2.2- o dever

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Ética

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  • O DEVER Duas coisas me enchem de admirao: o cu estrelado fora de mim, e a ordem moral dentro de mim (E. Kant, Crtica da Razo Prtica)

  • Prazeres, bens e deveresDuas chamadas naturais mobilizam a conduta humana:

    inteligncia

    prazer

  • O prazerAssociado s necessidades corporais de sobrevivncia (corpo que busca alimento e descanso). A inteligncia, porm, revela-nos outras realidades independentemente do prazer: bens deveres.

  • BensBens (aspectos benficos e desejveis da vida): o bem-estar, a cultura, a boa fama, a educao moral, o prestgio profissional, a amizade, o amor.

  • DeveresDeveres (obrigaes que a condio humana impe): uma possibilidade livre que me impe racionalmente sua escolha.

    Da nossa natureza social derivam deveres importantes:respeitar a vida, a liberdade, a honra e as coisas dos demais; cumprir as leis, respeitar os compromissos, ser verdadeiros.

  • Raciocnio elementar: bom para ns deve ser bom para os outros, e igualmente o mal.

    A arte de viver: conjugar prazeres, bens e deveres (tica).

  • O imperativo kantianoA realidade nos fala de muitos modos, e o dever uma de suas linguagens: exige resposta, como uma ordem. As condies da realidade so captadas pela inteligncia como exigncias: entendemos que dever respeitar a vida, a liberdade e os compromissos, pois desejamos um mundo humano.

  • Kant se admira diante da nitidez e insistncia dessa chamada: Duas coisas me enchem de admirao: o cu estrelado fora de mim, e a ordem moral dentro de mim.

    Essa ordem moral para Kant um fato que se manifesta razo prtica sob a forma de imperativo categrico.

  • O dever moral no uma imposio externa, mas o convencimento interno do que naturalmente me convm. Um dever que me fala do que devo ser e fazer, e que pede ser respeitado da mesma forma que respeitamos a finalidade natural dos olhos e dos pulmes: porque ver e respirar so suas melhores possibilidades.

  • Como passar do dever geral ao agir concreto? Verificando se sua validade universal. Posso viver num mundo onde todos agem assim. Com este critrio prtico, a realidade se converte em fonte de obrigao. A essa obrigao moral, no fsica nem biolgica, denomina-se dever.

  • Esse dever moral uma exigncia racional, uma descoberta da razo que adverte para o que realmente convm e beneficia ao que age.

  • Ao dizer que ningum deve roubar ou assassinar, pois no vivel um mundo onde todos roubam e assassinam, Kant reconhece que a realidade quem pe condies.

  • A crtica de Hume

  • Lei de HumeHume quebra a ponte entre a realidade e o dever. Empirismo moral: impossibilidade de passar do plano do ser para o do dever ser (lei de Hume, in Tratado sobre a natureza humana).A realidade: so fatos materiais.

  • Porm a existncia humana mostra um conjunto de fatos que no so materiais (promessa, contrato, lei ou regulamento , antes de tudo, um dever ser).

    A tica empirista prescinde da realidade como fonte da tica e prope como critrio tico o emocional. A avaliao moral j no ser um juzo racional, mas um impacto emocional.

  • No caso de uma ao reconhecidamente viciosa: o assassinato intencionado, por exemplo. Enquanto vos dedicais a considerar o objeto, o vcio vos escapar completamente. Nunca podereis descobri-lo at o momento em que dirijais a reflexo a vosso prprio peito e encontreis ali um sentimento de desaprovao que em vs se levanta contra aquela ao. Eis aqui uma questo de fato: porm objeto do sentimento, no da razo. Est em vs mesmos, no no objeto (Hume, Tratado sobre a natureza humana).

  • Em Hume, o critrio de conduta sentimental e estritamente individual:ser mal o que me desagradar, e bom o que me agradar. O bem e o mal so expulsos do mundo real e buscam nova nacionalidade no reino particular e caprichoso dos sentimentos.

  • Crtica de Nietzsche

  • Existe um feroz drago chamado tu deves, porm contra ele o super-homem lana as palavras eu quero.

  • Se Hume cortou as amarras do dever, o propsito de Nietzsche ser assinar seu atestado de bito. Profeta da tica da autonomia total do indivduo. Props-se uma obra de demolio cultural cujo objetivo central foi a religio crist. De passagem se lanou contra a Grcia clssica, o positivismo, o evolucionismo, a democracia, o Estado moderno e a msica de Wagner. Como Ssifo, Nietzsche viveu condenado a suportar o peso de uma doena crnica e progressiva, que o levou loucura e morte prematura.

  • Muito consciente de suas conseqncias:

    Meu nome estar um dia ligado recordao de uma crise como nunca houve na Terra, ao mais profundo conflito de conscincia, a uma vontade que se proclama contrria a tudo o que at agora se tinha crido, pedido e consagrado. No sou um homem, sou uma carga de dinamite.

  • A vida um valor que se afirma sem mais lgica que sua fora de surgimento. Smbolo escolhido: o deus grego Dionsio (expoente mximo de uma civilizao que se embriaga nos instintos vitais e enfrenta a incerteza do destino).

  • Scrates presume de entender e dominar a vida mediante a razo. Nietzsche julga Scrates e Plato como sintomas de decadncia, instrumentos da dissoluo grega, pseudogregos, antigregos.

  • O dever: idia dos judeus: historicamente humilhado por seus inimigos polticos.Com eles comea a vingana intelectual dos fracos, a rebelio dos escravos, a inverso dos valores dos vencedores. O cristianismo herda essa corrupo judaica do dio contra os fortes.

  • At que chega Nietzsche. Com ele vo se desvanecer as mentiras de vrios milnios, e o homem se libertar da iluso.Crtica visceral ao cristianismo

  • Eu considero o cristianismo como a pior mentira de seduo que houve na histria. Deus uma objeo contra a vida. O cristianismo a religio da compaixo, mas quando se tem compaixo se perde fora. A compaixo favorece os fracos e entorpece a seleo natural, por isso nada mais doentio em nossa humanidade doentia do que a compaixo crist.

  • A morte de DeusPara enterrar o dever moral: negar o seu fundamento divino. Acontecimento cultural que dividir a histria.Acontecimento csmico, feito pelos homens, que os liberta das correntes do sobrenatural

  • O propsito de Nietzsche suprimir a ltima garantia dos valores.

    Eu vos exorto, meus irmos: permanecei fiis terra, e no acrediteis nos que falam de esperanas sobrenaturais! Em outras ocasies o delito contra Deus era o maior dos males, porm Deus morreu. Agora o mais triste pecar contra o sentido da terra (Zaratustra)

  • A morte de Deus necessria para o advento do super-homem. J dizia Confcio: Se no se respeita o sagrado, no se tem nada para estabelecer a conduta.

    Plato lamentava a dificuldade de mover os homens justia que tantas vezes exige um grande sacrifcio se ela no apresentada acompanhada no alm por uma plenitude de prmios para a virtude e de castigos para o vcio.

  • Morte de Deus: morte do dever e a vitria da autonomia absoluta

    Qualquer um que nasa depois de ns pertencer a uma histria mais alta que nenhuma das anteriores.

  • O super-homemLevanta-se sobre as cinzas de Deus Dominado pelo ideal dionisaco: ama a vida e vira as costas para as quimeras do cu. o smbolo da nova raa que encarnar a vontade de poder para alm do bem e do mal. A raa da besta loura que dorme no fundo de todas as raas aristocrticas. Destruir e criar os valores, como Csar, como Napoleo.

  • Agora o momento em que a montanha do tornar-se homem se agita em dores de parto. Deus morreu: viva o super-homem!

  • O Homem e o Pensamento

  • Crticos modernos viram no super-homem idias doentias que se explicam na psicopatologia do autor. Desde os vinte e nove anos: depresses, fortes enxaquecas e dores de estmago, reumatismos, cegueiras, etc. Aos trinta e cinco anos, depois de constantes ataques graves, se demite de sua ctedra de Filologia Grega e se dedica a buscar no sul da Europa descanso para sua natureza desequilibrada.Aos 39 anos perde a lucidez mental na ItliaMorrer 11 anos mais tarde, em 1900, sem ter recuperado a razo.

  • Uma caso prtico: RodianRaskolnikov

  • Quando nasce Nietzsche, o super-homem estava no ambiente. Rodian Raskolnikov, decidido a demonstrar fora sua super-humanidade. Jovem estudante de Direito obcecado por demonstrar-se pertencente a uma classe de homens superiores, acima da obrigao moral.Prova de superioridade : cometer friamente um assassinato e dar a essa ao a mesma relevncia que se d a um espirro ou a um passeio.

  • Uma velha agiota ele dir que no era um ser humano o que destrua, mas um princpio. E garante no ter remorso pela ao: Meu crime? Que crime? No posso conceber que seja mais glorioso bombardear uma cidade sitiada que matar a machadadas. Agora compreendo menos que nunca que possa chamar-se de crime minha ao. Tenho a conscincia tranqila.

  • Sua vida vai se tornando desequilibrada e acaba na priso. Sua postura no muda: no reconhece a imoralidade de seu duplo assassinato. Sua posio parece aproximar-se ao super-homem que quer ser. Dostoievski mostra que a conscincia de Raskolnikov estava tranqila porque enguiada. Por isso no conseguia pesar bem a moralidade do seu ato.

  • Pergunta implcita que Dostoievski faz ao leitor: que fazemos com um super-homem mentalmente desequilibrado?

  • Quando ainda lhe restavam sete anos de priso, apaixona-se por Snia, uma jovem que antes de ir para a priso Snia lhe havia jogado na cara: Voc derramou sangue. Mas ele respondeu furioso: No faz assim todo mundo? No se derramou sangue como torrentes desde que h homens sobre a terra? E esses homens que encheram a terra com o sangue de seus semelhantes ocuparam o Capitlio e foram aclamados pela humanidade.

  • Depois de apaixonar-se por ela tudo muda a ponto de pensar que Snia tinha razo. Por que mudou? Diz-nos o autor: sentia a vida real, e esta vida tinha expulsado as justificativas. Estas palavras desvelam sutilmente as chaves da psicologia humana: algo to natural como o amor corrige a razo e desbarata as justificativas sem justificao do super-homem.

  • Reflexes

  • Assistimos hoje ao triunfo da psicologia do super-homem: os cidos do individualismo corroeram nossas estruturas morais (MacIntyre). Empenhados na velha pretenso do super-homem: acabar com o prprio dever e substitu-lo pelo individualismo. A tica baseada no dever aparece como imposio rigorista e intransigente, dogmtica, fantica e fundamentalista, saturada pelo imperativo da obrigao moral.

  • Entramos na poca do ps-dever, numa sociedade que despreza a abnegao e estimula sistematicamente os desejos imediatos. Neste Novo Mundo s se d crdito s normas indolores, moral sem obrigao e sem sano. A obrigao foi substituda pela seduo; o bem-estar converteu-se em Deus e a publicidade em seu profeta (Lipovetsky, O crepsculo do dever).

  • A liberdade moral parecia uma conquista sem limites, do mesmo tipo que as conquistas tecnolgicas. No se reparou que a natureza social do homem faz da liberdade um conceito limitado e relativo: Fundamenta-se na justiaDefine-se nas leis Exige responsabilidade.

  • A autonomia absoluta invivel na sociedade. A conduta humana necessariamente autnoma e heternoma: comemos o que queremos, mas a bondade e a necessidade do alimento no dependem do nosso querer. A autonomia uma condio que se deve proteger, porm colocar nela todo o peso da moralidade acentuar a indefinio, a ambigidade.