dro-gas antilipêmicas nestes casos pode ser benéfico, emboraainda discutível.

Apesar do tratamento, uma certa percentagem dos pa-cientes portadora de glomerulonefrite evolui para insufi-ciência renal crônica terminal. Nestes casos a principal te-rapêutica preconizada é o transplante renal.

Recorrência da glomerulopatia de base ou desenvolvi-mento de uma nova glomerulonefrite (glomerulonefrite denovo) pode ocorrer em 1 a 2% dos pacientes transplanta-dos. Raramente, em cerca de 1 a 5% dos casos, estas glo-merulopatias podem levar à perda do enxerto.

Diagnóstico da GlomerulonefriteA suspeita clínica de glomerulonefrite geralmente é

bastante fácil. A principal queixa do paciente é de edemaacompanhado ou não de hipertensão arterial e hematúria.Sinais e sintomas de insuficiência cardíaca secundária ahipervolemia (dispnéia, hepatomegalia, estase jugular) ede uremia (perda de peso, fraqueza, anorexia, anemia,náuseas, vômitos etc.) podem estar presentes.

O diagnóstico de lesão glomerular se faz principalmen-te através do exame de urina. Assim, proteinúria é umaalteração praticamente obrigatória em todo paciente comglomerulopatia. Cilindros hemáticos e hemácias dismór-ficas, quando presentes, são altamente sugestivos de lesãoglomerular. A presença de leucócitos e cilindros leucoci-tários é comum, principalmente nos pacientes que apresen-tam reação exsudativa nos glomérulos.

O diagnóstico diferencial entre as diferentes glomeru-lopatias será discutido no final do capítulo.

GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA

A glomerulonefrite pós-estreptocócica pode ocorrer es-poradicamente na forma epidêmica, porém, é mais fre-qüente em casos isolados. Acomete mais pacientes do sexomasculino, com idade variando entre 2 e 6 anos, podendono entanto incidir em qualquer faixa etária.

Usualmente o aparecimento do quadro clínico é prece-dido em 7 a 21 dias por escarlatina, ou infecção de viasaéreas superiores ou por piodermite provocada por estrep-tococos, principalmente alguns tipos do grupo A deLancefield e mais raramente do grupo C.

A apresentação clínica é bastante variável, sendo des-critos desde quadros totalmente assintomáticos com dis-cretas alterações urinárias, até pacientes com insuficiênciarenal grave.

Em estudos epidemiológicos tem sido demonstrado quepara cada caso sintomático existem pelo menos quatro ca-sos assintomáticos. Comumente o paciente apresenta apa-recimento súbito de edema, hematúria macroscópica e hi-pertensão arterial, e eventualmente dor lombar é referida.O edema geralmente é pré-tibial e/ou palpebral e de peque-na intensidade. A hipertensão arterial geralmente é leve.Quando a hematúria é intensa, o paciente pode apresentarqueixa de disúria. Raramente, dependendo do tempo emque o paciente procura atendimento médico e da gravida-de da glomerulonefrite, o paciente pode apresentar sinaisde hipervolemia grave, tais como crise hipertensiva, convul-sões e edema agudo de pulmão. A função renal, quandoavaliada pela creatinina plasmática, geralmente se apresentanormal ou discretamente alterada. Pacientes com insufici-ência renal grave freqüentemente apresentam formação decrescentes e/ou necrose tubular aguda associada.

406 Glomerulonefrites Primárias

Laboratorialmente observa-se o aparecimento de marca-dores de infecção pregressa por estreptococos, tais como an-tiestreptolisina O, anti-hialuronidase, antiestreptoquinase etc.Esses marcadores estão presentes em pacientes que tiveraminfecção estreptocócica, tenham eles glomerulonefrite ou não.O exame de urina revela hematúria, com hemácias dismórfi-cas, cilindros hemáticos, leucocitúria e cilindros leucocitári-os. A proteinúria de 24 horas em 90% dos casos é menor que3 g. O consumo de complemento pode ser evidenciado peladiminuição de CH50 e C3 em praticamente 100% dos casos.Essa redução é transitória e normalmente desaparece entrequatro semanas e três meses após o início do quadro.

A maior parte dos pacientes apresenta remissão dos si-nais e sintomas duas a três semanas após o início do qua-dro, porém, hematúria microscópica mais freqüentemen-te, e proteinúria discreta, mais raramente, podem levarvários meses para desaparecer, sem que isso tenha algumsignificado prognóstico.

Estudos de longo prazo têm demonstrado que a glome-rulonefrite pós-estreptocócica raramente deixa seqüelas.Porém, em pequena percentagem de pacientes, principal-mente adultos, tem sido observada a presença de discre-tos sinais de acometimento renal 10 a 15 anos após o surtoinicial. Insuficiência renal grave como seqüela tem sidodescrita muito raramente.

Anatomia PatológicaÀ microscopia ótica (MO), a lesão glomerular é difusa,

com todos os glomérulos atingidos igualmente. Estes sãograndes, hipercelulares e isquêmicos; a luz capilar apresen-ta-se estreitada e às vezes até completamente obstruída(Fig. 22.1). Existe aumento de celularidade, devido princi-palmente à infiltração de polimorfonucleares, nos casosonde a biópsia é realizada precocemente; porém, na mai-or parte das vezes, a hipercelularidade é mesângio-endo-telial, devido à proliferação das células residentes e infil-tração de células mononucleares, provavelmente monóci-tos circulantes. Além destes achados, nos casos onde exis-te oligúria intensa ou anúria, ou ainda importante quedada filtração glomerular, podem ser observados crescentescelulares e/ou necrose tubular aguda associada. À micros-copia eletrônica (ME), observa-se expansão e hipercelulari-dade mesangiais. O achado mais característico é a presençade depósitos subepiteliais de tamanho variável chamadosde corcovas (humps) (Fig. 22.2). Depósitos elétron-densos sub-endoteliais e mesangiais são vistos freqüentemente.

Na microscopia de imunofluorescência (MIF) observam-sedepósitos de IgG e/ou C3 em praticamente todos os casos.Depósitos de IgM e IgA são encontrados mais raramente. Opadrão dos depósitos é variável. Nas biópsias realizadas maisprecocemente, IgG e C3 localizam-se tanto ao longo das alçascapilares como no mesângio (Fig. 22.3); em casos onde a bióp-sia é realizada mais tardiamente, observa-se que os depósitosse localizam no mesângio. Outro aspecto descrito é o de de-

pósitos granulares contínuos ao longo da membrana basal,acompanhado de poucos depósitos mesangiais. Este últimoaspecto parece estar relacionado com mau prognóstico.

EtiopatogeniaO estudo da etiopatogenia da glomerulonefrite pós-es-

treptocócica tem-se baseado nas seguintes observações: 1)apenas algumas cepas dos estreptococos são nefritogênicase 2) nem todos os indivíduos infectados por estas cepasdesenvolvem a doença, e portanto podemos deduzir que,

Fig. 22.1 Glomerulonefrite pós-estreptocócica: Glomérulo volu-moso, hipercelular, com infiltrado neutrofílico. (Microscopia óti-ca, aumento original 400�.)

Fig. 22.2 Grande depósito subepitelial em forma de corcova(hump) em paciente com glomerulonefrite pós-estreptocócica.(Microscopia eletrônica, aumento original 27.500�.)

capítulo 22 407

para o aparecimento desta nefrite, são necessários tanto apresença de cepa nefritogênica como de resposta imuneespecífica do paciente.

O tempo de latência entre a infecção e a doença, a associ-ação com a infecção estreptocócica, a presença de imuno-complexos circulantes, de depósitos imunes no mesângio ena região subepitelial sugerem que a glomerulonefrite pós-estreptocócica seja decorrente da interação de anticorposantiestreptococos com antígenos deste germe. Apesar deintensa procura, o antígeno ou antígenos componentes doimunocomplexo ainda não foram identificados.

Ainda não está estabelecido se a lesão renal é resultadode deposição de imunocomplexo circulante ou da ligaçãode antígenos estreptocócicos ao rim com subseqüente for-mação de imunocomplexo in situ.

Alguns estudos que têm procurado confirmar a teoriaauto-imune propõem a existência de reatividade cruzadaentre anticorpos contra antígenos da cápsula do estrepto-coco, os quais se ligariam aos antígenos normalmente pre-sentes nas estruturas glomerulares.

Outra teoria recente sugere que uma IgG sofreria mo-dificações, tornando-se imunogênica e desenvolvendo umaafinidade pelo glomérulo normal, onde se depositaria, ser-vindo como um antígeno plantado.

Seja qual for o mecanismo envolvido na formação dosdepósitos glomerulares na glomerulonefrite pós-estrepto-cócica, a resposta inflamatória responsável pela instalaçãoda lesão nefrítica é conseqüência da ativação do comple-mento, da liberação de fatores quimiotáticos e do recruta-mento de neutrófilos.

TratamentoO tratamento é basicamente sintomático, visando dimi-

nuir a sobrecarga hidrossalina. Neste sentido, o uso de

dieta hipossódica e de diuréticos de alça geralmente é su-ficiente. Raramente se faz necessário o uso de anti-hiper-tensivos, uma vez que normalmente a pressão arterial senormaliza com o uso das medidas acima. Quando o com-prometimento da função renal é intenso, ou o pacienteapresenta complicações de hipervolemia tais como edemaagudo de pulmão e convulsões, a diálise deve ser indica-da, desde que os diuréticos não tenham sido eficazes. O tra-tamento da estreptococcia deve ser feito quando ela aindaestiver presente. Como a incidência de recidiva é pequenae como um novo surto de glomerulonefrite não piora o prog-nóstico, o uso de tratamento profilático não está indicado.

Pontos-chave:

Glomerulonefrite pós-estreptocócica

• Início abrupto• Acomete geralmente crianças• Secundária a cepas nefritogênicas do

estreptococo• Apresentação: Edema, hematúria e

hipertensão arterial• Lesão glomerular homogeneamente difusa,

com exsudação leucocitária ehipercelularidade, e presença de depósitossubepiteliais (humps) e mesangiais

• Tratamento sintomático, não sendoindicada terapêutica profiláticaposteriormente

GLOMERULONEFRITECRESCÊNTICA

Sinonímia: Glomerulonefrite proliferativa extracapilar ou glome-rulonefrite rapidamente progressiva.

Dependendo do mecanismo etiopatogênico, a glomeru-lonefrite crescêntica (GNCresc) pode ser dividida em trêstipos. No tipo I a lesão glomerular é mediada por anticor-po antimembrana basal; no tipo II, por deposição de imu-nocomplexo circulante; e no tipo III (“pauciimune”) aagressão é conseqüente a uma reação de hipersensibilida-de celular.

A apresentação clínica é semelhante nos três tipos. Ge-ralmente o paciente apresenta quadro de instalação agu-da, com edema e hematúria macro- ou microscópica. Hi-pertensão arterial quando presente é leve. Em alguns pa-cientes a presença de síndrome nefrótica é a única mani-festação clínica. Sinais gerais como febre, dor musculardiscreta e dor articular não são incomuns. Oligúria acen-tuada ou anúria, e aumento rápido da creatinina, são si-nais que sugerem o diagnóstico de GNCresc.

Fig. 22.3 Deposição de complemento (C3) em alça capilar e emmesângio, em padrão granular, em paciente com glomerulone-frite pós-estreptocócica. (Microscopia de imunofluorescência,aumento original 400�.)

408 Glomerulonefrites Primárias

Hematúria com cilindros hemáticos e proteinúria inten-sa são achados freqüentes. Apesar da possível ocorrênciade proteinúria maciça, hipoalbuminemia e hipercolestero-lemia são raras, provavelmente devido à curta duração dadoença.

A creatinina plasmática geralmente se apresenta eleva-da já na primeira consulta, podendo, no entanto, estar nor-mal. A evolução da função renal depende do número etamanho dos crescentes observados (v. Anatomia patoló-gica). Pacientes com crescentes circulares em 80 a 100% dosglomérulos geralmente evoluem em poucas semanas oumeses para insuficiência renal terminal. Pacientes com le-sões menos intensas podem levar alguns anos para neces-sitar de tratamento dialítico.

Embora as manifestações renais sejam semelhantes nostrês tipos, alguns dados podem ajudar no diagnóstico di-ferencial. No tipo I os pacientes são jovens, no tipo II ouIII os pacientes são de meia idade ou mais velhos. Em re-lação ao sexo, na GNCresc tipo III existe predomínio dosexo masculino, enquanto nas outras duas não existe di-ferença.

Na GNCresc tipo I alguns pacientes referem inalação devapor de hidrocarbonetos, ou infecção inespecífica de viasaéreas superiores antecedendo o aparecimento da nefro-patia, o que não acontece nos outros dois tipos.

A presença de anticorpo circulante antimembrana ba-sal glomerular sugere tipo I, diminuição de C3 e CH50 eimunocomplexos circulantes são mais freqüentes no tipoII, e anticorpos antiantígenos citoplasmáticos de neutrófilos(ANCA) ocorrem em aproximadamente 80% dos pacientes comGNCresc tipo III.

Anatomia PatológicaA GNCresc caracteriza-se pela presença de várias cama-

das de células, que preenchem o espaço de Bowman assu-mindo forma de meia-lua (crescentes celulares) (Fig. 22.4).Nos casos onde a biópsia é realizada mais tardiamente, ascélulas são progressivamente substituídas por tecido co-lágeno, o que dá ao crescente aspecto fibrocelular e final-mente fibroso. Experimentalmente tem sido demonstra-do que a síntese de tecido colágeno tem início já nas pri-meiras 24 horas após a indução da nefropatia, o que expli-ca a presença, em uma mesma biópsia, de crescentes comgraus variáveis de fibrose.

A presença de crescentes, embora característica, não épatognomônica. Crescentes têm sido descritos em pratica-mente todas as glomerulopatias. Dentre estas, além daGNCresc, as glomerulonefrites pós-estreptocócica, mem-branoproliferativa tipo II e por IgA são as que mais fre-qüentemente podem apresentá-los.

O crescente é resultado da proliferação das células epi-teliais da cápsula de Bowman e da infiltração de célulascirculantes como macrófagos e linfócitos T. Quando existeruptura da cápsula de Bowman, existe predomínio das

células infiltrantes (macrófagos, linfócitos T e fibroblastos)sobre as células epiteliais.

Rupturas da membrana basal do glomérulo e da cápsulade Bowman e compressão do tufo capilar pelos crescentes sãooutras alterações encontradas à microscopia ótica. A presen-ça de fenômenos exsudativos faz suspeitar do diagnóstico deglomerulonefrite pós-estreptocócica. Em casos mais avança-dos, podem-se encontrar glomérulos obsolescentes.

Ao microscópio eletrônico, observam-se soluções decontinuidade da membrana basal tanto do glomérulo comoda cápsula de Bowman e deposição de fibrina no espaçode Bowman. No tipo II observa-se presença de depósitoselétron-densos mesangiais e no espaço subendotelial. NasGNCresc tipos I e III os depósitos estão ausentes.

A diferenciação entre os três tipos de GNCresc se faz,basicamente, através da microscopia de imunofluorescên-cia. O aspecto típico da GNCresc tipo I é a deposição line-ar de IgG (raramente IgA) e complemento ao longo damembrana basal glomerular. Na GNCresc tipo II observa-se deposição de IgG e/ou IgM comumente associada a C3,em padrão granular ao longo da membrana basal glome-rular e no mesângio. A imunofluorescência do tipo III énegativa ou apresenta apenas traços de imunoglobulinase complemento. A presença de fibrina no espaço deBowman é comum aos três tipos.

EtiopatogeniaA formação dos crescentes pode ser mediada por três

mecanismos diferentes: reação antígeno-anticorpo in situ(anticorpo antimembrana basal glomerular, GNCresc tipoI), deposição de imunocomplexos circulantes (GNCresctipo II) e alterações da imunidade celular (GNCresc tipoIII ou glomerulonefrite “pauciimune”).

Fig. 22.4 Crescente celular, em forma de semilua, em pacienteportador de glomerulonefrite crescêntica. (Microscopia ótica,aumento original 400�.)

capítulo 22 409

No tipo I foi demonstrada a presença de anticorpos con-tra antígenos da membrana basal glomerular. Estes anti-corpos geralmente reagem também contra membrana ba-sal alveolar. Como alguns casos apresentam associaçãocom aspiração de vapores de hidrocarbonetos, tem sidoproposto que a lesão pulmonar liberaria antígenos damembrana basal alveolar, que ao entrarem em contato comas células imunocompetentes dariam origem à produçãode anticorpos que iriam se ligar à membrana basal glome-rular provocando a glomerulonefrite.

A membrana basal glomerular é recoberta por endoté-lio fenestrado, enquanto o endotélio pulmonar não apre-senta essas fenestrações. Isto facilita o contato dos anticor-pos circulantes com os antígenos presentes na membranabasal glomerular, o que explica por que a lesão renal ocor-re na ausência de lesão pulmonar. A existência de lesãopulmonar associada à lesão glomerular caracteriza a sín-drome de Goodpasture.

No tipo II a presença de imunocomplexo no plasma ena membrana basal glomerular sugere que esta lesão sejamediada pela deposição de imunocomplexos circulantes,embora o(s) antígeno(s) não tenha(m) sido identificado(s).

A ocorrência de anticorpos anticitoplasma de leucóci-tos (ANCA) e a imunofluorescência glomerular negativa,levou alguns autores a proporem que a GNCresc tipo IIIpoderia ser na verdade uma arterite sistêmica (principal-mente a granulomatose de Wegener), que por algum mo-tivo desconhecido ficaria restrita ao rim.

Apesar de os mecanismos de lesão da membrana basalglomerular serem diferentes nos três tipos, a patogênesedos crescentes não difere entre eles.

Inicialmente ocorre ruptura da membrana basal glo-merular, o que permite a passagem de fibrinogênio parao espaço de Bowman. O fibrinogênio aí localizado sepolimeriza e dá origem à fibrina, e esta vai estimular a pro-liferação das células epiteliais da cápsula de Bowman e ainfiltração de células sanguíneas (linfócito T, macrófagose fibroblastos). Além disso, a fibrina serve como arcabouço paraa formação do crescente. Posteriormente os fibroblastos presen-tes nos crescentes passam a sintetizar colágeno, o que vaitransformar o crescente celular em crescente fibroso.

TratamentoO tratamento das glomerulonefrites crescênticas difere

de grupo para grupo, porém nos três grupos o tempo quese demora em instituir o tratamento é fator primordial naresposta terapêutica, o que torna o diagnóstico da GNCrescum procedimento de urgência.

Nos pacientes com GNCresc tipo I o uso de plasmafé-rese associado a drogas citotóxicas (ciclofosfamida ou aza-tioprina) e corticóide tem dado bons resultados, desde queinstituído precocemente. No tipo II vários esquemas tera-pêuticos têm sido propostos, sendo que o uso de três aquatro pulsos de metilprednisolona (1 g intravenosa, du-

rante três ou quatro dias consecutivos), seguido de pred-nisona oral, parece apresentar resultados efetivos, porémo número de trabalhos controlados é muito pequeno. O usode imunossupressão mais intensa não parece associar-secom melhora de função renal, mas aumenta em muito amorbidade.

Na GNCresc tipo III tanto o pulso de metilprednisolo-na como a ciclofosfamida por via oral têm sido propostos.A tendência atual é de se usar ciclofosfamida, porém a viaa ser utilizada ainda é discutível.

Glomerulonefrite Crescêntica eTransplante

A recorrência de glomerulonefrite antimembrana basalglomerular (tipo I) em rins transplantados é de aproxima-damente 2%, sendo na maioria dos casos apenas histoló-gica, e a perda do enxerto secundária a esta glomerulopa-tia é rara. Quanto às GNCresc tipos II e III, existem poucosdados na literatura, porém a recorrência parece ser rara.

Pacientes portadores de síndrome de Alport, quandotransplantados, podem raramente desenvolver GNCresctipo I no enxerto. Estes indivíduos apresentam deficiênciada cadeia �3 do colágeno tipo IV, o antígeno contra o qualos anticorpos antimembrana basal glomerular responsá-veis pelo desencadeamento da GNCresc tipo I são dirigi-dos. Quando estes pacientes entram em contato com estasubstância, presente no enxerto, reconhecem-na como não-própria e produzem anticorpos, desenvolvendo assim aglomerulonefrite crescêntica tipo I de novo.

Pontos-chave:

• Instalação aguda• Idade: Tipo I, jovens; II e III, meia idade• Sexo: Tipo III, predominância no sexo

masculino• Clínica: Edema, hematúria e sinais gerais

inespecíficos• Dados laboratoriais: Aumento rápido da

creatinina plasmática, hematúria eproteinúria

• MO: Presença de crescentes celulares noespaço de Bowman

• MIF: Padrão linear (tipo I); padrão granular(tipo II) ou ausência de depósitosfluorescentes (tipo III)

• Tratamento: Tipo I, plasmaférese,corticóide e drogas citotóxicas; Tipo II,pulso de metilprednisolona seguido deprednisona oral; Tipo III, pulso deciclofosfamida

410 Glomerulonefrites Primárias

NEFROPATIA POR IgA

Sinonímia: Nefropatia de Berger

A nefropatia de Berger apresenta incidência variávelatravés do mundo, sendo a nefropatia mais comum na Ásiae Europa. Nos Estados Unidos ela apresenta menor pre-valência. Se essa diferença reflete apenas diferenças quan-to à indicação de biópsia ou é real, não está ainda estabele-cido. Ela ocorre em qualquer faixa etária, sendo incomumem pacientes com idade inferior a 10 anos e superior a 50anos; a idade média gira em torno dos 20 a 30 anos. Existepredomínio do sexo masculino de aproximadamente 3:1.É incomum na raça negra.

A apresentação clínica mais comum é a de surtos de he-matúria macroscópica, ou microscópica associada a infec-ções inespecíficas de vias aéreas superiores ou ao exercíciofísico. Freqüentemente o paciente apresenta quadro de mal-estar generalizado, com dores musculares discretas, acom-panhado de disúria. Mais raramente, pode apresentar sín-drome nefrótica. Hipertensão arterial ocorre em torno de10% dos casos. A função renal, quando avaliada pela creati-nina plasmática, apresenta-se normal. Laboratorialmenteobservam-se hematúria, caracterizada por hemácias dismór-ficas e/ou cilindros hemáticos, e proteinúria em torno de 1a 2 g nas 24 horas. Elevação da IgA plasmática ocorre em50% dos casos. Biópsia de pele do antebraço revela que 25 a50% dos pacientes apresentam deposição de IgA, C3 e fibri-na nos capilares da derme.

No seguimento observam-se surtos de hematúria ma-croscópica e nos períodos entre surtos é comum o pacien-te apresentar proteinúria discreta e hematúria microscópi-ca. Insuficiência renal aguda transitória, associada a hema-túria macroscópica, tem sido descrita raramente.

O comprometimento da função renal nestes pacientes émuito variável. Na maior parte a função renal se mantémnormal. Outros podem apresentar queda lenta e progres-siva da filtração glomerular. Após 20 anos de seguimentoobserva-se que entre 20 e 30% dos casos desenvolvem in-suficiência renal crônica. Pacientes com surtos de hematú-ria macroscópica costumam apresentar função renal está-vel, enquanto aqueles com síndrome nefrótica persisten-te, ou glomérulos esclerosados vistos à biópsia renal, evo-luem mais freqüentemente para insuficiência renal.

Anatomia PatológicaO aspecto à microscopia ótica é bastante variável. O mais

comumente descrito é o de proliferação de células mesan-giais com expansão da matriz. Estas alterações tanto po-dem ser difusas como focais. Algumas vezes observa-seacentuação focal e segmentar da proliferação celular. Emcasos mais avançados, pode-se observar a presença de es-clerose glomerular focal e segmentar. Raramente crescen-

tes celulares podem ser observados. Alguns pacientes apre-sentam glomérulos normais. A análise ao microscópio ele-trônico revela a existência de depósitos elétron-densosprincipalmente no mesângio e região paramesangial. De-pósitos subendoteliais também podem ser encontrados.Nos casos onde a biópsia foi realizada após surto de hema-túria macroscópica, é possível encontrar depósitos subepi-teliais com aspecto semelhante a corcovas (humps), iguais aosobservados na glomerulonefrite pós-estreptocócica.

Por definição, encontra-se na microscopia de fluorescên-cia deposição mesangial de IgA, de padrão granular, que ésempre a imunoglobulina predominante (Fig. 22.5). Esta podeestar isolada ou, mais freqüentemente, associada com depó-sitos de IgG e C3. IgM, C1q e C4 raramente são encontradas.

Etiopatogenia

Pacientes portadores de nefropatia por IgA apresentamaumento dos níveis séricos desta imunoglobulina, quepoderia ser conseqüente quer do aumento de sua síntesepor linfócitos presentes nas mucosas ou circulantes, querpela diminuição de sua depuração hepática e/ou esplêni-ca. Outra alteração freqüentemente descrita é a presençade imunocomplexos circulantes.

A hipótese mais aceita atualmente é a de que esta ne-fropatia é decorrente da deposição renal dos imunocom-plexos circulantes. A demonstração de que animais imu-nizados por via oral, com diferentes antígenos, desenvol-vem deposição mesangial de IgA, e a presença de antíge-nos dietéticos nos imunocomplexos circulantes, levanta apossibilidade de que os antígenos poderiam ser originári-os da dieta. Outras possíveis fontes de antígenos sugeri-das têm sido as infecções virais, como por exemplo a in-fecção por citomegalovírus.

Outro mecanismo aventado é que esta nefropatia depen-da da deposição mesangial de agregados de IgA, sem in-

Fig. 22.5 Deposição de mesangial de IgA, em padrão granular,em paciente portador de nefropatia por IgA. (Microscopia deimunofluorescência, aumento original 400�.)

capítulo 22 411

teração com antígenos. Esta hipótese é reforçada pela de-monstração de que agregados de IgA são capazes de fixarcomplemento, o que explicaria a presença de C3 no tecidorenal. No entanto, não explicaria a deposição de outrasimunoglobulinas que são normalmente encontradas.

Frente à sua semelhança histológica com a nefropatia ob-servada na púrpura de Henoch-Schönlein, vários autores têmproposto que ambas seriam a mesma doença. Na visão des-tes, a púrpura de Henoch-Schönlein poderia manifestar-seclinicamente de diferentes modos, sendo um deles apenascom lesão renal, o que corresponderia à nefropatia por IgA.

TratamentoNa maior parte das vezes o tratamento é apenas sintomá-

tico. Vários esquemas com drogas citotóxicas ou corticoste-róides têm sido utilizados sem resultados positivos. O usode fenitoína foi capaz de diminuir o nível sérico da IgA,porém não alterou a história natural da nefropatia. Em pa-cientes que apresentam proteinúria maciça, com o rim nor-mal à microscopia ótica, o uso de corticosteróides tem-seassociado com remissão da síndrome nefrótica.

O uso de dietas com pequena quantidade de antígenosé outro enfoque terapêutico que vem sendo tentado. Empacientes com rápido declínio de função renal, o uso dealtas doses de IgG humana tem sido proposto.

Mais recentemente tem-se preconizada a utilização deóleo de peixe, rico em ácidos graxos ômega-3 eicosapenta-enóico e decosaexaenóico, no tratamento desta nefropatiaassociada a déficit de função renal e/ou síndrome nefróti-ca, com resultados promissores mas ainda não conclusivos.

Nefropatia por IgA e Transplante

A recorrência da nefropatia por IgA em rins transplan-tados varia nas diversas séries entre 25 e 50% dos casos. Aapresentação clínica da recidiva, na maioria das vezes,

manifesta-se com hematúria macro- ou microscópica, sen-do que a presença de síndrome nefrótica é rara. O diagnós-tico é feito geralmente no primeiro ano pós-transplante, eperda do enxerto devido à recorrência ocorre em menosde 10% dos casos.

GLOMERULONEFRITEMEMBRANOPROLIFERATIVA

(GNMP)

Sinonímia: Glomerulonefrite hipocomplementêmica, glomerulo-nefrite lobular, glomerulonefrite mesangial crônica, glomerulo-nefrite parietoproliferativa, glomerulonefrite mesangiocapilar.Termos mais utilizados: GNMP ou glomerulonefrite mesângio-capilar.

A glomerulonefrite membranoproliferativa é predomi-nantemente doença de indivíduos jovens, podendo ocorrer,no entanto, em qualquer faixa etária, sendo que em tornode 70% dos pacientes apresentam idade inferior a 30 anoscom discreta predominância do sexo feminino (52 a 58%).

A presença de infecções de vias aéreas superiores ante-cedendo o aparecimento da GNMP, segundo relatos, va-ria em torno de 40%.

Síndrome nefrótica na primeira consulta ocorre entre 40e 70% dos pacientes; em torno de 20% apresentam síndro-me nefrítica aguda; hematúria e proteinúria assintomáti-ca é outro modo de essa nefropatia apresentar-se, com fre-qüência variando entre 15 e 30% dos casos. Entre 5 e 10%dos pacientes procuram atendimento médico devido a he-matúria macroscópica recorrente. A síndrome nefríticaaguda ocorre com maior freqüência em indivíduos maisjovens.

A freqüência de hipertensão arterial, conforme algunsestudos, varia entre 40 e 75%, porém os diferentes autorestêm definido hipertensão arterial como pressão arterialdiastólica superior a 95 ou 100 mm Hg. Como a hiperten-são arterial presente nesta nefropatia geralmente é leve, asua freqüência provavelmente está subestimada. Quandose define hipertensão arterial como pressão arterial dias-tólica maior que 90 mm Hg como o preconizado, observa-se que 95% dos pacientes são hipertensos.

Diminuição da filtração glomerular na primeira consultaocorre entre 40 e 60% dos casos, sendo que entre 10 e 25%apresentam depuração da creatinina endógena inferior a40 ml/min ou creatinina sérica superior a 5 mg/dl. Paci-entes com insuficiência renal grave na primeira consultadevem ser estudados no sentido de excluir outras causas,que não a lesão glomerular, como responsável pela quedada filtração glomerular, como por exemplo necrose tubu-lar aguda associada.

Insuficiência renal na primeira consulta ocorre mais fre-qüentemente em pacientes com idade superior a 15 anos,

Pontos-chave:

Nefropatia por IgA

• Maior prevalência na Ásia e Europa• Acomete pacientes jovens, geralmente do

sexo masculino• Secundária à deposição renal de

imunocomplexos circulantes• Apresentação: Surtos de hematúria macro-

ou microscópica associados a infecções viraisdo trato respiratório ou a exercício físico

• MO: Variável, com deposição predominantede IgA em mesângio à imunoflorescência

• Tratamento: Óleo de peixe (?), corticóide (?)

412 Glomerulonefrites Primárias

associa-se a hipertensão arterial e não tem relação com apresença de síndrome nefrótica ou com o tipo da GNMP.Correlaciona-se com as alterações do interstício e não comas glomerulares.

Uma das características mais importantes dessa lesão éa hipocomplementemia, principalmente devido à queda deC3. A freqüência com que ocorre esta hipocomplemente-mia é variável de acordo com o tipo histológico. Quandose analisa a GNMP como um todo se observa queda do C3sérico em torno de 40 a 60% dos casos. Na GNMP tipo II,hipocomplementemia ocorre em torno de 70 a 90% dospacientes. Este achado é importante para o diagnóstico,porque as outras patologias que cursam com síndromenefrótica geralmente apresentam nível sérico de C3 normal.

A história natural dessa doença é variável, porém a mai-or parte dos pacientes apresenta queda progressiva da fun-ção renal. Remissão completa da síndrome nefrótica ocor-re, segundo relatos, entre 2 e 10% dos casos, e remissão par-cial e transitória, em torno de um terço dos pacientes.

A sobrevida renal cinco anos após o diagnóstico temvariado entre 51 e 75% e em 10 anos, entre 36 e 65%. Emcrianças, McEnery observou sobrevida renal de 80% após10 anos de seguimento. Este melhor prognóstico para cri-anças, no entanto, não tem sido observado por outros au-tores.

As principais alterações que, quando presentes na pri-meira consulta, indicam mau prognóstico são: insuficiên-cia renal, hipertensão arterial, síndrome nefrótica, presen-ça de crescentes e de lesão túbulo-intersticial. Recentemen-te, foi relatado que pacientes com síndrome nefrótica apre-sentam pior prognóstico apenas nos primeiros anos deseguimento, porém, após um seguimento médio de 12anos, o prognóstico é semelhante, quer o indivíduo apre-sente ou não síndrome nefrótica.

A atividade da doença, assim como a evolução do paci-ente para insuficiência renal, não é influenciada pela pre-sença de hipocomplementemia ou pelo tipo da GNMP.

Anatomia PatológicaDe acordo com o achado anatomopatológico, a GNMP

pode ser classificada em GNMP tipos I, II ou III; o tipo IIItem sido considerado, por alguns autores, como variantedo tipo I.

À microscopia ótica, a GNMP tipo I caracteriza-se pelapresença de hipercelularidade glomerular, expansão damatriz mesangial e duplicação da membrana basal glome-rular. A hipercelularidade é devida principalmente à pro-liferação mesângio-endotelial, porém, em alguns casos,pode ser encontrada também infiltração glomerular depolimorfonucleares. Quando a proliferação celular e a ex-pansão da matriz mesangial são muito intensas, ocorreacentuação do caráter lobular dos glomérulos, que assu-mem o aspecto da assim chamada glomerulonefrite lobu-lar (Fig. 22.6).

Quando os glomérulos são corados por sais de prata,observa-se que a membrana basal glomerular apresenta-se como duas linhas pretas, separadas por zona clara, o quedá aspecto de duplicação (Fig. 22.7), que é geralmente fo-cal e, freqüentemente, envolve apenas segmentos das al-ças capilares. Esta duplicação é decorrente da presença dedepósitos imunes subendoteliais, que afastam o endotélioda membrana basal capilar; o endotélio neoforma umaoutra membrana basal, assim como o mesângio se inter-põe neste espaço para fagocitar os depósitos.

Crescentes pequenos podem ser vistos com certa fre-qüência; crescentes circunferenciais podem estar presen-tes em torno de 10 a 20% dos casos.

Fig. 22.6 Acentuação da lobulação glomerular, aumento de celu-laridade e espessamento de membrana basal glomerular em pa-ciente com glomerulonefrite membranoproliferativa. (Microsco-pia ótica, aumento original 400�.)

Fig. 22.7 Focos de duplicação da membrana basal glomerular empaciente portador de glomerulonefrite membranoproliferativatipo I. (Microscopia ótica, impregnação pela prata, aumento ori-ginal 400�.)

capítulo 22 413

Ao microscópio eletrônico, observa-se que a imagem deduplicação da membrana basal glomerular é decorrente daexistência de membrana basal glomerular normal e de umanova membrana basal formada imediatamente abaixo dascélulas endoteliais. Entre essas duas membranas existemprolongamentos da célula mesangial, citoplasma da célu-la endotelial e depósitos elétron-densos. Estes geralmentesão pequenos ou intermediários e se localizam no espaçosubendotelial; pequenos depósitos mesangiais podem tam-bém ser vistos, principalmente na fase inicial da doença(Fig. 22.8). Outras alterações observadas são a presença deexpansão da matriz mesangial e aumento da celularidade,principalmente à custa de células mesangiais. Além des-sas alterações, alguns pacientes apresentam depósitossubepiteliais e espículas da membrana basal. Estas altera-ções são vistas na GNMP tipo III. Em alguns pacientes comGNMP tipo I observam-se também ruptura e replicação dalâmina densa e presença de grandes depósitos ocupandotoda a membrana basal. À imunofluorescência observa-sedeposição de imunoglobulinas, principalmente IgG e IgM.Deposição de C3 se encontra praticamente em 100% doscasos, C1q e C4 são encontrados menos freqüentemente.Estes depósitos localizam-se na membrana basal glomeru-lar e no mesângio (Fig. 22.9).

As lesões observadas ao microscópio ótico, na GNMPtipo II, são muito semelhantes às observadas no tipo I,porém a duplicação da membrana basal glomerular é maisrara, e crescentes circunferenciais podem ser observadosmais freqüentemente. O aspecto da microscopia eletrôni-ca característica desta lesão é a deposição linear, na lâmi-na densa, de uma substância com elétron-densidade vári-as vezes maior que os componentes normais da membra-

na basal glomerular (Fig. 22.10). Algumas vezes, a maiorparte da lâmina densa pode estar envolvida, outras vezesexiste alternância de segmentos normais com segmentosalterados. Devido a tais depósitos na membrana basalglomerular, este tipo de GNMP é também denominado deDoença dos Depósitos Densos (DDD). Depósitos idênticostêm sido vistos tanto na cápsula de Bowman como na mem-brana basal tubular. Além dos depósitos, expansão da ma-triz mesangial e hipercelularidade também estão presentes.

Deposição de complemento ocorre em praticamente100% dos casos e de imunoglobulinas ocorre menos fre-qüentemente, tanto na membrana basal glomerular como

Fig. 22.8 Interposição de célula mesangial (M), duplicação demembrana basal e depósitos subendoteliais (seta) em pacienteportador de glomerulonefrite membranoproliferativa tipo I. (Mi-croscopia eletrônica, aumento original 8.000�.)

Fig. 22.9 Deposição granular de IgG ao longo da membrana ba-sal glomerular e na região mesangial em paciente portador deglomerulonefrite membranoproliferativa. (Microscopia de imu-nofluorescência, aumento original 400�.)

Fig. 22.10 Deposição linear de material elétron-denso ao longo damembrana basal glomerular em paciente portador de glomeru-lonefrite membranoproliferativa tipo II. (Microscopia eletrônica,aumento original 10.000�.)

414 Glomerulonefrites Primárias

no mesângio. Na membrana basal, os depósitos têm aspec-to variável, como granular, linear, pseudolinear, rugoso enodular. No mesângio, ocorre deposição sob a forma degrânulos esparsos que podem ou não ser confluentes. Den-tre os vários componentes do sistema complemento, depó-sitos de C3 ocorrem em praticamente 100% dos casos, omesmo acontecendo com a properdina; os componentesiniciais do sistema complemento (C1q e C4) raramenteestão presentes.

EtiopatogeniaA patogenia da GNMP ainda é obscura, principalmen-

te a da GNMP tipo II.A presença de depósitos de imunoglobulinas e comple-

mento no espaço subendotelial e no mesângio, as alteraçõesdo sistema complemento e o relato de que pacientes porta-dores de infecções crônicas, neoplasias e colagenoses apresen-tam lesão histológica semelhante são observações que suge-rem que a GNMP tipo I poderia ser mediada pelo sistemaimune, provavelmente pela deposição renal de imunocom-plexos circulantes. Esta hipótese é reforçada pela demonstra-ção de que coelhos tratados com inoculações repetidas deovoalbumina podem desenvolver este tipo de nefrite.

No entanto, na GNMP tipo II a participação do sistemaimune na sua gênese é bastante controvertida. Os depósi-tos observados neste tipo têm aspecto peculiar, não sendoobservado em outras glomerulopatias humanas aceitascomo mediadas pelo sistema imune. Experimentalmentenão se conseguiu até hoje reproduzir este tipo de depósi-tos com várias manipulações do sistema imune.

Diferentes estudos têm demonstrado que os depósitoselétron-densos não são componentes normais da membra-na basal glomerular nem imunoglobulinas, não são com-plemento e não apresentam tecido colágeno na sua estru-tura. Alguns autores têm proposto que esses depósitosseriam conseqüência de alterações bioquímicas da mem-brana basal. Se os depósitos não são típicos de imunocom-plexos, e portanto argumentam contra a participação dosistema imune na gênese da GNMP tipo II, a deposição deimunoglobulinas e complemento no parênquima renal eas alterações do complemento sugerem a participação destesistema. Uma possibilidade é que os depósitos densos se-riam imunocomplexos modificados por alguma respostado hospedeiro.

Uma das características da GNMP é a presença de hipo-complementemia, que pode ser contínua ou alternar comperíodos de normocomplementemia. Nos pacientes comGNMP tipo II, a hipocomplementemia é mais freqüente e éconseqüência principalmente da ativação da via alternati-va. Pacientes portadores de GNMP tipo II apresentam auto-anticorpos circulantes (fator nefrítico-C3) que são capazesde ativar a via alternativa do sistema complemento.

A importância destas alterações na gênese e evoluçãoda nefropatia não está ainda definida. As observações de

que não existe relação entre a hipocomplementemia e aatividade ou prognóstico da nefropatia, que a nefrectomiabilateral não altera os níveis séricos dos componentes dosistema complemento e que alguns pacientes apresentamfator nefrítico-C3 e hipocomplementemia sem apresentarnefropatia sugerem não existir relação direta entre as alte-rações do sistema complemento e a GNMP. Além disso,tem sido demonstrado experimentalmente que a ativaçãocrônica do sistema complemento não promove nefropatia.

O sistema complemento participa da defesa do organis-mo contra infecções e também é importante na solubiliza-ção e clareamento de imunocomplexos circulantes. Assimsendo, outra possibilidade é que pacientes hipocomple-mentêmicos apresentem maior freqüência de infecções oumaior dificuldade de clareamento de imunocomplexos, ouambos, o que facilitaria a deposição de imunocomplexosnos glomérulos, dando origem à GNMP. A descrição deque pacientes ou carneiros deficientes em componentes dosistema complemento apresentam maior freqüência deGNMP reforça esta hipótese.

Tratamento

Vários têm sido os esquemas propostos para o tratamen-to da GNMP, porém a maior parte dos estudos têm sidoretrospectivos, sem grupo controle, o que torna difícil aanálise dos resultados. Estudos não controlados analisan-do a ação dos corticosteróides têm apresentado resultadoscontraditórios. Em estudo controlado em que se avaliou aação da corticoterapia sobre a história natural da GNMPtipo I, não se observaram diferenças entre o grupo que re-cebeu placebo e o grupo tratado.

Inicialmente, foi proposto que o uso da associação he-parina, corticosteróides, ciclofosfamida e dipiridamol di-minuía a progressão para insuficiência renal; porém, pos-teriormente foi demonstrado em estudo controlado queesse esquema terapêutico, além de não alterar a evoluçãonatural, ainda apresentou grande número de efeitos cola-terais, obrigando a suspensão do tratamento.

Estudo prospectivo controlado demonstrou que o usode dipiridamol associado ao uso de aspirina, em pacien-tes adultos com síndrome nefrótica e déficit da função re-nal, levaram à redução dos níveis de proteinúria, porém,o trabalho teve duração muito curta, impedindo a avalia-ção da terapêutica frente à função renal.

GlomerulonefriteMembranoproliferativa

e Transplante RenalA prevalência de recidiva na GNMP varia de 20 a 30%

no tipo I e de 70% a 100% dos casos no tipo II, dependen-do da política de biópsia de cada serviço.

capítulo 22 415

O diagnóstico de recorrência é feito em média 10 a 30meses após o transplante na GNMP tipo I, e na GNMP tipoII é imediato, do ponto de vista histológico, ocorrendo sín-drome nefrótica em 1/3 dos casos.

A concentração do nível sérico de complemento nãoparece predizer a recorrência; já a rápida evolução parainsuficiência renal e a presença de extensos crescentes nosrins primitivos têm-se associado à maior freqüência de re-corrência.

Pontos-chave:

Glomerulonefrite membranoproliferativa

• Acomete pacientes jovens• GNMP tipos I e III secundária à deposição

renal de imunocomplexos circulantes; tipoII (?)

• Apresentação: Proteinúria e hipertensãoarterial

• Dados laboratoriais: Queda de C3,hematúria microscópica e queda da filtração

• MO: Hipercelularidade, expansão da matrizmesangial e duplicação da MBG

A perda do enxerto devido à recidiva varia de 10 a 40%na GNMP tipo I e de 10 a 20% na tipo II, ocorrendo princi-palmente nos pacientes com síndrome nefrótica.

GLOMERULONEFRITE PORLESÕES MÍNIMAS

Sinonímia: Nefrose lipoídica ou doença dos processos podálicos.

A glomerulonefrite por lesões mínimas é a causa maiscomum de síndrome nefrótica em crianças (80 a 95%) e,em adultos, responde por aproximadamente 25% das ne-fropatias primárias que cursam com síndrome nefrótica.Ocorre principalmente na faixa etária entre 1 e 6 anos,tendo porém sido descrita em todas as idades. Em tornode 70% das crianças acometidas são do sexo masculino.A apresentação clínica clássica é a de síndrome nefróticasem hipertensão arterial ou hematúria, com função renalconservada, podendo ser precedida por infecção inespe-cífica de vias aéreas ou por infecção viral. Hipertensãoarterial diastólica pode estar presente em torno de 10%das crianças e 30% dos adultos; a freqüência de hematú-ria microscópica oscila em torno de 30%. A existência dehematúria macroscópica praticamente exclui o diagnós-tico de lesões mínimas. Geralmente a proteinúria é maci-ça e à custa de albumina (proteinúria seletiva), acompa-nhada por reduzido nível sérico de albumina e hiperlipi-demia. Na primeira consulta, tem sido relatado que ocorre

elevação discreta da creatinina, em torno de 25 a 30% doscasos.

Na evolução desta nefropatia tem sido descrito raramen-te o aparecimento de surtos de insuficiência renal aguda, queusualmente revertem apenas com uso de diurético. O meca-nismo dessa insuficiência não é claro, porém tem sido pro-posto que ela seria conseqüência da obstrução intratubularpor cilindros protéicos ou devido à presença de edema intra-renal. Remissão espontânea da síndrome nefrótica tem sidodescrita, porém usualmente a remissão é obtida com uso decorticosteróides ou drogas citotóxicas (v. Tratamento).

Em torno de 30% dos pacientes apresentam recidiva dasíndrome nefrótica, que pode ser desencadeada por infec-ção viral, principalmente parotidite epidêmica.

Anatomia PatológicaÀ microscopia ótica, observa-se que os glomérulos são

praticamente normais, podendo, no entanto, apresentardiscreta hipercelularidade mesangial e hipertrofia dospodócitos. Presença de gotículas de lipídios nas células dostúbulos proximais é um achado freqüente. À microscopiaeletrônica observa-se apenas retração dos prolongamentosdos podócitos, não se detectando depósitos elétron-densos.À microscopia de fluorescência, não se encontram depósi-tos de imunoglobulinas e/ou complemento.

As alterações descritas acima são encontradas em qual-quer situação onde exista proteinúria intensa, não sendoem absoluto critério diagnóstico para essa patologia. Odiagnóstico anatomopatológico é feito pela ausência deoutras lesões glomerulares, sendo, portanto, um diagnós-tico de exclusão.

EtiopatogeniaO desaparecimento da proteinúria associada ao uso de

corticosteróide, a associação de recidiva com infecções vi-rais e as alterações dos linfócitos circulantes encontradas empacientes portadores de glomerulonefrite por lesões míni-mas sugerem que esta nefropatia seja decorrente de alteraçõesdo sistema imune, principalmente da imunidade celular.Como a proteinúria nessa lesão é decorrente somente da per-da de carga elétrica da membrana basal, tem sido propostoque estes pacientes, frente a um estímulo ainda não determi-nado, poderiam produzir linfocinas com cargas positivas, quese ligariam às cargas negativas da membrana basal glomeru-lar, neutralizando-as e dando origem a proteinúria.

Essa hipótese, apesar de atraente, não foi ainda confir-mada.

TratamentoA resposta terapêutica ao corticosteróide é característica

da glomerulonefrite por lesões mínimas, ocorrendo remis-

416 Glomerulonefrites Primárias

são completa da síndrome nefrótica em aproximadamente80% dos pacientes e parcial em torno de 10%. Recidiva daglomerulopatia ocorre freqüentemente (40 a 50% das vezes).

O esquema terapêutico clássico é o de prednisona nadose de 1 a 2 mg/kg/dia durante oito semanas com reti-rada progressiva. Quando durante a redução da medica-ção se observa recorrência da síndrome nefrótica, deve-seaumentar a posologia para a dose mínima com a qual opaciente se mantém livre de proteinúria, com posteriordiminuição da droga. Recorrências esporádicas devem sertratadas do mesmo modo.

Pontos-chave:

Glomerulonefrite de lesões mínimas

• Acomete principalmente crianças pré-escolares do sexo masculino

• Apresentação: Síndrome nefrótica• Dados laboratoriais: Albuminúria,

hipoalbuminemia e hiperlipidemia• MO: Normal; MIF: Negativa; ME: Retração

dos prolongamentos dos podócitos• Tratamento: 1.ª escolha — corticoterapia

Quando o paciente não responde ao uso de corticoste-róides ou quando as recidivas são muito freqüentes, a as-sociação de ciclofosfamida na dose de 2 a 3 mg/kg/dia aoscorticosteróides costuma induzir remissões nos pacientesresistentes ou diminuir a freqüência de recidiva. Ciclospo-rina na dose inicial de 4 a 5 mg/kg/dia pode ser tentadaquando houver falhas nas terapêuticas anteriores.

GLOMERULOSCLEROSE FOCALE SEGMENTAR

A glomerulosclerose focal e segmentar é responsável poraproximadamente 10 a 15% das síndromes nefróticas queocorrem em crianças e em torno de 15 a 20% dos pacientesadultos. Quando se analisa apenas a população pediátri-ca, observa-se que a grande maioria dos casos ocorre empacientes com idade inferior a cinco anos, enquanto napopulação adulta a maior parte dos pacientes apresentasíndrome nefrótica antes dos 40 anos de idade. Casos depacientes com idade mais avançada (60-70 anos) tambémtêm sido descritos. A maior parte dos trabalhos descrevediscreta predominância do sexo masculino e da cor negra.

A apresentação clínica mais comum é a de síndrome ne-frótica, porém, em torno de 30% dos pacientes se apresen-tam com hematúria e proteinúria assintomática. Hematú-ria macroscópica pode ocorrer principalmente nos casosonde existe proliferação mesangial mais intensa. A insufi-

ciência renal na primeira consulta ocorre raramente. Hiper-tensão arterial é mais freqüente em pacientes adultos, prin-cipalmente naqueles com queda de filtração glomerular.Hematúria microscópica ocorre em torno de 30 a 40% dospacientes. Glicosúria, aminoacidúria, refletindo lesão tu-bular, podem ser vistas mais freqüentemente do que emoutros quadros de síndrome nefrótica.

A maioria dos pacientes apresenta queda progressiva defiltração glomerular e persistência da síndrome nefrótica.Remissão espontânea da síndrome nefrótica ocorre entre10 e 20%. Pacientes que na primeira consulta apresentamproteinúria discreta, via de regra, evoluem para a síndro-me nefrótica. A mortalidade renal em cinco anos oscila emtorno de 30% e em dez anos, em torno de 60%. Quando asíndrome nefrótica remite ou nunca esteve presente, ob-serva-se melhor sobrevida renal (90% em 10 anos) do quequando a síndrome nefrótica é persistente (45% em 10anos). Em pacientes com proteinúria muito intensa (� 10 g)tem sido descrito um curso rapidamente progressivo comevolução para insuficiência renal em meses ou 1 a 2 anos.

Anatomia PatológicaA maior parte dos glomérulos apresenta-se histologica-

mente normal ou com discreta hipercelularidade mesangial.A doença é focal e segmentar porque somente alguns glomé-rulos estão alterados (focal), com lesões apenas localizadas(segmentar). Assim, em alguns glomérulos, observa-se demaneira segmentar aumento da matriz mesangial, com co-lapso de alça capilar (Fig. 22.11). Estas lesões segmentares sãomais comumente observadas junto ao pólo vascular dos glo-mérulos. Em casos mais avançados pode-se observar presençade glomérulos totalmente hialinizados. Acredita-se que os

Fig. 22.11 Colapso segmentar de alças capilares com expansão dematriz e sinéquia com a cápsula de Bowman em paciente porta-dor de glomerulosclerose focal e segmentar. (Microscopia ótica;tricômico de Masson; aumento original 400�.)

capítulo 22 417

glomérulos justamedulares são os mais precocemente atin-gidos. Lesões túbulo-intersticiais como dilatação e atrofiatubular e fibrose intersticial, usualmente desproporcionais àlesão glomerular, podem ser encontradas. A microscopia ele-trônica dos glomérulos normais demonstra podócitos volu-mosos e degenerados, com retração dos processos podálicos,e usualmente com grandes vacúolos intracitoplasmáticos.Podócitos desgarrados da membrana basal glomerular sãovistos freqüentemente, o que leva ao colapso das alças capi-lares glomerulares. A membrana basal apresenta aspectonormal. Nos glomérulos lesados, observa-se aumento dematriz mesangial e colapso capilar. Células xantomatosas namatriz mesangial também podem ser vistas.

Os glomérulos normais usualmente são negativos àimunofluorescência, mas ocasionalmente apresentam pe-quena deposição de IgM e C3. Nas áreas onde existem le-sões segmentares, observa-se deposição de IgM, C1q e C3,que apresentam aspecto nodular; estes depósitos são inter-pretados como aprisionamento (trapping) de imunorrea-gentes em áreas cicatriciais.

Como lesões do tipo esclerose glomerular podem serconseqüência da evolução de praticamente todas as glome-rulopatias, o achado de glomerulosclerose focal e segmen-tar por si só não é suficiente para firmar o diagnóstico.

Etiopatogenia

A deposição de imunoglobulinas e complemento temsido interpretada como inespecífica porque ocorre apenasem áreas esclerosadas onde sabidamente existe deposiçãode macromoléculas de maneira inespecífica, portanto, atu-almente não se acredita que esta nefropatia seja mediadapelo sistema imune. A rápida recorrência desta nefropatiaem rins transplantados sugere que deva haver algum fatorcirculante responsável pela gênese desta lesão. Em mode-los experimentais que mimetizam essa nefropatia, tem sidoobservado que as lesões túbulo-intersticiais são bastanteintensas e antecedem a lesão glomerular, o que tem levan-tado a suspeita de que as lesões glomerulares poderiam sersecundárias às lesões túbulo-intersticiais. Outros fatores etio-lógicos, como hiperplasia da célula epitelial, hiperfluxo glo-merular, lesão endotelial do capilar glomerular com conse-qüente adesão plaquetária e formação de microtrombos, têmsido sugeridos como possíveis fatores etiológicos.

Tratamento

Vários esquemas terapêuticos utilizando-se diferentesdrogas têm sido relatados, porém, como a maior parte dosestudos não é controlada, é difícil chegar à conclusão dequal tratamento deve ser utilizado, uma vez que remissãoespontânea desta nefropatia pode ocorrer.

Nos pacientes com síndrome nefrótica o uso de corticos-teróides, segundo relatos, tem induzido remissão em torno

de 20 a 30%. Outros 20 a 40% apresentam diminuição da pro-teinúria, sem entretanto ocorrer desaparecimento da síndro-me nefrótica. Os resultados obtidos com drogas citotóxicas(ciclofosfamida, clorambucil) não são conclusivos e forampreconizados para os pacientes aos quais contra-indicam-se doses altas de corticóides, ou aqueles corticodependen-tes ou com recidivas freqüentes. Recentemente tem sido de-monstrado que a ciclosporina é capaz de induzir remissãoda síndrome nefrótica, porém, geralmente ocorre recidivaapós a suspensão da droga, sendo que ela está contra-indi-cada em casos de insuficiência renal, hipertensão arterialgrave e de lesão tubulointersticial na biópsia.

Glomerulosclerose Focal e Segmentar eTransplante

A recorrência da glomerulosclerose focal e segmentar éde 20 a 40%. A recidiva na grande maioria dos casos ocorreno primeiro mês pós-transplante, com apresentação clínicade síndrome nefrótica. Os fatores de risco para a recorrên-cia são idade inferior a 15 anos, rápida evolução (menor quetrês anos) para insuficiência renal crônica terminal e presen-ça de proliferação mesangial nos rins primitivos.

A freqüência de perda do enxerto devido à recidivavaria na literatura de 10 a 50%, sendo que uma vez perdi-do o primeiro enxerto por recorrência a freqüência de re-corrência, em um segundo transplante é de 80%.

Pontos-chave:

Glomerulosclerose segmentar e focal

• Acomete pacientes jovens, com maiorprevalência do sexo masculino e da cor negra

• Apresentação: Edema e hipertensão• Dados laboratoriais: Proteinúria e

hematúria microscópica• MO: Lesões esclerosantes segmentares e

focais; MIF: Ausência de depósitos imunes;ME: Lesões degenerativas dos podócitos

• Tratamento: 1.ª escolha — corticoterapia• Evolução lenta e progressiva para

insuficiência renal crônica terminal

GLOMERULONEFRITEMEMBRANOSA

Sinonímia: Glomerulopatia membranosa, nefropatia membrano-sa, glomerulonefrite epimembranosa, glomerulonefrite perimem-branosa.Termo mais utilizado: Glomerulonefrite membranosa (GNM).

418 Glomerulonefrites Primárias

A GNM é doença de instalação insidiosa que ocorreprincipalmente em pacientes do sexo masculino (60 a 70%),com idade média oscilando entre 45 e 50 anos, tendo sidodescrita no entanto em qualquer faixa etária. Parece haverpredomínio da raça branca.

A apresentação clínica destes pacientes é a de síndro-me nefrótica, com proteinúria variando entre 5 e 10 g nas24 horas. Uma pequena percentagem destes indivíduos(20-30%) pode inicialmente apresentar-se com proteinúriaassintomática. Hematúria microscópica está presente emmais ou menos 30% dos adultos, porém, em crianças suafreqüência está próxima de 100%. Hematúria macroscópi-ca caracteristicamente está ausente. Os níveis séricos decreatinina costumam ser normais, e hipertensão arterialocorre em torno de 70% dos pacientes.

Na evolução observa-se que existe remissão espontâneada síndrome nefrótica em 40 a 60% dos casos, dependen-do do tempo de seguimento avaliado. A função renal per-manece estável na maior parte dos pacientes, enquanto umpequeno grupo (25-30%) evolui para insuficiência renalapós 10 a 20 anos, porém progressão mais rápida tambémtem sido descrita. Os dados que se associam com pior prog-nóstico são: idade mais avançada, sexo masculino, síndro-me nefrótica persistente, hipertensão arterial, queda de fil-tração glomerular na primeira consulta e presença de le-são túbulo-intersticial à biópsia renal.

Uma complicação comum é a ocorrência de trombose deveia renal. O diagnóstico geralmente é feito devido ao apa-recimento de embolia pulmonar. A influência desta compli-cação na evolução da função renal não está ainda definida.

Anatomia PatológicaNa GNM, a lesão é basicamente da membrana basal glo-

merular, atingindo igualmente todos os glomérulos, não seobservando hipercelularidade. Lesões inespecíficas túbulo-intersticiais podem ser observadas nos casos mais avançados.

O aspecto dos glomérulos à microscopia ótica é bastantevariável na dependência da duração da doença à época dabiópsia. Inicialmente os glomérulos podem estar normais(estádio I), mas posteriormente observa-se na coloraçãopelos sais de prata a presença de espículas da membranabasal glomerular, o que confere a essa membrana o aspectode pente (estádio II) ou de elo de corrente (estádio III); fi-nalmente observa-se a presença de espessamento global damembrana basal glomerular (estádio IV). Estas lesões podemcoexistir na mesma biópsia (Fig. 22.12 e Fig. 22.13).

À microscopia eletrônica, a lesão característica é a pre-sença de depósitos elétron-densos na região subepitelial ouintramembranosa. A membrana basal glomerular podeapresentar-se normal (estádio I) ou apresentar espículasque contornam o depósito (estádio II) (Fig. 22.14). Os de-pósitos podem ser integrados à membrana basal e final-mente serem reabsorvidos, vistos então como halos elétron-lucentes (estádio IV).

À microscopia de imunofluorescência, observa-se a de-posição de imunoglobulinas, principalmente IgG e comple-mento ao longo da membrana basal glomerular com aspec-to finamente granular, homogêneo (Fig. 22.15). Este padrãoé constante, independentemente dos achados à microsco-pia ótica ou eletrônica.

EtiopatogeniaInicialmente se acreditava que a glomerulonefrite mem-

branosa fosse conseqüência da deposição renal de imu-nocomplexos circulantes. Essa hipótese teve origem naobservação de que tanto animais de experimentação, comopacientes com esta glomerulonefrite, além de apresentar

Fig. 22.12 Espessamento difuso, homogêneo de membrana basalglomerular em paciente com glomerulonefrite membranosa.(Microscopia ótica, aumento original 400�.)

Fig. 22.13 Espessamento difuso da membrana basal capilar, compresença de espículas. (Microscopia ótica, impregnação pela pra-ta, aumento original 400�.)

capítulo 22 419

deposição de imunoglobulina e complemento nos glomé-rulos, apresentavam também imunocomplexos circulantes.

Observações posteriores, no entanto, não confirmaramesta hipótese. Como já descrito, os depósitos na glomeru-lonefrite membranosa se localizam na região subepitelial;quando se inoculam imunocomplexos pré-formados, estesse localizam principalmente na região mesangial e suben-dotelial, e não na subepitelial. Em seres humanos foi ob-servado que não existe correlação entre a presença de imu-nocomplexo circulante e a atividade da doença.

Nas duas últimas décadas foram descritos dois modelosexperimentais de glomerulonefrite membranosa que depen-dem basicamente da reação antígeno-anticorpo realizada insitu. No primeiro foi demonstrado que a inoculação de an-ticorpos contra determinantes antigênicos presentes nospodócitos é capaz de provocar o aparecimento de glomeru-lonefrite membranosa em animais de experimentação. Ou-tro modo de se provocar o aparecimento dessa nefropatia éa inoculação de proteínas estranhas catiônicas. Neste segun-do modelo a proteína se fixa, através de interação eletrostá-tica, à membrana basal glomerular. Como esta proteína nãoé reconhecida como própria, o organismo começa a produ-zir anticorpos contra ela, dando origem à reação antígeno-anticorpo, com conseqüente glomerulonefrite.

Com base nesses dados experimentais, tem sido propos-to que pacientes portadores de glomerulonefrite membra-nosa poderiam produzir anticorpos contra determinantesantigênicos existentes normalmente nas células epiteliaisviscerais (podócitos), ou contra proteínas estranhas liga-das à membrana basal glomerular.

Tratamento

Como a glomerulonefrite membranosa apresenta remis-sões espontâneas e função renal estável, ou deterioraçãomuito lenta, é difícil analisar o resultado do tratamento.

O uso de corticosteróides tem sido defendido por váriosautores. Em estudo controlado demonstrou-se que esta dro-ga diminui o ritmo de progressão para insuficiência renal,o que, porém, não foi confirmado por outros estudos. Vári-as drogas citotóxicas, tais como a ciclofosfamida ou o clo-rambucil, têm sido propostas como alternativa terapêutica.Recentemente Ponticelli e cols. demonstraram que o usoalternado de prednisona e clorambucil aumentou significa-tivamente a freqüência de remissão da síndrome nefróticae diminuiu o ritmo de queda da filtração glomerular.

Frente ao caráter relativamente benigno desta nefropa-tia e à toxicidade dos esquemas terapêuticos, uma das con-dutas preconizadas na literatura é que os pacientes devemser tratados apenas sintomaticamente.

No nosso serviço, pacientes que se apresentam com fun-ção renal estável são tratados apenas sintomaticamente;quando ocorre queda de função renal, a terapêutica esco-lhida é com metilprednisolona IV associada a ciclofosfa-mida VO ou então ciclosporina por 6 meses a 1 ano.

Glomerulonefrite Membranosa eTransplante

A recidiva da glomerulonefrite membranosa varia emtorno de 20%. A apresentação clínica se caracteriza pelapresença de síndrome nefrótica que se manifesta 10 mesesem média após o transplante. A perda do enxerto devidoà recorrência é rara.

Fig. 22.14 Depósitos subepiteliais de material elétron-denso empaciente portador de glomerulonefrite membranosa, estádio II.(Microscopia eletrônica, aumento original 26.500�.)

Fig. 22.15 Depósitos granulares de IgG ao longo da membranabasal glomerular em paciente portador de glomerulonefrite mem-branosa. (Microscopia de imunofluorescência, aumento origi-nal 400�.)

420 Glomerulonefrites Primárias

Pontos-chave:

Glomerulonefrite membranosa

• Instalação insidiosa• Acomete principalmente adultos entre 45 e

50 anos e do sexo masculino• Apresentação: Síndrome nefrótica e

hipertensão arterial• Dados laboratoriais: Proteinúria,

hipoalbuminemia, micro-hematúria ecreatinina normal

• MO: Espessamento global da membranabasal glomerular. Presença de espículas ouelo de corrente (prata); MIF: Deposição deIgG e C3 em alças capilares; ME: Depósitoselétron-densos subepiteliais

• Sinais de mau prognóstico: Idade avançada,sexo masculino, síndrome nefróticapersistente, hipertensão arterial, queda defiltração glomerular na primeira consulta epresença de lesão túbulo-intersticial àbiópsia renal

• Tratamento: Só se devem tratar os pacientescom déficit da função renal com corticóide,� ciclofosfamida ou ciclosporina

A GNM muitas vezes se manifesta no rim transplanta-do como glomerulonefrite de novo. A sua incidência varia

entre 1 e 2%. A apresentação clínica mais freqüente é apresença de proteinúria, que se manifesta em média 16meses após o transplante, sendo que mais de 70% dos ca-sos cursam com síndrome nefrótica. A perda do enxerto,decorrente da GNM de novo, ocorre em torno de 30 a 40%dos casos, 3 a 4 anos após o diagnóstico.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial entre as várias glomerulone-frites freqüentemente só é possível através do estudo ana-tomopatológico completo (microscopia ótica, de imunoflu-orescência e eletrônica), porém em alguns casos é possívelaproximar-se bastante do diagnóstico baseando-se apenasnos dados clínicos.

Nos casos onde a apresentação clínica é a de síndromenefrítica aguda, as principais suspeitas clínicas a seremlevantadas são: glomerulonefrite pós-estreptocócica, glo-merulonefrite membranoproliferativa, glomerulonefritecrescêntica em seus três tipos. Nos casos onde a creatininaplasmática está normal ou discretamente alterada (� 2 mg/dl), a proteinúria em torno de 1 a 2 g nas 24 horas e C3 estábaixo, o primeiro diagnóstico a ser feito é o de glomerulo-nefrite pós-estreptocócica, mesmo que o paciente não contehistória de estreptococcia anterior, pois, em 50% das vezes,ela não é detectada. A confirmação desse diagnóstico seráfeita na evolução quando, 7 a 10 dias após, os sinais clíni-cos começam a desaparecer, e o C3 sérico normalizar den-tro de 30 a 45 dias após o início do quadro. Caso o pacien-te não apresente normalização dos sintomas rapidamentee o C3 não se normalize no período esperado, o diagnósti-

Quadro 22.1 Comparação entre os dados clínicos e laboratoriais das diferentes glomerulonefrites que seapresentam com síndrome nefrótica

Faixa Gênero Hematúria Função C3 IgAEtária M:F Macro Renal Sérico Sérica

GNLM crianças 2.5:1 ausente ↔ ↔ ↔

GNM > 50 anos 2:1 ausente ↔ ↓ ↔ ↔

GNMP 25-40 anos 1:1.2 ++ ↓ ou ↓↓ ↓↓ ↔ ↔

GNCresc-I < 40 anos 1:1 ++ ↓↓↓ ↔ ↔

GNCresc-II > 40 anos 1:1 ++ ↓↓↓ ↔ ↓ ↔

GNNCresc-III > 40 anos 2:1 ++ ↓↓↓ ↔ ↔

IgA 25-40 anos 3:1 ++++ ↔ ↔ ↑

GEFS < 40 anos 1.2:1 + ↓ ou ↓↓ ↔ ↔

GNLM = glomerulonefrite por lesões mínimas, GNM = glomerulonefrite membranosa, GNMP = glomerulonefrite membranoproliferativa, GNCresc= glomerulonefrite crescêntica, IgA = glomerulonefrite por IgA, GEFS = glomerulosclerose focal e segmentar, M:F = proporção masculino: feminino,hematúria macro = hematúria macroscópica, função renal = ↔ = estável, ↓ = piora lenta, ↓↓ = piora com velocidade moderada, ↓↓↓ = piora rápida.C3 sérico ou IgA sérica ↔ = normal, ↓ = diminuído, ↑ = aumentado.

capítulo 22 421

co de GNMP deve ser lembrado, e a biópsia renal deveráser realizada.

Se o paciente se apresentar com insuficiência renal já naprimeira consulta ou apresentar queda rápida da filtraçãoglomerular, devem-se levantar as seguintes possibilidadesdiagnósticas: glomerulonefrite pós-estreptocócica comcrescentes e/ou necrose tubular aguda associada; glome-rulonefrite membranoproliferativa com crescentes ouGNCresc propriamente dita em qualquer de seus tiposhistológicos. O diagnóstico diferencial entre essas glome-rulonefrites só pode ser feito através da biópsia renal.

Nos casos onde a apresentação clínica se constitui dehematúria recorrente e há indícios da presença de glome-rulonefrites, os dois principais diagnósticos diferenciais sãonefropatia por IgA e GNMP. Nesses casos o aumento de IgAsérica sugere nefropatia por IgA, e C3 diminuído sugere GNMP,principalmente tipo II.

Em crianças, como a glomerulonefrite por lesões míni-mas é a causa mais freqüente de síndrome nefrótica, é co-mum utilizar teste terapêutico e só realizar a biópsia renalse o paciente não responder ao uso de corticosteróides.

No Quadro 22.1 estão resumidos os achados clínicos elaboratoriais mais comuns nas diferentes glomerulonefri-tes que podem cursar com síndrome nefrótica. O conheci-mento desses dados pode auxiliar a levantar uma hipóte-se diagnóstica, porém, a sua confirmação só será feita porbiópsia renal.

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

ALVES, M.A.R. Glomerulonefrite crescêntica. In Soares, V.; Ribeiro Al-ves, M.A. (eds) Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamento. SavierEditora de Livros Médicos Ltda, 1999, pp 118-128.

AUSTIN, H.A.; ANTONOVYCH, T.T.; MacKAY, K.; BOUMPAS, D.T.;BALOW, J.E. Membranous nephropathy. Ann. Intern. Med., 116:672-682, 1992.

BARROS, R.T. Glomerulonefrites secundárias a infecções bacterianas.In Soares, V.; Ribeiro Alves, M.A. (eds) Glomerulopatias: Patogenia, Clí-nica e Tratamento. Savier Editora de Livros Médicos Ltda, 1999, pp200-205.

BALDWIN, D.S.; GLUCK, M.C.; SCHACHT, R.G.; GALLO, G. The long-term course of post-streptococcal glomerulonephritis. Ann. Intern.Med., 80:342-358, 1974.

BEAUFILS, H.; ALPHONSE, J.C.; GUEDON, J.; LEGRAIN, M. Focalglomerulosclerosis: Natural history and treatment: Report of 70 ca-ses. Nephron, 21:75-85, 1978.

BERNSTEIN, J.; EDELMANN, C.M. Minimal change nephrotic syndro-me: Histopathology and steroid responsiveness. Arch. Dis. Child.,57:816-817, 1982.

BERTANI, T.; ROCCHI, G.; SACCHI, G.; MECCA, G.; REMUZZI, G.Adriamycin-induced glomerulosclerosis in the rat. Am. J. Kidney Dis.,7:12-19, 1986.

BOHLE, A.; GARTNER, H.V.; FISCHBACH, H.; BOCK, K.D.; EDEL, H.H.;FROTSCHER, U.; KLUTHE, R.; MONNINGHOFF, W.; SCHELER, F.The morphological and clinical features of membranoproliferativeglomerulonephritis in adults. Virchows Arch., 363:213-224, 1974.

BRENNER, B.M. Nephrology Forum: Hemodynamically mediated glo-merular injury and the progressive nature of kidney disease. KidneyInt., 23:647-655, 1983.

CADE, R.; MARS, D.; PRIVETTE, M.; THOMPSON, R.; CROKER, B.;PETERSON, J.; CAMPBELL, K. Effect of long-term azathioprine ad-ministration in adults with minimal-change glomerulonephritis andnephrotic syndrome resistant to corticosteroids. Arch. Intern. Med.,146:737-741, 1986.

CAMERON, J.S.; TURNER, D.R.; C, S.; OGG, SHARPSTONE, P.; BRO-WN, C.B. The nephrotic syndrome in adults with “minimal change”glomerular lesions. Q. J. Med., 43:461-488, 1974.

CAMERON, J.S., TURNER, D.R.; OGG, C.S.; CHANTLER, C.; WILLIA-MS, D.G. The long-term prognosis of patients with focal segmentalglomerulosclerosis. Clin. Nephrol., 10:213-218, 1978.

CAMERON, J.S. Membranous nephropathy: The treatment dilemma. Am.J. Kidney Dis., 1:371-375, 1982.

CAMERON, J.S. Glomerulonephritis in renal transplants. Transplantati-on, 34:237-245, 1982.

CAMERON, J.S.; TURNER, D.R.; HEATON, J.; WILLIAMS, D.G.; OGG,C.S.; CHANTLER, C.; HAYCOCK, G.B.; HICKS, J. Idiopathic mesan-giocapillary glomerulonephritis: Comparison of types I and II in chil-dren and adults and long-term prognosis. Am. J. Med., 74:175-192,1983.

CAMERON, J.S. Recurrent primary disease and de novo nephritis follo-wing renal transplantation. Pediatr. Nephrol., 5:412-421, 1991.

CARRIE, B.J.; SALYER, W.R.; MYERS, B.D. Minimal change nephropa-thy: An electrochemical disorder of the glomerular membrane. Am. J.Med., 70:262-268, 1981.

CARVALHO, M.F.C.; SOARES, V. Glomerulopatias primárias após trans-plante renal. In Soares, V.; Ribeiro Alves, M.A. (eds) Glomerulopatias:Patogenia, Clínica e Tratamento. Savier Editora de Livros Médicos Ltda,1999, pp 236-249.

CHADBAN, S.J. Glomerulonephritis recurrence in the renal graft. J. Am.Soc. Nephrol., 12:394-402, 2001.

CHENG, S.C.; BALBI, A.L.; VIERO, R.M.; THEREZO, A.L.S. & SOARES,V.A. Glomerulonefrite membranoproliferativa: estudo anátomo-clí-nico e evolutivo de 22 pacientes. J. Bras. Nefrol., 2:122-130, 1989.

CHOCAIR, P.R.; NORONHA, I.L.; IANHEZ, L.E.; ARAP, S.; SABBAGA,E. Recorrência de glomerulosclerose segmentar e focal em rins trans-plantados. Rev. Ass. Med. Brasil, 35:171-174, 1989.

CLARKSON, A.R.; WOODROFFE, A.J.; BANNISTER, K.M.; LOMAX-SMITH, J.D.; AARONS, I. The syndrome of IgA nephropathy. Clin.Nephrol., 21:7-14, 1984.

COGGINS, C.H. Is membranous nephropathy treatable? Am. J. Nephrol.,1:219-221, 1981.

COUSER, W.G. Rapidly progressive glomerulonephritis: Classification,pathogenetic mechanisms, and therapy. Am. J. Kidney Dis., 11:449-464,1988.

D’AMICO, G., IMBASCIATI, E.; BARBIANO DI BELGIOJOSO, G.;BERTOLI, S.; FOGAZZI, G.; FERRARIO, F.; FELLIN, G.; RAGNI, A.;COLOSANTI, G.; MINETTI, L.; PONTICELLI, C. Idiopathic IgA me-sangial nephropathy: Clinical and histological study of 374 patients.Medicine, 64:49-60, 1985.

D’AMICO, G. The commonest glomerulonephritis in the world: IgA ne-phropathy. Q. J. Med., 245:709-727, 1987.

DANTAS, M. & COSTA, R.S. Glomerulopatias de lesões mínimas e glo-merulosclerose segmentar e focal. In Soares, V.; Ribeiro Alves, M.A.(eds) Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamento. Savier Editora deLivros Médicos Ltda, 1999, pp 47-65.

DAVISON, A.M.; CAMERON, J.S.; KERR, D.N.S.; OGG, C.S.; WIKINSON,R.W. The natural history of renal function in untreated idiopathic mem-branous glomerulonephritis in adults. Clin. Nephrol., 22:61-67, 1984.

DAVISON, A.M.; & JOHNSTON, P.A. Allograft membranous nephropa-thy. Nephrol. Dial. Transp. Suppl., 1:114-118, 1992.

DI BELGIOJOSO, B.; TARANTINO, A.; COLASANTI, G.; BAZZI, C.;GUERRA, L.; DURANTE, A. The prognostic value of some clinical andhistological parameters in membranoproliferative glomerulonephritis(MPGN): Report of 112 cases. Nephron, 19:250-258, 1977.

DODGE, W.F.; SPARGO, B.H.; TRAVIS, L.; STRIVASTAVA, R.N.;CARVALJAL, H.F.; De-BEUKELAER, M.M.; LONGLEY, M.P.;MENCHACA, J.A. Post-streptococcal glomerulonephritis: A prospec-tive study in children. N. Engl. J. Med., 286:273-278, 1972.

422 Glomerulonefrites Primárias

DONADIO, J.V. Jr.; SLACK, T.K.; HOLLEY, K.E.; ILSTRUP, D.M. Idio-pathic membranoproliferative (mesangiocapillary) glomerulonephri-tis: A clinico-pathologic study. Mayo Clin. Proc., 54:141-150, 1979.

DONADIO, J.V.; TORRES, V.E.; VELOSA, J.A.; WAGONER, R.D.;HOLLEY, K.E.; OKAMURA, M.; ILSTRUP, D.M.; CHU, C.P.Idiopathic membranous nephropathy: The natural history ofuntreated patients. Kidney Int., 33:708-715, 1988.

DONADIO, J.V. Jr.; OFFORD, K.P. Reassessment of treatment results inmembranoproliferative glomerulonephritis, with emphasis on life-table analysis. Am. J. Kidney Dis., 14:445-451, 1989.

DROZ, D.; ZANETTI, M.; NOEL, L.H.; LEIBOWITCH, J. Dense depositsdisease. Nephron, 19:1-11, 1977.

EMANCIPATOR, S.N.; GALLO, G.R.; LAMM, M.E. IgA nephropathy: Pers-pectives on pathogenesis and classification. Clin. Nephrol, 24:161-179, 1985.

FALK, R.J. ANCA-associated renal disease. Kidney Int., 38:998-1010, 1990.GARTNER, H.V.; FISCHBACH, H.; WEHNER, H.; BOHLE, A.; EDEL,

H.H.; KLUTHE, R.; SCHELER, F.; SCHMULLING, R.M. Comparisonof clinical and morphological features of peri- (epi- extra-) membra-nous glomerulonephritis. Nephron, 13:288-301, 1974.

HANCOCK, W.W.; ATKINS, R.C. Cellular composition of crescents inhuman rapidly progressively glomerulonephritis identified usingmonoclonal antibodies. Am. J. Nephrol., 4:177-181, 1984.

HINGLAIS, N.; GARCIA-TORRES, R.; KLEINKNECT, D. Long-term prog-nosis in acute glomerulonephritis: The predictive value of early clinicaland pathologic features observed in 65 patients. Am. J. Med., 56:52-60, 1974.

HONKANEN, E. Survival in idiopathic membranous glomerulonephri-tis. Clin. Nephrol., 25:122-128, 1986.

INTERNATIONAL STUDY OF KIDNEY DISEASE IN CHILDREN:Minimal change nephrotic syndrome in children: Deaths during thefirst 5 to 15 years’ observation. Pediatrics, 73:497-501, 1984.

JENNETTE, J.C.; WILKMAN, A.S.; FALK, R.J. Anti-neutrophil cytoplas-mic autoantibody-associated glomerulonephritis and vasculitis. Am.J. Pathol., 135:921-930, 1989.

KIDA, H.; ASAMOTO, T.; YOKOYAMA, H.; TOMOSUGI, N.; HATTORI,N. Long-term prognosis of membranous nephropathy. Clin. Nephrol.,25:64-69, 1986.

LEVY, M.; GONZALES-BURCHARD, G.; BROYER, M.; DOMMER-GUES, J.P.; FOULARD, M.; SOREZ, J.P.; HABIB, R. Berger’s diseasein children: Natural history and outcome. Medicine, 64:157-180, 1985.

LEWIS, E.J.; CARPENTER, C.B.; SCHUR, P.H. Serum complement com-ponent levels in human glomerulonephritis. Ann. Intern. Med., 75:555-560, 1971.

LEWY, J.E.; SALINAS-MADRIGAL, L.; HERDSON, P.B.; PIRANI, C.L.;METCOFF, J. Clinicopathologic correlations in acute post-streptococ-cal glomerulonephritis. Medicine, 50:453-501, 1971.

MAGIL, A.B.; WADSWORTH, L.D. Monocyte involvement in glomeru-lar crescents: A histochemical and ultrastructural study. Lab. Invest.,47:160-166, 1982.

MAZZUCCO, G.; BARBIANO DI BELGIOJOSO, G.; CONFALONIERI,R.; COPPO, R.; MONGA, G. Glomerulonephritis with dense deposits:A variant of membranoproliferative glomerulonephritis or a separatemorphological entity? Light, electron microscopic and immunohisto-chemical study of eleven cases. Virchows Arch. [A], 387:17-29, 1980.

MORRIN, P.A.F.; HINGLAIS, N.; NABARRA, B.; KREIS, H. Rapidly pro-gressive glomerulonephritis: A clinical and pathological study. Am.J. Med., 65:446-460, 1978.

MYERS, B.D.; OKARMA, T.B.; FIREDMAN, S.; BRIDGES, C.; ROSS, J.;ASSEFF, S.; DEEN, W.M. Mechanisms of proteinuria in human glo-merulonephritis. J. Clin. Invest., 70:732-746, 1982.

NEUMAYER, H-H.; KIENBAUM, M.; GRAF, S.; SCHREIBER, M.;MANN, J.F.E.; LUTT, F.C. Prevalence and long-term outcome of glo-merulonephritis in renal allografts. Am. J. Kidney Dis., 22:320-325, 1993.

NIAUDET, P.; MURCIA, I.; BEAUFILS, H.; BROYER, M.; HABIB, R. Pri-mary IgA nephropathies in children: Prognosis and treatment. Adv.Nephrol., 22:121-140, 1993.

NOEL, L.H.; ZANETTI, M.; DROZ, D.; BARBANEL, C. Long-term prog-nosis of idiopathic membranous glomerulonephritis: Study of 116untreated patients. Am. J. Med., 66:82-90, 1979.

NOLASCO, F.; CAMERON, J.S.; HEYWOOD, E.F.; HICKS, J.; OGG, C.;WILLIAM, D.G. Adult-onset minimal change nephrotic syndrome. Along-term follow-up. Kidney Int., 29:1215-1223, 1986.

NOLASCO, E.B.; CAMERON, J.S.; HARTLEY, B.; COELHO, A.;HILDRETH, G.; REUBEN, R. Intraglomerular T cells and monocytesin nephritis: Study with monoclonal antibodies. Kidney Int., 31:1160-1166, 1987.

NUSSENZVEIG, I. Nefropatia da IgA. In Soares, V.; Ribeiro Alves, M.A.(eds.) Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamento. Savier Editorade Livros Médicos Ltda, 1999, pp 100-117.

ORDONEZ, J.D.; HIATT, R.A.; KILLEBREW, E.J.; FIREMAN, B.H. Theincrease risk of coronary heart disease associated with nephrotic syn-drome. Kidney Int., 44:628-642, 1993.

PONTICELLI, C. Prognosis and treatment of membranous nephropathy.Kidney Int., 29:927-940, 1986.

POPOVIC-ROLOVIC, M.; KOSTIC, M.; ANTIC-PECO, A.; JOVANOVIC,O.; POPOVIC, D. Medium- and long-term prognosis of patients withacute post-streptococcal glomerulonephritis. Nephron, 58:393-399,1991.

RAMOS, E.L. & TISHER, C.C. Recurrent Diseases in Kidney Transplant.Am. J. Kidney Dis., 24:142-154, 1994.

REKOLA, S.; BERGSTRAND, A.; BUCHT, H. IgA nephropathy: Aretrospective evaluation of prognostic indices in 176 patients. Scand.J. Urol. Nephrol., 23:37-50, 1989.

RODRIGUEZ-ITURBE, B. Epidemic post-streptococcal glomerulonephri-tis. Kidney Int., 25:129-136, 1984.

SAMIY, A.H.; FIELD, R.A.; MERRILL, J.P. Acute glomerulonephritis inelderly patients: Report of seven cases over sixty years of age. Ann.Intern. Med., 54:603-609, 1961.

SCHACHT, R.G.; BLUCK, M.C.; GALLO, G.R.; BALDWIN, D.S. Progres-sion to uremia after remission of acute post-streptococcal glomerulo-nephritis. N. Engl. J. Med., 295:977-981, 1976.

SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S.; ALMEIDA, D.B. Etiopatogenia da glo-merulonefrite membranosa. J. Bras. Nefrol., 3:109-113, 1981.

SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S.; MONTEIRO FILHO, R.C.; UGINO, A.;VIERO, R.M. & ALMEIDA, D.B. Estudo do quadro clínico de 121 paci-entes portadores de glomerulopatias. 1) Estudo geral. J. Bras. Nefrol.,4:73-78, 1982.

SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S. & ALMEIDA, D.B. Proteinúria de origemglomerular. J. Bras. Nefrol., 4:94-98, 1983.

SOARES, V.A.; VIERO, R.M.; MONTEIRO FILHO, R.C.; FRANCO, R.J.S.& FRANCO, M.F. Necrose tubular aguda associada a glomerulone-frite difusa aguda — Estudo retrospectivo anátomo-clínico de 5 ca-sos. J. Bras. Nefrol., 5:39-42, 1983.

SOARES, V.A., FRANCO, R.J.S. & ALMEIDA, D.B. Proteinúria de origemglomerular. J. Bras. Nefrol., 5:94-98, 1983.

SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S.; MONTEIRO FILHO, R.C.; VIERO, R.M.& ALMEIDA, D.B. Estudo do quadro clínico de 121 pacientes porta-dores de glomerulopatias. 2) Síndrome nefrítica. J. Bras. Nefrol., 5:114-117, 1983.

SOARES, V.A.; VIERO, R.M.; HABERMANN, F.; FRANCO, R.J.S.; FRAN-CO, M.F. & ALMEIDA, D.B. Necrose tubular aguda associada a glo-merulonefrite membranoproliferativa. J. Bras. Nefrol., 7:84-86, 1985.

SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S.; MONTEIRO FILHO, R.C.; VIERO, R.M.;HABERMANN, F. & ALMEIDA, D.B. Estudo do quadro clínico de 121pacientes portadores de glomerulopatias. 3) Síndrome nefrótica. J.Bras. Nefrol., 5:118-122, 1983.

SOARES, V.; VIERO, R.M. Glomerulonefrite membranosa. In Soares, V.;Ribeiro Alves, M.A. (eds) Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamen-to. Savier Editora de Livros Médicos Ltda, 1999, pp 66-91.

STILMANT, M.M.; BOLTON, W.K.; STURGILL, B.C.; SCHIMITT, G.W.;COUSER, W.G. Crescentic glomerulonephritis without immunedeposit: Clinicopathologic features. Kidney Int., 15:184-195, 1979.

SWAINSON, C.P.; ROBSON, J.S.; THOMSON, D.; MacDONALD, M.K.Mesangiocapillary glomerulonephritis: A long-term study of 40 ca-ses. J. Pathol., 141:449-468, 1983.

TEJANI, A.; NICASTRI, A.D.; SEN, D.; CHEN, C.K.; BUTT, K.M.H. Long-term evaluation of children with nephrotic syndrome and focal seg-mental glomerular sclerosis. Nephron, 35:225-231, 1983.

capítulo 22 423

TROMPETER, R.S.; LLOYD, B.W.; HICKS, J.; WHITE, R.H.; CAMERON,J.S. Long-term outcome for children with minimal-change nephroticsyndrome. Lancet, 1:368-370, 1985.

VELOSA, J.A.; DONADIO, J.V. Jr.; HOLLEY, K.E. Focal sclerosing glo-merulonephropathy: A clinicopathologic study. Mayo Clin. Proc.,50:121-133, 1975.

VIERO, R.M. & FRANCO, M. Glomerulonefrites — Aspectos Anátomo-Patológicos. In Schor, N. & Srougi, M. Nefrologia e Urologia Clínica.Savier, 1998, p. 322-333.

WEHRMANN, M.; BOHLE, A.; HELD, H.; SCHUMM, G.; KENDZIORRA,H.; PRESSLER, H. Long-term prognosis of focal sclerosing glomerulo-nephritis: An analysis of 250 cases with particular regard to tubuloin-tersticial changes. Clin. Nephrol., 33:115-122, 1990.

WHITE, R.H.R.; GLASGOW, E.F.; MILLS, R.J. Clinicopathological studyof nephrotic syndrome in childhood. Lancet, 1:1353-1359, 1970.

WHITE, R.H.R.; GLASGOW, E.F.; MILLS, R.J. Focal glomerulosclerosis inchildhood. In Kincaid-Smith, P.; Matthew, T.H.; Becker, E.L. (eds.) Glo-merulonephritis, part II, pp. 231-238. New York, John Wiley & Sons, 1973.

WORONIK, V. Fisiopatologia do edema nefrótico. In Cruz, J.; Barros, R.T.;David-Neto, E.; Suassuna, J.H.R.; Heilberg, I.P.; Gouvea Filho, W.L.(eds.) Atualidades em Nefrologia 3. Savier Editora de Livros MédicosLtda., 1994, Cap. 4, pp. 22-27.

ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

VirtualHospital:Glomerulonephritis-www.vh.orgCollaborativeGlomerulonephritisTherapyStudyGroup-www.uni-tuebingen.de/uni/kmp/cgts1e.htmNephronInformationCenter-nephron.comRenalnet-www.renalnet.orgNationalkidneyandurologicdiseaseinformation-www.niddk.nih.govAtlas of Renal Pathology — www.us.elsevierhealth.com/ajkd/atlas/