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1 Tiago Adão Lara AS RAÍZES CRISTÃS DO PENSAMENTO DE ANTÔNIO PEDRO DE FIGUEIREDO 2ª edição Editora da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Londrina 2001

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Tiago Adão Lara

AS RAÍZES CRISTÃS DO PENSAMENTO DE ANTÔNIO PEDRO DE FIGUEIREDO

2ª edição Editora da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Londrina

2001

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ÍNDICE

Pág.

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 3

PRIMEIRO CAPÍTULO-

Cl ima cultural em que viveu

Antonio Pedro de Figueiredo

1. A retaguarda européia .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 6

2. O cl ima cultural de Pernambuco... . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 16

3. O Brasi l e a f i losofia na primeira

metade do século XIX.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 21

SEGUNDO CAPÍTULO

Dados biográf icos e formação cultural

de Antonio Pedro de Figueiredo... . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 26

TERCEIRO CAPÍTULO

A revista “O Progresso” e a polêmica

sobre o social ismo.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 38

QUARTO CAPÍTULO

O Folhetim A Carteira .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . 58

QUINTO CAPÍTULO

As raízes cristãs do pensamento de

Antonio Pedro de Figueiredo ... . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . 70

CONCLUSÃO .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 114

BIBLIOGRAFIA... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 117

NOTAS .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

ANEXOS – TEXTOS DE ANTONIO

PEDRO DE FIGUEIREDO ... . . . . . . . . . .. . . . . . . 132

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INTRODUÇÃO A f igura de Antônio Pedro de Figueiredo, caída no olvido prat icamente após a sua

morte, encontrou em Gilberto Freyre, nos seus l ivros Nordeste e Um engenheiro

francês no Brasi l , o defensor de uma at i tude mais atenta para com este jornal ista

pernambucano, falecido em 21 de agosto de 1859.

Respondendo a seu apelo, o prof. Amaro Quintas apresentava em 1946, na sua tese

de concurso para provimento da cadeira de história do Brasi l , do Colégio Estadual

Pernambucano, sob o t i tulo: O sentido social da Revolução Praieira, a f igura de

Figueiredo, no contexto histórico que precedeu a essa revolução. Baseou-se nos

jornais e periódicos da época e da revista O Progresso, que circulou em Recife de

julho de 1846 a setembro de 1848, e da qual Figueiredo foi redator-chefe.

Era natural que Amaro Quintas enfat izasse, então, aquela faceta do pensamento

f igueirense que o aproximava das idéias dos social istas franceses; e que acentuasse

o interesse demonstrado pelo mesmo para as reformas sociais da estrutura

lat i fundiária do Brasi l e, sobretudo, de Pernambuco daquela época. Mais tarde,

prefaciando a reimpressão da revista O Progresso, o prof. Amaro Quintas volta a

acentuar o caráter social do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo.

Reconhece a inf luência sobre ele de Buchez, Lamennais e Lacordaire. A perspectiva

se alarga, se acrescentarmos a isto a inf luência do pensamento de Cousin e de

Theodoro Jouffroy sobre Figueiredo, reconhecida e explorada, sobretudo por

aqueles que se preocupam mais com o aspecto f i losófico de sua obra. É o caso, por

exemplo, do Prof . Antonio Paim.

Por sua vez, o Prof. Vicente Barretto, estudioso do pensamento l iberal no Brasi l ,

apresentou uma comunicação sobre Figueiredo, na 2ª Semana Internacional de

Fi losofia, real izada sob os auspícios da Sociedade Brasi leira de Fi lósofos

Catól icos, de 14 a 20 de julho de 1974. O tí tulo da comunicação foi "O l iberal ismo

de Antônio Pedro de Figueiredo". Mais tarde, essa comunicação foi publ icada pela

Revista Brasi leira de Fi losofia, sob o t i tulo. "Antônio Pedro de Figueiredo: Uma

revisão crít ica". Segundo o Prof. Barretto, em que pese à classif icação de

social ista, que o própr io Figueiredo se dá, ele é fundamentalmente um l iberal.

Na anál ise, portanto, do pensamento polí t ico e social de Figueiredo, duas teses se

defrontam: aquela que lhe atr ibui um pensamento de cunho eminentemente

social ista. Nessa tese, encontramos, com pequenas diferenças Gilberto Freire,

Amaro Quintas, Vamireh Chacon e Nelson Nogueira Saldanha. A tese de Vicente

Barretto, que procurou mostrar, como as idéias de cunho social, di fundidas por

Figueiredo, nada mais são do que exigências do mesmo arquétipo polí t ico l iberal,

que se caracteriza pela defesa do estado de direito.

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Procurando ver a matr iz f i losófica do pensamento de Figueiredo, e colocando-o ao

lado dos eclét icos, encontramos autores como Antônio Paim, Luis Washington Vita

e João Cruz Costa.

Ao entrarmos em contato com o pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo, pelas

páginas de O Progresso, pareceu-nos que podíamos procurar, para além do seu

l iberal ismo ou do seu social ismo, algo mais na raiz, l igados as tradições cristãs da

cultura brasi leira e a formação do próprio Figueiredo.

A única maneira de testar nosso pressentimento era real izar a tarefa assinalada por

Antonio Paim, ou seja, entrar em contato com o toda da sua obra. Ousamos fazê-lo.

Cresceu em nós a convicção do que pressentíamos. Eis aí, portanto, o fruto da nossa

pesquisa que, esperamos seja proveitosa. Nossa contr ibuição ao conhecimento de

Antônio Pedro de Figueiredo não se si tua, propriamente, na l inha de revisão dos

estudos que precederam. É uma perspectiva a mais que não pode f icar esquecida, ao

se tentar uma interpretação global da sua obra como escri tor.

Para que possamos nos guiar diante das várias abordagens feitas ao pensamento de

Antônio Pedro de Figueiredo, nosso trabalho se inicia com uma visão panorâmica

do mundo l iberal, trabalhado já pelas correntes reformistas. É assim que o primeiro

capítulo versa o l iberal ismo, o social ismo utópico, o intervencionismo estatal, as

correntes sociais cr istãs e o mundo f i losóf ico brasi leiro, na primeira metade do

século XIX. No segundo capítulo, há algumas rápidas notícias biográf icas. No

terceiro e no quarto capítulos, anal isamos os escritos de Figueiredo. É no quinto

capítulo que procuramos demonstrar a nossa posição. Uma breve conclusão põe

termo a essa dissertação para o êxito da qual muitos contr ibuíram. A eles nossos

agradecimentos.

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PRIMEIRO CAPÍTULO Clima cultural em que viveu Antônio Pedro de Figueiredo

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1. A RETAGUARDA EUROPÉIA

1.1 Nada de estranho veri f icarmos que as idéias veiculadas na primeira metade do

século passado , no Brasi l , encontram sua origem na Europa. Nada de estranho

veri f icar que movimentos polí t icos, econômicos e sociais que tecem a trama da

nossa história nessa época, sejam versão brasi leira de movimentos congêneres, na

Europa. Bastaria recordar que Arnold Toynbee considera como unidade de estudo

histórico não a história universal ou a história nacional, mas sim a história de uma

civi l ização1. Europa e Brasi l pertencem ao mesmo processo de civi l ização. Normal,

portanto, que a intel igibi l idade de nossa história não se perfaça sem estarmos

atentos à história da Europa. Daí a necessidade dessa incursão a qual chamamos “a

retaguarda européia”.

Sem endossarmos tudo aqui lo que Victor Cousin e Théodore Joutfroy, autores

conhecidos e ci tados por Figueiredo, dizem a respeito da anál ise histórica,

podemos, contudo, concordar com eles em várias

de suas af irmações, a respeito da época em que viveram. Ambos encontram a

intel igibi l idade do século XIX, proximamente, no século XVIII e, remotamente, no

século XVII; e mais para trás ainda, nos séculos do Renascimento.

A característ ica primeira do século XVIII fo i o que se pode chamar a independência

da razão humana, em confronto com a revelação cristã e com as autoridades

eclesiást icas. Diz, com clareza, Cousin:

“J ’a i dû commencer par met tre sous vos yeux le XVl lle . siècle avec tous ses éléments

essent ie ls, et vous fa ire sais ir son caractère le plus générale . De là j ’a i pu déduire le

caractère généra l de la phi losophie du XVl l le. s iècle; e t comme d ’abord le XXVl l le. s ièc le

ne nous avait paru autre chose que la dernière lut te de l ’espr i t nouveau, c ’est -àdire de

l ’espr i t de la l iber té contre l ’espr i t du moyen âge, en arr ivant à la phi losophie du XVl l le.

siècle, nous avons reconnu qu’e l le n ’est pas non plus autre chose que la victo ire défin i t ive

de l ’espr i t de l iber té sur le pr inc ipe de l ’autor i té qui const i tua i t la phi losophie du moyen

âge. La p lus haute indepédance de la raison humaine, te l est donc le caractère général de

la phi losophie du XVl l le . s ièc le, te l le est l ’uni té de cette phi losophie”2.

Interessante observar como André Vachet, quando quer anal isar a ideologia l iberal

remonta também ao século XVIII3. E o motivo que o levou a escolher o século

XVIII é que, no séc. XIX, nós já encontramos uma sociedade l iberal. Uma

sociedade l iberal é já o l iberal ismo encarnado; portanto, sob o inf luxo de outras

forças ideológicas. Para descobrir na sua fonte o liberal ismo é preciso remontar à

sua gênese como ideologia. Ouçamos Vachet:

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“. . . i l sera possib le de considérer le l ibéra l isme comme l ’expression idéologique de la

genèse et de l ’a f fermissement de la société qui naît en Europa centra le, puis en Amérique,

à la sui te de l ’éc latement de la soc ié té médiévale. l l va en apparaître, en ef fe t , comme

" l ’ex istence idéale" sous l ’Ancien Régime, avant qu’e l le ne naisse socio logiquement en

Angleterre et en Amér ique à la f in du XVl l le. s ièc le, puis en France et en Europe

cont inenta le au XIXe. s iècle . . .

“. . . l ’é tude théor ique du l ibera l isme doi t por ter sur la pér iodo qui précède immédiatement

l ’histo ire de la soc ié té, et doi t même remonter au coeur de la pensée et de la soc iété

médiévales. Le système l ibéra l is te comme idéologie d ’autre part , s ’achève avec

l ’établ issement de la soc ieté l ibérale; s ’ i l cont inue de la just i f ier , i l cesse de se

developper comme le v ivant adul te voi t arrê ter sa croissence. De phi losophie, i l devient

soc io logie et his to ire . Voi là pourquoi notre analyse porte essent i l lement sur la pér iode qui

va de la f in du Moyen Age à la Révo lut ion Française, e t part icul l ièrement sur le point

d ’arr ivée idéologique du l iberal isme au XVl l le. s ièc le” 4.

Reconhece Vachet que podemos falar de l iberal ismo nos séculos XIX e XX, mas já,

então, estamos também sob inf luência de outras forças como “les idéologies

social istes et le développement social, économique et pol i t ique”5.

Temos, portanto, já esboçadas para nós estas característ icas da primeira metade do

século XIX, na história da Europa: o mundo novo, que surgiu após o desaparecer do

mundo medieval, se encarna naqui lo que se chamou a sociedade l iberal. Nada fáci l

def inir essa sociedade de maneira precisa mas um dado parece fundamental na

procura dessa definição: o apreço pela l iberdade. Eis como descreve essa sociedade,

mais que a define, o próprio Vachet, em termos sociológicos, após tentá-lo fazer em

termos de Weltanschaung e de f i losofia:

“Le l ibéra l isme déf ini t une société qui concrètement s ’ ident i f ie . . . sur le p lan pol i t ique,

par la démocrat ie par lamenta ire ; sur le p lan économique par le cap ita l isme industr ie l de

pet i tes et de moyennes unités; sur le p lan soc ial , par l ’accession au pouvo ir et la

dominat ion de la bourgeo isie ; sur le p lan culturel , par les l iber tés de pensée et

d ’expression; sur le p lan mora l, par l ’ ind ividual isme; sur le p lan internat ional par ( le)

fameux pr inc ipe des nat ional i tés; sur le p lan rel igieux, par un ant ic lér ica l isme plus ou

moins viru lent ou modéré selon les pays”6.

A tese de Vachet é que natural ismo, racional ismo e individual ismo são três

característ icas do l iberal ismo. Embora se encontrem e se impliquem mutuamente no

processo que fez nascer a sociedade l iberal, a partir da deterior ização da sociedade

medieval, co-implicam antinomias sérias. A superação dessas antinomias dá-se, em

plano ideo1ógico, pela subordinação do natural ismo e do racional ismo ao

individual ismo. Esse, por sua vez, não é expressão de uma f i losofia da

individual idade considerada abstratamente, como uma natureza humana ideal,

metafísica, mas de uma maneira concreta e histórica. O indivíduo toma consistência

axiológica enquanto proprietário.

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“Cet te révolut ion économique pr ivi légiai t l ’ idée de pro fi t e t d ’appropr iat ion que la

Physiocrat ie v ient abso lut iser; et par là, e l le expl ique sans di f f icul té la réduct ion à la

propr iété de toutes les valeurs humaines et des d i fférents rappor ts sociaux”7.

A essa luz se entende como, na sociedade l iberal, o indivíduo enquanto indivíduo

simplesmente, está desprovido de qualquer garantia polí t ica ou legal. Passa a gozar

delas enquanto proprietário. O que torna verdadeira também a tese de Adam Smith:

“ là oú i l n ’y a de propr ieté, i l ne peut exister gouvernement, dont la f in propre est de

protéger la r ichesse et de défendre le r iche contre le pauvre”8.

Seria longo por demais traçar o caminho fei to pelos f i lósofos e pelos economistas

sob as instâncias dos grandes proprietários de terra e da emergente burguesia, que

se dera ao comércio e à indústr ia, para se chegar a uma just i f icação racional do

estado de privi légio de que gozavam essas classes. Ainda mais que a

“racional idade” que as just i f ica emerge, por sua vez, de uma perspectiva nova de

encarar o homem, perante o outro homem, perante a natureza e perante os valores

transcendentes.

O que nos vem ao caso, porém, é apontar as apl icações polí t icas e econômicas que

resultam de todo um longo e complicado trabalho histórico. Fazemo-lo com o

auxíl io de Paul Hugon:

“Os f is iocratas (e o que diz, aqui, Paul Hugon dos f is iocracias, segundo Vachet , va le

fundamentalmente também da esco la l ibera l c lássica) vão protestar pe lo exercício p leno

dessa l iberdade na esfera econômica.

— “Liberdade para exercer o homem a sua at ividade como bem lhe aprouver; l iberdade,

portanto , de trabalhar , mas também de não trabalhar.

— “Liberdade de conservar o homem o produto de seu t rabalho e de le d ispor , isto é,

af i rmação e defesa do direi to de propr iedade sob todas as suas formas, mobi l iár ia ou

imobi l iár ia .

— “Liberdade, enfim, de plena a l ienação, seja vendendo o produto de seu trabalho, seja

adquir indo o dos outros, is to é , l iberdade de comércio : l ivre concorrência. . . “9 .

Do ponto de vista polí t ico, na concepção l iberal, o estado entra como fator de

segurança, ou seja como uma organização jurídica que proteja o princípio

fundamental, que é o direito de propriedade. Não está ínsita na ideologia l iberal a

democracia, como a entendemos hoje. Os f isiocratas pleitearam até uma monarquia

absoluta1 0. É muito importante acentuar esse ponto para se poder entender o

l iberal ismo brasi leiro. A obra do Prof. Vicente Barreto, A ideologia l iberal no

processo da independência do Brasi l (1789-1824) é elucidativa disto que, à

primeira vista, poderia parecer a nós, atualmente, um paradoxo: l iberais,

defendendo um governo não democrát ico.

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Transcrevemos, aqui, uma página da obra c i tada, quer pela sua clareza, quer para

acentuarmos um dado cultural da importância bastante relevante na interpretação do

pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo.

Diz-nos o Prof. Vicente Barretto:

“Os propr ie tár ios desse modo transformavam-se nos efet ivos detentores do poder. A

decisão l ivremente tomada entre eles obr igava os que não eram propr ietár ios. Tomada a

decisão todos ser iam obr igados a aceitá-la, mesmo aqueles que discordavam. O

ind ividual ismo de Locke exigia a supremacia da co let ividade sobre os interesses

part iculares. . . .

Vemos, portanto, como a idéia l iberal independia do ideal democrát ico. Foi preciso

uma longa evolução na teoria l iberal para que o ideal democrát ico pudesse ser

incorporado ao l iberal ismo.

A economia de mercado criou uma sociedade, que t inha por fundamento a l iberdade

individual expressa no contrato. A melhor oferta era preenchida pelo mais apto. A

diferença entre este t ipo de mercado de trabalho e o dos períodos históricos

anteriores residia no fato de que na sociedade de mercado as pessoas se

consideravam l ivres para escolher. O capital ista passou, dentro do sistema, a poder

usar o trabalho da pessoa.

“Para o s istema cap ital ista funcionar, uma das condições era a existênc ia de um sistema de

governo responsável, não arbi trár io. Necessitava-se de le is , regulamentos, estrutura f isca l,

serv iços do Estado (defesa, educação, saúde), que possib i l i tassem o funcionamento do

sis tema de forma lucrat iva e efic iente. Nisto tudo a par t ic ipação popular no governo era de

menor impor tância”1 1.

Podemos, porém, af irmar que o l iberal ismo, como ideologia, e a sociedade l iberal

como real idade social e histórica, incluem na sua própria “ just i f icação” elementos

que podiam gerar contrastes. Uma vez que se encarna historicamente, o l iberal ismo

começa o processo de questionamento, de crise, de superação de si mesmo, a tal

ponto que se pode dizer ser o social ismo, ou as várias correntes social istas, fruto

das tensões que o l iberal ismo e a revolução industrial cr iaram e para as quais não

foram capazes de apontar uma l inha de solução.

Destarte, a Europa da primeira metade do século XIX é uma Europa já trabalhada

por forças que reagem à mental idade l iberal gerada no século XVIII.

1.2 Não é indiferente para a compreensão do pensamento de Figueiredo, um lance

de olhos sobre essas outras forças que atuam na Europa, nessa primeira parte do

século passado. Pelo contrário é de importância máxima.

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1 0

Segundo Paul Hugon, a diferença fundamental entre o social ismo, ou as várias

correntes social istas, de um lado, e o l iberal ismo de outro, é que

“a igualdade const i tu i um traço caracterís t ico do soc ial ismo, podendo-se dizer mesmo um

dos seus impor tantes caracteres internos: todavia é, por si só, insuf ic iente para dist ingui -

lo e def ini - lo. A busca da igualdade e, deste modo, a busca da just iça, é, sem dúvida, um

dos maiores va lores do soc ial ismo, mas esse va lor é d ivid ido com outras expressões

doutr inár ias do pensamento contemporâneo.. . A soc ial ização da economia const i tuir ia um

meio

de se real izar a igualdade de fa to: impl icar ia a l imi tação ou a supressão do d irei to de

propr iedade pr ivada.. . A histór ia do soc ial ismo const i tui um pro testo, cont inuamente

renovado, contra o regime de propr iedade pr ivada.. .

“A host i l idade do soc ial ismo para com a propr iedade pr ivada const i tu i , pois, uma das

pr incipais característ icas externas, permanente quanto ao espír i to , mutável quanto à sua

apl icação.. .

“A igualdade const i tu i o objet ivo col imado. A supressão – total ou parcia l – da

propr iedade pr ivada e da l iberdade econômica serão os meios preconizados para a

consecução daquele objet ivo”1 2.

É clássica já a dist inção que se faz entre o socialismo utópico (ou espir i tual ista,

como o chama também Paul Hugon) e o social ismo material ista, assim chamado

cientí f ico. O primeiro vige na Europa, até a publ icação de O Capital, de Carlos

Marx, em 1867. É esse t ipo de social ismo que nos interessa. Ligado aos nomes de

homens como Roberto Owen, Charles Fourier, Saint-Simon e os sansimonianos,

Proudhon, Pecqueur, essas correntes social istas utópicas têm de comum duas

característ icas fundamentais: são espir i tual istas e não material istas; são

voluntaristas e não

deterministas.

Sob certo ponto de vista o social ismo utópico continua a tradição do século XVIII,

acreditando no poder de a razão humana descobrir os impasses criados pelo

l iberal ismo, na organização social vigente; e, em geral, dá também um voto de

crédito à l iberdade do homem, julgada capaz de optar pela solução que a razão

apresentar como possível. Nisso estaria justamente o caráter utópico desses

movimentos.

Mas, não foram somente vozes de fora que se levantaram, na crí t ica ao l iberal ismo.

Dentro de casa mesmo, ou seja mesmo entre aqueles que se mantiveram f iéis à

intocabi l idade da propriedade privada, surgiram as crí t icas, no sentido de pedir

mais ao Estado, do que ser um simples guardião da segurança da ordem

estabelecida. Surgiu aquela reação ao l iberal ismo clássico, e que tomou o nome de,

intervencionismo social do Estado. Figura de proa nessa maneira de pensar é Jean

Charles L. Sismonde de Sismondi (1773-1842), que Figueiredo conhece e ci ta, quer

em O Progresso, quer em “A Carteira”. Como diz Paul Hugon:

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1 1

“Sismondi fo i , a pr incípio, f ie l d isc ípulo de Adam Smith. Em suas pr imeiras obras,

pub l icadas em 1801, e sobretudo em sua Richesse comercia le (1803), adota as teor ias da

Esco la Clássica. Mas logo va i se sent ir v ivamente impressionado pelo desenro lar dos

acontecimentos que presencia. Fer ido o seu espír i to por esse espetáculo , começa, em seus

Nouveaux Principes, publ icados em 1814, por refutar energicamente as conclusões do

l iberal ismo”1 3.

Mas, como observa o mesmo Hugon, se como crít ico Sismondi se aproxima dos

social istas e, às vezes, chega até a sobrepujá-los, nas soluções que apresenta, ele

não é um social ista, pois quer que se corr i jam as falhas do l iberal ismo, mas jamais

pleteiou que se modi f icasse o Princípio, em si, do l iberal ismo, ou seja, jamais

advogou a abol ição do direito da propriedade privada.

1.3 Enquanto, no plano da história, a reação ao ideal do século XVIII se dá através

das crí t icas à sociedade l iberal, no plano das idéias puras a reação se opera através

de um movimento que procura combater os excessos a que o racional ismo do século

XVIII t inha levado a nova cultura. Há uma página de Th. Jouffroy em Cours de

droit naturel que nos parece muito signif icat iva:

“Or, à cette époque, la déser t ion des convict ions anciennes n’éta i t pas du tout

accompagnées du beso in de cro ire. Le beso in de croire ne se fai t nul lement remarquer dans

les écr ivains scept iques du XVl l le. siècle, host i les aux croyances reçues. I ls sont pénétrés

de la miss ion de détru ire, qu’ i ls rempl issent , mais le besoin de cro ire est s i lo in de leur

coeur, qu’ i ls se réjouissent dans le scept ic isme où i ls sont, qu’ i ls en tr iomphent, qu’ i l est

a leurs propres yeux leur p lus beau t i t re de glo i re. Nous sommes arr ivès à une époque où

le résulta ts de cette lut te destruct ive subsiste, mais où, a côte de ce resulta t , a cessé de

subsister cet te jo ie de ne pas cro ire, qui l ’accompagna dans le XVII (na segunda ed ição

está c laro "d ix-huit iéme siècle") . Ce changement est grand. Messieurs, i l devai t ar r iver .

Et, en ef fe t , i l n ’est pas dans la nature de l ’espri t humain de rester sans lumières sur les

quest ions qui l ’ intéressent. L ’espr i t humain, quand i l a perdu la vér i té, a besoln de la

retrouver ; i l ne peut pas v ivre sans el le”1 4.

Jouffroy resume aqui toda a problemática da segurança intelectual, perdida com a

crít ica do século XVIII. Tudo o que consti tuíra os valores, sobre os quais se

assentara a sociedade medieval, e que vinha sendo contestado desde o século XVI

no mínimo, fora completamente solapado pelo século das luzes, em nome da mais

genuína das aspirações humanas: ser l ivre. Mas, as décadas de revolução geraram

no europeu, uma espécie de decepção, de cansaço e de insegurança. A ciência, a

razão l ivre, o progresso, tudo isto estava bem. Mas não se teria jogado fora, com os

esquemas antigos, mui to valor precioso?

Dá-se, então, uma volta ao passado. Volta que pode assumir uma at i tude superf icial

e inaceitável, pois seria repudiar o que de realmente vál ido se obtivera no século

XVIII; mas também outro t ipo de volta que signif icava uma reconsideração da

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existência, para descobrir o que, no fervor da polêmica, f icou esquecido, e que era

urgente recuperar.

Nessa segunda at i tude, para manter-nos somente em França, cuja inf luência sobre a

cultura brasi leira da época é inegável, encontramos a f igura de Maine de Biran.

Nas suas primeiras ref lexões sobre o homem, Biran reconhece uma atividade

original e irredutível, que escapou à anál ise lógica de Condi l lac e aos esquemas

f isiológicos de Cabanis. Essa at ividade original é o eu, que é uma força e um

princípio de unidade. O eu toma consciência de sua força e de sua unidade no ato

pelo qual ele se dispõe à atenção, na iniciat iva que então ele assume, no esforço

que emprega para dispor de seu cérebro e de seu corpo.

A at ividade do eu não é uma força vi tal (biológica), mas um dado especif icamente

psicológico. Biran toma consciência de uma dual idade de princípios: uma faculdade

de sentir e uma de agir.

Coincidindo com a fonte do querer e da consciência, separada da fonte do desejo e

da sensação, o princípio at ivo é submetido então a uma ref lexão que acusa cada vez

mais sua natureza de “fatointerior”. Fruto destas conclusões é o Memoire sur la

décomposit ion de la pensée, de 1804 que passou a ser, em redação posterior. l ’Essai

sur le fondements de la psychologie.

Nessa obra encontramos o seguinte:

a) o fato não é apenas pura passividade, mas também atividade.

A sensação, descri ta por Condi l lac, não chega, pois, a ser um fato, se for apenas

uma passividade.

b) O fato supõe, desta maneira, dois elementos irredutíveis, o sujeito (at ivo) e o

objeto (passivo).

c) Estabelecido, porém, que o fato primit ivo implica relação com um objeto, parece

criar-se uma séria objeção ao ponto de vista de Maine de Biran, ou seja: como se

pode falar em fato interior?

d) A solução do impasse, é efetuada mediante a tomada de consciência de que à

noção de causa, profundamente arraigada em nós, precede algo de mais profundo.

Diz Maine de Biran:

“Nous ne pouvons nous connai tre comme personnes individuel les, sans nous sent ir causes

rela t ives à certains ef fe ts ou mouvements produi ts dans les corps organiques. La cause ou

force actuel lement app l iquée à mouvoir les corps est une force agissante que nous

appelons vo lonté: le moi s ’ ident i f ie complèment avec cette force agissante. Mais

l ’exis tente de la force n’est un fai t pour de moi qu’autant qu’e l le s ’exerce, e t e l le ne

s ’exerce qu’autant qu’el le peut s ’app l iquer à un terme résistant ou innerte"1 5.

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Dessa maneira, no fato interior do “eu-como-causa”, do “eu-quero”, supera-se, de

um golpe, a problemát ica do abismo entre o sujeito e o objeto: ambos são colhidos

como dist intos, mas o “ eu-como-causa” exige o objeto como ponto de referência.

Em Maine de Biran, de certa maneira, o espír i to francês se reconci l ia consigo

mesmo, o século XIX se rel iga à tradição espir i tualista de toda a história da França.

E o importante é que se faz isso dentro do espír i to do século: a valorização da

razão e do fato, do racional ismo e do empirismo. A razão, não mais sob a

hegemonia da fé, mas em toda a pujança de sua original idade e independência; e o

fato, na sua pureza de fato, e não no pressuposto medievo de uma criatura.

Ao espír i to e ao método de Maine de Biran se prendem Victor Cousin, Jouffroy,

enfim toda aquela corrente que se chamou o eclet ismo, Por algum tempo, ela

pareceu satisfazer às exigências da época. Exigências que se poder iam resumir, com

todas as inconveniências dos resumos, assim: recuperar a dimensão espir i tual ista e

transcendente da vida humana, dentro das exigências de uma razão l iberta da fé.

1.4 A Igreja, a nova cultura e a nova ordem social

A cultura do século XVIII e a nova ordem social que a encarnou, no século XIX,

isto é, a sociedade l iberal, t iveram como característ ica marcante a secularização e

até mesmo o anticler ical ismo. Isso não signif ica, porém, que a Igreja (e nos

referimos à Igreja Catól ica, por causa da anál ise histórica, na qual

estamos empenhados) tenha deixado de exercer sua inf luência sobre essa sociedade.

Falando de maneira global e olhando sobretudo a Igreja nos seus organismos

of iciais, podemos af irmar que a at i tude dela diante da nova ordem de fatos foi uma

at i tude de rejeição, que culminou com a encícl ica de Gregório XVI “Mirari vos”, de

15 de agosto de 1832.

Em França, foco do l iberal ismo, alguns cristãos, inclusive sacerdotes, tentaram um

diálogo com o l iberal ismo. É o caso do grupo l iderado por Lamennais e que editou a

revista L’Avenir. Ao lado de Lamennais encontramos Gerbert, Lacordaire e

Montalembert, chamados catól icos l iberais democrát icos A “Mirari vos” at ingiu-os

de cheio e dispersou o grupo. L’Avenir defendia l iberdade polí t ica incondicionada

dos povos e a necessidade da separação entre Estado e Igreja, além de outras

l iberdades.

De outro lado, porém, após as guerras napoleônicas e a restauração dos Bourbons,

nota-se um ref lorescer do fenômeno rel igioso. Na Revue des Deux Mondes de 1844

saiu um longo e abrangente art igo, assinado por Charles Louandre que anal isa o

fenômeno, nos seus vários aspectos. No início do artigo, recorda ele as

manifestações rel igiosas freqüentes e majestosas, que se podiam presenciar em

França, sobretudo a part ir de 1830. E pondera:

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“On sai t l ’á f f luence qui se porte aux égl ises dans les grandes so lennités, l ’empressement

du publ ic à suivre les prédicat ions des orateurs chrét iens, le succes des cours de la faculté

de théologie, e t , s ’ i l convient de fa ire une assez large par t à la cur ios i té de la foule, i l est

juste aussi de reconnat tre qu’au- près des oisi fs et des cur ieux i l y a les chrét iens

sincères”1 6.

O art igo de Louandre, porém, no seu conjunto, é um tanto ret icente quanto à

profundidade deste movimento. Anal isa, em três partes, páginas 98-133, 325-351,

462-496 os eruditos, os apologistas, os historiadores, os f i lósofos, os utopistas, os

míst icos, os taumaturgos, os poetas, os romancistas, e chega a uma conclusão: em

geral, os movimentos culturais são pobres. Uma volta ao passado é a aspiração

comum, sem coragem de olhar para a frente.

Não é muito diversa a apreciação que encontramos na História da Igreja, de

Bihlmeyer – Tuechle, referindo-se à si tuação da Igreja na França:

“Uma sér ie de homens excelentes, ót imos dia lét icos e escr i tores, preocuparam-se com

ardente entusiasmo, embora não sem exageros e fa lhas teológicas, em reabi l i tar o

cr ist ianismo aos olhos dos contemporâneos, em vivi ficar e conci l iar entre eles rel igião e

cul tura. Assim, especialmente a lguns romancistas como o visconde Francisco Renato de

Chateaubr iand (… 1848) , com a sua cé lebre obra Le gén ie du Christ ianisme” ; e seguem os

nomes de De Maîst re, de De Bonald, de Lamennais, de Gerbert , Fal loux e de Freder ico

Ozanam.” Mas, cont inua depois o texto : “Além disso, general izou-se o acentuar-se sempre

mais o afastamento dos operár ios industr ia is da Igreja e do cr is t ianismo. Apenas uma

minor ia catól ica dos cató l icos f ranceses se ocupava da questão soc ia l , os quais

propendiam a ver a so lução dela na at iv idade car i tat iva e, no máximo, nas formas dos

patronatos, não na transformação das re lações de trabalho, segundo as regras da just iça; na

elaboração soc ia l , quase não tomavam parte”1 7.

Sob outro ponto de vista, o do encontro das mental idades, anal isa Émile Saisset a

posição da Igreja:

“Qu’y a-t - i l dans ce mouvement des intel l igences dont la conscience pub l ique se puisse

alarmer, e t que le c lergé ai t le dro i t de reprouver et de maudire? La phi losophie relève le

drapeau de Descartes et de Leibnitz, le drapeau d ’un spir i tual isme rajeuni e t fécondé par

l ’espr i t nouveau, capable de sat is fa ire ces nob les beso ins re l ig ieux qui éclatent de toutes

partes avec une si grande puissance. Que le c lergé suive cet te impuls ion généreuse au l ieu

de déf igurer e t de la combatt re; qu’ i l nous rende la théo logie profonde de Bossuet e t de

Fénelon en l ’appropr iant à l ’espr i t de notre siècle; ou, s ’ i l ne peut suf f i re a cette tâche,

s ’ i l s ’en reconnai t incapable, qu’ i l cesse a lors de prétendre au gouvernement des

inte l l igences, et la isse faire à d ’autres ce qu’ i l ne lui est pas donné d ’accompl ir . I l faut le

d ire net tement: la première et la pr inc ipale source de mauvais sent iments et des mauvais

desseins du c lergé a l ’égard de la phi losophie, c ’est le défaut de lumières. Plus instrui t , i l

aurai t moins d ’ombrages; p lus for t et p lus sûr lui même, i l ferai t vo ir p lus de ca lme et de

gravi té; mei l leur théologien, i l serai t p lus phi losophe”1 8.

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O texto ci tado é conclusão de um art igo, no qual são anal isadas seis obras sobre

f i losofia, escri tas pelo clero entre 1835-1844. Testemunha o estado de espír i to da

época e, sem descer ao mérito da exatidão ou não da crít ica, serve ele ao nosso

intento de mostrar que a Igreja tentava reagir diante da nova situação criada.

Além das dif iculdades de se despir de um longo, e até certo ponto, glorioso

passado, a Igreja da primeira metade do século XIX via também os impasses criados

pelo l iberal ismo e pelo industr ial ismo. O l ivro do Pe. Fernando Bastos de Ávi la, O

Pensamento social cr istão antes de Marx, é uma ót ima amostra de como a crí t ica ao

l iberal ismo, pelo aspecto desumano que ele assumira ou com o qual era conivente,

já começara entre os autores cristãos.

De Lamenais escreve o Pe. Ávi la:

“A importância de Lamennais na evolução do pensamento socia l cató l ico é dec is iva. Na

fase in ic ial dessa evolução, podem-se d ist ingui r com clareza dois períodos: antes e depois

de Lamennais. A sua exper iência pessoal não fo i apenas coextensiva ou paralela ao f im de

um pensamento vol tado para o ant igo regime e ao iníc io de um pensamento vo ltado para os

novos tempos. Lamennais não assist iu apenas à ruptura entre os do is tempos e os dois

pensamentos. Essa ruptura se deu, de cer to modo, dentro dele. Corresponde à sua própr ia

cr ise inter ior . Ele fo i o úl t imo e mais vivo c larão de um pensamento que se ext inguia e

pr imeiro fulgor de uma aurora que despontava. Foi ne le e por e le que morreu o ant igo e

nasceu o novo. Ident i f icou-se totalmente com o tradic ional ismo agonizante, superou-o

cr i t icamente e abr iu-se totalmente ao l iberal ismo nascente”1 9.

Não foi, porém, uma abertura ingênua e acrít ica, pois faz-se ele o denunciador das

injust iças sociais; e, se as soluções apresentadas podem não nos convencer não

podemos desconhecer sua acuidade, na anál ise que faz da situação vigente, em

termos de verdadeira escravidão para o proletariado.

Ao lado de Lamennais, o Pe. Ávi la coloca mais 16 nomes, alguns já ci tados por nós,

como é o caso de De Maistre, de De Bonald, numa posição bastante conservadora;

de Gerbert, de Montalembert, de Lacordaire, numa ati tude de abertura. Há outros

nomes ainda. Deles queremos recordar o nome de Fi l ipe José Benjamin Buchez

(1796-1865) o qual exerceu certa inf luência sobre Figueiredo. Em Introducion à la

Science de l ’Histoire, datada de 1842, diz ele:

“Eis o que é a sociedade moderna, precisamente sob o aspecto industr ia l do qual os nossos

escr i to res mais se ufanam.. . E esse é o estado da Europa, esse é o estado das populações

mais avançadas, cuja c ivi l ização e cujas doutr inas governam o mundo. Essa humanidade

formada ao preço de tantos sacr i f íc ios dos séculos passados deverá então perecer? Os

homens serão reduzidos a vida ind ividual e selvagem, por esse egoísmo fa ta l que introduz

a host i l idade por toda parte?

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“Em presença de um tal espetáculo, d iante de uma tal incógnita, é impossíve l f icar

ind i ferente. É como se t ratasse, para nós, de escolher entre a vida e a morte.

“Homem, é prec iso responder”2 0.

Antes de terminar esse nosso excurso que chamamos de “a retaguarda européia”

queremos just i f icar o fato de termo-nos cingido, prat icamente, a autores franceses.

De um modo geral poderíamos apelar para a posição que a França ocupava, então,

no Ocidente. Mas, de maneira part icular, nossa análise visa compreender o

pensamento de Figueiredo, e, é patente que a matr iz da sua formação intelectual nós

a encontramos na cultura francesa. Por outro lado, a mediação lusitana, na formação

cultural de Pernambuco da primeira metade do século XIX, nós a faremos agora.

2. O CLIMA CULTURAL DE PERNAMBUCO

Sobre as marchas e contramarchas de Portugal e, concomitantemente, do Brasi l ,

diante da nova cultura, já se escreveu bastante. Luiz Antônio Verney (1713-1792),

com o seu l ivro Verdadeiro Método de Estudar, e o Marquês de Pombal (1699-

1782), poderoso ministro de D. José I, colocam-se no começo da abertura da

intel igência luso-brasi leiro para o pensamento moderno. Até à reforma da

Universidade de Coimbra, efetuada em 1772, Portugal se identi f icara com a cultura

medieval, fechamento total aos ventos que sopravam da Europa modernizada.

Não nos compete aqui anal isar esse evento, ajuizar a respeito das interpretações

várias dadas a cada at i tude e a cada personagem. Mandamos para isso o lei tor às

obras clássicas sobre o assunto que são assinaladas na bibl iograf ia.

No segundo capítulo de seu l ivro, Cairu e o l iberal ismo econômico, o Prof.. Paim

diz que a reforma da Universidade signif icava o “reconhecimento de que cabia

legit imar o saber de índole operat iva. Também a f i losofia, l imitado seu ensino ao

Colégio das Artes, plasmou-se segundo o novo estado de espír i to: Locke substi tuía

Aristóteles. Mas não diretamente, através de Antônio Genovesi, mais conhecido por

Genuense (1713-1769). O pensamento moderno se incorporava a meias,

permanecendo a interdição à idéia l iberal. Acontecimentos polí t icos diversos

retardariam a consecução do processo”2 1.

Esses acontecimentos foram: morte de D. José I (1777), ascensão de Da. Maria I,

com o fenômeno da Viradeira, ao menos até 1792, quando ela se enlouqueceu.

Assumiu, então, a regência D. João VI. Depois, a Revolução Francesa e Napoleão,

com a fuga da corte para o Brasi l . Na real idade, só após a nossa independência é

que o l iberal ismo passa a ser aceito no Brasi l . Em Portugal , a vi tór ia da Revolução

Consti tucional ista do Porto, em 1820, possibi l i tava a colocação clara das posições

l iberais.

O Prof. Vicente Barreto, no seu l ivro A ideologia l iberal no processo da

independência do Brasi l (1792-1824), anal isa a atuação das idéias novas na

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Inconfidência Mineira (1792), na Conjuração Baiana (1798), na Revolução

Pernambucana (1817), na hora decisiva da Independência (1822) e na Confederação

do Equador (1824).

O próprio Antônio Pedro de Figueiredo , em “ A Carteira”, publ icada no dia 17 de

março de 1856, em O Diário de Pernambuco, comemorando a revolução de 1817,

recorda para nós as peripécies por que teve de passar o Brasi l , para se beneficiar do

pensamento moderno, na época, identi f icado, sem mais, com o progresso e a

civi l ização (anexo 25).

O Seminário de Olinda

Todos os historiadores estão de acordo em colocar o início da renovação cultural de

Pernambuco, na fundação do Seminário de Olinda, em 1800, por D. José Joaquim de

Azeredo Coutinho (1742-1821). Fale, por todos eles, o mais antigo e o mais

categorizado, Mons. Muniz Tavares, historiador da revolução pernambucana de

1817. Categorizado, não só e não principalmente por ter sido testemunha ocular dos

frutos dessa reforma, mas, segundo Oliveira Lima, por ter sido imparcial, nos

julgamentos que emit iu, na obra que nos deixou.

Diz Mons. Muniz Tavares:

“A instrução púb l ica acanhada em todo o Brasi l , por assim convi r à pol í t ica dos

dominadores, por uma combinação rara di fund ia-se em Pernambuco com glór ia, e ut i l idade

geral . Esta Província t inha t ido a ventura de possuir na qual idade de bispo, e governador

c ivi l , D. José Joaquim de Azeredo Cout inho, o qual apenas e levado a tão respei táve l

d ignidade del iberou ext i rpar a ignorânc ia dos seus é o homem, menos sujei to a víc ios, ou

del i tos comparece. A força de repet idas instânc ias pôde obter da rainha senhora Da Maria

l a entrega, e posse do deser to co légio dos jesuítas em Olinda para aí fundar um

seminár io.

“Douto e vir tuoso pre lado, brasi le iro de nasc imento, e de coração, seus pensamentos não

circunscreveram-se (s ic) ao estre i to c írculo das idé ias rançosas; com penetração havia

esco lhido pro fessores exímios, que consigo trouxe de Portugal. Sua grande capacidade

cientí f ica o exci tava a promover quando não todas as c iências por não ser favorec ido de

mui tos meios pecuniár ios, ao menos aquelas, que se requerem para a boa educação do

clero. E le abr iu o seu seminár io com as aulas de l íngua lat ina, grega e francesa; retór ica,

poét ica, geografia, cronologia, e h istór ia universal, desenho, lógica, metaf ísica, é t ica,

matemát icas puras, his tór ia natura l , sagrada e eclesiást ica, teo logia dogmática, e moral, e

canto chão, aos quais estudos presid ia com zelo indefesso.

“A mocidade pernambucana não podia de ixar de i lustrar -se dir ig ida por tão zeloso re i tor .

Saíam daquele seminár io não só instruídos, e exemplares pastores, que formavam as

delíc ias das ovelhas, das quais se encarregavam, como também jovens hábeis a empregos.

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Nas pr incipais vi las fundavam-se escolas pre l iminares pagas pelo erár io; a c lasse pobre

entrava na part ic ipação das luzes2 2.

Ol iveira Lima, nas suas substanciosas notas a esse trabalho de Mons. Muniz, vai

apresentando pareceres diversos, vai reduzindo a proporções mais modestas certas

af irmações, mas concorda com a substância do testemunho. O fato é que nessa

primeira fase do seminário, que vai ate a revolução de 1817, ele foi a inst i tuição

que preparou a maior parte dos revolucionários, imbuídos das idéias l iberais. Tal

acontecimento é apreciado diferentemente, de acordo com a perspectiva que se

toma. Do ponto de vista eclesiást ico, isso não signif icou uma boa recomendação.

Na História da Igreja de Bihlmeyer-Tuechle, onde, na edição brasi leira, a parte

referente ao Brasi l f icou a cargo de Mons. Paulo Florêncio da Si lveira Camargo, lê-

se o seguinte:

“A re forma pombal ina do ensino culminou com a reforma to ta l da Universidade de

Coimbra em Portugal, cujos novos estatutos estavam eivados das doutr inas ga l icanas e

jansenistas, do l iberal ismo po lí t ico-re l ig ioso.. .

“Os estudantes brasi le iros, tanto ecles iást icos como le igos, fo ram obr igados pelo governo

a estudar nessa Univers idade, onde se formavam os nossos futuros estadistas ga l icanos e

regal is tas, e tornou-se l ibera l a formação do nosso c lero. Esta inf luência nefasta e l iberal

mani festou-se em seminár ios brasi le iros contaminados em Coimbra.

“O seminár io de Ol inda, fundado em 1800, tornou-se um ninho de idéias l ibera is e

subversivas, pois os seus padres pro fessores seculares e regulares, chamados à d ireção do

seminár io, sobretudo os orator ianos (que sobre serem l ibera is adotavam as doutr inas

cartes ianas) haviam cursado a mesma Univers idade”2 3.

Com o fracasso da revolução de 1817, o seminário, como era natural, teve de fechar

suas portas. É reaberto em 1822. Essa segunda etapa de sua vida que foi até 1849,

quando o seminário se viu obrigado a fechar-se, novamente, não teve o esplendor da

primeira Na sua obra, de tônica um tanto laudatória: Escola de heróis (O colégio de

N. Snra. das Graças. O seminário de Olinda) o Cônego José do Carmo Baratta,

reconhece a precariedade desses anos, ainda que em alguns momentos tenha o

Seminário funcionado bem. Além disso “a cr iação do Curso Jurídico de Olinda a 11

de agosto de 1827, muito o prejudicou, afastando das suas aulas numerosos

alunos”2 4.

O Curso jurídico em Olinda

Outro evento de importância relevante vinha marcar a história cultural de

Pernambuco, poucos anos após a independência nacional.

“Votou a Assembléia Geral, e Pedro I , sancionou a Car ta de le i de 11 de agosto de 1827

que, por ser o d ip loma cr iador das Faculdades jur ídicas do Brasi l , merece aqui ser

transcr i ta em sua íntegra. Le i de 11 de agosto de 1827.

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Cria dois Cursos de ciências jur íd icas e soc ia is um na cidade de São Paulo e outro na de

Ol inda.

Dom Pedro Pr imeiro, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, imperador

Const i tuc ional e Defensor Perpétuo do Brasi l : Fazemos saber a todos os nossos súbd itos

que a Assembléia Gera l decretou, e Nós queremos a le i seguinte: Ar t . 1º Cr iar -se-ão dois

Cursos de c iênc ias jur íd icas e soc ia is, um na c idade de S. Paulo, e outro na de OI inda, e

ne les, no espaço de cinco anos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matér ias seguintes:. . .

“ 2 5

Seguem 11 art igos, que regulamentam o funcionamento dos Cursos Jurídicos.

A 15 de maio de 1828 foi solenemente instalado o Curso Jurídico de Olinda.

Começou a funcionar no mosteiro de São Bento Seu primeiro diretor interino tomou

posse no dia 28 de abri l e foi o Dr. Lourenço José Ribeiro. Começava a marcha

gloriosa desta Faculdade, cuja história foi traçada por Clóvis Bevi laqua, por

ocasião do seu primeiro centenário, em 1927.

Divide o autor a história da faculdade, até então, em dois grandes períodos: o

período ol indense: 1828-1854 e o período recifense: 1854-1927. Nessa segunda

fase, Clóvis Bevi laqua insinua uma subdivisão assim: 1854-1882; 1883-1889; 1890-

19272 6. Tem, porém, o cuidado de advert ir :

“estas datas são, apenas, pontos de referênc ia, porque os movimentos intelectuais não se

operam, de súbi to, numa data determinada. Vêm-se preparando, de longe, a té que, num

dado momento, se sente desdobrada nova curva da espira l do progresso”2 7.

Com relação ao período ol indense, reconhece Bevi laqua que é “um período de

ensaios ainda fracos, apesar da boa vontade dos mestres, alguns certamente

dist intos e competentes”2 8. Dentre estes professores, Clóvis Bevi laqua apresenta-

nos um que nos interessa de maneira pecul iar, pelas suas relações com Antônio

Pedro de Figueiredo. É o Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque, natural da

Bahia, onde nasceu em 1805. Formou-se em Aix, em 1827, e faleceu no Rio de

Janeiro em 1881. Em 1829, Autran já era lente substi tuto, em 0l inda. Em 1830 é

promovido a catedrát ico. Em 1832 “lecionava direito natural por compêndio seu,

aprovado pela Congregação, como se vê da comunicação de Si lva Porto ao ministro

do Império, aos 11 de abri l desse ano”2 9. Bevi laqua acha que deveria tratar-se de

tradução, fei ta por Autran, dos Elementos de direito natural de Zei ler. Mas, em

1848, Autran publ ica sua obra: Elementos do direito natural privado. Antes já

publ icara, em 1844, Elementos de economia polí t ica, a respeito do qual Figueiredo

fará uma recensão em O Progresso, no ano de 1847. Sobre a doutr ina de Autran,

deixamos para outro capítulo alguma apreciação, quando teremos de situar o

pensamento de Figueiredo, no panorama cultural da sua época e do seu meio.

Autran esteve at ivo na vida cultural de Recife, durante toda a vida de Figueiredo,

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2 0

pois jubi lou-se após 40 anos de magistério. Com Figueiredo ele vai ter, em 1852,

uma polêmica, pelos diários de Recife, sobre o social ismo, como teremos ocasião

de ver.

Nomes de outros professores são apontados por Bevi laqua, o qual procura traçar-

lhes o perf i l intelectual e informar-nos de suas atividades e de suas publ icações.

Vê-se que, embora chamado período de ensaio, não deixou de ser um início

promissor.

Em 1832 funda-se, anexo à Faculdade, o Colégio das Artes. Prat icamente, era o

reconhecimento, por parte do Estado, do antigo curso do Seminário. Essa fundação

esvaziava o seminário episcopal que f icava apenas com os cursos de teologia,

l i turgia e canto gregoriano, ou canto-chão, como se costumava dizer. Levantava-se

também assim um emulo do Liceu Provincial, o futuro Ginásio Pernambucano de

Recife, de fundação anterior. Mas Recife acabaria por suplantar Olinda atraindo

para si a Faculdade de Direito. Isso se dá em f ins de 1854. Já, então, Recife t inha

sua vida cultural que, exercerá inf luência sobre a Faculdade. Essa, por sua vez,

reagirá.

Recife e o Ginásio Pernambucano

Enquanto em Olinda, o Seminário, o Colégio das Artes e a Faculdade de Direito

mantinham vivas as luzes da cultura, Recife contava com o Liceu Provincial. Sua

história é-nos transmit ida pela obra de Olívio Montenegro, Memórias do Ginásio

Pernambucano. Ideador e primeiro diretor do Liceu foi o Pe. Mestre Miguel do

Sacramento Lopes3 0. A ereção of icial se deu no dia 10 de setembro de 1825, por ato

do presidente da Província José Carlos Mayrinck Ferrão. A f inal idade do mesmo

era, segundo o regulamento provisório, propiciar a Pernambuco uma inst i tuição

“onde a mocidade do país desenvolvendo o seu natural talento nos princípios

elementares da ciência se habi l i te para seguir aquela que mais lhe convier”3 1. Nos

primórdios da sua existência, funcionou no convento do Carmo. Havia duas etapas:

primeiras letras, chamadas aulas menores; e a etapa que consti tuía o ensino

propriamente secundário, aulas maiores, com: desenho, retórica, gramática lat ina,

f i losofia, geometria. Ao lat im dava-se importância máxima, e era requerida

habi l i tação nele, para se matr icular em f i losofia e retórica. Os primeiros

professores eram, na maioria, padres.

O Liceu passou a l iderar, ao menos por direi to, toda a instrução públ ica da

Província. Foi também o lugar onde se exercitaram as intel igências recifenses. Não

podemos historiar-lhe a existência, nem mesmo até 1860, pois seria longo demais.

Queremos ressaltar, porém, que é aqui que Figueiredo vai poder encontrar um

ambiente para exercer sua at ividade intelectual, como professor de português, a

part ir de 1844. Aí lecionam também José Soares de Azevedo, nomeado professor de

francês em 1841; Antônio Rangel Torres Bandeira, amigos de Figueiredo e

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colaboradores seus, na revista O Progresso, ou nas colunas do Diário de

Pernambuco.

Em 14 de maio de 1855 o Liceu sofre estruturação defini t iva e passa a chamar-se

Ginásio Pernambucano.

Ao lado dessas inst i tuições of iciais, surgem muitíssimas outras at ividades culturais,

tão do sabor da época como são as Academias l i terárias. Há uma verdadeira

explosão de jornais e periódicos, cuja história é traçada para nós por Luiz do

Nascimento3 2. O mais antigo jornal da América do Sul, em circulação até hoje, é

justamente o diário de Pernambuco, fundado em 1825.

3. O BRASIL E A F ILOSOFIA , NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX Após esse escorço histórico, em que focal izamos o movimento da cultura, no seu

aspecto global, é justo perguntar-se: qual grau de ref lexão f i losófica havia em

nossa pátr ia, a essa altura? Quais correntes f i losóficas encontravam aqui terreno

propício para acl imatação? A que desafios se procurava responder?

Há os que, à semelhança de Tobias Barreto, lamentaram “não haver como rota

f i losófica domínio algum da at ividade intelectual em que o espír i to brasi leiro se

mostrasse tão acanhado, tão frívolo e infecundo”3 3. Mas como diz Paulo Mercadante

“a violência da increpação dir igia-se aos sectários do espir i tual ismo”3 4. Deve,

portanto, ser um tanto relat ivizada.

Sem dúvida, durante todo o período colonial, nós t ivemos de nos manter numa

situação de abstinência quase completa, em relação ao movimento f i losófico do

século XVIII, pois ele signif icava uma ameaça à hegemonia da metrópole e aos

interesses das el i tes dir igentes. Mas era insustentável este insulamento cultural.

Vimos como, em Portugal mesmo, a part ir de Verney e Pombal, começa a abertura

da intel igentsia lusa para a nova cultura. À universidade de Coimbra reformada e à

França, acorr iam jovens brasi leiros, e eles foram responsáveis pelos primeiros e,

até certo ponto, vigorosos passos, na ref lexão f i losófica de caráter já nacional.

O que encontravam em Portugal? Uma universidade reformada sim, mas uma

universidade que não pudera dar acesso pleno às idéias novas, pois isso signif icava

uma rat i f icação, da parte do Estado português, de uma doutr ina que se opunha

radicalmente à sua polí t ica. Lembremo-nos de que os l ivros do Ensaio sobre o

entendimento humano, de Locke não puderam ser editados em Portugal.

“Mas, (exclama Joaquim de Carvalho) – i ronia do dest ino das idé ias que têm por s i o

futuro – enquanto por um lado se proib ia a venda e a divulgação do pensamento direto do

Ensaio, por outro ordenava-se o f ic ia lmente a adoção do compêndio de Genovesi

(Genuense) , cujo empir ismo mi t igado fazia largas concessões a Locke, e os fundamentos

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epistemológicos do Ensaio, designadamente a cr í t ica do inat ismo das idéias e a or igem

empír ica dos conhecimentos, tornavam-se lugar comum da f i losof ia acreditada e defend ida

em teses de escolas conventuais. O sensismo, o psicologismo e o gramatica l ismo lógico

que se tornaram entre nós p i lares da f i losof ia do pr imeiro quar te l do século XIX,

procedem de Condi l lac e dos Ideó logos, mas o seu êxi to não se compreende sem a lavra

funda com que o empir ismo do Ensaio sobre o entendimento humano, de Locke, revolveu o

terreno em que enra izavam as concepções esco lást icas da Ontologia, do formal ismo

dialét ico e da exp l icab i l idade do mundo natura l”3 5.

No século XVIII, porém, a reforma da Universidade de Coimbra visou, antes de

tudo, a uma crít ica à Escolást ica. Diz o Prof. Antonio Paim:

“o movimento (reação ant iesco lást ica) apresenta a lgumas fases bem def in idas. Na

pr imeira, com o bafejo of ic ia l , tem lugar o processo da Escola. A preocupação é

eminentemente cr í t ica não havendo maior empenho construt ivo . As famosas cartas de

Verney const i tuem o elemento catal isador e fornecem a base para a Reforma da

Univers idade. A part i r desta, estabelece-se o período af i rmativo com a transformação de

Antônio Genovesi numa espécie de f i lósofo o fic ia l . Nas úl t imas décadas do século XVII I e

nos começos do seguinte estrutura-se o pensamento cientí f ico emancipado. Tudo is to sob a

égide do poder pol í t ico que, em seguida a Pombal, tra ta de sufocar toda e qualquer

pretensão a dar conseqüência à reestruturação do pensamento luso-brasi le iro , in ic iada por

Verney. . . Essa reação tem entretanto a lgo de muito pecul iar : conserva o arcabouço

exposit ivo do pensamento esco lást ico e busca al terar - lhe tão somente o conteúdo. O

empenho é mui to mais de conc i l iação que de ruptura com o passado. A tradição esco lást ica

marcou ao pensamento português mui to mais do que ser ia l íc i to admit i r à pr imeira

vis tas”3 6.

É interessante subl inhar essa últ ima observação do Prof. Paim. A tendência para a

conci l iação entre o antigo e o novo vai ser nota dominante da f i losofia brasi leira ao

menos até o advento do posit ivismo, e vai ser a responsável pela aceitação do

Eclet ismo, em determinado momento do processo cultural do Brasi l independente.

No início do século XIX, encontramos em Silvestre Pinheiro Ferreira, com as suas

Preleções Fi losóficas, novamente um “conci l iador”. A tarefa que impõe a si

mesmo, como um serviço à Pátr ia foi assim resumida pelo Prof. Antonio Paim, na

introdução a Preleções Fi losóficas, reeditadas pela Universidade de São Paulo, em

1970:

“Em decorrênc ia das re formas pombal inas, a consc iênc ia luso-brasi le ira incorpora a f ísica

newtoniana e abandona, nesse aspecto, o ar is totel ismo. A ciência da época Moderna ser ia

assimi lada em seu sent ido correto, is to é, como saber de índo le operat iva. A numerosa

plêiade de natural istas formados pela Universidade de Coimbra, a part i r das úl t imas

décadas do século XVII I , desinteressa-se por qualquer t ipo de especulação. Os relatór ios

da Academia de Ciênc ias, por José Boni fácio , comprovam-no à sac iedade, a lém da obra de

cient ista que cada um deles nos legou.

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“Essa absorção do novo saber da natureza representava entretanto uma profunda cisão na

consc iência luso-brasi le ira. No plano ét ico-po lí t ico , eram mant idas as doutr inas

tradic ionais. Restaurar essa unidade perdida – através da incorporação integral do

pensamento moderno – eis a missão a que Si lvestre Pinheiro dedicar ia toda a sua

existência”3 7.

Fá-lo-ia, aceitando o empir ismo lockeano e f i l iando-o a Aristóteles, sem a mediação

da Escolást ica. Para isso, urgia reelaborar o conceito de substância. Não o rejeita,

mas esvazia-o de tudo aqui lo que pudesse levar a uma dicotomia no real. Admite

uma f i losofia da natureza, ret irando-lhe, porém , qualquer caráter normativo. Na

psicologia, procura part ir de idênticos pressupostos empir istas. Mas aqui lo que

visava como meta f inal é apresentado no que então se chamava: O direito

consti tucional. “ Nesse part icular, seu grande mérito, diz Antonio Paim, que vimos

seguindo até aqui, está em haver compreendido que o problema central consist ia no

da “representação”3 8.

Como acenamos atrás, a reforma pombal ina levou portugueses e brasi leiros à

descoberta das ciências, no seu sentido moderno. José Bonifácio de Andrada e

Si lva, por exemplo, é f igura eminente, no campo científ ico, cuja fama extrapola as

fronteiras do mundo luso-brasi leiro.

Nesse contexto entendemos então o zelo de Azeredo Coutinho pelo cult ivo das

ciências, nos seminários não só, mas ao longo de toda a vida dos sacerdotes:

“o pároco, pr incipalmente rura l ou do ser tão, em razão do seu o f íc io, há de ir procurar

uma e mui tas vezes as suas ovelhas espalhadas pelas brenhas, pe las matas, pe los campos e

pelos deser tos. . . e le verá quase sempre objetos novos e var iados, ele examinará por s i

mesmo os produtos da natureza em todas as estações do ano: o animal , o mineral , o

vegeta l , a p lanta, a raiz , a f lor , o fruto, as sementes, tudo será anal isado.

“O seu paroquiano ser tanejo e s i lvestre , a inda mal convalescente, lhe fará ver a erva que o

sa lvou das garras da morte. . . aquela ra iz que ele, no meio da desesperação.. . arrancou,

mast igou, engo l iu, ta lvez já sem algum acordo; e que conhecimento não adquir i rá esse

pároco, das ervas medic inais e das suas v ir tudes, à custa de repet idas exper iências pelos

seus paroquianos? E de que socorro não serão essas descober tas para a humanidade, e

ainda mesmo para o comércio?

“Todos estes e outros mui tos prodígios da natureza, descober tos só por ela mesma, o

pároco, instruído nas ciências natura is e no desenho, saberá descrever c ient i f icamente, e

os fará ver aos sáb ios; ele os desenhará como mestre, com as mais vivas cores de que os

revest iu a natureza, ele os fará conhecer até daqueles que apenas têm olhos”3 9.

A ci tação poderia alongar-se, pois D. Azeredo Coutinho pede aos párocos que sejam

instruídos em mineralogia, em química, em hidrául ica e geometr ia, em física. É

claro que culmina a l ista com a ciência da rel igião. E não pede isso apenas aos

párocos do campo, mas também aos da cidade. Quase no f im deste terceiro capítulo

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de sua obra: Discurso sobre o estado atual das minas do Brasi l, faz uma integração

de ciência e vida, para os sacerdotes, com a seguinte advertência:

“A ocios idade é a mãe de todos os víc ios; um pároco ignorante no meio dos deser tos,

cercado de rúst icos e de feras, vegetando mui tas vezes na oc iosidade e na moleza, de que

víc ios não se verá cercado? E, pelo contrár io, um pároco sábio e instruído, a inda mesmo

no meio dos desertos e da sol idão, ele nunca se verá só, ele se verá cercado da natureza,

convidando-o a conversar com ela e com o seu Cr iador; a l i os seus l ivros e os seus estudos

serão os seus f ié is amigos, os seus companheiros inseparáveis”4 0.

Representantes deste novo t ipo de cultura, são ainda, no nordeste brasi leiro,

Manoel de Arruda Câmara (1752-1810) e Pe. João Ribeiro de Mello Montenegro

(1766-1817). O primeiro, que fora antes frade carmeli ta, após cursar a Universidade

de Coimbra, secularizou-se, e passou a estudar em Montpel l ier, onde se fez médico.

Como, porém, af irma Luiz Delgado: “Mais do que médico era um natural ista”.

Natural da Paraíba, ele f ixa entre esta e um centro importante, qual era o Recife, na

região de Itambé e Goiana. Aos trabalhos de cientí fico, ajuntou a doutr inação

polí t ica, preparando a Revolução de 1817.

“Em todas as suas excursões, escreveu mui to mais do que o que dele se acha pub l icado,

avultando neste número a sua Memória sobre a cul tura dos a lgodoeiros (Lisboa, 1799) e a

sua Dissertação sobre as p lantas do Brasi l podendo dar l inho e supr ir a fa l ta do cânhamo

(Rio, 1810). A sua Flora Pernambucana deve considerar -se perdida”4 1.

O Pe. João Ribeiro, natural de Tracunhãém, a dois passos de Goiana, foi discípulo

de Arruda Câmara, ordenou-se de sacerdote e, em Lisboa, no Colégio dos Nobres,

aperfeiçoou seus estudos. Tornou-se professor do Seminário de Olinda.

“Acompanhando o mestre (Arruda Câmara) nas suas excursões cientí f icas, adquir iu

prat icamente bastantes conhecimentos e tornou-se per i to no desenho, com o que auxi l iou

grandemente aquele i lustre invest igador nos seus t rabalhos botânicos e minera lógicos”4 2.

Foi f igura de destaque na Revolução de 1817.

Azeredo Coutinho, Arruda Câmara e João Ribeiro têm o mesmo apreço pelas

ciências naturais e, nesse sentido, os três representam nova mental idade e nova

cultura. Mas Azeredo Coutinho, tão avançado, em alguns pontos, é um homem do

status quo. Sobretudo a sua Análise sobre a just iça do Comércio do resgate dos

escravos da costa da Áfr ica, revela para nós um homem cuja cultura está, por

t í tulos vários, presa à mental idade antiga, à mental idade mercanti l ista.

Azeredo Coutinho, portanto, não esposa plenamente a l inha do pensamento

moderno. Recorre à Providência Divina todas às vezes que percebe a ameaça que

pode signif icar para a aristocracia rural e para os r icos comerciantes as

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conseqüências que a seita dos “novos f i lósofos” pode t irar da “ razão natural”. É

assim que af irma categórico:

“Se eu não conseguir o meu f im, eu terei ao menos a consolação de ter apontado a fer ida

mor ta l destes monstros in imigos da espécie humana (os da sei ta f i losóf ica), e de ter fe i to

ver que a necessidade da existênc ia é a suprema lei das nações, que a just iça das le is

humanas não é, nem pode ser abso luta, mas s im relativa às circunstâncias, e que só aos

soberanos legis ladores, que estão autor izados para dar le is às nações pertence pesar as

circunstânc ias e apl icar - lhes o direi to natural que lhes manda fazer o maior bem possíve l

das suas nações relat ivamente ao estado em que cada uma delas se acha”4 3.

E de uma maneira a just i f icar plenamente a monarquia absoluta dizia:

“Ac ima do soberano, qualquer que e le seja, não há nem pode haver outro juiz mais do que

Deus.. . Torno a dizer que não vejo outro senão Deus, e só em Deus ve jo um poder capaz

de a l terar, mudar e destruir os impér ios quando e como bem lhe parecer para os seus

f ins. . . “4 4.

Repel ia, assim, categoricamente, a soberania popular. Just i f icava, com a tese da

“ just iça relat iva” a escravidão vigente. Foi esse homem tão inimigo das “ idéias

francesas” que fundou o Seminário de Olinda, o qual se tornou o seminário dos

revolucionários de 1817, imbuídos dessas mesmas idéias. Arruda Câmara e João

Ribeiro, nesse ponto, estão distantes de Azeredo Coutinho , pois não só abraçam o

ideário l iberal, mas se tornam, até, os seus apóstolos incansáveis.

Feita a independência, novo impasse surge em 1823, quando D. Pedro I fecha a

Consti tuinte. A Confederação do Equador, dispondo embora de maior consistência

doutr inária e tát ica, malogrou. Concluindo o capítulo sobre estes movimentos,

escreve Luiz Delgado:

“Mesmo os que, ao longo dessas jornadas in ic iais, por amor ao ideal ismo pol í t ico, se

iso laram na comunhão brasi le ira , mesmo e les, do al to de uma grandeza mora l fe i ta de

generosidade que não fer iu nenhum d ire i to quando foi poder , e de coragem que não recuou

de nenhum sacr i f íc io quando se tornou desastre, f izeram à Pátr ia comum o benefíc io

incomparável: evidenc iaram a todos os olhos como estavam rad icados em nós, como iam

fundo em nossa alma, os anseios de l iberdade, democracia e direi to, integraram em nossa

histór ia e nossa v ida a repulsa a arb ítr ios e t i ranias. Co locaram em nossos equi l íbr io

inter iores a fé nos pr incípios, para se compor com o real ismo cot id iano que bem pode vir a

ser, quando soz inho, ro t ina e inércia, apagada conformação”.4 5

Nas revoluções de 17 e 24 em Pernambuco a f igura de Frei Joaquim do Amor

Divino Caneca (1774-1825) representa a aceitação plena e radical do l iberal ismo

polí t ico. Verdade é que sua at i tude e seus escri tos fragmentários mostram como,

nele, havia incoerências chocantes, fal ta de clareza nas metas a serem perseguidas,

i rreal ismo polí t ico. Mas

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“ao expl ic i tar um ponto de vis ta rad ica l , Frei Caneca in ic ia t ipo de polar ização que ir ia

marcar o debate da idé ia l iberal no Brasi l no período que se seguiu imediatamente à

Independência e prolongou-se até a década de quarenta”.4 6

E a marca desse processo foi a conci l iação, idéia mestra da obra de Paulo

Mercadante, por nós já ci tada, isto é, A consciência conservadora no Brasi l.

Para o Prof. Antônio Paim, esse debate ir ia levar a el i te brasi leira a esclarecer-se,

sobre o sentido da representat ividade, no contexto concreto da nossa história:

“Do que precede evidencia-se que a e l i te que se incumbiu de conquistar e conso l idar a

independência, cabendo- lhe, em seguida, conceber a forma de governo, apropr iou-se do

sent ido própr io da idéia l iberal em seus pr imórdios, que era a de const i tu ir um governo

estável e responsável, que se regesse por le i escr ita, de todos conhecida, aprovada pelos

representantes da classe propr ie tár ia. A estab i l idade do regime decorrer ia , pois, não

apenas do caráter das le is, mas igualmente da autent ic idade da representação. Ao estender

esse úl t imo concei to ao conjunto das camadas po l i t icamente at ivas, de sua época,

forneceu indício eloqüente de que marchava no sent ido do seu tempo e do que

imediatamente lhe seguiu, quando a idé ia l iberal se deixa penetrar pelo ideal

democrát ico”.4 7

Mercadante, por sua vez, mostra como nossa el i te soube responder a desafios como:

“conci l iar, antes de tudo, a revolução nas relações externas de produção com o

escravismo nas relações internas”.4 8

O que se passa nas idéias, transformadas em fatos polí t icos, acontece no campo da

especulação. Jovens brasi leiros, que vão à Europa, sobretudo à França, podem agora

colocar-se em contato com a cultura européia. Nessa, a aceitação do empir ismo

radical de Condi l lac, vai sofrer uma revisão, no sentido de redescobrir, em bases

novas, a dimensão espir i tual da vida humana. Tal descoberta dará ensejo a uma

fundamentação teórica da l iberdade, tão decantada ao longo do século XVIII, no

momento mesmo em que este lhe havia t i rado o suporte da metafís ica tradicional.

Exemplo t ípico de i t inerário, do material ismo ao espir i tual ismo, em força do

próprio método que o material ismo advogara, é, no Brasi l , o de Eduardo Ferreira

França (1809-1857)4 9. Representante máximo dessa at i tude que foi chamada eclét ica

e da qual já f izemos menção ao tratarmos de Maine de Biran e de Victor Cousin, no

número anterior deste capítulo introdutório, é, entre nós, Domingos Gonçalves de

Magalhães (1811-1882), com sua obra Fatos do espír i to humano5 0.

Nesse cl ima cultural, dentro dessa real idade sócio-polí t ico-econômica, que

tentamos apresentar ao longo deste capítulo, é que vai viver Antônio Pedro de

Figueiredo, do qual passaremos a tratar, a part ir do próximo capítulo.

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SEGUNDO CAPÍTULO Dados biográficos e formação cultural de Antônio Pedro de Figueiredo

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Dispomos de poucos dados, para refazer os episódios, que marcaram a vida de

Figueiredo, e que incidiram na formação da sua cultura e da sua personal idade.

Na maior parte das vezes, temos de contentar-nos com meras conjecturas.

1. É certo que faleceu em 21 de agosto de 1859. Com efei to, o Diário de

Pernambuco do dia 22, uma Segunda-feira, dia em que, havia anos, Figueiredo

escrevia o Folhetim “A Carteira”, com o pseudônimo Abdalah-el-Krat i f , traz-nos a

seguinte comunicação:

“Depois de oi to meses de padecimentos, quando se contava quase restabelec ido, fo i

atacado de uma congestão cerebral e fa leceu ontem o Sr. Antônio Pedro de Figueiredo,

mestre de uma das cadeiras do Ginásio desta província, e ant igo co laborador deste d iár io .

Seus restos mor ta is acham-se depositados na capela do cemitér io púb l ico, e hoje, pelas

quatro horas da tarde, se lhes renderão os úl t imos sufrágios”1.

Neste dia, o Diário trazia, ainda com o pseudônimo costumeiro de Figueiredo o

folhet im “A Carteira”. Antônio Rangel Torres Bandeira escrevia:

“Eis-nos de novo no posto que deixamos por momentos. O nosso amigo a quem

subst i tuí ramos por o i to meses na redação deste fo lhet im, fez, há dias um grande esforço,

dando-nos um trabalho de sua própr ia lavra; mas a enfermidade cont inua a atormentá- lo de

um modo inexpl icável e é impossíve l que, em tal estado o nosso amigo escreva uma só

palavra. Tomamos sobre nós outra vez esta grave tarefa, e esperamos cont inuar a merecer

a atenção púb l ica”2.

Como dissemos, essas l inhas de Antônio Rangel saíram publ icadas no dia 22.

Foram, porém, traçadas dois dias antes, no dia 20 de agosto, como consta do

Folhetim, pois na real idade, no dia 22, Antônio Pedro de Figueiredo já havia

falecido.

No dia 23, o Diário de Pernambuco fazia-lhe “um necrológio, assinado com

asteriscos, num palmo de coluna, em que se falava do mérito intelectual e da

pobreza do jornal ista ext into”. Trazia também: “mortal idade do dia 22: Antônio

Pedro de Figueiredo, pardo, solteiro, 45 anos; congestão cerebral”. No dia seguinte

reproduzia-se um discurso de Frankl in Doria, pronunciado no cemitério; e a 29,

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Torres Bandeira dedicava longo rodapé ao companheiro, em o folhet im “A

Carteira”. Pela primeira vez, assinava com as iniciais T. B.“ 3

Em O Liberal Pernambucano lemos: “Obituário, das pessoas que foram sepultadas

no cemitério públ ico: .. . dia 22: Antônio Pedro de Figueiredo, pernambucano, 45

anos, solteiro, São José, congestão cerebral”4.

2. Se ao falecer em 1859 Figueiredo t inha 45 anos, a data de seu nascimento não

pode ser a de 22 de maio de 1822, como consta no Dicionár io Biográf ico de

Pernambucanos Célebres de Pereira da Costa5, e no Dicionário Bibl iográf ico

Brasi leiro de Sacramento Blake6. Deve remontar, portanto, o nascimento de

Figueiredo ao ano de 1814. E isso se deu na Leal Vila de Iguarassu, a Iguarassu de

hoje. O próprio Figueiredo testemunha-nos:

“Em um dos dias da semana surgiu em nosso porto o cômodo e be lo vapor Iguarassú,

comprado em Londres.. . Foi uma inspiração fe l iz e de gratas recordações para todos os

Pernambucanos em geral , e para nós em par t icular aviva os nossos sonhos e reminiscências

da juventude e as s impatias e saudades da pátr ia do coração, do lugar onde pela pr imeira

vez vimos o sol da ex istência e exa lamos o pr imeiro susp i ro da v ida” . 7 (gr i fo nosso)

Com relação à sua famíl ia, quase nada sabemos. O Vulcão, numa crít ica mordaz de

jornaleco pol i t iqueiro, escreve em um dos seus poucos números:

“. . . o r idículo Cousin Fusco, f i lho do pardo Bazí l io lá de Iguarassu, onde sempre v iveo de

l impar a estrebar ia do Pai, e de pescar os seus c iriz e bod iões”.8

3. Nascimento, portanto, em Igarassu; pobreza por parte dos pais; mas também

sonhos de juventude encheram os inícios da vida de Figueiredo. Parece que o maior

sonho da sua infância e da sua juventude foi estudar. E para isso transferiu-se para

Recife. Como e fundamentado em quais promessas ou esperanças, não sabemos ao

certo. Conforme O Proletário, de 1 de setembro de 1847, confiara em um amigo,

um tal João Sinhô; esse, na hora da necessidade, o abandonara, e Antônio Pedro

encontrou abrigo no convento do Carmo9. Sua permanência com os rel igiosos do

Convento do Carmo é atestada no art igo que Manoel Paul ino Cesar Loureiro lhe

dedica, no Diário de Pernambuco, no dia 23 de agosto de 1859, na rubrica:

“Comunicado”, e com essa introdução: “Uma lágrima sobre o túmulo do meu mestre

e amigo Sr. Antônio Pedro de Figueiredo”. Diz ele:

“Antônio Pedro encerrado em uma das celas daquele convento, sol i tár io, só tendo por

companheiros os l ivros obtém desta sorte os conhecimentos que em pouco tempo o

colocaram na ordem dos pr imeiros homens de le tras desta província"1 0.

Quanto tempo Figueiredo permaneceu com os carmeli tas? Não sabemos.

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No dia 1º de setembro de 1825, tendo, portanto, Figueiredo mais ou menos 11 anos,

o presidente da província de Pernambuco José Carlos Mayrinck Ferrão iniciava

of icialmente a vida do Liceu Provincial, e nomeava para diretor o Pe. Mestre

Miguel do Sacramento Lopes, benedit ino. O Liceu se alojou, precariamente, “numa

das dependências do Convento do Carmo”1 1 e começou a funcionar em 9 de

fevereiro de 1826. Até março de 1844 apesar da sempre reclamada precariedade das

instalações, foi no Convento do Carmo que funcionou o Liceu.

Terá Figueiredo freqüentado o mesmo? Parece que não, pois, na história do Ginásio

Pernambucano de Olívio Montenegro, tem-se o cuidado de assinalar os nomes dos

alunos do Liceu que, mais tarde, at ingem celebridade, como é o caso de Francisco

Fel ix de Macedo, Antônio Francisco de Souza Magalhães e José Pedro da Si lva1 2,

Joaquim Pires Machado Portela e Fel ipe Nery Colaço 1 3, Aprígio Just iniano da Si lva

Guimarães1 4. No entanto, nada se diz de Figueiredo que, pelo contrário, é ci tado,

várias vezes, e sempre a t í tulo de elogio, como professor.

Por ocasião de sua morte, há várias manifestações de pesar, e referências à sua

cultura, mas nenhuma inst i tuição reclama a honra de tê-lo t ido como aluno. O que

dele se elogia foi a tenacidade em estudar, em meio a dif iculdades que teriam

desanimado a outros. Este é o elogio que lhe faz Torres Bandeira, uma semana após

o seu sepultamento”.

“Antônio Pedro de Figueiredo v ivera na pobreza, arcara por vezes com a adversidade,

combatera indefeso nas l ides generosas do saber, arro jara-se impávido pelo mundo das

letras, inscrevera também o seu própr io nome nas memórias do jorna l ismo, estudara com

sat is fação e provei to, e conquistara, sem dúvida, concei to e reputação bastantes para que

se possa falar de le com honra.

“Nascendo no seio de uma famí l ia honesta, e le se achou bem depressa contrar iado em seus

legí t imos intentos; escasseavam-lhe os meios para levar a efe i to asp irações tão justas,

quanto sub l imes: sobrava- lhe, porém, a energia de alma, a força dos própr ios sent imentos;

e ninguém mais do que ele soube quanto va le a perseverança, a ded icação, a tenacidade de

uma vontade que zomba das c ircunstânc ias, que antevê, a través das sombras de um

presente pouco l isonjeiro, o vul to esplêndido de um futuro que a del ic ia. . .

“Venceu obstáculos que a outros parec iam insuperáveis: dormiu por vezes sobre os l ivros,

enquanto mui tos, que se apregoam de trabalhadores e progressistas, fecham-nos para

sempre, ou se dormem, é no sono da indo lênc ia e da preguiça que somente lhes pode trazer

por brasão a obscur idade, que é um brasão nulo”.1 5

Em 1863, Luis Lambert assim escrevia a respeito de Figueiredo em Progressista:

“Antônio Pedro de Figueiredo, f i lho de pais deserdados dos bens da for tuna, nasceu na

vida de Iguarassu, aos 22 do mês de maio de 1822. Condenado cedo a não fru ir as de líc ias

das existênc ias ociosas e opulentas, arranjou-se à carreira l i terár ia com ânsia, com força,

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com energia suprema.. . Antônio Pedro de Figueiredo, tendo apenas estudado a lguns

preparatór ios, e l ido, senão devorado, inúmeros l ivros apresentou-se um dos colaboradores

do – Progresso – revista social , l i terár ia e c ientíf ica, em 1846, a par dos v igorosos

talentos, e l idadores de reputação f i rmada, que então redig iam aquela út i l publ icação.

Mais tarde, o nome de Antônio Pedro de Figueiredo, inscreveu-se entre os dist intos

redatores do Diário de Pernambuco, aos ap lausos dos entend idos em ar te e l i teratura.. . “ 1 6.

Esse testemunho parece-nos impreciso em alguns pontos: a) no que concerne à data

do nascimento, como já vimos; b) ao elogiar três folhet ins de Figueiredo, a saber: o

de 1/8/1858, 15/8/1858 e 25/10/1858; vê-se que o art icul ista não teve a

meticulosidade de observar que o terceiro não é da pena de Figueiredo, mas, como

ele mesmo confessa, é t i rado de uma escri tora.

O testemunho, porém, concorda com outros, no que se refere à origem da cultura de

Figueiredo. O paralelo entre eles e seus colaboradores, na revista O Progresso,

insinua fortemente a disparidade de “status“ cultural. Figueiredo não dispunha de

tí tulos acadêmicos, no entanto, ombreava-se com aqueles que os t inham.

Podemos, portanto, imaginar o jovem Antônio Pedro freqüentando um curso de

português aqui, o de francês al i , com algum professor part icular que se deixava

entusiasmar pelo fervor do discípulo. Essa at i tude era viável. Na história do

Ginásio Pernambucano, Olívio Montenegro conta-nos como muitos alunos faziam

um ou outro curso, sobretudo os que dariam acesso à Faculdade. O mesmo autor,

várias vezes, acentua como, embora se prezasse o lat im, quase ninguém estudava o

português, e como a mesma cadeira de f rancês teve, a certo momento, de ser

ext inta.

Nos jornais da época l iam-se anúncios como este:

“O padre Franc isco José Alves tem aberto uma aula par t icular de pr imeiras le tras, e ensina

francês e inglês, pe lo método Ol lendor f f, de duas horas da tarde em diante, por casas

part iculares: a fa lar na rua do Caldere iro, nº 12, pr imeiro andar”.1 7

Este outro anúncio do Diário de Pernambuco:

“AULA DE LATIM: O padre Vicente Ferrer de Albuquerque mudou a sua aula para a rua

do Rangel, nº 11, onde cont inua a receber a lunos internos e externos desde já por módico

preço como é púb l ico: quem se quiser ut i l izar de seu pequeno prést imo, o pode procurar

no segundo andar da refer ida casa a qualquer hora dos dias úte is” .1 8

De Antônio Rangel de Torres Bandeira testemunha-nos Pereira de Mello:

“Além da cadeira de geograf ia e h is tór ia que exercia no Ginásio Pernambucano, t inha um

curso em sua casa em que ensinava todos os preparatór ios com exceção de la t im e

geometr ia, e era conhecido como mestre predi leto das jovens pernambucanas”.1 9

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Não parece improvável que Figueiredo, além de português, francês e inglês tenha

estudado o lat im e fei to algum curso de f i losofia. Certo, porém, é que Figueiredo

não obteve um tí tulo.

Isso é-lhe recordado por seus adversários. O Volcão de 30/8/1847, após remontar ao

seu passado humilde, como acenamos atrás, continua:

“em aqui chegando, quis estudar, e indo fazer exame de geometr ia na Academia de Ol inda

fo i a l i reprovado, o pr imo Xico Barão que sempre gostou, e teve muitas s impatias pe la

estupidez, o despachou para subst i tuto do Liceu desta Cidade na mesma faculdade, onde

ele havia s ido reprovado.. . ”2 0

Xico Barão é Francisco do Rego Barros, então barão e, mais tarde, Conde da Boa

vista. Rego Barros governou Pernambuco de dezembro de 1837 até 1844. Figueiredo

foi nomeado em 1844 como professor adjunto de geometria. As nomeações para

professores do Liceu Provincial eram realmente fei tas pelo presidente da Província.

Olívio Montenegro descreve-nos o cl ima de interesse, por parte do presidente, pelo

Liceu, nos seguintes termos:

“Havia sobre o Liceu a f iscal ização incessante não só do Presidente da Provínc ia, a se

informar de todos os seus passos, mas do própr io Governador das Armas, que não perd ia

de vista os numerosos a lunos mi l i tares – o fic ia is e cadetes – lá matr iculados.

“Donde o o f íc io de fevere iro de 1827, em que o presidente Mayr inck ordena aos

professores para que por meio de bo let ins informem todo o mês ao Sr . Governador das

Armas sobre ‘o ad iantamento, freqüência e mor igeração dos mil i tares que estão

matr iculados nas aulas do Liceu’. ”2 1

Do interesse de Francisco do Rego para com o Liceu trata longamente o autor de

Memórias do Ginásio Pernambucano, com bastantes elogios, integrando sua

at ividade, neste setor, àquelas outras do seu governo. Pôde Joaquim Nabuco

af irmar, com justeza, que o barão da Boa Vista “marcou uma época na história de

Pernambuco”.2 2 A nomeação de Figueiredo não se terá baseado unicamente em

simpatias pessoais, mas no fato de ser ele competente.

A hipótese de ter Figueiredo cursado f i losofia não é descabível, se atentarmos ao

fato de poder ele traduzir a obra de Cousin. Não basta conhecer uma l íngua para se

verter em outra o conteúdo de um texto. Exige-se também certa famil iar idade com o

conteúdo a traduzir.

4. Antônio Pedro de Figueiredo começa a projetar-se, na vida intelectual do Recife,

em 1843. O Diário de Pernambuco, de 27 de abri l desse ano, trazia o anúncio da

tradução daqui lo que Figueiredo chamou “Curso de Fi losofia” ou ” Lições de

Fi losofia” de Victor Cousin. Tratava-se da Introduction à l ’histoire de la

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phi losophie, da qual Figueiredo fez um volume, e do Cours de l ’histoire de la

phi losophie, dividido em dois volumes. A notícia, assinada por Antônio Pedro de

Figueiredo, terminava assim:

“Eis, no mais l imi tado resumo, o que me fo i possível re fer ir a respeito das l ições de

Fi losof ia do r . V. Cousin, que comporão três vo lumes in 4º , de mais de 400 páginas cada

um, de cuja versão ousei encarregar-me, e para a qual se subscreve nas lo jas da rua e pát io

do Colégio nºs 2 e 20, por o preço de 10$000 ré is cada exemplar” .2 3

Por uma recensão da obra de Cousin e do valor da tradução, que apareceu em A

Estrela, no dia 4 de novembro de 1843, sabemos que o primeiro volume já estava à

venda; o segundo, no prelo; e o terceiro não tardaria também a aparecer (anexo 2, n.

3).

Uma apresentação de Cousin, de sua obra e do seu tradutor aparecia também no

Diário Novo de 28 de novembro de 1843. O longo art igo vem assinado: A.R. de

T.B. que sabemos ser Antônio Rangel de Torres Bandeira. O art icul ista t inha, então,

apenas 22 anos. Em 1848 seria bacharel em Direito pela Faculdade do Recife.

Tornar-se-ia professor do Ginásio Pernambucano, como Figueiredo; e será seu

braço direito, na redação do folhet im “A Carteira”, como teremos ocasião de ver.

As idéias de Cousin empolgavam assim a juventude recifense. Saudavam-no como

um novo Platão.

Torres Bandeira augurava a Figueiredo que continuasse a seguir “a senda que se

propôs tr i lhar” (Anexo 3, nº 11). A Estrela terminava seu art igo sobre a tradução

com um voto mais concreto: “O jovem professor de Pernambuco é uma das mais

viçosas esperanças do país; e nós não duvidamos que dentro em pouco ele real ize o

generoso desejo que o anima de ir à Europa visi tar os seus mestres, e colher, com

as viagens que tenta fazer, um novo cabedal de variada ciência” (Anexo 2, nº 13).

Ao que parece, portanto, na mente do jovem Figueiredo, que contava então 27 anos

de idade, havia planos de dedicar-se realmente à f ilosofia. A ida à Europa não pôde

real izar-se, pois suporia despesas com as quais Figueiredo não podia arcar. Só mais

tarde, quando seu prestígio já se tivesse f irmado, seria possível encontrar, em

alguma inst i tuição, ou no próprio governo da Província, um patrocinador. Mesmo

assim, levantou-se uma celeuma grande. Por agora, restava a Antônio Pedro o tentar

a vida com o magistério. Em 1844, torna-se professor adjunto de geometria do

Ginásio Pernambucano. Mas em 1846, era demit ido. Questões de polí t ica. O Barão

da Boa Vista part ira para o Rio e o substi tuíra, no governo da Província, Antônio

Pinto Chichorro da Gama (1845-1848). O Progresso, revista da qual Figueiredo era

redator-chefe assim se exprimia, em seu segundo número, sob o t í tulo:

“Variedades”.

“O Sr. presidente de Pernambuco, desejando sem dúvida animar os esforços que nós

fazemos para t razer o espír i to públ ico ao terreno das ciências e da l i teratura, subst i tuindo

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aos estéreis e i r r i tantes debates da polí t ica pessoal as discussões fecundas da pol í t ica

racional, e o imparc ia l estudo das questões que interessam o país, saudou a apar ição do

pr imeiro número da nossa Revista com a demissão do nosso redator em chefe, gerente e

responsável, o Sr. Antônio Pedro de Figueiredo, do lugar de pro fessor adjunto do l iceu

desta cidade. Deixaremos a outros, a mui fáci l tarefa de falar do mér i to do nosso

colaborador. Um r igor porém de semelhante natureza, despregado contra um homem que

por mais de do is anos consagrara todos os seus ordenados de pro fessor a pagar as despesas

de impressão de uma impor tante obra f i losóf ica, com que ele quis dotar a sua pátr ia, é

certamente para fazer desanimar a todos aqueles que quisessem arrojar-se conosco à

estrada que lhe abr imos; e é especia lmente sob este importante ponto de vista que nós

lamentamos sinceramente aquela medida, e que provavelmente S. Ex. a sent irá também,

quando melhor re f le t i r em ta l a to.

“Não podemos atr ibuir semelhante dec isão presidencial senão à justa cr í t ica com que O

Progresso se atreveu a fer i r o ministér io transacto. . . “2 4

O presidente, porém, não voltou atrás. Somente quatro anos depois do ato do

Presidente Chichorro da Gama, reparou a injust iça o Presidente Honório Hermeto

Carneiro Leão, segundo notícia de 17/4/1850, do periódico conservador A União

“ provendo o nosso amigo na cadeira de Linguagem Nacional, lugar para o qual ele

tem mais habi l i tação que qualquer candidatos que poderiam se apresentar”. Olívio

Montenegro, em Memórias do Ginásio Pernambucano, escreve:

“No começo de 1849 é nomeado pro fessor de Língua Nacional, Antônio Pedro de

Figueiredo, que em 1844 já t inha sido pro fessor adjunto da cadeira de geometr ia, demit ido

à aproximação da revolução pra ie ira, em 1846”.2 5

Talvez, em 1850, se desse a efet ivação of icial do ato, pelo qual Figueiredo

reentrava no quadro dos professores do Ginásio em 1849. A nota de A União não

deixa de ter um sabor polêmico. Reafirma-se a competência de Figueiredo. Por quê?

Não estaria, novamente, aqui, insinuada sua situação de quase autodidata, que dava

motivo às crí t icas, diante de nomeações of ic iais?

O certo é que, a part ir de 1849 ou 50, Figueiredo encontra uma estabi l idade

econômica, e uma inst i tuição, na qual um grupo de amigos de juventude há de

pleteiar sua ida à Europa, sat isfazendo ant igo desejo seu. Mas não foi fáci l . Na

assembléia provincial o assunto foi debatido e encontrou forte oposição.

Lemos em Diário de Pernambuco segunda-feira, 24/5/1858: “.. . assembléia

provincial na sessão de sábado... foi aprovado em primeira discussão o projeto que

concede 18 meses de l icença a A. P. de Figueiredo, professor do Ginásio Provincial,

para ir à Europa”. Dia 27/5/1858, no mesmo jornal, sob a rubrica “Diário de

Pernambuco’’ . “Na sessão de ontem... Passando à ordem do dia foi aprovado em

segunda discussão o projeto que concede l icença a A. P de Figueiredo, para ir à

Europa, tendo orado o Sr. Souza Reis”. No dia 27/5/1858 houve novas discussões,

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com um discurso contra, do Sr. Manoel Cavalcanti . Finalmente no Diário de

Pernambuco de 29/5/1858 aparece: “Na sessão de anteontem,

27 do corrente, a assembléia aprovou em terceira discussão, o projeto que concede

18 meses de l icença ao professor do Ginásio A. P. de Figueiredo , para ir fazer uma

viagem à Europa”. Mas escreve, na sua homenagem póstuma, Torres Bandeira:

“E quando, chegado a este ponto, f igura-se-lhe próximo o momento de ir dar mais largas

ao espír i to, quando sonhava já com uma viagem, através do At lânt ico, que lhe devia abr ir

os o lhos a um mundo mais vasto, soou para ele a hora extrema; e o corpo pendeu para a

terra, e ao f im da senda lhe estava escancarada uma sepul tura” .2 6

Olívio Montenegro informa-nos:

“O grande sonho de Antônio Pedro de Figuei redo era uma viagem à Europa, onde ao

contato de novos e mais c iv i l izados modelos de arte e de v ida pudesse completar uma

exper iência de cul tura quase toda assimi lada até então apenas dos l ivros. Em 1958 esse

sonho esteve em vésperas de se rea l izar, quando pelo governo da Provínc ia, é

comissionado para estudar nos pr inc ipa is países da Europa os d i ferentes sis temas de

ensino secundár io , e apresentar depo is sugestões que bem servissem ao Seminár io. . . Houve

na Assemblé ia uma campanha para embargar essa comissão.. . sob o fundamento de que

Antônio Pedro de Figueiredo ‘era o menos competente para procurar instrui r -se no

melhoramento do método de ensino no Ginásio desde que existe um conselho diretor a

quem compete propor medidas’” .2 7

A essa altura da vida, Figueiredo já se encontrava comprometido com o Ginásio, no

qual assumira por portaria de 16 de agosto de 1855, uma segunda cadeira, a de

história e geografia. Diz-nos Pereira da Costa:

“Em 1855, por portar ia de 16 de agosto, fo i nomeado pro fessor da segunda cadeira de

histór ia e geograf ia do Ginásio Pernambucano, merecendo durante o seu magistér io, ser

designado examinador, por mui tas vezes, dos a lunos do curso de preparatór ios, anexo à

Faculdade de Direi to”.2 8

Professor no Ginásio, Figueiredo continuou sua at ividade de escri tor. De 1846 a

1848 é redator chefe da revista O Progresso, da qual falaremos amplamente, no

capítulo 3º. Um dos companheiros de Figueiredo, na redação de O Progresso , é o

engenheiro francês Luís Leger Vauthier. Trazido ao Brasi l , pelo então presidente da

província de Pernambuco, o Barão da Boa Vista, Vauthier torna-se, prat icamente,

engenheiro chefe, em Recife.

Seu Diário ínt imo, publ icado em 1940, pelo MEC, a instâncias de Gilberto Freyre,

bem como a obra desse últ imo, int i tulada: Um engenheiro francês no Brasi l , dão-

nos idéia do que signif icou a presença de Vauthier, para a cultura pernambucana da

época. Imbuído do espír i to do seu século, ele sente-se uma espécie de missionário

da cultura, cujo coração é a França. Lemos no seu Diário:

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“Mas a França, a França! Apesar da pobre c ivi l ização que a d i lacera é ainda o país mais

adiantado da ter ra. – É ainda a l i que se encontra o maior numero de almas generosas e de

corações nobres. É ainda al i que há verdadeiras luzes e germes de progresso”.2 9

Vauthier lê João Batista Sai3 0, Sismonde de Sismondi3 1. Assina para si e para os

amigos revistas francesas, como Phalange3 2, Democrat ie 3 3 e Social ista3 4. Entre os

lei tores e assinantes, encontramos o nome de Antônio Pedro de Figueiredo3 5.

Em O Progresso, Vauthier escreve nos dois primeiros números. O terceiro número

da revista, porém, vem já com a notícia da sua partida. Mudara a polí t ica, e a luta

contra esse francês, à frente de obras importantes em Pernambuco, chega ao clímax.

O Progresso lamenta a part ida de homem tão competente e lhe dá um “adeus“

agradecido.

Através de Vauthier, certamente, é que número da revista pernambucana chega à

Europa, conforme se noticia em O Progresso, p. 400-401.

De 1856 a 1858, toda segunda-feira, f igueiredo escreve “A Carteira”, folhet im

original do Diário de Pernambuco, sob o pseudônimo de Abdala-el -Krat i f ; desse

folhet im trataremos no capítulo 4º. No mesmo Diário de Pernambuco, além de

art igos casuais, escreve, a part ir de 52, ao menos, até a morte, o “Retrospecto

Semanal”, também nas segundas-feiras. Pereira da Costa diz que Figueiredo

escreveu em Diário de Pernambuco, durante doze anos. De fato, informa-nos Luiz

do Nascimento:

“No ano seguinte (1847), o relator Pereira Rego era subst i tuído por Antônio Pedro de

Figueiredo, que f igurou ao lado de Flor iano Correia de Br i to e Fel ipe Nér i Colaço”.3 6

Pereira da Costa referindo-se certamente à “Carteira” fala de “crí t icas l i terárias,

revistas de teatro, contos, lendas e tradições, ciências e artes”, e acrescenta:

“notam-se os seus art igos e correspondências t raduzidas do inglês e f rancês, do Anuár io

dos do is mundos, da Revista de Par is, da Revista dos do is mundos, e de outros jorna is da

Europa”.3 7

Em 1852, pelo Diário de Pernambuco e pelo jornal A Imprensa, Figueiredo

polemiza com o Dr Pedro Autran a respeito do socialismo. É uma polêmica de

grande importância, para captarmos o pensamento de Figueiredo. Será motivo de

estudo especial, em capítulos posteriores.

A at ividade de Figueiredo, porém, não se restr ingia, em termos de produção

l i terária, aos jornais e periódicos. É ele o tradutor da obra de M. Ortolan: Da

soberania do povo e dos princípios do governo republ icano (1847), do romance de

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George Sand: As sete cordas da l i ra (1847). Produz, ele mesmo, um trabalho de

f i lologia: Noções abreviadas de f i lologia, acerca da l íngua portuguesa (1851).

No que concerne A Aurora Pernambucana, periódico que circulou de 16/10/1858 até

17/12/1859, Luiz do Nascimento nega colaboração de A. P. de Figueiredo e, parece-

nos, com muita razão, pois, durante esse período, Figueiredo já se achava

adoentado, depois, gravemente enfermo e, f inalmente, falecido. Ao que parece

houve confusão por parte de Alfredo de Carvalho, nos Anais da Imprensa Periódica

Pernambucana, com o nome de José Antônio de Figueiredo3 8.

Pelo contrário, encontramos Antônio Pedro de Figueiredo l igado ao periódico O

Parlamentar, periódico polí t ico, cujo primeiro número saiu em 1/6/1848. Saíram

apenas cinco números, o últ imo dos quais em 1/7/1848. A f inal idade do mesmo era

“o exame dos atos da chamada Assembléia Provincial de Pernambuco, sob

promessas de que não suportará que os seus membros poluam impunemente os

lugares que conquistaram à força de violência e infâmias”.3 9 Em Diário Novo de

5/6/1848 encontra-se esta nota: “Quem quiser comprar o Parlamentar, procure na

rua do Rosário Estreita, em casa do Cousin Fusco, que é o redator”.

5. À vista de todas essas notícias, podemos talvez concluir que o r i tmo da vida, de

uma vida dura, na qual a pobreza e a si tuação de ser um mestiço t iveram seu peso

bem grande, t i rou a Antônio Pedro de Figueiredo a possibi l idade de dedicar-se ex

professo à f i losofia. A viagem à Europa, planejada no início de sua carreira

l i terária, como um meio de colocar-se em contato com os mestres do pensamento

europeu, transformou-se, nos f ins da década de 50, num serviço à causa públ ica da

província, no setor educacional; e abortou, enfim, por causa da sua morte.

Mas, no dia a dia da vida de professor de escri tor e de devorador de l ivros, como se

af irmou dele, pôde adquir ir uma cultura sól ida que, a despeito de tantos revezes,

lhe granjearam a est ima dos seus coevos. Não só Em seus escri tos, encontramos,

sem dúvida, a meditação de temas f i losóficos, ainda mais se

atentarmos ao fato de que, então, a f i losofia não se concebia dissociada da tarefa de

transformar o mundo, para que ele passasse das trevas às luzes, legado precioso dos

pensadores do século XVIII. Jouffroy o disse, solenemente, em Mélanges

phi losophiques:

“I l sui t de tout ce qui précède que la quest ion la p lus grande et la p lus importante que la

phi losophie puisse poser est ce l le de l ’avenir de notre civ i l isat ion. Sans qu’ i ls le sachent,

e l le est pour tous les hommes une quest ion de famille, pour tous les peuples une quest ion

nat ionale”.4 0

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TERCEIRO CAPÍTULO A Revista “O Progresso” e a Polêmica sobre o Socialismo

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1. No fervi lhar de idéias e paixões, que sacudiram a sociedade pernambucana, na

primeira metade do século XIX, houve também um pulular de diár ios e periódicos1.

Dentre os periódicos, nenhum deles teve a envergadura de O Progresso que, embora

tenha circulado apenas de 1º de julho de 1846 até setembro de 1848, testemunhou

um esforço e uma real ização verdadeiramente admiráveis.

Por proposta do Prof . Amaro Quintas, e por iniciat iva do governo de Pernambuco,

foi reeditado, pela imprensa of icial , no Recife, em 1950, este acervo precioso, que

f icara esquecido e desgastando-se, nos museus históricos e bíbl iotecas of iciais.

Saiu um volume com 920 páginas, no formato 23 x 16 que foi realmente o formato

da Revista, quando ci rculava. No índice, porém, que se encontra no f im do ano de

1847 , as páginas dos art igos não correspondem às páginas do volume da

reimpressão, por causa da diferença de t ipos maiores empregados nessa.

Antônio Pedro de Figueiredo foi seu redator chefe, como consta pela sua assinatura,

colocada no f inal de cada número, nas páginas 77, 169, 327, 401, 473, 545, 624,

696, 765, 849 e 920. Parece-nos que falta a assinatura de Figueiredo, talvez na

página 2472. É verdade que, no fervor da polêmica e das calúnias do período

histórico em que O Progresso surgiu, houve quem colocasse em dúvida a

contr ibuição substancial de Figueiredo, no caso da confecção de O Progresso. É

assim que O Volcão, folha de orientação l iberal e de duração mui efêmera (7/8/1847

até 18/9/1847) atacava Figueiredo dizendo: “O Progresso que é escri to por J.S. e de

que ele Cousin é apenas miserável testa de ferro...” 3 Mas é uma voz discordante, no

meio de muitas outras, não interessadas em vinganças polí t icas. Basta recordar

Pereira Costa4 e Sacramento Blake5. No número de 10/11/1856 de “A Carteira”

temos o testemunho do próprio Figueiredo: “Esta peça de versos foi publ icada em

uma Revista Literária e Científ ica, de que éramos redator em chefe; por outro lado,

a edição do Progresso está ext inta: assim aproveitamos.. .”6

2. Se é tranqüi la a posição de Figueiredo diante da revista que mereceu a atenção de

estudiosos pernambucanos do nosso século, da envergadura de Gilberto Freyre e

Amaro Quintas, não é tão simples individuar quais art igos saíram realmente da pena

de Figueiredo. Os art igos todos são assinados por letras: L. e, depois, L. L.,

identi f icadas como do engenheiro francês Louis L. Vauthier; S. A., atr ibuídas a

José Soares de Azevedo; M. M. abreviaturas do nome de Antônio Peregrino Maciel

Monteiro; H., representando o nome de Henrique Augusto Milet, ao menos para os 5

art igos int i tulados: “ Interesses provinciais”7, e uma série de outras letras, como:

O., RR, A.,D., XY. As letras FP (no texto) FV (no índice)8 estão no f im de uma

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t radução e deve indicar o autor estrangeiro do art igo “Lei agrária nos Estados

Unidos” (p. 407 de O Progresso), pois outros art igos traduzidos vêm marcados com

iniciais dos art iculistas estrangeiros, por exemplo: CG, que pelo índice (p. 768)

sabemos ser: C. Guyormaud; traduzido também é o artigo de Fr. Stromeyr que se

encontra sem assinatura alguma no f inal, pois, no início, logo após o t í tulo:

“ Variedades” (p. 541 de O Progresso), vem dita claramente a procedência do

art igo.

Depois de várias tentat ivas de identi f icar algum art igo de Figueiredo, que fosse

como que pista para novas descobertas, encontramos em “A Carteira” de 21/7/1856,

uma indicação séria. Nesse folhet im Figueiredo continua a f icção de um diálogo

entre dois amigos que se encontram, após longos anos de renúncia. Ambos t inham

feito os estudos em Olinda. Rodolfo é pernambucano e, pelo teor f ict ício do

diálogo, parece ser o próprio Figueiredo. Alfredo, pelo contrário não é

pernambucano. Através de manobras polí t icas desleais consegue “fazer-se” na vida.

Num primeiro diálogo, que consti tui “A Carteira” de 14/7/1856, Rodolfo termina

lendo trechos da obra de Sismonde de Sismondi, que enaltecem o valor da vida

polí t ica no município, já que Alfredo a julgava de menos importância. No segundo

diálogo, que consti tu i o folhet im de 21/7/1856, Rodolfo passa a ler um antigo

trabalho seu:

“Rodol fo, que, não obstante a sua grande modést ia e gravidade, parece ainda ter a lguns

restos de vaidade, d isse- lhe que estava relendo uma produção de outrora, – um juízo

cr í t ico sobre o Livro do Povo de Lamennais; e sem mais preâmbulo acrescentou, vou

repet ir -te a lgumas passagens deste trabalho” .

Em seguida vem um trecho igual ao art igo de O Progresso no qual se apresenta o

l ivro de Lamennais, com pequenas modif icações, embora bastante signif icat ivas,

como veremos mais tarde9. Além dessas pequenas modif icações, são supressos

alguns parágrafos para que “A Carteira” se mantenha nos l imites de seu tamanho.

Pois bem, esse art igo de O Progresso t raz, no f im, como assinatura a letra O,

seguida de pontos. O que teria levado Figueiredo a escolher a letra O para marca

dos seus trabalhos? Não seria o fato de os três nomes: Antônio Pedro de Figueiredo

terminarem com essa letra?

Mais importante, porém, do que essa descoberta, é o fato de os art igos assinados

com a letra O serem aqueles que versam questões f i losóficas de maneira explíci ta,

ou seja: a) Certeza humana, da página 13 à página 24; b) Processos lógicos, da

página 83 à página 92; c) As três respostas ao “Discípulo da Fi losofia”, o qual

sabemos ser “Antônio Vicente do Nascimento Feitosa, que no Diário Novo, lhe (ao

Figueiredo) refutava os pontos de vista sobre o importante tema”1 0. Esses art igos

encontram-se às páginas 166-169, 243-245, 325-326. Ainda com essa assinatura

encontramos os art igos: “Reformadores modernos (Johann Ronge)“, páginas 553-

557. “Ascânio” de Alexandre Dumas, páginas 645-647. “O Livro do Povo” de

Lamennais, páginas 647-653; “Variedade” (no índice: Nascimento do Progresso),

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páginas 397-401. Esse art igo, historiando o nascimento da revista O Progresso, que

o próprio Figueiredo anunciara numa nota do dia 25/5/1846, no Diário de

Pernambuco, f i rma-nos mais ainda na conclusão de que os art igos assinados com O

são realmente da autoria de Figueiredo. Mais, podemos também concluir com

bastante probabi l idade, seja de Figueiredo o art igo: “As reformas” que aparece sem

assinatura, no texto, e que se encontra nas páginas 855-866. Infel izmente, a revista

cessa de circular, pouco depois, e não possuímos o índice, como aconteceu para os

volumes de 1846 e 1847. No índice desses anos, procurou-se sanar ao

esquecimento, assinalando, após o capítulo, as iniciais do autor. O que, porém, nos

leva a atr ibuir a Figueiredo o art igo em questão é o paralel ismo entre o conteúdo

dos dois folhet ins: o de 21/7/1856 que já sabemos de Figueiredo e que, em parte,

retoma material publ icado em O Progresso, como vimos atrás, e o folhet im de

14/7/1856, também de Figueiredo e que retoma material de O Progresso, ou seja, as

palavras sobre a vida do município, conforme se encontra em Sismonde de

Sismondi.

Resumindo: estamos de posse desses art igos assinados com a letra O , e que, sem

medo, podemos atr ibuir ao Figueiredo: a) “Certeza humana”; b) “Processos

lógicos”; c) As três “respostas ao Discípulo da Fi losofia”; d) “Reformadores

modernos” (Johann Ronge) e “ Ascânio” de Alexandre Dumas: d) “Livro do Povo”,

de Lamennais; e) “Variedade”, ou “Nascimento de O Progresso”. Finalmente, muito

provavelmente, é também de Figueiredo: f) “As reformas”.

Antes de prosseguirmos nessa faina de identi f icar art igos de Antônio Pedro de

Figueiredo, na revista de que foi o fundador e redator-chefe, queremos enfat izar o

seguinte: a certeza de que a letra O indica o nome de Figueiredo se f i rmou em nós,

não pelo simples fato de um dos folhet ins: “A Carteira” conter material que

Figueiredo diz retomado de uma sua publ icação anterior, que, no caso, é O

Progresso. Não. O que gerou em nós essa certeza foi o fato de, na anál ise do art igo:

“Certeza humana”, podermos encontrar, ni t idamente del ineada, a f igura intelectual

de um homem que, apesar de assumir uma at i tude crítica diante de Cousin, é-lhe

devedor, no art igo em questão, das suas l inhas mestras de pensar. Deixamos para

mais tarde, ainda nesse capítulo, a anál ise do texto e seu cotejo com a obra de

Victor Cousin, traduzida por Antônio Pedro de Figueiredo. Em outras palavras,

nosso raciocínio é o seguinte: Se é verdade, como atestam testemunhas da época,

que Figueiredo escreveu em O Progresso; se é verdade que ele é o tradutor do

Curso de história da Fi losofia de Victor Cousin, o que lhe granjeou até a alcunha

de Cousin Fusco; nenhum melhor do que Figueiredo para ser apontado como o autor

do art igo: “Certeza humana”, e das três respostas ao “Discípulo da Fi losofia”.

A lei tura de “A Carteira” levou-nos, porém, a novas descobertas. “A Carteira” do

dia 24/3/1856, após uma pequena introdução, recordando o decl inar da peste e as

conseqüências de penúria de braços que ela trouxe para a agricultura, diz o

seguinte:

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“o pr imeiro meio que a este respei to se o ferece à intel igência dos homens encarregados da

gerênc ia dos negócios públ icos, é a colonização estrangeira .

“Com efei to, este recurso é o único que resta, mas pensamos que, para que este meio dê o

resultado que se pretende a lcançar, será mister antes de tudo a real ização de outras

medidas, sem as quais, em nosso entender, a colonização estrangeira não medrará entre

nós.

“Em outra época traçamos algumas considerações sobre este assunto , e como a inda as

reputamos convenientes, aqui as apresentamos, e o públ ico faça- lhes a just iça que

merecem”.1 1

Segue então, com pouquíssimas modif icações e poucas supressões o art igo:

“Colonização do Brasi l” , que se encontra em O Progresso, da página 629 à página

637. No entanto, o art icul ista de O Progresso esconde-se agora sob a letra H e

pontinhos.

A primeira pergunta que pode levantar-se: não se esconderia sob o pseudônimo

Abdalah-el-Krat i f , nesse caso, o antigo colaborador de O Progresso, e que, segundo

Luiz do Nascimento, deu-nos cinco art igos int i tulados: “Interesses Provinciais”,

assinando simplesmente H , e que sabemos ser Henrique Augusto Milet?1 2 Mas se é

assim como Figueiredo pôde usar material que não é seu, se perante a comunidade

recifense Abdalah-el-Krat i f , mais revelava do que escondia o responsável da

coluna? Ao menos é o que consta da polêmica que se levantou, quando, da ocasião

da peste, “A Carteira” cr i t icou at i tudes pouco responsáveis da parte de médicos.

Essa crít ica levantou protestos e acusações. Em “A Carteira” de 17/2/1856 a

redação do Diário de Pernambuco chama a si toda a responsabi l idade do publ icado

no Folhetim: “A Carteira”, mas diz ainda:

“Contudo essa redação não quer abr igar -se covardemente e em segredo sob o vé, al iás

bastante t ransparente, (gr i fo nosso) do pseudônimo de que usa.

“Este nome é o de um homem, nosso co laborador e amigo”.1 3

Inferimos daí que Figueiredo não podia esconder-se impunemente sob o

pseudônimo. Além disso, Luiz do Nascimento ao colocar o H como assinatura de

Henrique Augusto Milet só o faz para os cinco art igos de teor jurídico”1 4. Não seria

o fato de, no f im do art igo de O Progresso: “Colonização do Brasi l” fazer-se

menção de projeto de lei , extraído justamente dos art igos de Milet, o que levou

Figueiredo a assinar com H ?1 5

Confessamos que nos encontramos diante de duas hipóteses possíveis: a) Antônio

Pedro de Figueiredo é o autor do art igo de O Progresso. Com just iça, portanto, e

l i teralmente o diz produção sua, no folhet im de 24/3/1856. O fato de, em O

Progresso, dizer, no f im do art igo: “Nos nossos art igos sobre os interesses

provinciais, já propusemos um projeto de lei acerca do imposto terr i tor ial : eis aqui

agora um a respeito do comércio a retalho” (seguem 4 art igos), deve-se à co-

responsabi l idade do corpo redacional da revista de que era redator-chefe; b)

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Antônio Pedro de Figueiredo não é o autor do art igo de O Progresso e ao

transcrevê-lo em “A Carteira”, com ciência ou à revel ia do autor, fê-lo seu, o que,

do ponto de vista da anál ise do seu pensamento, é-nos suficiente. Al iás, assinando

todos os números de O Progresso, ele os rat i f icava e endossava.

Não terminam, porém, ainda aqui as contr ibuições diretas de Figueiredo para as

colunas de O Progresso. No folhet im: “A Carteira” de 14/4/1856 encontramos nova

pista para descobrir sua pena também nos art igos que trazem, como simples

assinatura, o A , letra inicial de seu primeiro nome Lemos com efeito:

“As recordações do passado, as reminiscências da primeira par te da v ida, de qualquer

natureza que sejam, têm uma certa poesia que nunca perece, que sempre nos encanta e

fascina.

“É este sent imento mister ioso da juventude, esse amor que o homem consagra às suas

insp irações pr imi t ivas, que hoje nos anima a conf iar aos nossos le i tores uma das nossas

locubrações l i terár ias de outrora, acerca do comércio internac ional ” .1 6

Após essa introdução, Figueiredo transcreve, sem modif icação quase nenhuma e

com apenas a supressão de umas vinte e duas l inhas, na edição que estamos usando,

o art igo: “Comércio internacional”, publ icado 10 anos antes, em 1846, na revista O

Progresso1 7. Estamos, portanto, de posse do signif icado de mais uma das

misteriosas letras da revista recifense. E com isso estamos aptos a aumentar o

número de art igos que devem ser atr ibuídos realmente a Antônio Pedro, o pardo de

Igarassu, motejado por jornalecos da época. Este mesmo art igo: Comércio

internacional, nos envia a outro, também ele assinado com a letra A :

“Entre cada povo, a at ividade indiv idual, em vez de ser d ir igida para o bem de todos,

conforme os pr incípios de l iberdade de especial ização, simpl ic idade e economia, como já

estabelecemos no nosso art igo precedente (at ividade humana) , essa at iv idade, d izemosnós,

f icou entregue a s i própr ia”.1 8

Realmente o art igo mencionado, e que ocupa as páginas 175-180 vem assinado por

um simples A . E com um simples A e pontinhos vêm ainda marcados três art igos

sobre “Reforma do Sistema Penitenciário”; o primeiro nas páginas 349-356, o

segundo nas páginas 559-565, e o terceiro, nas páginas 639-643. Não há motivos

para não atr ibuí-los a Figueiredo, sobretudo se atentamos o índice, na página 767.

Aí sob o t í tulo “Ciências Sociais e Pol í t icas”, encontramos sucessivamente:

“At ividade Humana” por A***. “Comércio Internacional”, pelo mesmo; “Reforma

do Sistema Penitenciário” (1º, 2º e 3º art igos), pelo mesmo. De início, pensamos

que o número de pontos depois das letras, ou a mudança de pontos por asteriscos

signif icasse mudança de autor, mas chegamos à conclusão de que esse pormenor

f icava a cri tér io do t ipógrafo, ou ao sabor da mão do art icul ista, na hora de mandar

o original para a t ipograf ia. É o que se pode ver claro nos dois art igos

declaradamente do mesmo autor: “At ividade Humana”, assinalado com A e nove

pontos, enquanto: “Comércio Internacional” é assinalado com um A e seis pontos;

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mais, no índice, o art igo: “At ividade Humana” vem seguido de um A e três

asteriscos, após a letra, e na parte superior da mesma.

Assinados com a letra A vêm ainda dois pareceres sobre l ivros publ icados em

Pernambuco: Elementos de Economia Polí t ica do Dr. Pedro Autran da Matta e

Albuquerque, e Sinopsis ou dedução cronológica dos fatos mais notáveis da

história do Brasi l , da autoria do general José Ignácio de Abreu e Lima, páginas

499-506.

Por tudo isso que dissemos, até agora, podemos concluir que a acusação de O

Volcão não t inha consistência. Mesmo se a Figueiredo se devesse atr ibuir apenas o

que af irmamos até agora, seria já considerável a sua contr ibuição para a revista O

Progresso.

Acontece, porém, que não terminaram as misteriosas letras de f im de art igos. Ficam

ainda por decifrar as seguintes: RR,1 9 XY, D, DL.

RR é assinatura de uma equipe de redatores. No índice, aparece após o primeiro

art igo sob o t i tulo: “Polí t ica”; para os que se seguem repete-se a expressão: pelos

mesmos2 0. O que nos impede de supor que, aí, se encontre também, em parte, a pena

de Figueiredo, ainda mais sendo ele o redator-chefe e o ideal izador da revista?

Continuam indecifráveis para nós as assinaturas: XY, D, DL. Por outro lado,

sabemos que o jovem acadêmico Antônio Rangel Torres Bandeira foi colaborador

de O Progresso. É o que nos af irmam Pereira da Costa2 1 e Clóvis Bevi láqua2 2. Como

assinava ele?

3. O Progresso procurou ser uma revista, à altura dos tempos novos. Pela

“Exposição de princípios”, logo no início do primeiro número, vemos como seus

mentores estavam a par do ambiente cultural da época. Acentua-se a tão propalada

idéia do “ l ivre pensamento”, que signi f icava, na consciência européia, a

independência que a f i losofia obtivera face à teologia e às autoridades

eclesiást icas. O fundamento da razão só pode ser a própria razão. E essa vai se

expl ici tando e se just i f icando, por si mesma, sem ingerência estranha. Até que

ponto o grupo brasi leiro assume realmente essa at i tude, é objeto para outro

capítulo. Mas isso consta como princípio orientador do grupo, o qual se julga

privi legiado, porque possui “uma redação perfeitamente uma (gri fado no texto) de

intenções e desenhos”, o que lhes dará a possibi l idade de “apresentar

constantemente, no desenvolvimento do pensamento próprio ou na exposição das

idéias de outrem as mesmas doutr inas e os mesmos princípios gerais apl icados aos

fatos de diversas ordens”. (Anexo 20, n.1. O Progresso, p. 3)

O segundo art igo do ato de fé da nova cul tura era a fé no progresso. O nome da

revista não foi escolhido a esmo. Ele era um programa. Cria-se então que a salvação

do homem estava no progresso das ciências; e a ciência sem dúvida supõe os fatos,

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mas supõe também as sínteses luminosas; e quão acanhadas eram ainda essas

sínteses em terras do Brasi l ! A revista devia ser um veículo de cultura renovadora,

ou melhor, um eco que pudesse despertar a consciência adormecida, inclusive das

academias que viviam “numa preguiçosa beati tude”. (Anexo 20, n. 3. O Progresso,

p. 5.)

A nova f i losofia, em confronto com o que outrora se chamou f i losofia e que se

perdeu em discussões estéreis, estava em função da fel icidade dos povos. A polí t ica

lhe dizia respeito mui to de perto. E, na polí t ica, dois princípios consti tuem então

uma unidade inscindível: a l iberdade e a ordem. Era preciso crer que a ordem social

perfeita se constrói sobre esses dois pi lares. Não é uma fé rel igiosa cega; os fatos

já estão a provar que passaram os tempos das guerras, que o progresso cientí f ico é

um progresso pacíf ico. Há um otimismo juveni l , no grupo que funda O Progresso:

“é esta polí t ica radiosa de progresso pacíf ico que queremos instaurar entre nós e

que será a legenda da nossa bandeira”. (Anexo 20, n. 7. O Progresso p. 8).

Como injunção nacional era preciso definir -se diante da forma de governo em si

mesma. Isso era questão de pouca importância para o grupo de O Progresso. Para

eles, forma de governo, em sentido mais r ico e de interesse imediato, era a

“organização social”, e a polí t ica é a ciência dessa organização. Mas, para não ser

tachado de covarde, o grupo fazia prof issão de fé na oportunidade da monarquia,

como então se real izava no Brasi l .

Enfim, o progresso realmente humano desabrocha-se no cult ivo das artes. A revista

é um apelo para que todos se beneficiem das luzes e inspirações que vêm da

Europa; é um apelo para que, ao mesmo tempo, todos dêem largo espaço a

criat ividade e à independência.

Por este pórt ico de entrada, que se apresenta solene e majestoso, podemos perceber

que a revista era de uma ambição realmente corajosa. Não era uma revista

especial izada em determinado ramo de ciência. Não. Ela queria ser o órgão cultural

que mostrasse aos brasi leiros o pulsar daqui lo que, então, com certo

estremecimento emocional, se dizia a civi l ização. Não era, portanto, um

instrumento de disputas mesquinhas, mas era um marco a indicar, que do lado de cá

do Atlânt ico, já se concebia “uma maneira transcendente” de olhar a história nas

suas grandes l inhas evolut ivas.

Sem dúvida, a grande inspiradora desses ideais era a Europa. Nota-se, nas

entrel inhas, quando não nas l inhas mesmo, uma espécie de complexo de

inferior idade. O nosso caminhar é em direção daqui lo que França, Inglaterra,

Alemanha, Áustr ia, Itá l ia t inham conseguido real izar.

Esse programa expl ica a estrutura de O Progresso:

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“Edi tor ia is, ar t igos assinados com in ic ia is, assim d ivid ida a matér ia: Revista c ientí f ica,

Revista l i terár ia , Revista pol í t ica (exter ior e inter ior) , Var iedades, Poesias e outros

trabalhos, focal izando temas como: comérc io internacional, co lonização do Brasi l ,

lat i fúndio terr i tor ia l , l iberdade de imprensa, formas de governo, etc . afora traduções

como, le i agrár ia, o comunismo na Alemanha, o soc ial ismo na Suíça e a doutr ina de St.

Simon”.2 3

4. Podemos tentar resumir o r ico material publ icado por “ O Progresso”, do ponto

de vista que nos interessa, que é o da anál ise do pensamento de Antônio Pedro de

Figueiredo, da seguinte maneira:

a) textos f i losóficos explíci tos, versando sobre o problema do conhecimento;

b) textos de cunho eminentemente sócio-econômico-polí t ico, nos quais podemos

descobrir uma concepção da real idade social e da história; nos quais, portanto,

estão encarnados princípios f i losóficos, que nos interessam mui especialmente2 4.

a) Textos expl ici tamente f i losóf icos

Esses textos são: “Certeza humana“, nas páginas 13-24. “Processos lógicos do

espír i to humano“, nas páginas 83-92. As três “respostas ao Discípulo da Fi losofia”,

nas páginas 166-169. 243-245; 325-326. Todos da autoria de Figueiredo.

O art igo sobre a Certeza humana. Esse art igo revela para nós o Figueiredo tradutor

do Cours de l ’histoire de la phi losophie de Victor Cousin.

Para compreender essa nossa af irmação e, portanto, para compreender o art igo de

Figueiredo, devemos fazer uma pequena incursão no pensamento de Victor

Cousin2 5, sobretudo como se revela na obra traduzida por Figueiredo, mas também

em outras suas obras que Antônio Pedro pôde ter às mãos, com faci l idade, dado o

ambiente cultural reinante em Pernambuco e que foi objeto de estudo no primeiro

capítulo desse nosso trabalho.

O Curso da História da Fi losofia, de Victor Cousin, tem uma estrutura sui generis:

começa com o estudo da f i losofia do século XVIII. São as 3 primeiras l ições.

Imediatamente passa ele ao estudo dos sistemas que plenif icam (remplissent) a

f i losofia do século XVIII. Esses sistemas se encontram em todas as grandes épocas

da história da f i losof ia, pois estão na raiz mesmo do espír i to humano. São: o

sensual ismo, o ideal ismo, o cet icismo e o mist icismo. Feita essa constatação,

Cousin descobre também quatro etapas, na história do desenvolvimento do espír i to

humano, portanto, quatro etapas na história da f i losofia: uma a oriental, outra a

grega; outra a do século XVII; a últ ima, a f i losofia do século XVIII. Cada uma

dessas idades supõe um período de incubação de caráter rel igioso. Assim foi para o

Oriente, onde só na Índia e, após séculos, se pôde ver del ineado um pensamento

f i losófico. Assim aconteceu também para Grécia, na qual a f i losofia foi preparada

pela mitologia. A Idade Média, propriamente, não conheceu verdadeira f i losofia,

pois a Escolást ica estava em função da teologia; preparou, porém, as várias

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tentat ivas f i losóficas dos séculos XV e XVI. Finalmente, no século XVII

encontramos as raízes da f i losofia do século XVIII, a qual é a Fi losofia com letra

maiúscula, pois, f inalmente, a razão consegue se esclarecer como a única fonte de

verdade, o fundamento de si mesma.

Em todos os momentos da história humana, sensual ismo, ideal ismo, cet icismo e

mist icismo estão presentes, embora de maneira diferente, de acordo com as

característ icas de cada época.

Depois das três primeiras l ições sobre o século XVIII, Cousin passa a anal isar

rapidamente o Oriente ( l ições 5ª e 6ª), a Grécia ( lições 7ª e 8ª), a Escolást ica ( l ição

9ª), os séculos XV e XVI ( l ição l0ª) para, f inalmente, demorar-se no século XVII

(da l ição 11ª à 25ª) . Mais interessante ainda é que, o estudo do século XVII, a

part ir da 15ª l ição se restr inge ao estudo da obra de Locke:

Ensaio sobre o entendimento humano. Procedimento até certo ponto desconcertante,

em um homem que ao falar de Descartes o compara a Sócrates e o diz fundador da

f i losofia moderna:

“Le père d ’un de vos pères aurai t pu vo ir ce lu i qui a mis dans le monde la phi losophie

moderne. Quel est le nom, quel le est la patr ie de ce nouveau Socrate?.. . Cet homme,

messieurs, est un français, c ’est Descar tes”.2 6

O que levou Cousin a essa at i tude? Nada melhor do que dar a palavra ao próprio

Cousin:

“Je vous rappelarai t que Locke est le père de toute l ’école sensual is te du XVl l le. siècle.

En ef fe t , Locke est incontestab lement, en date comme en génie, le premier métaphysl ic ien

de cet te éco le. Or la métaphysique est aux autres par t ies de la phi losophie ce qu’un

pr incipe est à ses conséquences, ou du moins à ses app l icat ions. La morale, l ’esthét ique,

la pol i t ique ne sont que des app l icat ions de la métaphysique, app l icat ions qui sont e l les-

mêmes les bases de l ’h is to ire en génera l , e t en part icul ier de l ’h isto ire de la phi losophie.

De plus, Locke n’est pas seulement un métaphysic ien; i l a lu i -même transporté sa

métaphysique dans la sc ience du gouvernement, dans la re l ig ion, dans l ’economie

pol i t ique”.2 7

É verdade que a um professor de história da f i losofia, e, sobretudo a um professor

que estabeleceu como algo de conquistado a descoberta de que, em cada época da

história humana, estão presentes: sensual ismo, ideal ismo, cet icismo e mist icismo, a

esse professor deveríamos pedir que, com igual largueza, anal isasse as raízes do

pensamento do século XVIII, nos outros três setores: idealismo, cet icismo e

mist icismo.

De certa maneira o pensamento completo de Cousin, já se encontra

embrionariamente completo nas 13 l ições da Introdução à história da f i losofia.

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E nas demais obras o estudo do racional ismo e, concomitantemente, do cet icismo e

mist icismo é fei to com maior detalhe. Importante, sobremaneira, é o Cours de

phi losophie sur le fondement des idées absolues du vrai, du beau et du bien. De

fato, na primeira l ição deste curso, na qual ele reduz os periodos da história da

f i losofia a dois: o grego e o moderno, anal isa o pensamento de Descartes, a escola

inglesa, a escola escocesa e a escola alemã, nas suas característ icas ideal istas, para

desembocar no eclet ismo. É compreensível falar ele do ideal ismo das escolas

escocesa e alemã. Mas, ideal ista Locke? Por quê? Em Locke, o que Cousin tem em

vista, agora, é o fato de ter-se dado ele a anál ise da mente:

“Trois grandes éco les partagent le XVII I s iècle l ’éco le angla ise, l ’école écossaise et

l ’éco le al lemande; cel le de Locke, ce l le de Reid et ce l le de Kant. Or i l est impossib le de

méconnaître le pr incipe commun qui les anime, ou l ’uni té de leur po int de dépar t . Quand

on examine avec l ’ impart ia l i té la méthode de Locke, on voi t qu’e l le se renferme dans

l ’analyse de la pensée”.2 8

Na real idade, e é o mais importante, a solução cousiniana, no fundo, se mostra

ideal ista para Figueiredo, pois para Cousin no Cours de Phi losophie sur le fondemet

des idées du vrai, du beau et du bien, a conci l iação entre as duas exigências do

conhecimento humano: o “a prior i” e o “a posterior i” dá-se no estado primit ivo da

verdade absoluta na intel igência; ou seja, dá-se na apercepção pura. É o que

aparece do Curso e o que é bem acentuado, tanto no prefácio da primeira edição dos

Fragments phi losophiques, como também no texto do Programe des leçons données

à l ’école normale et à la faculté des lettres, pendent le premier semestre de 1818

sur les veri tés absolues.

Diz-nos Cousin na introdução aos Fragmentos. . . :

“P lus que jamais f idè le à la méthode psicho logique, au l ieu de sort i r de l ’observat ion, je

m’y enfonçait davantage, et c ’est par l ’observat ion que dans l ’ in t imi té de la conscience et

à un degré où Kant n ’ava it pas pénétré, sous la relat ivi té et la subject iv i té apparente des

pr incipes nécessaires, j ’at te ignis e t démêla i t le fa i t instantané, mais rée l, de l ’apercept ion

spontanée de la vér i té, apercept ion qui, ne se réf léchissant po int immédiatement e l le-

même, passe inaperçue dans les pro fondeurs de la consc ience, y est la base vér i tab le de ce

qui , p lus tard , sous une forme logique et entre les mains de la ré f lex ion devient une

concept ion nécessaire. Toute subject iv i té avec toute ré f lex ivi té expire dans la spontanéi té

de l ’apercept ion”.2 9

O caráter absoluto e a dimensão de necessidade do conhecimento são obtidos

através de uma renúncia à subjet ividade, entendida como ref lexão e, o que é mais

importante, como l iberdade. Não podemos nos estender na citação; mas Cousin diz

claro:

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“La ra ison devient b ien subject ive par son rapport au moi volonta ire et l ibre, siège et type

de toute subject ivi té ; mais en el le-même e l le est impersonel le ; e l le n ’appart ient pas plus à

tel moi qu’à te l autre moi dans l ’humani té ; el le n ’appart ient pas même a l ’humanité , et ses

lo is, pas conséquent, ne revèlent que d ’e l les-mêmes”. 3 0

No Programme des leçons données à l ’école normale et à la faculté des lettres,

pendent le premier semestre de 1818 sur les véri tes absolues, esquematicamente

encontramos as diferenças entre o espontâneo e o ref lexivo:

“Obscur i té nécessaire du po int de vue spontané, non réf lechi, et , par conséquent ,

ind ist inct e t obscur; c lar té nécessaire du po int de vue réf lexi f e t d is t inct i f . . .

Que les deux termes du fa i t de l ’apercept ion pure, termes immédiats et int imes l ’une a

l ’autre, sont la raison et la ver i té , p lacées évidemment hors du moi e t hors du non-moi,

qui peuvent b ien concevoir ou contenir l ’abso lu, mais sans le const i tuer” .3 1

Assim nas outras suas obras, Cousin que, coerente ou incoerentemente, se revela

incl inado a soluções de sabor ideal ista, cont inua o estudo do Curso da história da

f i losofia. Ele tem sempre o cuidado de recordar os quatro momentos necessários do

caminhar da mente humana. O Curso da história da f i losofia tem de ser olhado no

conjunto das obras do f i lósofo francês. Do contrário seria um torso e não revelaria

a total idade do seu pensamento.

A nossa excursão no pensamento cousiniano pode ter parecido longa, mas, a nosso

ver, foi necessária, como já o af irmamos antes, para duas conclusões: cert i f icar-nos

de que realmente é Figueiredo o autor do art igo de O Progresso sobre a “Certeza

humana”, assinado por um simples O ; e também para compreensão do art igo, e da

polêmica que suscitou.

O art igo “Certeza humana” é construído, a nosso ver, sob o pano de fundo da obra

de Cousin. Afirmar isto não signif ica af irmar que Figueiredo copie Cousin ou o

siga. Pelo contrário, esse pano de fundo é quase sempre ponto de referência para

discordar da solução de Victor Cousin.

Figueiredo divide seu art igo em três partes: na primeira, com caráter quase que

apenas introdutório, e le af irma que, apesar de 4000 anos de discussões, os homens

ainda não chegaram a concluir nada a respeito da momentosa pergunta: “Poderá o

homem chegar à verdade? ”No entanto, o problema seria resolvido com uma

l inguagem única, não ambigüa, como acontece na matemática, af irma Figueiredo.

Já de início vemos o t radutor de Cousin discordar em cheio daquele que deve tê-lo

entusiasmado, a ponto de levá-lo ao trabalho que lhe mereceu a alcunha de Cousin

Fusco.

De fato, na 20ª l ição de sua história da f i losofia, após terminar o comentário ao

segundo l ivro da obra lockeana: Ensaio sobre o entendimento humano, Victor

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Cousin, acena ao terceiro l ivro, que versa sobre as palavras e a l inguagem. E faz a

seguinte observação:

“Je vais maintenant t i rer de l ’ensemb!e de ce tro isième l ivre et des théor ies qu’ i l

renferme, un cer ta in nombre de points importants qui me paraissent suspects, ou douteux

ou faux: vous en jugerez”.3 2

Faz então quatro ressalvas: A últ ima é justamente esta:

“Par tout Locke at tr ibue aux mots la p lus grande part ie de nos erreurs; et s i vous

commentez le maître par les élèves, vous trouverez dans tous les écr ivains de l ’école de

Locke que toutes les d isputes sont des d isputes de mots; qu’une sc ience n’est qu’une

langue, ce qui est vrai s i les idées générales ne sont que de mots, e t par conséquent qu’une

langue b ien fai te est une science b ien fai te. Je m’inscr is en faux contre ce qu’ i l y a

d ’exagéré dans ces asser t ions”.3 3

O Cousin brasi leiro coloca-se numa l inha de oposição ao Cousin francês, e a favor

de Locke; antes, a favor daqueles que levaram ao extremo a af irmação do pai do

sensual ismo moderno. No entanto, no início do seu art igo, aceita ele a anál ise que o

mestre francês faz da história da f i losof ia, dividindo-a em quatro idades, e

remontando à f i losofia que se inspira nos l ivros Vedas o início da história da

f i losofia.

Mas a discordância não se encontra só nisto. Na classif icação das escolas

f i losóficas, Figueiredo faz aceno a três t ipos de pensamento: sensual ismo,

ideal ismo (englobados sob o nome de dogmatismo) e cét icos. Deixa de parte os

míst icos, o que al iás lhe foi recordado pelo “Discípulo da Fi losofia”. Figueiredo lhe

responde:

“e se por acaso, o que quase não podemos crer , se re ferem as suas palavras aos míst icos,

nós lhe responderemos que não examinamos a solução que esta sei ta dá ao prob lema da

certeza, porque pensamos que um sistema que subst i tu i o êxtase à re f lexão, como meio de

chegar ao conhecimento, coloca-se fora do domínio da f i losof ia, que é f i lha da ref lexão, e

faz par te integrante da teologia, apesar do que d izem Cousin e alguns outros”.3 4

Na segunda parte do seu art igo, Figueiredo procura dar uma visão histórica da

procura da verdade, pelos homens. Tendo descartada a solução míst ica, ele tem de

se haver apenas com três correntes: os cét icos, os sensual istas e os ideal istas.

Seu primeiro cuidado é descartar-se também dos céticos. Para isso vai enfrentar os

discípulos de Théodore Jouffroy, os quais se julgavam armados de uma

argumentação irretorquível, como fundamento de certo t ipo de ceticismo, não

ingênuo e mesquinho, mas um ceticismo transcendente. A apresentação que

Figueiredo faz do pensamento de Jouffroy, mostra-nos que, realmente ele era

conhecedor das obras de Jouffroy. Mélanges phi losophiques contem quatro partes:

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Philosophie de l ’histoire; Histoire de la phi losophie; Psychologie; Morale. Na

segunda parte: Histoi re de la Phi losophie, o terceiro capítulo é justamente: “Du

scepticisme”3 5. Em outra obra Cours de droit naturel, em 2 volumes na terceira

edição, Jouffroy, para fundamentar sua doutr ina sobre a lei moral, trata também,

largamente, sobre o cet icismo: huit ième leçon: Système sceptique (p. 195-215);

neuvième leçon: Refutat ion du scepticisme (p 216-242); dixième leçon: Du

scepticisme actuel (p 243-273). Não há diferença do ponto de vista que

encontramos em Mélanges metaphysiques. A única objeção vál ida dos cét icos é:

“e se nossas faculdades cognit ivas não forem fei tas para captar a real idade como e la é?

A essa objeção, não há resposta possível, d iz Jouffroy. Mas só os f i lósofos fazem

esta pergunta e, assim mesmo, teoricamente, pois, na prát ica, agem como os demais

homens, acreditando que as faculdades humanas, ainda que sujeitas a erro, são

feitas para colher a real idade como ela é3 6. Figueiredo procurou resumir o

pensamento de Jouffroy, e opor-lhe argumento seu.

Se Figueiredo interpretou bem o pensamento de Jouffroy e se, portanto, sua

argumentação procede, talvez não venha ao caso na nossa pesquisa. No nosso modo

de ver, contudo, parece que Jouffroy dever ia ser mandado não para o número dos

cét icos, mas dos f ideístas, quando muito; não um f ideísmo teológico, mas

f i losófico. Um f ideíslo de aqueles que af irmam que há verdades que se impõem,

para além das exigências clarividentes da razão, e que são o suporte da própria

razão. Quando nego a existência de uma verdade absoluta, eu já estou

inst int ivamente af irmando a tendência da intel igência para ela, ainda que deva

reconhecer o caráter sempre f ini to, l imitado de qualquer verdade humana. Crer que

nossas faculdades são aptas, em princípio, para at ingir a verdade é condição “sine

qua non” para pensar, e é questão de bom senso.

Do ponto de vista da nossa pesquisa, o que interessa, porém, é ver confirmada a

opinião de que Figueiredo, na época da publ icação de O Progresso, já t inha uma

posição de inteira independência, diante daqueles que apareciam como os mentores

principais do eclet ismo, na França3 7.

Livre dos cét icos, Figueiredo, traça-nos a história dos sensual istas e dos ideal istas,

dentro de um quadro de referência tr iplamente cousiniano: enquanto, agora, faz

menção de duas épocas só, na história da f i losofia: a antiga e a moderna3 8; enquanto

coloca a at i tude das duas escolas frente ao binômio plural idade-unidade (elementos

últ imos, resultantes da anál ise da razão humana) como cri tér io de dist inção, e até

oposição, das mesmas; enquanto enfat iza o papel da escola escoceza, na tentat iva

de superação do ceticismo moderno, através da valorização da psicologia. Sem

falarmos no aceno rápido à mudança de preferência entre o método sintét ico dos

antigos, e analí t ico dos modernos.

A apresentação de Figueiredo é l inear.

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Claro que poderíamos levantar alguns problemas, como, por exemplo, perguntar se

é justo colocar Kant entre os cét icos: Mas são problemas que, na época, não t inham

procedência histórica. O que realmente visa o art igo é questionar e negar o valor da

solução que a escola eclét ica t inha dado a toda essa “quadrimilenar” questão. E foi

justamente este ponto que levantou a polêmica com o “Discípulo da Fi losofia”.

Figueiredo ataca de cheio a solução que Cousin dá ao problema da verdade. É f iel

em expor o pensamento do mestre francês. Conhecia-o bem. Sob certo ponto de

vista, foi até benigno na crít ica, mostrando como a solução era uma arma de dois

gumes, pois assim como Cousin para dotar a razão de cacacteríst icas de valor

absoluto e de necessidade, negou-lhe a subjetividade, outro qualquer poderia fazer

o mesmo, com o dado sensível e chegar à impersonal idade dos dados da ref lexão

(que para Cousin são essencialmente pessoais). Reconhece Figueiredo que, no f inal

do inventário, Cousin fez uma opção por um t ipo de pensamento de

tendência ideal ista, e procurou salvar a personal idade do eu, diante do não-eu com

a doutr ina dos dois momentos no exercício do pensamento: o momento da

espontaneidade e o momento da ref lexão.

Dissemos que a crí t ica foi benigna, pois Cousin, na Europa, teve de enfrentar

objeções bem mais sérias, que ele mesmo menciona no “Préface de la deuxieme

édit ion” dos Fragments.3 9

Não só; Figueiredo aceita diversos dados da anál ise que Cousin faz da consciência,

como: a redução dos elementos da razão a três termos: eu / não-eu / relação entre

eles; ou, inf ini to / f inito / relação entre eles. Mais, aceita também a dist inção entre

ação espontânea e ação voluntária. Ora, esses dados vão ser a chave de solução do

problema para Figueiredo, embora numa perspectiva bem diversa.

Na terceira parte do art igo, Antônio Pedro de Figueiredo dá-nos a sua solução.

Nega a dist inção entre conhecimento subjet ivo e conhecimento absoluto. A verdade

para o homem será sempre uma verdade humana, portanto, relat iva ao homem, e é

um contrassenso falar em verdade absoluta para o homem. Mais ainda, questionar se

as idéias correspondem a uma real idade, a um mundo exterior a nós é

desnecessário, pois é produto humano também essa idéia mesma da real idade.

Estamos igualmente certos de nossa existência como da existência do mundo que

nos rodeia. A posição cartesiana é insustentável. Em suma, a questão do

conhecimento humano só pode ser posta realist icamente, se tomarmos em conta que

os dados irredutíveis do conhecimento são: o sujeito, com a organização intelectual

que lhe é própria; os objetos que se relacionam com a nossa intel igência. O

conhecimento humano é, a um tempo subjet ivo e objetivo; não há que fugir dessa

evidência. O que está mais a peito a Figueiredo é mostrar como só se pode pensar

em conhecimento como relação de. . . com. Assumir um dos polos: sujeito ou objeto,

e privi legiar um deles, com descaso do outro, já não é mais raciocinar com dados,

mas jogo de palavras, logomaquia. O espír i to humano só percebe relações. E isso é

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tão verdade que a idéia geral de existência (o complexo do f ini to) não tem sentido

para a intel igência a não ser porque é o primeiro termo de uma relação: existência-

nada, f ini to-inf ini to, relat ivo-absoluto.

Nessa estrutura baseia-se o princípio de contradição, fundamento de todo o

f i losofar, de todo o conhecimento.

O “Discípulo da Fi losofia”; na sua primeira crí t ica, acusou o Figueiredo: a) de

desordem na exposição e confusão de fatos ou princípios; b) de confundir verdade

com certeza; objet iva uma, subjet iva outra; c) de parcial idade em expor a história

da f i losofia, esquecendo outras escolas e pensadores; d) de desrespeito a Cousin; e)

de não deixar compreensível o t ipo de solução que ele apresenta. Num segundo

art igo, as acusações aumentaram; f) a solução de Figueiredo é cét ica e atéia.

Às objeções: desrespeito a Cousin e identi f icação de certeza com verdade,

Figueiredo responde chamando a si o direito de pensar com a própria cabeça,

independente de o que os outros pensaram ou pensam. Poderíamos dizer: “Amicus

Plato, magis amica veri tas”. Com relação à acusação de ceticismo e de ateísmo,

despreza-as, dizendo simplesmente que não é nem cético, nem ateu, e apela para o

art igo, capaz de, por si mesmo, defender o seu autor contra tais acusações. Com

relação à objeção, que lhe f izera o “Discípulo da Fi losofia”, de ingrat idão para com

outras escolas não citadas, já vimos a resposta que Figueiredo dá, com relação ao

mist icismo: não o julga f i losofia. Além disso, seu excurso pelo campo da história

da f i losofia obedeceu a uma perspectiva, e é nessa que se deve ver o resumo

histórico, fei to em função, e só em função, do problema da certeza humana.

No f inal da sua segunda defesa Figueiredo resume o seu pensamento dizendo: a)

Que todo o conhecimento vem de uma relação percebida e por conseqüência é

necessariamente subjet ivo. b) Que a qual idade de existência resulta de uma relação

e não pertence aos seus dois termos ainda que ela os suponha. c) Que os dois termos

da relação, considerados isoladamente, só têm existência abstrata, donde se segue

que o f ini to e o inf ini to são abstrações correlat ivas uma da outra, cuja relação é a

existência. Finalmente, a defesa contra o ateísmo, é fei ta apelando ao texto, cujo

término foi a frase de São Paulo: “ In Deo vivimus, movemur (está errado nas duas

vezes que aparece em O Progresso, pois aparece movemus) et sumus”.

O que dizer da posição de Figueiredo e da posição do “Discípulo da Fi losofia”? Se

o “Discípulo da Fi losofia” era um adepto de Cousin, razão t inha para temer a

posição de Figueiredo. A “despersonal ização ou desubjet ivização” das leis da

razão, por parte de Cousin, se de um lado podia dar margem a sérias acusações,

inclusive a de panteísmo lógico, de outro lado, era um pensamento sól ido, para a

objet ividade e concomitantes universal idade e necessidade das verdades

fundamentais. Já Figueiredo, “humanizando” a verdade, necessariamente a

relat ivizava. Podiam acusá-lo de cét ico. E do ceticismo ao ateísmo, ou, talvez

melhor, ao agnosticismo o caminho era pequeno, a não ser que se optasse pela fé.

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Mas em campo de f i losofia, apelar para a fé, seria apelar então, para o mist icismo a

Cousin, ou para a fé a Jouffroy, ambos descartados por Figueiredo.

Com relação a Figueiredo, achamos vál ida a primeira af irmação: todo conhecimento

vem de uma relação percebida, por conseqüência é necessariamente subjet ivo. O

que se deveria, porém, aprofundar é como fundamentar o caráter absoluto da

verdade a part ir desta relação, se ambos os termos, sujeito e objeto, são relat ivos.

Está bem que Figueiredo se negue a chamar a verdade de absoluta. Di-la humana;

mas com isso não nega seu valor probatório, seu valor de certeza, e certeza como a

entendiam os f i lósofos.

Quanto à segunda af i rmação: a qual idade de existência resulta de uma relação e

não pertence aos seus dois termos ainda que ela os suponha, é inspirada em

Cousin. Aqui novamente sente-se uma espécie de vazio sob os pés. Aceitemos que

na ordem lógica e psicológica a existência só é entendida como relação. Mas, e na

ordem ontológica? Poderia perguntar-lhe um Catól ico. A pergunta tem procedência.

A ela, Figueiredo, no nosso modo de ver, não respondeu. Eis o que, a respeito, diz

Vamireh Chacon:

“Tendo optado pelo hegel ianismo impl íc i to em Cousin, ta lvez sem o saber , ele

(Figueiredo) de fato interpretou o Mundo com uma emanação tão natural e necessár ia de

Deus, que pensava ainda considerar -se um cató l ico”.4 0

A terceira af irmação parece uma apl icação da segunda.

Ao fazermos essas perguntas não é nossa intenção dar-lhes uma resposta pessoal,

mas mostrar a problemática que Figueiredo levantou. Também ele caiu na pretensão

de que acusava os outros f i lósofos: a pretensão de resolver uma questão que

realmente desafia o pensamento do homem.

Uma coisa parece evidente e queremos ressaltar. A solução de Figueiredo pretende

superar a divisão entre ideal istas e sensual istas. Nisso al iás, está o espír i to do

eclet ismo.

Portanto, no “fato primit ivo” da consciência, para seguirmos a nomenclatura de

Maine de Biran, encontramos juntos necessariamente, quer o elemento subjet ivo,

quer o elemento objet ivo. Dissemos que esses elementos se encontram unidos

necessariamente, a tal ponto que o conhecimento não se perfaz senão nesta

copresença relat iva do sujeito e do objeto. É por isso, que não há conhecimento

absoluto; é por isso que todo conhecimento é subjet ivo. Af irmar que todo

conhecimento é relat ivo (Figueiredo diz, até, relação) é romper com qualquer

ideal ismo, é ganhar imediatamente a objet ividade do conhecimento, é tornar sem

sentido o célebre problema epistemológico da “Ponte”. Af irmar, por outro lado, que

todo conhecimento é subjet ivo é, com um golpe, terminar com o problema que toda

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solução empir ista cr ia: impossibi l idade da ciência e da f i losofia, a part ir da

subjet ividade, como se subjet ividade e objet ividade se excluíssem mutuamente.

Figueiredo, que aceitou como realmente vál ida a posição de Cousin, o qual

dist ingue dois momentos no exercício do pensamento: a espontaneidade e a

ref lexão, parece ter querido chamar a atenção para o art i f icial ismo das soluções

extremas do ideal ismo e do real ismo. No momento da espontaneidade, no momento

do senso comum, sujeito e objeto, unidade e plural idade não se excluem, mas se

coimplicam como dado primeiro, fundamento de todo o pensar: O pensamento supõe

o exist ir , e o exist i r concreto já e uma teia de relações, cujos termos se

coimplicam..

Isso é visto confusamente; à ref lexão compet ir ia revelar, (o que é um desvelar) esse

dado primit ivo, sem empobrecê-lo. Foi uma intuição feliz de Figueiredo, mas, no

nosso modo de ver, realmente, ele não foi mui claro ao expor suas idéias.

Processos lógicos

O segundo art igo de Figueiredo, em O Progresso, versando tema expl ici tamente

f i losófico, é o que se denomina: ”Processos lógicos”, e que se estende pelas páginas

83-92. O art icul ista mesmo, no início, o si tua num conjunto de três art igos. O

primeiro é o que acabamos de anal isar, ou seja, “Certeza humana” e o terceiro,

infel izmente, não veio à luz. Interessante notar como já na “exposição de

princípios” com que se abriu solenemente a revista é af irmada a fé no gênio do

homem que tem por tarefa descobrir a unidade do universo; e o homem “preencherá

tanto mais faci lmente” essa tarefa, “quanto mais estudar a natureza, e apl icar, com

mais independência de espír i to a essas matérias os “processos lógicos” e os “

métodos de investigação e de exame, que desde Bacon hão permit ido que as

ciências f izesse tão rápidos progressos”4 1.

Encontramos, aqui, uma at i tude semelhante a de Verney, em O verdadeiro método

de estudar e à de Si lvestre Pinheiro Ferreira, em Preleções Fi losóficas: tentar

conci l iar as conquistas da ciência moderna

com o patr imônio tradicional.

No art igo de Figueiredo, dist ingue ele entre: a) “estudo dos meios que o homem tem

à sua disposição para chegar à verdade” (seriam os processos 1ógicos, como nos

revela o contexto); b) “empregos que ele deve fazer de tais meios, ou questão do

método”4 2. Esse é o ar t igo que nunca veio à luz.

Uma anál ise do art igo: “Processos 1ógicos”, de certa maneira nos decepciona.

Figueiredo deixa de lado a audácia do primeiro art igo, para dar-nos, nesse, um

resumo do que poder ia encontrar-se em qualquer manual tradicional de lógica

aristotél ica. Tendo-nos falado de Bacon e dos progressos da ciência moderna,

nenhum valor da à indução, além daquele que já lhe dava Aristóteles:

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“O rac iocínio indut ivo é uma forma de rac iocínio , mui preconizada por cer tos f i lósofos

modernos, que até pretenderam subst i tuí - lo por toda a par te ao si logismo, única verdadeira

forma de rac iocínio, capaz de dar a cer teza”.4 3

Talvez reservasse Figueiredo para o terceiro art igo, que deveria versar a questão do

método, a apresentação e o questionamento dessa problemática que desde Bacon e

Descartes vinham sacudindo a f i losofia moderna; al iás é questão sobre a qual

Victor Cousin insiste no seu Curso de história da f i losofla, sob a forma de anál ise e

síntese (troisième leçon), observação e indução (treizième leçon), e quando estuda

o Ensaio sobre o entendimento humano, de Locke.

O fato, porém, é que em O Progresso nada encontramos a respeito, nem nos demais

escri tos que conhecemos de Figueiredo.

b) Textos de cunho sócio-econômico-polí t ico

Sob essa denominação, incluímos os seguintes art igos, de acordo com o resultado a

que chegamos, no número 3.2 “Reformadores modernos (Johann Ronge), “Ascânio”

e o “Livro do Povo”, “Variedade (ou Nascimento do Progresso), todos assinados

com a letra O . Depois, os art igos “Atividade Humana”, “Comércio Internacional”,

Recensão aos l ivros de Autran e Abreu e Lima e três art igos sobre “Reforma

Penitenciária”, todos assinados com a letra A . Ainda, “Colonização do Brasi l” ,

assinado com H . Julgamos poder atr ibuir -se a Figueiredo também o art igo “As

Reformas” que vem sem assinatura alguma. Nem podemos nos esquecer de que os

art igos assinados por RR, sobretudo, a “Exposição de Princípios”, têm inspiração

também f igueirense. A ele podemos responsabi l izar pela escolha de traduções,

como, por exemplo, o trecho “Anarquia Social” de C. Pecqueur.

É um material suf icientemente r ico, no qual se entrecruzam idéias dos eclét icos

franceses, sobretudo Cousin e Jouffroy, ideais l iberais e de reformistas social istas

da fase chamada utópica ou espir i tual ista. Deixaremos para o capítulo V a

abordagem destes textos. Neste capítulo, então, procuraremos definir a posição

mestra de Figueiredo, em questões de grande atual idade na época.

Queremos aqui observar que os art igos sobre “Reforma Penitenciária” f icariam

incompletos, pelo fato de a revista terminar sua atividade em 1848. De fato, no

f inal do terceiro art igo, escrevia Figueiredo: “Num próximo art igo, investigaremos

as principais causas dos crimes, então nos entenderemos mais sobre essas medidas

preventivas, e sobre as destinadas a moral izar ou regenerar os del inqüentes...”4 4.

Esse art igo não saiu nos números de O Progresso, do ano de 1848.

A polêmica sobre o social ismo

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Diz-nos Luiz do Nascimento em “Hist6ria da Imprensa de Pernambuco”, no volume

4º, dedicado aos periódicos de 1821-1854:

“De outro gênero fo i a contenda inic iada, nas co lunas do jornal (A União), pelo

colaborador Pedro Autran da Mata e Albuquerque. Este lançou extenso art igo,na edição de

31 do mês em referênc ia (maio) , no qual , ao defender-se da pecha de ‘soc ial ista ’ , que lhe

atr ibuíra o deputado Morais Sarmento, dec larou c i frar -se o Social ismo ‘na comunhão de

bens e de mulheres’ . Desaf iou-o, então, o escr i tor Antônio Pedro de Figuei redo, pelo

Diário de Pernambuco, a que indicasse quem apregoara tão ‘monstruosa doutr ina ’.

Refutou-o, ainda, através de A lmprensa, fazendo longa demonstração em torno das bases

da nova doutr ina. Mas não fo i possíve l convencer o pro fessor Autran, que manteve seu

ponto de v is ta em o ito a lentados art igos, o ú l t imo dos quais lançado em 16 de setembro”4 5.

Era o ano de 1852.

Nos anexos 4 e 5 vão os dois art igos de Figueiredo. Reservamos para o capítulo V a

anál ise do seu pensamento, a respeito do que então se apresentava, em Pernambuco,

como “nova doutr ina”, perigosa para alguns, alvissareira para outros, pois vir ia pôr

cobro aos excessos do laissez-faire.

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QUARTO CAPÍTULO O Folhetim: A Carteira

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1. O “Diário de Pernambuco” publ icou, desde 24 de setembro de 1855 até 22 de

agosto de 1859, em geral às segundas-feiras, o Folhetim: A Carteira, assinado pelo

pseudônimo Abdalah-el-Krat i f . No dia 29 de agosto de 1859, o folhet im anunciava

a morte do seu fundador, e fazia-lhe o elogio fúnebre. Era ele Antônio Pedro de

Figueiredo, e o substi tuia, no cargo, aquele que já lhe fora colaborador, o Dr.

Antônio Rangel Torres Bandeira. Nem todos os art igos, porém, que aparecem com a

assinatura de Abdalah-el-Krat i f são da autoria de Figueiredo. Ele

mesmo, na edição de 16 de agosto de 1859, nos assegura:

“Cedendo, enf im, à pers is tênc ia e à intensidade do mal, reconhecemos a louca temeridade

de cont inuar uma luta desigual com a própr ia natureza, luta na qual ter íamos de sucumbir .

Nesse aper tado lance, quando estava iminente a cessação de todo o trabalho de espír i to,

luziu-nos um ra io de fagueira esperança. O nosso colega o Sr. Torres Bandeira , logo ao

pr imeiro s inal de détresse, estendeu-nos mão amiga; e o bate l que se aprofundava, ve io

como por encanto à tona dágua, e, por o i to meses sucessivos navegou galhardo e tr iunfante

por entre as s ir tes e cachopes da publ ic idade, sob a d ireção de navegador tão dextro e

esforçado como é o nosso amável co lega”.1

De oito meses de substi tuição fala-nos também Torres Bandeira, quando, no dia

22/8/1859, pela últ ima vez, assinava o pseudônimo costumeiro. Antônio Pedro de

Figueiredo falecera no dia anterior.

“Eis-nos de novo no posto que deixamos por momentos. O nosso amigo a quem

subst i tuí ramos por o i to meses na redação deste fo lhet im, fez, há d ias um grande esforço

dando-nos um trabalho de sua própr ia lavra; mas a enfermidade cont inua a atormentá- lo de

um modo inexpl icável e é impossíve l que, em tal estado o nosso amigo escreva uma só

palavra.

Tomamos sobre nós outra vez esta grave tarefa, e esperamos cont inuar a merecer a atenção

púb l ica”.2

Pereira da Costa, porém, em Dicionãrio Biográf ico de Pernambucanos célebres, em

1882, escreveu:

“Depois de dez longos meses dos mais acerbos sofr imentos. . .escreveu (Figueiredo) um

fo lhet im; fo i publ icado, e poucos dias depois. . . , a mor te o arrebatou à vida da

eternidade”.3

Como contar, porém, esses oito ou dez meses de substi tuição?

Quem faz uma lei tura continuada dos art igos de “A Carteira” observa uma

contradição estranha. Na edição de 15/11/1858, aparece uma apreciação de “O

Trovador” de Verdi, com ressalvas à fama do compositor i tal iano, o qual não pode

comparar-se aos grandes compositores:

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“Bem que em r igor não se possa dizer do Trovador que é uma obra pr ima, nem seu autor o

maior composi tor de música dramática que tem havido, como exageradamente afi rmam

alguns apaixonados; todavia, sem embargo dos seus defe i tos a ópera é incontestavelmente

uma peça sumamente apreciável e o autor um maestro de mui to

merec imento”.4

À medida que procede a anál ise da ópera, encontramos outras ressalvas, ao est i lo e

à original idade de Verdi.

Entretanto, pouco tempo depois, na edição de 6-12-1858, encontramos um outro

tom, na crí t ica a Verdi; é ele comparado a Victor Hugo, como criador do gênero

romântico, na música.

“Que t ransporte ! que vigor ! que entusiasmo nas produção, deste ins igne “maestro” ! Que

sent imentos indef iníveis nos desper tam suas composições, sempre bafejadas por esse sopro

div ino que é o único a constru ir as mais soberbas cr iações ar t íst icas.

“Se vos parece exagerado este quadro, consul ta i , não amadores f ingidos, mas aos

verdadeiros apreciadores, aos verdadeiros ‘d i le t tant i ’” .

“Se é certo que as be las artes são o mais f ie l t ransumpto das maravi lhas natura is. . . ; é, por

outro lado, incontestável que dentre os engenhos que nestes úl t imos tempos se tem

dist inguido mais em patentear esses mistér ios, quanto à sub l imíssima arte da música,

nenhum está ac ima do célebre Verdi” .5

Há mais ainda. Sabemos que no f im de 1858, Figueiredo já estava enfermo, pois ele

mesmo afirma, vimo-lo em cima, que foi com relutância que via chegar o momento

de dever deixar de escrever. Ora, é justamente no dia 29/11/1858 que “A Carteira”

nos dá um alentado art igo, que quer ser uma incursão pelo campo da f i losofia,

dando ao art icul ista o direito de fazer-se esta pergunta:

“o que d irão agora os que lerem esta t i rada semi- f ilosófica num trabalho que só requer

ameníssima l i teratura em conversação fo lgada e prazente ira?”6

Essas duas constatações de crít ica interna dos textos levaram-nos a colocar entre o

15/11/58 e o 29/11/58 ou, então, mais claramente, o 6/12/58 a passagem do encargo

de redigir “A Carteira”, de Figueiredo para o seu amigo Torres Bandeira.

Estávamos a esse ponto da nossa pesquisa, quando encontramos na bibi loteca da

Faculdade de Direito do Recife, uma monografia da autoria de Henrique Capitol ino

Pereira de Mello, estudante do 4º ano da Faculdade de Direito do Recife, sobre o

Bacharel Antônio Rangel de Torres Bandeira. No f inal do trabalhozinho acadêmico,

publ icado em 1878, encontramos a l ista das obras de Torres Bandeira. Entre elas,

71 folhet ins, publ icados no Diário de Pernambuco, a part ir do dia 22 de novembro

de 1858, até o dia 4 de julho de 1860. Nesta l ista não consta a Carteira de

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16/8/1859, que é a últ ima de Figueiredo; constam a de 22 de agosto, com o tí tulo:

“nossa reentrada nos domínios do folhet im” e também a de 29/8/1859, inst i tulada:

“A memória de um amigo uma saudade. O que é a vida em geral? O que é a vida

humana? A questão resolvida pela f i losofia catól ica” 7. Essa, pela vez primeira, com

as iniciais T. B.

Podemos assim estar certos de quais art igos de “A Carteira” são da lavra de

Figueiredo: os que vão da fundação do Folhetim, até o dia 15/11/58, como al iás já

af irmara, com acerto, Alfredo de Carvalho e A. V. A. Sacramento Blake. Ambos se

enganaram com relação à data de início da publ icação, fazendo-a remontar a 1848;

ambos não t iveram em conta o reaparecimento fugidio de Figueiredo, nas colunas

do Diário de Pernambuco, no dia 16/8/1859, ou dela não t iveram ciência. Nesse

sentido, precisaria ser corr igida a nota nº 38, de Luiz do Nascimento, em História

da lmprensa de Pernambuco, volume 1: (Diário de Pernambuco) 1968, segunda

edição, na p. 60. Como se encontra atualmente redigida, essa nota atr ibui a

Figueiredo art igos que, na real idade, são de Torres Bandeira.

Mas a l ista de Henrique Capitol ino nos assegura que é também da autoria de Torres

Bandeira a Carteira de 4/1/1858 com o tí tulo: “Juízo crí t ico sobre Branca Dias de

Apicucos, drama fundado numa lenda pátr ia do século XVIII, por uma

Pernambucana”8. Por outro lado, o próprio Figueiredo, em “A Carteira” de

16/11/1857 nos avisa que transcreve um art igo que, fazia muito, lhe t inha sido

enviado para esse f im.

Também no dia 14/12/1857, Figueiredo avisa que, como lhe pediram expl icações

sobre “Caminho de Ferro”, transcreve art igo de “uma dist inta intel igência”9. E, em

22-3-1858, “A Carteira” diz o seguinte:

“Vamos dar hoje aos nossos le i tores o art igo seguinte de Fernando Guarr ido, que se

encontra na ‘ l lustração Espanhola ’” . O t í tu lo do folhet im é: ‘Aos poetas’” .1 0

É bem possível que algum outro folhet im não seja de Figueiredo, mas a precisão em

notar a responsabi l idade de outros, quando simplesmente transcreve, é uma

segurança da autoria f igueirense dos demais folhet ins. A assinatura é sempre o

pseudônimo Abdalah-el-Krat i f . Ele era o responsável pela coluna; todos o sabiam;

mas podia contar eventualmente com colaboradores. Que sob o pseudônimo de

Abdalah-el-Krat i f estava uma pessoa conhecida atesta-o uma nota defensiva,

publ icada no dia 17/2/1856:

“Po is bem! Digam o que quiserem. Entretanto, responderemos de uma vez para sempre a

esses esforçados anônimos, que só vêem em nós uma personi f icação ind iv idual, um nome,

sob o pseudônimo vulgar de Abdalah-el -Krat i f ” .

A Car teira se chama a redação do Diár io de Pernambuco.

O que ela pensa, – escreve, e o que escreve é sob toda a sua responsabi l idade.

Aceita todas as conseqüências. . .

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Contudo esta redação não quer abr igar -se covardemente e em, segredo sob o véu, a l iás

bastante transparente, do pseudônimo de que usa.

Este nome é o de um homem, nosso co laborador e amigo”. 1 1

2. Precisada a autenticidade dos art igos de Figueiredo, é importante que façamos

uma idéia clara do que fosse um folhetim. Clara, por quanto for possível, pois ao

longo de toda a sua existência, “A Carteira” mesma procura se definir No primeiro

número do folhet im, sua f inal idade é indicada com estas palavras: “cr i t icar,

construindo. Deixar a fantasia correr”1 2. Na comemoração do seu primeiro

aniversário, nela escreve Figueiredo:

“O d ia 24 deste mês é uma data que, embora não recorde um fei to glor ioso.. . todavia é

uma data que nos traz à memória o pr imeiro d ia em que, no ano passado, nos resolvemos a

entregar ao públ ico as nossas recordações, as nossas convicções, as pobres insp irações de

nossa a lma, vivas e co lor idas, t raços imortais de nossas doces i lusões de outros tempos”.1 3

Em 1/12/1856 novamente encontramos uma definição do que seja o folhet im.

Não é romance que cuida das intr igazinhas do passado, sem pretensão de, daí, t i rar

leis; não é história, que cuida também do passado, mas procura as leis da evolução.

Em r igor, não se impor ta com o passado nem com o futuro . O presente é quase a única

fonte das suas insp irações, e a cr i t ica, a forma com que reveste os sucessos do momento,

grandes ou pequenos, humi ldes ou elevados, graves ou cômicos.. .

“O fo lhet im tornou-se hoje um dos elementos const i tut ivos dos jorna is. Ordinar iamente

tem por objeto as publ icações l i terár ias, ar t íst icas e cientí f icas, os ba i les, os espetáculos

teatra is e outros acontec imentos. Não é uma crônica hebdomadária , propr iamente d i ta, mas

os fa tos que narra devem ser marcados com caráter de atua l idade”.1 4

O folhet im deve ser leve, e não pesado e sério, af irma-se em 16/3/1857. J. Janin e

Alph. Kar são chamados príncipes do folhet ir ismo, em Paris1 5. A página mais

dramática sobre a si tuação do folhet inista é a longa “Carteira” de 22/11/1858, com

a qual Torres Bandeira inicia sua colaboração regular, neste setor, substi tuindo

Figueiredo. Respiguemos uma que outra frase, para podermos entender o que, então,

se pensava por folhet im e folhet inista.

“Diz-se por aí frequentemente: que belo assunto não é um folhet im? que vastíssimo campo

aberto à inte l igência e à fantasia do homem de letras?.. . O fo lhet inista é uma espécie de

viandante perd ido no país imenso da l i teratura, onde nem sempre há marcos mi l iár ios para

designar- lhe o caminho; e fel iz, bem fe l iz , é e le , se tem perseverança bastante para vencer

desf i ladeiros enormes e descer ao fundo dos vales. ..O fo lhet im é paraíso pomposo e

dele i tável, quando à sombra de seus lo iros sempre verdes e imurcháveis repousam vultos

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subl imes ou se desenham fe ições d ignas de reparo, tipos de um belo ideal que se traduz em

caracteres varonis e at lé t icos.

Perguntai -o à França esclarecida, à pro funda Alemanha, à fei t ice ira I tá l ia, e à Suíça tão

justamente ufana de seus painéis soberbos e de suas perspect ivas encantadoras.. . lá podem

surgir de momento a momento os reis da harmonia, no domínio das le tras e das ar tes, os

cr iadores das belezas estét icas, os missionár ios intrepidos do saber , os apóstolos da

renascença l i terár ia, os oráculos intel igentes do romant ismo sem exagerações e desmandos

per igosos”.1 6

Na segunda-feira seguinte, Abdalah-el-Krat i f , agora ocultando o nome de Torres

Bandeira, volta à carga:

“Enquanto a noi te vai passando si lenciosa, aprovei tamos alguns momentos para esta

espécie de diversão l i terár ia, que tanto custa ao pobre escr i tor , na si tuação forçada de

fo lhet inis ta que é a pior de todas as si tuações possíve is e até de todas as s i tuações

imagináveis. Façamos hoje por conc i l iar , em termos que se entendem, essas duas grandes

cond ições de quase todo trabalho de espír i to, que o cé lebre autor da famosa epísto la aos

pisões tanto recomendava.. . Desde aquela época sentia-se já o quanto é necessár io

harmonizar, em obras de arte e em coisas de l i teratura, os dois graves pr incípios da

ut i l idade e do recreio. . .

“Divaguemos, po is, em palestra ínt ima com os nossos amigos de mais ínt imo t rato , com

esses que lêem e studam, que r iem mas que medi tam, que fo lgam ao luar , ao som vago das

harmonias do oceano nas horas mortas e não pouco insp iradoras de mui to pensamento v ivo

e profundo, mas que também sabem penetrar no seio das ideal idades subl imes, e o lhar para

o mundo rea l at ravés de um pr isma br i lhante e por entre os mistér ios de l ic iosos da cr iação

e da natureza.

“Será um devanear de ar t ista, ou um estudo severo de f i lósofo? Nem uma nem outra co isa:

é um passeio pelo mundo, a correr sempre, a voar com rap idez aqui e al i , sem ter foros de

pub l ic ista , nem de economista, nem tão pouco de orador ou mesmo de poeta: — é escrever

duas l inhas para não perder o háb ito de pegar a pena, é o ser fo lhet inis ta. . .1 7

Após essa introdução, o art icul ista, com vigor até então não feito em “ A Carteira”,

ref lete sobre a si tuação do mundo, que ele considera num processo de

material ização. Vêm à bai la, num cl ima polêmico, sistemas f i losóficos e f i lósofos,

como responsáveis por tudo isto. E, como que respondendo a possível objeção dos

lei tores, de que essa não seria a função do folhet inista, acrescenta:

“Digam o que lhes aprouver , aval iem de nosso proceder como lhes for mais conveniente; o

certo e o que lhe podemos asseverar é que ainda neste ponto não f izemos mais do que

seguir as nossas ínt imas idé ias e convicções; e nem pensamos que seja este objeto a lheio à

missão toda l i terár ia e cr í t ica do fo lhet in ista”.1 8

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Podemos agora tentar caracterizar o gênero l i terário “folhet im”, como o entenderam

os autores de “A Carteira”.

É um gênero l i terário, diríamos com l inguagem de hoje, plenamente engajado na

real idade histórica. Justamente por isso, seu conteúdo é o mais amplo possível, pois

pode e até deve abarcar toda a gama de interesses reais dos lei tores, desde os mais

sérios até, se t ivermos o direito de falar assim, os mais fúteis. Quando, porém,

assume qualquer sucesso (palavra que na época signif ica acontecimento)

compromete-se a submetê-lo à crí t ica. Diríamos hoje, o folhet im é, nos jornais, um

elemento altamente conscientizador. Nele, o escri tor tem a possibi l idade de

manifestar sua maneira de encarar a real idade. Tem a possibi l idade de levar o

lei tor, como vimos af irmado atrás, a estudar, a meditar, a penetrar no seio das

ideal idades subl imes, a olhar para o mundo real, com olhar de profundidade, que

at inge o que nele há de misterioso. O folhet im, podemos af irmar sem receio, é uma

maneira popular de f i losofar. Como popular, sua forma não pode ser árdua e

pesada; tem de ser leve e agradável. Nen por isso, porém, o folhet im perde a força

de penetração, que dependerá, é claro, do gênio de quem o compõe. Pode parecer

um gênero fáci l , mas não o é. Nisso concordam Figuiredo e Torres Bandeira.

Essa conceituação que extraímos da própria “Carteira”, casa-se perfeitamente com

aquela que encontramos na Grande Enciclopédia Delta Larousse: “Folhetim, seção

de l i teratura, ciências, crí t ica, etc., inserida frequentemente na parte de baixo de

um jornal. (Foi assim que, na França, apareceram os Lundis (segunda-feira) de

Sainte-Beuve, a part i r de 1851). Romance que aparece em partes sucessivas em

periódicos. (Tiveram voga, a part ir do fim da primeira metade do século XIX, em

França, na Espanha, Portugal etc. e no Brasi l)”.1 9

Por essa definição, vemos que o termo “ folhet im” incluía na época duas

conceituações, análogas é claro, mas de valor diverso. “A Carteira” se configura

dentro das característ icas da primeira conceituação: “seção de l i teratura, ciências,

crí t ica etc.”. O etc. deixa aberta a definição, no que diz respeito ao assunto a ser

abordado Mas o termo “crí t ica” é aquele que define o que Figueiredo designou

como “fatos... marcados com caráter de atual idade”, ou seja, diante dos quais os

lei tores tem de se pronunciar. E que “A Carteira” tenha sido realmente isto, na pena

de Figueiredo, não resta dúvida. São pouquíssimos os art igos que signif icaram

apenas um deleite l i terário, a exemplo do folhet im: “um baleeiro convert ido em

baleia” ( lenda), de 28/6/1858; ou “Serafina: uma fantasia l i terária”, de 16/11/1857

que, como já acenamos, não é de Figueiredo.

3. A natureza mesma do gênero “Folhetim” t i ra a nós qualquer possibi l idade de dar

uma idéia global dos assuntos, sobre os quais versou Figueiredo, em “A Carteira”.

Mandamos o lei tor para o anexo nº 24, no qual se encontram os 160 art igos

subscri tos por Figueiredo, com o pseudônimo Abdalah-el-Krat i f . Nos primeiros

anos, não houve preocupação de se dar um tí tulo especial a cada folhet im. Fomos

nós que à medida que fomos lendo, procuramos resumir, em poucas palavras, o

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conteúdo de cada art igo, à semelhança do que Figueiredo fez, sobretudo e quase

sempre, a part ir de 1857. No anexo, o que se encontra subl inhado é subtítulo

colocado pelo próprio autor, após o tradicional: “Folhetim-original do Diário de

Pernambuco. “A Carteira”, que encabeçou todos os art igos.

A impossibi l idade de uma apresentação exauriente dos assuntos abordados não nos

t ira a obrigação de tentar catalogá-los, de tal maneira que se possa fazer uma idéia

do que foi a at ividade de Figueiredo, folhet inista. Ainda mais que essa tentat iva

prepara terreno para aqui lo que julgamos de muito maior importância: as

preocupações desse “missionário intrépido do saber, desse apóstolo da l i teratura,

desse oráculo intel igente das coisas da vida, tentando parodiar, em parte, Torres

Bandeira, no folhet im de 22/11/1858; por nossa parte, preferíamos dizer: as

preocupações desse amante da sabedoria (f i losofia) que não se enclausurou em

especulações abstratas, talvez mui úteis à humanidade, mas que não dispensam o

auxíl io dos que f i losofam no dia a dia, junto com o povo, povo com o povo; e por

isso mesmo, tradutores das grandes mensagens que a f i losofia, elaborada em termos

técnicos, contém, para dar aos homens.

Procuramos resumir , da seguinte maneira, todo o variado conteúdo das ref lexões de

Figueiredo, em “A Carteira”.

a) ref lexões em torno de fatos eventuais: inaugurações, comemorações

internacionais, nacionais ou locais; fatos de crônica social: bai les, banquetes,

passeios; fatos que traumatizaram eventualmente a comunidade, como a peste, no

segundo semestre de 1855 e no primeiro semestre de 1856; comemorações rel igiosas

e populares.

b) ref lexões em torno de fatos que envolvem uma situação habitual sócio-polí t ico-

econômica, como a guerra da Criméia, o pauperismo, a mendicidade, a colonização

estrangeira, a escravatura, o lat i fúndio, a concorrência desenfreada e desleal, o

protecionismo alfandegário, o industr ial ismo, a agiotagem, as eleições corruptas, o

desmando e as irresponsabi l idades polí t icas.

c) ref lexões em torno do progresso científ ico e técnico: telegraf ia, estrada de ferro,

cr iação do bicho da seda, dos camelos, dos cavalos de raça.

d) ref lexões por ocasião de apresentação, e crít ica l i terária de obras de autores

nacionais (poucos) ou de autores estrangeiros; quase todos franceses.

e) ref lexões, por ocasião de crít ica a apresentações artíst icas, nos teatros do

Recife: peças teatrais, poesias e óperas.

Nesse setor, não faltaram estudos históricos sobre a arte em geral, nas suas grandes

manifestações entre os gregos, os medievais e a renascença.

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f) Merece destaque a crí t ica sempre esclarecida que Figueiredo faz à si tuação do

Império, da Província e do Recife. Para isso ele não dispunha apenas do Folhetim.

Desde 1852, o Diário de Pernambuco iniciara, também às segundas-feiras, uma

coluna int i tulada “Retrospecto Semanal”. Dela, segundo Luiz do Nascimento2 0 o

redator era, desde o início, Fgueiredo.

Assim como em “A Carteira”, no “Retrospecto Semanal”, Antônio Pedro de

Figueiredo nunca foi o cronista apático e desengajado. Há todo um cl ima f i losófico

da primeira metade do século XIX, que fazia da história, do destino do homem ou

da civi l ização o tema mais importante da f i losofia. Teremos ocasião de voltar sobre

o assunto Por ora, é suf iciente tê-lo mencionado.

É pois, à luz dele que podemos aval iar Folhetim e Retrospecto Semanal.

Por exemplo, no folhet im de 1/9/1856, Figueiredo inicia uma série de ref lexões

sobre a inst i tuição que se chama: cidade. O que deve ser uma cidade? A anál ise

continua nos números de 9/9/1856, de 22/9/1856, para, f inalmente, um ano depois,

começar a revelar Recife aos recifenses, a Pernambuco e ao Brasi l . Assim temos,

em 29/9/1857: A cidade do Recife; em 5-10-1857: O Bairro do Recife; em 12/10/57:

a freguesia ou Bairro de Sto. Antônio; em 26-10-57: o Bairro da Boa Vista; em

9/11/57: a Freguesia de São José.

É também à luz do cl ima cultural da primeira metade do século XIX, que podemos

entender uma crônica semanal permeada de ref lexões. Nela abordam-se problemas

concretos, como trânsi to na cidade, ausência de dinheiro miúdo para troco, escassêz

de al imentos, al ta de preço dos remédios, graças à “santa l iberdade” de indústr ia; e

o sério problema da seca.

A crí t ica de Figueiredo não é apenas negativa. Em 28-1-1858, louva ele a ordem

nos festejos juninos. Atr ibui essa ordem ao progresso da civi l ização. Espera que

para o futuro desapareçam, por completo, algumas desordens ainda existentes.

Elogia o Carnaval do Recife, comparando-o com o da Europa.

4. O Folhetim saía ao pé da primeira página do Diário de Pernambuco,

normalmente às segundas-feiras. A regra da segunda-feira só era quebrada, nas

poucas vezes que o Diário saiu aos domingos, ou seja, nos dias 17 e 24 de fevereiro

de 18562 1; e quando a segunda-feira era dia santo ou feriado.

O Diário de Pernambuco atingira, no início de 1854, o formato maior, “passando ao

fól io-máximo (72x55)2 2. A matéria do folhet im era distr ibuída em sete colunas,

mantinha um tamanho bastante regular. Pode-se fazer uma idéia do tamanho médio

dos mesmos, pelo anexo 27, no qual reproduzimos quase na íntegra “A Carteira” de

10/8/1857, altamente expressiva, porque mostra para nós o pensamento de

Figueiredo sobre um assunto de importância capital na época. Poucas vezes, o

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art igo exorbitava os l imites da primeira página, para terminar na página seguinte,

com o dobro de material impresso.

Nada diremos sobre a l inguagem f luida e elegante, na qual eram vasados os art igos.

Pelo contrário, interessa à f inal idade do nosso trabalho anal isarmos o que

poderíamos chamar a metodologia, com a qual eram redigidos os art igos.

Ao tentarmos certa classif icação do conteúdo vário, elaborado por Figueiredo, ao

longo de sua vida de folhet inista, usamos, de caso pensado, a expressão: ref lexões.

Sim; porque Figueiredo ref lete com os escri tores que apresenta, com as crí t icas que

faz, com os fatos que narra e comenta. Se or iginal idade signif icar cr iação de art igos

“ex-novo”, podemos af irmar que Antônio Pedro de Figueiredo quase não foi

or iginal; ao menos em “A Carteira”. Talvez até possamos dizer que não se

preocupou com isso. I lustrat ivo, no caso, é o seguinte fato: em “A Carteira” de

31/8/1857, sob o t í tulo: “os art istas dramáticos desde os gregos até

os nossos dias”, algum crít ico da época viu um plágio de Figueiredo. Pois bem, no

f inal do folhet im de 21/9/1857 assim ele se defendia: P. S. Entretanto vamos contar

o que se passou. Um companheiro de redação encontrou na Independência Belga um

art igo sobre os art istas dramáticos. E suscitou-nos a lembrança de fazer dele um

folhetim.

“Com efeito, f izemos uma espécie de preâmbulo, resumimos o art igo, e ao concluir,

f izemos algumas apl icações aos nossos art is tas dramáticos. Nota-se que em seguida

ao nosso preâmbulo, e para entrar na matéria que fazia o objeto do art igo

empregamos a frase seguinte: “Segundo a opinião de um escri tor i lustre, etc.,”

porque o art igo estrangeiro a que aludimos e outros muitos do jornal a

Independência Belga, t razem a assinatura “XX”.

Outrossim, o Jornal do Comércio de Lisboa reproduziu o art igo integralmente.

“Dizendo nós em princípio que íamos tratar do assunto segundo a opinião de um

escri tor i lustre, t ínhamos para nós que a respectiva responsabi l idade não nos

pertencia; e cremos que não era preciso dizer de que parte extraíramos as idéias,

pois que assim prat icam muitos escri tores nossos e estrangeiros, com os quais

temos aprendido semelhante prát ica... .

“Enfim a história não se cria todos os dias. Um tem a iniciat iva, os outros a copiam

l i teralmente, ou a modif icam: todos os escri tores prat icam desta sorte e ninguém

nunca os qual i f icou de plagiários2 3.

Seu método de trabalho supõe, pois, frequentemente uma obra, um art igo, um autor

que, às vezes, ci ta nominalmente às vezes de maneira genérica. Transcreve

l i teralmente ou l ivremente, resume a data seleciona.

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Típica deste método de trabalho é “A Carteira” do dia 30/6/1857. Tem ela como

subtítulo colocado pelo próprio Figueiredo: Educação – Fragmento de um poema

inédito e original. Em seguida, começa Figueiredo: “ Num tempo em que tanto se

fala em desenvolvimento material , que al iás reputamos tão justo como outro

qualquer, não será fora de propósito, que de quando em quando digamos algumas

palavras sobre o desenvolvimento moral.

Após essas palavras, e ci tando um “escri tor contemporâneo” sem nenhuma outra

indicação bibl iográf ica ele apresenta ao lei tor a obra do célebre bispo francês

Dupanloup sobre a educação.

O art igo é um resumo do primeiro volume da obra “ l ’Education”2 4.

Conseguimos local izar quase todas as frases de Figueiredo no l ivro de Dupanloup.

Há uns poucos trechos que são resumo l ivre. Não excluímos a possibi l idade de

encontrarem-se na mesma obra, as outras frases, cuja localização não conseguimos

obter já que Figueiredo, às vezes inverte a ordem. Ou quem sabe, Figueiredo se

tenha abeberado, não diretamente no l ivro, mas em alguma recensão. Levantamos

essa possibi l idade pelo fato de ele não citar o l ivro, como muitas vezes fez com

relação a outros autores, e pelo fato de o sabermos lei tor assíduo de revistas

francesas entre as quais a Revue des Deux Mondes que era um repertório de

informações bibl iográf icas, às vezes, com art igos bem desenvolvidos.

Os folhet ins freqüentemente são um mosaico de ref lexões, por ocasião de eventos

diversos. O caso do anexo 25 no qual o assunto é o mesmo, do princípio ao f im, não

é o normal. Na maior parte das vezes o folhet im apresenta duas três ou mais

tomadas diversas no amplo panorama da vida concreta. A unidade do folhet im está

na intenção do autor no espír i to com que ele ref lete sobre esses f lashes

existenciais.

Se, como dissemos, não podemos encontrar original idade nos art igos de Figueiredo,

como descobrir, então, a l inha do seu pensamento?

No nosso modo de ver, em duas at i tudes. A primeira é a escolha do material a ser

divulgado; a segunda é a maneira de apresentá-lo.

É inegável a inf luência dos autores franceses como Lamart ine, Lamennais,

Lacordaire, Chateaubr iand, Michelet além de outros que ele ci ta, ou cujas obras

anal isa como Victor Hugo, Edgar Quinet, Gustavo Planche, Ratisbona.

Essa inf luência francesa faz-se notar até na crí t ica musical. A crí t ica de P. Scudo

ao “Trovatore” de Verdi, e a crí t ica de Figueiredo, em 15/11/1858, embora

amaciando esta, um pouco, o lado negativo, são idênticas e há trechos até

traduzidos l i teralmente.2 5

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Nessa revista e no anuário correspondente, Figueiredo pode ter encontrado material

farto para os seus artigos a respeito da história, dos progressos cientí f icos, dos

movimentos sociais e das correntes de pensamento que afetavam a vida européia e,

um pouco, o mundo inteiro, pois a revista quis ser, e em parte real izou sua

pretensão de ser, uma revista para os dois mundos: o antigo e o novo.

Mais do que os autores que inf luenciaram em Figueiredo, interessa-nos anal isar o

que desses autores, que lhe eram mais caros ou acessíveis, ele selecionou para o seu

públ ico; e, sobretudo, em que horizonte de compreensão ele integrou essas

contr ibuições da cultura da sua época, que ele aprecia, sem dúvida, mas diante da

qual, mantém-se numa at i tude crít ica e não ingênua. Interessa-nos é descobrir, para

além do material traduzido, resumido, reelaborado, o f io condutor do seu

pensamento. Embora isso seja objeto de um capítulo à parte, como término desse,

podemos af irmar que Figueiredo, continua a manifestar nesses últ imos anos de sua

vida, aqui lo que foram os anseios da sua juventude cultural. Crê ele profundamente

no progresso. Um progresso que não é apenas o progresso mater ial e técnico, do

qual já entrevê os per igos, mas sobretudo o progresso humano. Um progresso que

obedece a um plano providencial, o qual será real izado pela humanidade, mesmo

quando os vaivéns da história parecem dizer o contrário. Crê no Brasi l , em

Pernambuco, no Reci fe querido, de cuja vida intelectual part icipa intensamente.

Ama-os profundamente. Acredita que sua terra tem uma vocação histórica a

desempenhar, e torna-se então, como que o oráculo dessa vocação, o despertador da

consciência cívica e polí t ica. Sua crít ica nunca foi amarga e derrot ista, mas

desinteressada e apontando para a superação possível das si tuações negativas.

O tí tulo da revista de que foi ideador e redator-chefe, não signif icou uma vaidade

dos anos da juventude, mas marcou sua existência até o f im. Creu no Progresso.

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QUINTO CAPÍTULO

As raízes cristãs do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo

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1. No momento em que devemos mostrar, como no arquétipo mental de Figueiredo,

o elemento da cultura cr istã se faz presente, e de maneira bem acentuada, é

necessário que elucidemos, antes, o sentido da nossa af irmação.

Parece-nos desnecessário recordar que nosso discurso não tem nenhuma pretensão

teológica, ou seja, não interessa à nossa anál ise qualquer tentativa de aval iar o

pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo à luz dos cri tér ios de ortodoxia cr istã

ou, melhor ainda, catól ica. Justamente por isso falamos de cultura cr istã e não de

doutr ina ou vivência cr istãs.

Uma vez colocada a problemática nestes termos, vem à tona necessariamente uma

outra exigência: precisar o que entendemos por cultura cr istã. Hoje, parece

tranqüi lo, entre os estudiosos, que podemos falar da possibi l idade de culturas

cristãs, no plural. O crist ianismo, como resposta de fé à experiência rel igiosa de

Jesus de Nazaré, encontrar-se-á sempre encarnado em determinadas coordenadas de

espaço e tempo. A resposta de fé é mediat izada, consciente ou inconscientemente,

por todas as real idades humanas que englobam a vida de uma pessoa, ou, melhor

ainda, de um determinado grupo humano. Daí o caráter histórico, portanto, variado

e variável desta resposta. Tornou-se no entanto comum, entre os escri tores, referir-

se à cultura ou civi l ização cristã, como àquela cujas origens encontramos no

movimento de expansão da mensagem de Cristo, no mundo greco-lat ino. Cujo

apogeu podemos situar no século XIII; cujo princípio de desintegração operou-se, a

part ir do humanismo renascentista. Nesse sentido, há pensadores que chamam a

nossa época de uma idade pós cristã. Não é nossa intenção, nem vem ao caso,

estabelecer uma crít ica dessa maneira de pensar. Julgamos suficiente para a nossa

f inal idade recordar que o caráter cr istão do pensar f igueirense é por nós

considerado, tendo em vista alguns elementos que são tomados como dist int ivos da

nova mental idade, frente à mental idade herdada da Idade Média, considerada como

apogeu do período cul tural cr istão.

2. Em se tratando de uma dissertação de caráter histórico-f i losófico, interessa-nos

sobremaneira revelar os pontos de encontro entre a mensagem cristã e o movimento

de ref lexão, ao qual se deu o nome de f i losofia. E isso não teoricamente, mas

concretamente; quer dizer, interessa-nos é perguntar como, na cultura cr istã, se

relacionaram Fi losofia e Fé. Temos de renunciar, como já insinuamos, a uma

anál ise detalhada, que nos revelaria, também aqui, sem dúvida, uma série de

colocações variadas ao longo de 15 ou 16 séculos. Até certo ponto, uma é a posição

dos Padres da Igreja, outra a da Escolást ica, no seu apogeu, ou ainda a da

Escolást ica posterior. Caberia também atentar às diferenças regionais; di ferenças,

portanto, não só em termos de tempo, mas também de espaço. Tudo isso se torna

inviável. Contentar-nos-emos com um corte vert ical, o qual coloque diante de

nossos olhos a cultura cr istã, como sobrevivia ela na primeiro metade do século

XIX, em terras brasi leiras inserimos, então “a cultura brasi leira” no processo

histórico chamado civi l ização cristã medieval, sem com isso negar outras

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inf luências. Al iás, a mesma colocação do questionamento já supõe essas outras

inf luências.

Sendo assim, perguntamos: como em concreto, na primeira metade do século XIX,

se colocava o novo t ipo de cultura cujo amadurecimento estaria já del ineado, na

segunda metade do século XVIII, frente ao pensar ou a cultura cr istã?

Fundamentalmente, resumiríamos a resposta num só vocábulo: laicização ou

secularização. A cultura moderna frente a cultura medieval se dist ingue porque é

laica e secular, enquanto a medieval é clerical e sacra. A cultura medieval é sacra,

porque as bal izas dentro das quais pode-se movimentar a especulação são marcadas

pelas verdades rel igiosas cristãs, entendidas e vivenciadas na época. A cultura

moderna é secular porque, em princípio, suas bal izas são os l imi tes da razão, sem

outro compromisso a não ser consigo mesma. A cultura medieval é clerical, não

tanto porque o clero mantém uma hegemonia cultural numérica, mas sobretudo

porque todo o processo cultural deve receber a sanção da Igreja.

A cultura moderna é laica, porque, mesmo quando elaborada por eclesiást icos, ela

se independentizou com relação à Igreja.

Se tomarmos, como guia de anál ise do pensamento brasi leiro a tr i logia proposta

pelo Prof. Antônio Paim, na segunda edição de sua obra: História das idéias

f i losóficas no Brasi l , podemos assim concret izar a diferença entre a cultura

medieval e a cultura moderna1:

a) O homem, na Idade Média, é, antes de tudo, cr iatura. Como criatura sua

definição se faz a part ir do seu relacionamento com o Criador. Mais, o homem, para

o medieval, é cr istão, ou seja, atual ou potencialmente, alguém que acredita no

Cristo Salvador.

O homem, na Idade Moderna, é, antes de tudo, um ser l ivre. Essa l iberdade é

af irmada no cotejo com a natureza e com as inst i tuições do passado, sobretudo as

inst i tuições rel igiosas. Sua definição é a sua original idade em relação ao cosmos e

também sua at i tude crít ica frente ao passado, como processo histór ico. Essa at i tude

crít ica, diante do passado, marca mais ainda sua independência dos determinismos,

sejam eles f ísicos ou sócio-inst i tucionais.

b) O homem, na Idade Média, é um cidadão do Reino de Deus. Toda a ordem social

ordena-se, teoricamente, à construção do Reino.

O homem, na Idade Moderna, é um cidadão da terra. A convivência social se baseia

na igualdade de natureza, na aceitação de uma tarefa terrena comunitária a ser

perseguida, em vista da fel icidade de todos.

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c) O saber medieval ordena-se à fé: Crede ut intel ligas, intel l ige ut credas. O que

interessa é crescer no conhecimento de Deus, f im últ imo da criatura. O saber não

visa tanto dar mais poder ao homem, mas dar-lhe mais salvação, mais graça. O

saber moderno ordena-se ao poder. Saber para dominar, saber para compreender a

natureza e a si mesmo é o que se visa com as ciências.

3. Embora se possa traçar uma constante no pensamento de Figueiredo, parece-nos

que a lei tura de seus escri tos e as notícias de suas at ividades justi f icam o

estabelecimento de períodos nesse pensamento.

Há um Figueiredo entusiasmado com a nova f i losofia; um Figueiredo que se apl ica,

com ardor e com sacr i f ícios f inanceiros, à tradução da obra de Victor Cousin. Há

um Figueiredo que já se desvinculou do eclet ismo a Cousin e se entrega sobretudo à

ref lexão sobre a história e, especialmente, a história da sua Pátr ia, imbuído da nova

mental idade, amadurecida na Revolução Francesa. Mas é uma adesão crít ica, com

direito de inventariar os valores e os impasses que o ideal dos revolucionários de

89 criaram para o mundo. Desse período são O Progresso e a polêmica com o Dr.

Pedro Autran sobre o social ismo. Fina1mente, encontramos o Figueiredo de “A

Carteira”. Nele, Cousin parece algo completamente superado na sua vida, e af loram

de maneira mais claras o que chamamos as raízes cristãs do seu pensamento.

Do primeiro período, além da tradução do que Figueiredo chamou l ições ou curso

de f i losofia de Victor Cousin, e que nós sabemos ser a tradução de Introduction à

l ’histoire de la phi losophie e do Cours de l ’histoire de la phiosopbie, dispomos dos

art igos em que a obra é apresentada e encomiada. Há um fervor palpável pelas

idéias do f i lósofo francês. Estamos no ano de 1843.

O contato nosso com Figueiredo vai dar-se, novamente, em 1846, quando da

publ icação do primeiro número de O Progresso.Algo aconteceu neste período que

vai de 43 a 46, pois Figueiredo já se arroga o direito de cri t icar aquele que foi

considerado o “divino Platão”. Algo aconteceu, mas não sabemos o quê. Não

encontramos documento algum que nos esclareça a respeito dessa mudança de

perspectiva. Por isso perguntaríamos: não seria o advento de elementos franceses a

Pernambuco, no governo do Barão da Boa Vista, responsável pelo cl ima de revisão

cultural? Amaro Quintas, em seu l ivro O sentido sociaI da revolução praieira,

acentua vezes várias a inf luência de Louis Vauthier sobre os homens do Recife,

cr iando aquele cl ima a que chamou “quarante-huitard”.

“A atuação exerc ida pelo engenheiro Louis Vauthier , contratado pelo Barão da Boa Vista

para real ização de vár ias obras púb l icas, fo i de considerável ampl i tude no âmbi to

inte lectua l no sent ido de cr iar -se uma menta l idade quarante-huitard . Social ista quase

cient i f ico – a classi f icação é do Sr. Gi lber to Freyre – encarregou-se de propagar revistas e

l ivros dos grandes teór icos do soc ia l ismo vigente na época. As idé ias da construção de

fa lanstér ios e de ‘Novas lcár ias ’ eram fami l iares aos nossos escr i tores que, na longínqua

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província, estavam bem informados de tudo o que se passava, no mundo, no capí tulo de

reformas soc iais. É vasta a re lação de assinaturas de per iód icos e

revistas, or ientadas por tendencias sa int -simonianas e four ier is tas, fe i tas por

pernambucanos de projeção, graças a inter ferencia de Vauthier . E um dos seus melhores

amigos ia ser um dos mais l íd imos representantes do espír i to 48 nos meados do século

passado, aqui na província : Antônio Pedro de Figueiredo, o Cousin Fusco”.2

Levantar a pergunta que f izemos atrás não é, porém, dar uma resposta sat isfatória.

Nada sabemos da maneira através da qual Figueiredo revê sua adesão a Cousin.

Nada podemos inferir a respeito da evolução de seu pensamento: se e como faz um

enxerto das idéias, que são o lei t -motiv de O Progresso, no cepo cousiano; ou se,

simplesmente, o interesse mais acentuadamente especulat ivo das idéias de Cousin

cede lugar a pensamentos mais concretos. Essa segunda hipótese parece-nos

inf irmada, sobretudo por causa,dos art igos de O Progresso, que vêm sob o t í tulo

“Fi losofia”, bem como as três respostas ao “Discípulo da f i losofia”. Nesses art igos

aparece clara a vontade de retomar a problemática central do pensamento de

Cousin, para revê-la. O mesmo podemos af irmar com relação a Jouffroy, cujas

idéias, segundo testemunho de Alfredo de Carvalho, Figueiredo abraçou com

entusiasmo:

“abraçava com entusiasmo as doutr inas de Teodoro Jouffroy, às quais soubera dar um

cunho ind ividual modi f icando-as, em parte ao inf luxo das teor ias econômicas de Saint -

Simon, Owen e Four ier ”3.

O testemunho é, porém, por demais vago e não dispomos de documentação que

possa torná-lo mais sat isfatório, para quem quisesse acompanhar a história da

passagem do que chamamos o primeiro período, para o segundo período do

pensamento de Figueiredo.

Em 1848, cessava de circular O Progresso. De então, até 1852, nada de seguro

temos da lavra de Figueiredo, a não ser Noções abreviadas de f i lologia, acerca da

l íngua portuguesa, publ icadas em 1851. Essa obra, porém, pela sua própria índole,

não tem relevância para nós. Importante, ao contrário são os dois art igos sobre o

social ismo, na polêmica com o Dr. Pedro Autran. Apesar dos 4 anos que medeiam

entre eles e O Progresso, podemos considerá-los como pertencentes ao segundo

período. Neles, porém, já se pode notar expl ici tada a preocupação de conci l iar as

conquistas modernas no modo de pensar, com a tradição cristã, na sua l inha mais

autêntica: o Evangelho e os Santos Padres.

Novamente, um si lêncio de mais ou menos quatro anos, para chegarmos ao terceiro

período, isto é, à fundação do folhet im “A Carteira”. Nesse período encontramos

um Figueiredo que renunciou, ou viu-se obrigado a renunciar, a especulações

abstratas. Continua, porém, o mesmo escri tor entusiasmado pela Nova Cultura,

crí t ico diante de suas falhas, e bem mais preocupado em f ixar- lhe as raízes no

antigo terreno da história cr istã. Exagerando, quase poderíamos dizer que do “ l ivre

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pensador” da “Exposição de Princípios”, em O Progresso, passamos ao cristão, f iel

à tradição de quase dois milênios de história do Ocidente, ainda que aberto às novas

perspectivas históricas que a f i losofia, as ciências e a técnica

ofereciam ao homem. Não é, contudo, nossa intenção af irmar que tenha havido em

Figueiredo uma conversão tal qual aconteceu, por exemplo, com Eduardo Ferreira

França, que de material ista, torna-se espir i tual ista4. Não. Nada há, no primeiro e no

segundo períodos, que just if ique considerar Figueiredo como um escri tor de

mental idade laica e secular, no sentido de renúncia ao patr imônio especif icamente

cristão. Como também nada há, no terceiro período, que just i f ique uma afirmação

de retratação, como se, a determinado momento, Figueiredo tenha sentido

necessidade de voltar a algo abandonado. Tudo se passa mui naturalmente, ao que

parece. Tudo se reduz a questão de acentuações diferentes, dadas às necessidades

concretas do momento em que escrevia.

É o que tentaremos mostrar, nas páginas que se seguem. Como reza o t í tulo da

dissertação e, especif icamente, deste quinto capítulo, vamos à procura das raízes

cristãs do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo. Isso não signif ica que não

nos sintamos obrigados a mostrar como essas raízes suportam um t ipo de

pensamento de alguém que tenta pensar com o seu tempo.

PRIMEIRO PERÍODO : A INFLUÊNCIA DE COUSIN

Temos, dessa época, três art igos. Um da autoria do próprio Figueiredo, e que

aparece no Diário de Pernambuco de 27/4/1843. Outro art igo, sem assinatura,

publ icado por A Estrela, em 4/11/1843. O terceiro, é de Antônio Rangel de Torres

Bandeira, no Diário Novo de 28/11/1843. Os três nos interessam, pois ajudam-nos

a entender porque Victor Cousin encontrou aceitação na geração daquela época. Os

três apresentam Cousin como aquele que vem satisfazer às exigências de superação

das incertezas geradas pelo século XVIII. Menos explíci to nisso é o próprio

Figueiredo que af irma:

“ isso posto, é desse manancia l fecundo, derramado da cadeira que por tantos anos i lustrara

o Sr. V. Cousin, que nós podemos deparar com um dos remédios capazes de sanar os

males, sobremaneira do lorosos que sofremos”5.

O art icul ista de A Estrela escreve enfat icamente:

“O nome do Sr . V. Cousin é um e logio europeu e americano. Ninguém melhor do que ele

tem contr ibuído para apressar a época da redenção das ideias, e const i tu ir enf im a ciência,

que ainda voga azoinada, como um navio sem bússula.

“O Sr. Cousin descobre-nos o verdadeiro e o falso de cada sistema com uma luc idez

admirável, e faz-nos trabalhar com e le de todo o coração no monumento glor ioso que

devemos legar a nossos f i lhos – a unidade f i losófica. De tantos trabalhos do pensamento

que os homens hão lançado ao mundo, apenas se levantam o ito ou dez nomes que

representam a ciênc ia, e três ou quatro gênios que a resumem; mas estes três ou quatro

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gênios são umas personagens histór icas, que se erguem orgulhosas no meio da histór ia,

como os cedros do porvi r : – Platão e Ar istó te les! Leibnitz e Descartes!

Quem pronuncia estes nomes veneráveis, pronuncia o que há de mais i lustre na f i losofia

ant iga e moderna; e foram esses os luzeiros que o Sr. Cousin compulsou para conduzir o

aud itór io que t inha d iante de s i aos admiráveis resultados a que o levou a anál ise”.6

Antônio Rangel de Torres Bandeira expl ici ta para nós a problemática que Cousin

encontra e o que signif ica ele para a f i losofia, no momento. Seria longo demais

transcrever tudo o que nos parece importante. Pode-se ler o texto na íntegra, no

anexo 3. Aqui transcrevemos apenas poucas l inhas de real importância para

entendermos qual tenha sido a visão que, no Brasi l , se fez de Cousin, quando da sua

aceitação.

“Numa época, qual esta em que nos coube exist i r , baralhada de op iniões que dos d iversos

bandos civ is e de todos os lados se levantam; num século como o atua l, em que o

ind i ferent ismo, lavrando pelo corpo socia l , se tem quase tota lmente destruído e arruinado;

entre turb i lhões de part idos que vo lteiam e se abismam, sem uma estrela polar que os

conduza; de necessidade se faz ia que um homem, unindo ao ta lento de orador a

profund idade de f i lósofo, abraçando todos os s is temas e todas as escolas, nos abr isse um

plano novo na ciênc ia f i losóf ica.

“A grande revolução que este século tem fe i to nas idéias, e que va i tão rapidamente

correndo por todo o mundo l i terár io, sem dúvida tem uma expansão demasiado poderosa; e

sem sermos taxados de encarec idos, e de amigo de l isonjear, podemos afi rmar que a

civi l ização moderna data da f i losof ia atual. Assim a verdade das doutr inas do i lustre

Professor de França, não só é evidente por o lado de ser invest igada com a mais apurada

cr í t ica e aprofundado exame, como porque nos não deixa na ir resolução e no desvio . Com

efei to, o que faz o Sr. Cousin? — Encarregado de combater as tão perversas teor ias do

século passado, impondo-se a s i mesmo a tarefa assaz trabalhosa de um f i lósofo pro fundo,

o Sr. Cousin, mui to há cooperado para que o c í rculo dos conhecimentos cientí f icos se vá

cada vez mais a largando.

“Para vermos qual a ut i l idade da f i losofia moderna, nada mais é necessár io do que

abr irmos a grande obra, que o Sr. F igueiredo acaba de traduzir . Com que br i lhantes provas

defende o Sr. Cousin os direi tos da razão!”7

Cousin é, portanto, para seus adeptos brasi leiros, o homem que traz a segurança no

pensar, que restabelece a fé no valor da razão humana, que se refaz à tradição

metafísica do Ocidente, desprezada e abandonada pelos movimentos de idéias do

século XVIII, idéias que, no fundo, remontam a Locke. Pergunta, a certo momento,

Torres Bandeira:

“e o que fez Victor Cousin e os f i lósofos modernos? Mais hábeis, ta lvez, que os Condi l lac ,

mais pro fundos que os Locke, e les se apresentam na arena do combate, postergaram os

ru inosos pr incípios que já iam grassando como moda; e , extraindo das melhores obras o

que ju lgavam melhor, fundaram o Eclet ismo, sobre as ruínas do ot imismo emperrado e do

obst inado

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Mater ia l ismo”.8

Entendemos assim como Figueiredo, ao apresentar a obra que traduziu, fez questão

de acentuar justamente o mérito de ter o Eclet ismo abordado e solucionado a

transcendente questão, estreiada por Aristóteles e desde então continuada por quase

todos os f i lósofos até Descartes e Kant – Quais são os elementos integrantes de que

se compõe o pensamento”9. E a solução de Cousin é saudada como a mais simples e

irredutível”, levando-nos a admit ir os tão debatidos conceitos de causa e

substância, fundamentais em toda a metafísica clássica e abandonados, a part ir de

Locke e Hume, como por demais vaporosos e questionáveis. Sobre a sol idez desses

dois princípios: causa e substância salvam-se os valores julgados ameaçados,

quando se tratou de aceitar Locke, na tradição

portuguesa, ou seja, os valores rel igiosos tradicionais. O entusiasmo de Figueiredo

é tal que chega a af irmar que Cousin

“demonstrou com evidência pa lpável a Tr indade Santíssima, não como mistér io, mas como

verdade que, podendo ser tra tada por a f i losofia mais simples é acessíve l à mais humi lde

inte l igência”.1 0

A af irmação, se do ponto de vista da ortodoxia cr istã levanta uma oposição frontal

e radical, do ponto de vista da história do pensamento de Figueiredo é altamente

indicat iva de como quer ele manter os valores tradicionais cr istãos.

Aqui se poderia levantar uma pergunta: essa últ ima questão, a que acenamos – a “

demonstrabi l idade da Trindade Santíssima” – não coloca defini t ivamente

Figueiredo fora da perspectiva cristã, para inseri -lo de cheio no esquema mental de

Cousin e Jouffroy? Para esses o Crist ianismo é um dado superado, ou a superar, em

idades futuras, pois sua função seria a de preparar os homens para uma visão

completamente natural da real idade. Nada de sobrenatural, nada de míst ico. Tudo

tornar-se-á luminoso. A razão será a fonte de toda a verdade.

Sem dúvida, esse é um dos lugares onde podemos encontrar, em Figueiredo, marcas

da tendência de laicização completa do pensamento, até o ponto de substi tuir

rel igião por f i losofia. Mas, como nas demais eventuais passagens, não podemos

enfat izar tais af irmações, para além do que o conjunto de seus escri tos, nos

permitem. Em outros escri tos jamais volta à tona afirmação tão radical, nem mesmo

afirmações af ins. Figueiredo se mostrará sempre um acolhedor dos mistérios

cr istãos, até o ponto de “A Carteira” de 22/6/1857 exaltar a fé que adere ao

sobrenatural, em confronto com a arrogância da razão que procura tudo medir

segundo os seus estrei tos cr i tér ios (Anexo 26).

Na apresentação do l ivro que traduziu, Figueiredo faz questão de assinalar ainda,

que Cousin “desenvolveu completamente e i lustrou as provas a priori e a posteriori

acerca da existência de Deus, dadas por Descartes”, e enfat iza também o fato de ter

Cousin cr iado “uma nova teoria a respeito da l iberdade, mais precisa e mais

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luminosa, como é dado ao espír i to humano, a qual tem a virtude de excluir as

objeções a que todas as outras conhecidas precedentemente estavam sujeitas” Com

isso Cousin “deu o últ imo... golpe mortal no princípio de ut i l idade, que tão

pernicioso é, pulverizando inteiramente o s istema do patr iarca desde princípio –

Locke” continuado por os seus sectários inclusive o mais exagerado – J. Bentham,

(Anexo 1, nºs 5 e 6).

É interessante comparar os art igos que revelam para nós a mente pernambucana,

diante da doutr ina de Victor Cousin. Consti tuem eles os três primeiros anexos desse

trabalho. Os três acenam a Platão; os três falam das incertezas reinantes no campo

intelectual; os três concordam em indicar Cousin como aquele que será a solução

para esse estado de insegurança. Mas, enquanto o art igo de A Estrela se compraz

em mostrar o que poderíamos chamar a f i losofia da história de Cousin, e o art igo de

Torres Bandeira é largo em acentuar o cl ima cultural no qual emerge essa obra, para

depois demorar-se em aspectos que poderíamos chamar humaníst icos (defesa da

glória), ou apenas acena ao momentoso problema da reconstrução da confiança no

poder da razão humana, Figueiredo bem mais sóbrio nas suas expressões, bem mais

conciso e lapidar, at inge o que hoje estudiosos do pensamento brasi leiro acham

fundamental na just i f icação da consciência conservadora no Brasi l , para usar a

expressão de Paulo Mercadante. Figueiredo coloca a part ir de Cousin, o al icerce

para a meditação sobre o homem reconhecido como dotado de l iberdade; sobre a

vida polí t ica, enquanto anexa à solução da problemática ét ica; e, f inalmente, sobre

as relações entre fi losofia e ciência ao conceder àquela os princípios sól idos sobre

os quais se erigir.

Não sabemos se Figueiredo conheceu toda a polêmica que se levantou em Portugal,

a respeito de Locke, e que resultou em duas negações of iciais ao pensamento do

f i lósofo inglês em 1768 e em 1790, pela Real Mesa Censória. Mas o fato é que na

interpretação de Figueiredo, em 1843, o pensamento de Cousin bem que se poderia

colocar como antídoto às conseqüências tão temidas em Locke.

Locke fora repudiado em Portugal porque material ista e ateísta, segundo a anál ise

de Joaquim de Carvalho1 1. Victor Cousin, em 1843, aparecia à el i te pernambucana,

justamente, como o defensor do espir i tual ismo e do teísmo.

Não podemos deixar na sombra essa outra observação de Figueiredo: “no tocante à

polí t ica (Cousin) revelou imortais teorias; entre outras sistematizou a ensinada por

Vico – que as formas diferentes de governo não são fatos voluntários, mas

necessários e subordinados às leis topográficas dos países.. (Anexo 1, nº 7). Não

está aqui a vontade de legit imar a monarquia que, com a maioridade de D. Pedro II,

acabava de f irmar-se entre nós?

Essa legit imação não é rat i f icação fatal ista de um dado de fato, mas, como

acentuam os estudiosos de nossa história, um imperativo do momento; se é que se

queria salvar a unidade nacional; se é que se queria ter um estado l iberal e

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democrático, dentro de um contexto, por motivos vários, desafiador do l iberal ismo

e da democracia.

SEGUNDO PERÍODO : O PROGRESSO – A POLÊMICA SOBRE O SOCIALISMO

1. Já acenamos atrás aos art igos expl ici tamente f i losóficos, que encontramos em O

Progresso. Já os anal isamos, amplamente, no capítulo terceiro. Seria temerário

querer ver, na solução de Figueiredo, para além do que suas palavras parecem

apontar: uma volta ao bom senso, na colocação da problemática gnosiológica.

Uma série de perguntas vêm-nos à mente, às quais gostaríamos de responder. Mas,

honestamente, nossa pesquisa não nos possibi l i tou pista alguma. E as perguntas

seriam: terá havido alguma inf luência do “real ismo” da “f i losofia cr istã”, na

elaboração da resposta de Figueiredo? Qual o sentido últ imo da conclusão de

Figueiredo: “a existência e o nada, o inf ini to e o f ini to são correlat ivos, supõem-se

um ao outro, e a razão humana pode ainda exclamar com o apóstolo: — In Deo

vivimus, movemur ET sumus!!!”?

O fato de se defender da acusação de ateu, o fato de apelar para São Paulo, nada de

elucidativo traz para nós, sobre uma possível inf luência do patr imônio f i losófico

cristão em Figueiredo.

Tendo em vista os demais art igos, reconhecidamente de Figueiredo, ou seja, os

assinados com as letras A, O, H, e um ou outro sem assinatura, conforme

expusemos no capítulo terceiro, devemos concluir, com Paulo Mercadante, que

Figueiredo foi um crít ico social. Não podemos encontrar, portanto, um corpo de

doutr ina elaborado sistemática e completamente. Isso, porém, longe de ser uma

desvantagem, é uma vantagem, pois leva-nos à gênese mesma do seu pensamento,

ao desafio concreto, ao qual ele quer responder. E o desafio é o mundo, a história

do seu tempo; mas, sobretudo, o Brasi l e Pernambuco do seu tempo.

Uma das maneiras para conhecermos uma pessoa seria perguntar-lhe o que ela pensa

de si mesma. Ainda que na autopercepção houvesse erros, é a part ir dela, contudo,

que se poderia expl icar muita coisa, inclusive o erro dessa autopercepção. Ora, se

perguntamos a Figueiredo, nos documentos que nos restam dele, qual o seu

pensamento; em que escola ou em qual tendência ele se coloca, a resposta vem alto

e bom som: eu sou social ista. É o que aparece claro da f icção talvez, com a qual

Figueiredo historia o nascimento de O Progresso.

“Era a meiado de abr i l de 1846. Quatro homens, que designaremos pelas le tras A. B.C. e

D., moços na idade, mas velhos pe lo pensamento, seguiam juntos, no “Trapiche Novo”,

para o bairro de Santo Antônio. Três dentre eles t inham bebido as sãs e generosas

doutr inas da esco la socie tár ia (gr i fo nosso) na sua mais l ímpida fonte; todos eram

animados de v ivo amor para com a humanidade; todos três exper imentavam enérgica

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necessidade de trabalharem para a sua regeneração. O outro a inda se achava emergido nas

trevas do cr i t ic ismo; ainda o lume da c iênc ia social não t inha pod ido t raspassar a espessa

venda com que as abusões re inantes e os lugares comuns do XVII I século lhe haviam

tapado os o lhos – era um per fe i to civ i l izado (gr i fo no texto).1 2

Seria interessante ler todo o art igo que se encontra no Anexo 10. Nele se conta

como resolveram os três amigos publ icar uma revista, que se chamaria O progresso.

A f inal idade da revista seria tomar “a peito a causa da humanidade, a do povo que

geme, paga e se cala”1 3. A revista veio à luz a 12 de julho de 1846, continua

Figueiredo, “armada para l idar como órgão das idéias de progresso social na

América do Sul”1 4. O que suscitou esse art igo, que comemorava os inícios da

revista, foi o fato de a Democratie ter-se referido a O Progresso, como órgão do

social ismo no Brasi l .

“Enfim, além dos mares, lá nos muros dessa nova Atenas: o pr incipa l órgão do soc ial ismo

em França, d iz que o nosso programa é inte i ramente conforme às doutr inas da Escola

Societár ia, e fa la a nosso respei to nos termos benévolos que aqui reproduzimos.. .

“Fundação de um novo órgão socia l is ta no Brasi l ”1 5. . .

O mais interessante é que Democrátie chega a conclusão de que O Progresso é um

órgão social ista pela “Exposição de Princípios” que, em parte, foi transcri ta na

revista francesa.

“É do nosso dever repet ir aos nossos subscr i tores do domingo, que a causa societár ia

acaba de enr iquecer-se com um novo órgão. Há poucos dias recebemos o pr imeiro número

de uma revista mensal O Progresso, cujo programa, de que já pub l icamos um trecho no

nosso número de ontem é conforme em tudo e por tudo com o da Democrat ie”1 6.

Pudéssemos saber quais trechos da “Exposição de Princípios” a Democratie

reproduziu, em suas páginas, e teríamos encontrado o motivo pelo qual, entre as

duas revistas, se estabelecia uma irmandade. Infel izmente, não nos foi possível ter

em mãos esse número. Mas, lendo a “Exposição de Princípios” nós podemos tentar

descobrir alguns desses trechos. Ajuda-nos nesta tarefa a definição que Figueiredo,

em sua polêmica com Pedro Autran, dá de Social ismo: “O social ismo não é uma

doutr ina, ainda não passa de uma aspiração; mas esta tende a reformar o estado

social atual em prol do melhoramento moral e material de todos os membros da

sociedade” (Anexos 4 e 5).

Ora, consoante esta definição, certamente t rechos de O Progresso deviam ressoar,

na Europa, como sinal de que a revista brasi leira esposava os ideais do social ismo

utópico. Ei-los:

“O f im da polí t ica, tomando esta pa lavra na sua acepção mais elevada, é a indagação das

cond ições da fe l ic idade dos povos.. . E entretanto que é o que vemos nós na região

chamada po lí t ica? Inf indas d iscussões sobre as garant ias pol í t icas dos cidadãos, sobre os

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direi tos e as l iberdades const i tucionais, d ire i tos fr ívolos, l iberdades vãs, quando não saem

da atmosfera metafís ica das const i tu ições e não se apo iam numa organização socia l que

lhes permi ta encarnar-se nos fatos. . . Para nós pois, a pol í t ica é a c iência da organização

soc ial , com o único a lvo de real izar a fe l ic idade dos ind ivíduos.. . É esta pol í t ica rad iosa

de progresso pací f ico que queremos instaurar entre nós, e que será a legenda da nossa

bandeira. Logo mostraremos quais as le is f ís icas e as condições capi ta is que para isso se

requerem, e também, ind icaremos que medidas se devem tomar para decid ir a sua

inauguração e f ixar - lhe o caminho. Mas esta pol í t ica incontestavelmente boa para a nação

considerada no seu todo (o progresso mater ia l) , e capaz de fundar a sua provindoura

grandeza, achar-se- ia evidentemente encravada em seus efei tos por um vício rad ica l e

f lagrante, se ao mesmo tempo que se aumentasse a soma das r iquezas, e la só tendesse

como na Europa, a aumentar indef inidamente a misér ia das massas. É isto uma verdade, e

longe de procurarmos afastar a d i f iculdade d iremos, que para nós, o desenvo lvimento do

pauper ismo que atualmente assusta a Europa é, sem dúvida uma conseqüências do

industr ia l ismo moderno, mas não resultado necessár io dos progressos mater ia is , os quais

são absolutamente bons e benéficos, e que para acharmos a causa de semelhante misér ia

convém procurá-la na fa lsidade das re lações estabelec idas entre os homens, como

produtores e consumidores, na exagerada inf luênc ia concedida a certos elementos de

produçao”1 7.

Quando, pois, Figueiredo faz a recensão do l ivro Elementos de Economia Polí t ica

da autoria do Dr. Pedro Autran que ele f i l ia à velha escola econômica de Adam

Smith, João Batista Say, Malthus, ele se coloca em outro t ipo de pensamento. A

velha escola, escreve ele, teve todo o seu valor, sobretudo teve o mérito de ser

pioneira, mas não chegou a conhecer o princípio da nova escola: o fecundo teorema

da sol idariedade humana”1 8. Al iás, antes de iniciar sua crít ica, Figueiredo cita a

frase seguinte de H. Renaud: “Tous les membres de la grande fami le sont l iés en un

seul faisceau pour un grand principe, la sol idari té” (gr i fado no texto). A velha

escola esposou, pelo contrário, o princípio laissez-faire, laissez-passer, que, a

história o tinha provado à saciedade, levou à concorrência desenfreada. É essa

concorrência que Figueiredo combate, pois, “no estado de guerra permanente em

que ora se acham todas as forças individuais, este aforisma ( laissez faire) não passa

de inumano, anti -econômico, ant i -social”.1 9

É preciso recordar, porém, para irmos fazendo uma idéia do social ismo de

Figueiredo, que, discordando de Pedro Autran pelo fato de esse ter af irmado: “que a

maioria dos homens conhece melhor o que é conducente aos seus interesses do que

qualquer homem, ou mesmo uma assembléia escolhida; e que, por conseqüência,

deve ser l ivre a cada um seguir a sua incl inação e o ramo de indústr ia que ele julgar

conveniente”, Antônio Pedro de Figueiredo não combate a propriedade privada.

Invoca, apenas, o direito de o Estado intervir no jogo das causas econômicas.

Pleteia essa intervenção, com o exemplo de um exército cuja at i tude, em frente ao

inimigo, na iminência do combate, não pode ser deixada ao léu das vontades

individuais. Seria a derrota certa.

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Explici tamente aborda a questão da propr iedade privada, quando aponta, como

suscetível de crí t ica, estas três af irmações de Pedro Autran:

“A segurança da propr iedade é a pr imeira condição ind ispensável para a produção da

r iqueza. Deve colher quem semeou o produto do trabalho do homem e a obra das suas

mãos são propr iedade sua. (s ic) A le i c ivi l não é o fundamento do direi to de

propr iedade”.2 0

Nem mesmo aqui Figueiredo combate frontalmente a propriedade privada. Seu

pensamento aparece claro nestas palavras:

“Estas três c i tações são mais que suf ic ientes para mostrarem que o autor pretende que a

propr iedade ind ividual, ta l como se acha const i tu ída entre nós, segundo o di rei to

romano,sem os corret ivos de que então era cercada, representa um direi to anter ior à

formação da soc iedade. d irei to que a le i c iv i l não fez mais que sancionar”.2 1

Figueiredo vê, na af irmação de Autran, e di - lo expressamente, uma crít ica

“a maior parte das tentat ivas fei tas pe los governos para introduz ir alguma ordem na

grande o fic ina soc ia l , estabelecendo garant ias para uns e outros, no meio da incoerência

atua l e da guerra medonha que rola entre os diversos elementos produtores, d ist r ibuidores

e consumidores”2 2.

O direito fundamental, o direi to, portanto, natural à propriedade se prende ao

direito que o indivíduo tem de “sat isfazer as necessidades que a sua organização lhe

cria”, este direito lhe dá até o direito de herdar, não, porém, na maneira em que se

fazia em Pernambuco:

“O dire i to a tual de propr iedade (ut i e t abut i) fo i inst i tuído, na fal ta de coisa melhor. . . para

sat is fazer ao di rei to que tem cada geração de apossar-se da herança da geração precedente,

d irei to que em si mesmo não é senão uma conseqüências do direi to ainda mais gera l , que

qualquer ind ivíduo, ao nascer , t raz consigo, – sat is fazer as necessidades que a sua

organização lhe cr ia. E is aí o verdadeiro d ire i to natural , e este é tão d i ferente do direi to

atual (gr i fo nosso) da propr iedade. Que com o andar do tempo este úl t imo tornou-se

destrut ivo do pr imeiro e ao mesmo passo incompatível com e le”2 3

A at i tude de Autran lhe parecia mais grave ainda pois “general izando o autor o

vocábulo propriedade, apl ica-o às faculdades do espír i to e do corpo humano, e diz

dar-se violação indescupável da propriedade quando se impede ao indivíduo o uso

dos poderes que a natureza lhe deu”.2 4 Para Figueiredo, isso signif icaria pregar a

volta ao estado selvagem, de Rousseau.

Finalmente, Figueiredo cri t ica outra af irmação de Pedro Autran: “As leis que

regulam a produção e a distr ibuição da r iqueza são as mesmas em todos os países e

estados do mundo”2 5. Ora, um pouco de real ismo mostra que, se em principio, a

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formulação é vál ida, na apl icação que Autran quis dar-lhe, não estava correta. É

aqui, nos exemplos que propõe, que Figueiredo compara dois t ipos de organização

de trabalho: a capita l ista e uma sociedade organizada, segundo o principio da

associação. Mas, mesmo com essa referência expl ici ta à doutr ina de Fourier,

Figueiredo não a defende, nem opta por esse t ipo de sociedade, embora af irme que

o principio, apresentado por Autran, seria benéfico no segundo t ipo de organização

social, e maléf ico no primeiro t ipo, a capital ista.

Figueiredo, portanto, correta ou errôneamente, não é o caso de decidir ainda, se

julgava social ista. Entendemos, assim, que apresente, com entusiasmo, o l ivro de

Lamennais que tanta polêmica suscitara na Europa e cujo t í tulo era O l ivro do Povo.

A Revue des Deux Mondes, em 18382 6, t razia o longo art igo de Lerminier, ao qual

acena Figueiredo. A esse art igo, al tamente desfavorável ao l ivro, responde George

Sand com uma apreciação favorável2 7. Segue-se outro de Lerminier, em resposta a

George Sand2 8.

Ora, Lamennais, conforme vimos no capitulo primeiro, pode considerar-se o divisor

de águas, em campo catól ico, no que se refere à maneira de encarar o problema

social.

Mais tarde em “A Carteira” de 21/7/1856, Figueiredo transcreve esse art igo de O

Progresso, com pequenas modif icações. Continua, portanto, l igado às teses que

mereceram seu apreço em 1847.

Não é para se desprezar, na pesquisa do pensamento de Figueiredo, o fato de, em O

Progresso, aparecerem art igos de forte conotação social, como “A voz do céu”2 9 e “

Anarquia social”3 0. O primeiro vem sem assinatura. O segundo é tradução do

trabalho de C. Pecqueur. Figueiredo era redator chefe da revista e punha sua

assinatura, no f im de cada número. Seu nome estava, portanto, comprometido,

sobretudo nestes casos de anonimato ou tradução.

2. Afirmamos atrás que uma das maneiras de conhecer uma pessoa é perguntar-lhe o

que ela pensa de si mesma. Não basta, porém, este testemunho pessoal. A mais de

um século de distância, nós podemos perguntar se o testemunho pessoal de

Figueiredo corresponde à real idade. É o problema que colocou o Prof. Vicente

Barretto, numa comunicação feita, na 2ª Semana Internacional de Fi losofia,

real izada em Petrópol is, de 14 a 20 de julho de 1974. Essa comunicação foi depois

publ icada na Revista Brasi leira de Fi losofia, vol. 24 fascículo 96, com o tí tulo:

Antônio Pedro de Figueiredo: Uma revisão crít ica. Diz o Prof. Barretto:

“Na anál ise ideo lógica não nos parece a metodologia mais segura a aceitação pura e

simples da auto-classi f icação f i losófica, pol í t ica ou social que se faz o própr io pensador.

No caso de Antônio Pedro de Figueiredo ser ia considerá- lo como per tencendo à matr iz

soc ial ista em vir tude de af i rmação de s impatia doutr inár ia ou esperanças em suas

conquistas futuras” .3 1

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Em base, depois, ao conjunto de art igos de O Progresso, o Prof. Barretto vai

mostrando que a matr iz do pensamento f igueirense, em campo polí t ico-social, é a

matr iz mesma do pensamento l iberal; para concluir sua comunicação, com estas

palavras:

“Não nos parece sem propósi to realçar na cr í t ica de Antônio Pedro de Figueiredo o fato de

que ela representa, na his tór ia das idé ias pol í t icas no Brasi l , um elo perdido. Trata-se da

pr imeira tentat iva fracassada de incorporar à ideologia l ibera l brasi le ira o dado econômico

e soc ial . Antônio Pedro de Figueiredo compreendeu com mais prec isão e ni t idez do que os

própr ios l iberais brasi le iros no século XX que os objet ivos básicos (do l iberal ismo,

somente ser iam a lcançados através da democrat ização) da ordem l ibera l . Essa

democrat ização ser ia fe i ta, de acordo com Antônio Pedro de Figueiredo, não at ravés de

métodos externos ao sis tema, que acabar iam por destruí - lo, mas com os própr ios

instrumentos estabelec idos pe la organização jur íd ica e pol í t ica”.3 2

Pretendemos agora em base aos textos que sabemos terem sido escri tos por

Figueiredo mesmo, procurar os elementos que nos possibi l i tem tomar uma posição

pessoal diante da questão discutida. Há dois art igos de O progresso interl igados

pelo próprio Figueiredo. O primeiro é “Atividade humana”, da página 175 à página

180. No f inal desse, Figueiredo, que o assina com a primeira letra de seu nome A.

faz dele um art igo introdutório ao art igo “Comércio internacional”, que se estende

da página 253 à página 261. Na real idade, o f inal do primeiro art igo parece

prometer

mais um terceiro, este sobre o comércio interior. O índice, fei to após ano e meio de

circulação de O progresso, deixa claro que, como em outros casos, os planos dos

art icul istas eram revistos ou derrubados pelas contingências da vida. De fato, na

página 767 encontramos sob a rubrica: “Ciências sociais e polí t icas“ Atividade

humana, por A., Comércio Internacional, pelo mesmo. No tomo terceiro, relat ivo ao

que se publ icou em 1848, e do qual não temos índice não encontramos esse terceiro

art igo que parece insinuado no primeiro. É também possível que, tendo versado o

comércio internacional, o art igo sobre o comércio interior tenha parecido

desnecessário a Figueiredo.

Podemos concluir, portanto, que “Atividade humana” e “Comércio internacional”

consti tuem um todo intencional. É nesta perspectiva que os vamos anal isar.

3. At ividade humana

Neste art igo Antônio Pedro de Figueiredo procura fundamentar a ordem social (cujo

progresso maior ou menor, está na proporção das trocas l ivres) em a natureza do

homem. É, sem dúvida, dos art igos reconhecidamente da autor ia de Figueiredo

aquele que mais claramente o si tua na l inha do pensamento moderno. A norma da

at ividade humana, com amplas ressonâncias no âmbito ét ico, ainda que se prescinda

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do mesmo ao longo de todo o art igo, é pedida à natureza humana em si mesma, sem

apelo a qualquer injunção que a transcenda.

Figueiredo parte de uma afirmação de Jouffroy, em Miscelâneas f i losóficas: o f im

últ imo da at ividade humana é o prazer, o qual “resulta da sat isfação dos desejos que

a organização de cada indivíduo determina em si próprio” 3 3.

É claro que o prazer, para real izar-se, exige a existência do objeto desejado; que

esse esteja ao alcance de quem o deseja, e que seja empregado para obter o prazer.

Traduzindo em termos de economia: f im: o prazer; meio: o consumo, e,

concomitantemente, produção e distr ibuição.

Com esses elementos à mão, Figueiredo estabelece as regras para uma boa ordem

econômica:

“Co locar e manter os diversos e lementos que representam um papel nos fenômenos da

produção, d is tr ibuição e consumo, de sorte que gozem da maior l iberdade, e exerçam a

ação o mais possíve l, segundo suas atrações ou tendências natura is; cond ição

evidentemente mais favorável, com uma força dada qualquer, para obter -se um efe i to

máximo” .3 4

Essas regras valem para o indivíduo, no que diz respeito ao conjunto de suas

virtual idades, as quais, para tornarem uma pessoa fel iz, devem funcionar de acordo

com esse cri tér io Valem também para os indivíduos, no seu relacionamento mútuo,

ou seja, no seio do grupo social, ou grupos sociais aos quais pertencem. Não só,

valem ainda, para os indivíduos-grupos (por exemplo Nações), em referência à

Humanidade, ou seja, à ordem econômico-social global.

Figueiredo af irma ainda que a sucessão incessante dos desejos do homem brota do

mesmo fato de o homem exist ir . Que a l iberdade do indivíduo é maior pela inserção

dele no grupo social; que as trocas entre os homens é sinal infalível de maior

l iberdade, pois a troca pressupõe diversif icação de trabalhos, e essa, por sua vez,

supõe que cada um se entregue espontaneamente à at ividade que mais lhe convém e

agrada. Resumindo:

“Vemos pois que o alvo da at ividade humana, que é a sat is fação dos desejos inic iais,

emanados das diversas paixões do ind ivíduo, encontra a sua mais completa rea l ização na

maior l iberdade concedida a cada um dos elementos desta mesma at ividade, e que a soma

possíve l desta l iberdade va i sempre em aumento, do homem iso lado no estado selvagem,

ao homem no estado soc ial , e enf im ao homem, membro de uma sociedade que ser ia por s i

mesma um dos e lementos da humanidade organizada”.3 5

Encontramos nessa anál ise, sem dúvida, todos os elementos que caracterizam a

ideologia l iberal: valorização máxima do indivíduo; o qual goza de uma l iberdade

ao máximo grau, dentro de uma sociedade de mercado, entregue ot imistamente às

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forças naturais da at ividade humana, cuja norma suprema é a razão. O indivíduo,

assim compreendido, encontra sua fel icidade na posse e no usufruto dos bens

materiais. Figueiredo reconhece que essa meta é mais uma utopia, jamais

defini t ivamente at ingível, mas que funciona como ativador do processo histórico:

“Ora, é evidente que estas cond ições não existem hoje, e até não são absolutamente

rea l izáveis (gr i fo nosso): o que podemos e devemos que, o t í tu lo comporta. A par t i r de um

pensamento de Jou f f roy, F iguei redo ins taura um d iscurso, cu ja preocupação, é a ordem

econômico-soc ia l . Não há no ar t igo, aceno algum à prob lemát ica moral ou ét i ca .

concluir do que precede, é que o caráter do progresso é permi t i r a cada indiv idual idade um

desenvo lvimento de mais e mais l ivre da sua at iv idade, com a condução de que esta

at iv idade seja sempre di r igida, segundo o alvo que se deve at ingir ” .3 6

Chegado a esse ponto, Figueiredo se pergunta: “por quem deve ela (at ividade) ser

dir igida?”3 7 Ele não responde claramente. Fá-lo da seguinte maneira: “Deduzir-se-á

do que precede a nossa opinião a este respei to”.3 8

Do que precede parece-nos poder deduzir que, dentro da boa doutr ina l iberal, em

teoria Figueiredo reconhece que a direção da at ividade compete fundamentalmente

ao indivíduo. Subsidiariamente, à Nação e, depois, à Humanidade, sempre que a

ação individual for impotente para, de per si , obter um acréscimo de l iberdade.

É o que mostram claramente estas palavras:

“Ora, a sol idar iedade dos indivíduos-homens, no indivíduo social , é completa; o gozo

daqueles é inte iramente proporc ional ao deste; logo, trata-se de d ir ig ir a at ividade

ind ividual d ire tamente em vista do maior gozo possíve l, para o indivíduo soc ia l” .3 9

Visar o maior gozo do indivíduo-social é meta da atividade do homem-indivíduo,

porque o gozo daquele condiciona o gozo, a fel icidade do homem-indivíduo. A

categoria fundamental é, portanto, o indivíduo cercear-lhe a l iberdade só tem

sentido, para acréscimo ao seu gozo.

O art igo de Figueiredo é uma boa peça de teoria sobre a “ordem social”, tendo

como fulcro a “consideração econômica”; e à procura, implíci ta embora, de uma

“et icidade”, para o complicado jogo que a vida moderna criara. No f inal dele,

Antônio Pedro de Figueiredo tenta minimizar a importância da resposta à pergunta

que ele mesmo se fez:

“Por quem deve ela (a at ividade) ser d ir igida? Deverá f icar entregue ao ind ivíduo homem

a apl icação das regras, ou devem ser impostas pelo indivíduo nação, ou ainda pelo

ind ivíduo humanidade?”4 0

Diz Figueiredo que a questão é de pouca monta em vista do assunto, ao qual o

art igo serve de introdução e que já sabemos ser a questão do comércio interno e

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internacional. Diz que mais importante é reconhecer a necessidade das regras

acenadas, o caráter delas “que é o progresso, pela extensão da l iberdade, e,

sobretudo, o sinal característ ico do progresso, que é a cr iação e a extensão da troca

entre as faculdades do indivíduo, entre os próprios indivíduos, e enfim entre as

nações”.4 1 Para nós porém, a resposta é importante. E já que Figueiredo nos

garantiu que podemos deduzi-la do que foi di to, tentamos fazê-lo.

4. Comércio internacional

Da teoria do primeiro art igo, caímos para a real idade concreta do segundo. Naquele,

o “como-deve-ser” a ordem econômico-social. Neste, como ela é, ou melhor, era, no

tempo de Figueiredo. O contraste já é insinuado pelas costumeiras frases de

introdução aos art igos. No primeiro: “Nous voulons le plein développement de

toutes les individual i tés spontanément et legit imement ordonnées, dans l ’unité

absolue de l ’espèce. Phalange”. No segundo: “Olho por olho, dente por dente. Lei

hebraica”.

Figueiredo faz, neste art igo, uma crít ica severa à si tuação vigente. A humanidade

encontra-se em estado de sofr imento, o qual é revelado pelo aumento do

proletariado, por cr imes de todos os gêneros, por sublevações que põem em risco a

própria existência da ordem social. E, o que é até irônico, o progresso material em

vez de trazer a fel icidade, tem ocasionado derramamento de sangue. São duas as

causas dessa situação: a má organização da at ividade individual, no seio das

nações; a discórdia entre as nações, impedindo “pela extensão das trocas

internacionais, a terceira fase de progresso nesta ordem de fatos”.4 2

A causa da desordem, no interior das nações, é o fato de a at ividade humana ter

f icado entregue a si mesma, ao sabor do capricho individual. Quer no que diz

respeito ao consumo, como no que concerne à distr ibuição e à produção, não se

ateve o homem às regras estabelecidas, no art igo anterior. Figueiredo enfat iza

sobretudo a guerra aberta entre os produtores, como elemento de deterior ização da

ordem social. Em suma, o estado em que vive o homem é prat icamente ainda o

estado selvagem. O “direito das gentes” é mais um pacto, no papel, do que

real idade atuante. As nações vivem sob o signo retrógado do “Si vis pacem, para

bel lum”.

Em seguida, Figueiredo anal isa a questão das restr ições ao l ivre comércio, entre as

nações, por meio do protecionismo. Por pr incípio, é contra ele, ainda que possa

aceitar certos impostos alfandegários, por contingências especiais. O ideal, porém,

é bem del ineado, nestas suas palavras:

“É pois evidente, que em pr incíp io todo os obstáculos à mul t ip l icação, e, por

conseqüência, à fac i l idade das trocas internac ionais, é abso lutamente prejudic ial ao bem

de todas as nações em geral , e de cada uma em part icular” .4 3

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Finalmente, depois de anal isar a si tuação da economia inglesa que

“após dez anos, pouco mais ou menos, de luta encarniçada entre o “ f ree traders” e os

part idár ios de monopól ios e pro teção.. . acaba de despedaçar de uma vez os embaraços que

lhe impunha o monopól io agrícola dos descendentes dos conquistadores normandos, e de

simpl i f icar ou supr imir a maior par te dos d irei tos pro tetores da sua indústr ia” .4 4

após prever que França e Alemanha imitarão a Inglaterra, Figueiredo setencia:

“A emancipação industr ia l acha-se, pois, na ordem do d ia em todas as terras. Este fa to e

os eventos que o prepararam, não devem ser para nós le tra morta, exemplo perd ido”.4 5

A problemática, tal qual foi apresentada, reconhece Figueiredo, inexiste para o

Brasi l . Mas um dia haverá de colocar-se. Daí a oportunidade das ref lexões.

Se o art igo anal isado é contundente em recriminar a si tuação econômico-social em

vigor, ele é também mui explíci to em mostrar que Antônio Pedro de Figueiredo, em

vez de afastar-se dos princípios colocados no art igo anterior, pelo contrário, urge a

prát ica do que nele se recomenda. Não há, portanto, nenhuma descrença com

relação ao modelo proposto. Não se arvora a bandeira de uma revolução, que

subverta um estado de coisas, para implantar “ex novo”, outro modelo. A at i tude é

até oposta. A miséria do proletariado, os cr imes, as sublevações existem, porque

não se deu vasão às forças econômicas dentro dos cânones do l iberal ismo

econômico.

É verdade também que o art igo complementa o primeiro e mostra-nos Antônio

Pedro de Figueiredo, defendendo a intervenção do Estado, para impedir os abusos

da l ivre concorrência:

“sat is f izeram-se os legisladores com o f ixar certas le is, impor certas regras, a f im de

impedir que os ind ivíduos se ofendessem uns aos outros diretamente, e exig ir , para o

consumo, cer tas condições part iculares; o resto f icou à mercê do capr icho indiv idual, sem

ter nada que o dir igisse em vista do a lvo a que se mira”.4 6

5. Reforma do Sistema Penitenciário

Há uma outra série de art igos de Figueiredo que, versando embora um assunto

restr i to, revela-nos, contudo, a estrutura do seu pensamento. Trata-se dos três

art igos sobre a “Reforma do Sistema Penitenciário”, páginas 349-356, 559-565 e

639-643.

Nestes art igos, o que nos interessa é tão somente descobrir elementos que nos

ajudem a compreensão do arquétipo mental com que são elaborados. Respigaremos,

portanto, algumas af irmações que nos parecem altamente preciosas, pois colocadas

num momento de pensar concreto, e não num momento de elaboração teórica de

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uma doutr ina. São nestas ocasiões que afloram naturalmente o que consti tui o

fundamento da maneira de pensar de uma pessoa.

A veri f icação de um fato:

“As sociedades assim como os ind ivíduos, se defendem contra todo aquele que os ataca;

mas o fato da defesa não prova de maneira alguma a legi t imidade do direi to que se elas

arrogam.

“Uma sociedade baseada, como são todas as nossas soc iedades modernas, sobre o gozo do

homem pelo homem; e que coloca os interesses de cada ind ivíduo, no estado da mais

f lagrante oposição com os interesses de todos, necessar iamente não pode manter -se senão

pela força.. . ; . . . se pode notar que, à medida que o progresso da ciênc ia vai o ferecendo à

disposição do homem meios mais poderosos de produzir , e que, se devemos dar crédi to aos

grandes economistas do século, a i l imi tada concorrênc ia faz que a opulênc ia c i rcule em

todas as classes da sociedade, o número dos pro letár ios vai aumentando, e os governos dos

países mais ad iantados na civ i l ização se vêem per iodicamente obr igados a dupl icar o

número dos agentes de políc ia, carcere iros e algozes”4 7.

Esse é o fato na sua crueza. Mas Antônio Pedro de Figueiredo pergunta:

“E não ser ia possível organizar -se a soc iedade de manetra que cada um encontrasse, no

interesse gera l , a mais completa sat is fação dos seus interesses part iculares; que o maior

desenvo lvimento de ordem correspondesse ao maior desenvolv imento do pr incíp io de

l iberdade; e que se pudesse rest i tu ir à produção todos estes agentes improdut ivos

ocupados para manter a ordem, em restr ingir a l iberdade, e todas as forças empregadas no

modo subvers ivo pe los exérci tos e cr iminosos?”4 8

A resposta à pergunta é clara.

“Temos para nós que tudo isso se pode ver i f icar , e até esperamos que as nossas convicções

a este respeito se tornem em breve as dos homens esc larecidos de todas as terras”.4 9

No segundo art igo, Figueiredo apresenta três modelos de solução para o problema

dos sérios inconvenientes que surgiam nas penitenciárias de então. Essas soluções

tentadas são t ipi f icadas nas prisões de Auburn, Cherry-hi l l e Genebra. Final izando

o art igo, que tem caráter simplesmente descri t ivo-informativo, Figueiredo promete

uma aval iação das mesmas. Para isto, porém, diz:

“É-nos absolutamente necessár io resolver uma questão importante, cuja so lução nos deve

serv ir de guia e de cr i tér io: – a questão das bases e do a lvo da pensal idade; e a sua al ta

importância, assim como os desenvo lvimentos que necessar iamente se lhe deve dar para

deles deduzirmos as condições que requer um excelente s istema penitenc iár io , nos obr igam

a adiar o estudo deste sujei to para um dos nossos próximos números”.5 0

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É sobretudo, portanto, no terceiro art igo, que vamos encontrar maior r iqueza

doutr inária, maiores elementos, portanto, para aprofundarmos os pressupostos

ideológicos do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo.

Após o t í tulo: “Reforma do Sistema Penitenciário” (art igo 3.”) segue este subtítulo:

“ investigações a priori sobre o alvo e bases da penal idade”. Em seguida, são

colocadas duas frases: “ab jove principium” e “ la loi verra dans le cr iminel un frère

egaré à ramener et non un coupable a punir. F. de Lamennais”.

Como no art igo sobre a at ividade humana, ao qual, al iás, em nota, ele faz menção,

Figueiredo recorda rapidamente o surgir da vida em sociedade.

“Preciso era pois organizar a sociedade de maneira que cada uma ind ividual idade se

pudesse desenvo lver l ivremente, sem ser compr imida na sua l iberdade pelas

ind ividual idades v iz inhas; ou f ixar l imi tes a at iv idade de cada um, para que ela não

ofendesse a dos outros”.5 1

Das duas alternativas, a primeira é a preferível, af irma Figueiredo, mas optou-se

pela segunda. A just i f icat iva dessa opção é assim expl icada:

“Tão pouco tempo há que as le is que presidem aos fenômenos gerais da vida dos povos são

reconhecidas e classi f icadas; tão poucos anos há que a economia socia l conquistou o

direi to de c idade, mesmo entre as nações que caminham à frente da c ivi l ização, que até

estes úl t imo tempos, apenas a lguns pensadores so l i tár ios, precedendo os seus

contemporâneos um ou dois séculos, ousaram arr iscar a opin ião tão audaz e considerar

como possíve l uma organização deste gênero”.5 2

As sociedade estão, portanto, sob o império das restr ições:

“Adotou-se, pois, o outro meio, e por convenções ou le is restr ingiu-se o dire i to abso luto

de que gozava cada indivíduo no exercício da sua atividade.. . Os cr imes e de l i tos são

vio lações destas convenções, le is ou regras, como quer que se chamem... Resul ta daí que

as le is devem de estabelecer o menor número possível dessas restr ições, e só pro ib i r atos

que são prejudic ia is em alto grau aos interesses de todos”.5 3

As conseqüências desta visão, segundo expl ici ta Figueiredo é que a f inal idade das

penas não é punir cr imes, mas “embargar a violação de convenções úteis a todos”; a

sociedade sofre, em sofrendo um dos seus membros.

Figueiredo reconhece que essa sua visão não é a que presidiu à confecção da maior

parte dos códigos. Quanto a épocas remotas, compreende-se a fal ta de visão, ou a

visão distorcida dos cr iminal istas que

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“não quiseram ver no interesse geral , e em convenções mais ou menos arbi trár ias, a

verdadeira base da penal idade, e foram procurá- la em abstrações f i losóficas sobre o

direi to e o dever , e, às mais das vezes, ainda, em concepções teológicas”.5 4

Daí o identi f icarem a ordem jurídica com a moral e até rel igiosa. Daí a punição,

com caráter expiatório. A este ponto, Figueiredo promete um quarto art igo, que,

como vimos no capítulo 3° não veio à luz, e defende-se contra um possível mal

entendido. Eis suas palavras:

“Mas antes de encetarmos esta tarefa, vamos de antemão responder a uma acusação que

necessar iamente se nos há de fazer , o de menosprezarmos a le i moral de que outros mui tos

pretenderam fazer a base da penal idade.

“Estamos longe de desconhecer a existênc ia da le i mora l, reconhecemo-la como uma le i

geral e de caráter obr igatór io , gravada no coração de todos os homens e com cujas

prescr ições todos e les são mora lmente obr igados a conformar-se; mas negamos que esta

le i seja idênt ica com as le is soc ia is que em muitos casos lhe são inteiramente opostas, e

por conseqüência que e la possa ser considerada como base da penal idade.

“A nenhum poder humana podemos conceder o d irei to de se arvorar em ju iz da v io lação

de le is que não são humanas; (gr i fo nosso) e temos para nós que mesmo no caso em que a

soc iedade se organizasse segundo as prescr ições da le i mora l, as le is soc ia is , enquanto

soc iais, não ser iam obr igatór ias senão como convenções puramente humanas, baseadas no

interesse gera l e cuja manutenção e execução é autor izada pela força”.5 5

Esses tópicos parecem elucidar a tese do Prof. Vicente Barretto, o qual af irma estar

o pensamento de Figueiredo dentro da matr iz do pensamento l iberal. De fato,

condição primeira para a elaboração da concepção l iberal de vida em sociedade foi

o desl igamento desta de qualquer concepção transcendente à mesma

natureza humana. À concepção moral e rel igiosa da Idade Média, seguia-se a

concepção contractual e secular, na qual os fundamentos da sociedade são postos

pela mesma l iberdade dos homens. Da nossa parte, queremos acentuar como

encontramos, também aqui, páginas bem característ icas de um pensador que já se

l ibertou das concepções sacrais da Idade Média, no que se refere à vida social. E o

mais interessante é que esta dessacral ização se apresenta sob a forma de um

profundo respeito para com Deus, conforme se pode ver da frase que subl inhamos.

6. Ainda três art igos de autoria de Figueiredo

Em O Progresso aparecem ainda três art igos que podemos atr ibuir a Figueiredo: a)

“Reformadores modernos”, página 553. É assinado com a letra O. b) “Colonização

do Brasi l” , página 629, assinado com a letra H . c) “As reformas”, página 855, sem

assinatura. Sobre a autenticidade da autoria f igueirense dos mesmos, tratamos nas

páginas 66-72.

Eles têm de comum que abordam o tema das reformas, ainda que em campos

diversos e sob ângulos e dimensões diversas.

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Reformadores Modernos

O art igo que se int i tula “Reformadores modernos” história o movimento rel igioso

cristão, desencadeado por João Ronge e que deu origem à Igreja Cristã Universal e,

na Alemanha, à Igreja Catól ica Alemã. No historiar o movimento, Figueiredo

procura colocá-lo dentro do quadro de mudanças que se operavam na época. Ao

apreciá-lo, Figueiredo mostra-se o homem conci l iador por excelência. Convêm

transcrever algumas de suas palavras:

“A luta do pro testant ismo contra o cato l ic ismo no XVI século, em essência, era a luta do

espír i to humano, da razão indiv idual pe lejando para sacudir o jugo que lhe impusera a

teologia romana; e o tr iunfo do protestant ismo em metade da Europa não há passado de

uma vi tór ia ganha pelo espír i to de exame sobre o princípio da fé cega e da autor idade

infal íve l .

“Mas se o d ire i to de exame é para a razão humana um direi to sagrado e imprescr ip t ível ,

assim como o é o da l iberdade, na ordem po l í t ica e social , são duas mani festações da

at iv idade humana, legít imas pelo mesmo t í tu lo ; e assim como na soc iedade a l iberdade

abso luta gera a anarquia e a guerra, e só obtém o seu mais completo desenvo lvimento

numa organização soc ia l e polí t ica da humanidade tal que todos os interesses convir jam

em lugar de divergir , como ora acontece; da mesma sor te, na ordem das crenças, o d ire i to

de exame não pode ser abso luto sem gerar anarquia, c ismas e d ivisões ao inf in i to , a não

ser numa organização re l igiosa ta l que os trabalhos da razão indiv idual não possam tender

senão a desenvolver e esclarecer o dogma sem nunca atacar- lhes os fundamentos. Portanto,

assim como o catol ic ismo t inha perdido a metade do mundo cr is tão em conseqüência da

despót ica opressão em que quer ia manter o espír i to humano (phi losophia theo logiae

anci la) , da mesma sorte , o protestant ismo, por outro lado, se perdera pelo excesso do seu

pr incíp io”.5 6

Baseado nesta anál ise, Figueiredo augura que o episódio de Ronge e o movimento

das igrejas cristãs, em geral, seja no sentido da aproximação e da reconci l iação,

procurando sal ientar o que de comum elas têm, ou melhor, de minimizar as

diferenças. Afirma com efeito, já caminhando para o f im do art igo:

“Os le i tores esperam, por ventura, ver -nos atacar ou defender os pr incíp ios da nossa

Igreja, no entanto de ixaremos esta tarefa aos teólogos e contentar -nos-emos com observar

de passagem que a maior parte das mudanças fe i tas pe los dissidentes na ortodoxia romana

não são inovações, mas, pelo contrár io, restaurações”.5 7

Do ponto de vista da nossa anál ise, que não é teológica, mas, por outro lado,

procura precisar até que ponto o pensamento de Figueiredo tem um embasamento

cristão, ressaltam como elementos apreciáveis: a) o reconhecimento de um campo

intocável e que foge à dialét ica da razão, ou seja, o dogma. O que se condena à

teologia romana é a pretensão de querer manter a razão sempre como menor, como

serva da teologia. Ora, a conquista moderna, e nisto Figueiredo é bem moderno, foi

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a l ibertação da razão. Na “Exposição de princípios”, para a qual, certamente

Figueiredo contr ibuíra, já constara claro:

“Na esfera das idéias f i losóf icas pretendemos arvorar a bandeira do l ivre pensamento. –

Persuadidos de que para a razão do homem, só há legí t imos os dados da razão, não

acei taremos senão aqui lo que nos apresentar os caracteres da evidência, e não

reconhecemos dogma a lgum que tenha o pr iv i légio de dir igir os nossos atos, antes de nos

ter convencido o espír i to” .5 8

Na “Exposição de pr incípios” fala-se da esfera da razão; em “ Reformadores

Modernos”, fala-se da ordem das crenças; b) a sensibi l idade de Figueiredo para o

problema da divisão entre os cristãos; sensibi l idade que o faz um ecumenista, entre

os leigos do século passado. Encabeçam o art igo duas frases evangél icas que

apelam para a unidade: “Vos omnes fratres est is” (Mt 23,8) e “Et eri t unus grex et

unus pastor” (Jo 10,16). c) a consciência de que há um campo próprio da teologia,

no qual não compete a ele pronunciar-se. Tal at i tude apareceu já atrás, quando se

venti lou a questão do crime e del i to:

“empregamos aqui os vocábulos cr ime e del i to na acepção usual que lhes assinam os

códigos de todos os povos; e não no sent ido geral e abso luto que lhes at r ibuem os teólogos

e f i lósofos”.5 9

Do ponto de vista pol í t ico-social, vem reafirmado, como termo de comparação, o

princípio tão caro à mental idade l iberal e, também ele, exarado logo no início de O

Progresso:

“em pol í t ica t ranscendente, exis te um pr incíp io eternamente verdadeiro, é que a ordem não

pode reinar sem a l iberdade, é que a l iberdade não pode exist i r sem a ordem; de sorte que

esses do is fatos, considerados como destruindo-se mutuamente, não se dão um sem o

outro, e se acham necessár ia e int imamente l igados”.6 0

7. Colonização do Brasi l

O art igo das páginas 629-637 de O Progresso é retomado, quase que integralmente,

em “A Carteira” de 24-3-1856. O resumo do art igo é fei to pelo próprio art icul ista,

nestes textos:

“A colonização há sido inoportuna; no estado atua l, o Brasi l tem necessidade de sábios e

de operár ios hábeis, (d ir íamos, hoje, qual i f icados) que venham instrui r a população e

introduz ir d iversos gêneros de cultura e de indústrias. Mas não tem necessidade a lguma de

colonos, porque a sua população atua l é super ior aos meios que ora possui à sua

disposição, para v iver ” .6 1

Figueiredo desenvolve esses vários pontos. A nós interessa sobremaneira a sua

posição diante do lat i fúndio e da maneira como o combate.

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“Quanto à agr icul tura. . . é a í que residem os interesses v i ta is da nossa pátr ia; e como ela se

acha cercada por uma barreira é mister que esta barreira caia , custe o que custar .

“E qual é esta barreira? — A Grande Propriedade Terr i tor ia l (gr i fo no or ig ina l) . Esta

ent idade terr íve l que tem arruinado e despovoado a I r landa, a campanha de Roma e outros

mui tos países.

“A cul tura que deve de ocupar a nossa população, que um dia deve dar-nos uma c lasse

média e estabelecer a verdade do nosso sis tema representat ivo, como já o demonstramos,

não é a grande cul tura, que exige grandes cap itais, e que é aqui executada por escravos,

mas é a pequena cultura, a que pode executar um pai de famí l ia com os seus f i lhos,

ajudado quando mui to por trabalhadores alugados no momento da plantação e da

colhe ita”.6 2

Como forçar os grandes proprietários a ceder suas terras?

“Para obter -se semelhante resultado, só há um meio eficaz; – o constrangê-los todos, ao

mesmo tempo, por uma força externa, e esta força encontramo-la nesse imposto di reto de

que reza a nossa const i tuição, – nesse imposto terri tor ia l que já propusemos noutro lugar

desta revista, e cujas vantagens já mostramos. Estendendo-se gradualmente sobre a

província, o imposto ter r i tor ia l obr igar ia os grandes propr ietár ios a despojar-se das terras

que lhe são inúte is. Estas terras repar t idas entre grande número de ind ivíduos ser ia uma

fonte de uma classe média de pequenos agr icul tores, que aumentar iam, excessivamente, a

produção do país, e servi r iam poderosamente o governo, quanto à manutenção da ordem

públ ica”.6 3

Reformas por meios legais, formação da classe média, como observa o Prof.

Vicente Barretto, faziam parte da crí t ica interna do l iberal ismo do século passado.

8. As reformas

Os motivos que nos levaram a colocar, entre os de autoria de Antônio Pedro de

Figueiredo, este art igo de O Progresso, da página 855-866, estão expostos no

capítulo 3º página 70-71. A problemática é apresentada, logo de início, de maneira

incisiva:

“Há cer tos momentos da vida de um povo, em que, como as suas inst i tuições já se não

acham de acordo com as prec isões ou necessidades da época, embargam elas o progresso

desse povo, e incessantemente reclamam modi f icações ou reformas mais ou menos

radicais”.6 4

Numa situação como esta, ou o povo já sabe as causas do mal e, então basta operar;

ou ainda não se chegou a um consenso sobre a causa desses males e sobre os meios

a serem usados para os el iminarem. O Brasi l se acha, segundo o art icul ista, na

segunda hipótese.

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O Brasi l tem imensas possibi l idades; no entanto, fal tam empregos, o pauperismo

aumenta rapidamente. Além disso “possuímos uma das consti tuições mais l iberais

que existem no mundo, e entretanto estamos sujeitos ao mais r igoroso despotismo, a

um despotismo sem freio, despotismo de mil cabeças, donde resulta a fal ta de

garantias e segurança para a vida e propriedade dos cidadãos”.6 5

Não há unanimidade sobre os meios a empregar para solucionar o impasse.

A esta altura aparece uma citação de Sismonde de Sismondi, t i rada da obra As

Consti tuições dos povos l ivres, sobre o r isco de uma revolução. Após a ci tação, o

art icul ista subl inha:

“Par t i lhamos completamente a op inião do d ist into escr i tor a quem devemos estas l inhas;

consideramos as revo luções como remédios extremos que devem ser empregados quando já

não há salvação possíve l pelos meios pací f icos. E ainda quando toda a nação fosse

unânime em querer cer tas e determinadas reformas; e estas re formas fossem as própr ias de

que prec isamos hoje, nem por isso reputar íamos uma revo lução ind ispensável” .

Por que não? Porque “a nossa consti tuição é mui l iberal, e admite toda e qualquer

modif icação por meios legais”.6 7 As aberrações introduzidas não o foram pelo

capricho de um monarca. O Brasi l carece é de conhecer as causas de seus males.

Daí parte o art icul ista, para diagnosticar as causas dos males que af l igem a pátr ia.

Numa palavra é a “Falta de organização”. Na esfera social vige ainda o laissez

faire, o laissez passer, que faz com que o trabalho seja depredado pelo capital ,

através de usura. O comércio está na mão de nação estrangeira. “A grande indústr ia,

esta ainda está para nascer”. Há agiotagem. Há miséria e até uma verdadeira

si tuação de escravidão, no meio do povo. Urge apl icar o imposto terr i tor ial . É

preciso “a intervenção do poder social no comércio dos gêneros al imentares da

primeira necessidade”.

“Os pr imeiros legisladores apenas esboçaram o nosso ed i fíc io pol í t ico; e os seus

sucessores se contentaram em construir ou modi f icar sucessivamente as partes super iores,

sem repararem que o ed i f íc io pecava pelas bases, e que fal tavam os al icerces”6 8.

As partes superiores são os belos princípios e as belas leis; o al icerce são os meios

concretos para as fazer funcionar.

“A ação legal que o povo deve ter sobre o governo em todo o estado l ivre, nunca fo i

verdadeiramente regulada, e temos chegado a um ponto tal que essa ação tornou-se

completamente nula, e os c idadãos, incapazes dessa resistência cont ínua ao governo que é

própr io dos estados l ivres, não tem outro recurso senão al is tarem-se nas f i le iras dos

part idos po lí t icos, e serem al ternat ivamente perseguidores e perseguidos”.6 9

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São apresentadas depois t ipos de solução: a) o fortalecimento do poder municipal;

com uma longa citação de Sismonde de Sismondi. Após a ci tação, vem esta

conclusão:

“Este poder que a const i tu ição deverá co locar no mesmo nível que o judic iár io, o

legis lat ivo e o moderador, e que deve ser um complexo deles, não existe entre nós.

“as municipa l idades só servem para apurar as chapas das facções po lí t icas que d i laceram o

país”.7 0

b) A existência real da guarda nacional. c) a l iberdade do Júri . Há uma longa

citação de Tocquevi l le. d) A polícia.

“Outra inst i tu ição, a políc ia que em todas as paragens do mundo pertence à

municipal idade, e poderosamente concorre a e levar o caráter do cidadão aos seus própr ios

olhos, entre nós, essa inst i tu ição há s ido at r ibuída à autor idade centra l , tornando-se

destarte poderoso instrumento das facções”.7 1

O art icul ista mesmo, no f im, faz o resumo de suas propostas:

“Consiste o remédio em tomarmos o nosso edi f íc io polí t ico pela base, e ampararmo-lo com

possantes a l icerces. Pr imeiramente devemos organizar as municipal idades com extensas

atr ibuições, proporcionando- lhes os meios pecuniár ios para que elas possam exercer essas

atr ibuições, sendo a pr imeira de todas a pol íc ia dos respect ivos munic íp ios; reorganizar a

guarda nac ional, restaurando a e leição para os postos, e combinando esta eleição com a

vi ta l ic iedade de maneira a dar- lhe a estab i l idade compatíve l com as nossas circunstâncias;

organizar o júr i , tanto no cr ime como no c íve l , segundo as prescr ições da const i tu ição.

Isto fe i to , haverá na nação uma força real, – a da opin ião públ ica, mui super ior à que as

facções possam apresentar, e então as prescr ições das le is poderão ser executadas”.7 2

segue a enumeração de uma série de inst i tuições que se reformariam.

* • *

No f inal desta apresentação dos art igos da autoria de Figueiredo, publ icados em O

Progresso, para além da questão de dir imir se ele foi um típico representante do

l iberal ismo, ou realmente um social ista utópico, interessa-nos mostrar a

“modernidade” de sua ref lexão.

Figueiredo e, podemo-lo af irmar, seus colaboradores na redação da revista,

consti tuíram um fenômeno cultural digno da mais alta consideração. Através deles,

a nova visão da real idade, que aos poucos, fora se impondo à intel igência

brasi leira, pode f irmar-se na l ides da imprensa, numa vontade séria e concreta de

acertar o passo do nosso processo histórico com o do resto do Ocidente. O

alheiamento a tal processo, ao qual est ivéramos sujeitos por injunções de ordem

polí t ica colonial ista, fora sem dúvida, rompido, mesmo antes da independência.

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Autores vários, e nós mesmos os mencionamos, tornaram-se arautos da nova

cultura. Mas, no Reci fe de 1846 a 1848, há um esforço comum de envergadura tal

capaz de mostrar como os tempos realmente haviam mudado.

Duas at ividades fundamentais marcaram este esforço: abertura a tudo o que pudesse

ser valor; capacidade supreendente de seleção, em ordem à real idade na qual

viviam.

Para quem se propôs indagar sobre as raízes cristãs do pensamento de Figueiredo, a

“modernidade”que caracteriza O Progresso, pode parecer, à primeira vista, nada de

posit ivo. Pelo contrário, pode parecer algo de negativo ou, pelo menos,

embaraçoso. Em O Progresso, encontramos uma ref lexão realmente l ivre dos

esquemas rel igiosos, com os quais a cultura luso-brasi leira est ivera sempre

comprometida. Livre, mas não sectariamente contrária ou indiferente. Livre, mas

aberta a aceitar o dado concreto da real idade nacional, em cujas entranhas se

confundiam a consciência nacional e a consciência de pertença ao mundo cristão.

É nas páginas que se seguem sobre a polêmica a respeito do social ismo, e, mais

tarde, em “A Carteira”, que poderemos refazer os caminhos pelos quais a

“modernidade”pode reconci l iar-se com um passado cristão, sem abdicar dele nem de

si mesma.

9. A polêmica sobre o social ismo (Anexos 4 e 5)

Em que pese à anál ise hodierna sobre o l iberal ismo de Antônio Pedro de

Figueiredo, o fato é que ele foi considerado na sua época um social ista, e até o

declarou manifestamente.

A 31 de julho de 1852, am A União, o Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque

publ icava um art igo, respondendo a alusões feitas por Moraes Sarmento, em

discurso na Assembléia Geral. Neste art igo, Autran, então professor de Direito em

Olinda, dizia que o social ismo “ci fra-se na comunhão das mulheres e dos bens”.

Figueiredo, em 12 de agosto, através do Diário de Pernambuco, defendia o

social ismo desta pecha e desafiava de novo ao Dr. Autran a apresentar “um texto

social ista que apregoasse semelhante monstruosidade”. Fazia um apelo ao mesmo,

para que se mantivesse nos termos iniciais da discussão, e desse ao termo

“comunhão”o sentido verdadeiro, que ela tem para a maioria dos lei tores.

É, então que lhe vem a oportunidade para exprimir o que pensava ele por

social ismo:

“o social ismo não é uma doutr ina, a inda não passa de uma aspiração; mas esta asp iração

tende a re formar o estado socia l atual em prol do melhoramento moral e mater ial de todos

os membros da soc iedade”.7 3

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Mais ainda, Figueiredo l igava o movimento social ista às intenções dos princípios de

l iberdade e fraternidade.

Repl ica o Dr. Autran, sempre através de A União. Nesta répl ica, segundo

Figueiredo, pois não pudemos ler o original dos artigos do Dr. Autran, esse fez a

Figueiredo três objeções: a) a definição que Figueiredo deu de social ismo é

contraditória; b) é, além disso, uma definição cavilosa; c) e pergunta: qual é a

escola social ista à qual pertence Figueiredo?

Figueiredo vê-se, pela primeira vez em seus escri tos, urgido a colocar o problema

da relação entre seu modo moderno de pensar e o cr ist ianismo. Na carta que redige

aos redatores de A Imprensa expl ica que o Diário de Pernambuco não permit ia a

publ icação, na íntegra, de seu escri to, motivo pelo qual se dir igia a outro jornal.

Nela também há um trecho que abre para nós a possibi l idade de entrever, que a

posição de Autran, como se revelou em outras ocasiões da sua vida, era a posição

do defensor da tradição catól ica. Diz Figueiredo:

“Quando escrevi a correspondência inc lusa, tenc ionava seguir o Sr. Autran em qualquer

terreno a que levasse e le a d iscussão, supondo então que t inha a discut ir com um f i lósofo

e um economista; mas como meu adversár io t rouxe por arresto no seu úl t imo ar t igo o

concí l io provinc ia l de Par is e o venerável Pio IX, não querendo eu ter a sor te de Gal i leu,

del ibere i não prosseguir em tal questão”. (Anexo 5, nº 2)

Desafiado, Figueiredo não tergiversa. Reaf irma o que pensa sobre o social ismo.

Não é uma escola. Pelo contrário, há várias escolas social istas. Nenhuma delas,

porém, defende os pontos que Autran apresentou como comuns na doutr ina

social ista, ou seja: a reabi l i tação da carne; a satisfação plena dos nossos desejos,

paixões e fel icidade completa nesta vida; a negação do crist ianismo, da sua moral e

das suas promessas; a negação da propriedade individual e da famíl ia.

Como a f inal idade do nosso discurso não é desl indar se Autran ou Figueiredo t inha

razão, mas através desta polêmica, procurar compreender como Figueiredo se

radica, apesar da sua “modernidade”, na tradição cristã brasileira, atemo-nos a

acentuar os textos que nos levam, direta ou indiretamente, ao nosso intento.

“Nego redondamente que haja uma só destas af i rmações que seja comum a todos os

soc ial istas; e até d igo: . . . 3º que a imensa maior ia dos soc ia l istas, longe de negar o

cr ist ianismo sua moral e suas promessas, como afirmastes, pe lo contrár io, pretendem ser

os verdadeiros cr is tãos, os que procuram o re inado de Deus e da sua Just iça (gr i fo do

autor) .

“Pudera a este respei to mul t ip l icar as c i tações de Buchez, Pierre Leroux, V i l legardel le,

Simon Granger, H. Doherty e tc. : mas como tendes maior conhecimento dos falanster ianos,

e os acusastes par t icularmente de ep icur ismo, l imi tar -me-e i aos seguintes trechos,

extra ídos da úl t ima obra pub l icada por V. Considerant, atual chefe dos falanster ianos.

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“No Socia l ismo perante o velho mundo diz ele : ‘quando uma re l ig ião se formulou sobre

este dogma fundamental : — amai-vos rec iprocamente, e amai a Deus sobre todas as coisas,

– pode af iançar que está dada a def ini t iva fórmula rel igiosa da humanidade (p . 70) ’. Em

outro lugar da mesma obra (p. 24) assim se expr ime: ‘ao pr incíp io o socia l ismo moderno

julgava não proceder senão de s i própr io ou quando mui to da revo lução francesa; mas ao

estudar-se a s i própr io e a histór ia da f i losof ia e do cr ist ianismo, encontrou a sua or igem

na f i losof ia e no

cr ist ianismo’. Mais adiante (p. 205 e 212) ainda se lê o seguinte: ‘co loquemo-nos

sinceramente sob a invocação do Evangelho: reivindiquemo-lo em nosso favor, mostremo-

nos verdadeiros apóstolos da fraternidade. O socia lismo se ergue do meio dos povos, e

reivind ica para si o Evangelho e as puras tradições da rel igião dos f racos e dos

apr imidos’” .7 4

A segunda acusação que Autran faz a Figueiredo é que a definição que ele dera do

Social ismo era cavi losa, por ter di to que o Social ismo deseja o melhoramento moral

e material da humanidade. Defendendo-se, diz Figueiredo:

“O ideal de todos os social is tas é a rea l ização na ter ra dos grandes pr incíp ios de

l iberdade, igualdade e fra ternidade, revelados ao mundo há dezoito séculos pelo

cr ist ianismo, desse re inado de Deus e da sua Just iça , onde todos os bens são dados ao

homem, como d iz o apóstolo. (gr i fo nosso) Há divergências entre eles acerca dos meios de

real ização; mas todos são concordes na procura deste ideal” .7 5

Finalmente, respondendo à pergunta que lhe f izera Autran, escreve Figueiredo:

“Procurare i agora sat is fazer a vossa terce ira exigência.

“A fórmula geral da esco la soc ial ista a que pertenço, é a rea l ização progressiva do

pr incíp io cr istão da l iberdade, igualdade e fra ternidade, e fetuada sem vio lência , e por

meio de medidas apropr iadas às necessidades dos d iversos países. Talvez que na Europa eu

quisesse o desenvo lvimento integra l do pr incípio da assoc iação, na agr icul tura, na

indústr ia; em uma palavra: em todas as esferas de at iv idade humana. Entre nós julgo

prematura essa subst i tuição do poder socia l ao indivíduo, e tenho para mim que o est ímulo

da propr iedade ind ividual é o melhor incent ivo para acelerar a marcha da civ i l ização, ao

menos na esfera pr inc ipal, – a da produção; e por isso a mais urgente das nossas

necessidades socia is me parece ser o faci l i tar a todos o acesso à propr iedade terr i tor ia l .

“Sat is fe i tas destarte as vossas exigências, rematare i esta resposta com algumas ref lexões

de alguns pontos da vossa cr í t ica.

“Não acho apl icável à nossa civ i l ização atua l, nem mesmo ainda à européia essas fórmulas

de abol ição de cap ita l , v ida em comum, gra tuidade do créd ito e igualdade dos sa lár ios

(gr i fo no texto), que ci tastes com menosprezo; mas no meu entender, consideradas de uma

maneira absoluta, e sem apl icação prát ica na época em que vivemos, são marcadas com o

cunho da just iça eterna, e longe de serem, como dissestes, o socia l ismo abjeto e bruta l

(gr i fo no texto) , acham o mais poderoso apo io nos livros que servem de base à nossa santa

rel ig ião, e para prová- lo , ofereço-vos as c i tações seguintes”.7 6

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Cita, em seguida, Antônio Pedro, os Atos dos Apóstolos, S. Clemente papa, Santo

Ambrósio, São Gregór io, Lactâncio, S. Gregório de Nicéia, S. João Crisóstomo e o

Evangelho.

A esta altura da sua at ividade intelectual, tornou-se clara para Figueiredo a maneira

de integrar a “modernidade” da sua cultura, no velho cepo da tradição cristã. O que

antes parecera remontar às origens próximas da civil ização moderna cujos

princípios se cristal izaram na bandeira desfraldada pela Revolução Francesa, agora

se prendiam, em seu espír i to, a uma revolução bem mais anterior e mais profunda.

Os princípios dessa revolução anterior eram de uma radical idade tal, que dezoito

séculos não foram capazes de assimilá-los. A razão via, agora, o que, havia muito, a

fé anunciara aos homens. Tanto se tomarmos o princípio da l iberdade, como

Figueiredo fez no art igo de O Progresso, “At ividade humana” – como se tomarmos

o princípio da igualdade na fraternidade, – como o pensamento social ista utópico

acentuava, – levando-os às últ imas conseqüências, esbarramos com uma utopia, ou

seja, com algo que não tem lugar plenamente na terra. Figueiredo reconheceu isso

em O Progresso7 7; reconhece-o também agora.

E essa utopia, pode dizer, é a utopia cr istã. Mas aqui impl ici tamente, como lá

expl ici tamente, Figueiredo reconhece um papel à utopia. O papel de fazer a história

caminhar no sentido do mais: da mais l iberdade, da mais igualdade, da mais

fraternidade. O social ismo, portanto, pregando-a, não se torna abjeto e brutal, mas

tem uma função histórica de primeira ordem.

O segundo período, del imitado por nós para estudo do pensamento de Figueiredo,

termina com a superação do eclet ismo e a descoberta da mediação cristã, entre a

cultura antiga e a nova cultura. Cousin e Jouffroy podem ter parecido, num primeiro

momento, a solução de compromisso entre as luzes da razão e as exigências da fé

cr istã, arraigada na história do povo. Mas o teísmo e o espir i tual ismo deles não iam

além das conseqüências lógicas dos pressupostos racionais de suas posições. A

meditação f i losófica, porém, dos nossos pensadores deste período, part ia de uma

real idade viva e bem concreta que era a sociedade brasi leira a organizar, cheia de

contrastes e de virtual idades. Pois bem, é na meditação sobre esta real idade, que

Figueiredo reencontra, não o Deus dos f i lósofos e da razão apenas, mas o Deus do

Evangelho, cuja mensagem social vai mostrar como as profundas aspirações de que

se fez paladina a civi l ização moderna, encontram uma pré-existência para além da

idade das luzes:

“ao pr incípio o soc ia l ismo moderno ju lgava não proceder senão de si própr io ou quando

mui to da revo lução francesa; mas ao estudar-se a si própr io e a h istór ia da f i losof ia e do

cr ist ianismo, encontrou a sua or igem na f i losof ia e no cr ist ianismo”.7 8

Igual af irmação vamos encontrar em “A Carteira” sobre a própria Revolução

Francesa. Citando Lamart ine, Figueiredo transcreve trecho da História dos

Girondinos:

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“Gastare i (é o Cr ist ianismo quem fa la) dois mi l anos ta lvez em renovar os espír i tos, antes

de mani festar -me nas inst i tu ições. Mas v irá um dia em que a minha doutr ina sairá do

templo e entrará no conselho dos povos. Neste dia o mundo soc ial será renovado.

“Este dia, cont inua Lamart ine, t inha chegado. T inha sido preparado por um século de

f i lósofos cét icos em aparência, mas que cr iam na rea l idade.

“O cet ic ismo só se l igava às formas exter iores, e aos dogmas sobrenatura is do

cr ist ianismo; mas adotou- lhe com paixão a mora l e o sent imento socia l .

“Aqui lo que o cr is t ianismo chamava revelação, a f i losof ia chamava razão. As pa lavras

eram d i ferentes, o sent ido era o mesmo.

“A emancipação dos ind ivíduos, das castas, dos povos, der ivava igualmente do

cr ist ianismo. O mundo ant igo se emancipava em nome de Cr is to, o mundo moderno se

emancipava em nome dos d ire i tos que toda cr ia tura recebeu de Deus; ambos faziam

dimanar esta emancipação de Deus ou da natureza.7 9

Isso, porém, foi transcri to por Figueiredo em 1857. Estamos já no terceiro período

do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo.

TERCEIRO PERÍODO : A C ARTEIRA

l . Embora, teoricamente, pudéssemos af i rmar que, de 1852 até a morte de

Figueiredo, nós o podemos acompanhar, semana por semana, através do

“Retrospecto Semanal”, em o Diário de Pernambuco, na prát ica, é a part ir de

setembro de 1855, que vamos reatar o contato com ele, através do folhet im “ A

Carteira”. O “Retrospecto Semanal”, espécie de crônica da semana, oferece-lhe

pouca oportunidade para ref lexões pessoais, embora encontremos algumas. Em 24

de setembro de 1855, aparecia, pela primeira vez, “A Carteira”. No capítulo quarto

estudamos-lhe a natureza, as f inal idades e o conteúdo; este últ imo de uma maneira

global.

Como afirmamos atrás, no pensamento de Figueiredo, há uma constante que perdura

nos três períodos por nós apresentados. Essa constante del inea o pensador moderno,

preocupado com o momento histórico, que se lhe apresenta túrgido de

possibi l idades que não se podem malbaratar, um pensador voltado sobretudo para a

crí t ica social, consciente do papel que tem o intelectual no processo de

desenvolvimento de uma sociedade; um pensador aberto às correntes de pensamento

que se vão sucedendo.

É claro que, ao longo de uma vida, os períodos se sucedem também com novidades.

Talvez a novidade deste período se encontre mais na intensidade com que são

focados certos aspectos da vida, de preferência a outros, do que numa maneira nova

de ref let ir .

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Vamos, portanto, antes de tudo, mostrar como a meditação que caracterizou o

segundo período da vida de Antônio Pedro de Figueiredo, continua presente neste

terceiro.

Antônio Pedro de Figueiredo foi um pensador moderno, já o af i rmamos. Além de

outros aspectos que tal af irmação implica, e por nós já abordados, uma fé quase

juveni l no Progresso humano é a marca da modernidade. No segundo período, dos

escri tos de Figueiredo, esta característica se condensou até no tí tulo mesmo da

revista, que marcou os anos mais r icos da ref lexão f igueirense. Na “Exposição de

princípios”, há um como que ato de fé nos ideais que nortearão a equipe. Um dos

art igos desta fé é justamente este: “Fi lhos do século que vai andando, renegáramos

nossa origem, se não admirássemos o glorioso progresso das ciências”8 0. A par do

progresso cientí f ico, admiravam o progresso técnico, como provam os art igos

colocados sob a rubrica: Ciências f ísico-matemáticas.

Em “A Carteira”, a exaltação do progresso é uma espécie de “r i tornel lo“ Há dois

folhet ins dedicados quase exclusivamente a este tema: o de 7/6/1858 e o de

14/6/1858. O primeiro apresenta uma crít ica de Ratisbona ao l ivro pessimista de

Huzar, o qual predizia o f im do mundo, como conseqüência do progresso cientí f ico.

Figueiredo satir icamente inicia o folhet im da seguinte maneira:

“Vamos hoje comunicar ao le i tor a not íc ia de um terr ível per igo que nos ameaça: é não já

a destruição do mundo, queimado pela cauda inf lamada do cometa do cônego de Liège,

mas pelo seu aniqui lamento contra a árvore da c iência, sucesso este úl t imo predi to por M.

Eugênio Huzar : fe l izmente para nós, tr istes mor tais, o novo pro feta não f ixa a época desse

terr ível catac l isma universal. . . “Mas o autor (Huzar) se engana, e todo o seu s istema não

passa de uma hipótese engenhosa. Apesar de tudo quanto podem d izer aqueles que negam o

progresso e aqueles que nele acredi tam, assustando-se das suas úl t imas conseqüências,

como o Sr. Huzar, o homem sente em si um inst into invencíve l que o impele a modi f icar,

melhorar , sujei tar a terra, segundo o preceito d ivino.

“Ele não crê nesse r id ículo e miserável dest ino de uma humanidade condenada a subir , a

aper fe içoar-se incessantemente, para depois ro lar fatal e i r remediavelmente no abismo, e

recomeçar a inda e sem fim essa tarefa ingrata como a de Sísi fo. Crescer e perecer

sucessivamente, pode ser o dest ino dos povos, não o é de toda a humanidade, em cujo seio

os povos não são mais do que ind ivíduos. A caravana humana avança nos caminhos que ela

abre, obedecendo a uma voz secreta que lhe d iz: Progresso e aper fe içoamento! Debaixo

desse carro do progresso que e la conduz para d iante com trabalho e per igo, sem dúvida a

cada instante uma mul t idão de ví t imas,

ind ivíduos e povos, são esmagados e é conveniente lançar-se de quando em quando a esta

humanidade tr iunfante o gr i to melancól ico do escravo ao vencedor: ‘Lembra-te que és

humanidade’. Mas não se deve procurar fazer- lhe medo, não se conseguirá embarga- la, até

o d ia em que os seus dest inos forem real izados, ao menos neste mundo, e em que Deus

ext inguir o nosso globo terrestre, como os ast ros que se apagam nos campos do céu”.8 1

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O final do folhet im é meio lépido. Antônio Pedro de Figueiredo imagina o mundo a

terminar no excesso da técnica, não por desastre, mas por tédio. Dado o caráter

lépido do f inal, podemos af irmar não haver nenhuma crít ica negativa à técnica,

como destruidora dos outros valores. Há uma hipérbole na colocação do tema, para

r idicularizar o arrazoado de Huzar.

No folhet im seguinte o de 14/6/1858, o tema do progresso volta, e ocupa quase todo

o folhet im. Somente que agora não se trata de progresso técnico, mas de caráter

polí t ico. O tí tulo já esclarece a temática: “as tendências do século da polí t ica”.

Escreve Figueiredo:

“Debaixo desta confusão do tempo e da mor te, de doutr inas e idé ias, de recordações

simpát icas e tr is tes, da vida que se consome, e da v ida que começa, existe um pr incípio

imutável eterno, que nunca se acaba, que nunca morre: é a le i suprema do progresso, que a

despeito de tudo sempre cont inua sua marcha tr iunfante sobre as ruínas do passado.

Mas no f im da carreira da geração que se ext ingue, e no pr incíp io da geração que começa

encontram-se a lguns

ind ivíduos, que ainda vagam por a lgum tempo sobre o mundo agitado, como nadadores

sobre o oceano. Estes raros indivíduos, que personif icam o passado que se va i f indar,

depositár ios inf ié is do precioso tesouro da civ i l ização, incapazes de o fazer frut i f icar, se

obst inam, e não o querem entregar aos homens do futuro”.8 2

Figueiredo recorda que isso se dá sempre, mais ainda na polí t ica. Recorrem os

opositores do progresso a intr igas e calúnias e geram ódios e guerras. Manifestou-

se no Parlamento inglês em 1788. Chegou até nós essa tendência que procura

manter viva uma fase da história que acabou em 1831 e que já é “passado”.

“Ora, o tempo dessa oposição capr ichosa já passou. O espír i to vigoroso do século está

acima da inf luência efêmera de alguns homens. Depois de Vo lta ire e Rousseau, nenhum

homem se pode l isonjear de ter empunhado o cetro dos espír i tos. Como Ar is tóteles e

Platão, eles div id iram entre si , por mui to tempo o reino das inte l igências, mas sua missão

f indou-se, no pr imeiro quar te l desse século. O segredo do futuro não lhes per tenc ia”.8 3

Após mostrar como uma nova cultura se elaborou, forjada com a contr ibuição dos

progressos das ciências; que a revolução industr ial modif icou a maneira de viver;

após recordar os saudosistas franceses em polí t ica, incapazes de representar os

interesses nacionais, Figueiredo passa a anal isar a si tuação do Brasi l .

“Entretanto, cumpre repet ir a esses homens das lutas meramente pol í t icas, que através

dessa atmosfera espessa e confusa do passado, apareceu a idéia nova do futuro, e surgiram

problemas reais e posit ivos, que foram estabelecidos em caracteres de fogo. É verdade que

nesta nova fase soc ia l em que entramos ainda há confusão, prec ip i tação e impaciênc ia.

Mas quem tentar ia embargar a torrente das a lmas para a luz? “Como as l ínguas de fogo da

escr i tura, novas palavras se co locaram sobre as nossas cabeças: assoc iação, garant ia,

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socorros mútuos, ext inção da misér ia e tc. etc . ; e is a glór ia do tempo em que v ivemos, o

caráter que assina la a nova geração, a tendência deste século”.8 4

Encontramos aqui a pena e o espír i to do mesmo escritor que, em O Progresso, fez-

se arauto de reformas sociais, a despeito da teimosia de aqueles que preferiram

discutir os aspectos formais das inst i tu ições l iberais, antes que a urgente

necessidade de colocar bases sól idas, em a nossa organização social, como já

defendera Figueiredo.

Nesses dois art igos, encontramos uma apologia teórica do progresso; mas, em

muitíssimas outras ocasiões, Figueiredo vol tará sobre o mesmo tema, ao tratar, por

exemplo, das estradas de ferro, do telégrafo elétr ico, dos meios para apagar

incêndio, da fotograf ia, da melhoria no fabrico do açúcar e no plantio da cana, da

viação aérea etc.

6. 2. Na l inha do reformismo social, encontramos Figueiredo, na mesma ati tude

assumida em O Progresso: at i tude crít ica diante dos males que a indústr ia e o

individual ismo econômico t inham gerado. Além de af irmações espalhadas, cá e

acolá, encontramos estes folhet ins: 17/12/1855: O pauperismo e a mendicidade;

24/3/1856: a colonização estrangeira para o Brasi l ; 14/4/1856: industr ial ismo

individual ismo, concorrência, protecionismo; 1/9/1856: lei elei toral por distr i tos, e

bairr ismo; 21/12/1857 e 28/12/1857: pauperismo e inst i tuições de caridade.

Colocamos no Anexo 27 o folhet im, talvez mais signif icat ivo, o de 10/8/1857. Pela

lei tura dele vemos como Figueiredo continua pleiteando uma reforma, dentro dos

quadros inst i tucionais vigentes.

Há um progresso na at i tude de Figueiredo; é com relação à escravidão. O assunto

não foi venti lado em O Progresso. Agora sim. Figueiredo passa à defesa aberta do

escravo, contra os interesses dos escravocratas.

Em “A Carteira” de 22/10/1855, escrevia inf lamado:

“Ri f leman, – apesar das tuas asas metál icas impel idas pe la força dos teus duzentos

cavalos, apesar de toda a tua v igi lânc ia, sempre foste i ludido; mas consola-te, o navio do

tra f icante fo i agarrado pelas autor idades brasi le iras, e cento e sessenta afr icanos, que

vinham servir de gado humano, não serão vend idos, nem comprados, nem mut i lados como

uma co isa inanimada, f icarão l ivres como nasceram, e, temos para nós que o transgressor

da le i , mais cedo ou ma is tarde, será punido pelo seu egoísmo.. . ( recorda que o Brasi l em

1827 se comprometera a acabar com o t rá f ico de negros, e cont inua): Entretanto esta

obr igação magnânima, contraída perante todas as nações do mundo, e insp irada pela

f i losofia e pelo cr is t ianismo, fo i v io lada durante alguns anos pela cob iça e pelo desejo de

alguns ind ivíduos sedentos de ouro. . . Mas fe l izmente para honra do caráter nacional e

como um testemunho de veneração humanitár ia às verdades enunciadas do al to do Gálgota,

os nossos convênios para a abol ição defin i t iva do trá f ico se tornaram uma real idade depois

de 1850 em d iante. . . (após e logiar o governo brasi le iro que se tem

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esmerado para ext ingui r o trá fego, cont inua:) Mas não basta que a governa pare neste

ponto; cumpre que proporcione os meios de subst i tu ir o trabalho escravo pelo t rabalho

l ivre . Que procure ext inguir essas re l íquias vergonhosas da escravidão, esse labéu da

civi l ização moderna”. . .8 5

O problema do tráf ico de escravos já fora abordado por Figueiredo no “Retrospecto

Semanal” de 21/3/1853. Nele Figueiredo ataca o mal pela raiz. É preciso acabar

com a mental idade escravocrata, tão arraigada no brasi leiro, mediante uma

reeducação do povo.

“Qualquer, porém, que passa ser essa medida.. . parece-nos que não poder ia e la ser bem

sucedida, se não for acompanhada mui de perto das seguintes circunstâncias: 1) uma

propaganda mui to especial , genera l izada e at iva, que abra as olhos ao nosso povo, destrua

as seus prejuízos em favor da escravidão, e lhe faça ver c laramente os grandes males de

que e la é causa pr imár ia. 2) uma concessão de vantagens e interesses muita reais e

posi t ivas a toda aquele que denunciar um contrabando de negros, ou concorrer para

apreensão destes, e captura dos cr iminosas”.8 6

6.3. Apesar de colocar o dedo na chaga, apesar de reconhecer os males existentes,

Figueiredo continua, fundamentalmente, um otimista. Eis o que escrevia no

“Retrospecto Semanal” de 21/4/1856:

“Tudo indica que as sociedades modernas vão caminhando para uma nova fase de just iça

dis tr ibuída em favor dos deserdados da for tuna. Parece que já é chegada a hora de fazer

just iça às egoístas e absurdas teor ias do governo úlcera (s ic) f i lho do fatíd ico pr incíp io da

la issez-fai re, la issez-passer. Com efei to, os governos já vão compreendendo que a sua

tarefa não se l imi ta à estér i l missão de cruzar as braços e observar impassíveis o

desenvo lvimento anárquico da at iv idade humana, intervindo somente nos casos de

conf l i tos e sem procurar d ir igir em um sent ido proveitoso e benéf ico a força com que Deus

nos doutou em bem da camunhão, e pr inc ipalmente daqueles que foram pr ivados dos meios

de for tuna.

“Em todas as par tes do mundo, os homens revest idos do caráter de governar os povos

apl icam grande fração da sua intel igência em melhorar ou remover as tr is tes condições em

que se acham os governados.. .

“Esta tendência, f i lha incontestavelmente do cr is t ianismo e da c ivi l ização moderna, posto

que um pouco lenta, também já se va i mani festando entre nós”.8 7

Outro trecho ot imista:

“Dizem que o nosso tempo não é o tempo da poesia, como se porque o vapor sopra,

ninguém pudesse mais cantar. Ora, a indústr ia não se deve impor tar com a poesia.

“Esta é imor ta l como as decepções e esperanças da humanidade. E, por ventura, já não

exist i rá a humanidade em nosso tempo? E se existe, não deverá a poesia suavizar - lhe as

dores, al ige irar - lhe o presente e dourar - lhe o porvir?

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“O d ia em que a poesia já não t iver nada que fazer , no mundo, será verdadeiramente o

úl t imo dia, e quando já se não cantar é porque o mundo se terá tornado surdo e mudo.

Assim, pode-se dizer que se a lgumas vezes os Poetas fa l tam, a poesia nunca fa l ta”.8 8

Sobretudo Figueiredo é daqueles que não esposa a concepção pessimista de que a

história e o progresso só podem ser fei tos em favor de uma el i te, com a

marginal ização das massas. No folhet im comemorativo do primeiro aniversário de

“A Carteira” dá-nos ele uma página perpassada de poesia. É um ato de fé no

progresso, mas no progresso para todos. Ei-la:

“As questões sociais e polí t icas do nosso país e do estrangeiro também hão merec ido a

nossa atenção, e, como não acred itamos na misér ia eterna da humanidade, temos

proclamado a fel ic idade do povo nos nossos sonhos de futuro.

“Dizem que sempre haverá infel izes. . . ( re t icênc ias do autor) . Temos fu lminado semelhante

blasfemia contra a imensa bondade de Deus e da sua onipotênc ia.

“Com efei to, para quem serão os frutos dos vergéis, as f lores dos campos, os produtos da

indústr ia. Dar-se-á que uma parte da humanidade se deva o ferecer a outra em perpétuo

holocausto?

“Todo aquele que vem ao mundo tem os mesmos d ire i tos à fe l ic idade, isto é, ao trabalho,

ao l ivre desenvolv imento das suas faculdades, à justa re tr ibuição dos produtos da

inte l igência. Se a lguns homens são l ivres e fe l izes, todos podem e devem sê-lo. Só há

possib i l idade de progresso com esta condição: af i rmar o contrár io, é negar a inte l igência

geral , o gênio dos grandes homens, a per fe ição universal da Providência.

“Se não est ivéssemos int imamente convencidos da bondade nat iva do homem, da sua

soc iabi l idade, da unidade de sua inte l igência, das suas necessidades e dos seus desejos,

pedimos a Rousseau suas f lorestas, a Bruto sua espada, à terra um túmulo. . . ( ret icênc ias

do autor) . Lançar íamos um olhar de desprezo sobre os monumentos f i losóf icos do passado,

sobre as t radições de glór ia e de l iberdade que nos legaram nossos pais, sobre as belas

cr iações da arte e os imensos trabalhos da indústr ia .

“E de que servir ia tudo is to, se a humanidade deve agi tar -se eternamente no vácuo e num

circulo fatal? Não desesperamos! Santa esperança! Abóboda estre lada do f i rmamento!

Presc iênc ia infal ível de dias melhores, de alegr ias inefáveis e de uma idade de ouro eterna

que Deus nos reserva sobre as plagas embalsamadas do futuro, tu és metade da vida.. .

(após recordar a guerra da Cr iméia, d iz que a humanidade, contudo caminha para a paz;

elogia a indústr ia e cont inua:)

“Abandonemos, pois, essas lutas sangrentas, esses torneios estéreis. Só há um povo sobre

o globo, uma famí l ia em uma nação, bem como só há um so l em o nosso turb i lhão, e uma

Providência no universo. “Seja o amor, a fé, a unidade o único laço que nos l igue; e como

Samari tanos da sociedade humana procuremos beber a nossa consolação na fonte da

harmonia e do futuro. Eis o voto, a imagem herá ld ica da nossa bandeira, o hino de

engrandecimento, que no dia do seu pr imeiro aniversár io envia a nossa pobre Car tei ra aos

seus simpat izantes. . .8 9

É uma página inf lamada, que poderia ser considerada entusiasmo momentâneo, se

ela não se encastoasse numa cadeia de outras af irmações e, sobretudo, se ela não

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brotasse da pena de um homem, que, com igual acuidade, foi capaz de anal isar os

males da sociedade em que viveu. Às vezes até parece que Figueiredo chegou a

formular bem clara a diferença entre males estruturais, para os quais é preciso uma

cirurgia radical, e males provenientes do mal funcionamento de uma estrutura em si

boa. No f inal de 1855, precisamente no dia 17 de dezembro, Figueiredo fazia uma

dist inção entre o pauperismo e a mendicidade. Esta é algo de sanável, com medidas

relat ivamente fáceis. Aquele é um mal, para cuja solução não basta a vontade do

homem indivíduo, ou de um determinado grupo, nem mesmo do governo.

É uma página lúcida na anál ise. Pena que a vida de Figueiredo, sendo a de um

jornal ista e professor que deve lutar no dia a dia das obrigações prof issionais, não

lhe tenha dado oportunidade para levar às últ imas conseqüências a sua intuição.

Dois folhet ins vão ainda tratar do pauperismo, o de 21/12/57 e 28/12/57. Nenhum

deles, porém, explora esta dist inção entre mendicidade e pauperismo.

Eis, l i teralmente, o que escreveu ele:

“Co isa s ingular ! quanto mais a civ i l ização e as artes industr ia is se desenvo lvem, quanto

mais cresce o número das necessidades do homem, e quanto mais por conseqüência se

aumenta o número dos pobres. Dar-se-á caso que o progresso, que a propagação das luzes

seja uma punição que Deus inf l ige ao homem? Será o futuro das sociedades uma dor

eterna, um mal sem reparação? Este melancó l ico problema tem agi tado vár ios pensadores,

e produzido mi lhares de utopias generosas, de soluções efêmeras, que hão ocasionado

momentos de convulsão e de cr ises amargas entre os povos modernos. Mas por maiores

que sejam os esforços que os governos prat iquem para embargar os gr i tos das classes

pobres, a causa real cont inuará a exist i r , e só uma medida radica l poderá ext inguir esta

calamidade f i lha dos tempos modernos. Assim o pauper ismo é um fato real, estranho à

vontade do homem, fa ta l f i lho da organização socia l; ao passo que a mendicidade, o estado

daquele que pede esmola, é ordinar iamente um fato humano, e tem por causa a preguiça e

a fal ta de trabalho”.9 0

A exegese desse texto tem de tomar em conta o que atrás f icou dito, a respeito de

seu ot imismo, e que é cronologicamente posterior. Pode-se, então, concluir que as

interrogações do texto são est i l íst icas, e supõem uma resposta negativa. O que

Figueiredo visa é mais acentuar a viabi l idade imediata para certos problemas que

assolavam Pernambuco e, sobretudo, o Recife. O certo é, porém, que f icava

formulada, de maneira clara, a problemática das reformas de estrutura.

Para terminar esta série de contatos com Figueiredo, através de textos de A

Carteira que ref letem sua fé no progresso, coloquemos este últ imo, escri to como

fecho do ano de 1855:

“Temos passado por provações dolorosas, mas este per íodo de sofr imentos será transitór io

e efêmero, po is que uma bondade suprema regula o nosso dest ino.

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“Só o bem é absoluto; só ele é necessár io. O mal no mundo é um acidente, é por isso que

ele será incessantemente venc ido. Ao passo que as vi tó r ias do bem são def in i t ivas, as

derrotas do mal são ir revogáveis”.9 1

6.4. O que há de novo no pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo, neste

período? Antes de tudo, uma superação defini t iva do eclet ismo. Cousin e Jouffroy

não são mais recordados. Um pequeno detalhe; porém, mui signif icat ivo. Em

outubro de 1847, na revista O Progresso, Figueiredo fazia uma apreciação do Livro

do Povo, da autoria de Lamennais. A certo ponto escrevera:

“O dest ino do homem neste mundo (segundo Lamennais) é aproximar-se o mais possível de

Deus, desenvo lvendo todas as suas faculdades.. . “Deste pr incípio Lamennais t i rou

pr imeiramente o dire i to e o dever, de acordo neste ponto com Th. Jouff roy e os f i lósofos

da nova escola (gr i fo nosso), e reconhece que em substância só há para o homem um único

dever. . . ”

Em “A Carteira” de 21/7/1856, como já vimos atrás, esse art igo vai ser transcri to.

Chegado ao ponto supramencionado, Figueiredo modif ica, assim, a frase que faz

referência a Jouffroy:

“Deste pr incíp io Lamennais t i rou pr imeiramente como todos os f i lósofos (gr i fo nosso), o

d irei to e o dever e reconhece que em substância, só há para o homem um único dever”.9 2

A modif icação é mínima, mas nos mostra que Figueiredo já não considera

importante apoiar-se na autoridade de Jouffroy; e terá, quem sabe, reconhecido que

a tese deste não era tão nova e tão original , mas remontava a uma longa tradição

f i losófica.

Sem dúvida, a temática central das ref lexões de Figueiredo concorda com aquela de

Jouffroy. Para Jouffroy ela se exprime em termos de: “o destino do homem”. Todas

as ref lexões de Mélanges Phi losophiques encaminham-se para os dois últ imo

números que são: “Le problême de la destinée humaine“. O problema retorna

sempre, com facetas diferentes, tanto em Nouveaux mélanges phi losophques, como

no Cours de droit naturel. Jouffroy conta para nós em Nouveaux Mélanges

Phi losophiques, na parte que se int i tula: “De l ’organisat ion des sciences“, a

história da sua infância cr istã, da perda de fé, da procura angustiante para obter o

sentido da existência, e da vitór ia defini t iva, quando consegue ele reformular, não

mais à luz de uma rel igião tradicional, mas à luz da razão, quase todos os valores

admit idos em criança. Resume em sete pontos fundamentais toda a problemática

f i losófica, respondida a qual, se estabelecia a paz em sua vida.

“En premier l ieu, tout homme désire savo ir pourquo i i l est ic i bas, à quel le f in, dans quel

but : car i l est l ibre, et comme tel i l sent responsable de sa conduite. . .

“En second l ieu, tout homme se demande et désire vivement savo ir si toute son existence

est renfermée dans les l imi tes de cette v ie : car i l sent en lu i une foule de désirs et des

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facul tés que cette v ie ne contente pas, e t i l s ’estimerai t t rés malheureux, e t ce lui qui la

fa i t t res injuste, s i sa dest inée devai t être de ne jamais atteindre à ce bonheur, a cet te

per fect ion dont i l a l ’ idée.. .

“En tro isiéme l ieu, tout homme veut a l ler p lus lo in, e t savoi r encore, en supposant qu’ i l y

ai t une autre v ie, quel le sera cette autre v ie, s i e l le sera immortel le ou l imi tée.. .

“En quatr iéme l ieu, tout homme veut savoir qui l ’ a fa i t , qui a fa i t ce monde qui

l ’enveloppe.. . “9 3

Como se vê, das sete questões fundamentais, quatro dizem respeito ao que, na

f i losofia tradicional, se colocaria entre as questões de fundo teológico, quer fossem

tratadas na teodicéia, na antropologia ou na moral.

Ora, em nenhum escr i to de Figueiredo se nota a mínima preocupação por esta

problemática. Quando ele coloca a questão do destino do homem, ou melhor, do

sentido do progresso, esta questão tem uma dimensão puramente histórica. Quer

saber Figueiredo como encaminhar a história, como organizar a ordem social, para

que ela responda aos desejos de fel icidade do homem e aos imperat ivos da just iça.

As perguntas de Joutfroy não urgem para Figueiredo, porque ele as t inha resolvido

pela fé cr istã.

A adesão a Joutfroy e a Cousin, na primeira parte da sua at ividade intelectual foi

uma adesão de entusiasmo, segundo testemunhos da época. Por quê? À luz da

documentação que temos em mão, só uma resposta nos é possível. Porque, ambos,

Cousin e Jouffroy fa lavam uma l inguagem moderna e transmit iam um quadro

moderno de referência cultural que vinham se casar com as convicções de

Figueiredo. Mas não chega a ser uma adesão que implicasse ruptura com o

Crist ianismo. De fato, para Cousin como para Joutfroy, o cr ist ianismo é uma etapa

na história humana; etapa respeitável, mas que será superada por uma outra: a idade

da razão, na qual a f i losofia preencherá todas as necessidades do coração humano.

Após enumerar os sete pontos fundamentais que o homem se coloca, Jouffroy

concluia:

“En les envisageant dans leur ensemble, je me convainquis, si j ’ava is des réponses à ces

quest ions, mon ame rentrerai t dans un repos par fai t. . .

” l l y ava it donc ce rapport entre la phi losophie et mes quest ions, que mes quest ions éta ient

comprises dans l ’objet de cet te sc ience, e t que cette sc ience étai t b ien cel le à laquel le je

devai t m’adresser pour en obtenir les lumiérs que je cherchais. J ’ava i t donc pr is le bon

chemin, dans mon doute, en me jetant de ce côté; c ’é ta i t à la phi losophie que j ’ava is

af faire, e t d ’e l le que j ’ava is à t i rer les so lut ions qu’ i l me fa l la i t ” .9 4

Com relação ao Crist ianismo sentencia Jouffroy:

“Les événements sont si absolument déterminés par les idées, et les idées se succedent e t

s ’enchaînent d ’une manière s i fa ta le, que la seule chose dont le phi losophe puisse être

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tenté, c ’est de se croiser les bras et de regarder s ’accomplir des révolut ions auquel les les

hommes peuvent si peu. C’est par une lo i nécessaire qu’une doctr ine se produit ; c ’est par

une lo i nécessaire qu’el le passe, quand sa mission est terminée. Cel le du chr is t lanisme me

semble avo ir é té d ’achever l ’educat ion de l ’humanité, e t de la rendre capable de connaître

la vér i té sans f igures et de l ’accepter sans aucun t i t re que sa propre évidence”.9 5

Cousin pensa da mesma maneira; al iás foi na escola dele que se formou Jouffroy: –

Pois, bem, para Figueiredo o Crist ianismo era uma rel igião revelada. Colocava-se

em outro plano.

6.5. Da época de adesão a Cousin e a Jouffroy, quase nada temos de Figueiredo, a

não ser a apresentação da obra de Cousin, por ele traduzida. Da época de O

Progresso, na série de art igos que anal isamos, encontramos, sem dúvida, um

esforço para fundar uma ref lexão em bases modernas. Na l inguagem desaparecem

por completo referências a um esquema rel igioso, como interpretat ivo das

real idades estudadas. Na disputa sobre o social ismo, começam a aparecer

referências ao Evangelho e aos Padres. No período de “A Carteira”, essas

referências se mult ipl icam. Vamos apresentar algumas à maneira de exemplo.

Comemorando o Natal de 1855 escrevia Figueiredo:

“No momento em que Augusto desfechava o úl t imo golpe no pr incípio da l iberdade e

igualdade, nascia em Belém o Cr isto , – o tr ibunal universa l dos Povos, o grande

representante sobre a terra da igualdade e da l iberdade o qual, depo is de ter p lantado a

cruz para serv ir de l imi te a dois mundos, se de ixa atar a essa cruz, e ne la morre símbolo,

ví t ima e redentor dos sofr imentos humanos.

“Desde Adão até Cr is to é a sociedade com escravos, com a desigualdade dos homens entre

si ; desde Cr isto até nós é a sociedade com a igualdade dos homens entre si , a igualdade

soc ial do homem e da mulher, é a igualdade sem escravos, ou ao menos sem o pr incíp io da

escravidão, é o pensamento redentor e messias do futuro do gênero humano” .9 6 (sic)

Podemos af irmar que entre o teísmo de Cousin e de Jouffroy, de um lado, e o

teísmo de Figueiredo, do outro, há uma l inha divisória que se chama Cristo.

E a aceitação do Cristo, expl ici ta ou implici tamente, impl icava a aceitação da

revelação, ou seja de um plano diverso de conhecimento e de atuação.

Não é possível transcrever todas as referências ao caráter pecul iar do Crist ianismo,

que saem da pena de Figueiredo. Eis como escreve em “A Carteira” de 22/6/1857.

“Se o cr is t ianismo não se apresentasse a nós com todos os caracteres div inos que o seu

div ino fundador lhe deu, seríamos obr igados a at r ibuir - lhe uma or igem d ivina, em razão da

per fei ta harmonia que e le estabeleceu entre Deus e o homem; e da per fe i ta conveniênc ia

que tem com a natureza do homem as relações que formulou entre estes do is extremos da

cadeia dos entes”9 7.

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Falando do culto dos mortos, após recordar sua universal idade na histórias dos

povos, termina:

“A revelação, d issipando todos os erros conf irmou essa crença subl ime, inata, que é a

fonte da mora l, e a co locou na a l tura de um dogma, de uma verdade ir recusável ” .9 8

No “Retrospecto Semanal” aparecem apreciações denunciadoras de uma

irrel igiosidade perigosa. Após comentar o suicídio de José Alves da Costa, 36 anos,

e após dizer que se discute muito se o suicídio é sempre fruto de anomalia psíquica,

Figueiredo aproveita para a seguinte ref lexão:

“. . . então devemos procurar a causa da sua freqüência, nos tempos modernos, nesse

cet ic ismo universa l e nessa re laxação de todos os laços sociais, que por toda a parte se

mani festam, por glór ia da l i teratura, que os fomenta. Assim d iz o poeta:

Quand on a tout perdu

Quand i l n ’a p lus d ’espo ir ,

La vie est un opprobre,

La mort est un devoir .

“E adeus anátema da re l igião, adeus sagrados deveres e prec iosos laços de famí l ia, que

vós nada sois, e nada va leis, em presença desse heroísmo cego e indomável do f i losof ismo

de Rousseau e seus sectár ios”.9 9

Neste terceiro período, portanto, Figueiredo chegou a fazer a síntese entre o

moderno de seu pensar e a cultura cr istã do seu povo, a qual plasmara a ele mesmo,

nos anos da infância e da juventude, como podemos supor tranqüi lamente.

Nos escri tos aparecem, congeminados, Crist ianismo e Civi l ização Moderna,

Crist ianismo e Fi losofia. É assim que af irma ser, a tendência para a just iça

distr ibuída “f i lha incontestavelmente do cr ist ianismo e da civi l ização moderna”,

(cf. p. 173) que a ext inção do tráf ico de escravos foi “ inspirada pela f i losofia e

pelo cr ist ianismo” (cf. p. 172). Note-se que, pelo contexto, a palavra “f i losofia” se

refere àquela que produziu o lema: l iberdade, igualdade e fraternidade.

Podemos af irmar que a conci l iação entre o pensamento cristão e o pensamento

moderno, nos escri tos de Figueiredo, não se faz através de uma confrontação direta

e teórica mas prát ica e implíci ta. No seu comportamento como escri tor cr istão, qual

se revelou sobretudo a part ir de 1852, escri tor bastante l ivre para cri t icar os erros

de sua época, inclusive os do clero, está sempre subjacente esta convicção: nada do

que realmente é bom, verdadeiro e humano, nas conquistas da humanidade, pode ser

contra o Crist ianismo verdadeiro. Antes, o Crist ianismo está na raiz mesmo do “

moderno”, naqui lo que ele tem de vál ido.

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Colocando-se em uma at i tude prát ica e não te6rica, o que preocupa a Figueiredo são

os temas sociais. Se em O Progresso tentou para eles uma fundamentação leiga, a

part ir de 1852 já não lhe é problema fundamentá-los também nas teses cristãs, que

reconhecem no homem uma criatura, um f i lho, um redimido. Chegara à convicção

que podia ser cr istão e ser moderno. Podia então sonhar, sem medo de cair no

r idículo, o sonho-f icção-l i terária com que encerramos este capítulo:

“Eu sonhava!. . . . . .

Sonhava na cultura dos homens, nasc ida da at iv idade industr ia l , das ciênc ias e das artes, –

sob o p lano subl ime da Providência, ensinada pelos pro fetas da harmonia universa l,

depositár ios sagrados de todas as esperanças, de todos os votos, de todos os

pressent imentos do futuro, s ímbolo de um reinado ideal, – fórmula suprema da soc iedade

humanitár ia.

Sonhava nesse sub l ime inst into do gênero humano, que o conduz incessantemente a uma

assoc iação unânime de amizade e amor f raternal, em que o pobre e o enfermo, o fraco e o

opr imido, o escravo e o servo, encontrarão um dia a dedicação sagrada de almas ternas e

corações s inceros.

Sonhava nesse hino glor ioso de harmonia, entoado por toda a humanidade, marchando para

a conquista de todos os obstáculos que a natureza inanimada ainda levanta à at iv idade e

inte l igência do homem.

Sonhava o desmoronamento das montanhas, nos t r iunfos esplêndidos da c iv i l ização sobre o

tempo e o espaço – na unidade cosmopol i ta de todos os povos, repar t indo o globo entre si ,

segundo os santos pr incípios da just iça dist r ibut iva. Sonhava na cr iação da l íngua

universal , mais bela e mais poét ica que as l ínguas de Homero e de Cícero, eco sonoro de

um único povo, de uma única raça.

Sonhava e via o templo augusto e suntuoso da cr iação terrestre , anunciado, pregado,

ensinado pelos pro fetas, pelas v irgens, pe los apósto los, pe los anjos, pelos santos, onde só

reinava a harmonia, o amor, a amizade, – onde morava a l iberdade, tr iunfavam as crenças,

– e Cr isto, único soberano, dominava toda a humanidade, sob o santo dogma da igualdade

e fraternidade. Sonhava e v ia Pernambuco, minha cara pátr ia nata l , cercado de uma

auréola imor ta l , indíc io anunciador de uma prosper idade magní f ica.

E v ia o seu por to cheio de navios de todas as nações, que, atraídas pe las vantagens

proporcionadas pela ext inção absoluta de qualquer industr ia is, as r iquezas fabulosas de

nosso so lo abençoado. Sonhava e via a ausência completa do pr incíp io da escravidão, esse

cr ime consagrado pela geração atua l, e a subst i tu ição do trabalho escravo pelo l ivre e

espontâneo desenvolv imento da at ividade humana.

Via todo o solo sulcado de estradas, e em todas as suas partes um vest ígio impresso pela

mão do homem. Via as margens dos nossos r ios l igadas umas às outras, por meio de pontes

magní f ícas. Via a nossa cidade cingida de cais sol idamente construídos.. . ”1 0 0

e continua, descrevendo o Recife que ele sonhava.

A síntese entre o progresso da indústr ia e a paz messiânica, qual se imagina neste

sonho-f icção, revela uma at i tude que poderíamos chamar de l ibertação dos

esquemas sacrais da Idade Média.

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Agora é possível um pensamento l ivre, para pesquisar a verdade; onde quer que ela

se encontre, aí a fé encontrará al imento.

Agora é possível ser c idadão do Reino e da terra.

Agora é possível fundamentar a ciência no fato, como fato, sem trair a fé na

Criação.

Agora é possível agir e contemplar!

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CONCLUSÃO

No f inal do nosso trabalho, um olhar retrospectivo sobre o caminho percorr ido,

permite-nos aqui latar o que pudemos obter da nossa pesquisa, deste nosso esforço

para colocar-nos em contato, com o conjunto das obras de Figueiredo.

Antes de tudo, precisamos, com a lei tura de “A Carteira”, aqueles art igos de O

Progresso que podem, com certeza, ser atr ibuídos à pena mesma de Figueiredo.

Resta ainda a desvendar os nomes que se escondem sob algumas letras, com as

quais são assinados outros art igos de O Progresso. Quem sabe não ande também por

aí o trabalho pessoal do redator-chefe desta revista, que muito honrou o Recife nos

meiados do século passado? Verdade é que, se isso acontecesse, aumentaria, sem

dúvida, o apreço pela envergadura da laboriosidade de Figueiredo; não mudaria,

porém, em nada, a interpretação do seu pensamento.

De nossa pesquisa, emerge Figueiredo como representante t ípico do homem culto,

que, num primeiro momento de sua at ividade intelectual, encontra em Victor Cousin

e Teodoro Joutfroy, f iguras eminentes do eclet ismo, a solução para as posições

extremadas entre o empir ismo e o racional ismo. Este extremismo era uma herança

européia do século dezoito, a qual, ainda que tardiamente e com tônica nacional,

não deixou de inf luir sobre a intel igência brasi leira.

Foi uma adesão entusiást ica, como nele atestam os art igos que apresentam a

tradução do Curso da História da Filosofia de Cousin, por inic iat iva e trabalho

pessoal de Figueiredo. Foi uma adesão que contaminou também outros jovens

pernambucanos, entre os quais evidenciamos a pessoa de Antônio Rangel de Torres

Bandeira.

Sem dúvida, em base à documentação que pudemos ter em mãos, ainda não f ica

muito claro o grau de engajamento de Figueiredo com a doutr ina daquele que lhe

mereceu a alcunha de Cousin Fusco. A formação do eclet ismo em Pernambuco é um

campo ainda aberto à pesquisa.

Na época da publ icação de O Progresso, Figueiredo mostra-se numa fase de

elaboração pessoal, assumindo inclusive at i tude crít ica diante de Cousin, o que

acarretou para ele uma polêmica, registrada nas páginas da sua revista com o

“Discípulo da Fi losofia”.

Figueiredo é, então, um arguto crí t ico, bastante aberto para ouvir as vozes de

reforma social que se fazem ouvir, sobretudo da parte dos socialistas utópicos, de

cuja l i teratura se acha bem informado. De tal maneira encarna os ideais reformistas

que autores como Gi lberto Freyre, Amaro Quintas, Vamireh Chacon e Nelson

Nogueira Saldanha o classif icam como um social ista. Já Vicente Barretto prefere

colocá-lo entre os reformistas sociais, que surgiram no seio mesmo do l iberal ismo.

Não foram, porém, s implesmente as doutr inas exógenas que determinaram sua

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ati tude; elas tiveram um papel e importante. Foi, contudo, o contato com a

real idade brasi leira, em geral, e de Pernambuco, em especial, que marcou a ref lexão

f igueirense. Os que até hoje o estudaram não se cansam de f r isar o senso do

concreto que permeia qualquer reivindicação feita por ele.

Da nossa parte, a produção l i terária de Figueiredo nesta fase, a par da tentat iva de

uma recolocação da problemática epistemológica, com os art igos “Certeza humana”

e as três respostas ao “Discípulo da Fi losofia” apresentou-se-nos como um esforço

real para colocar em bases modernas, os temas fundamentais, para a construção de

uma ordem social mais justa e humana. É um momento precioso este. É o momento

em que a intel igência nacional, mostra-se criadora. É o momento em que os

desafios da nossa história exigem de aqueles que não só os vivem, mas também os

meditam, uma resposta que podem ter procurado e encontrado, na Europa ou nos

Estados Unidos, elementos de inspiração, mas que adquirem o cunho da

original idade conci l iadora,

como observa Paulo Mercadante.

Na polêmica sobre o social ismo, com o Sr. Pedro Autran, Antônio Pedro de

Figueiredo começa a marcha para a integração de sua “modernidade” com as raízes

cristãs da cultura brasi leira. Esse traço defini t ivo de sua carreira de escri tor revela-

se plenamente, quando da publ icação do folhet im “A Carteira”. O que serviu de

mediação entre o “moderno” e o “antigo” ou “tradicional” não foram esquemas

teóricos, mas a descoberta de que os valores sobretudo de cunho social, que a

Fi losofia Moderna apresentava como conquistas suas, estavam já latentes e atuantes

no Crist ianismo.

Figueiredo aparece assim como um pensador bastante original. De um lado se

punham os adeptos intransigentes da Fi losofia, contra os quais em dois folhet ins

Torres Bandeira se levanta veemente e combativo (Anexos 28 e 29); de outro lado,

se entr icheraram os pensadores catól icos de um ortodoxismo intransigente também,

como o Dr. Pedro Autran e Braz Florentino, entre outros, para falarmos apenas de

Pernambuco.

Uma amostra desta luta, como afirmamos acima, são os dois folhet ins de Torres

Bandeira, um deles assinado ainda com o pseudônimo Abdalah-el-Krat i f . Diz Torres

Bandeira:

“O que faz o eclet ismo? Enroupa-se com as vestes dos mi tos or ientais, põe- lhe por c ima o

manto p la tônico, arma-se da c lava do esp inozismo, toma o ar categór ico, imi tando o

mestre de Könisberg, mune-se das v isões de Hegel, de quem p lagia com gosto, percorre

assim apavorado todos os grandes círculos do mundo f i losóf ico, fa lseia a h is tór ia,

amesquinha o papel da razão humana, querendo emancipá- la do jugo da revelação e da fé,

e por úl t imo contradiz-se miseravelmente. O Cousin que escreveu o Curso da histór ia da

Fi losof ia, que traduz ira Platão, que afrancesara todo o Oriente e todo o Ocidente em

matér ia de f i losof ia, escreve o Bom, o Belo, o Verdadei ro, e condena-se antes de o

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condenarem. Jouffroy ideal iza dogmas para derroca-los como castelos de cartas; faz-se

uma revelação a seu je i to, pro fet iza a queda do reinado dogmát ico, e tem a gravíssima

ser iedade de

mostrar como se acabam esses pr incípios eminentemente pro fundos da razão catól ica”.1

Ora, não encontramos página similar em Figueiredo. A ele pareceu possível

conci l iar as conquistas da razão humana com as conquistas daqui lo que Torres

Bandeira chama “razão catól ica”; e isto pela convicção de que uma não pode opor-

se à outra, mas uma é o desabrochamento, em plano racional, do que a outra já

manifestara ao homem, em nome da revelação.

Figueiredo assoma, destarte, como mediador entre o tradicional e o moderno, sem

querer trair nem um nem outro. Seu entusiasmo pelo social ismo utópico francês está

l igado a esta convicção.

1 A Carte i ra. Diár io de Pernambuco, Reci fe, 29-11-1858. Anexo. 28, n . 16.

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encontram-se os cri tér ios usados para identi f icar os folhet ins da autoria de

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N O T A S P R I M E I R O C A P Í T U L O 1 T O Y N B E E , A r n o l d . A s t u d y o f h i s t o r y . V . 1 º L o n d o n, O x f o r d U n i v e r s i t y P r e s s , H u m p h r e t M i l f o r d , 1 9 3 9 , p . 1 7 - 5 0 . 2 C O U S I N , V i c t o r . C o u r s d e l ’ h i s t o i r e d e l a p h i l o s op h i e . I n : O e u v r e s d e V i c t o r C o u s i n , t o m e p r e m i e r . B r u x e l l e s , S o c i é t é B e lg e d e L i b r a i r i e , H a u m a n e t C i e . , 1 8 4 0 , t r o i s i è m e l e ç o n , p . 1 3 2 . 3 V A C H E T , A n d r é . L ’ i d é o l o g i e l i b e r a l e ( I ’ i n d i v i d u et s a p r o p r i e t é ) . P a r i s , E d i t i o n s A n t h r o p o s , 1 9 7 0 . 4 V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 2 3 - 2 4 . 5 V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 2 9 . 6 V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 2 1 . 7 V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 4 0 7 . 8 A p u d V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 4 9 7 . 9 H U G O N , P a u l . H i s t ó r i a d a s d o u t r i n a s e c o n ô m i c a s . 13 ª e d . S ã o P a u l o , A t l a s , 1 9 7 4 , p . 1 0 3 . 1 0 H U G O N P a u l . O p . c i t . , p . 1 0 4 . 1 1 B A R R E T O , V i c e n t e . A i d e o l o g i a l i b e r a l n o p r o c e s so d a i n d e p e n d ê n c i a d o B r a s i l ( 1 7 8 9 - 1 8 2 4 ) . B r a s í l i a , C â m a r a d o s D e p u t a d o s , 1 9 7 3 , p . 3 0 p a s s i m . 1 2 H U G O N , P a u l . O p . c i t . , p . 1 7 0 - 7 3 p a s s i m . 1 3 H U G O N , P a u l . O p . c i t . , p . 2 8 7 . 1 4 J O U F F R O Y , T h . C o u r s d e d r o i t n a t u r e l . T o m e p r e m ie r , t r o i s i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e d e L . H a c h e t t e e t C i e , 1 8 5 8 , p . 2 50 . 1 5 B I R A N , M a i n e d e . O e u v r e s C h o i s i e s , a v e c u n e i n t ro d u c t i o n p a r H e n r i G o u h i e r . P a r i s , A u b i e r , 1 9 4 2 , p . 8 7 . A l i á s t o d a e s ta e x p o s i ç ã o s o b r e M a i n e d e B i r a n é u m r e s u m o d a i n t r o d u ç ã o d e H e n r i G o u h i e r . 1 6 L O U N D R E , C h a r l e s . D u m o u v e m e n t c a t h o l i q u e . I n : re v u e d e s D e u x M o n d e s , 5 p . 9 8 - 9 9 , 1 8 4 4 . 1 7 B I H L M E I Y E R , K a r l e T U E C H L E , H e r m a n n . H i s t ó r i a d a I g r e j a . V . 3 º S ã o P a u l o , P a u l i n a s , 1 9 6 5 , p . 4 6 9 - 4 7 0 . 1 8 S A I S S E T , É m i l e . D e l a p h i l o s o p h i e d u c l e r g é . I n : R e v u e d e s D e u x M o n d e s , 6 p . 4 8 0 , 1 8 4 4 . 1 9 Á V I L A , F e r n a n d o B a s t o s d e . O p e n s a m e n t o s o c i a l cr i s t ã o a n t e s d e M a r x : t e x t o s e c o m e n t á r i o s . R i o d e J a n e i r o , J o s é O l y m p i o , 1 9 7 2 , p . 7 2 . 2 0 I d e m , i b i d e m , p . 1 0 6 . 2 1 P A I M , A n t ô n i o . C a i r u e o l i b e r a l i s m o e c o n ô m i c o . R i o d e J a n e i r o , T e m p o B r a s i l e i r o , 1 9 6 8 , p . 5 3 . 2 2 M U N I Z T A V A R E S , F r a n c i s c o . H i s t ó r i a d a r e v o l u ç ã o d e P e r n a m b u c o e m 1 8 1 7 , t e r c e i r a e d i ç ã o , r e v i s t a e a n o t a d a p o r O l i v e ir a L i m a . R e c i f e , I m p r e n s a I n d u s t r i a l , 1 9 1 7 , p . l x x i x - l x x x . 2 3 B I H L M E Y E R , K a r l e T U E C H L E , H e r m a n . O p . c i t . , p . 4 1 3 - 4 1 4 .

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2 4 B A R A T T A , C ô n e g o J o s é d o C a r m o . E s c o l a d e H e r ó i s .R e c i f e , I m p r e n s a I n d u s t r i a l , 1 9 2 6 , p . 7 6 . 2 5 B E V I L A Q U A , C l o v i s . H i s t ó r i a d a F a c u l d a d e d e D i r ei t o d o r e c i f e . 1 º v . R i o d e J a n e i r o , S . P a u l o , B e l o H o r i z o n t e , F r a n c i s c o A l ve s , 1 9 2 7 . 2 6 B E V I L A Q U A , C l o v i s . O p . c i t . , c o m p a r e m - s e o s í n d ic e s d o p r i m e i r o e d o s e g u n d o v o l u m e . 2 7 I d e m , i b i d e m , v . 2 º , p . 7 . 2 8 I d e m , i b i d e m , v . 2 º , p . 7 . 2 9 I d e m , i b i d e m , p . 7 . 3 0 F o i o P e . M i g u e l d o S a c r a m e n t o L o p e s q u e f u n d o u e e s c r e v e u d e 1 8 3 2 a t é 1 8 4 7 o p e r i ó d i c o c h a m a d o C a r a p u c e i r o . E m 1 8 3 4 o P e . M i g u e l s e l a i c i z o u e p a s s o u a a s s i n a r M i g u e l d o S a c r a m e n t o L o p e s G a m a . O p e r i ó d i c o s o f r e u v á r i a s i n t e r r u p ç õ e s . 3 1 M O N T E N E G R O , O l í v i o . M e m ó r i a d o G i n á s i o P e r n a m b u ca n o . R e c i f e , 1 9 4 3 , p . 8 . 3 2 N A S C I M E N T O , L u i z . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e r n a mb u c o . 7 v s . R e c i f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 6 - 1 9 7 5 . 3 3 A p u d M E R C A D A N T E , P a u l o . A c o n s c i ê n c i a c o n s e r v a d or a n o B r a s i l . 2 º e d i ç ã o . R i o d e J a n e i r o , C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 72 , p . 1 9 8 . 3 4 I d e m , i b i d e m , p . 1 9 8 . 3 5 C A R V A L H O , J o a q u i m d e . S u b s í d i o s p a r a a h i s t ó r i a d e F i l o s o f i a e d a C i ê n c i a e m P o r t u g a l — I l . C o i m b r a , B i b l i o t e c a d a U ni v e r s i d a d e , 1 9 5 0 . 3 6 P I N H E I R O F E R R E I R A , S i l v e s t r e . P r e l e ç õ e s f i l o s ó f ic a s . I n t r o d u ç ã o d e A n t o n i o P a i m . S ã o P a u l o , G r i j a l b o , 1 9 7 6 , p . 9 - 1 0 . 3 7 P I N H E I R O F E R R E I R A , S i l v e s t r e . P r e l e ç õ e s f i l o s ó f ic a s . I n t r o d u ç ã o d e A n t o n i o P a i m . S ã o P a u l o , G r i j a l b o , 1 9 7 0 , p . 9 - 1 0 . 3 8 I d e m , i b i d e m , p . 1 0 . 3 9 A Z E V E D O C O U T I N H O , D . J o s é J o a q u i m d a C u n h a d e . Di s c u r s o s o b r e o e s t a d o a t u a l d a s m i n a s d o B r a s i l . L i s b o a , I m p r e s s ã o R é g i a , 1 8 0 4 , c a p í t u l o 3 . I n : O b r a s e c o n ô m i c a s d e J . J . d a C u n h a d e A z a v e d o Co u t i n h o ( R o t e i r o d o B r a s i l I ) . S ã o P a u l o , C i a . E d i t o r a N a c i o n a l , 1 9 6 6 , p . 2 1 2 - 2 1 3 . 4 0 I d e m , i b i d e m , p . 2 1 4 . 4 1 D E L G A D O , L u i z . G e s t o s e v o z e s d e P e r n a m b u c o . R e ci f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 7 0 , p . 1 4 . 4 2 M U N I Z T A V A R E S , F r a n c i s c o . H i s t ó r i a d a R e v o l u ç ã o d e P e r n a m b u c o , e m 1 8 1 7 , t e r c e i r a e d i ç ã o r e v i s t a e a n o t a d a p o r O l i v e i ra L i m a . R e c i f e , I m p r e n s a I n d u s t r i a l , 1 9 1 7 , p . 4 6 , n o t a 1 4 . 4 3 A Z E R E D O C O U T I N H O , D . J o s é J o a q u i m d a C u n h a d e . An á l i s e s o b r e a j u s t i ç a d o c o m é r c i o d o r e s g a t e d o s e s c r a v o s d a c o s ta d a Á f r i c a . L i s b o a , N o v a O f i c i n a d e J o ã o R o d r i g u e s N e v e s , 1 8 0 8 , p r e f á c i o , I n: o p . c i t . , p . 2 3 8 . 4 4 I d e m , i b i d e m , n o t a 3 § 1 1 2 , p . 2 9 7 - 2 9 8 . 4 5 D E L G A D O , A n t ô n i o . O p . c i t . , p . 6 8 - 6 9 . 4 6 P A I M , A n t ô n i o . F r e i C a n e c a : o l i b e r a l i s m o c o m o ra c i o n a l i s m o , t e x t o e s c o l h i d o s e a p r e s e n t a d o s p o r A n t ô n i o P a i m . R i o d e J a n e i r o : D e p a r t a m e n t o d e F i l o s o f i a d a P U C R J , 1 9 7 3 . p . 6 . 4 7 P A I M , A n t ô n i o . H i s t ó r i a d a s i d é i a s f i l o s ó f i c a s no B r a s i l . 2 . e d . S ã o P a u l o : G r i j a l b o , 1 9 7 4 , p . 7 8 - 7 9 . 4 8 M E R C A D A N T E , P a u l o . A c o n s c i ê n c i a c o n s e r v a d o r a n o B r a s i l . 2 ª B r a s i l . 2 . e d . R i o d e J a n e i r o : C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 7 8 . p . 2 1 . 4 9 F E R R E I R A F R A N C A , E d u a r d o . I n v e s t i g a ç õ e s d e P s i c ol o g i a . 2 . e d . R i o d e J a n e i r o , C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 7 2 , p . 2 2 1 .

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5 0 G O N Ç A L V E S M A G A L H Ã E S , D o m i n g o s . F a t o s d o e s p í r i t o h u m a n o , 2 . e d . R i o d e J a n e i r o : G a r n i e r , 1 8 5 5 . S E G U N D O C A P I T U L O : 1 R e v i s t a d i á r i a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c i f e , 2 2 -0 8 - 1 8 5 9 . 2 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c i fe , 2 2 - 8 - 1 8 5 9 . O F o l h e t i m : A C a r t e i r a e r a p u b l i c a d o s e m p r e n o r o d a p é d a 1 ª p á gi n a , à s s e g u n d a s - f e i r a s . 3 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e r na m b u c o , v o l . 1 ª D i á r i o d e P e r n a m b u c o , 2 . e d . R e c i f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 8 , p . 6 6 . 4 D i v e r s o s . O L i b e r a l P e r n a m b u c a n o . R e c i f e , 2 5 / 8 / 1 85 9 . 5 P E R E I R A D A C O S T A , F r a n c i s c o A u g u s t o . D i c i o n á r i o bi o g r á f i c o d e p e r n a m b u c a n o s c é l e b r e s . R e c i f e T i p o g r a f i a U n i v e r s a l, 1 8 8 2 , p . 1 4 5 . 6 S A C R A M E N T O B L A K E , A u g u s t o V i t o r i n o . D i c i o n á r i o b ib l i o g r á f i c o b r a s i l e i r o , 1 º v . R i o d e J a n e i r o , T i p o g r a f i a N a c i o na l , 1 8 8 3 , p . 2 7 6 . 7 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c i fe , 2 9 - 9 - 1 8 5 6 . 8 Q U I N T A S , A m a r o . O s e n t i d o s o c i a l d a R e v o l u ç ã o P r ai e i r a . R i o d e J a n e i r o , C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 6 7 , p . 1 4 7 - 1 4 8 . 9 I d e m , i b i d e m , p . 1 4 8 . 1 0 C o m u n i c a d o s . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c i f e , 2 3 - 8 -1 8 5 9 . 1 1 M O N T E N E G R O , O l í v i o . M e m ó r i a d o G i n á s i o P e r n a m b u ca n o . R e c i f e , 1 9 4 3 , p . 1 1 . 1 2 I d e m , i b i d e m , p . 2 0 , n o t a 1 . 1 3 I d e m , i b i d e m , p . 5 2 . 1 4 I d e m , i b i d e m , p . 7 2 . 1 5 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c if e , 2 9 / 8 / 1 8 5 9 . 1 6 P r o g r e s s i s t a , R e c i f e , 6 - 5 - 1 8 6 3 . A p ó s a a s s i n a t u ra d e L u í s L a m b e r t , s e g u e a d a t a 1 0 - 3 - 1 8 6 2 . E r r o o u o a r t i g o f o i e s c r i t o m a i s d e u m a n o a n t e s da p u b l i c a ç ã o . 1 7 P r o g r e s s i t a , R e c i f e , 2 7 - 4 - 1 8 6 3 . 1 8 D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 3 - 9 - 1 8 5 5 . 1 9 P E R E I R A D E M E L L O , H e n r i q u e C a p i t o l i n o . O b a c h a r el A n t ô n i o R a n g e l d e T o r r e s B a n d e i r a . P e r n a m b u c o , T i p o g r a f i a d o J o r n a l do R e c i f e , 1 8 7 6 , p . 1 8 . 2 0 Q U I N T A S , A m a r o . O p . c i t . , p . 1 2 . 2 1 M O N T E N E G R O , O l í v i o . O p . c i t . , p . 2 9 . 2 2 I d e m , i b i d e m , p . 4 4 . 2 3 D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 2 7 - 4 - 1 8 4 3 . A n e x o 1, n . 9 . 2 4 R . R . V a r i e d a d e s . O P r o g r e s s o , R e c i f e , p . 1 6 5 - 1 66 . T o d a s a s v e z e s q u e c i t a m o s O P r o g r e s s o , f á - l o - e m o s s e g u n d o e s t a e d i ç ã o: O P r o g r e s s o , r e v i s t a s o c i a l l i t e r á r i a e c i e n t í f i c a , r e e d i ç ã o f e i t a p e l o G o v e r n o d o E s t a d o d e P e r n a m b u c o c o m o p a r t e d o p r o g r a m a d a s c o m e m o r a ç õ e s d o c e n t e n á r i o d a R e v o l u ç ã o P r a i e i r a . P r e f á c i o d e A m a r o Q u i n t a s . R e c if e , I m p r e n s a O f i c i a l , 1 9 5 0 . 2 5 M O N T E N E G R O , O l í v i o . O p . c i t . , p . 8 2 . 2 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 / 8 / 1 8 5 9 . A n e x o 2 9 , n . 2 2 . 2 7 M O N T E N E G R O , O l í v i o . O p . c i t . , p . 1 2 6 - 1 2 7 . 2 8 P E R E I R A D A C O S T A . O p . c i t . , p . 1 4 7 .

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2 9 V A U T H I E R , L . L . D i á r i o í n t i m o , p r e f á c i o e n o t a s d e G i l b e r t o F r e y r e , R i o d e J a n e i r o , M E C , 1 9 4 0 , p . 1 0 3 . 3 0 I d e m , i b i d e m , p . 4 1 . 3 1 I d e m , i b i d e m , p . 1 0 4 . 3 2 I d e m , i b i d e m , p . 1 8 9 . 3 3 I d e m , i b i d e m , p . 1 9 7 . 3 4 I d e m , i b i d e m , p . 1 9 9 . 3 5 I d e m , i b i d e m , p . 1 9 9 a 2 0 1 . 3 6 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e rn a m b u c o , v . 1 º D i á r i o d e P e r n a m b u c o , 2 ª e d . R e c i f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 8 , p . 4 8 . 3 7 P E R E I R A D A C O S T A , O p . c i t . , p . 1 4 7 . 3 8 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e rn a m b u c o , v . 5 º P e r i ó d i c o s d o R e c i f e ( 1 8 5 1 - 1 8 7 5 ) . R e c i f e , U n i v e r s i da d e d e P e r n a m b u c o , 1 9 7 0 , p . 1 1 2 . 3 9 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e rn a m b u c o , v . 4 º P e r i ó d i c o s d o R e c i f e ( 1 8 2 1 - 1 8 5 0 ) . R e c i f e , U n i v e r s i da d e d e P e r n a m b u c o , 1 9 7 0 , p . 2 8 9 . 4 0 J O U F F R O Y , T h . M é l a n g e s p h i l o s o p h i q u e s , t r o i s i è m e é d i t o n . P a r i s , L i b r a i r e D e L . H a c h e t t e e t C i e . , 1 8 6 0 , p . 9 6 . T E R C E I R O C A P I T U L O 1 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e r na m b u c o . v s . 1 , 2 , 4 . R e c i f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 8 - 1 97 5 . 2 O P r o g r e s s o , r e v i s t a s o c i a l l i t e r á r i a e c i e n t í f i ca , r e e d i ç ã o f e i t a p e l o G o v e r n o d o E s t a d o d e P e r n a m b u c o c o m o p a r t e d o p r o g r a m a d a s c o m e m o r a ç õ e s d o c e n t e n á r i o d a R e v o l u ç ã o P r a i e i r a . P r e f á c i o d e A m a r o Q u i n t a s . R e c i f e , I m p r e n s a O f i c i a l , 1 9 5 9 . 3 O V o l c ã o . R e c i f e , 3 0 . 8 . 1 8 4 7 . 4 P E R E I R A D A C O S T A , O p . c i t . , p . 1 4 7 . 5 S A C R A M E N T O - B L A K E , A u g u s t o V i t o r i n o A l v e s . D i c i o n ár i o b i b l i o g r á f i c o b r a s i l e i r o , v . 1 º R i o d e J a n e i r o , T i p o g r a f i a N a c i o na l , 1 8 8 3 . 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 1 0 . 1 1 . 1 8 5 6 . 7 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e r na m b u c o , v . 4 p e r i ó d i c o s d o R e c i f e 1 8 2 1 - 1 8 5 0 . R e c i f e , U n i v e r s i d a de F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 9 , p . 2 5 0 . 8 O s e r r o s d e i m p r e s s ã o s ã o f r e q u e n t e s n a r e v i s t a . U m e x e m p l o é o q u e c i t a m o s a q u i . O a r t i g o : a l e i a g r á r i a n o s E s t a d o s Un i d o s , q u e v a i d a p . 4 0 7 à p . 4 1 5 é a s s i n a d o F . P . E n t r e t a n t o n o í n d i c e q u e a p r óp r i a r e v i s t a e l a b o r o u , n o f i m d e 1 8 4 7 , e n c o n t r a m o s , a p ó s o a r t i g o a a s s i n a t u ra F . V . 9 R e v i s t a L i t e r á r i a : O l i v r o d o P o v o . O P r o g r e s s o , p . 6 4 7 - 6 5 3 . A n e x o 1 2 . 1 0 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 2 5 9 . 1 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 4 - 3 - 1 8 5 6 . A n e x o 1 9 . 1 2 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 2 5 0 . 1 3 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 7 - 2 - 1 8 5 6 . 1 4 N A S C I M E N T O , L u i s d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 2 5 0 . 1 5 C o l o n i z a ç ã o d o B r a s i l . O P r o g r e s s o , p . 6 3 7 . A n e xo 1 9 . 1 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 4 / 4 / 1 8 5 6 . 1 7 O P r o g r e s s o , p . 2 5 3 - 2 6 1 . A n e x o 1 4 . 1 8 O P r o g r e s s o , p . 2 5 4 . A n e x o 1 4 , n . 3 .

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1 9 O E R d a p á g . 3 1 9 p a r e c e - n o s u m s i m p l e s e r r o t ip o g r á f i c o . D e v e s e r R R , a s s i n a t u r a d e t o d o o c o n j u n t o q u e s e c h a m a “ R e v i s t a P o l í t i c a ” , c o m o n o s d e m a i s n ú m e r o s . 2 0 O P r o g r e s s o , p . 7 6 8 - 7 6 9 . 2 1 P E R E I R A D A C O S T A . O p . c i t . , p . 1 4 7 . 2 2 B E V I L A Q U A , C l ó v i s . H i s t ó r i a d a F a c u l d a d e d e D i r ei t o d o R e c i f e . 2 v . R i o , S . P a u l o , B e l o H o r i z o n t e , F r a n c s i c o A l v e s , 1 9 7 2 , p . 3 0 . 2 3 N A S C I M E N T O , L u i s d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 2 4 9 . 2 4 A m e s m a r e v i s t a i n s p i r o u - n o s e s s a d i s t i n ç ã o . N o í n d i c e , à p á g i n a 7 6 7 , c o l o c a e l a , s o b o t í t u l o “ F i l o s o f i a ” , a p e n a s o s d o is a r t i g o s : “ C e r t e z a h u m a n a ” e “ P r o c e s s o s l ó g i c o s ” . N ó s a c r e s c e n t a m o s a s r e s p o s t a s a o “ D i s c í p u l o d a F i l o s o f i a ” , q u e v ê m s o b o t í t u l o “ P o l ê m i c a e M i s c e lâ n e a s ” , n o í n d i c e . 2 5 T o d a s a s v e z e s q u e c i t a r m o s a l g u m a o b r a d e C o u s in , s e g u i r e m o s a e d i ç ã o : O e u v r e s d e V i c t o r C o u s i n , 3 v s . , B r u x e l l e s , S o c i é t é B e l g e d e L i b r a i r i e , H a u m a n , e t . C i e . 1 8 4 0 , 1 º v . , 1 8 4 1 2 º v . e 3 º v . 2 6 C O U S I N , V i c t o r . I n t r o d u c t i o n à I ’ h i s t o i r e d e l a p h i l o s o p h i e . I n : O p . c i t . , t o m e 1 º , p . 1 7 . 2 7 C O U S I N , V i c t o r . I n t r o d u c t i o n à I ’ h i s t o i r e d e l a p h i l o s o p h i e . I n : O p . c i t . , t o m e 1 º , p . 2 4 1 - 2 4 2 . 2 8 C O U S I N , V i c t o r . I n t r o d u c t i o n à l ’ h i s t o i r e d e l a p h i l o s o p h i e . I n : O p . c i t . , t o m e 1 º , p . 3 6 0 . 2 9 C O U S I N , V i c t o r . F r a g m e n t s p h i l o s o p h i e , p r é f a c e de l a p r e m i è r e é d i t i o n . I n : O p . c i t . , t o m e 2 º p . 3 3 . 3 0 I d e m , i b i d e m . 3 1 C O U S I N , V i c t o r . F r a g m e n t s p h i l o s o p h i e . I n : O p . ci t . , t o m e 2 º p . 1 0 1 . 3 2 C O U S I N , V i c t o r . C o u r s d e l ’ h i s t o r i e d e l a p h i l o so p h i e . I n : O p . c i t . , t o m e 1 e , p . 2 9 3 . 3 3 I d e m , i b i d e m , p . 2 9 5 . 3 4 J O U F F R O Y , T h . M e l a n g e s p h i l o s o p h i q u e s . T r o i s i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e D e L . H a c h e t t e e t C i e . . 1 8 6 0 , p . 1 6 2 - 1 7 1 . 3 5 J O U F F R O Y , T h . M e l a n g e s p h i l o s o p h i q u e s . T r o i s i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e D e L . H a c h e t t e e t C i e . , 1 8 6 0 , p . 1 6 9 - 1 7 1 . 3 6 J O U F F R O Y , T h . C o u r s d e D r o i t N a t u r e l , 2 v s . , t r oi s i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e d e L . H a c h e t t e e t C i e . , 1 8 5 8 . 3 7 P A I M , A n t ô n i o . H i s t ó r i a d a s i d é i a s f i l o s ó f i c a s no B r a s i l . 2 ª e d . S ã o P a u l o , G r i j a l b o , 1 9 7 4 , p . 2 2 7 . 3 8 C O U S I N , V i c t o r . C o u r s d e p h i l o s o p h i e s u r l e f o n de m e n t d e s i d é e s d u V r a i , d u B e a u e t d u B i e n . I n : o p . c i t . , t o m e 1 º , p . 3 5 9 . 3 9 C O U S I N , V i c t o r . F r a g m e n t s p h i l o s o p h i q u e s , p r é f a ce d e l a d e u x i è m e é d i t i o n . I n : o p . c i t . , t o m e 2 º , p . 1 1 - 2 6 . 4 0 C H A C O N , V a m i r e h . H i s t ó r i a d a s i d é i a s s o c i a l i s t a s n o B r a s i l . R i o d e J a n e i r o , C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 6 5 , p . 1 1 3 . 4 1 O P r o g r e s s o , p . 4 . A n e x o 2 0 , n º 2 . 4 2 O P r o g r e s s o , p . 8 3 . A n e x o 7 , n . 2 . 4 3 O P r o g r e s s o , p . 9 1 . A n e x o 7 , n . 3 1 . 4 4 O P r o g r e s s o , p . 6 4 2 - 6 4 3 . A n e x o 1 8 , n . 1 3 . 4 5 N A S C I M E N T O , L u i s d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 3 0 1 - 3 0 2.

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Q U A R T O C A P I T U L O 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 1 6 / 8 / 1 8 5 9 . 2 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 2 2 - 8 - 1 8 5 9 . 3 P E R E I R A D A C O S T A , O p . c i t . , p . 1 4 9 . 4 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 1 5 - 1 1 - 1 8 5 8 . 5 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 6 - 1 2 - 1 8 5 8 . 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 2 9 / 1 1 / 1 8 5 8 . A n e x o 2 8 , n . 2 3 . 7 P E R E I R A D E M E L L O , O p . c i t . , p . 4 8 - 5 3 8 P E R E I R A D E M E L L O . O p . c i t . , p . 5 3 . 9 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 1 4 - 1 2 - 1 8 5 7 . 1 0 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 3 - 3 - 1 8 5 8 . 1 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 7 - 2 - 1 8 5 6 . 1 2 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 4 . 9 . 1 8 5 6 . 1 3 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 . 9 . 1 8 5 6 . 1 4 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 / 1 2 / 1 8 5 6 . 1 5 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 6 / 3 / 1 8 5 7 . 1 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 2 / 1 1 / 1 8 5 8 . 1 7 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 / 1 1 / 1 8 5 8 . A n e x o 2 8 , n . 1 , 2 , 3 . 1 8 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 - 1 1 - 1 8 5 8 . A n e x o 2 8 , n . 2 3 . 1 9 G r a n d e E n c i c l o p é d i a D e l t a L a r o u s s e . R i o d e J a n e ir o , E d i t o r a D e l t a S . A . , 1 9 7 0 , v . F o l h e t i m . 2 0 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 1 º , p . 5 5 . 2 1 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 1 º , p . 5 8 , n o ta 3 5 – O D i á r i o d e P e r n a m b u c o s a i u t a m b é m n o d o m i n g o , 1 0 d e f e v e r e i r o d e 1 8 5 6 . M a s “ A C a r t e i r a ” s a i u n o d i a 1 1 . 2 2 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 1 º , p . 5 5 . 2 3 F o l h e t i m : “ A C a r t e i r a ” . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R ec i f e , 2 1 - 9 - 1 8 5 7 . 2 4 D U P A N L O U P , M g r . D e l ’ e d u c a t i o n , t o m e p r e m i e r , d e l ‘ e d u c a t i o n e n g é n é r a l e , d i z h u i t i è m e é d i t i o n . P a r i s , P i e r r e T é q u i , l i b r a i r i e - e d i t e u r , 1 9 2 8 . 2 5 P o d e m - s e c o m p a r a r : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m bu c o , R e c i f e , 1 5 / 1 1 / 1 8 5 8 e S C U D O , P . R e v u e M u s i c a l e . R e v u e d e s D e u x M o n d e s . P a r i s , 4 1 7 - 4 2 3 , 1 8 5 5 . Q U I N T O C A P I T U L O 1 “ A s s i m , p o d e - s e a f i r m a r q u e o t e m a d a p e s s o a h u m an a , a b u s c a d e u m a f i l o s o f i a p o l í t i c a e a s r e l a ç õ e s e n t r e f i l o s o f i a e c i ê n c i a s ã o a s q u e s t õ e s e s s e n c i a i s c o m q u e s e d e f r o n t o u o p e n s a m e n t o f i l o s óf i c o b r a s i l e i r o ” . P A I M , A n t ô n i o . H i s t ó r i a d a s i d é i a s f i l o s ó f i c a s n o B r a s i l . S ã o P a u l o , G r i j a l b o / U S P , 1 9 7 4 , p . 1 7 . 2 Q U I N T A S , A m a r o . O p . c i t . , p . 7 8 .

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3 C A R V A L H O , J o a q u i m d e . A n a i s d a I m p r e n s a p e r n a m b u ca n a , a p u d A m a r o Q u i n t a s , p r e f á c i o a O P r o g r e s s o , R e c i f e , 1 9 5 6 , p . XI I I . 4 P A I M , A n t ô n i o . O p . c i t . , p . 3 4 - 3 7 . 5 F I G U E I R E D O , A n t ô n i o P e d r o . C u r s o d e h i s t ó r i a d a Fi l o s o f i a p o r V . C o u s i n . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 2 7 / 4 / 1 8 4 3 . A n e x o 1 , nº 3 . 6 C u r s o d e h i s t ó r i a d a f i l o s o f i a p e l o S r . V . C o u s i n, v e r t i d o e m p o r t u g u ê s p e l o S r . A . P . d e F i g u e i r e d o . A E s t r e l a , R e c i f e , 4 / 1 1 / 1 84 3 . A n e x o 2 , n º s . 4 e 5 . 7 T O R R E S B A N D E I R A , A . R . C u r s o d a h i s t ó r i a d a f i l o so f i a , p o r V . C o u s i n , v e r t i d o e m l í n g u a v e r n á c u l a p o r A . P . d e F i g u e i r e d o. D i á r i o N o v o , R e c i f e , 2 8 / 1 1 / 1 8 4 3 . A n e x o 3 , n º 1 e 5 . 8 A n e x o 3 ; n º 8 . 9 A n e x o 1 , n º 5 . 1 0 A n e x o 1 , n º 5 . 1 1 C A R V A L H O , J o a q u i m d e . S u b s í d i o s p a r a a h i s t ó r i a d a F i l o s o f i a e d a C i ê n c i a e m P o r t u g a l I l . C o i m b r a , B i b l i o t e c a d a U n i ve r s i d a d e , 1 9 5 0 , p . 6 4 . 1 2 O P r o g r e s s o , p . 3 9 7 . A n e x o 1 0 , n º 1 . 1 3 O P r o g r e s s o , p . 3 9 9 . A n e x o 1 0 , n º 3 . 1 4 O P r o g r e s s o , p . 4 0 0 . A n e x o 1 0 , n º 4 . 1 5 O P r o g r e s s o , p . 4 0 0 . A n e x o 1 0 , n º 7 e 8 . 1 6 O P r o g r e s s o , p . 4 0 1 . A n e x o 1 0 , n º 1 0 . 1 7 O P r o g r e s s o , p . 6 - 9 . p a s s i m . A n e x o 2 0 , n º 6 - 8 p as s i m . 1 8 O P r o g r e s s o , p . 5 0 0 . A n e x o 1 5 , n º 3 . 1 9 O P r o g r e s s o , p . 5 0 1 . A n e x o 1 5 , n º 1 0 . 2 0 O P r o g r e s s o , p . 5 0 3 . A n e x o 1 5 , n º 1 6 . 2 1 O P r o g r e s s o , p . 5 0 3 . A n e x o 1 5 , n º 1 6 . 2 2 O P r o g r e s s o , p . 5 0 4 . A n e x o 1 5 , n º 2 2 . 2 3 O P r o g r e s s o , p . 5 0 3 . A n e x o 1 5 , n º 1 7 . 2 4 O P r o g r e s s o , p . 5 0 3 . A n e x o 1 5 , n º 1 9 . 2 5 O P r o g r e s s o , p . 5 0 2 . A n e x o 1 5 , n º 1 2 . 2 6 L E R M I N I E R . D u r a d i c a l i s m e é v a n g é l i q u e . L e l i v r e d u P e u p l e . R e v u s d e s D e u x M o n d e s , 1 3 , 1 3 7 - 1 6 1 , 1 8 3 8 . 2 7 S A N D , G e o r g e . L e t t r e à M . L e r m i n i e r s u r s o n E x a me n C r i t i q u e d u L i v r e d u P e u p l e . R e v u e d e s D e u x M o n d e s , 1 3 , 3 2 4 - 3 3 6 , 1 8 3 8 . 2 8 L E R M I N I E R . R é p o n s e à G e o r g e S a n d . R e v u e d e s D e u x M e n d e s , 1 3 , 4 5 8 -4 7 5 , 1 8 3 8 . 2 9 O P r o g r e s s o , p . 8 5 1 - 8 5 3 . A n e x o 2 2 . 3 0 O P r o g r e s s o , p . 8 6 7 - 8 8 1 . A n e x o 2 1 . 3 1 B A R R E T O , V i c e n t e . A n t ô n i o P e d r o d e F i g u e i r e d o : Um a r e v i s ã o c r í t i c a . R e v i s t a B r a s i l e i r a d e F i l o s o f i a , I B F , v . 2 4 , f a s c . 9 6 , p . 4 0 8 , o u t . / d e z . 1 9 7 4 . 3 2 I d e m , i b i d e m , p . 4 1 7 . O q u e c o l o c a m o s e n t r e p a r ên t e s i s , n a c i t a ç ã o , f o i o m i t i d o , p o r f a l h a , n a r e v i s t a . P u d e m o s r e f a z e r o te x t o c o m o o r i g i n a l d a “ C o m u n i c a ç ã o ” , d i s t r i b u í d a a o s c o n g r e s s i s t a s . 3 3 S e r i a o p o r t u n o r e c o r d a r q u e e s s a a f i r m a ç ã o t ã o ge n é r i c a , n ã o i m p l i c a u m a a t i t u d e h e d o n i s t o - m a t e r i a l i s t a e m J o u f f r o y , c o m o a te s t a m a m p l a m e n t e v á r i a s p á g i n a s d e s u a s o b r a s , s o b r e t u d o q u a n d o v e r s a e l e so b r e o d e s t i n o h u m a n o . A

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o b s e r v a ç ã o é v á l i d a t a m b é m p a r a F i g u e i r e d o . N ã o p r et e n d e e l e i n s t a u r a r u m d i s c u r s o s o b r e o f u n d a m e n t o d a a t i v i d a d e h u m a n a , e m t o d a s a s i m p l i c a ç õ e s q u e , o t í t u l o c o m p o r t a . A p a r t i r d e u m p e n s a m e n t o de J o u f f r o y , F i g u e i r e d o i n s t a u r a u m d i s c u r s o , c u j a p r e o c u p a ç ã o , é a o r d e m ec o n ô m i c o - s o c i a l . N ã o h á n o a r t i g o , a c e n o a l g u m à p r o b l e m á t i c a m o r a l o u é t i ca . 3 4 O P r o g r e s s o , p . 1 7 6 . A n e x o 1 3 , n º 4 . 3 5 O P r o g r e s s o , p . 1 7 9 . A n e x o 1 3 , n º 1 3 . 3 6 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 5 . 3 7 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 6 . 3 8 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 6 . 3 9 O P r o g r e s s o , p . 1 7 8 . A n e x o 1 3 , n º 1 0 . 4 0 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 6 . 4 1 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 6 . 4 2 O P r o g r e s s o , p . 2 5 3 . A n e x o 1 4 , n º 2 . 4 3 O P r o g r e s s o , p . 2 5 7 . A n e x o 1 4 , n º 1 0 . 4 4 O P r o g r e s s o , p . 2 5 9 . A n e x o 1 4 , n º 1 6 . 4 5 O P r o g r e s s o , p . 2 6 0 . A n e x o 1 4 , n º 1 6 . 4 6 O P r o g r e s s o , p . 2 6 0 . A n e x o 1 4 , n º 1 6 . 4 7 O P r o g r e s s o , p . 3 5 0 . A n e x o 1 6 , n º s . 4 e 5 . 4 8 O P r o g r e s s o , p . 3 5 0 - 3 5 1 . A n e x o 1 6 , n º 6 . 4 9 O P r o g r e s s o , p . 3 5 1 . A n e x o 1 6 , n º 6 . 5 0 O P r o g r e s s o , p . 5 6 4 - 5 6 5 , A n e x o 1 7 , n º 2 4 . 5 1 O P r o g r e s s o , p . 6 4 0 . A n e x o 1 8 , n º 2 . 5 2 O P r o g r e s s o , p . 6 4 0 . A n e x o 1 8 , n º 2 . 5 3 O P r o g r e s s o , p . 6 4 0 . A n e x o 1 8 , n º s 3 e 4 . 5 4 O P r o g r e s s o , p . 6 4 1 - 6 4 2 . A n e x o 1 8 , n º 8 . 5 5 O P r o g r e s s o , p . 6 4 3 . A n e x o 1 8 , n º s 1 3 - 1 5 . 5 6 O P r o g r e s s o , p . 5 5 3 - 5 5 4 . A n e x o I I , n º s . 2 e 3 . 5 7 O P r o g r e s s o , p . 5 5 6 . A n e x o I I , n º 1 3 . 5 8 O P r o g r e s s o , p . 3 . A n e x o 2 0 , n º 2 . 5 9 O P r o g r e s s o , p . 6 3 9 . A n e x o 1 8 , n º 2 , n o t a . 6 0 O P r o g r e s s o , p . 6 . A n e x o 2 0 , n º 5 . 6 1 O P r o g r e s s o , p . 6 2 9 - 6 3 0 . A n e x o 1 9 , n º 4 . 6 2 O P r o g r e s s o , p . 6 3 4 - 6 3 5 . A n e x o 1 9 , n º s . 1 5 - 1 7 . 6 3 O P r o g r e s s o , p . 6 3 6 - 6 3 7 . A n e x o 1 9 , n º 2 0 . 6 4 O P r o g r e s s o , p . 8 5 5 . A n e x o 2 3 , n º 1 . 6 5 O P r o g r e s s o , p . 8 5 6 . A n e x o 2 3 , n º 2 . 6 6 O P r o g r e s s o , p . 8 5 7 . A n e x o 2 3 , n º 7 . 6 7 I d e m , i b i d e m . A n e x o 2 3 , n . 9 . 6 8 O P r o g r e s s o , p . 8 5 9 . A n e x o 2 3 , n º 1 8 . 6 9 O P r o g r e s s o , p . 8 6 0 . A n e x o 2 3 , n º 1 8 . 7 0 O P r o g r e s s o , p . 8 6 3 . A n e x o 2 3 , n º 2 1 7 1 O P r o g r e s s o , p . 8 6 5 . A n e x o 2 3 , n º 2 4 7 2 O P r o g r e s s o , p . 8 6 5 - 8 6 6 . A n e x o 2 3 , n º s . 2 6 e 2 7 . 7 3 F I G U E I R E D O , A . P . S r . D r . P e d r o A u t r a n d a M a t t a e A l b u q u e r q u e . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 1 2 / 8 / 1 9 5 2 . A n e x o 4 , n º 8 ; F IG U E I R E D O , A . P . S r . D r . P e d r o A . d a M . A l b u q u e r q u e . I m p r e n s a , R e c i f e , 6 / 9 / 18 5 2 . A n e x o 5 , n º 9 . 7 4 A n e x o 5 , n º s . 1 3 - 1 5 . 7 5 A n e x o 5 , n º 1 9 . 7 6 A n e x o 5 , n º s . 2 9 - 3 1 . 7 7 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o , 1 3 , n º 1 5 .

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7 8 A n e x o 5 , n º 1 5 . 7 9 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 3 - 4 - 1 8 5 7 . 8 0 O P r o g r e s s o , p . 4 . A n e x o 2 0 , n º 3 . 8 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 7 - 6 - 1 8 5 8 . 8 2 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 4 / 6 / 1 8 5 8 . 8 3 I d e m , i b i d e m . 8 4 I d e m , i b i d e m . 8 5 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 2 - 1 0 - 1 8 5 5 . 8 6 R e t r o s p e c t o S e m a n a l . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 2 1 - 3 - 1 8 5 3 . 8 7 R e t r o s p e c t o S e m a n a l . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 2 1 / 4 / 1 8 5 6 . 8 8 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 3 / 7 / 1 8 5 7 . 8 9 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 / 9 / 1 8 5 6 . 9 0 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 7 / 1 2 / 1 8 5 5 . 9 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 3 1 / 1 2 / 1 8 5 5 . 9 2 O P r o g r e s s o , p . 6 4 8 . F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r io d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 2 1 / 7 / 1 8 5 6 . 9 3 J O U F F R O Y , T h . N o u v e a u x M é l a n g e s P h i l o s o p h i q u e s , d e u x i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e d e L . H a c h e t t e , 1 8 6 1 , p . 1 0 4 - 1 0 5 pa s s i m . 9 4 J O U F F R O Y , T h . O p . c i t . , p . 1 0 9 - 1 1 1 p a s s i m . 9 5 I d e m , i b i d e m . 9 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 4 / 1 2 / 1 8 5 5 . 9 7 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 6 / 6 / 1 8 5 7 . 9 8 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 5 / 1 1 / 1 8 5 5 . 9 9 R e t r o s p e c t o S e m a n a l . D i á r i o P e r n a m b u c o , R e c i f e , 3 - 2 - 1 8 5 2 .

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ANEXOS TEXTOS DE ANTONIO PEDRO DE FIGUEIREDO

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Anexo 1

CURSO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

por

VICTOR COUSIN,

ver t ido em por tuguês por

ANTÔNIO PEDRO DE FIGUEIREDO

1– Para expor em breve e expressivo bosquejo a imensa ut i l idade e importânc ia do Curso

de Fi losofia do Sr. V. Cousin, o Platão dos nossos dias, e conseguintemente fazer sent ir a

r igorosa necessidade dele ser estudado por todos os brasi le iros, nada menos fora mister,

que uma pena de ouro e um espír i to tal que associasse à precisão mais depurada o poder de

assimi lar -se tudo o que lê; infel izmente careço de disposições tão pro fícuas; e por isso não

se espere de mim o ver relevada a ut i l idade da obra; antes receio que debaixo da minha

pena e la d iminua o seu méri to.

2 – É uma verdade recebida por todos os pensadores, que a civ i l ização é obra da f i losof ia,

a qual sendo ao mesmo passo um dos e lementos dessa mesma c ivi l ização, é o elemento por

excelênc ia que i lumina e desenvolve todos os outros, donde se segue que a c ivi l ização se

não pode dar nos países onde a f i losofia é ignorada e desprezada.

3 – Foi reconhecendo esta verdade e se afanando com so l ic i tude no estudo da f i losof ia que

a Alemanha, a França e a Ingla terra, têm podido al ige irar e remover os embaraços que

di f icul tavam o tão justamente gabado desenvolv imento mora l e mater ia l de que hoje

gozam, desenvo lvimento que lhes tem conquistado a pr imeira hierarquia entre as nações

modernas: isto posto, é desse manancial fecundo, derramado da cadei ra que por tantos

anos i lustrara o Sr . V. Cousin, que nós podemos deparar com um dos remédios capazes de

sanar os males, sobremaneira do lorosos, que sofremos.

4 – O Sr V. Cousin, part indo do Or iente, e a travessando a Grecia até o pr imeiro quarto

deste século, estudou com indefeso desvelo, por todas as par tes, os quatro exagerados

sis temas f i losóf icos, ou os quatro pontos de vis ta sob os quais só é possível considerar o

espír i to humano a saber : o sensual ismo, o ideal ismo, o cet ic ismo e o mist ic ismo; e, ne les

discr iminando a par te boa da má, que cada um envo lve, cr iou, com a pr imeira par te, uma

nova f i losof ia, a que chamamos Ecletec ismo. (s ic)

5 – Entre as inumeráveis e important íss imas questões f i losóf icas que reso lveu, ocupou-se

da transcendente questão, estreiada por Ar is tóteles e desde então cont inuada – por quase

todos os f i lósofos até Descar tes e Kant – Quais são os e lementos in tegrantes de que se

compõe o pensamento – e deu- lhe a mais simples e i r redutível so lução na fórmula seguinte

– causa e substânc ia. Demonstrou com evidência palpável a Tr indade Santíss ima, não

como mistér io, mas como verdade que, podendo ser tra tada por a f i losof ia mais s imples, é

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accessível à mais humi lde intel igência. Desenvolveu completamente e i lustrou as provas a

prior i e a posterior i acerca da existênc ia de Deus, dadas por Descar tes. Cr iou uma nova

teor ia a respeito da l iberdade, mais prec isa e luminosa, como é dada ao espír i to humano, a

qual tem a vi r tude de exc luir as objeções a que todas as outras conhecidas

precedentemente estavam sujei tas.

6 – Em moral deu o úl t imo golpe mor ta l no pr incípio de uti l idade, que tão pernic ioso é,

pulver izando inte iramente o sistema do patr iarca deste pr incípio – Locke, cont inuado por

os seus sectár ios inclusive o mais exagerado – J. Bentham.

7 – No tocante à pol í t ica revelou imorta is teor ias; entre outras sis temat izou a ensinada por

o célebre Vico – que as formas di ferentes de govemo não são fatos vo luntár ios, mas

necessár ios e subordinados às le is topográf icas dos países.

8 – O est i lo , em que estas l ições foram pronunciadas, é sem controvérs ia o mesmo que

grangeou ao imor ta l P latão o epí te to de div ino, e sobre o ser c lar íss imo, é sobremodo

enr iquecido de mui vivas e br i lhantes imagens, o que arrasta o le i tor insensivelmente a ler

de uma vez, se possível fosse, toda a sua sér ie.

9 – E is, no mais l imi tado resumo, o que me fo i possíve l re fer ir a respeito das l ições de

Fi losof ia do Sr. V Cousin, que compõem três vo lumes in 4º , de mais de 400 págs. cada um,

de cuja versão ousei encarregar-me, e para a qual se subscreve nas lo jas da rua e pát io do

Colégio ns. 2 e 20, por o preço de 10$000 cada exemplar.

Reci fe , 25 de abr i l de 1843. - Antônio Pedro de Figuelredo.

Diár io de Pernambuco, Reci fe, 27/4 /1843.

Anexo 2

L ITERATURA NACIONAL

Curso da Histór ia da Fi losofia,

pelo Sr. V. Cousin,

ver t ido em por tuguês pelo Sr . A. P. de Figueiredo

1 – No estado de próxima transformação soc ia l em que o globo se acha, nenhum estudo

convém hoje cul t ivar de tão bom ânimo e tão ser iamente, como o estudo da Fi losofia. A

humanidade caminha para uma fase de ascensão glor iosa em que tem de rea l izar a

harmonia para que Deus a dest inou; e esta revo lução pací f ica que e la tem de efetuar não

pode ser fei ta senão pelas idé ias. O Brasi l , que se acha lançado pela mão da Providência

como um grande coração de fogo no meio do oceano, tem, por sua posição geográfica, de

representar um grande papel no meio desta inevi tável t ransformação. Aqui têm de

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elaborar -se os p lanos fecundos que devem engrandecer a condição da Amér ica do meio-

dia; e o espír i to ardente dos brasi le iros, quando tiver em torno de si todos os confor tos da

vida que a c iênc ia lhe houver ministrado, produzirá então as maravi lhas da ar te que o

Brasi l é chamado a produzir sob o formoso céu que o cobre, mas sob um regime de atração

para o trabalho, que o patr io t ismo de seus f i lhos abraçará em pouco. O estudo da Fi losofia

é pois necessár io a todas as nações do globo, mas ele é de uma ut i l idade mani festamente

super ior à geração brasi le ira que se levanta, e que tem de inf lu ir grandemente na sorte

futura do país.

2 – O Curso da Histór ia da Fi losofia do Sr. Victor Cousin é o melhor l ivro que hoje possa

inculcar -se para semelhante estudo: são as l ições do i lustre pro fessor nos anos de 1828 e

29, as quais formam um desses l ivros importantes, dest inados a introduzir a mocidade no

santuár io da ciênc ia, e a derramar no engenho de quantos o estudam uma soma de luz pura

e generosa. A maior parte das nações da Europa possuem o Curso do Sr. V. Cousin

trasladado para as suas respect ivas l ínguas; a América do Nor te acaba de imi tá-las; e

somente o Brasi l a inda não via nas suas bib l iotecas este monumento de pro funda reflexão

e trabalho. É esta lacuna que acaba de encher fel izmente o Sr. A. P. de Figueiredo, com a

f idel idade de um intérprete r igoroso, e com a correção de l inguagem que semelhante

versão reclamava. Fel ic i temos por tanto o d igno tradutor pela nobre inspiração a que

obedeceu, e também a mocidade brasi le ira, a quem ele dedicou o seu

trabalho.

3 – Nos curtos l imi tes de um ar t igo não cabe uma larga exposição das doutr inas que se

encerram nas l ições de que nos ocupamos. São elas div id idas em três sér ies, como o

professor as div id iu, e formam por isso três volumes. O pr imeiro é uma introdução ao

Curso, na qual o Sr . Cousin assinalou o lugar que à Fi losofia devia dar-se no quadro dos

conhecimentos humanos, e qual o que devia ter a histór ia da Fi losofia na histór ia geral : —

é uma revelação de todo o seu ensino. No segundo volume faz ele escolha de uma época

part icular da his tór ia da Fi losof ia, para a e la ap licar os pr incíp ios que proclamara no ano

antecedente: esta época é o XVII I século, que vem preced ida de um exame minucioso das

quatro grandes esco las desse século, e de um esboço de toda a Histór ia da Fi losofia , desde

o Oriente. O terce iro volume abre a exposição das escolas f i losóficas do XVII I século,

começando pela sensual is ta, representada por Locke; e quase todo esse volume é

consagrado a uma crí t ica pro funda e r igorosa do Ensaio do entend imento humano. O

pr imeiro volume é um modelo de método, o segundo de erudição, o terce iro de dia lé t ica. O

pr imeiro volume acha-se impresso, e acaba de publ icar -se; o segundo parece que se acha já

no prelo ; e o tercei ro aparecerá logo depois, segundo nos informam.

4 – Basta esta ráp ida enumeração que fazemos do que esses l ivros abrangem, para se

compreender a sua imensa ut i l idade. O nome do Sr. V. Cousin é um elogio europeu e

americano. Ninguém melhor do que e le tem contr ibuído para apressar a época da redenção

das idéias, e const i tuir enf im a ciência, que ainda voga azoinada, como um navio sem

bússola.

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5 – O Sr. Cousin descobre-nos o verdadeiro e o fa lso de cada sistema com uma lucidez

admirável, e faz-nos trabalhar com e le de todo o coração no monumento glor ioso que

devemos legar a nossos f i lhos: – a unidade f i losóf ica. De tantos trabalhos do pensamento

que os homens hão lançado ao mundo, apenas se levantam o ito ou dez nomes que

representam a ciênc ia, e três ou quatro gênios que a resumem; mas estes três ou quatro

gênios são umas personagens histór icas, que se erguem orgulhosas no meio da histór ia,

como os cedros soberbos do Líbano, e afrontam as idades e as teor ias por v ir : – Platão e

Ar istó te les!

6 – As l ições 3º , 8º , 9º e 10º do pr imeiro volume, que se acha impresso, e que temos

presente, são de um interesse imediato para todas as escolas secundár ias, a quem as

recomendamos. E is aqui por exemplo como o douto representante do ecle t ismo nos faz

compreender a be leza da histór ia , depo is de a ter concebido como uma mani festação do

plano da Providência:

7 – “Assim a histór ia não é uma anomalia na ordem geral ; pode ser ver i f icada em todos os

seus graus por todos os graus da existência universal , como estes graus podem ser

ver i f icados uns pelos outros. Duvidareis vós dos caracteres essencia is da Divindade? —

Dir igi -vos ao mundo; porque repugna que o efei to não ref l i ta mais ou menos a causa. —

Dir igi -vos à humanidade; porque repugnará que a humanidade, cuja apar ição é fei ta no

se io do mundo, não o re f let isse de a lgum modo. Duvidareis vós da legi t imidade dos vossos

resultados histór icos, hesitareis acerca da marcha e ordem do desenvo lvimento da

histór ia? — Dir igi -vos ao mesmo tempo à humanidade, à natureza e à Divindade. Ver i f ica i

cont inuamente todas essas esferas da ordem geral umas pelas outras: esta ver i f icação dar-

vos-á sempre o mesmo resultado. Aí vere is que a histór ia reproduz os movimentos

sucessivos da existênc ia universa l na concessão (s ic) de suas épocas, e que está cheia de

harmonia de s i mesma, para consigo mesma, nos d iversos momentos do seu movimento

tota l , e de si mesma para com tudo o mais. A his tória, concebida assim nesta harmonia

universal , é pois eminentemente be la: – é uma poesia admirável: – é o drama ou a epopéia

do gênero humano” (Lição 8º) .

8 – Eis aqui ainda por exemplo como a humanidade, as épocas e a natureza inteira se

resumem nos grandes homens, e como e las nascem e morrem a propósito :

9 – Mas o que será a própr ia humanidade? — A humanidade, já nós o temos visto , não é

outra coisa senão a úl t ima expressão da ordem universal . A humanidade resume a natureza

inte ira, e representa-a. Esta natureza mesma, como o temos v is to igualmente, é a

mani festação do seu autor. Deus não pod ia f icar no estado de uma unidade absoluta: esta

unidade absoluta, esta substância eterna, sendo uma força cr iadora, devia cr iar , devia

produzir e mani festar -se nas suas produções, com todos os seus grandes caracteres.

Portanto a natureza representa a Deus; e como a natureza com todas as suas le is se resume

na humanidade, e a humanidade com todas as suas épocas se resume em os grandes

homens, resulta daí, com um r igor que nada deixa a contestar que a ordem das coisas, ou

al iás o movimento perpétuo das co isas, não é em todos os seus momentos e em todos os

seus graus senão a apar ição dos grandes homens. Part i da unidade absoluta e chegai aos

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grandes homens, e vós tereis nem mais, nem menos os dois extremos da cadeia dos seres.

Depois dos grandes homens não há mais nada a buscar, porque o grande homem é a mais

al ta indiv idual idade possíve l; e a ind ividual idade é o termo de toda a coisa, como a

unidade abso luta é o seu ponto de part ida.

10 – “Assim tudo conspira no mundo para formar a maravi lha do grande homem. Ei - lo

formado: e i - lo que chega na cena da histór ia ; mas daí o que faz ele? Que papel representa,

e sob que aspecto a f i losof ia da histór ia o deve considerar?

11 – “Senhores, um grande homem, seja em que gênero for , em qualquer época do mundo,

em qualquer povo que apareça, vem para representar uma idéia – uma idéia determinada, e

não outra, enquanto essa idé ia tem força e vale a pena de ser representada; – não antes –

não depois. A conseqüência é que um grande homem aparece quando e le deve justamente

aparecer, e desaparece assim que termina a sua missão – que nasce e morre a propósito .

Quando nada há de grande a obrar, o grande homem é impossível. E o que será com efei to

um homem? — O instrumento de um poder que lhe é estranho; porque todo o poder

ind ividual é miserável ; e nenhum homem se rende a outro homem: – rende-se apenas ao

representante de um poder gera l : quando po is este poder gera l não existe, ou já não existe,

quando fal ta ou se esvaece, que força terá o seu representante? Assim, não sois vós que

podeis fazer nascer o grande homem antes da sua hora, nem o fare is morrer antes do tempo

prefixo: não podeis removê- lo, nem apressá-lo, nem fazê- lo recuar : não podeis cont inuá-

lo, nem subst i tuí - lo; porque, se ele exist ia, é porque t inha uma grande obra a executar ; e

se já não existe, é porque nada mais tem que fazer : – cont inuá-lo é querer cont inuar um

papel f ini to e esgotado “ . (Lição 10ª)

12 – Paremos aqui. Se cedêssemos à tentação que temos de ind icar ao públ ico todo o valor

do l ivro de que hoje damos conta, i r íamos sem dúvida mui longe.

13 – O Sr. V ictor Cousin encontrou no Sr A. P. de Figueiredo um tradutor f ie l , e um amigo

cheio de ded icação. O jovem professor de Pernambuco é uma das mais viçosas esperanças

do país; e nós não duvidamos que dentro em pouco ele real ize o generoso desejo que o

anima de ir à Europa visi tar os seus mestres, e colher, com as v iagens que tenta fazer, um

novo cabedal de var iada ciência .

14 – Queira e le no entanto acei tar esta homenagem que hoje lhe rendemos em nome da

Fi losof ia e da Li teratura Nacional, como um testemunho não suspeito de grat idão públ ica.

A Estrela, Rec i fe, 4/1 1 /1843

Anexo 3

A PEDIDO

NOTÍCIA LITERÁRIA

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Curso da Histór ia da Fi losofia, por V. Cousin,

ver t ido em l íngua vernácula por A. P. de Figuei redo

1– Numa época, qual esta em que nos coube exist i r , baralhada de opin iões que dos

diversos bandos c ivis e de todos os lados se levantam; num século como o atual, em que o

ind i ferent ismo, lavrando pelo corpo socia l , se tem quase tota lmente destruído e arruinado;

entre turb i lhões de part idos que vo lteiam e se abismam, sem uma estrela polar que os

conduza; de necessidade se faz ia que um homem, unindo ao ta lento de orador a

profund idade de f i lósofo abraçando todos os s istemas e todas as esco las, nos abr isse um

plano novo na ciência f i losófica. Era mister que um espír i to for te e penetrante,

arremessando-se a uma vida de contemplação e de estudo, surgisse como um pendão de

vi tór ia sobre os desmantelados restos da velha c iv il ização. A Europa t inha vis to passar de

relance a f i losofia de Bacon, Descar tes e Le ibnitz : determinada a abraçá-la, ela lhe deu

parte de s i mesma nos a lunos que lhe entregou: o empir ismo, a Encicloplédia, a d ialét ica

dos séculos anter iores, roçada desde mui to no pórt ico já ve lho de uma esco la sensual ista,

levantou o estandarte da imobi l idade no meio das nações do norte e do coração daquela

grande par te do mundo.

2 – Bem depressa esta necessidade tão poderosa e de tanto momento obteve uma sat is fação

quase completa; e se os homens de hoje não acabaram o que pretend iam, se não levaram ao

cabo suas intenções l isonjeiras: ao menos estamos nimiamente capaci tados que e les

meteram mãos a esta obra; e o edi fíc io, já tem dado, de gosto grego, re f let ido nos quadros

da ant iga Europa, sent ia re forçarem-se- lhes os a l icerces, e f i rmarem-se suas co lunas num

terreno seguro. (sic)

3 – O ideal da esco la de Platão, reproduzido nos escr i tos do grande Vic tor Cousin, se por

um lado prova a vantagem de serem estudados presentemente os vár ios s is temas

f i losóficos como eles são em si ; por outro nos desenro la um vasto campo para fér teis

indagações – e abr iu-nos o mundo de uma c iência nova, a que e le com tanta propr iedade

denomina Eclet ismo. O homem, que estava dest inado a instru ir a mocidade francesa,

fechando nas suas mãos o dest ino da moderna c iv i l ização, acostumado já de mui to tempo

com as labor iosas fad igas de um espír i to a turado e perspicaz, abandonou por um momento

e com grandíssimo proveito, a já tr i lhada senda que, haviam estradado seus d ignos

predecessores; e depois de ter estudado e v iajado por quase todo o Nor te da Europa, f ixou-

se como a estátua de mármore, e deu-nos a f i losofia moderna. Entrou no Santuár io do

pensamento, e, examinando os e lementos grandiosos de que se compõe, e le nos pôde

oferecer um método isento de di f iculdades e puro de desvantagens. De certo, a

transformação geral do presente século pedia um representante na ciência do pensamento –

e o Sr . Cousin ve io encher esta lacuna tão d igna de ser sat is fe i ta .

4 – Mas, no meio mesmo de tantas revo luções cientí ficas, de tantos acontecimentos

notáveis o Brasi l se achava como preso, e um só passo não dava como que receioso de seus

progressos: – a medida que a tocha acesa nos países Europeus d i fundia seus luze iros por

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todo o vasto c írculo da l i teratura; ao passo que a civ i l ização pulava com a velocidade de

um r io caudal por c ima dos quebrados monumentos da passada idade; a nossa pátr ia sofr ia

o peso vergonhoso de um jugo já de todo desprezado nas c iências. Necessár io e até

ind ispensável era que um homem amante da sua pátr ia, nos viesse ofer tar o que a Europa

tem de mais lhe grangeasse a est ima de todos os bons brasi le iros. Daqui a necessidade da

tradução do Curso da Histór ia da Fi losofia do Sr. V Cousin. Na verdade, nada poder ia o

Sr. Antônio Pedro de Figueiredo fazer presentemente que mais lhe grangeasse a est ima de

todos os bons brasi le iros como a versão que acaba de oferecer da pr imorosa obra do Platão

Europeu, e que forma uma das glór ias do XIX século. O Brasi l , esta par te mais abençoada

da América do meio-d ia, ressenta-se, sem dúvida, de uma doença a mais enfadonha e,

ta lvez a mais per igosa; e de repente sumiu-se esta lepra e eis sat is fe i ta nossa expectat iva.

A excelente obra do grande f i lósofo francês de nossos dias achou no Sr. Figueiredo um

tradutor f ie l e exato, que, unindo à l inguagem de Camões as precios idades daquela l íngua

tão culta, em que estão concebidos seus pensamentos notando os id iot ismos, e evi tando os

pernic iosos gal ic ismos que desgraçadamente tanto vogam nas versões portuguesas, soube

dar ao públ ico brasi le iro uma prova de que mui to se interessa pela prosper idade moral de

seus concidadãos.

5 — A grande revolução que este século tem fei to nas idé ias, e que vai tão rap idamente

correndo por todo o mundo l i terár io, sem dúvida tem uma expansão demasiado poderosa; e

sem sermos taxados de encarecidos, e de amigo de l isonjear, podemos aventurar que a

civi l ização moderna data da f i losof ia atual. Assim a verdade das doutr inas do i lustre

Professor de França, não só é evidente por o lado de ser invest igada com a mais apurada

cr í t ica e aprofundado exame, como porque nos não deixa na ir resolução e no desvio . Com

efei to, o que faz o Sr. Cousin? — Encarregado de combater as tão perversas teor ias do

século passado, impondo-se a si mesmo a tarefa

assaz trabalhosa de um fi lósofo pro fundo, o Sr. Cousin mui to há cooperado para que o

círculo dos conhecimentos c ientí f icos se vá cada vez mais a largando.

6 – Para vermos qual a ut i l idade da f i losof ia moderna, nada mais é necessár io do que

abr irmos a grande obra, que o Sr. F igueiredo acaba de traduzir . Com que br i lhantes provas

defende o Sr. Cousin os dire i tos da razão! E com que prudência e verdadeira cr í t ica ele

reprova os erros onde os encontra!

7 – Vejamos como defende ele a glór ia. “Nunca se dá atenção a que tudo quanto é humano,

é a humanidade que o faz, ou ao menos que o promete; que mald izer o poder (e entendo

um poder longo e durador) é b lasfemar da humanidade, e que acusar a g lór ia é nada menos

que acusar a humanidade que a decreta. E o que é a glór ia? — O juízo da humanidade

sobre um dos seus Srs. membros; ora, a humanidade tem sempre razão: com efe i to, c i ta-me

uma glór ia imerec ida; demais a pr ior i é isso impossível, porque não se a lcança a glór ia

senão com a cond ição de haver mui to trabalhado, de ter deixado grandes resul tados.. . os

grandes resultados, Srs. , grandes resultados.. . tudo o mais é nada. Dist ingui bem a glór ia

da reputação Reputação tem-na quem a quer. Quere is vós reputação? — Pedi a este ou

aquele de vossos amigos que vo-la faça; associai -vos a ta l ou a tal par t ido; da i -vos a um

clube; servi -o , e e le vos louvará. Enfim há cem mi l maneiras de adquir i r reputação; é uma

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empresa como outra qualquer ; nem ela supõe mesmo grande ambição. O que dist ingue a

reputação da glór ia, é que a reputação é o juízo de a lguns, e a glór ia é o juízo do maior

número, da maior ia na espécie humana. Ora, para agradar ao pequeno número bastam

pequenas co isas: para agradar às massas é mister coisas grandes. Na opinião das massas,

os fatos são tudo, o resto é nada. As intenções, a boa vontade, a moral idade, os mais be los

projetos, que não ter íamos por certo deixado de bem conduzir , não ter iam s ido isto nem

aqui lo ; tudo o que se não conver te em fatos é t ido como nada pela humanidade; e la quer

grandes resultados, porque são unicamente os grandes resultados que até ela vão ter : ora

em matér ia de grandes resultados, não há trapaça possíve l. As ment iras dos part idos e dos

clubes, as i lusões da amizade não têm poder a lgum neste caso; – não há mesmo lugar para

discussão. Os grandes resultados não se contestam; a glór ia , que é a sua expressão, não se

contesta tão pouco. Fi lha de fatos grandes e evidentes, ela mesma é um fato mani festo, tão

claro como o dia . A glór ia é o juízo da humanidade; e é um juízo em úl t ima instância;

pode-se apelar dos conventículos e dos par t idos para a humanidade; mas da humanidade

para quem apelar neste mundo? Ela é infa l íve l . Nem uma só glór ia tem sido infundada, e

nem o pode ser . Demais, em vista de que fa tos a humanidade aprec iará e decretará a

glór ia? — Em vista dos fa tos úte is, isto é, úteis a si : a sua medida é a sua própr ia

ut i l idade; e e la não pode ter outra a menos que se abd ique a s i mesma, e deixe de tomar à

natureza os pr incíp ios de seus juízos. A glór ia é o gr i to da simpat ia e do reconhecimento;

é a d iv ida da humanidade para com o gênio; é o prêmio dos serv iços que e la reconhece

haver receb ido, e lhe paga com o que tem mais precioso, – a sua est ima. Convém pois

amar a glór ia , porque é isto amar as grandes coisas, os longos trabalhos, os serv iços

efet ivos fei tos à pátr ia e à humanidade em todo o gênero; e convém menosprezar a

reputação, os sucessos de um dia, e os pequenos meios que aí conduzem; é mister

pensarmos em mui to obrar, mui to trabalhar, em trabalhar mui to bem, e em sermos, Srs. , e

não parecermos; porque (regra infa l íve l) tudo o que parece sem ser depressa desaparece;

mas tudo o que é, por a vir tude de natureza própr ia, aparece cedo ou tarde. A glór ia é

quase sempre contemporânea; mas não há nunca grande intervalo entre o túmulo de um

grande homem e a glór ia” (Lição 10ª, p . 154). — Que poesia! E que teor ias tão doces

nestes grandes pensamentos do Platão Europeu! A idade de ouro da f i losofia moderna, que

va i passando rapidamente como o fogo de uma bater ia contra as ve lhas muralhas de um

empir ismo grosseiro, f ixará também um lugar assaz dist into, para o qual cumpre que a

geração presente e a que v ier depois suba, e onde há de completar -se o plano fecundo de

Deus. Na sucessão cont ínua dos séculos, na tão vár ia mul t ip l ic idade de doutr inas e de

esco las, reagindo umas contra as outras, exercendo um puro espír i to de controvérs ia, não

se pode encontrar uma idéia tão cheia de grandes frutos como a que acaba de expender o

Sr. Cousin, e a qual o Sr . F igueiredo com tanto esmero nos deu.

8 – O caráter do homem se desenvo lve inte iramente nesse turbi lhão de opiniões que se

contrastam e se baralham: – desenvolve-se intei ramente, porque aparece em cena a mesma

humanidade em pessoa. Esse espír i to que herdamos da f i losof ia passada, longe de nos

ministrar cabedais com que abastássemos o entendimento ve io f ixar a época da

ir rac ional idade, a época do erro e da ignorância. Sem força, sem estímulos, entregue aos

devaneios de uma fantasia corrupta, o espír i to humano só pode colher do XVII I século

idéias indeterminadas sobre a natureza e a razão: – atualmente uma f i losofia mais

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i lustrada, uma doutr ina mais vantajosa e popular nos vai mostrando quanto se ostentou

cavi loso o abuso da razão naquela época, em que os Rousseau, os Vol taire, os Helvécios

só t inham por bússola as mais fúte is idéias. O sistema da natureza estava, para assim

dizer, no seu berço, rodeado de aventurei ros: – e o que se or ig inou desse erro tão

ind iscreto? O abuso da razão: – e o que fez Victor Cousin e os f i lósofos modernos? Mais

hábeis, ta lvez, que os Condi l lac, mais profundos que os Locke, eles se apresentam na

arena do combate, postergaram os ru inosos pr incípios que já iam grassando como moda; e,

extra indo das melhores obras o que julgaram melhor, fundaram o Eclet ismo sobre as ruínas

do ot imismo emperrado, e do obst inado Mater ial ismo.

9 – A c iência do pensamento humano estava durante o século passado, sepultado na mais

escura masmorra: gênios vert iginosos que se entusiasmam, e correm de repente para a

l ição sem armas que lhes aprovei tem; espír i tos estonteados pelo ca lor de uma lógica

turbulenta surgiram na Europa, e fecharam em suas mãos o dest ino da civ i l ização no

século passado. Achava-se então a Europa numa si tuação demasiado mel indrosa,

acometida por bárbaros usurpadores, insultada pelo furor de diversos potentados

estrangeiros: era mister um e lemento mais for te para rest i tu ir - lhe o seu verdadeiro posto

de que se v ia desalojada; e eis que o espír i to moderno, já enfadado do pensar ant igo,

erguido apenas sobre os restos de uma escola já morta se levantou glor ioso por ter obt ido

um caminho novo.

10 – A f i losofia que até o XVII I século se l imi tava a opin iões d ispersas e incompat íveis,

por ventura, e que somente aguardava um dest ino acidenta l , hoje é claramente observada

pelos maiores homens que f iguram na cena l i terár ia. Conci l iando os sis temas precedentes,

e anal isando seus métodos, ve io a conseguir um termo fe l iz, porque de outra maneira, sem

recurso algum, o espír i to perecer ia no meio de sua car reira, ou permanecer ia imóvel e

estac ionár io.

11 – Graças sejam dadas ao senhor Vic tor Cousih, que herdando do século passado a

dialét ica manhosa, a d ialé t ica esco lást ica, soube indagar a verdade. E graças, também,

sejam dadas ao Senhor A. P de Figueiredo, que, nos o ferecendo a boa versão do curso de

histór ia da f i losof ia de V. Cousin, nos vem supr ir a maior necessidade e merecer por isso

os nossos votos de ingênua grat idão. Nós lhos damos, como eles saem do fundo de nossa

alma, e como um feudo da amizade que lhe consagramos; e esperamos que o Senhor

Figueiredo siga sem receio a senda que se propôs tri lhar, e cada vez mais se f i rme na

consideração que como amigo hoje lhe tr ibutamos.

A. R. de T. B.

Diário Novo, Reci fe , 28/11/1843

Anexo 4

Sr. Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque!

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1 – O i lust re autor do – Ensaio sobre o entendimento humano —, cé lebre Locke, d isse

outrora, e com razão, que todas as d iscussões f i losóficas não passavam de logomaquia, e

que se para tais matér ias houvesse uma l íngua exata, como existe a álgebra para as

matemát icas, já não haver ia d iscussões para os teoremas f i losóficos, assim como não pode

haver sobre o valor dos três ângulos de um tr iângulo, nem sobre a so l idez de uma esfera.

2 – O mesmo acontece nas c iênc ias chamadas socia is e pol í t icas; nelas também a fal ta de

l íngua exata, de expressões cabalmente def inidas, é a causa de todas as divergências. A

verdade é uma só; e se os contentores t iverem boa fé e lógica, o termo de qualquer

d iscussão revela que os adversár ios eram em essência da mesma op inião, mas davam às

mesmas palavras, uma signi f icação di ferente.

3 – Por comunhão das mulheres e dos bens entendo eu, e comigo, se não me engano, a

maior ia dos le i to res, um estado soc ia l em que ninguém poderia possuir um objeto , sem

que outro qua lquer t ivesse o di re i to de lho tomar; e as mulheres ser iam reputadas

objeto de que cada qual poder ia se serv i r todas as vezes que quisesse (o gr i fado está

em i tá l ico no texto).

4 – Sr. , esta monstruosa utop ia, que justamente horror iza o públ ico, e , segundo me parece,

somente se pode encontrar no Repúbl ica de Pla tão, fo i atr ibuída aos socia l istas modernos

pelos abso lut is tas e outros, a despeito dos protestos veementes desses apóstolos do

progresso; e como na vossa defesa, eu achasse reproduzida essa ca lúnia, ju lguei do meu

dever não só protestar, como a inda hoj e protesto contra tão imerecida imputação, senão

desaf iar -vos a que me apresente is um texto social ista que apregoasse

semelhante monstruosidade.

5 – Bem sab ia eu que não era possível achar esse texto nas obras dos escr i tores atualmente

conhecidos sob a denominação genér ica de soc ial is tas e por isso ju lgava que me ci tásseis

o d iv ino Platão, com quem os soc ia l istas não têm nem querem ter so l idar iedade a lguma.

Mas nunca ju lguei que ampl iásseis o sent ido do vocábulo comunhão, a ponto de chamardes

comunhão dos bens a propriedade co let iva de cer tos objetos, e comunhão das mulheres

esse estado em que a mulher tem t rato carna l com vários; que com semelhante def inição,

em vez de provardes a odiosa imputação fei ta aos socia l is tas, somente dáveis lugar a que

se dissesse que a comunhão dos bens e das mulheres como def inis tes, exis te em mui tos

casos na sociedade atual .

6 – Entretanto, fo i esse o vosso procedimento, pois da anál ise da vossa resposta resulta o

seguinte:

1º – Muitas descomposturas aos soc ia l istas, assinadas por Proudhon, as quais somente

provam que Proudhon também reproduziu as calúnias ir rogadas aos social is tas pe los

abso lut is tas e jesuítas; a inda que em outras obras, o mesmo Proudhon se tenha apresentado

como campeão da democracia social is ta.

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1 4 3

2º – Um trecho de Four ier , o qual mostra que dadas cer tas cond ições, o d i to Four ier

admit ia para o futuro que se poder ia conceder às mulheres a independência de que hoje

goza o nosso sexo.

3º – Um trecho de Gabet , do qual deduzistes a comunhão das mulheres a pretexto de lógica

e a despeito dos protestos do mesmo Gabet ; confund indo destar te as modi f icações que

certos social is tas admitem no futuro para o casamento ind isso lúvel e outras inst i tu ições

que hoje servem de base à famí l ia , com a comunhão das mulheres ou promiscuidade

animal, que ninguém quer.

7 – Portanto, Senhor , parece-me que a vossa argumentação nada tem de i r res ist ível , porque

nada provaste em abono da vossa ir re f let ida asserção. Assim, podia eu parar aqui,

aguardando ci tações mais conc ludentes. Entretanto como tenho certeza de que não

podereis achá- las, aproveito a ocasião para dar uma defin ição genuína desse mesmo

soc ial ismo que p intastes aos le i tores da União, como ci frando-se na comunhão dos bens e

das mulheres.

8 – O soc ial ismo não é uma doutr ina, a inda não passa de uma aspiração; mas esta

asp iração tende a re formar o estado soc ia l atual em pro l do melhoramento mora l e mater ial

de todos os membros da soc iedade.

9 – Para este f im cada esco la social is ta o ferece meios di ferentes, mas não há uma sequer,

cujas intenções deixem de ser puras e generosas, cujo ideal não seja a real ização na terra

dos pr incíp ios de l iberdade e fraternidade.

A. P. de Figueiredo

7 de agosto de 1852

Diár io de Pernamhuco, Reci fe , 12-8-1852

Anexo 5

Senhores Redatores

1 – Pelo Diár io de Pernamhuco me havia eu compromet ido a defender o socia l ismo da

acusação, que o Sr Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque lhe f izera, de ci frar -se e le na

comunhão dos bens e das mulheres. Para este f im publ iquei no mesmo Diár io uma

correspondência, e no dia 24 do corrente entreguei outra sobre o mesmo assunto .

Entretanto , como o propr ietár io da di ta gazeta, além de ter exigido que eu f izesse na

pr imeira correspondência certas modi f icações, a que me sujei te i , exige agora, para

pub l icar a segunda, mudanças tais, que t i rarão toda a força à minha argumentação, rogo a

Vv. Ss. o obséquio de admit i r nas co lunas da sua gazeta a di ta correspondência, a qual

também será a úl t ima, que a tal respei to pub l icarei.

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2 – Quando escrevi a correspondência inc lusa, tencionava seguir o Sr Autran em qualquer

terreno a que levasse e le a d iscussão, supondo então que t inha a discut ir com um f i lósofo

e um economista; mas como meu adversár io t rouxe por arresto no seu úl t imo ar t igo o

concí l io provinc ia l de Par is e o venerável Pio IX, não querendo eu ter a sor te de Gal i leu,

del ibere i não prossegui r em tal questão. O públ ico ju lgará se tenho ou não razão em

recolher-me ao si lênc io.

Sou de Vv. SS. Atento, venerador, obr igado

A. P. de Figueiredo.

30 de agosto de 1852.

Sr. Dr. Pedro A. da M. e Albuquerque!

3 – Antes de responder à vossa correspondência, inserta na União número 469, em que

abandonastes a questão pr incipal, e acometestes de novo o Socia l ismo e a defin ição que

dele de i no número 179 do Diár io de Pernambuco, não será fora de propósi to determinar

precisamente o estado atua l da nossa discussão.

4 – Afi rmastes em o número 464 da União, que o Socia l ismo ci frava-se na comunhão dos

bens e das mulheres; desaf ie i -vos a que me apresentasses um trecho sequer de um escr i tor

soc ial ista , que apregoasse tão monstruosa doutr ina. Não vos fo i possíve l achar esse trecho,

e para responder ao meu desaf io inventastes uma defin ição de comunhão dos bens e das

mulheres, que em nada se assemelha ao sent ido, que o púb l ico tem assinado a estes

vocábulos. Ci tastes um trecho de Four ier sobre o amor l ivre ; e f i rmado nesse trecho e na

autor idade mui contestável de Proudhon, pretendestes provar com deduções vossas o que

haveis i r re f let idamente aventurado.

5 – Respondi-vos, no Diár io de 12 do corrente, co locando a questão no seu verdadeiro

aspecto ; mostrei , que a vossa def in ição não passava de um subter fúgio, e que o que t inhas

a provar, era que os soc ial istas querem, não já a propr iedade colet iva de certos objetos e

esse estado em que a mulher tem tra to carnal com vár ios, o que mais ou menos existe na

atua l idade, mas sim a comunhão dos bens e das mulheres, ta l como é entend ida pelo

púb l ico, e por mim fo i def inida na ci tada correspondência.

6 – Achastes a tarefa mui pesada; e como não pudestes sustentar a vossa pr imi t iva

asseveração, e nem vos quisestes confessar venc ido, me chamastes para novo terreno em o

número 469 da União.

7 – Neste campo, assim como em qualquer outro, ace itarei a luta; mas quis pr imeiro

assinalar a vossa ret i rada; e isto posto , t ratarei de responder aos d iversos tóp icos da vossa

segunda correspondência.

8 – Se me não engano, c i fra-se ela nos pontos seguintes:

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1º – Contestastes a minha defin ição de Socia l ismo, acusando-a de contraditór ia.

2º – Alcunhastes a mesma defin ição de cavi losa, sob pretexto de que, em vez do

Social ismo trazer o melhoramento moral e mater ial da Sociedade, tornar ia p ior a cond ição

moral e mater ial da nossa espécie.

3º – Perguntastes a que escola soc ial ista eu pertencia. Procurarei responder-vos sem

tergiversar.

9 – Disse eu, que o Social ismo não era uma doutr ina, mas uma aspiração tendente a

re formar o estado atua l socia l em pro l do melhoramento mora l e materia l de todos os

membros da soc iedade.

10 – Pretendeis que esta defin ição seja contradi tória, e, para prová- lo, procurastes

confund ir o espír i to do le i tor , dando al ternat ivamente ao vocábulo doutr ina, 1º o seu

verdadeiro sent ido, – um complexo de dogmas, regras ou precei tos s istematizados, bem

como quando se diz, – a doutr ina re l ig iosa do cr is tianismo, a doutr ina rel igiosa dos

Maometanos, a doutr ina rel ig iosa dos Budistas, & C., ou a doutr ina f i losófica de Locke, a

doutr ina f i losóf ica de Kant , a doutr ina f i losóf ica de Descar tes; 2º outro sent ido mais

geral , o qual se não pode atr ibuir a este vocábulo, e se ap l icar ia aos movimentos,

tendências ou aspirações, que se chamam Rel igião e Fi losof ia, e a que são devidas as

diversas doutr inas rel igiosas e f i losóf icas.

11– Ora, da mesma sorte que a Rel igião não é uma doutr ina, a inda que haja mui tas

doutr inas re l ig iosas, nem tão pouco a Fi losof ia, apesar de haver mui tas doutr inas

f i losóficas da mesma sorte o Social ismo não é uma doutr ina, a inda que haja mui tas

doutr inas soc ia l is tas. Temos a doutr ina social is ta de S. Simon, a de Mornely, a de

Baboeuf, a de Four ier , a de Vida l, a de Buchez, a de Luiz Napoleão, a de Pièrre Leroux, a

de Cabet, e tc. , etc. , etc. ; mas não há doutr ina socia l ista! !

12 – Entretanto tão pouco escapou-vos a fraqueza de semelhante argumentação, baseada

nessa confusão vo luntár ia, que ao mesmo tempo procurastes mostrar que os diversos

sis temas socia l is tas t inham certos pontos comuns que const i tuíam uma doutr ina social is ta,

e a f i rmastes que estes pontos eram os seguintes: 1º a reab i l i tação da carne; 2º a sat is fação

plena dos nossos desejos, paixões, e fel ic idade completa nesta v ida; 3º a negação do

cr ist ianismo, da sua moral e das suas promessas; 4º a negação da propr iedade indiv idual e

da famí l ia.

13 – Nego redondamente que haja uma só destas afi rmações que seja comum a todos os

soc ial istas; e a té digo: 1º , que de cem soc ia l istas, há noventa e nove, que nunca se

ocuparam com a ta l reabi l i tação da carne, a qual, segundo me parece, pertencia à fa lec ida

esco la sansimoniana, nem tão pouco com a doutr ina fanlaster iana acerca da legi t imidade

das paixões humanas; 2º , que nenhum soc ial is ta crê, que se possa obter fe l ic idade

completa neste mundo; 3º que a imensa maior ia dos soc ia l istas, longe de negar o

cr ist ianismo, sua moral e promessas, como afi rmastes, pelo contrár io pretendem ser os

verdadeiros cr is tãos, os que procuram o re inado de Deus e da sua Just iça.

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14 – Pudera a este respei to mul t ip l icar as ci tações de Buchez, Pierre Leroux,

Vi l legardel le , Simon Granger, H. Doher ty, & C. ; mas como tendes maior conhecimento

dos fanlaster ianos, e os acusastes part icularmente de ep icur ismo, l imi tar -me-ei aos

seguintes trechos, ext raídos da úl t ima obra pub l icada por V. considerando, atua l chefe dos

faniaster ianos.

15 – No Socia l ismo perante o ve lho mundo diz ele : “ quando uma rel igião se formulou

sobre este dogma fundamenta l : – Amai-vos reciprocamente, e amai a Deus sobre todas as

coisas –, pode se afiançar que está dada a defin i t iva fórmula re l ig iosa da humanidade, (p.

70)” . Em outro lugar da mesma obra (p. 24) assim se expr ime: “ao pr incípio o social ismo

moderno julgava não proceder senão de s i própr io ou quando mui to da revo lução francesa;

mas ao estudar-se a si p rópr io e a histór ia da f i losof ia e do cr is t ianismo, encontrou a sua

or igem na f i losof ia e no cr ist ianismo” Mais adiante: (p. 205 e 212) ainda se lê o seguinte:

“coloquemo-nos s inceramente sob a invocação do Evangelho; reiv indiquemo-lo em nosso

favor, mostremo-nos verdadeiros apósto los da fraternidade. O Social ismo se ergue no meio

dos povos, e reiv indica para si o Evangelho e as puras

tradições da rel igião dos fracos e dos opr imidos” .

16 – Voltando ao nosso assunto, prosseguire i nas minhas af i rmações e direi : 4º , que não

há soc ial ista que pretenda abol i r a famí l ia ; 5º que a imensa maior ia dos socia l is tas não

negam a ut i l idade da propr iedade ind ividual, e nenhum quer supr imi- la completamente.

17 – Pode ser que, se alguém procurasse cuidadosamente deparasse nos diversos s is temas

com algum dogma comum aos d iversos sis temas socia l is tas; mas releva confessar que não

fostes fe l iz na vossa pesquisa, pois nem sequer achastes um.

18 – Respondida destar te a pr imeira parte da vossa cor respondência, passarei à segunda.

I I

19 – Arguistes a minha def in ição de cavi losa. Ora, vê-se do que procede que essa

def inição, não só é verdadeira como também a única que se possa dar do soc ia l ismo. Com

efei to, o ideal de todos os socia l is tas é a real ização na terra dos grandes pr incíp ios de

l iberdade, igualdade e fra ternidade, revelados ao mundo há dezoito séculos pelo

cr ist ianismo, desse re inado de Deus e da sua Just iça , onde todos os bens são dados ao

homem, como d iz o Apósto lo. Há divergência entre e les acerca dos me ios de real ização;

mas todos são concordes na procura deste ideal. E quando algum homem reclama reformas

para real izar tão nobres desejos, não há cavi lação em dizer se que e le quer o

melhoramento mora l e mater ia l da humanidade.

20 – Entretanto, a inda desta vez confund istes as intenções com os resul tados,

procedimento este mui cavi loso, pois quisestes provar que os soc ial is tas não aspiram a

melhorar a humanidade moral e mater ialmente, porque o s istema que pretendem ap l icar

não ter ia essa vir tude, e antes dar ia um resul tado contrár io.

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21– Ainda quando houvesse doutr ina soc ial ista na verdadeira acepção da palavra, isto é, se

todos os socia l is tas se achassem de acordo sobre cer tas re formas, e destas re formas não

pudesse demandar o bem que desejam, nem por isso a minha defin ição deixar ia de ser boa;

mas acresce que, como mostrei ac ima, não existe ta l doutr ina.

22 – Há mui tas se i tas socia l istas, mas a inda há muito maior número de soc ial istas que não

pertencem a se ita alguma; e só têm de comum a asp iração cr is tã que assinalei , como

caráter d ist int ivo do socia l ismo. Assim fostes obr igado a fantasiar uma doutr ina que

alcunhaste de soc ia l ista, e então dissestes que o soc ial ismo apregoa a sat isfação p lena das

nossas pa ixões; conduz natura lmente à negação de Deus e à negação formal do

cr is t ian ismo.

23 – Ora, infe l izmente para vós, se a lgum social is ta d iz com Four ier que as paixões do

homem são legít imas, e atr ibui os cr imes à má organização da soc iedade, nenhum conheço,

à exceção de Proudhon, que tenha negado a Deus; e ainda assim, se nessa obra das

contrações econômicas, donde t i rastes os argumentos contra o soc ial ismo, o mesmo

Proudhon negou a Deus em uma par te da obra, af i rmou-o em outra; da mesma sorte que

glor i f icara e fu lminara sucessivamente a propr iedade, a comunhão, a concorrênc ia, & C.,

por ser f ie l à teor ia das ant inomias ou oposição, que não quisestes compreender.

24 – Quanto à negação expressa do cr is t ianismo que atr ibuistes ao soc ial ismo, é tão mal

fundada essa vossa afi rmação que a imensa maior ia dos soc ia l istas venera a Cr isto e a sua

doutr ina, e se arroga a honra de ser os legít imos sucessores dos seus Apósto los.

25 – Vedes por tanto, senhor, que até aqui só houve cavi lação da vossa parte não da minha.

Lestes as descomposturas de Proudhon aos soc ial is tas, e pensastes que is to era sufic iente

para esmagá-los; mas enganastes-vos, porquanto , apesar deste poderoso a l iado, até o

presente não tendes t i rado vantagem alguma da discussão; fostes obr igado a fugir da

questão, a tergiversar, a ampl iar o sent ido dos vocábulos, e confund ir os seus diversos

sent idos; e o que a inda é pior a a tr ibuir aos soc ial istas pr incípios que e les nunca t iveram,

ou que não passam de excrescências de a lguma doutr ina socia l is ta especial .

26 – Vejamos agora se fostes mais fel iz na parte econômica da questão. Por este lado

apesar dos vossos esforços, não achastes uma doutr ina econômica que pudestes atr ibuir a

todos os Social is tas, e por isso vos l imi tastes a atacar sucessivamente algumas teor ias

soc ial istas, procurando provar que a apl icação delas havia de d iminuir a r iqueza gera l em

vez de aumentá-la. Assim atacastes um Sistema anônimo que proclama a absorção

completa do indivíduo no estado; fa lastes de passagem em Luiz Blanc e Proudhon, e

fu lminastes o trabalho atraente de Four ier .

27 – Ora, ainda quando houvésseis re futado a opinião destes autores e mostrado que da

real ização das suas teor ias resul tar ia d iminuição da r iqueza gera l , nada tere is provado

acerca do Social ismo em geral , mas s im acerca de quatro s is temas socia l istas. Entretanto

nem ao menos a lcançastes este resul tado, porque no tocante à doutr ina que segundo

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dissestes, exige a soc ia l ização dos instrumentos de trabalho, era prec iso que provastes que

a diminuição de produção, devida à supressão do estímulo da misér ia e da apropr iação

part icular não ser ia compensada pelo aumento devido à emulação que se há de desenvo lver

em toda a organização regular, e pelas imensas economias de força, tempo e despesas, que

resultam da associação. Não examinastes na vossa correspondência as teor ias econômicas

de Proudhon e Luiz B lanc e quanto à vossa cr í t ica da teor ia four ier is ta, consiste ela em

objeções que há mui to foram respondidas no tra tado da Associação doméstica agr íco la, no

Dest ino Social, etc. , e tc . , e não reproduzire i aqui estas respostas por me fa l tar o espaço.

28 – Parece-me por tanto que vos não saistes melhor da parte econômica do que da par te

lógica da vossa resposta. Entretanto não posso deixar de dizer que se eu me compromet i a

defender o social ismo tal qual o defin i , não me corre a obr igação de sustentar todas as

idéias prát icas, apresentadas pelos social istas, o que por outro lado não fora possível,

vis to a d ivergência que existe entre eles a este respeito . Defendi -as contra a vossa cr í t ica,

porque a vossa argumentação não me pareceu procedente, mas não porque eu as tenha em

conta de verdadeiras.

29 – Procurarei agora sat is fazer à vossa terce ira exigência. A fórmula gera l da esco la

soc ial ista a que pertenço, é a real ização progressiva do pr incípio cr istão de l iberdade,

igualdade e fra ternidade, e fetuada sem vio lênc ia, e por meio de medidas apropr iadas às

necessidades dos diversos países. Talvez que na Europa eu quisesse o desenvolv imento

integral do pr incípio da assoc iação, na agr icul tura, na indústr ia; em uma palavra: em todas

as esferas da at iv idade humana. Entre nós julgo prematura essa subst i tu ição do poder

soc ial ao ind ivíduo, e tenho para mim que o estímulo da propr iedade indiv idual – é o

melhor incent ivo para acelerar a marcha da c ivi l ização, ao menos na esfera pr inc ipa l, a da

produção; e por isso a mais urgente das nossas necessidades soc ia is me parece ser o

faci l i tar a todos o acesso à propr iedade terr i to r ial .

30 – Sat is fe i tas destar te as vossas exigências, rematarei esta resposta com algumas

ref lexões acerca de a lguns pontos da vossa cr í t ica.

31 – Não acho apl icável à nossa c ivi l ização atua l, nem mesmo ainda à européia essas

fórmulas de abol ição de capi ta l , v ida em comum, gratu idade do créd ito e igua ldade dos

salár ios, que ci tastes com menosprezo; mas no meu entender, consideradas de uma

maneira absoluta, e sem apl icação prát ica na época em que vivemos, são marcadas com o

cunho da just iça eterna, e longe de serem, como dissestes, o soc ia l ismo abjeto e bruta l,

acham o mais poderoso apoio nos l ivros que servem de base à nossa santa re l ig ião, e para

prová- lo, o fereço-vos as ci tações seguintes:

Vida em comum

32 – “E todos aqueles que cr iam estavam unidos, e t inham todas as coisas em comum;

vend iam suas fazendas e bens e os distr ibuíam por todos segundo as necessidades que

cada um t inha.

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“E estavam todos os dias assíduos no templo de comum acordo; e, part indo o pão pelas

casas, tomavam seus a l imentos com prazer e s impl ic idade de coração” (Atos dos Apósto los

I I , 44, 45 e 46).

33 – E em outro lugar :

“E da mul t idão dos que cr iam o coração era um e a alma uma; e nenhum dizia ser sua,

coisa alguma daquelas que possuía. Mas tudo entre eles era comum” (Atos dos Apóstolos

IV 32, 34, 35, 36, 37).

“ A v ida comum é obr igatór ia para todos os homens, e pr imeiramente para todos aqueles

que pretendem servir a Deus de uma maneira i r repreensíve l e imi tar o exemplo dos

Apóstolos e dos seus discípulos” (S. Clemente, At. conci l . ) .

Abo l ição do capita l

34 – “O uso de todas as coisas que estão neste mundo deve ser comum a todos os homens.

A in iquidade fo i que permi t iu que um d issesse: isto é meu; e outro: is to me pertence.

Deste fa to proveio a discórd ia entre os morta is” (S. Clemente I .P. act. conc i l . ) .

35 – “ A natureza minist rou em comum todos os bens a todos os homens. Com efe i to , Deus

cr iou todas as coisas a f im que o gozo delas fosse comum a todos, e a terra se tornasse a

posse comum de todos. Assim a natureza gerou o direi to de comunidade, e fo i a usurpação

que produziu o direi to de propr iedade” . (S. Ambrósio , Sem. 64, in luc. cap. 16)

36 – “Saibam que a terra de que eles foram t i rados é comum a todos os homens, e que por

isso os f ru tos que e la produz pertencem a todos indist intamente” . (S. Gregór io, curs. , Pas.

Voy, adm. 22.)

Gratu idade do crédito

37 – “É soberanamente injusto exig ir -se mais do que aqui lo que se deu: prat icar desta

maneira, é depredar o próximo, é especular per f idamente sobre as suas necessidades” (S.

Lactânc io 1, S, Inst . Div. , c. 17 (s ic))

38 – “A v ida do emprestador é uma vida preguiçosa e insaciável; e le não conhece os

trabalhos do campo, quer que tudo nasça para si sem semente e sem cul tura; a sua charrua

é a sua pena; o seu campo é o bi lhete que lhe dará o capi ta l e o lucro. A SUA SEMENTE

A SUA TINTA. Enf im a pena (estragado no texto) fecundar o seu trabalho é o tempo

necessár io para que o seu dinheiro aumente e lhe produza frutos mister iosos.. . ; o

emprestador não tem nada e possui tudo, vivendo v ida inte iramente contrár ia às

prescr ições dos Apóstolos. . . Homem ávido, rest i tu i a teu i rmão aqui lo que lhe roubaste

injustamente!” (S. Gregór io de Nicéia, Orat . contr . usurar.) .

39 – “O que há mais revo ltante do que pretender semear sem campo, sem chuva, sem

charrua! Mas também aqueles que se entregarem a esse gênero de agr icul tura pest í fero só

colherão jo io, que deve ser entregue ao fogo eterno” (S. Cr isóstomo. Homi l . 57 in Mat.) .

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40 – Quem denominasse roubo e parr icíd io a iníqua invenção do emprést imo a juro não

estar ia mui to longe da verdade. Com efei to, que importa que vos tornásseis senhor do bem

de outrem, escalando muros e matando passageiros, ou que adquir ísse is aqui lo que vos não

pertence pelo efe i to inexorável do emprést imo? Oh depravação da l inguagem!. . . Se alguém

ao encontrar -se com um viajante, lhe arrancasse à força ou lhe subtraísse por astúc ias as

suas provisões, chamá-lo-ão sal teador e ladrão. Mas aquele que comete injusta espo l iação,

em presença de testemunha, e que conf irma a sua in iquidade por atos de boa aparência, é

qual i f icado homem generoso, benévolo , serviça l . ” (S. Gregór io de Nicéia. Homi l . in c. 4

Ecles.)

Igua ldade de salár ios

41 – “O reino dos Céus é semelhante a um homem pai de famí l ia que ao romper da manhã

sa iu a assalar iar t rabalhadores para sua vinha.

“E fe i to com os trabalhadores o ajuste de um dinheiro por d ia, mandou-os para sua v inha.

“E tendo saído junto da terceira hora, v iu estarem outros na praça ociosos.

“E disse- lhes: Ide vós também para minha vinha, e dar -vos-e i o que for justo.

“E e les foram. Saiu porém outra vez junto da hora sexta e junto da nona, e fez o mesmo.

“E junto da undécima tornou a sa ir , e achou outros que lá estavam e lhes disse: Por que

estais vós aqui todo o d ia ociosos?

“Responderam-lhe eles: porque ninguém nos assalar iou. Ele lhes disse: Ide vós também

para minha v inha.

“Porém lá no f im da tarde d isse o senhor da vinha ao seu mordomo: chama os

trabalhadores, paga- lhes o jorna l, começando pelos úl t imos e acabando nos pr imeiros.

“E tendo chegado po is os que foram junto da hora undécima, recebeu cada um seu

dinheiro .

“E chegando também os que t inham ido pr imeiro, julgaram que haviam de receber mais,

porém também estes não receberam, mais do que um dinheiro cada um.

“E, ao recebê-lo , murmuravam contra o pai de famí l ia.

“Dizendo: Estes que v ieram últ imos não trabalharam senão uma hora, e tu os igualaste

conosco, que aturamos o peso do dia e da ca lma.

“Porém e le respondendo a um deles, lhe disse: amigo, eu não te faço agravo: não convieste

tu comigo em um dinhei ro?

“Toma o que te per tence e va i -te; que eu de mim quero dar também a este úl t imo tanto

como a t i .

“Visto isto não me é l íc i to fazer o que quero? Acaso teu olho é mau porque eu sou bom?”

(Mt. XX l a. l5)

Basta por hoje.

Reci fe , 23 de agosto de 1852.

A. P. de Figueiredo.

A Imprensa, Reci fe, 6 /9/1852.,

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1 5 1

Nota: de ixamos as ci tações como se encontram elas, no or iginal.

Anexo 6

CERTEZA HUMANA

I

To be or not to be!

Schakespeare

1– Poderá o homem chegar à verdade? Terá ele o d irei to de acredi tar em alguma coisa? É

esta uma questão bem simples em aparência pois que todos nós a reso lvemos

inst int ivamente em cada momento da v ida; mas cuja so lução, há 4 000 anos encetada,

ainda os f i lósofos não hão pod ido encerrar. Conhecemos hoje, no todo ou em par te os

pr incipais monumentos das quatro grandes épocas f i losóficas em que se div ide a his tór ia

do espír i to humano, desde as pr imeiras tentat ivas de interpretação t ímida dos Vedas, a té

as sínteses orgulhosas da f i losofia moderna. Cada uma destas épocas há produzido

diversos s is temas que também hão dado diversas soluções posit ivas ou negat ivas acerca da

questão que nos ocupa, e todas se acham, hoje por terra sem que nenhuma delas sequer

t ivesse t ido a for tuna de persuadir a humanidade.

2 – E qual será a causa de semelhante impotênc ia? Um grande f i lósofo do século XVII , o

pai da f i losofia do XVI I I , o i lustre Locke, no seu Ensaio sobre o entendimento humano,

(obra, a respeito da qual , sem embargo da nossa reverênc ia para com o inventor do cá lculo

d i ferencia l , não podemos rat i f icar o severo juízo de Leibnitz, Paupert ina phio lsoph ia) ,

nos diz que a maior par te das discussões f i losóf icas versam sobre palavras mal def in idas:

são puras disputas de palavras, – logomaquias.

3 – Encostamo-nos completamente à opin ião deste profundo anal is ta e genera l izamos

mesmo o seu pr incíp io , d izendo que não só a maior par te, mas todas as discussões

f i losóficas provêm de os homens se não compreenderem uns aos outros. Temos para nós

que, em essência, os f i lósofos são da mesma opinião, e que todas as dissidênc ias

cessar iam, se eles, à maneira dos matemát icos, se pudessem servir de uma l íngua, cujos

termos t ivessem todos uma signi f icação precisa e não pudessem ser empregados ou

receb idos em duas ou três acepções di ferentes.

4 – Assim a questão da certeza, que se acha par t icularmente confund ida pelo sent ido vago

dos termos de que os f i lósofos se servem para estabelecê-la, é o ponto de d ivergência de

todos os s is temas; e da so lução que estes mesmos sis temas lhe dão é que depende a

determinação da classe a que per tencem.

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5 – Uns, os cét icos, hão negado a possib i l idade de uma certeza qualquer ; outros, os

ideal istas e sensual is tas, compreendidos sob a designação colet iva de dogmáticos hão

atr ibuído os caracteres da cer teza a cer tos dados do espír i to humano, e recusado a outros.

6 – Não é pois a questão da certeza um ter r i tór io tranqüi lo, em que todos podem ed i f icar e

cul t ivar segundo a sua vontade, e sem receio de ser dele expulso. Os maiores gênios dos

tempos passados e modernos viraram-no e reviraram em todos os sent idos; mas nem um só

pode tomar de le posse def ini t iva: Assim, antes de nos arr iscarmos a formular a nossa

opinião pessoal sobre tão grave assunto examinaremos pr imeiro as pr incipais so luções

dadas pelos d iversos sis temas f i losóf icos a esse problema fundamenta l .

I I

Er rare humanum est .

7 – Vejo uma árvore, d iz Th. Jouffroy, a f i rmo que esta árvore existe: eis a í a verdade

humana. Ora, é absolutamente verdade que esta árvore existe ou é absolutamente verdade

que e la não existe ; logo existe uma verdade abso luta. E será esta verdade absoluta idênt ica

com a verdade humana? Que autor idade poderemos nós invocar para decid ir a questão?

Será nossa intel igênc ia? Assim deve ser, po is que é este o único meio que temos para

chegar a conhecer, mas trata-se dela mesma; é sobre a sua legi t imidade que temos de

decid ir . Ela se não pode provar a si mesma sem uma pet ição de pr incípios, um círculo

vic ioso palpável. Em matér ia de dúvida, abstém-te, d iz o ant igo adágio; assim Jouffroy

conclu i em favor da legi t imidade do cet ic ismo, e esta so lução a pr ior i fo i a lcunhada pelos

seus par t idár ios com o nome pomposo de cet ic ismo transcendente.

8 – Pela nossa parte, estamos longe de aceitar semelhante legi t imidade e transcendência;

com efe i to, tomemos outra vez, nos seus elementos, o rac iocínio de Jouffroy. Vejo uma

árvore, a f i rmo que esta árvore existe (verdade humana) : nesse ponto estamos nós de

acordo; mas acrescenta ele : ora é absolutamente verdade que esta árvore existe ou é

abso lutamente verdade que ela não existe. Logo existe uma verdade abso luta.

9 – Não, três vezes não!! ! não é abso lutamente verdade de que esta árvore existe ou

abso lutamente verdade que não existe, se por absoluto entendeis alguma co isa

completamente independente da inte l igência humana, e nem podeis entender outra co isa; o

pr incíp io de contrad ição que invocais aqui é certamente a cond ição, a base indispensável

de um raciocínio qualquer , mas nem por isso deixa de ser essencialmente humano, e por

conseqüência subjet ivo. Não podeis a f i rmar a existênc ia de uma verdade absoluta, senão

depois de um postulado, o da legi t imidade de vossa inte l igência, ao menos enquanto vos

ela dá o pr incípio de contradição. A vossa chamada verdade absoluta é pois subjet iva; a

indagação da sua ident idade com a verdade humana, uma obra vã; e o cet ic ismo

transcendente, um não senso.

10 – Passemos agora aos dogmát icos. Unidade e mul t ip l ic idade, ta is são os dois pó los do

conhecimento humano, como mui bem disse V. Cousin. Impl íc i ta ou expl ic i tamente todos

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os s istemas de dogmáticos partem da existência de um destes dois termos, e daí chegam a

negar o outro. De uma parte, Locke e Condi l lac, com a escola sensual is ta do XVII I século,

assim como 2000 anos antes Tales de Mi le to, e a escola Iônia chegaram a este resul tado, –

a absorção do eu no não eu, da unidade na mul t ip l ic idade; apesar da di ferença aparente do

ponto de par t ida que para Tales, e sua escola era o mundo, cujos fenômenos procuravam

exp l icar, no entanto que para Locke e Condi l lac era a consciênc ia ou as própr ias cond ições

na formação das idéias. De outra par te, os f i lósofos E leát icos part idos (assim como depois

Spinoza), da substânc ia inf ini ta e eterna chegam ao mesmo resultado que os ideal istas

modernos, part idos da existência, e das propr iedades do eu. Assim, todos, à maneira de

Fichte, absorvem o não eu no eu, a mult ip l ic idade na unidade, e negam logicamente a

mesma possib i l idade da existência da mul t ip l ic idade.

11 – Os l imi tes de um art igo deste gênero não nos permi tem examinar

c ircunstanc iadamente os d iversos sis temas; portanto l imi tar -nos-emos a esboçar os

pr incipais raciocínios comuns aos mater ial is tas, sensual istas, ideal istas, e espinoz istas.

12 – Os mater ia l is tas da escola Iônia , e os esp ir i tual istas da esco la de Eléa, à qual

podemos associar Sp inoza, apesar dos 24 séculos de intervalo que os separam, hão

procedido s inte t icamente.

13 – A matér ia existe , d iz ia a esco la Iônia, múl t ipla e f ini ta em extensões e duração; a

alma humana não é senão um ref lexo do mundo exter ior , re f lexo múl t ip lo e cont ingente

como e le ; as idé ias legít imas lhe são ministradas pelos objetos que lhe enviam as suas

imagens: tudo o mais, é uma i lusão. As idéias de inf ini to em duração não são mais que

genera l izações da extensão e da duração dos objetos f ini tos. Af ina l , o inf ini to não é

possíve l, porquanto juntai uns aos outros tantos espaços f in i tos quantos quiserdes, e nunca

tere is o inf ini to. O homem só percebe objetos l imi tados em espaço e em duração; o

inf in i to po is não pode ser senão o complexo de coisas f in i tas, e tc. , etc.

14 – Sp inoza pelo contrár io, parte da substânc ia cuja essência é a existênc ia. Ele mostra

que esta substânc ia tem por atr ibuto o ser necessariamente inf ini ta de todas as maneiras, e

que esta substância é Deus, que ele def iniu assim: Per Deum intel l igo ens absolu te

inf in i tum, hoc est substant iam constantem in f in i t is at t r ibut is, quorum unum quodque

aeternam et in f in i tam ex istent iam expr imit .

15 – Ora, quando a existência é a essência de uma substância inf in i ta, seja qual for o

ponto de vista por que se a considere, vê-se faci lmente que a existência do f in i to torna-se

impossível ; já não há aí vácuo possíve l, nem sucessão de fenômenos, nem movimentos,

nem indiv idual idade, nem mul t ip l ic idade possível. Resta uma unidade inf ini ta e imutável.

Assim a escola de Eléa, que, seguindo as pisadas dos Pitagór icos, havia part ido de bases

análogas, com razão desaf iava as outras escolas f i losóf icas a provar-lhe a existênc ia do

f ini to, e parec ia chegar mui logicamente a todas estas conseqüências, contradi tór ias com o

bom senso popular, de que os sofis tas se serviram para provar que se não podia acred itar

em coisa a lguma. (Cét icos).

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16 – Os sensual is tas e os ideal istas modernos são mais analí t icos; estabelecem como

pr incíp io, que todo o conhecimento se resume nas idé ias, e encetam a questão da sua

or igem. Todas as idéias rea is são emanações do mundo exter ior , idéias-imagens, d iz

Locke. São sensações transformadas acrescenta Condil lac e os seus cont inuadores da

esco la francesa. Ar is tóteles também d izia: “nih i l est in in telectu quod non prius fuer i t in

sensu” . Locke chama a alma uma tábua rasa (tabula rasa) ; at r ibui à exper iência a

formação de todas as idéias, e d iz que s idé ias reais são aquelas que são conformes com os

seus arquét ipos. Para ele a idé ia do eu é gerada pela memória; – nasce da sucessão das

idéias, para Condi l lac a alma humana não é senão um co leção de sensações. Tais são em

resumo os pr inc ipa is a for ismos das esco las sensual is tas; e é par t indo destas bases que e las

procuram expl icar todas as idé ias, que a observação psicológica mostra no entendimento

humano.

17 – Um bispo angl icano, Berke ley, par t indo do pr imeiro pr incíp io de Locke, de que nós

não conhecemos senão idéias e a este acrescentando o pr incíp io das substâncias, chegou a

mostrar a impossib i l idade de uma substância mater ial ; e o célebre Hume t i rou f ie l e

logicamente, das bases estabelec idas por Locke, a impossib i l idade de toda a substância

quer mater ial quer espir i tua l . “O eu, d iz ele, não é nem matér ia : não existe ; a substância é

uma quimera imaginam-na para servir de sustentáculo às idé ias”.

18 – Eis a í pois o sensual ismo, levado ao seu úl t imo l imi te, negando mesmo a existência

do mundo exter ior , de que part i ra ; – negando toda a existência possíve l.

19 – Os ideal is tas modernos, cujo representante legít imo é Kant, procedem igualmente

pelo estudo das idéias, e pe la questão da sua or igem. O f i lósofo de Koenigsberg, f ie l aos

pr incíp ios estabelecidos por Bacon, no estudo das ciências, empreendeu a anál ise dos

elementos do pensamento, e fo i o pr imeiro que, depois de Ar is tóteles, deu deles um

quadro completo. Depois de ter reconhecido, que a exper iênc ia é o antecedente

crono lógico de todas as idé ias humanas, a f i rma que e la não é sempre o seu fundamento

lógico, que se a idé ia da extensão de um corpo, por exemplo, é poster ior à sensação, tem

por antecedente lógico a idéia de um espaço inf ini to, do qual este corpo ocupa uma

porção; e o mesmo acontece com a idé ia de duração que tem, segundo Kant, por

antecedente lógico a concepção do tempo (eternidade), ainda que ela tenha a sensação por

antecedente, crono lógico. Toda a f i losofia de Kant der iva desta dis t inção; fo i e la que o

levou a c lassi f icar as idé ias em empír icas a posterior i, que ele supôs der ivar

racionalmente da exper iênc ia ; em a prior i mistas, que a inda que não der ivem da

exper iência, tem a exper iênc ia por elemento necessár io, e enf im a pr ior i puras que, em

sua opinião, não encerram e lemento algum empír ico. Kant a tr ibui estas úl t imas ao espír i to

humano, que, por ocasião da sensação, as produz por meio das suas formas inatas.

Defin idas e classi f icadas assim as le is do entendimento, Kant perguntou a s i mesmo, se do

sujei to pensante que e le acabava de examinar se podia passar legi t imamente ao mundo

exter ior , a tudo quanto se acha fora do sujei to pensante, porque ele havia admit ido

impl ic i tamente a existênc ia do eu e a do não eu; e le estabeleceu pois a questão que tem

por f im saber, se as idéias correspondem aos seus objetos, e observando que destas le is

própr ias ao suje i to do pensamento, destas le is puramente subjet ivas, se não poder ia t i rar

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conseqüência alguma onto lógica, real idade alguma objet iva, conc lui e le em favor da

legi t imidade da dúvida, – em favor do cet ic ismo.

20 – Mas não era esta ainda a derradei ra palavra do Cr i t ic ismo. Mui tas outras

conseqüências cont inha a f i losofia de Kant ; e Fichte, seu discípulo, se encarregou de t i rá-

las. Este mundo exter ior , cuja existência Kant admit i ra impl ic i tamente, e do qual não

podia t i rar uma objet ividade verdadeira, apl icando-lhe as le is subjet ivas do pensamento,

observa Fichte, que o espír i to humano não tem conhecimento dele senão por meio destas

le is, porque a exper iência só não poder ia ministrar idéia a lguma, sem a intervenção do

sujei to pensante, que entra como elemento necessár io na formação da idé ia ; que por

conseqüência os objetos não são senão o que a natureza do sujei to os faz ser, não são

senão induções do sujei to, são o própr io sujei to do qual o mundo chamado exter ior não é

mais que um ponto de vista. Para Fichte só existe o suje i to. .

21 – Os mater ial istas e os sensual is tas t inham absorvido a unidade na mul t ip l ic idade; por

outro lado, o seu s is tema tend ia logicamente à negação desta mesma mul t ip l ic idade,

resultado este que o fendia ao bom senso. A sua teoria da or igem das idéias não podia

exp l icar convenientemente todas aquelas que a observação psicológica reconhecia no

espír i to humano: acrescentaremos mesmo que e la não exp l icava uma sequer; porque para

estabelecer a formação de uma idéia é mister um sujei to que entre como elemento no

fenômeno, com as le is da sua organização; co isa esta que está em contradição com os

pr incíp ios daquele escola, que quer que o eu seja somente uma coleção de sensações. Por

outra parte os ideal istas t inham chegado a absorver completamente a mul t ip l ic idade na

unidade, a negar a mult ip l ic idade, o que conduzia logicamente ao resultado já t i rado por

Hume da f i losof ia sensual is ta de Locke, ao ni i l ismo, po is que como o eu já não é l imi tado,

tomava-se necessar iamente inf in i to, e e ternamente imóvel .

22 – A f i losof ia achava-se pois num grande embaraço, e o cept ic ismo dominava; no

entanto que, escondidos lá num canto da Escócia, Reid, Mackintosh, Ferguson e Dugald

Stewar t se ocupavam modestamente em reorganizar a psicologia.

23 – Apresentou-se Cousin e declarou que as duas grandes esco las dogmáticas part iam de

pontos de v is ta incontestavelmente verdadeiros, e que a sua união const i tu ir ia a verdadeira

f i losofia. Tudo ia bem até aí. Desgraçadamente o eclet ismo, que t inha declarado que todos

os erros dos seus predecessores provinham do dogmatismo exc lus ivo, se de ixara também

assaltar pela febre do dogmatismo. Quis conc lu ir imediatamente; e em vez da síntese

luminosa que anunciara, s íntese que devia encerrar todas as conseqüência legít imas do

sensual ismo e do ideal ismo, d iv id iu entre ambos arbi trar iamente o domínio do

pensamento, dando ao espír i to humano cer tas idéias que chamou necessárias e absolu tas, e

atr ibuindo as outras ao mundo exter ior , à exper iência , sob o nome de idéias cont ingentes e

re lat ivas. Mas isto não era ainda, posto que um pouco modi f icado, senão o sis tema de

Kant , do qual F ichte havia t i rado o ideal ismo subjet ivo, – a absorção do não-eu no eu e

f inalmente o ni i l ismo. Era mister pois sacar o não-eu da subjet iv idade do eu, para

const i tuir - lhe uma objet iv idade rea l. Assim V. Cousin julgou reso lver a d i f iculdade, com a

teor ia das apercepções puras.

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24 – Eis aqui, em poucas palavras, esta teor ia em que o própr io Cousin já não tem

conf iança, se devemos dar créd ito às revelações recentes dos seus ant igos discípulos, e

que em resultado não passa de um jogo de palavras, – uma verdadeira pe lót ica f i losóf ica.

25 – Cousin d is t ingue dois momentos no exercíc io do pensamento, a espontaneidade e a

ref lexão O homem estréia pe la espontaneidade que ao mesmo tempo lhe dá, posto que

confusamente, o eu e o não-eu, ou o f in i to , o in f in i to e a sua re lação, is to é, todo o campo

do conhecimento possível. Vem depois a re f lexão, que desenvo lve este caos e ac lara todos

os termos mas a re f lexão nada acrescenta à espontaneidade. A espontaneidade ao exercer-

se pe la pr imeira vez, sem intervenção a lguma da vontade, ministra a idéia do f in i to, do

inf in i to e da sua relação; ora o que const i tu i a personal idade humana para Cousin é a ação

voluntár ia ; os dados da ref lexão são po is tomados à subjet iv idade os da espontaneidade

não o são; e como fo i a espontaneidade que nos ministrou as idéias do f ini to, do inf ini to e

da sua relação, estas três idéias são impessoais, independentes do eu; mas ta is idé ias,

const i tuem a razão humana, e Cousin conc luiu, apesar de Kant e da sua esco la, que a razão

humana é independente do eu, – que é a substância verdadeira, a essência absoluta.

26 – Ora, admit indo como justa, a redução dos elementos da razão, em três termos, como o

propõe Cousin, e a real idade da d ist inção que ele faz entre a ação espontânea e a ação

voluntár ia, d is t inção que julgamos per fei tamente fundada, a argumentação supra mostra

sem dúvida que a razão humana pode ser considerada como independente do eu, enquanto

eu voluntário, mas não pode de sor te alguma subtrai - la à subjet ividade das formas pré-

existentes do entend imento, formas que, assim como a vontade, são e lementos necessár ios

do eu. Cousin provou a tese, const i tuindo o eu com um dos pontos de vista abstra tos do

eu. Outro qualquer const i tu indo o eu unicamente com o ponto de v ista abstra to do eu

sensível, ter ia chegado da mesma sor te à impersonalidade dos dados da ref lexão.

27 – Não insis t i remos mais sobre esta nova solução do prob lema e, para sermos justos,

d iremos que a escola eclé t ica há deixado ao seu autor toda a responsabi l idade; e é

provável que e le mesmo já hoje a não considere senão corno um erro da juventude.

I I I

Numeri regunt mundum

PITÁGORAS

28 – A questão, pois, ainda se acha estabelec ida entre os sensual is tas e os ideal is tas,

assim como há dois mi l anos, estava entre a escola Iônia a escola de Eléa. Ela oferece um

verdadeiro d i lema, um argumento de do is gumes de que admiravelmente se servem os

cét icos para desmoronar todo o dogmatismo, e mostrar que devemos duvidar de tudo, a té

da própr ia vida.

29 – Part i da existência de um dos do is termos: da do eu ou da do não eu, e chegare is a

absorver o outro, e f ina lmente a negar o ponto de part ida. Será pois a questão inso lúvel?

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Não nos parece: antes julgamos que e la ainda não foi resolv ida, porque há sido mal

estabelec ida.

30 – Todos os rac iocínios carecem de uma base, e seja qual for esta base não pode ser

provada, ao menos na questão que nos ocupa, sem um para logismo evidente; e é também

evidente que a ap l icação do raciocínio a esta base, nada dele t i rará que e la não contenha

impl ic i tamente. Todos os raciocínios possíveis se reduzem a uma sér ie de s i logismos, e é

mister que os três termos de cada um sejam sempre suje i tos a esta regra eterna da lógica:

Prima proemissarum conclusionem cont ineat, et a l tera contentam demonstret.

31– Até hoje os f i lósofos têm estabelecido sempre, como ponto de part ida, o resul tado a

que f inalmente chegam, ou por si mesmos ou por seus discípulos e cont inuadores; ponto de

part ida ante o qual, ter iam recuado, se t ivessem a noção clara de todas quantas

conseqüências implíc i tas e le encerra.

32 – Todo o conhecimento para o homem é necessar iamente subjet ivo, pois que ele se

resume numa idé ia e toda a idéia não é senão o resultado da percepção de uma relação;

fenômeno em que o homem é suje i to e a relação objeto. A idé ia de uma verdade absoluta é

um não senso, como já o demonstramos, ao tratar do cet ic ismo transcendente de Jouffroy,

pois que ela resulta de um fenômeno no qual representamos o papel de sujei to. Mas porque

a verdade humana não é abso luta nem por isso deixa de ser revest ida de toda a certeza

possíve l, po is que o sujei to (homem) é o e lemento indispensável da cr iação da idéia

mesma de uma certeza qualquer, e a idé ia de verdade é alguma co isa puramente humana.

33 – Excusado é pois indagar, se a verdade humana é idênt ica com a verdade abso luta,

porquanto estes dois vocábulos – verdade e abso luto – apresentam um não senso

(existência do nada) . Tão pouco é necessár io indagar, se todas as idéias correspondem a

uma rea l idade qualquer, a um mundo exter ior a nós, pois que a idéia mesma de rea l idade é

um produto humano. É evidente, a f ina l , que não temos mais d ire i to de crer na nossa

própr ia existência (cog ito, ergo sum de Descartes) do que na existência do mundo

exter ior ; porque a idé ia da nossa própr ia existênc ia, que lá mais para ao diante

transportamos para fora de nós, a f im de af i rmar outras existênc ias exter iores, é o

resultado de um fenômeno, em cuja produção entra como elemento indispensável: 1º a

nossa intel igênc ia com a organização que lhe é própr ia; 2º uma sucessão de relações entre

nós e alguma co isa exter ior a nós.

34 – Se o que precede é exato, achar-se-á a certeza humana destarte estabelec ida sobre a

sua verdadeira base, sub jet iva e objet iva ao mesmo tempo; mas nós podemos ir mais longe

ainda, e, esquadr inhando mais pro fundamente o fenômeno da formação da idéia de

existência, encontraremos a exp l icação de todos os resul tados em aparênc ia absurdos, mas

em essência per fe i tamente legí t imos, que hão obt ido, de um lado, os sensual istas, e do

outro, os ideal is tas; e veremos também que entre ambos a questão não passava de uma

questão de palavras – uma pura logomaquia.

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35 – O espír i to humano só percebe re lações; a nossa existência nos é dada, como

inseparável da pré-existência de uma sér ie de re lações entre nós e alguma coisa exter ior a

nós; e a existênc ia dos objetos exter iores também se apresenta da mesma sorte, como

inseparável da pré-existência de uma sér ie de relações entre estes objetos e alguma co isa

exter ior a e les. Supõe portanto a existênc ia dois termos e uma sér ie de relações entre eles.

Supr imi um dos do is termos, e já não tereis re lação, nem existênc ia possíve l, mas sim a

negação da existência, o nada,

m

( ____ = e, façamos

nm

m

nm = o, vem ____ = ) o inf in i to que nos aparece em toda a par te, como a negação do

f ini to

o

e de todas os at r ibutos do f ini to, a negação da duração, a negação do l imi te , e tc.

36 – O espír i to humano pode sem dúvida, em vir tude da faculdade de abstrair , considerar

iso ladamente a si mesmo, ou um objeto, ou o mundo exter ior a s i ou a este objeto; a té

pode fazer outro tanto a respeito de cada um dos termos das re lações da sér ie perceb ida,

mas não pode apl icar legi t imamente a estas abstrações a noção da existênc ia. A existência

resulta da relação, e não pertence como propr iedade a um dos termos.

37 – A existênc ia par t icular , a existência dos objetos que chamamos f ini tos, cont ingentes,

é determinada por suas relações com outros objetos igualmente f in i tos; e as relações são

da mesma sor te f in i tas. É tão verdade que o espír i to humano só pode perceber re lações que

a idéia gera l de existência, o complexo do f in i to, não tem sent ido para a intel igênc ia, e

signi f icação possível se não porque sat is faz a esta condição, porque é o pr imeiro termo de

uma relação, ou antes de uma sér ie fundamenta l de relações, que sob o nome de pr incíp io

de contrad ição, os f i lósofos forçosamente reconheceram como condição de todo o

conhecimento possível a relação da existência ao nada, do f ini to ao inf ini to, do re la t ivo ao

abso luto – re lação que encerra os dois pó los do conhecimento humano, o al fa e o ômega, o

pr incíp io e o f im de todas as co isas. A existência e o nada, o inf in i to e o f ini to são

correlat ivos, supõem um ao outro, e a razão humana pode ainda esc larnar com o apósto lo:

– In Deo v ivimus, movemur et sumus!! !

O.. . . . . . . .

O Progresso, revista socia l , l i terár ia e c ient í f i ca ( reed ição fe i to pelo Governo do Estado de

Pernambuco como par te do programa das comemorações do centenár io da Revolução Praie i ra.

P refácio de Amaro Quin tas) Reci fe, Imprensa Of ic ia l, 1950, p . 13-24.

* ) E r ro t i pográ f i co. Deve ser p reced en te.

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Anexo 7

PROCESSOS LÓGICOS

Percut i t natura intelectum nostrum rad io d irecto . . .

Ipse vero homo semet ips i monstratur et exbibetur rádio re f lexo.

Bacon

1 – No presente (s ic)* número da nossa Revista, mostramos nós, de acordo nesta par te com

o bom senso da humanidade, a legi t imidade da certeza humana, o d ire i to que o homem tem

de acredi tar e de af i rmar. Trata-se hoje de invest igar o como pode ele chegar a esta

certeza. Já sabemos que é por meio da inte l igênc ia; mas a intel igênc ia do homem, se lhe

dá a verdade, também o conduz a numerosos erros, como o atesta a exper iênc ia dos

séculos. Agora, donde é que nascem semelhantes erros? Que meios tem o homem para

evi tá-los? Que processos par t iculares deve e le empregar para chegar à verdade? São

questões estas sem contradição important íss imas, e const i tu i por si só o objeto de uma

ciênc ia par t icular – a lógica, que em todos os tempos há contado numerosos adeptos,

part idár ios fanát icos e até márt i res.

2 – É pois a lógica a ciência que tem por a lvo invest igar e estabelecer os processos que o

homem deve empregar para chegar à verdade; e só do enunciado de semelhante def inição

se depreende a imensa impor tânc ia desta c iênc ia que é o antecedente necessár io de todas

as outras.

1º – Estudo dos meios que o homem tem à sua d isposição para chegar à verdade

2º – Emprego que e le deve fazer de ta is meios, ou questão do método.

3 – Trataremos, por esta vez, de esboçar completamente posto que com brevidade, os

pr incipais traços da pr imeira destas divisões, a que diz respeito ao estudo dos meios; e,

logo que esta tarefa est iver conc luída, nos ocuparemos com o problema do método.

4 – Todo o conhecimento, para o homem, resul ta, como já v imos precedentemente, da

percepção de uma relação; esta percepção, nos l imi tes da intel igênc ia do indivíduo que

percebe, const i tu i o que se chama um juízo, e todo juízo, para mani festar -se

exter iormente, toma a forma de uma proposição, composta de sujei to, verbo e at r ibuto.

5 – Mas, se todo o conhecimento supõe um juízo, e se todo o juízo se mani festa

necessar iamente sob a mesma forma, o caminho percorr ido pe lo espír i to humano, para

chegar, ou ao própr io juízo, ou à proposição que o formula, bem longe está de ser o

mesmo em todos os casos, e para todos os e lementos do domínio do conhecimento. Assim,

por exemplo, os meus sent idos recebem cer ta impressão e eu afi rmo que s into uma

resistência. E que fo i o que aí teve lugar? Os meus sent idos receberam uma impressão, e

comunicaram-na à minha inte l igênc ia que fez, imediatamente o juízo que acabamos de

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enunciar, sob a forma que lhe é própr ia. Mas se tomarmos outro juízo, por exemplo, este

que a á lgebra o ferece: uma quant idade qualquer d iv id ida por zero torna-se inf in i tamente

grande

A

( ____ = ) , veremos que só depois de uma sér ie de outros juízos é que temos pod ido

chegar a este.

O

Para nos remontarmos a este juízo pr imi t ivo, somos obr igados a nos refer ir a esta

conseqüência da d ivisão, de que o quociente é tanto maior quanto menor for o d ivisor, daí

à própr ia defin ição da d iv isão e assim por d iante, até os axiomas fundamenta is da á lgebra,

os quais supõem ainda outros juízos anter iores.

6 – Se t ivéssemos tomado, por exemplo, outros juízos, não já à álgebra, mas à geometr ia ,

como a sol idez de um setor esférico , ou a de um tronco de cone, a f i l iação dos juízos

t ivera sido mais v isíve l ; entre tanto, o que dissemos basta para mostrar que há duas sor tes

de juízos bem dist intos, não quanto à forma, mas quanto ao caminho que até eles nos

conduz: 1º – aqueles que chamaremos imediatos que são produzidos instantaneamente

pelo espír i to , quando os sent idos lhe transmitem uma impressão receb ida, donde resulta

para e le a percepção de uma re lação; 2º – aqueles que chamaremos mediatos, que são

juízos que a inte l igênc ia só faz em vir tude de outros juízos, de que eles, por assim d izer,

são conseqüências e de que ela os extrai por um processo par t icular .

7 – Seja qual for o número de juízos que examinemos, vê-se que esta div isão é

per fei tamente natural , perfei tamente justa, a única que não deixa dúvida alguma possíve l

conforme a classi f icação que por ventura se faça. Os juízos imediatos são f i lhos da

espontaneidade; os mediatos são f i lhos da ref lexão e da ação voluntár ia. Verdade é, que

pelo háb ito , em vir tude da memória, os juízos, logicamente mediatos, se podem tornar

imediatos de fa to; mas isto em nada deve inval idar a d ivisão que acabamos de estabelecer .

Os juízos imediatos são aqueles que não pressupõem logicamente outro algum, e os juízos

mediatos são aqueles que ao contrár io pressupõem outros necessar iamente. Os juízos

imediatos per tencem à espontaneidade, porque seguem imediatamente a transmissão à

inte l igência de uma impressão receb ida, ou pelos órgãos exter iores dos sent idos, ou pe los

órgãos inter iores (consc iênc ia ou senso ínt imo). Os juízos mediatos são f i lhos da ref lexão;

nunca são instantâneos, porque exigem uma operação antecedente, por meio da qual se os

extraem de outros juízos, já adquir idos. É este ato de extração que há recebido o nome de

Raciocínio , e cujas regras, processos, e tc. , invadiam quase inte iramente, entre os ant igos

f i lósofos, o domínio da lógica.

8 – Acabamos pois de reconhecer duas classes de juízos; os juízos imedia tos que a

inte l igência gera, sponte sua, inst int ivamente, e os juízos mediatos, que exigem ou

pressupõem juízos anter iores, e a ação da vontade ou ref lexão; e observaremos, de

passagem, que, pelo que toca a estes úl t imos, a sua cer teza depende inteiramente da dos

juízos imediatos de que eles procedem, verdade bem c lara em si mesma, mas que nem

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sempre a têm presente ao espír i to todos os que hão escr i to sobre estas matér ias Somente,

os juízos mediatos apresentam uma probabi1idade erro de mais que os juízos imediatos, a

que pode provir do processo de que nós servimos para extra irmos juízo ref le t ido do juízo

pr imi t ivo, para fazer sa l iente, de entre relações já conhecidas, uma nova relação, objeto

do juízo mediato; ou, em outros termos, às probabi l idade de erro, que podem apresentar os

juízos imediatos sobre que ele repousa, o juízo mediato acrescenta a que provém da

possib i l idade de um mau emprego do rac iocínio.

9 – Agora, se procurarmos quais são as probabi l idade de er ro que apresentam os juízos

imediatos, veremos que elas var iam com a maior ou menor per fe ição dos órgãos, ou, para

nos expr imirmos em a l inguagem eclét ica, das faculdades, que põem o eu em relação com

o mundo exter ior a s i (sent idos e consciência); faculdade ou órgãos cuja veracidade pode

também ser dominada por d iversos fenômenos, que mui compr ido ser ia o exame que deles

f izéssemos aqui.

10 – Pelo que toca à intel igênc ia, – ao eu in tel igente o papel, que ele representa no

fenômeno de que nos ocupamos, é quase inte iramente passivo; – preenche, por assim dizer,

o ofíc io de uma balança; e a sua decisão, baseada na transmissão exata ou inexata das

impressões recebidas, é infal íve l , nas bases que lhe hão s ido ministradas.

11 – Entretanto, como para sair do eu e traduzir -se exter iormente, o juízo tem necessidade

de tomar uma forma, – forma que lhe deve ser adequada, vê-se e le obr igado por isso a

recorrer a a lgum desses sistemas de s ina is que representam o pensamento, e a que nós

chamamos l ínguas; ora, ainda não há l íngua verdadeiramente f i losóf ica, l íngua em que as

palavras sejam per fe i tamente defin idas, l íngua que permi ta a todo o juízo revest ir de uma

forma que lhe seja adequada; daí resul ta pois que um juízo per fei tamente justo se pode

traduz ir sob forma ta l , que pareça fa lso , no todo ou em parte, àqueles a quem ele for

comunicado; e daí é que se gera, para nós, a causa das intermináveis d iscussões em que os

f i lósofos, há 4000 anos, se perdem por se não entenderem.

12 – Eis a í pois, quanto aos juízos pr imi t ivos, juízos imedia tos, duas classes de causas de

erro cabalmente def inidas.

1º – A inexat idão possível da transmissão fei ta ao eu, pelos órgãos ou faculdades,

(sent idos e consc iênc ia) das impressões receb idas do mundo exter ior a s i .

2º – A imper feição da forma ( l íngua) em que os juízos são obr igados a traduzir -se.

13 – Elas são de cer to suscetíve is de serem atenuadas; mas é impossíve l supr imi- las

completamente, ao menos na esfera ind ividual ; mas se considerarmos, não já um juízo

ind ividual, mas todos os juízos fei tos sobre uma mesma questão, por grande número de

ind ivíduos, estas causas de erro , i rão d iminuindo , a té que por f im desaparecerão quase

completamente.

14 – Agora, não já no caso de um juízo imediato, mas de um juízo mediato, temos nós

ainda de acrescentar às causas de erros precedentes duas novas or igens, duas novas

categor ias de causas de erros, categor ias importantíss imas, sob o ponto de v ista das

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ciênc ias, quando se ref lete no pequeno número de juízos imedia tos, sobre que elas se

baseiam, e na compr idão do caminho que se tem de percorrer, para passar dos axiomas

fundamentais aos teoremas f ina is de qualquer c iênc ia. Estas novas categor ias são:

1º – A dos erros que podem provir da intervenção do raciocínio, intervenção de que já

acima fa lamos.

2º – A que resul ta da t ransmissão imper fe i ta da memór ia ao espír i to humano acerca dos

juízos imedia tos sobre que ele se deve apo iar.

15 – O rac iocínio, como já vimos precedentemente, é o processo que se emprega para

extra ir um juízo de outro juízo, em que se ele acha impl ic i tamente cont ido; ora, com que

condições poderemos nós efetuar semelhante ext ração? Para isto é preciso, pr imeiro que

tudo, que o juízo mãe seja expresso; is to é, que ele esteja sob a forma de uma proposição;

e de mais é prec iso recorrer a uma proposição intermediár ia, para ext rair da proposição

mãe, a nova proposição, – o juízo que nela se acha cont ido.

16 – O complexo da proposição mãe, da proposição f i lha, e da proposição in termédia,

const i tui o que os f i lósofos chamam si logismo. Compõe-se pois o si logismo

invar iave lmente de três termos, dos quais os dois pr imeiros chamados maior e médio (a

proposição mãe e a in termédia) são compreendidos sob o nome de premissas, o terce iro

termo é o menor ou a conclusão (a proposição f i lha ) . “ Terminus esto t r ip lex, medius,

majorque minorque” , d iz iam os ant igos lógicos.

17 – Ora, para extra irmos uma proposição de outra, é necessar iamente preciso, ou que esta

outra proposição seja mais gera l que a pr ime ira, ou que lhe seja idênt ica; são estes os

únicos casos em que se pode ext rair , com perfei ta certeza, uma proposição de outra

proposição, um juízo de outro juízo; e é is to o que resume o afor ismo que já c i tamos no

art igo da certeza humana.

Prima proemissarum conclusionem cont ineat et a l tera contentam demonstret.

18 – Afor ismo per fei tamente ap l icável aos dois casos acima, que são os únicos em que o

raciocínio possa dar à conc lusão uma certeza igual à das premissas, e os quais não

const i tuem duas formas part iculares de raciocínio , mas dois casos de uma só e única

forma, – o si logismo, aquele em que a maior contém a menor, e aquele em que ambas são

idênt icas.

19 – Houve quem quisesse atr ibuir a Ar is tóte les a invenção do si logismo, mas não há

razão para isso, porque o uso do rac iocínio dedut ivo é de ta l sor te inseparável das

pr imeiras noções, – dos pr imeiros passos da humanidade, a inda quando se reduzissem

estas noções à sat is fação das mais grosseiras necessidades animais, que o homem devia,

desde a or igem, aper fe içoar semelhante instrumento. E, ainda quando não possuíssemos

sequer um dos ant igos monumentos da f i losof ia índ ia, que Colebroocke nos deu a

conhecer ; a inda quando não possuíssemos nem a dia lét ica de Gotama, para quem encerra o

si logismo completo cinco proposições; nem as dissertações de Kanada e de Kapi la; a

his tór ia dos f i lósofos gregos, anter iores a Sócrates, as aventuras dos célebres sofistas,

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Górgias, Pro tágoras, Diágoras, e tc. , enfim o famoso d i lema de Enalthus bastar iam para

provar que, mui to antes de Ar istó te les, não só se conhecia o si logismo, mas já mui to se

havia tra tado acerca do emprego de semelhante instrumento.

20 – Mas, se não é Ar istóteles o inventor do si logismo, resta- lhe sempre a glór ia de lhe ter

dado as regras, e pub l icado a seu respeito uma teoria completa, que ainda hoje se acha de

pé e intacta, depois de ter serv ido de guia a todos os pensadores pagãos, muçulmanos e

cr istãos, por mais de dois mi l anos, e de ter quase obt ido para seu autor as palmas da

canonização.

21 – Os l imi tes de um art igo deste gênero não nos permi tem dar, de um modo completo, a

teor ia do s i logismo, este déspota inte lectua l da média idade. Contentar -nos-emos apenas

com esboçar-lhe os pr incipa is pontos, lembrando aos nossos le i tores que, se os f i lósofos

esco lást icos mui to trabalharam para aper feiçoar o si logismo, os seus t rabalhos versaram

antes sobre a forma do que sobre a essência, que se acha a inda hoje a mesma que

Ar ist6 te les estabelecera.

22 – Os t rês termos do si logismo podem ser const i tuídos por via de proposições de

natureza d iversa; assim, elas podem ser a f i rmativas ou negat ivas gerais, a f i rmativas ou

negat ivas par t iculares, e é isso o que se representava pelas quatro letras A, E, I , O, como

o atestam os do is versos seguintes:

“Asser i t A, negat E, verum universa l i ter amboe.

“Asser i t I , negat O, sed part icular i ter amboe”.

23 – Part indo daí , outros quatro versos de um lat im mui bárbaro, encerravam todas as

f iguras e todos os modos de si logismos possíveis. Eis aqui, se nos não falha a memória ,

estes quatro versos, reproduzidos pouco mais ou menos exatamente.

Barbara, Celarent , Dar i i , Fer io data pr imoe;

Cesare, Camestr is , Fest ino, Baroco segundoe;

Tert ia grande sonans rec i ta t Darapt i , Felapton;

Adjunges Disamis, Datysi , Bocardo, Fer ison.

24 – As f iguras de que se fala aqui eram determinadas pela re lação dos três termos, e os

modos pela natureza mesma dos termos: assim, um si logismo se achava em Baroco, quando

a maior era uma af i rmativa geral , a média e a menor duas negat ivas par t iculares; em

Disamis, quando a maior e a menor eram duas negat ivas par t iculares, e a média uma

af i rmativa geral etc . e tc .

25 – As quatro f iguras do s i logismo pod iam dar lugar a mais de duzentos si logismos

part iculares, mas nem todos eram legít imos. Sobre este assunto, de ixaram Ar is tóteles e os

esco lást icos cur iosos t rabalhos, e enumeraram os silogismos fa lsos, os sof ismas ou

argumentos capc iosos.

Tudo isso, junto com o séquito um pouco esquis i to que acima refer imos, nos parece

sufic iente e vantajosamente subst i tuído, por este único preceito que devemos aos lógicos

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de Porto Real, e que já c i tamos em outro lugar desta escr i tura: Prima proemissarum, etc. ,

etc.

26 – Independente do classi f icar dos Si logismos sob diversas f iguras e modos, d ist inguia-

se ainda vár ias outras formas de raciocínios dedut ivos: o ent imema, epiquerema, o sor i tes,

o d i lema etc. ; mas estas não são mais em real idade que si logismos truncados iso lados, ou

reunidos de d iversas maneiras. Assim, no ent imema, subentende-se uma das premissas, e o

sor i tes compõe-se de uma sér ie de proposições, de tal sor te encadeadas uma na outra, que

o atr ibuto da pr imeira torna-se o sujei to da segunda, o atr ibuto da segunda o suje i to da

terceira , e assim por d iante.

27 – A ant iga lógica também t inha c lassi f icado os falsos rac iocínios, ou sof ismas. Vamos

dar estas c lasses, ta is como haviam sido estabelec idas por Ar is tóteles mas sem

desenvo lvimento a lgum, porque não queremos que o nosso art igo sa ia mui compr ido e

sobrecarregado de ant iqualhas.

28 – Todos os sofismas possíveis provêm, segundo Aristó teles, de uma das o i to causas

seguintes:

1º – Ignorat io e lench i. Ignorânc ia da questão; questões mal estabelecidas, ignorância

daqui lo que se deve provar .

2º – Pet i t io pr incip i i. Círculo vic ioso; supor estabelec ido aqui lo que se acha em questão,

aqui lo que se pretende provar;

3º – Non causa pro causa. Tomar por causa aqui lo que o não é; confrontar fenômenos

contemporâneos e os supor corre lat ivos;

4º – Census imperfectus. Enumeração imper fei ta.

5º – Fal lacia accident is. T irar uma conseqüência absoluta daqui lo que só é verdade por

acidente;

6º – Fal lacia composit ionis aut d iv is ionis. Passar do sent ido diviso ao sent ido composto , e

reciprocamente;

7º – A dic to secundum quid ad d ic tum simpl ic i ter. Passar daqui lo que é verdade a certo

respeito , ao que verdade simplesmente.

8º – A úl t ima enfim consiste na ambigüidade das palavras, causa que não carece de

comentár io.

29 – Estas observações, que se ap l icam, umas ao raciocínio si logíst ico , outras aos juízos

que lhe servem de bases, nos parecem compreendidas, dentro e a inda além nas d iversas

causas de erros, que acima enumeramos, como podendo inf lu ir sobre a certeza das diversas

classes de juízos.

30 – Além destas causas de erro, também já demos a regra única por meio da qual possui a

conclusão do si logismo uma certeza igual a da maior. Com ela f inal izamos nós o exame do

raciocínio dedut ivo, sob todos os pontos de v ista. Só nos resta falar agora de outra forma

de rac iocínio dest inada, não já a chegar a certeza, mas a obter uma probabi l idade maior ou

menor, – o raciocínio indut ivo.

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31 – O rac iocínio indut ivo é uma forma de rac iocínio, mui preconizada por certos

f i lósofos modernos, que até pretenderam subst i tuí - lo por toda a parte ao si logismo, única

verdadeira forma de raciocínio , capaz de dar a cer teza. Consiste a indução numa

genera l ização de fa tos part iculares, numa enumeração incompleta, que se supõe completa,

estabelecendo assim uma hipótese que depois se ver if ica nos casos par t iculares.

32 – O único caso, em que a indução toma os caracteres da cer teza, é aquele em que a

enumeração, em vez de ser incompleta, se torna completa. Assim, se a exper iênc ia, ou

antes uma sér ie de exper iênc ias, nos der por exemplo, que cada uma das p lantas da famí l ia

das so laneas, contém uma base vegeta l , dotada de propr iedades narcót icas, nós

conclu irmos daí que a famíl ia das solaneas contém esta base; mas, neste caso, isto já não

é, verdadeiramente fa lando, senão uma equação, ou uma sér ie de equações, que tem um

termo comum, – que se transformam umas nas outras. A indução cer ta não é senão uma

equação, uma verdadeira dedução um puro si logismo.

33 – A verdadeira indução, a que não é um si logismo disfarçado, não pode dar certeza

alguma, mas sim uma hipótese mais ou menos provável, e tanto mais provável quanto a

enumeração que lhe serve de base se acha mais perto de ser completa.

34 – Recordemo-nos, ao f ina l izar, dos diversos pontos que temos estabelec ido até o

presente. A certeza humana é legí t ima e se resume nas idé ias, que se traduzem sob a forma

de juízos.

35 – Todo o juízo resul ta da percepção de uma relação; nesta percepção dá-se o eu

infal íve l que pronuncia, sobre os dados que lhe são ministrados pelos órgãos ou

faculdades que o põem em re lação com o mundo exter ior a s i (sent idos, consciência,

memória) .

36 – Todos os er ros provêm, ou da incer teza dos dados que servem de bases aos juízos

(quer estes erros consistam em fenômenos internos ou externos, quer consistam em juízos

já adquir idos anter iormente), ou vem da imperfe ição da forma de que os juízos têm

necessidade de se revest ir para poderem ser compreensíveis, ao passar ao estado de

proposição, ou a inda de uma terce ira e ú l t ima causa, – o mau emprego do raciocínio.

Chegados a este ponto , possuímos todos os elementos necessár ios para nos ocuparmos com

o problema do método.

O.. . . . . . . . .

O Progresso, p. 83-92.

Anexo 8

Pr imeira resposta ao “Discípulo da Fi losof ia”

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1 – Temos sob os olhos o nº 156 do D. Novo e aí deparamos um comunicado, assinado

Discípulo da Fi losof ia, em que o autor , depo is de dir igir ao Progresso algumas palavras

obsequiosas, que s inceramente lhe agradecemos, passa a cr i t icar o nosso art igo sobre a

certeza humana; e é essa cr í t ica que nós não podemos deixar passar sem resposta.

2 – Neste comunicado somos nós acusados de desordem na maneira de expor as nossas

idéias, de confusão de fa tos ou de pr incípios essencialmente dis t intos, e ainda de outras

mui tas cousas. Assusta-se também o Discípulo da Fi losof ia da impetuosidade juveni l , com

que nos lançamos nas garras do cet ic ismo e quisera contr ibuir um pouco para sa lvação da

nossa a lma; agradecemos-lhe essa car idade toda cr istã, que é o mais belo e logio do seu

coração; mas somos obr igados a dec larar - lhe que não lhe acei tamos as outras observações

sobre ponto algum, e que perseveramos, não no cet icismo que bem longe está do nosso

pensamento, mas nos nossos pr incípios dogmát icos que a inda reputamos inatacáveis.

3 – O Discípu lo da F i losof ia nos acusa de confundi rmos “a verdade com a cer teza, quando

o sent ido subjet ivo em que esta se toma não permi te que a confundamos com a verdade,

em cuja objet iv idade todos os f i lósofos concordam”; observaremos ao nosso antagonista

que é e le quem, confunde aqui lo que d issemos com o que pudéramos dizer. Tomamos a

tarefa de expr imir as nossas idé ias e não as de outrem, e, posto que saibamos cabalmente,

que para os f i lósofos em gera l a certeza é subjet iva e a verdade objet iva, tomamos a

l iberdade de ser de uma opinião di ferente. É isso sem dúvida grave ir reverênc ia, mas como

em nosso art igo enunciamos por extenso o nosso pensar a este respei to, apoiando-o em

provas que a inda cont inuamos a reputar boas, nos parece que era, se não mais s imples, ao

menos mais lógico, d iscut ir a nossa op inião, do que acusar-nos de confusão, sob pretexto

de não serem os f i lósofos e seus discípulos do nosso parecer. A autor idade dos f i lósofos é

de certo alguma cousa; mas ser ia pormos de parte a razão o conceder a esta autor idade

outro valor que não o de uma probabi l idade maior ou menor; equiva lera isso até a abalar a

f i losofia em sua base, – a l iberdade do pensamento.

4 – Como os erros essencia is do Discípu lo da Fi losof ia repousam na confusão de que e le

nos acusa e de que nos acabamos de defender, bem pudéramos nós f inal izar aqui a nossa

tarefa; mas todavia diremos a inda algumas palavras.

5 – O Discípulo da Fi losof ia, que parece querer de propósito responder em todo o seu

art igo ao que não dissemos, sem se ocupar com o que dissemos, considerou a segunda

parte do nosso art igo como um resumo da histór ia da f i losof ia, entretanto que aí apenas

nos l imi tamos a indicar os pr incipa is dados histór icos que se re ferem à questão da certeza.

Basta isso para retorquir vi tor iosamente a pecha de ingrat idão que e le nos dir ige, em favor

de certos sistemas f i losóf icos; e se por acaso, o que quase não podemos crer, se re ferem as

suas palavras aos míst icos, nós lhe responderemos que não examinamos a so lução que esta

se i ta dá ao prob lema da cer teza, porque pensamos que um sistema que subst i tu i o êxtase à

ref lexão, como meio de chegar ao conhecimento coloca-se fora do domínio da f i losof ia,

que é f i lha da ref lexão, e faz par te integrante da teologia, apesar do que d izem Cousin e

alguns outros. Quanto a “sem cer imônia com que ju lgamos provável que o Cousin já não

considere a sua esco la senão como um erro da juventude”, d iremos ao Discípulo da

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Filosof ia que, se esta discussão t ivesse grande impor tância, ser ia de certo um

procedimento pouco generoso o desnatura l izar a tal ponto as nossas palavras, e apl icar à

esco la de Cousin aqui lo que dissemos da sua teoria das apercepções puras. Quanto à esta

úl t ima teor ia, sustentamos no todo a nossa asserção: mas como sabemos mui bem que esta

asserção por si mesma nada prova, e que o própr io Cousin poder ia considerar a sua teor ia

das apercepções puras como fa lsa, ainda que ela fosse verdadeira, convidamos ao

Discípulo da F i losof ia a levantar a luva que lançamos, para que nos estabeleça a verdade

desta teor ia, o que lhe dará ta lvez ocasião de provar alguma coisa, ocasião que parece ter

inut i lmente procurado no art igo a que respondemos.

6 – Declara, enfim, “com candura”, o Discípulo da Fi losof ia, não ter compreendido a

solução que demos ao problema de que se trata . Custa-nos isso bem, por amor seu e nosso;

mas observar- lhe-emos que semelhante argumento nada tem de v i tor ioso, e que a

ignorânc ia em que e le se acha sobre o sent ido das nossas palavras pode provar tanto a

fraqueza da sua compreensão como a obscur idade das nossas doutr inas. E pensamos que,

se o Discípu lo da Fi losof ia visse no f im do ar t igo que e le ataca em lugar da nossa modesta

in ic ia l , o nome do grande Cousin, do grande Damiron ou de outro grande f i lósofo, não

ter ia sido tão pronto em fazer semelhante conf issão, e em antes de se assustar, de se

entr is tecer e de se lançar sobre as doutr inas do autor, ter ia fe i to todo o esforço para bem

compreender o nosso pensamento.

O . . . . . . . . .

O Progresso, p. 166-169.

Anexo 9

Segunda resposta ao “Discípulo da Fi losof ia”

1– Conquanto o discípulo da f i losof ia confessasse que nos não compreendera, nem por isso

deixou de atacar ca lorosamente, no Diário Novo nº 156, o nosso ar t igo f i losófico, sobre a

certeza humana.

2 – Acusava-nos ele de termos comet ido, além de outros mui tos enormes pecados, o de

cairmos no gol fo do cet ic ismo, de propalarmos idé ias nimiamente per igosas e de termos

dado aos nossos le i to res um resumo imper fe i to das doutr inas metaf ís icas da escola

escocesa; e f ina l izava, aconselhando aos ado lescentes ávidos de ciência , que se não

deixassem fascinar pe las nossas idé ias especiosas. Ora, como o discípu lo da f i losof ia, no

começar sua cr í t ica, confessasse não compreender o que cr i t icava, e, em vez de ver i f icar

os nossos raciocínios, chamasse somente em apoio das suas asserções a opinião dos

f i lósofos e afor ismos caducos sobre as vantagens da fé e os horr íve is per igos do cet ic ismo,

apenas respondemos nós então a a lgumas acusações part iculares pouco exatas, e

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convidamos o d iscípulo da f i losof ia que procurasse pr imeiro que tudo compreender-nos e

depois nos demonstrasse a precisão da teor ia de Cousin acerca das apercepções puras, em

favor da qual sobremaneira se pronunciara e le , em razão da sem-cer imônia com que a

tratamos.

3 – A resposta, que demos, no nosso segundo número, ao discípu lo da f i losof ia, só serv iu

para dup l icar - lhe o ardor, e fazer que e le, em quatro art igos já publ icados, acrescentasse,

às notáveis descobertas de que acima fa lamos, as que vamos refer ir .

4 – Desta vez, f icamos bem convencidos de sermos sectár ios do cet ic ismo de Protágoras e

de Mitrodoro de Chio, f i lósofos mui venerandos sem dúvida, mas cujos escr i tos não nos

consta que tenham chegado até os nossos dias; f icamos também convencidos de ateísmo no

grau máximo, e acusados de termo bebido e saboreado as pernic iosas doutr inas do escocês

Hami l ton.

5 – Releva confessar que vivemos numa terra pobríssima de or ig inal idade, pois que todos

querem, por força, que as idé ias enunciadas nos escr i tos dos seus conterrâneos ou amigos

lhes não per tençam, e as tenha necessar iamente tomado a outrem. Sobre ser isto já uma

tendência má, p ior é ainda a de atacar os resul tados dos rac iocínios f i losóficos, por meio

de negações dest i tuídas de provas e de inf indas divagações, como há fe i to o discípulo da

f i losof ia.

6 – O verdadei ro cr í t ico , realmente d igno de tal nome, é aquele que toma pei to a pei to os

raciocínios do adversár io e mostra- lhe o lugar em que pecara. Existe ou não existe verdade

abso luta? tha t is quest ion! Não se tra ta de saber, se a nossa solução conduz ao cet ic ismo,

ao ateísmo ou ao mater ial ismo, o que negamos; nem tão pouco de saber se Protágoras,

Górgias, Mitrodoro ou outro qualquer , foram desta opin ião, ou se as nossas idéias se

assemelham mais à Bohon-Hupa, que a outro qualquer objeto ; o que se deve ver i f icar é se

o nosso raciocínio é bom ou mau; e como ele se acha à páginas 14 do 1º número do

Progresso, lá pode quem quiser ver i f icar - lhe os dados com descanso.

7 – Era esse o pr imeiro trabalho prel iminar a que se devera ter dado o discípulo da

f i losof ia, em vez de se deixar arrastar , pela sua ardente admiração para com V. Cousin, a

não ser que o nosso art igo lhe servisse somente de tema, para desenvo lver a sua erudição

f i losófica. Numa palavra, para que ele se não descarre ie, como até agora há fei to, e não

perca o tempo inut i lmente fazendo castelos só com o prazer de os derrocar, vamos expor-

lhe, em poucas palavras, o sent ido geral do nosso art igo sobre a certeza humana; e destar te

lhe abr iremos a est rada a f im de que, se quiser , possa entrar numa crí t ica regular.

8 – No nosso c i tado art igo, indagamos nós se o homem t inha d irei to de acred itar em

alguma co isa, e, para nos esclarecer, recorremos à f i losof ia, e aí achamos intermináveis

d iscussões, travadas há 4000 anos sobre esta questão, que o senso comum em todos os

instantes da vida reso lve. E nós, como estamos f i rmemente convencidos de que a anál ise

f i losófica só tem por alvo dar uma síntese luminosa das crenças inst int ivas e confusas do

senso comum, dissemos, à maneira de Locke, que esta divergência provinha da fal ta de

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uma l ingua f i losóf ica e que só se disputa sobre as palavras, po is que todos concordam

sobre a essências das idéias.

9 – Como quisemos por nós mesmos indagar a or igem das divergências f i losóficas, sobre a

questão da certeza, examinamos rap idamente as so luções dos d iversos sis temas, e, depois

de termos provado, de passagem, que não pod ia extsti r verdade abso luta, mostramos que as

duas grandes so luções sensual is ta e ideal is ta são dois paralogismos e a so lução de Cousin

um jogo de palavras. Na terceira parte , abandonamos o escalpe lo da cr í t ica, e , passando

também a dogmat izar, estabelecemos os pontos seguintes:

1º – Que todo o conhecimento vem de uma re lação percebida e por consequência

necessar iamente subjet ivo;

2º – Que a qual idade de existênc ia resulta de uma re lação e não pertence aos seus do is

termos, a inda que e la os suponha.

3º – Que os dois termos da relação, considerados isoladamente, só têm existênc ia abstra ta,

donde se segue que o f in i to e o inf in i to são abstrações corre la t ivas uma da outra, cuja

relação é a existência.

E f ina lmente, somos tão pouco ateus que, ao f inal izarmos, exc lamamos com S. Paulo: In

Deo v iv imus movemur et sumus!

O.. . . . . . . .

O Progresso, p. 243-245.

Anexo 10

Nascimento de O Progresso

1 – Era a meiado de abr i l de 1846. Quatro homens, que designaremos pelas letras A. B. C.

e D., moços na idade, mas ve lhos pelo pensamento, seguiam juntos, no Trap iche-Novo,

para o ba irro de S. Antônio. Três dentre eles t inham bebido as sãs e generosas doutr inas

da escola socie tár ia na sua mais l ímpida fonte; todos três eram animados de vivo amor

para com a humani idade; todos os três exper imentavam enérgica necessidade de

trabalharem para a sua regeneração. O outro ainda se achava imerso nas t revas do

cr i t ic ismo; a inda o lume da ciênc ia social não t inha pod ido traspassar a espessa venda com

que as abusões re inantes e os lugares comuns do XVII I século lhe haviam tapados os

olhos: – era um per fe i to civ i l izado.

2 – Pernambuco, como todos nós sabemos, achava-se então no auge de tota l desbarato.

Todos os d ias, publ icava a gazeta o fic ia l os nomes das ví t imas da véspera. A assembléia

provincial , que com todas as veras ajudara os destrutores, há pouco acabava de encerrar a

sua sessão extraordinár ia, e a ordinár ia da assembléia gera l estava para abr ir -se. Assim, de

todas as partes se lhes oferec iam assuntos para uma conversa animada sobre os negócios

da terra ; e apesar d isto , o d iscurso não havia saído dos lugares comuns ordinár ios, quando,

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no momento em que os nossos quatro personagens iam saindo da praça do Comérc io em

busca da rua da Cadeia, descort inaram um dos empregados púb l icos demit idos, que se

encontrava com o seu sucessor, e este inc idente ocasionou o d iálogo seguinte, que

infel izmente nos vemos obr igados a reproduzir imperfe i to, por não termos na ocasião um

taquígrafo que o apanhasse.

3 – Olhem, d isse A. ; estão vendo aquele infel iz que al i va i? ainda traz o desgosto na

fronte: estou que é a pr imeira vez que sai à rua desde que fo i demit ido.

— Fizeram mui to bem em mandá- lo para casa, respondeu D. ; sempre o conheci baronista, e

no entanto, assim que fo i revogada a le i da v i ta l iciedade rapou logo a pera;

— Meu amigo, tornou A.; você é mui to severo para com os mais; quem tem mulher e f i lhos

a dar de comer , pode sacr i f icar a barba sem desonra para se conservar no emprego.

— Eu cá não admito essas transações, d isse D. ; cada um deve ser f ie l ao seu pensamento.

— Sabem que mais, acudiu B., d izem que para a semana tem de haver uma nova sér ie de

demissões? Desta vez não escapará um só baronista : não f icará o mais simples al feres da

guarda nacional, nem o mais humi lde cont ínuo das repar t ições provincia is.

— Que querem vocês? respondeu D.; é uma necessidade do sistema const i tucional. A cada

mudança de ministér io deve corresponder uma inversão gera l de todos os empregados que

dele dependem. Cada part ido deve governar por sua vez e neste osc i lar contínuo é que

consiste a vida do sis tema representat ivo .

— Quer d izer, a juntou C. ; que lhe dá a a lgumas centenas de intr igantes o meio de v iver à

custa do suor do pobre povo. (s ic) Se é esta a essência do ta l governo representat ivo ,

então d igo-lhe que é a mais detestável de todas as formas de governo.

— Então, perguntou D. ; prefere o despot ismo, ou a anarquia?

— Talvez! respondeu C.; e por outro lado, com mui pouca exceções, é ao que se reduz o

governo representat ivo para aqueles que se deixam fasc inar pe las aparências. As forças

vivas da nação se gastam nestas lutas inter io res, e o progresso f ica indefínidamente

interrompido.

— Tem razão, acrescentou D.; antes o despot ismo com um imperador semelhante ao Czar

Nico lau I do que todas as const i tu ições do mundo.

— Conforme, d iz C. ; depende is to assaz do estado da nação que se pretende governar. Para

plantar -se o despot ismo russo numa terra como a nossa, mui tas ondas de sangue, haviam

de correr .

E, por outro lado, d iz B.; que são as re formas polít icas sem as reformas soc iais? uma

máscara, e nada mais.

— No meu entender, acrescentou A. ; todo o nosso mal vem da fal ta de opinião públ ica ou

antes do seu sono.

— Então, acorde-a; d isse D.

— E por que não? respondeu B.

— Como? perguntou D.

— Com a imprensa, respondeu B: Até hoje, Pernambuco só há visto gazetas votadas aos

interesses de part ido, que se barateam insultos às mãos cheias; mas nós podíamos pub l icar

uma que tomasse a pei to a causa da humanidade, a do povo que geme, paga e se cala.

— Mui to bem, d isse C.; ensinaremos ao povo os seus dire i tos e deveres; mostrar - lhe-emos

os seus verdadeiros amigos, – os que curam de melhorar a sua desgraçada condição.

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Mostraremos a todos esses pretendidos homens de estado que nos governam, que e les

ignoram as pr imeiras noções de economia social e. . .

— Hão de apedrejá- los, d iz D.

— Paciênc ia, respondeu A.

— Não terão subscr i tores, d isse D.

— Faremos as despesas a nossa custa, respondeu A.

— Bravos, d isse D. r indo-se. Eu também subscrevere i. . . .

— Não zombe, acrescentou C. O que d issemos é mais sér io do que pensa. Durante este

diálogo, os nossos quatro personagens chegaram à rua do co légio . D. os deixou, e os três

cont inuaram o seu caminho.

4 – Daí a se is semanas encontramos nós outra vez os nossos três amigos sozinhos, em

torno de uma mesa cheia de papéis, ocupados em escrever um prospecto. Decidira-se a

apar ição do Progresso! e a 12 de julho, ei - lo no domínio da publ ic idade, armado para

l idar , como órgão das idéias de progresso social na América do Sul.

5 – De então para cá, apesar das numerosas cr ises financeiras, o Progresso há sempre

caminhado, quase que há cumprido as promessas do seu programa (coisa rara em todas as

terras) ; e enf im chegou tr iunfante ao segundo volume. Há posto os seus le i tores ao a lcance

da polí t ica exter ior , e da marcha das ciências; há dado conta dos debates da assembléia

geral e da nossa; há discut ido o va lor das le is votadas por e las, e a lgumas vezes há t ido o

prazer de ver os seus art igos reproduzidos, e a sua opinião receb ida no exter ior .

6 – Foi assim que na Bahia o Guaicuru t rasladou, para as suas co lunas, o nosso ar t igo

Interesses província is. E o Jorna l do Comérc io, que nos trouxe o úl t imo vapor , na sua

revista comercial de 1846, a respeito da le i do melhoramento do meio circulante, dá uma

opinião que d iz ser a do corpo de comérc io do Rio de Janeiro , e d isséreis a do 3º número

do Progresso.

7 – Enf im, além dos mares, lá nos muros dessa nova Atenas, o pr incipal órgão do

soc ial ismo em França, d iz que o nosso programa é inte iramente conforme às doutr inas da

Esco la Societár ia, e fa la a nosso respei to nos termos benévolos que aqui reproduzimos. . .

8 – “Fundação de um novo órgão socia l ista no Brasi l .

“A idéia social , d iz a gazeta francesa, caminha e vai progredindo na conquista do mundo,

a despei to de todos quantos obstáculos se lhe oponham.

“Já por vár ias vezes tendo nós not ic iado a propaganda fe i ta em nome de Four ier nos

Estados Unidos; hoje, é do Brasi l que uma voz amiga responde à nossa. Recebemos o

pr imeiro número de uma revista soc ia l , c ient í f ica e l i terár ia, O Progresso, que se pub l ica

em Pernambuco desde o mês de julho passado, com esta lacônica epígrafe: I (Avante!)

Traduzimos algumas páginas do seu programa, que está em per fe i ta conformidade com o

nosso.

“Depois de uma síntese cientí f ica, O Progresso cont inua assim:”

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Segue-se a tradução francesa de grande par te da posição de pr incíp ios do Progresso.. . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

9 – E conc lui assim a mesma gazeta:

“Após esta declaração de pr incípios, a revista brasi le ira publ ica: 1º , um ar t igo cr í t ico e

dogmático sobre o problema da cer teza que tanto há ocupado os f i lósofos desde

Ar istó te les até M. Cousin, passando por Descartes, Sp inoza, Berkeley, Kant e seus

sucessores; 2º , o começo de um trabalho sobre o estado do mundo em 1846; este pr imeiro

art igo contém o quadro da sociedade no XV século ; 3º uma revista c ient í f ica; 4º , uma

revista pol í t ica do movimento socia l ; 5º , um poemeto, int i tulado o Tamarinei ro de Mip ibu

e var iedades. Quando recebermos a conc lusão do ar t igo sobre o estado do mundo,

pretendernos fazer a lguns extra tos”.

10 – E no nº 20 do mesmo jornal lê-se também o seguinte: “É do nosso dever repet ir aos

nossos subscr i to res do domingo, que a causa socie tár ia acaba de enr iquecer-se com um

novo órgão. Há poucos dias recebemos o pr imeiro número de uma revista mensal, O

Progresso, cujo programa, de que já pub l icamos um trecho no nosso número de ontem, é

conforme em tudo e por tudo com o da Democrat ie. Esta revista que começou a aparecer

em ju lho, tratará as questões sociais, f i losóf icas pol í t icas, c ient í f icas e l i terár ias. A

julgarmo-la pela pr imeira l ivração, não duvidamos que dentro em pouco ela conquiste

numerosas s impatias”:

À vis ta pois d isso, que mal nos faz a gr i ta de alguns ignorantes invejosos, os insul tos e as

personal idades do D. Novo da nossa própr ia pátr ia e do Corre io Mercant i l da Bahia?

O.. . . . . . . .

O Progresso, p. 397-401.

Anexo 11

REFORMADORES MODERNOS

Johann Ronge

Vos omnes fra tres est is

S. Math.

Ut omnes unum sint.

Et er i t unus grex et unus pastor

S. João

Tradidi t mundum disputat ionibus

1 – Em toda parte estão as re formas na ordem do dia, – na l i teratura, nas ciências, na

organização pol í t ica e soc ial dos povos, na f i losofia, e a té nas crenças re l ig iosas. Um

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movimento espontâneo agi ta as duas grandes comunhões cr istãs, – o cato l ic ismo e

protestant ismo, a se aproximarem por meio de mútuas concessões: e aqui lo que não pôde

real izar o ta lento de Melanton de Eck e de todos os espír i tos d is t intos, que, como e les,

t rabalhavam no século XVI para embargarem uma cisão completa na cr is tandade, o curso

natura l das co isas parece querer rea l izá-lo nos nossos d ias.

2 – A luta do protestant ismo contra o cato l ic ismo no século XVI, em essência, era a luta

do espír i to humano, da razão indiv idual, pe lejando para sacudir o jugo que lhe impusera a

teologia romana; e o tr iunfo do protestant ismo em metade da Europa não há passado de

uma vi tór ia ganha pelo espír i to de exame sobre o princípio da fé cega e da autor idade

infal íve l .

3 – Mas, se o d ire i to de exame é para a razão humana um direi to sagrado e imprescr i t íve l ,

assim como o é da l iberdade na ordem po lí t ica e socia l , são duas mani festações da

at iv idade humana, legít imas pelo mesmo t í tu lo ; e assim como na soc iedade a l iberdade

abso luta gera a anarquia e a guerra, e só obtém o seu mais completo desenvo lvimento

numa organização soc ia l e polí t ica da humanidade tal que todos os interesses convir jam

em lugar de divergirem, como ora acontece; da mesma sorte, na ordem das crenças, o

d irei to de exame não pode ser abso luto sem gerar anarquia, c ismas e d ivisões ao inf ini to, a

não ser numa organização rel ig iosa tal que os trabalhos da razão ind ividual não possam

tender senão a desenvo lver e esclarecer o dogma sem nunca atacar- lhes os fundamentos.

Portanto, assim como o catol ic ismo t inha perdido a metade do mundo cr is tão em

conseqüência da despót ica opressão em que quer ia manter o espír i to humano da mesma

sorte, o pro testanísmo, por outro lado, se perdera pelo excesso do seu pr incíp io.

4 – A razão ind ividual abandonada a si própr ia gerou mi lhares de sei tas par t iculares; o

protestant ismo se d ivid iu indefin idamente. Pelo que, os espír i tos s intét icos que sentem a

necessidade de unidade em todas as mani festações da intel igência humana, reconheceram

por f im que o espír i to humano, ao fugir do despot ismo do pr incípio de autor idade para

invocar o l ivre exame e a soberania da razão, caíra de Car ibdis em Ci la ; e tudo parece dar

a entender que o século não há de exp irar sem que o cato l ic ismo e o pro testant ismo sejam,

se não absorvidos numa solução super ior , ao menos reunidos por mútuas concessões.

5 – Na univers idade de Oxford, no própr io se io da hierarquia da Igreja angl icana, grande

part ido aspira com o doutor Pusey a a l iar -se ao dogma cató l ico. Na Prússia , a sei ta

protestante dos amigos da Luz pro fessa doutr inas análogas, e a Igre ja catól ica alemã,

fundada por Ronge, rejei tando a supremacia do papa ou a conf issão aur icular , e

reclamando o restabelec imento da comunhão em duas espécies, o do casamento dos padres

e a introdução da l íngua vulgar nas cer imônias do culto , há dado um passo decisivo para o

protestant ismo.

6 – João Ronge, o fundador da Igreja catól ica alemã, a que já se al iara grande número de

municipal idades prussianas, tanto cató l icas como protestantes, nascera em 1813, em

Bischofswalde, na Si les ia prussiana. Ainda que f i lho de um camponês, fo i educado no

colégio de Neisse, onde terminou os estudos secundár ios com mui ta honra. Daí passou ele

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para a universidade de Breslau, onde estudou teologia, entrou no seminár io daquela cidade

em 1839, e daí saiu em 1841, e logo depois fo i nomeado cura da pequena c idade de

Grot tkau.

7 – Era Ronge um espír i to reto e generoso, cheio de amor para com seus semelhantes e

pela terra que o v ira nascer. Penetrado do dogma da per fet ib i l idade humana, sob todos os

pontos de v is ta, so fr ia Ronge cruelmente o sacr i f ício de toda a penal idade, exig ido pe la

hierarquia catól ica e não pôde ver sem indignação a inf luência re trógada da Companhia de

Jesus se fazer sent ir na sua diocese sob a proteção do vigár io geral que inter inamente

ocupava a cadeira ep iscopal. .

8 – Uma car ta que e le pub l icou a este respei to no nº 135 do Vater landsb läter, sob o

pseudônimo de um cônego, fo i o pr imeiro fe i to que atra iu sobre e le a atenção públ icas:

custou-lhe uma acusação absurda, demissão e condenação à pr isão, a que fo i obr igado a

substra ir -se pela fuga. Passava-se is to em 1842.

9 – Então ret i rou-se e le para Laurahütte , na al ta Si lésia, onde os seus amigos lhe

alcançaram um modesto emprego de pro fessor, e a í aguardava e le ocasião opor tuna para

in ic iar os seus compatr iotas nas convicções po lí t icas e re l ig iosas que o animavam: esta

ocasião não tardou. Em 1844, o b ispo Arno ldi , tendo mandado expor na catedral de Treves

uma chamada túnica de N.S.J.C., imensa mul t idão fo i em romar ia às margens do Mosela, a

f im de lá adorar a santa rel íquia. Dentro de pouco tempo o número dos romeiros elevou-se

a mais de 500.000, segundo as gazetas alemãs. Então fo i que Ronge publ icou contra o ato

do bispo Arno ldi um mani festo v iru lento que fez grande bulha em toda a Alemanha

cató l ica, e determinou o novo cisma. Neste cur ioso documento da histór ia contemporânea

notamos nós as frases seguintes:

10 – “É de fei to uma festa idó lat ra, porque mui tos espír i tos s imples são induzidos a

renderem a um vest ido, a uma obra da mão dos homens, as honras e adoração que só

devem a Deus” ,

11– “O fundador da nossa santa re l ig ião não deixou a sua túnica, mas sim o seu espír i to

aos seus discípulos e sucessores: sua túnica, b ispo Arnold i , de ixou-a e le aos seus

algozes”.

12 – O mani festo de Ronge teve um duplo efei to: os seus super iores ec les iást icos o

depuseram e o excomungaram, mas de outra par te, recebeu e le numerosas adesões; redig iu-

se uma pro testação de fé em Schneidemühl , e o c isma fo i consumado. A nova Igreja já

tomou o nome de Igreja catól ica apostól ica alemã. Di fere da romana por c inco pontos

fundamentais. 1º Não reconhece a supremacia de S. S. o Papa que não é para ela senão

bispo de Roma. 2º Não admite a conf issão aur icular . 3º Restabelece a comunhão em duas

espécies. 4º Subst i tu i a l íngua vulgar à l íngua latina nas cer imônias do culto. 5º Permi te o

casamento dos padres.

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13 – Daí vê-se que os novos cismáticos alemães aproximam-se do protestant ismo, e

provavelmente são também iconoclastas. Os le i tores esperam, porventura, ver -nos atacar

ou defender os pr incípios da nova Igreja, no entanto deixaremos esta tarefa aos teó logos, e

contentar -nos-emos com observar de passagem que a maior par te das mudanças fei tas

pelos diss identes da ortodoxia romana não são inovações, mas, pelo contrár io,

restaurações.

14 – A supremacia do b ispo de Roma exist i ra largo tempo antes de ser reconhecida. Nos

pr imeiros séculos da era cr istã , a conf issão t inha lugar em al tas vozes, perante todos os

f ié is reunidos. A comunhão em uma espécie é disposição recente. E quanto ao cel ibato dos

padres, todos sabemos que o cel ibato imposto hoje às funções ec lesiást icas passou no

concí l io com

uma maior ia insigni f icante.

15 – A pro fissão de fé de Ronge não di fere, pois, sensivelmente, quanto ao dogma, da

prof issão de fé catól ica romana; e todavia grande número de protestantes a l iou-se- lhe.

16 – Freder ico Gui lherme, que em qual idade de metodista fervoroso não levara a mal os

germens de divisões entre os seus súd itos catól icos, e nem de leve se opusera às préd icas

de Ronge e ao progresso da nova Igreja, segundo se diz, já se vai arrependendo da

to lerânc ia que lhes prestara, ao ver que parte dos seus súdi tos protestantes adotara a

bandeira dos d iss identes; mas é tarde para sufocar o c isma. A l iberdade rel ig iosa é para o

povo alemão uma necessidade de pr imeira ordem, e qualquer perseguição só serv ir ia de

aumentar o número dos part idár ios da nova se ita .

17 – Qual seja a sor te f ina l de Ronge e da sua doutr ina, é o que ser ia mui d i f íc i l de

predizer.

18 – Entretanto, segundo as idé ias progressivas que S. S. há mani festado desde a sua

ascensão à cadeira de S. Pedro, pode-se esperar , sem que por isso se deseje um impossível,

a lgumas concessões da parte de Roma.

19 – Não estamos hoje no século XVI; t rês séculos de rudes exper imentos mostraram

claramente a todos o excesso em que caíra o protestant ismo, e um concí l io hoje houvera

mais probabi l idade que o concí l io de Trento para reunir todos os cr is tãos numa única e

mesma comunhão. Reci fe, 1° de maio de 1847.

O . . . . . . . . .

O Progresso, p. 553 - 557

Anexo 12

O LIVRO DO POVO

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1 – O Livro do Povo de Lamennais é uma obra de al to a lcance f i losóf ico polí t ico , e nesta

qual idade deu ele lugar aos mais contrad itór ios juízos. Uns reputaram-no um novo f lorão a

acrescentar -se à coroa l i terár ia do autor, outros só quiseram ver ne le um l ivro sem

unidade, sem efe i to possíve l e que se re futava a si p rópr io.

2 – Estas duas maneiras de ver tão d i ferentes expl icam natura lmente sem que se suponha

má fé da par te do cr í t ico. De fei to, em qualquer obra deste gênero dão-se duas co isas

dis t intas, pr imeiramente o alvo com que é escr i to, a idéia que o insp irou e que cada parte

deve de fazer sobressair : em segundo lugar, as f rases que a compõem, as quais não devem

ser tomadas isoladamente; porque, se considerarmo-las, com o seu valor absoluto,

destacadas do que precede e do que se segue, poderemos encontrar ne las contradições e

inconseqüências que não existem de sor te a lguma nem na obra, nem no pensamento do

autor.

3 – O crí t ico verdadeiramente digno deste nome e do sacerdócio de que é revest ido se

adstr inge ao pr imeiro destes dois pontos de vis ta, ident i f ica-se com a idé ia do autor,

segue-a em todos os seus desenvo lvimentos, ver i f ica a inexat idão dos rac iocínios, e

somente sobre o resul tado deste trabalho é que e le assenta a sua opinião. Outros, (e

desgraçadarnente são numerosos) incapazes de apanhar o todo de uma obra, perdem-se nos

pormenores e condenam uma obra que rea lmente não compreenderam.

4 – Destarte fo i que um escr i tor medíocre (Lerminier) que à força de dec lamações,

antí teses e exagerações de mau gosto , conseguiu uma semireputação, acusava o Livro do

Povo de não passar de um tec ido de contradições, e chamava-o “l ivro de Cólera e de

mansidão, de sed ição e de ascet ismo, traçado por um t r ibuno e por um santo, mater ial is ta e

míst ico, destru indo-se a s i própr io, sem unidade, sem efe i to possíve l, sem per igo, página

de catec ismo cozida a um farrapo de contrato socia l, e tc. , etc. , etc .”

5 – Lerminier não compreendeu o Livro do Povo. Este l ivro é um t ratado de mora l meio

f i losófico e meio cr istão. É um tra tado de moral baseado neste pr incípio: “O dest ino do

homem neste mundo é aproximar-se o mais possível de Deus, desenvolvendo todas as suas

faculdades”. t ra tado que, apesar de a lguns v islumbres de mist ic ismo, ainda apresenta um

caráter de lógica mui notável.

6 – Deste pr incíp io Lamennais t i rou pr imeiramente o direi to e o dever, de acordo neste

ponto com Th. Jouffroy e os f i lósofas da nova esco la, e reconhece que em substância só há

para o homem um único dever, o de completar o seu dest ino; donde se segue mui

legi t imamente: 1º que cada homem deve de respeitar os outros no cumpr imento do seu

dest ino; (e is a just iça); 2º , deve ajudá- los no cumprimento deste mesmo dest ino. (E is a

car idade). Assim, o amor é toda a le i .

Amor do próximo – Respeito aos outros no cumprimento do seu dest ino (Just iça).

Socorro aos outros para completar este mesmo dest ino (Car idade).

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7 – Decorre, pois, deste pr incípio, além do dever, o d i rei to que cada qual tem de ser

respeitado e socorr ido no cumprimento do seu dest ino. O Livro do Povo é consagrado ao

desenvo lvimento destes pr incíp ios. O autor segue-os na esfera social e polí t ica, e mostra

os d irei tos e os deveres tornando-se cada vez mais sagrados, à medida que o cí rculo em

que se e les devem de exercer se vai alargando.

8 – Procuraremos, po is, resumir em a lgumas páginas esta impor tante obra, a f im que os

nossos le i tores possam ver i f icar a exat idão da nossa apreciação. Os homens, d iz

Lamennais, não dever iam formar senão uma grande fama, (sic) unidos pelo amor ; mas

surgiu o egoísmo que se apoderou dos corações de alguns, e eles prenderam seus irmãos, e

deles f izeram seus escravos. Estes escravos passaram por três estados di ferentes.

Tornavam-se servos, isto é, não eram tota lmente a causa de seus senhores, mas sempre

obr igados a obedecer- lhes e trabalhar para eles; enfim, tornaram-se proletár ios, iguais aos

seus senhores in nomine, mas de fato pr ivados de todos os di rei tos pol í t icos e

abandonados sem defesa à depredação das c lasses pr ivi legiadas.

9 – E, contudo, o povo é o gênero humano, e os pr ivi legiados não formam senão uma

fração quase imperceptíve l . O povo é que sustenta a sociedade pelo seu trabalho, e por

cuja defesa derrama o seu sangue; e quem produz tudo, e em paga só tem a escravidão e a

misér ia. A sor te deplorável do povo melhorará quando e le quiser, pois existem cem

proletár ios contra um pr ivi legiado. Mas, procurando reaver os seus di rei tos, não convém

que ele ataque o de outrem. Cumpre destru ir a injust iça para subst i tu ir - lhe a just iça, e não

cont inuá-la em provei to seu. O povo não será um forte; o seu poder e a sua vontade não

serão ir resis t íve is senão quando ele for unido pela just iça e pela car idade. Os vocábulos

direi to e dever se supõem mutuamente, e não são senão consequência do dest ino imposto

ao homem como indivíduo transpor tado para a esfera soc ia l . O dest ino imposto ao homem

na terra é separar -se cessantemente do bruto para se aproximar de Deus, cul t ivando todas

as suas faculdades, tanto esp ir i tua is como f ísicas: este é o seu dever ind iv idual.

10 – Como homem soc ial , e le deve respei tar e ajudar os outros no cumpr imento do seu

dest ino; e tem direi to ao mesmo respei to, ao mesmo socorro da par te de cada um deles.

Respeitar é a just iça; ajudar é a car idade.

11 – Daí resul tam todos os d ire i tos e todos os deveres. Todo o homem tem dire i to de v iver

e de se conservar, de viver vida do corpo e v ida do espír i to. Estes direi tos são o que se

chama a l iberdade, e este direi to pertence igualmente a todos os homens. Não há ninguém

que tenha direi to de pr ivar os outros da sua l iberdade. Todos os homens são iguais.

12 – A moral idade do gênero humano é inseparável da l iberdade. O homem transpor ta este

direi to de l iberdade para a esfera social . O direi to social , o d ire i to do povo, é a coleção de

todos os dire i tos ind ividuais; por isso ainda é mais respei táve l, e se não pode vio lá- lo sem

que se cometa um cr ime contra toda a humanidade.. Entretanto , por toda a parte o povo

vive na misér ia, pr ivado do seu dire i to e da sua l iberdade, sujei to a le is de monopól io e de

pr ivi légios, que e le não f izera nem autor izara, e que tendem a mantê-lo sempre na

dependência, perpetuando a sua ignorânc ia e avi l tamento.

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13 – Destes homens que têm imposto o seu jugo a seus irmãos,

uns não têm dado outra razão senão a sua força, outros argumentos senão os seus saté l i tes;

outros se apoiaram na rel ig ião, se proclamaram de natureza super ior aos outros homens, e

a humanidade os acred i tou: ao d irei to do mais for te subst i tuíram eles o direi to d ivino.

Depois reconheceu-se a i legi t imidade do direi to do mais for te e do dire i to d iv ino.

Reconheceu-se o pr incípio de soberania do povo, mas somente como pr incípio , porque

desta soberania resul tar ia que a le i deve de ser a expressão da vontade e da l iberdade de

todos, e que todo o monopól io pol í t ico é i legal. O governo não passa de um mandatár io

revogável, que recebe do povo poderes que este deve rever de quando em quando, e pode

cassá-los todas as vezes que ju lgar conveniente; donde resul ta a i legi t imidade de qualquer

soberania hered itár ia, de qualquer poder que não há sido cr iado pela vontade de todos, ou

que, uma vez cr iado, pretende guardar eternamente o seu poder. . . . . . . . . . . (no texto)

Todos os animais tem sobre a terra o que lhes é necessár io, e só o homem é nu e pobre,

(nudus et pauper) porque um pequeno número se apropr iou de tudo. Herança, pr iv i légio,

nobreza, rea leza, qualquer soberania que se subtrair à soberania popular é um atentado

contra os d ire i tos da sociedade; o povo não cr ia priv i légios, de lega o seu poder, e re t i ra-o

quando lhe apraz. É este o seu direi to ; o d ire i to do homem soc ial . (A l iberdade)

Vejamos agora os seus deveres, porque o direi to concentra cada qual em si . O direi to

separado do dever fora a soberana injust iça, (so lum jus summa injust i t ia) o egoísmo puro.

O dever puro é a ded icação, a car idade, enfim o amor . O direi to e o dever são sagrados; e

do seu cumpr imento resul tar iam a fe l ic idade e a harmonia do gênero humano.

14 – Todos os entes têm um dest ino a cumpr ir . Por isso é um ato imora l o fazer padecer ou

morrer a lgum deles sem ut i l idade. Como a existênc ia do homem é mais importante que a

dos animais, e le os pode matar para a sua própr ia conservação, mas não para o seu recre io.

15 – Todos os dire i tos e todos os deveres do homem der ivam de uma única le i – a do

amor; o amor é que lhe impõe o dever de se aproximar incessantemente de Deus, e de

prat icar para com o seu próximo a just iça e a car idade.

16 – Os deveres gerados por esta le i são gerais ou par t iculares, segundo se considera o

homem, ou como ind ivíduo, ou fazendo par te de uma sociedade organizada. Estes deveres,

o homem os lê na sua consc iênc ia, os vê por toda a par te fora de si . Como indivíduo, e le

tem para consigo mesmo, e para com os outros, deveres negat ivos e deveres posi t ivos –

just iça e car idade. Da mesma maneira, na esfera socia l , e le tem a cumpr ir deveres de

famí l ia e de pátr ia ; ele tem deveres a cumpr ir para com a mulher a que fo i unido pelo

santo laço do matr imônio; deveres para com os f i lhos, a quem deve, no estado atua l da

soc iedade, bons exemplos, e a educação física e intelectual, o al imento do corpo e do

espír i to, porque, como. d iz J. Cr is to, o homem não vive somente de pão; v ive também de

todas as pa lavras que saem da boca de Deus, ” isto é, de verdade.

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17 – Os f i lhos têm também deveres a cumpr ir para com os pais, enquanto moços, devem

respeitá-los e amá-los; quando ve lhos, devem rest i tuir - lhes os desvelos, que por e les lhes

foram prodigal izados durante a infânc ia.

18 – O homem têm também deveres a cumprir para com a sociedade no seu todo, para com

sua pátr ia; não deve hesi tar em sacr i f icar por ela a própr ia vida. Acima do ind ivíduo a

famí l ia , ac ima da famí l ia a pátr ia , ac ima da pátr ia a humanidade. Dar-se-á co isa mais

imora l que este vocábulo – estrangeiro? Não são todos os homens irmãos? Não são irmãs

todas as nações? Dar-se-á co isa mais infame que trucidar -se rec iprocamente, pe lo fato de

não ter nascido do mesmo lado do r io, ou de uma serra?

19 – O complexo dos deveres e das verdades eternas que lhes servem de fundamento, é a

rel ig ião, – a verdadeira rel igião. E la está gravada no coração de todos os homens, e não

deve ser confund ida com as formas cont ingentes e morredoras que reveste. Conta i os

benefíc ios prestados à humanidade pelo Cr is t ianismo e vere is que as palavras do Cr is to

const i tuem a verdadeira rel ig ião, que nem pode mudar nem morrer.

20 – Mesmo na soc iedade ant icr istã e imora l em que vivemos, a vir tude e o víc io trazem

consigo a sua recompensa. E que acontecerá, pois, quando se cumpr i r a le i? porque, o

cumprimento do dever por todos, real iza o di rei to de todos. O dire i to e o dever são

inseparáveis. Se quiserdes reconquistar os vossos direi tos, respei tai o dos outros. Uni -vos

para obter a just iça; mas não vos esqueçais da car idade. Ide com estas idé ias, tende

conf iança, e o vosso tr iunfo é cer to.

21– O resul tado deste tr iunfo consist i rá em chegarmos, não a este níve l absurdo e

ant inatural , inventado pelos part idár ios dos pr ivi légios para amedrontarem os que

possuem, níve l que, em pouco tempo, destrui r ia o progresso social , se pudesse ser

estabelec ido, mas à verdadeira e única igualdade possível, a dos d ire i tos. Então, já não

haverá aí nem monopól io, nem pr ivi légios hereditár ios, mas s im l iberdade indefin ida de

assoc iação: e l ivre, enf im, dos óbices que há largo tempo o embaraçam, o trabalho do

homem mudará o aspecto do mundo. O vapor, os r ios, motores possantes que a natureza

deixou à d isposição do homem, em vez de pr ivarem o povo de trabalho como hoje

acontece, lhe permi t i rão, pelo contrár io, consagrar mais tempo ao seu progresso mora l e

inte lectua l, tomar sua parte nos gozos da inte l igênc ia e da arte.

22 – Então só se dará um cr ime de longe em longe, e a le i verá no cr iminoso um irmão

desvairado, que deve ser reconduzido e não um cr iminoso a punir . Já não haverá cadeias,

nem patíbulos. A sociedade já se não manchará com assassinatos jur íd icos; desaparecerá

esta infame pena de morte, atentatór ia dos d i rei tos do c idadão, da humanidade e do

própr io Deus.

23 – Já não haverá déspostas; já não haverá guerra; mas sim união entre todos os c idadãos;

fra ternidade entre todos os povos; enf im, a mais completa fe l ic idade de que o homem

possa gozar, antes de se reunir a Deus.

Reci fe , 9 de outubro de 1847.

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O.. . . . . . . .

O Progresso, p. 647-653.

Anexo 13

At ividade Humana

Nous voulons le plein développement de toutes les

individual i tés, spontanément et legit imement ordonnées,

dans l ’unité absolue de l ’espece.

PHALANGE

1 – Todos os atos da individual idade humana, como com muita razão observara

Theodoro Jouffroy, nas suas Miscelâneas f i losóficas, tendem a um único f im – ao

prazer que resulta da sat isfação dos desejos que a organização de cada indivíduo

determina em si próprio.

2 – Ora, este fenômeno de prazer, único móvel da nossa at ividade, exige para

manifestar-se: primeiramente que exista o objeto desejado; depois, que ele esteja ao

alcance do indivíduo que deseja, e enfim que seja empregado com vistas no prazer.

3 – Ao que pode ser o objeto de desejos, deu a economia pol í t ica o nome de

r iquezas, e o de consumo, ao ato que faz que tais r iquezas sirvam ao prazer. Ora se

estas r iquezas exist issem naturalmente, sempre proporcionais aos desejos do

homem, e se sempre est ivessem ao seu alcance, bastaria que ele manifestasse a sua

at ividade pelo fenômeno do consumo, cuja condição única seria então o tornar-se

ele proporcional aos desejos ou necessidades do indivíduo que obra. Mas a

distância em que as r iquezas se podem achar, os obstáculos que algumas vezes se

levantam entre o homem e o objeto desejado, nos fazem obrar de um novo modo,

que consiste em colocar as r iquezas ao alcance do consumo, e a que se deu o nome

de distr ibuição. Finalmente, a insuficiência das r iquezas naturais, para sat isfazerem

os nossos desejos incessantes, determina uma terceira manifestação que se

denominou produção.

4 – Logo, móvel da at ividade humana, o desejo; f im o prazer; meio o consumo;

necessariamente produção e distr ibuição, e isto indefinidamente, porque um desejo

sucede a outro, enquanto exist ir o indivíduo, em quem esta sucessão mesma é a

manifestação indispensável da persistência da vida. Daí resulta igualmente que a

produção e o consumo, para preencherem a sua missão, se devem tornar

proporcionais às necessidades; e a distr ibuição, que representa somente o papel de

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intermédio, deve ser fei ta do modo mais econômico, em tempo e força despendida.

Além disto, como, para passar do desejo ao prazer, por via dos fenômenos que

acabamos de indicar, se pode seguir diversas estradas, que nem todas seriam

igualmente direitas, seguras e transitáveis, é claro que se deve impor certas

condições, e sujeitar a certas regras cada um dos elementos que entram nesses

diversos modos da at ividade humana. Assim, o solo, os produtos naturais, o cl ima,

o trabalho do homem, quer imediato, quer executado de antemão (capital), as suas

faculdades produtoras e consumidoras devem ser dir igidas e combinadas conforme o

alvo f inal. Numa palavra, estas regras são excessivamente simples, pois se reduzem

à apl icação da fórmula seguinte: colocar e manter os diversos elementos que

representam um papel nos fenômenos da produção, distr ibuição e consumo, de

sorte que gozem da maior l iberdade, e exerçam a ação o mais possível, segundo as

suas atrações ou tendências naturais; condição evidentemente mais favorável, com

uma força dada qualquer, para obter-se um efeito máximo.

5 – Já observamos noutro lugar que o simples fato da existência implica a idéia da

sucessão incessante dos desejos no homem. Estes desejos são de diversas ordens e

se referem a diversas faculdades, que são como as componentes cuja reunião

consti tui a individual idade. Ora, estas componentes, seja qual for, na origem, o seu

estado mútuo de luta, se acham evidentemente nas melhores condições possíveis

para o bem ser geral do indivíduo, com o qual elas são todas solidárias, cada vez

que se estabelece entre si um tal estado de equi l íbr io e de harmonia, que repartem

entre elas mais precisamente a esfera da at ividade, e convêm numa troca recíproca

de serviços. Como esta troca permite, em virtude da divisão do trabalho, uma

l iberdade de especial ização maior a cada faculdade, para o gênero de at ividade que

lhe é mais próprio, daí resulta, como já vimos precedentemente, melhores condições

para a produção, a distr ibuição e o consumo, e, por consequência, um maior gozo

tanto para a resultante homem, como para cada uma das suas componentes.

6 – Mas, ainda depois desse primeiro progresso realizado pela troca mútua entre as

diversas faculdades, nunca o consumo se poderia afastar muito dos l imites traçados

pelas necessidades indispensáveis para a conservação do indivíduo, que,

constrangido a gastar todo o seu tempo, a empregar toda a sua at ividade, para este

resultado mesquinho, nunca teria alcançado requintar os seus sentidos, nem

desenvolver o seu coração e intel igência, se uma nova complicação, ao passo que

lhe pusesse em dúvida a existência, não o obrigasse a um novo compromisso, fonte

de novas trocas e por conseqüência de novos progressos.

7 – Como o homem não é o único de sua espécie no globo, achou-se logo em

contato com entes dotados de necessidades análogas; cada um quis se apropriar as

r iquezas naturais, e, como estas, em breve se tomaram insuficientes, o estado de

guerra ao cabo de certo tempo foi a conseqüência necessária do desenvolvimento

espontaneo dos seus desejos e at ividade inst int iva. Então não houve mais

segurança, nem mesmo existência possível para o homem; e já nem ele podia

produzir, nem recolher, nem transportar, nem consumir suas r iquezas, sem receio de

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as ver roubadas por seus semelhantes. Esta luta, que revelou a sua sol idariedade aos

homens existentes, em certa região, foi para eles a causa que determinou a

formação do laço social que, em princípio, não foi mais que uma convenção para

garantir a cada um certa l iberdade de produção, distr ibuição e consumo, f ixando

l imites ao desenvolvimento individual.

8 – Ora, esta convenção permit iu a cada indivíduo o entregar-se, dentro de certos

l imites, à sua at ividade. A natureza os dotara com desejos múlt iplos e incessantes,

com forças, faculdades e aptidões diferentes e ao passo que, cada um procurava

especial izar, segundo as tendências naturais, as suas forças produtoras e

consumidoras, nasceu de semelhante diversidade a divisão do trabalho, que

necessitou entre os homens as t rocas – sinal infalível, como já vimos

precedentemente, de maior l iberdade e de um maior gozo.

9 – Assim, o indivíduo social, – municipal idade, província, nação; seja qual for o

nome e dimensão que se lhe assine, tem existência necessária, tão legít ima como a

do indivíduo homem, para quem a sua formação constitui verdadeiro progresso,

progresso indispensável até para a persistência da sua individual idade. Por

conseqüência, como o homem deve viver em sociedade, não é a at ividade do homem

isolado e selvagem, que se deve regular e dir igir , mas sim a do homem em contacto

com os seus semelhantes.

10 – Ora, a sol idariedade dos indivíduos – homens, no indivíduo social, é completa;

o gozo daqueles é inteiramente proporcional aos destes; logo, trata-se de dir igir a

at ividade individual diretamente, em vista do maior gozo possível, para o indivíduo

social. Mas, entre esta individual idade composta e a do homem no estado selvagem

ou de isolamento, que ao princípio já examinamos, vemos uma semelhança

completa, quanto à disposição e arranjo das componentes. A sua natureza quase que

não oferece diferença alguma, senão na ordem a que pertencem, e na complicação

um pouco maior do mecanismo que diversif ica as componentes-faculdades que

consti tuem o homem, das componentes-indivíduos que consti tuem a nação. O f im a

esperar é o mesmo – o gozo; os meios para chegarmos até ele são idênticos – a

produção, distr ibuição e consumo; podemos pois apl icar afoitamente, tanto a uma

como a outra, a regra precedentemente enunciada, e dir igir cada elemento, de modo

que lhe deixemos a maior l iberdade de ação possível. Em últ ima anál ise, estes

elementos são completamente análogos aos que já consideramos, no caso

precedente, à exceção de um só, que é a diversidade das aptidões, forças,

capacidades das individual idades – homens, que aparece aqui, pela primeira vez, e,

como todos os outros, deve ser empregado do modo mais profícuo ao bem ser do

indivíduo social; bem ser real izado pelo aumento e especial ização do consumo, que

tem ao mesmo tempo por conseqüência, causa e termômetro infalível a extensão das

trocas entre os indivíduos, – comércio interior.

11 – Considerações análogas apl icadas à coexistência dos diversos indivíduos

sociais – nações, sobre a superfície do globo, nos mostram, como para os

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indivíduos – homens, antes da criação do laço social, a luta entre os povos, apenas

eles se encontram, o comprometimento da sua existência pela guerra, e a opressão

de todas as manifestações da sua at ividade, até que pela consciência da sua mútua

sol idariedade, eles se consti tuem, pela formação de um laço internacional, partes

integrantes de nova individual idade de ordem superior, a humanidade. As nações na

humanidade, assim como os indivíduos em a nação, são sol idárias umas para com as

outras; assim, elas encontram o seu gozo mais completo, a sua maior soma de

fel icidade, na do indivíduo humanidade, em cujo proveito devem ser dir igidos,

defini t ivamente, os fenômenos de produção, distr ibuição e consumo.

12 – Esta nova compl icação do mecanismo da individual idade, cuja at ividade deve

ser dir igida, não causa modif icação alguma no apl icar das regras já enunciadas; é

bastante sujeitar-se a elas o novo elemento introduzido, que é a diversidade das

forças, apt idões, etc. das nações, elemento cuja introdução permite, em virtude de

nova divisão no trabalho, uma especial ização muito mais l ivre das forças

produtoras e consumidores individuais, que assinale uma terceira e últ ima fase de

progresso, caracterizada pela mult ipl icidade das trocas entre nações.

13 – Vemos pois que o alvo da at ividade humana, que é a sat isfação dos desejos

iniciais, emanados das diversas paixões do indivíduo, encontra a sua mais completa

real ização na maior l iberdade concedida a cada um dos elementos desta mesma

atividade, e que a soma possível desta l iberdade vai sempre em aumento do homem

isolado no estado selvagem, ao homem no estado social, e enfim ao homem,

membro de uma sociedade que seria por si mesma um dos elementos da humanidade

organizada.

14 – Seguir-se-á acaso daqui forçosamente, como alguém o poderá crer, que seja

necessário conceder uma l iberdade absoluta às individual idades (nações, homens,

paixões ou faculdades) no exercício da sua at ividade? De certo que não. Seria

necessário para isso que cada força produtora se achas-se colocada de tal sorte, que

a sua ação espontânea fosse a mais vantajosa possível, que a distr ibuição se f izesse

por si só, por assim dizer, de modo mais simples e direto e o consumo pudesse ser

adequado às necessidades.

15 – Ora, é evidente que estas condições não existem hoje, e até não são

absolutamente real izáveis: o que podemos e devemos concluir do que precede, é que

o caráter do progresso é permit ir a cada individualidade um desenvolvimento de

mais e mais l ivre da sua at ividade, com a condição de que esta at ividade seja

sempre dir igida, segundo o alvo que se deve at ingir.

16 – Por quem deve ela ser dir igida? Deverá f icar entregue ao indivíduo homem a

apl icação das regras, ou devem ser impostas pelo indivíduo nação, ou ainda pelo

indivíduo humanidade? Deduzir-se-á do que precede a nossa opinião a este respeito;

entretanto, é uma consideração de pouca monta, para o assunto a que este art igo

serve de introdução; o que importa é veri f icar a necessidade dessas regras, o seu

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caráter, que é o progresso, pela extensão da l iberdade, e, sobretudo, o sinal

característ ico do progresso, que é a cr iação e a extensão da troca entre as

faculdades do indivíduo, entre os próprios indivíduos, e enfim entre as nações, – a

extensão do comércio

interior e exterior.

A. . . . . . . . .

O Progresso, p. 175-180

Anexo 14

COMÉRCIO INTERNACIONAL

Olho por olho, dente por dente!

Lei hebraica

1 - Por maior que seja a dose de ot imismo, encomendado, ou de convicção, com que

examinemos as nossas sociedades modernas, não se pode escurecer que atualmente

se acham elas num estado de sofr imento que vai crescendo cada vez mais, o qual

nos é revelado ao mesmo tempo pelo aumento rápido do proletariado e crimes de

todos os gêneros, e pelas sublevações que de quando em quando põem em dúvida a

própria existência da forma social. E até é sabido que, no estado atual, cada

progresso nas ciências e nas artes mecânicas, cujo efeito devera ser, – aumentando

as forças produtoras, ou simpli f icando-lhes o emprego, aumentar proporcionalmente

o bem ser geral, produz um efeito absolutamente contrário. A maior parte das

insurreições de operários hão sido ocasionadas pela introdução de máquinas

aperfeiçoadas, e é isso também o que há feito periodicamente correr o sangue em

todas as terras em que se há desenvolvido a grande indústr ia.

2 – Duas causas determinam este estado mórbido, que faz converter em desproveito

do corpo social as descobertas que lhe deviam aumentar os gáudios: provém ele,

primeiramente, de uma má organização da at ividade individual, no seio de cada

indivíduo social (povo, nação etc.), em segundo lugar, de ainda não terem os

diversos indivíduos sociais compreendido a sua sol idariedade nem real izado, pela

extensão das trocas internacionais, a terceira fase de progresso nesta ordem de

fatos.

3 – Entre cada povo, a at ividade individual , em vez de ser dir igida para o bem de

todos, conforme os princípios incontestáveis de l iberdade de especial ização,

simplicidade e economia, como já estabelecemos no nosso art igo precedente

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(at ividade humana), essa at ividade, dizemos nós, f icou entregue a si própria:

sat isf izeram-se os legisladores com o f ixar certas leis, impor certas regras, a f im de

impedir que os indivíduos se ofendessem uns aos outros diretamente, e exigir, para

o consumo certas condições part iculares: o resto f icou à mercê do capricho

individual, sem ter nada que o dir igisse em vista do alvo a que se mira.

4 – E de semelhante anarquia que foi o que resultou? — Que o consumo se há feito,

e ainda hoje se faz à ventura, sem proporção com os desejos e às mais das vezes,

sem a mínima l iberdade de especial ização: a distr ibuição ocupa, em dupl icados

empregos e rodas inúteis, uma força cêntupla da que lhe fora mister, e danif ica

assim diretamente a produção, pelas forças que lhe t i ra, não levando em conta a

inf luência que ela exerce ao mesmo tempo sobre o consumo, pelos desperdícios e

fraudes de todas as castas.

5 – Quanto à produção, essa se efetua num deplorável estado de incoerência: os

elementos produtores vivem em guerra aberta entre si , e trabalham num estado de

isolamento, de ordinár io em circunstâncias desfavoráveis, e sem se importarem com

as necessidades que se acham por prover; as quais, nesse estado anárquico em que

vivemos, nem sequer se podem conhecer. – Forças imensas sem emprego, algumas

empregadas de um modo improdutivo, outras enfim empregadas para destruir, – eis

o quadro que nos oferece a of icina social: com semelhante organização, ou antes,

nesta ausência de organização, não admira que a produção e o consumo,

consideravelmente restr ingidos, restr injam outro tanto o prazer e o bem ser do

corpo social.

6 – Como já vimos no art igo precedente sobre a atividade humana, a coexistência

no globo de diversos indivíduos sociais, após o primeiro momento de luta e de

sofr imento que é a sua conseqüência, devia permit ir maior desenvolvimento de

l iberdade produtora e consumidora, maior bem-estar, progresso caracterizado pela

extensão da troca internacional, – comércio exterior. Desgraçadamente, ainda não

saímos do primeiro período dessa fase de progresso, – a do sofr imento causado pelo

antagonismo dessas individual idades de nova espécie. Até hoje ainda, a humanidade

se não acha consti tuída; verdade é que os seus elementos co-existem mas como que

sem nexo; apenas um pacto, – pacto antes de usanças que de direi to, sem embargo

do nome de direito das gentes que se lhe dá –, interveio para regularizar certas

relações internacionais, e garantir a cada povo certa l iberdade de at ividade. Ainda

mais, como esse código, além das suas imperfeições e lacunas, não tem outra

sanção mais que a força bruta das partes, cada nação é atualmente obrigada a gastar

um quarto ou metade dos seus haveres, a empregar uma parte notável da sua força

viva, a f im de manter armadas, exércitos e praças de guerra, fundições, arsenais e

outros meios de destruição, para se não pôr a mercê das suas vizinhas, e o axioma

romano é ainda hoje tão verdadeiro na prát ica como há dois mil anos: Si vis pacem,

para bel lum!

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7 – A persistência do estado selvagem entre os homens, há sempre encontrado mui

poucos part idários; mas de tempos a cá, a maior parte dos homens de estado e

escri tores, não ref let indo que, na humanidade, são as nações análogas aos

indivíduos e são por conseqüência sol idár ios em bem e em mal, esses homens,

dizemos nós, nunca consideraram o bem estar de um povo senão como adquir ido à

custa do bem-estar dos outros povos. Assim, em todos os t ipos, eles indagaram

somente os meios de desfrutar a at ividade das nações vizinhas, em lugar de se

ocuparem, como é mais racional e simples, em tornar ao mesmo tempo mais

produtiva esta últ ima e a sua própria. Em lugar de verem, no antagonismo armado

atual, uma transição dolorosa que bem depressa deve dar lugar ao reinado da paz e

da fratemidade universal, eles consideram-no como estado normal, e chamaram

utopistas, loucos e ímpios a todos quantos os contradizem; — Mercê de Deus !

quando as f i lantrópicas convicções dos homens de progresso lhes não custam o

sacri f ício da l iberdade ou das vidas!

8 – Este absurdo sistema de isolamento guerreiro, tinha, como corolário natural, a

obrigação imposta a cada nação de t irar, do seu solo e indústr ia part icular, todos os

produtos destinados ao consumo, e isto sob pretexto de se tornar ela tributária do

estrangeiro; e para esses sábios economistas, consist ia o ideal do comércio em

muito exportar e nada importar. Foi sob a inf luência destas idéias bárbaras e anti -

sociais que se estenderam as l inhas de alfândegas em quase todos os países;

estabelecidas, na origem, com o único alvo de perceberem um imposto, e depois

modif icadas, para permit ir o desenvolvimento de certas indústr ias, tornaram-se

af inal as alfândegas verdadeiros aparelhos isoladores, cujo único resultado é

dif icultar as trocas, embaraçar o comércio internacional e até prejudicar as rendas

do tesouro, em proveito aparente, mas, em desvantagem real do qual, t i ram elas

esses direitos chamados diferenciais, protetores, e que antes se deveriam chamar

destruidores.

9 – Com efeito, podemos considerar a existência dos direitos de alfândegas debaixo

de dois pontos de vista: como meio de t irar o imposto necessário para as despesas

da comunidade, e como meio de proteger a indústr ia social. Como meio de t irar o

imposto, vemos antes que tudo, que é esse um dos piores, pois que emprega sem

proveito um exército de agentes, com que se despende uma porção notável das

rendas recebidas, submete viajores e negociantes a muitos incômodos e vexações

insuportáveis, dá ocasião a que o comércio faça despesas enormes, e,

f inalmente, faz que o imposto não corresponda às condições de justiça geral, que

exigem que os encargos do estado pesem igualmente sobre todos os ramos da

produção do país, em proporção da sua importância. Como meio de proteger a

indústr ia a experiência há provado que, como a teoria indicava, toda a proteção, em

últ ima anál ise, não passa de um imposto t i rado, em proveito de uma indústr ia, sobre

todas as outras, trazendo de mais as desvantagens seguintes:

1ª – fazer pagar aos consumidores nacionais os produtos das indústr ias

privi legiadas, mais caro do que se t i rassem do estrangeiro, e gravar destarte todos

os outros ramos de indústr ia nacional, de um modo tanto mais desastroso quanto os

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direitos produtores pesam sobre matérias de um uso mais geral, como tr igo, sal,

ferros, etc.;

2º – dispensar os produtores privi legiados da concorrência que os obrigaria a

progredir, a apl icar processos mais aperfeiçoados, e por consequência obstar que os

produtos se tornem mais baratos; 3º – Enfim, prejudicar ao país inteiro, de um

modo geral, desenvolvendo indústr ias parasitas, em despeito do cl ima e das

circunstâncias naturais, à custa dos verdadeiros ramos da produção nacional, que a

proteção priva de consumidores no exterior, em consequência dos direitos

diferenciais ou proibit ivos, que os seus produtos encontram nos mercados

estrangeiros, e para os quais as nações se não deixam tratar com reciprocidade.

10 – É pois evidente, que em princípio todo obstáculo à mult ipl icação, e, por

conseqüência, à faci l idade das trocas internacionais, é absolutamente prejudicial ao

bem de todas as nações em geral, e de cada uma em part icular . Entretanto, não

temos que convenha suprimir imediatamente todas as barreiras que hoje separam os

diversos povos, sob a relação comercial e industr ial . Para que semelhante medida

fosse boa, fora mister que todos os povos e todas as porções do solo se achassem no

mesmo grau de r iquezas e de progresso: mas no estado atual das coisas, quando a

primeira das unidades que se deve real izar, a do solo, ainda se não acha

completamente adquir ida, em país algum, por fal ta de numerosas vias de

comunicação, rápidas e fáceis; e quando os capitais, que se tornaram o elemento da

mais importante consideração, nos fenômenos que dependem de at ividade humana,

longe de se acharem necessariamente em mãos capazes de dir igi -los do modo mais

racional e vantajoso, ao contrário se acham distr ibuídos ao acaso: neste estado de

coisas, dizemos nós, concebe-se que a sociedade deve proteger momentaneamente

tal ou tal ramo da produção, quando este ramo se acha realmente colocado em

circunstâncias favoráveis, e em termos de poder tr iunfar, com este socorro, dos

obstáculos que se encontram na origem de toda a indústr ia nova, e dar ao país, mais

para o diante, pela barateza dos seus produtos, mais que o valor do imposto com

que ela o houver gravado. Em resumo, a proteção não deve passar de um

empréstimo temporário, judiciosamente fei to pelo corpo social a um dos seus ramos

de at ividade.

11 – Outras considerações ainda podem autorizar, em certos casos, uma derrogação

no princípio da l ivre indústr ia, e motivar o estabelecimento de direitos protetores:

assim, quando, entre algumas nações, a existência de certas proteções e proibições

restr ingem o consumo de um art igo que outro povo produz vantajosamente, se essas

nações, por ignorância, ou má vontade, se recusam obstinadamente a qualquer

mudança mais l iberal, esse povo se poderá achar em certos casos, com uma porção

da sua população sem trabalho, ou ocupada em uma produção sem extração, ainda

que colocada nas mais vantajosas circunstâncias naturais. Num caso semelhante,

pode ser vantajoso responder a essas proibições e proteções, por medidas análogas,

e será bom talvez, para dar ocupação a esse povo, desenvolver, além daqui lo que

devera ser, no estado normal, uma indústr ia part icular, ou mesmo introduzir outra

totalmente f ict ícia. Mas, é evidente, que convém que, antes de se tomar semelhante

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medida, cálculos posit ivos estabeleçam que o imposto cobrado pela proteção, não

seja um mal mais grave que a desapreciação produzida pelo empachamento do

produto proibido ou altamente taxado pelas nações vizinhas, e ainda assim seria

preciso que não houvesse um meio menos dispendioso para arremediar o mal.

12 – As nações mais adiantadas na carreira da civi lização, como Inglaterra, França

e Alemanha pelejam hoje com dif iculdades sem número, por não terem sido f iéis

aos princípios que acabamos de expor, nem terem mantido a proteção dentro de

justos l imites.

13 – A sombra das tari fas produtoras, e até muitas vezes das proibições absolutas,

se desenvolveram indústr ias de todos os gêneros, nestas terras, à custa da r iqueza e

da prosperidade geral , e aquelas mesmas, que eram apropriadas aos países, se

dispuseram, no solo, ao acaso, sem procurar indicações favoráveis de local idade

tais como a proximidade dos centros de consumo e produção, canais, r ios e outras

vias de comunicação. De mais, como o mercado nacional lhes era exclusivamente

reservado, e lhes assegurava grandes benefícios, elas se não deram ao trabalho de

procurar melhores condições, nem de aperfeiçoar os seus processos de produção,

senão quando o atrat ivo dos ganhos enormes que elas real izavam, sublevara uma tal

concorrência interna, que ocasionara a ruína de grande número de fabricantes. E

que foi o que resultou, para estas três nações, das suas tari fas de alfândegas

elevadas, e destas medidas chamadas protetoras da indústr ia nacional? A at ividade

produtora achou-se colocada sob um regime inteiramente art i f icial ; toda a indústr ia

era protegida, e por conseqüência os seus produtos tanto mais encarecidos, quanto

piores eram as condições em que se achava cada ramo; assim, como as indústr ias

especiais ao cl ima e solo se achavam sem proteção alguma, foram obrigados, para

que lhes aceitassem os produtos nos mercados estrangeiros, onde os esperavam

enormes direitos, abaixar os preços de tal sorte, que lhes foi necessário fazer

contínuas reduções no tênue salário do trabalhador, o que não embargou que

algumas vezes se achassem elas no caso de perderem os seus produtos, por fal ta de

compradores, como aconteceu em França com a indústria dos vinhos, que,

conquanto ela empregue seis milhões de operários, – um quinto da of icina nacional,

acha-se escandalosamente sacri f icada às indústr ias parasitas dos departamentos do

Norte.

14 – Em suma, muito hão sofr ido as indústr ias naturais destes países; as classes

operárias se acham reduzidas à mais terrível miséria, e um estado de crise e de

sofr imento contínuo aí persiste sem outra ut i l idade mais que a de permit ir a poucos

industr iais o produzirem más condições, enriquecer ainda mais grandes

proprietários de bosques, campinas, ou terras cult iváveis, e elevar as ações de

algumas companhias de mineiros; tudo isso à custa da r iqueza e prosperidade

nacional, e, até muitas vezes, em detr imento dos cofres do Estado.

15 – Já de há muito, que os homens mais adiantados nas ciências sociais e

econômico-polí t icas c lamavam contra o vasto tecido de medidas prejudiciais e

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i lógicas, com o nome de sistema protetor; mas apenas, de longe em longe, eles

alcançavam algumas concessões. Enfim, agora, após dez anos, pouco mais ou

menos, de luta encarniçada entre os f ree traders e os part idários de monópolios e

proteção, a Grã-Bretanha, que sempre há tomado a dianteira às outras nações na

senda das grandes medidas polí t icas e comerciais, acaba de despedaçar de uma vez

os embaraços que lhe impunha o monópolio agrícola dos descendentes dos

conquistadores normandos, e de simpli f icar ou suprimir a maior parte dos direitos

protetores da sua indústr ia. França não tardará em seguir-lhe as pegadas, e é

provável que os industr iais part idários da proteção na Alemanha central, sucumbam

na próxima assembléia geral do delegado do Zol lverein.

16 – A emancipação industr ial acha-se, pois, na ordem do dia em todas as terras.

Este fato e os eventos que o prepararam, não devem ser para nós letra morta,

exemplo perdido.

17 – Verdade é que, neste Brasi l ainda tão novo, tais questões não oferecem o

interesse palpitante que, noutras terras, resulta de fatos consumados, e de chagas

gangrenadas que ameaça a vida do corpo social; mas possuem toda importância de

um perigo visível e iminente, de um precipício, em que cairemos necessariamente,

por pouco que nós afastemos da estrada que se deve seguir. Entre nós, os direitos

de alfândegas ainda não foram considerados senão como meio de t irar o imposto; e,

com efeito, em um país imenso, ainda pouco povoado, fa l to de vias de

comunicação, de unidade administrat iva e, sobretudo, de opinião públ ica; em um

país que recebe do exterior a maior parte do que consome, os direitos de alfândega

se apresentam ao mesmo tempo, como o meio mais simples e econômico de t irar o

imposto, e como menos odioso aos povos ignorantes, porque, exigido diretamente

dos negociantes de grosso trato, ele se apresenta ao consumidor que, em últ ima

anál ise, é quem vem a pagá-lo, sob a forma de um aumento suave no preço da

mercadoria.

18 – Mas, se até hoje as alfândegas entre nós hão sido somente empregadas como

meio f iscal, nem por isso é menos urgente prevenir a opinião públ ica contra os

desastrosos efeitos que pode produzir o seu emprego como meio de proteger a

indústr ia. E isto é tanto mais necessário, quanto há entre nós um part ido

econômico, em que desgraçadamente vemos f igurar todos os nossos ministros de

fazenda e grande número dos nossos senadores e deputados, o qual pretende

natural izar todas as indústr ias, por meio de tari fas e proibições, sem dar-se ao

trabalho de saber se tais indústr ias, entre nós, acharão condições favoráveis, se os

tempos estão maduros, para que elas sejam introduzidas, e se as nossas indústr ias

naturais, as de que vamos vivendo, obrigadas a pagarem as custas dessas

natural izações imprudentes, não sofrerão a ponto de perigarem gravemente; vindo a

ser comprometida, em conseqüência de uma ambição prematura, a r iqueza e o futuro

do Império da S. Cruz.

Di i talem avert i te casum !

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A... . . . . . .

O Progresso, p. 253-261

Anexo 15

REVISTA BIBLIOGRAFICA

Tous les membres de la grande famile

sont l iés en un seul faisceau pour un

grand principe, la S0LIDARITÉ

H. Renaud.

Elementos de Economia Polí t ica, pelo Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque (1

vol. in 12. Pernambuco 1844).

1 – Os elementos de economia polí t ica do Sr. Autran, em geral, são f i lhos da velha

escola econômica do laissez faire, laissez passer, que reconhece por patr iarcas

Adam Smith e J B. Say, e cujas diversas ramif icações, mais ou menos ortodoxas,

ainda lhes defendem obstinadas a doutr ina incoerente e simplistas soluções contra

as vi tor iosas teorias da economia social.

2 – Um lance de olhos, ainda mesmo rápido, sobre esta obra, é suf iciente para aí

ver, em toda a sua ingenuidade, as selvagens doutr inas de Malthus e Bentham

acerca do equi l íbr io da população, – a teoria do governo úlcera e as idéias estreitas

desta escola sem entranhas, no tocante à sorte dos trabalhadores, ut i l idade das

máquinas, etc. etc.

3 – Entretanto, estamos longe de dizer que a economia polí t ica de Adam Smith e

João Batista Say seja um complexo de absurdos. Pelo contrário, rendemos toda a

homenagem devida a esses corajosos at letas que primeiro penetraram no caos ainda

obscuro dos fenômenos tão mult ipl icados da vida dos povos. A esta velha escola

econômica devemos nós muitas exatas anál ises da maior parte destes fenômenos;

mas por fal ta de estudo assaz profundo do ponto de part ida que tomaram, e dos

elementos que deviam fazer entrar nos seus cálculos; por não conhecerem o fecundo

teorema da sol idariedade humana, e por fal ta também de uma terminologia exata;

chegaram eles às mais estupendas contradições, e muita vez a resultados que

ofendem o bom senso, e os sentimentos de just iça distr ibut iva que Deus colocara no

coração do homem.

4 – É isso o que se concluirá faci lmente dos resultados, impl ici ta ou expl ici tamente

contidos nas soluções dadas pelo Sr. Autran aos principais problemas econômicos.

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5 – Eis aí algumas destas soluções: dá-nos o Sr. Autran (pág. 13) como princípio

corrente em economia polí t ica, que a maioria dos homens conhece melhor o que é

conducente aos seus interesses do que qualquer homem, ou mesmo uma assembléia

escolhida; e que, por conseqüência, deve ser l ivre a cada um seguir a sua

incl inação e o ramo de indústr ia que ele julgar conveniente.

6 – Não hesitamos um instante em nos pronunciar contra este princípio que o Sr.

Autran reputa corrente, e que a nada menos tenderia se lhe general izássemos as

apl icações que a reconduzir-nos imediatamente ao estado selvagem, por via da

supressão imediata dos governos, legislações e todos os obstáculos opostos, em

vista do bem geral, ao desenvolvimento espontâneo das incl inações individuais.

7 – O lugar que este princípio ocupa às primeiras páginas do l ivro do Sr. Autran,

onde é ci tado de passagem e como exemplo, autorizaria a alguém a considerá-lo

como pouco importante; e todavia é, sem t irar nem pôr, a base da grande escola

econômica que apreciamos noutro lugar. Os primeiros passos dados por ela no

domínio dos fenômenos econômicos precipitaram-na logo num erro capital que

viciou todos os resultados que mais para o diante obteve.

8 – No nosso art igo – Atividade Humana – lançamos as verdadeiras bases da

economia polí t ica, ou antes social: aí mostramos nós que a maior soma de gozos, e

por conseqüência de r iquezas para a humanidade, correspondia ao máximo de

l iberdade consentido ao l ivre desenvolvimento das individual idades de toda a

espécie que representam um papel nos fenômenos de produção, distr ibuição e

consumo.

9 – Por considerações análogas às que expusemos, os fundadores da escola

econômico-polí t ica, com que nos ocupamos, chegaram, pouco mais ou menos, assim

como aos mesmos resultados, porém se apressaram de mais em concluir daí que

bastava soltar as rédeas a todas as individual idades. Obrando-se desta maneira, só

se consegue a mais completa anarquia, e cada individual idade comprimida em todos

os sentidos pelas tentat ivas de desenvolvimento de todas aquelas que a cercam,

apenas possui o nome de l iberdade. Verdade é que lhe é dado seguir as suas

incl inações; mas não o pode.

10 – O máximo de l iberdade para cada individual idade exige um meio, em que as

tendências individuais se achem harmonizadas entre si , e se possa desenvolver

pacif icamente. Então, e só então, o laisser-faire, laisserpasser torna-se máxima

verdadeira e benéfica. Mas, no estado de guerra permanente em que ora se acham

todas as forças individuais, este aforismo não passa de inumano, anti -econômico,

ant i -social. Se, no momento de um exército travar peleja com o inimigo, se

apresentasse um economista ao general e pretendesse demonstrar-lhe que, para

ganhar a vi tór ia, devera ele, destruindo no exército tudo o que se assemelha à

organização, deixar cada soldado obrar como lhe aprouvesse, todos zombariam dele,

e talvez até o mandassem para casa dos orates.

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11 – A questão com que nos ocupamos é semelhante a esta; o exército é a

humanidade, o inimigo a natureza física; – são os agentes naturais que se devem

domar e acomodar às necessidades do homem. E entretanto, quando os economistas

puri tanos se apresentam com os seus princípios de liberdade absoluta, ainda há aí

quem os ouça, quem os creia e os pague para propagarem tão desastrosa doutr ina!

12 – Logo mais adiante, no l ivro do Sr. Autran, (pág. 20) encontramos nós as l inhas

seguintes: As leis que regulam a produção e a distr ibuição da r iqueza são as

mesmas em todos os países e estados da sociedade. Ainda aqui vemo-nos obrigados

a contradizer, não já o princípio em si, mas o sentido que o autor parece querer dar-

lhe. Pensa o autor, que, seja qual for o estado social de um povo, as medidas que

inf luem sobre a produção, ou qualquer fenômeno econômico, terão exatamente o

mesmo efeito. Tanto neste como em outro qualquer estado social.

13 – Este princípio, que se acha int imamente l igado ao precedente, e do qual é por

ventura o antecedente lógico porque lhe expl ica a adoção, não passa de erro grave,

que bastará um exemplo para prová-lo.

14 – Suponhamos, por exemplo, que em Inglaterra acontece o seguinte: Novo

aperfeiçoamento mecânico permite efetuar por meio de máquinas os 9/10 de

trabalho que atualmente são executados por homens. Que aconteceria daí? Os

capital istas, que são os possuidores de todos os instrumentos de trabalho,

mandariam construir as máquinas; e os trabalhadores, substi tuídos por elas,

f icariam desocupados; a maior parte não acharia em que se empregar, porque quase

tudo seria fei to por máquinas e daí morreriam de fome, e a produção diminuir ia, na

fal ta de consumidores. Suponhamos pelo contrário que a mesma medida seja posta

em execução num meio organizado segundo o princípio da associação: então todos

os associados hão de ganhar, porque gozarão, com menos trabalho, das r iquezas que

lhes fornecerem as máquinas, e poderão empregar maior parte do tempo e força, que

lhes sobrar, no desenvolvimento da intel igência. A produção não diminuirá, pelo

contrário, há de aumentar necessariamente, porque o custo dos produtos será menor

e o número dos consumidores o mesmo.

15 – O capítulo segundo do l ivro do Sr. Autran é consagrado à questão da segurança

da propriedade.

A segurança da propriedade, diz o Sr. Autran, é a primeira condição indispensável

para produção dá r iqueza. Deve colher quem semeou, o produto do trabalho do

homem e a obra das suas mãos são propriedade sua. A lei civi l , continua ele, não é

o fundamento do direito de propriedade.

16 – Estas três ci tações são mais que suficientes para mostrarem que o autor

pretende que a propriedade individual, tal como se acha const i tuída entre nós,

segundo o direito romano, sem os corret ivos de que então era cercada, representa

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um direito anterior à formação da sociedade, direi to que a lei civi l não fez mais que

sancionar.

17 – Esta crença consti tui erro grave. O direito atual de propriedade (uti et abuti)

foi inst i tuído, na fal ta de coisa melhor, como cabalmente mostrara o nosso i lustrado

amigo e colaborador, o Sr. H., para sat isfazer ao direito que tem cada geração de

apossar-se da herança da geração precedente, direi to que em si mesmo não é senão

uma conseqüências do direito ainda mais geral, que qualquer indivíduo, ao nascer,

traz consigo – sat isfazer às necessidades que a sua organização lhe cria. Eis aí o

verdadeiro direito natural, e este é tão diferente do direito atual da propriedade,

que com o andar do tempo este últ imo tornou-se destrut ivo do primeiro e ao mesmo

passo incompatível com ele.

18 – Tudo quanto diz o autor a respeito da necessidade da segurança da propriedade

para a produção e acumulação das r iquezas, não passa de uma verdade totalmente

contingente e só se apl ica a um estado social, que se acha baseado nesta mesma

propriedade.

19 – Mais adiante, general izando a autor o vocábulo propriedade, apl ica-o às

faculdades do espír i to e do corpo do homem, e diz dar-se violação indesculpável da

propriedade quando se impede ao indivíduo o uso dos poderes que a natureza lhe

deu.

20 – Aqui, assim como precedentemente, ainda se acha o Sr. Autran em perfeito

acordo com a velha economia, e é impossível pregar-se mais abertamente em favor

da abol ição de todas as leis e regras; o que, dentro em pouco, nos conduzir ia a este

estado social, tão apreciado por esse pobre J. J. Rousseau, que era economista sem

o saber, quando queria que a humanidade vol tasse ao estado selvagem.

21 – Verdade é que, para sermos justos, devemos confessar que o Sr. Autran

acompanha este princípio anti -social com uma restr ição, que, bem entendida,

bastaria para destruir-lhe as más conseqüências e transformá-lo em alguma coisa

verdadeiro.

22 – Mas esta restr ição, apenas ele a fez porque o bom senso lhe faria entrever o

abismo a que o conduzia o princípio, levado às últ imas conseqüência; assim, nas

apl icações, esquece-a completamente, e ci ta, como violações abomináveis do direito

de propriedade, a maior parte das tentat ivas fei tas pelos governos para introduzir

alguma ordem na grande of icina social, estabelecendo garantias para uns e outros,

no meio da incoerência atual e da guerra medonha que rola entre os diversos

elementos produtores, distr ibuidores e consumidores.

23 – Pararemos aqui, ainda que só chegássemos ao terceiro capítulo do trabalho do

Sr. Autran, a f im de não transpormos os l imites de um exame crít ico; e em

conclusão diremos que os elementos de economia polít ica são uma reprodução f iel

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dos princípios em vigor, há hoje vinte anos, sob a proteção de Adam Smith e João

Baptista Say, e ainda que estas teorias econômicas pequem pela base, o Sr. Autran

nem por isso deixou de fazer grande serviço à juventude estudiosa, pondo-lhe ao

alcance, sob forma resumida e no idioma pátr io, os problemas agitados pela ciência,

talvez mais importante de todas para o bem estar da humanidade.

A. . . . . . . . .

O Progresso, p. 499-504.

Anexo 16

REFORMA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO

Primeiro art igo

Aimez vous les uns les autres

comme le sauveur de la race humaine

vous a aimé, jusqu’à la mort.

F. de LAMENNAIS

1 – Há em todo o sistema penitenciário duas coisas bem dist intas; a lei que marca

as penas diversas que devem ser apl icadas às diversas variedades de crimes e

del i tos, e os meios materiais que o governo possui para pôr em prát ica as

prescrições da lei .

2 – Assim, ao passo que as nossas leis estabelecem um sistema penitenciário

regular, vemos, no apl icá-lo, uma confusão deplorável, em vez de gradação de

penas exigidas pela le i , portanto, ainda quando o nosso sistema legal não exigisse

reforma, todavia teríamos necessidade de uma organização para as apl icações deste

mesmo sistema. Verdade é que no meio das preocupações da polí t ica do dia, até

hoje a questão penitenciária há sempre permanecido em olvido; assim, é de dever da

imprensa, chamar a atenção do governo e das câmaras sobre este assunto, cuja

importância se vai tornando de dia em dia cada vez maior. A just iça humana está

sujeita a numerosos erros. No estado atual das nossas relações sociais, os ódios

individuais ou o furor das dissenções polí t icas podem ocasionar para com muitos

inocentes, a privação da l iberdade e até mesmo os próprios cast igos da lei . Daí

provém uma urgente necessidade de organizarmos, sob o ponto de vista legal e

material , o nosso sistema penitenciário, de maneira que os encarcerados não sofram

maior constrangimento do que aquele que é indispensável impor-lhes, para interesse

geral da sociedade; que as penas inf l ingidas pelas leis não sejam agravadas

i legalmente pela fal ta ou mau estado dos órgãos materiais que o nosso código

criminal pressupõe; e que estas mesmas penas não excedam o alvo que a sociedade

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quis at ingir, chamando sobre si a terrível responsabi l idade do direito absoluto com

que se ela revestiu a respeito de cada um dos seus membros.

3 – Isto posto, examinaremos a questão penitenciária em suas bases, e daí

procuraremos t irar alguns esclarecimentos que nos possam orientar nas

investigações das medidas apl icáveis ao nosso país.

4 – As sociedades, assim como os indivíduos, se defendem contra todo aquele que

as ataca; mas o fato da defesa não prova de maneira alguma a legit imidade do

direito que se elas arrogam.

5 – Uma sociedade baseada, como são todas as nossas sociedades modernas, sobre o

gozo do homem pelo homem; e que coloca os interesses de cada indivíduo, no

estado da mais f lagrante oposição com os interesses de todos, necessariamente não

pode manter-se senão pela força. Assim ninguém se deve admirar, que o agente de

polícia, o carcereiro e a algoz, estes três grandes moral istas, sejam ainda hoje os

sustentáculos indispensáveis das mais adiantadas civi l izações. O egoísmo, a miséria

geral, e os outros bons efeitos do antagonismo aparecem aí para lhes dar o que

fazer. Até se pode notar que, à medida que o progresso da ciência vai oferecendo à

disposição do homem meios mais poderosos de produzir, e que, se devemos dar

crédito aos grandes economistas do começo do século, a i l imitada concorrência faz

que a opulência circule em todas as classes da sociedade, o número dos proletários

vai aumentando, e os governos dos países mais adiantados na civi l ização se vêem

periodicamente obrigados a dupl icar o número dos agentes de polícia, carcereiros e

algozes.

6 – E não seria possível organizar-se a sociedade de maneira que cada um

encontrasse, no interesse geral, a mais completa sat isfação dos seus interesses

part iculares; que o maior desenvolvimento do princípio de ordem correspondesse ao

maior desenvolvimento do princípio de l iberdade; e que se pudesse rest i tuir à

produção todos estes agentes improdutivos ocupados, para manter a ordem, em

restr ingir a l iberdade, e todas as forças empregadas no modo subversivo pelos

exércitos e cr iminosos? Temos para nós que tudo isso se pode veri f icar, e até

esperamos que as nossas convicções a este respeito se tornem em breve as dos

homens esclarecidos de todas as terras; mas desgraçadamente não se muda um

estado social assim como se muda um ministério ou um rei, e, para efetuar-se

semelhante evolução, é mister mais tempo do que para conquistar um império.

Portanto cremos, que, ainda por muito tempo, hão de exist ir homens que violem as

leis estabelecidas pela sociedade, e a obriguem a ter agentes de polícia para vigiá-

los e prendê-los, juízes para os condenar, e cadeias para t irar-lhes a possibi l idade

de ofendê-la.

I

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A CADEIA

Lasciate ogni speranza voi chi intrate!

DANTE

7 – Com raras e honrosas exceções, entre as quais, infel izmente, não nos podemos

colocar, em todos os países que se dizem civi l izados, há perto de tr inta anos, e

ainda hoje quase por todas as paragens, não passavam as cadeias de uma cloaca

infecta, em toda a extensão da palavra, onde se amontoam promiscuamente

mendigos, vagabundos, suspeitos, indiciados, acusados e condenados.

8 – Sem falarmos da injust iça clamorosa que se dá em confundir acusados, que

sempre se devem presumir inocentes, e vagabundos que não têm outro del i to senão

o de se verem sem pão e sem asi lo, com ladrões e assaltantes; o homem, que,

desvairado pelo desespero, e todo sustos, roubara um pão para a mulher, f i lhinhos

mortos de fome, com celerados ouriçados de crimes. Sem falarmos, dizemos nós,

desta injustiça clamorosa, dá-se um perigo real e terrível para a sociedade no

contágio que favorece em tão subido ponto semelhante convivência.

9 – Na impura atmosfera das cadeias, os homens se classif icam segundo os seus

conhecimentos na arte do crime: o maior malvado é aí o mais respeitado; a ele é

que se confia o cuidado de vigiar os seus companheiros de infortúnio, e de manter a

ordem e tranqüi l idade. Aí cada um vai subindo de graduação em graduação: o

mendigo, a quem a sociedade não permite pedir à caridade públ ica com que matar a

fome, aprende os meios de suprir essa necessidade por via do fur to. Aquele que a

precisão levara a cometer o primeiro furto, aprende em pouco tempo, em virtude da

convivência em que vive, o processo para cometer novos com mais proveito e

segurança. Numa palavra, roubos, falsi f icações, envenenamentos, assassínios, não

há variedade de crimes, cuja teoria se não ache aí expl icada por homens versados na

prát ica. Assim, os maiores criminosos têm confessado que na cadeia, depois do seu

primeiro del i to, foi que eles beberam o gosto e adquir iram os meios de cometer

maiores; sem falarmos das relações contraídas nas prisões, que, continuadas após a

soltura, arrastam ao crime, mau grado seu, o infel iz que busca entrar outra vez para

o grêmio da sociedade.

10 – Em Inglaterra, França, e nos países mais adiantados em civi l ização proibe-se a

mendicidade. A pobreza torna-se um crime ou uma presunção de crimes futuros; e a

lei previdente manda para a cadeia o mal-aventurado que nem possui habitação nem

dinheiro para havê-la!

11 – Já mostrara Eugênio Sue, na sua admirável obra, os “Mistérios de Paris”, e de

modo mais dramático e palpitante, esse concurso fatal de circunstâncias, devidas às

relações, ou até ao simples contato dos presos entre si que arrasta forçosamente até

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ao mais alto grau da escala dos crimes aquele que lhe transpusera o primeiro

degrau.

12 – Em últ ima anál ise, as cadeias, segundo o antigo e deplorável sistema de

confusão, oferecem o duplo defeito: 1º, de aumentarem excessivamente, por

sofr imentos morais e f ísicos, o dano de que a sociedade se torna culpada para com

os acusados, muitas vezes inocentes, que ela priva da l iberdade, por medidas

preventivas; 2º, de serem escolas de crimes, escolas prof issionais, onde nada falta;

onde se encontra a teoria e a prát ica elevadas ao mais alto grau de perfeição.

13 – Os vícios de semelhante estado de coisas eram palpáveis demais, e os seus

funestos efeitos mui evidentes; assim, há hoje vinte anos que, em quase todas as

terras civi l izadas, se agita a questão da reforma do sistema penitenciário, e aí

também se há efetuado notáveis mudanças no regime das cadeias. Entre nós, onde

esta confusão tem tocado ao mais alto grau, onde se dá o nome de prisão a cloacas

infectas, onde os detentos perdem a saúde e até muitas vezes a vida; ainda se não

tentou melhora alguma neste sentido, senão em poucas províncias. Mas se desta

demora há resultado grandes padecimentos para certas individual idades e grande

mal para a sociedade em geral, ela nos permit irá aproveitar os erros cometidos

pelas outras nações, que nos hão precedido nesta estrada; e destarte evitaremos

consumir os nossos tênues recursos em tentat ivas cuja inut i l idade a experiência

vir ia depois demonstrar.

14 – Em quase todas as partes já se há encetado esta estrada de melhoramentos; mas

sem ordem, nem sistema regular: à ventura, por assim dizer. E daí que resultou?

15 – Por toda a parte em vez de tomar-se a população das cadeias em o seu ponto de

part ida, tomaram-na em seu últ imo grau de corrupção. Começou-se pelo incurável;

e em vez de tratarem de preservar aqueles que a lei presume inocentes, e fazerem

que voltem para o caminho direito os que mal se haviam dele descartado; apl icaram

toda a força disponível na regeneração dos condenados, e até dos condenados a

longas detenções.

16 – E que se há feito em Inglaterra? Que se há feito nos Estados Unidos? Lido o

relatório dos comissários enviados pelo governo francês, para examinarem os

resultados da reforma operada no sistema penitenciário da América do Norte; ouvi

aos Srs. Demetz e Blozet. Eles vos dirão: — nos Estados Unidos, neste país, em que

há longo tempo se submete os condenados a um sistema de prisões evidentemente

aperfeiçoado, as casas de detenção e de correção permanecem num deplorável

estado. Tem-se totalmente deixado de parte os indiciados e os acusados, e

continuam acumulá-los em horríveis masmorras, receptáculos de vícios e corrupção.

O sr. Moreau Cristóvão que ministrou um trabalho análogo sobre o sistema

penitenciário da Grã Bretanha, dir -vos-á que, nas cadeias dos três reinos, ainda se

dá a mesma inversão anti -racional.

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17 – Em França, donde part ira o sinal para a reforma penitenciária, disséreis ser a

apl icação da pena inteiramente oposta ao código penal e ao alvo que ele t inha em

mira; porque, em lugar de subir, ela desce na escala da criminal idade, como resulta

claramente de relatório fei to em 1838 ao ministro do interior pela comissão das

cadeias da cidade de Lião.

18 – A primeira noite da prisão é dormida na chamada casa de depósito, isto é,

numa espelunca infecta, onde se confundem as idades, condições, e, algumas vezes,

até os sexos; onde as mais intensas tor turas morais vêm juntar-se aos mais

intoleráveis sofr imentos físicos: r iquíssimo viveiro para o cadafalso, onde

Lacenaire e muitos outros hão declarado ter recebido as primeiras l ições do crime.

19 – As casas de prevenção geralmente são menos más, as de correção melhores, e

as centrais quase excelentes. Se a prisão fosse uma recompensa, à fé que se não

devera proceder de outra sorte; assim, quando novo crime ocasiona a mudança do

condenado, de uma prisão de departamento para uma prisão central, quantas

amarguras não deve ele tragar por não ter estreado por um crime mais considerável,

que lhe houvesse poupado o doloroso noviciado da cadeia do seu respectivo

departamento?

20 – Pelo primeiro del i to, dormira ele sobre palhas, fora reduzido a pão e água; e

nem sequer encontrara o recurso do trabalho que o distraísse do enfado da prisão;

mas, hoje, em virtude do progresso que ele há fei to na estrada do mal, tem melhor

habitação, recebe melhores al imentos, e goza de boa cama: pode distrair-se por

meio do trabalho, melhorar o seu regime al imentar, sat isfazer, em parte, os seus

desejos e poupar alguma coisa para o futuro. Assim, à prisão chama ele sua casa de

campo, deixa-a sempre com saudades, anunciando ao mesmo tempo a intenção de

para aí voltar; e de fei to, cumpre a palavra.

21 – Assim pois, em França, Inglaterra, e nos Estados Unidos, caminha a sociedade

diretamente contra o seu alvo, e como que fazendo a propaganda da prisão. Pelo

que, todos os publ icistas que hão escri to sobre a questão, reclamam, com todas as

veras, a imediata mudança deste estado de coisas absurdo e i lógico; e, há alguns

anos, Inglaterra e França, e principalmente França, hão encetado, posto que

devagarinho, uma estrada mais razoável. Tem-se procurado regenerar os meninos

que a miséria, a vagabundagem e pequenos furtos conduzem em mui grande cópia às

cadeias daqueles dois países. Tem-se procurado preservá-los do bafo de entes mais

gangrenados, e assegurar-lhes, em saindo da prisão, meios de viver e de trabalho.

Para este f im, fundaram-se penitenciárias de jovens detentos, onde estes infel izes,

mais desgraçados que criminosos, recebem a instrução que a miséria ou a

ignorância não permit iram que seus país lhes proporcionassem, e aprendem um

ofício capaz de lhes dar meios de vida. Daí, quando são soltos, mandam-nos para

casas de mestres probos e laboriosos que se encarregam de acabar-lhes o t i rocínio,

e continuam, sob a vigi lância de sociedades protetoras, a obra da regeneração

começada na penitenciária.

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22 – A França, o número das penitenciárias de jovens detentos é hoje mui

considerável; mas todas elas t inham o grave defeito de não permit irem que se

ensinasse aos jovens detentos senão os ofícios que se exercem nas grandes cidades,

para as quais, na verdade, há já operários de sobra. A f i lantropia e a caridade

públ ica são vindas a socorrer a sociedade sobre esta questão; e alguns homens

devotados, com o produto de subscrições, e algumas vezes até à sua custa, fundaram

penitenciárias agrícolas, como bem, as de Mottray e de Peti t Quevi l ly, onde todos

os jovens detentos são empregados em trabalhos relat ivos à agricul tura.

23 – Era, de fei to, mui prudente e acertado, que a sociedade consagrasse os seus

desvelos, em fazer desses infel izes, votados, por assim dizer, pelo primeiro del i to,

à miséria e infâmia, homens probos, laboriosos e úteis ao seu país; mas dava-se

f lagrante injust iça em se ela ocupar somente dos meninos que não souberam resist ir

às sugestões da miséria ou ao contágio dos maus exemplos; e abandonar aqueles que

resistem corajosamente. Havia nisso alguma coisa que se assemelhava a esta

propaganda de prisão feita pelo governo, da qual já falamos noutro lugar. As

colônias de Peti t Bourg, de Mesni l , S. Firmin, Grand Jouan e outras, foram

fundadas por part iculares, com o f im de reparar-se semelhante injust iça.

24 – Uma dúzia de colônias para os meninos pobres, é sem dúvida mui pouca coisa

para uma nação de mais de 36.000. 000 de habitantes, e que vai sendo devorada

pelo cancro do proletariado. Mas se isto não é um remédio, e nem sequer pal iat ivo;

ao menos é um gérmen de esperanças, um exemplo capaz de gerar novas dedicações,

de acordar os poderes do estado, e preparar a vinda desse momento, em que a

sociedade se encarregue, como lhe cumpre da instrução e educação de todos os seus

f i lhos.

25 – São estes, na verdade, excelentes exemplos para os países que se acham na

mesma situação em que se acham França, e Inglaterra; mas ainda não passam de

prel iminares para a solução geral da questão do sistema penitenciário: solução que

deve, não só f ixar e melhorar a sorte dos indiciados, acusados e condenados, mas

ainda prevenir a maior parte dos crimes, garantindo, a cada um dos membros da

sociedade, o mais sagrado de todos os direitos, — o de viver do trabalho.

Recife, 10 de Janeiro de 1847.

A . . . . . . . . .

O Progresso, p. 349-356.

Anexo 17

REFORMA DO SISTEMA PENITENCIARIO

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2 0 0

I I

Auburn, Cherry-Hi l l e Genebra.

I I ne sutf i t pas de punir, i l faut encore regénérer.

Digo-vos que houvera maior júbi lo no Céu, sobre

um pecador que f izer penitência, que sobre noventa

e nove justos que não precisam fazer penitência. S.

Lucas, Cap. XV. v. 7.

1 – Uma vez condenado o antigo sistema, como imoral, cruel, contrário ao alvo

social, a desaparecer o mais cedo possível, era forçoso apresentar outro mais justo,

e mais conforme ao alvo da penal idade. Concordes em atacá-lo, os part idários da

reforma se dividiram quanto à escolha do sistema que devia substi tuir ao antigo, e

daí surgiu grande número de sistemas penitenciários.

2 – Entretanto, todos os propostos se podem reduzir a três sistemas principais, cujo

t ipo se encontra nas prisões penitenciários de Aubum, de Cherry-Hi l l e de Genebra:

procuraremos pois esboçar-lhes em poucas palavras os traços característ icos.

3 – Antes de tudo observaremos que, divididos quanto ao modo de encarceramento

que deve de haver para com os condenados, os part idários de Auburn, de Cherry-

Hi l l e de Genebra são quase unânimes no reclamarem, para os indiciados e

acusados, um sistema em que se não dê o menor contato entre os detentos, e por

isso todos adotaram o sistema chamado celular em que cada detento ocupa uma cela

separada, e vive completamente isolado dos outros, de dia e de noite.

4 – Ainda se dá outro ponto de contato entre todos os sistemas. Todos os

part idários das reformas penitenciárias são contagionistas. Todos compreenderam

que a sociedade devia de ter em vista não só punir o del inquente, mas também

corr igí-lo, tomá-lo út i l à sociedade; e que de um lado era o trabalho a mais

moral izadora das inst i tuições; e de outro, a causa mais enérgica das reincidências,

achava-se nas convivências da cadeia, nessa inf luência desmoral izadora, de que já

falamos no nosso primeiro art igo, (Veja-se o PROGRESSO, Tomo II, pág. 20) que

faz com que cada encarcerado suba um degrau na escala do crime. Assim, todos

querem empreender a reforma, obrigando os detentos a trabalharem, isolando uns

dos outros para impedir esta convivência de que acabamos de falar; mas diferem

completamente quanto aos meios de obter este isolamento.

5 – Em Auburn, (Cidade dos estados Unidos da América) onde se instalara pela

primeira vez o sistema que tem este nome, todas as noites são os detentos

encerrados cada um em uma célula, e de dia trabalham juntos em vastas of icinas,

onde devem guardar si lêncio absoluto, sob pena dos mais r igorosos cast igos;

qualquer comunicação, ainda mesmo por gestos, lhes é severamente vedada, e

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guardas armados giram continuamente para velarem na estr i ta execução da regra, e

punir as infrações por via de cast igos corporais.

6 – Este sistema, que está em prát ica nos Estados Unidos, num grande número de

penitenciárias, cujas principais são as de Auburn, Sing-Sing, Westerf ield, Maryland

e Charles-Town, apresenta para os seus part idários numerosas vantagens; eis aqui

as principais.

7 – Sob o ponto de vista f iscal, como as células não são habitadas pelos

encarcerados senão durante a noite, podem ser bastante pequenas a f im de serem

pouco dispendiosas. E como os detentos trabalham em comum durante o dia, pode-

se empregá-los nas indústr ias mais lucrat ivas; e as penitenciár ias estabelecidas

segundo este sistema, em vez de serem, como de ordinário, um encargo para o

governo, lhe fornecem pelo contrário, um ramo de rendas. E sob o ponto de vista da

moral ização dos del inqüentes, as vantagens de tal sistema ainda seriam maiores.

Privados de todas as relações com os seus companheiros de reclusão, os detentos se

recolheriam em si, e se arrependeriam dos seus del itos. O hábito do trabalho

contraído na prisão faria que eles, depois da soltura, continuassem a trabalhar, para

com honra adquir irem meios de subsistência; e a presença dos seus numerosos

companheiros de prisão, ocupados nos mesmos trabalhos, sofrendo a mesma pena,

lhes faria suportar o cast igo com resignação, e evitara a desordem das faculdades

intelectuais, que, segundo a opinião de grande número de médicos, ataca

necessariamente os detentos que se conservam por largo tempo numa sol idão

absoluta.

8 – Por todas estas considerações f iscais e morais, e principalmente por causa das

primeiras, e também por se prestar faci lmente às exigências do culto catól ico, o

sistema d’ Auburn tem em seu favor uma decisão do congresso cientí f ico de

Florença em 1841, o apoio constante do clero belga, uma recente decisão do

governo português, e entre nós, a opinião dos primeiros fundadores da penitenciária

da Bahia. Não citaremos aqui os diretores dos diversos estabelecimentos em que

este sistema é posto em prát ica, por serem mui interessados na questão

9 – O sistema da penitenciária de Genebra, cujo diretor é Aubanel, e Carlos Lucas o

apologista, se parece perfeitamente com o sistema de Auburn. Em Genebra, assim

como em Auburn, dormem os detentos em células separadas, e trabalham em comum

durante o dia. Somente em Genebra, às inf luências moral izadoras, ci tadas acima,

acrescentou-se a classif icação por moral idade presumida, e o atrat ivo das

recompensas.

10 – Em Genebra, o detento pode empregar uma parte do fruto do seu trabalho,

pode ajudar a famíl ia, se a tem, e obter na cadeia alguns confortos. Em virtude do

seu comportamento, pode passar para uma divisão superior, onde goze de mais

l iberdade, onde os cômodos que pode alcançar são mais numerosos; enfim, pode

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esperar o perdão. A reclusão sol i tár ia em Genebra e Lausana, que quase segue o

mesmo sistema, não é empregada senão como meio de punição.

11 – Em Cherry-Hi l l , pelo contrário, onde se acha em vigor o chamado sistema

pensi lvano, os detentos vivem materialmente isolados uns dos outros, do modo mais

completo. São claustrados em células separadas umas das outras por enormes

paredões, construidos de maneira que se não dê meio algum de comunicação

possível. O detento nem sequer vê a pessoa que é encarregada de lhe levar os

al imentos, porque estes lhe são dados por meio de uma roda, semelhante, às que

serve para receber os meninos enjeitados.

12 – Passados que sejam os primeiros momentos de furor, muita vez seguidos de

prostração física e moral, que acompanham os primeiros dias do encarceramento, ao

cabo de pouco tempo, o detento é o própr io que pede trabalho, e se lho dá. De

quando em quando é visi tado por um ministro da rel igião, que procura fort i f icar

nele o arrependimento, e as boas intenções que a sol idão lhe deve de ter inspirado;

de quando em quando também o diretor da prisão, e os membros da comissão de

vigi lância o vão visi tar e as vezes até se concede esta permissão a parentes dos

detentos; mas, aí, nem esperança de recompensa, nem de perdão.

13 – Este sistema superf icialmente modif icado em alguns detalhes obteve em seu

favor um número respeitável de part idários. Demetz, Júl io e Crawford, mandados a

América pelos governos inglês, francês e prussiano pronunciaram-se altamente em

favor dele; e as suas opiniões foram adotadas pelos seus governos e grande número

de publ icistas, entre os quais notam-se Ayl ies, Duceptiaux, Victor Foucher. O

congresso cientí f ico reunido em Milão em 1843; o congresso penitenciário reunido

ult imamente em Francfort, e enfim, a opinião públ ica em França, Inglaterra,

Bélgica, Alemanha, arvoraram a mesma bandeira.

14 – Entre nós, também vimos a comissão nomeada ultimamente pelo presidente da

Bahia, para o estudo da questão, pronunciar-se igualmente em favor do sistema

pensi lvano; é pois provável que a penitenciária da Bahia, que primit ivamente fora

destinada para o sistema d’Auburn, haja de receber as modif icações necessárias a

apl icação do sistema celular.

15 – Os adversários do sistema pensi lvano fazem-lhe três censuras principais.

1º – O exigir ele grandes despesas de instalação, e não dar senão rendas

insuficientes em conseqüência da impossibi l idade que se dá em se empregarem os

detentos em trabalhos mais lucrat ivos; e ensinar um ofício àqueles que o não

sabem.

2º – O ser anti -social, pois condena à sol idão um ente criado para viver com os seus

semelhantes, e que, em saindo da prisão, deve outra vez juntar-se com eles.

16 – E, enfim, o ser cruel e ocasionar aos detentos sofr imentos inauditos em

consequência da sol idão a que os condena; e produzir necessariamente, em se

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prolongando a detenção, ora uma irr i tação excessiva, ora um esfalfamento físico e

moral, donde resultam frequentes casos de loucura.

17 – Segundo eles, o encerramento sol i tár io é uma medida de desmesurado r igor,

que reduz a existência do detento a uma espécie de vegetação; torna o homem

insociável, e lhe ensina não a viver, mas a morrer, entretanto que o si lêncio

absoluto do sistema de Auburn deixa o homem consigo mesmo e não o del inquente

com o del inquente; separa os detentos sem que deixem de estar juntos, faz que eles

se resignem com a sua sorte, e por isso f icam corr igidos de algum modo. Assim a

detenção é sempre um tempo de r igorosos experimentos, mas ao menos ainda isso é

vida, entretanto que a prisão celular é o túmulo.

18 – Por sua parte, os part idários do sistema pensilvano sol i tár io atacam o sistema

d’Auburn com muitos, e terríveis argumentos.

19 – O si lêncio dizem eles, cujo menor defeito é ser impossível, coloca os detentos

num estado de luta perpétua entre a regra e as inclinações que contraria

despoticamente. Mil vezes mais cruel que o encerramento sol i tár io, ele faz que o

detento sofra o suplício de Tântalo, e por meio dos rudes cast igos que exige, tende

sempre a excitar a revolta que não pode evitar senão por via de um dispendioso

séquito de guardas armados. Numa palavra, provoca para punir, mult ipl ica os

del i tos, em vez de preveni-los, disfarça antes o contágio que o impede, e aí onde é

ajudado pela classif icação por moral idade, e atrat ivo das recompensas, desenvolve

ele nos detentos, a incl inação à hipocrisia, e conseguintemente se opõe a uma

verdadeira regeneração.

20 – De mais, pouco varia a principal fonte das reincidências as relações perigosas

que, ainda mais que os preconceitos, opõem uma barreira invencível ao condenado

que depois de ter cumprido a sentença, aspira a entrar outra vez para o grêmio da

sociedade.

21 – Se um infel iz detento, depois da soltura, ocultanto seus antecedentes, puder

achar ocupação, o só encontro de um dos seus antigos companheiros de prisão será

suficiente para o obrigar, por bem ou por mal, a seguir outra vez a vereda do crime,

como um grande escri tor social ista, Eugênio Sue, o mostrara de um modo fr isante

nos seus “ Mistérios de Paris”.

22 – Eis aí, pois, em poucas palavras as principais objeções feitas aos sistemas d’

Auburn e de Genebra pelos part idários do sistema pensi lvano-Demetz, Júl io,

Grawford, Ayl ies, Foucher, apoiados em numerosos fatos acontecidos.

23 – A alguns casos de loucura proveniente do encarceramento celular opõem ele

outros que os cast igos do sistema de em Auburn, têm causado; e c i tam vários casos

de morte ocasionados pelas muitas bastonadas prescri tas em Auburn, Westerf ield e

Sing-Sing, como meio de obter o si lêncio moral izador.

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24 – Final izarernos aqui este inventário abreviado das opiniões vigentes sobre a

questão que nos ocupa, a f im de passarmos a discutir -lhes o valor relat ivo. Mas, em

antes de nos darmos a este trabalho, é-nos absolutamente necessário resolver logo

uma questão importante, cuja solução nos deve servir de guia e de cri tér io: a

questão das bases e do alvo da penal idade; e a sua alta importância, assim como os

desenvolvimentos que necessariamente se lhe deve dar para deles deduzirmos as

condições que requer um excelente sistema penitenciário, nos obrigam a adiar o

estudo deste sujeito para um dos nossos próximos números.

Recife, 15 de maio de 1847.

A . . . . . . . . .” .

O progresso, p. 559-565.

Anexo 18

REFORMA DO SISTEMA PENITENCIÃRIO

(Art igo 3º)

Investigações a prior i sobre o alvo e bases da penal idade.

Ab jove principium.

La loi verra dans le cr iminel un

frère egaré à ramener et non un

coupable à punir.

F. de Lamennais

1 – Quando os homens viviam no estado selvagem, sem mais outro guia que o seu

inst into, sem mais outras leis que a autoridade irresistível da sua organização, nem

se conheciam crimes, nem del i tos (* ); e por isso o que hoje entendemos por

penal idade não t inha razão alguma de ser. Os crimes e a penal idade foram gerados

pelo laço social; são f i lhos da sociedade civi l .

2 – De feito, o estabelecimento do laço social entre os indivíduos isolados (* * ) teve

por alvo assegurar a cada um maior soma de gozos, maior desenvolvimento das suas

faculdades. Ora, no estado de guerra que precedeu a aurora da sociedade civi l , cada

um era prejudicado no desenvolvimento da sua at ividade pelo desenvolvimento da

* Empregamos aqui os vocábulos cr ime e del i to na acepção usual que lhes assinaram os códigos de todos os povos; e não no sent ido geral e abso luto que lhes at r ibuem os teólogos e f i lósofos. * * Veja-se o Progresso, tomo I , pág. 125 e 126.

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atividade dos outros; e esta at ividade apenas existia na massa dos possíveis. Preciso

era, pois, ou organizar a sociedade de maneira que cada uma individual idade se

pudesse desenvolver l ivremente, sem ser comprimida na sua l iberdade pelas

individual idades vizinhas; ou f ixar l imites a at ividade de cada um, para que ela não

ofendesse a dos outros. Destes dois expedientes, o primeiro é evidentemente

preferível, sob todos os respeitos; mas tão pouco tempo há que as leis que presidem

aos fenômenos gerais da vida dos povos são reconhecidas e c lassif icadas; tão

poucos anos há que a economia social conquistou o direito de cidade, mesmo entre

as nações que caminham à frente da civi l ização, que até estes últ imos tempos,

apenas alguns pensadores sol i tár ios precedendo os seus contemporâneos um ou dois

séculos, ousaram arr iscar uma opinião tão audaz e considerar como possível uma

organização deste gênero.

3 – Adotou-se, pois, o outro meio, e por convenções ou leis restr ingiu-se o direito

absoluto de que gozava cada indivíduo no exercício da sua at ividade: impuseram-

se-lhe regras a seguir. Os crimes e del i tos são violações destas convenções, leis ou

regras, como quer que se chamem.

4 – Ora, como a sociedade tem por alvo o interesse geral, e como este interesse

geral sofre com as restr ições do exercício da at ividade dos membros do corpo

social, resulta daí que as leis devem de estabelecer o menor número possível dessas

restr ições, e só proibir atos que são prejudiciais em alto grau aos interesses de

todos. Em sendo organizada a sociedade destarte, trata-se de fazer respeitar as

convenções sobre que repousa a sua existência; e como estas convenções restr ingem

a l iberdade de cada um, cada indivíduo é impelido continuamente pelo seu interesse

individual a transpor os l imites que lhe foram f ixados, e por conseqüência a violar

a lei a cometer cr imes e del i tos. Foi preciso, pois, que as proibições estabelecidas

pelas leis fossem acompanhadas de uma sanção que as f izesse respeitar, e

assegurasse a sua execução. Esta é a origem da penal idade que consequentemente

tem por alvo a manutenção das convenções sobre que se assenta a sociedade, e por

bases o interesse geral em cujo nome se estabeleceram estas convenções.

5 – Do que acabamos de expor resultam conseqüências mui importantes para a

questão que nos ocupa.

6 – A primeira destas conseqüências é que a sociedade, ao promulgar códigos

criminais, não tem por alvo punir os cr imes, e que os cast igos devem de ser

considerados não como punição ou expiação de del i tos cometidos, mas como meio

empregado, segundo o interesse de cada um, para embargar a violação de

convenções úteis a todos; e, por conseqüência, como a sociedade não é um ente

abstrato, mas um complexo de indivíduos, e sofre em sofrendo um dos seus

membros, segue-se daí que a penal idade ou a ação repressiva com que se arma o

poder social deve de ser comprimido nos l imites estreitos dos seus interesses vitais,

e os cast igos não devem de ser empregados senão em caso de absoluta necessidade.

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7 – Resulta igualmente do princípio acima estabelecido que a sociedade tem um

interesse eminente em diminuir o número dos crimes, modif icando as inst i tuições

sociais de maneira a tornar cada vez mais rara a tentação de violar as prescrições

que elas impõem, e enfim não deve de considerar o cast igo senão como um meio de

int imidação; e depois de ter empregado todos os seus esforços para impedir que os

seus membros se tornem criminosos, deve empregar novos para que doravante

respeitem a lei , ou, servindo-nos das palavras sacramentadas, deve moral izar e

regenerar os del inqüentes.

8 – Apesar da precisão da teoria que acabamos de expor acerca das bases e alvo da

penal idade, e apesar da exatidão r igorosa das conseqüências que dela t i ramos; não

parece que semelhantes princípios tenham presidido a confecção da maior parte dos

códigos criminais! No berço das sociedades, isto não admirava, visto o estado de

ignorância e de barbaria em que se achava mergulhada a humanidade; mas depois,

quando se pretendeu legit imar o que primit ivamente estabelecera o direito do mais

forte, e que se ressent ia das trevas da sua origem, caíu-se num erro deplorável. Os

criminal istas não quiseram ver no interesse geral, e em convenções mais ou menos

arbitrárias, a verdadeira base da penal idade, e foram procurá-la em abstrações

f i losóficas sobre o direito e o dever, e, as mais das vezes ainda, em concepções

teológicas. Para eles a sociedade já não fora um ente part icular, defendendo-se

contra aqueles que atacam-na, e reprimindo em nome dos seus interesses as

violações dos seus princípios fundamentais, mas sim um representante, ora da lei

moral, ora da divindade, que castiga criminoso para que ele expie o del i to que

cometera.

9 – Ainda que esta opinião não tenha sempre reinado exclusivamente, todavia a ela,

a esta falsa concepção das bases e do alvo da penalidade é que se deve atr ibuir o

estado deplorável, ou a impotência radical do sistema repressivo entre a maior parte

das nações civi l izadas, seja qual for o ponto de vista sob que se considere.

10 – De certo, no momento em que o legislador perde de vista o verdadeiro caráter

da penal idade, e faz que a sociedade represente o papel de deus vingador, ele vai

dar na consti tuição do sistema repressivo quase tal qual vemos hoje, isto é, quase o

contrário do que reclamam os interesses sociais.

11 – Então a sociedade sofre, porque as leis restr it ivas da l iberdade dos indivíduos

se não l imitam a defender e ordenar aqui lo que é indispensável ao bem de todos;

porque as penas impostas para punir o cr ime às vezes são mais nocivas à sociedade

do que eram o próprio cr ime; porque ninguém se ocupa nem com medidas

preventivas, nem com regeneração dos del inqüentes que se vão corrompendo cada

vez mais, porque o número dos crimes vai sempre aumentando, etc. , etc.

12 – Assim, pois, tornando a tomar, para nos resumir, o caminho que percorremos,

vimos que a penal idade não tem outro alvo senão manter a observância das leis

consti tut ivas da sociedade, e não tem outras bases mais que o interesse desta mesma

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sociedade – o interesse geral. Concluímos daí que a penal idade deve de ser mais

restr i ta possível; que a sociedade se devia ocupar principalmente com medidas

preventivas, a f im de diminuir o número dos crimes; e que, em sendo cometido um

crime, ela devia trabalhar na regeneração daqueles que o prat icaram.

13 – Num próximo art igo, investigaremos as principais causas dos crimes, então nos

entenderemos mais sobre essas medidas preventivas, e sobre as destinadas a

moral izar ou regenerar os del inqüentes. Mas antes de encetarmos esta tarefa, vamos

de antemão responder a uma acusação que necessariamente se nos há de fazer, a de

menosprezarmos a lei moral de que outros muitos pretenderam fazer a base da

penal idade.

14 – Estamos longe de desconhecer a existência da lei moral, reconhecemo-la como

uma lei geral e de caráter obrigatório, gravada no coração de todos os homens e

com cujas prescrições todos eles são moralmente obrigados a conformar-se; mas

negamos que esta lei seja idêntica com as leis sociais que em muitos casos lhe são

inteiramente opostas, e por conseqüência que ela possa ser considerada como base

da penal idade.

15 – A nenhum poder humano podemos conceder o direito de se arvorar em juiz da

violação de leis que não são humanas; e temos para nós que mesmo no caso em que

a sociedade se organizasse segundo as prescrições da lei moral , as leis sociais,

enquanto sociais não seriam obrigatórias senão como convenções puramente

humanas, baseadas no interesse geral e cuja manutenção e execução é autorizada

pela força.

Recife, 4 de Setembro de 1847.

A . . . . . .

O Progresso, p 639-643.

Anexo 19

COLONIZAÇAO DO BRASIL

Le vrai peut quelque fois n’être pas vraisemblable.

Boi leau

1 – Colonização, colonização; é esta uma palavra que de contínuo soa aos nossos

ouvidos desde o fel iz dia em que conseguimos a nossa independência; e disséreis

que a colonização é um remédio infalível para todos os nossos males. E que

resultado temos nós obtido de todos sacri f ícios pecuniários fei tos com a

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colonização? Aí estão os fatos: eles que respondam. O resultado adquir ido não

corresponde de maneira alguma às despesas feitas para este f im.

2 – Entretanto, quantos sistemas se não têm apresentado e quantas tentat ivas de

real ização se não têm empreendido, desde o famoso plano de monsenhor Miranda,

que vemos estampado, por inteiro, na coleção das leis e decretos do Império, até o

que acaba de ser submetido à aprovação da nossa assembléia geral legislat iva?

3 – Poucas são as nossas províncias que não tenham feito o seu ensaiozinho de

colonização; e de todas essas colônias ainda não há uma sequer que tenha

correspondido às esperanças que f izera nascer: quase todas desapareceram, porque

os colonos abandonaram a cultura do solo, a f im de se darem às pequenas

indústr ias, já obstruídas pelos nacionais, ou ao comércio a retalho. Quanto ao

pequeno número das que ainda existem, mantém-se a maior parte delas somente em

virtude de repetidos sacri f ícios da parte do governo. Qual será a causa do mau êxito

destas tentat ivas? Ei la:

4 – A colonização há sido inoportuna; no estado atual, o Brasi l tem necessidade de

sábios e de operários hábeis, que venham instruir a população e introduzir

diversos gêneros de cultura e de indústr ia. Mas não tem necessidade alguma de

colonos porque a sua população atual é superior aos meios que ora possui à sua

disposição para viver.

5 – À primeira vista, em presença do nosso imenso terr i tór io, cortado de r ios

navegáveis e de regatos perenes; deste solo fért i l , que encerra imensas r iquezas

naturais que só aguardam a mão do homem para colhê-las, parece que a que

acabamos de aventurar não passa de paradoxo atrevido que apenas merece as honras

de uma refuta e entretanto, por desgraça nossa, nada se dá mais verdadeiro que esta

proposição. Com uma população de menos de seis milhões de habitantes para um

terr i tór io de quase 700.000 léguas quadradas; já possuímos, à maneira das velhas

nações da Europa, uma fração notável da nossa população cujos meios de existência

são tão precários que apresenta evidente per igo para o resto da sociedade. E o que

ainda é mais terrível é que esta fração tende a aumentar-se cada dia!! !

6 – Na hora em que escrevemos estas l inhas, existem certamente mais de um

sol ici tador de emprego, mais de um empregado demit ido, mais de um operário sem

trabalho, que sonham com revoluções, etc.

7 – Antes de cuidarmos em colonizar, em importar para entre nós habitantes de

outras terras, ou, o que fora muito melhor, em atrair para o Brasi l o excesso das

populações laboriosas da Europa, devemos dispor as coisas de maneira que elas

possam empregar o seu trabalho, de um modo produtivo, e não sejam obrigadas a

virem aumentar a classe perigosa da população do nosso país.

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8 – Ora, é de toda evidência que antes de tratarmos de proporcionar meios de

existência a estrangeiros, a homens que ainda se acham em sua pátr ia, dá-se um

primeiro dever a preencher, dever imposto pelos mais simples sentimentos de

just iça e de prudência: o oferecer trabalho lucrat ivo, meios de existência a esta

porção necessariamente ociosa e perigosa dos nossos concidadãos, de que acima

falamos. É, por assim dizer, uma colonização interna que deve de preceder à

colonização externa. Mas não basta assinar o alvo a at ingir -se, cumpre indicar ainda

os meios. As medidas que se apresentam a primeira vista, como capazes de produzir

o resultado desejado, são as medidas di retas: o estabelecimento de colônias

nacionais, a abertura de grandes of icinas de trabalho, etc. Mas um exame pouco

profundo basta para mostrar a insuficiência radical das medidas diretas, e a

impossibi l idade de obter-se por este meio um resultado duradouro.

9 – Quanto às colônias nacionais, para elas como para as que são formadas de

estrangeiros, é mister que os colonos possuem, além do solo, os instrumentos

necessários para cult ivá-lo, os capitais indispensáveis para esperarem até que

possam viver dos seus produtos; isto é, durante alguns anos, a julgarmos pela

experiência das nossas colônias e das estabelecidas pelas nações européias, e

mormente pela Inglaterra. E demais, coisa indispensável é que a colônia se ache

vizinha de um grande centro de consumo ou de exportação, a que possa transportar

os seus produtos com poucas despesas. Ora, mui poucas são as porções do nosso

terr i tór io que, à vista da fal ta absoluta de vias de comunicação, se achem

atualmente nestas circunstâncias, ou nelas se possam colocar sem grandes despesas;

e as que se acham em tais casos não pertencem ao governo mas sim aos

part iculares, aos quais lhe fora mister comprá-las. Logo, em todo o caso, cumpre

fazer enormes despesas, sem certeza alguma de que sejam reembolsadas, com

bastante brevidade, para que o sacri f ício seja út i l à geração que o f izer. A mesma

objeção se apresenta, no tocante às of icinas de trabalho; mesmo no caso em que os

trabalhadores desocupados sejam empregados em trabalhos tais, que os seus

produtos não façam concorrência aos dos operários atualmente ocupados e não os

privem de trabalho, no caso, por exemplo, serem empregados em abrir estradas,

canais, etc. Seja qual for o sacri f ício que o nosso governo se imponha para obter

este resultado, nunca poderá ele ocupar toda a porção da população que hoje vive

desocupada. E ainda quando ele pudesse ocupá-la hoje, já não poderá amanhã,

porque esta população aumenta todos os dias.

10 – Objetar-nos-ão talvez que, como a criação das vias de comunicação permite a

cultura de muitas terras ora incultas, necessitará grande número de braços, e

oferecerá trabalho a este acréscimo de populações. Responderemos a isso, que a

criação das vias de comunicação, ao passo que permite a cultura de muitas terras

ora incultas, terá também outro efeito, o de substituir na parte do solo ora

cult ivado, o transporte por carros ao transporte por cavalos, e por consequência

privará desses meios atuais de existência os três quartos dessa população tão

considerável , que atualmente se ocupa com os transportes e que seria obrigada a

procurar outros meios de vida. Entretanto, estamos longe de negar as imensas

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vantagens que resultariam necessariamente da criação de grandes of icinas de obras

públ icas; mas cremos que este meio ser ia insuficiente, porque, como acima

dissemos, as forças do governo são mui escassas para que, em poucos anos possa

ele pôr em comunicação fáci l com os centros de consumo ou de exportação os

terrenos férteis que ainda pertencem ao estado, e não foram sujeitos ao desastroso

sistema das sesmarias. Quanto aos outros, os que pertencem a part iculares, só se

pode contar com eles para acomodar-se mui pequeno número de indivíduos. O

governo deve de caminhar nesta estrada;

sim! mas carece de um meio mais pronto e menos oneroso.

11 – Em nossas praias, ao redor dos nossos grandes centros de população, existem

vastas extensões de terrenos, pela mor parte férteis, cuja décima parte apenas, e

muitas vezes a centésima, é cult ivada. Nestes terrenos é que se deve operar a

colonização interna. O que se deve fazer é pôr estes terrenos à disposição dos

trabalhadores. Mas, há largos anos que estes terrenos foram concedidos; acham-se

em poder de legít imos possuidores, e a sua posição na zona do movimento

comercial para a exportação lhes dá grande valor vendável. O governo está longe de

os poder comprar. Logo, é força recorrer a outro meio. Qual é este meio? — Aquele

que nos indicar, de uma maneira mais palpável, um rápido exame do modo de

formação dessa classe turbulenta da nossa população, de que já falamos, e que,

impel ida pela necessidade, torna-se a causa ef iciente das nossas lutas polí t icas, e

ainda de outros muitos males.

12 – Entre nós, assim como em todos os países infantes, a população vai crescendo,

e a fecundidade das uniões é espantosa tanto nas cidades e vi las, como nos campos,

e sobretudo nas grandes cidades como a em que habitamos. Examinemos o que vem

a ser este acréscimo de população, primeiramente aqui no Recife, depois no

interior. Não falamos das famíl ias r icas porque são em número l imitado, e al iás se

vão empobrecendo de geração em geração, por amor das part i lhas; mas das famíl ias

arremediadas e pobres. As f i lhas sobrecarregam as suas famíl ias, ocasionam-lhes

novas necessidades, que, no comércio, se t raduzem por fal imentos, al iás por uma

insaciável sede de empregos públ icos; e entre os pobres por via de resultados ainda

mais deploráveis para a moral públ ica. Quanto aos rapazes, se os pais são

remediados, esses estudam, e por f im reclamam também empregos: se os pais são

pobres, aprendem um ofício e destarte aumentam o número, já desmensurado, dos

nossos alfaiates, sapateiros, pedreiros, carpinas, etc... e estabelecem entre si uma

concorrência que os arruína, e muitas vezes se acham sem trabalho. Alguns vão

estabelecer-se no interior, mas em pequeno número, e a causa disso nós vemo-la

mais longe que destino tem o acréscimo contínuo da população no interior? (sic)

Acaso emprega-se ele na agricultura? Não; a parte mais esclarecida vem aqui para o

Recife procurar fortuna, sol ici tar um ridículo emprego; o resto af lui para as vi las e

outros centros de população, e aí vive vida miserável, porque entre nós não há

indústr ia que ofereça ao trabalhador l ivre um serviço certo e regularmente

retr ibuído.

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13 – Eis aí de onde provêm essas massas de homens sem meios seguros de

existência, que em certa esfera alimentam a polí t ica dos partidos, e nas regiões

inferiores da sociedade prat icam o roubo e todas as suas variedades.

14 – E por que razão os mancebos das famí l ias arremediadas, em vez de entrarem

na carreira tão precária dos empregos públ icos, não se dão ao comércio, ou o que

ainda seria melhor à agricultura? E por que razão, em vez de aprenderem os ofícios

de alfaiate, pedreiro, carpina, etc. os f i lhos das famíl ias pouco favorecidas da

fortuna, não retrocedem para o interior; por que também se não vão fazer

agricultores? Por que os habitantes do mato não cult ivam o solo senão

constrangidos ? Por que os seus f i lhos buscam as vilas? Para tudo isso não vemos

mais que uma única resposta, e desgradaçamente ela é cabal !

15 – No estado social em que vivemos, os meios de subsistência do pai de famíl ia

não aumentam em proporção dos seus f i lhos, de onde resulta que, em geral, os

f i lhos são mais pobres que os pais, e possuem menos capitais. Ora, a agricultura e

o comércio, sobretudo a agricultura, estão hoje cercados por uma barreira

inacessível para o homem pouco favorecido; para todo aquele que não possui certo

numero de contos de reis. Toda a gente sabe dos motivos que tornam o comércio

inacessível àqueles que t ivessem necessidade dele para viver; não nos

estenderemos, pois, sobre tal assunto; e por outro lado o comércio é uma função

parasita que já conta o número de agentes, cem vezes maior do que comporta.

Entretanto, julgamos não poder eximir-nos de dizer que uma lei que tornasse o

comércio a retalho privat ivo dos nacionais, e abrisse destarte vasta saída aos nossos

concidadãos sem fortuna, fora uma coisa absolutamente justa, razoável e vantajosa

ao país. Quanto à agricultura, a função produtora por excelência, a mãe (alma

mater) das nações, é aí que residem os interesses vitais da nossa pátr ia; e como ela

se acha cercada por uma barreira é míster que esta barreira caia, custe o que custar.

16 — E qual é esta barreira? — A Grande Propriedade Terror ial. Esta entidade

terrível que tem arruinado e despovoado a Ir landa, a campanha de Roma e outros

muitos países.

17 – A cultura que deve de ocupar a nossa população, que um dia deve dar-nos uma

classe média e estabelecer a verdade do nosso sistema representat ivo, como já o

demonstramos, não é a grande cultura, que exige grandes capitais, e que é aqui

executada por escravos; mas é a pequena cultura, a que pode executar um pai de

famíl ia com os seus f i lhos, ajudado quando muito por trabalhadores alugados no

momento da plantação e da colheita. Ora, as terras susceptíveis de se prestarem com

vantagem à pequena cultura, em consequência da natureza do solo, da vizinhança

das fontes e dos r iachos, e dos centros de consumo e de exportação, não são os

sertões longínquos, nem as caatingas, crestadas pelo sol, e reduzidas a uma quase

esteri l idade por amor dos sorr ibamentos (s ic) inconsiderados dos fazendeiros de

algodão. São as terras contíguas à beira-mar: na nossa província é essa a região

ocupada pelos engenhos. Esta região que se estende sobre todo o l i toral da nossa

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província até uma profundeza de dez, doze, e às vezes quinze e dezoito léguas para

o interior, se acha, como se sabe, dividida em engenhos ou propriedades cuja

dimensão varia desde um quarto de légua quadrada até dois e três, e até quatro e

cinco léguas quadradas. Como a cultura da cana exige uma qual idade de terras

part icular, que se não encontra por toda a parte, segue-se daí que, afora as terras de

cana, as matas que lhe são necessárias e as terras de que carece para os seus bois e

a plantação de mandioca, indispensável ao al imento dos escravos, a maior parte dos

engenhos possui vastas extensões de terrenos incultos, terrenos que seriam

eminentemente próprios para a pequena cultura, e que se fossem cult ivados

bastariam para fornecer com abundância farinha, feijão, milho, etc. a toda a

população da província e das províncias vizinhas e até para exportação. Ora, os

proprietários se recusam a vender estes terrenos, e até a arrendá-los. Se possuirdes

tr inta ou quarenta contos de réis, então podereis comprar um engenho; mas se sois

pobre, e quiserdes comprar ou arrendar algumas jeiras de terra, não achareis! É isso

o que faz que a população improdutiva das cidades, a classe dos sol ici tadores de

empregos públ icos se aumente todos os dias, que os crimes contra a propriedade se

tornem mais frequentes e o país se empobreça de dia em dia, em consequência do

aumento do número dos consumidores, no entanto que o dos produtores permanece

estacionário; ou ao menos não cresce senão em proporção muito mais lenta.

18 – Mas, dizem os grandes proprietários, estamos longe de recusar, como dizeis, à

gente pobre as terras que ela precisa para cult ivar; apresentem-se, e mediante um

foro módico e às vezes até por nada, nós lhe daremos não só a terra para plantar,

mas madeiras para construir habitações. É verdade, mas este gozo que lhe

proporcionais, só se dá enquanto vos praz. No momento, porém, em que vos dá

vontade, por um capr icho vosso, ou porque eles se recusam a votar pelas vossas

chapas nas eleições, ou a executar uma ordem que lhes destes, vós despejai-os sem

remissão. Como é que quereis que estes infel izes plantem, se eles não têm certeza

de colher? Que incentivo há aí que os induza a beneficiar um terreno do qual podem

ser despejados de um instante para outro? Nas vossas terras eles não gozam de

direito algum polí t ico, porque a sua opinião deve por força seguir a vossa; para eles

vós sois a polícia, os tr ibunais, administração, tudo, numa palavra; e, afora o

direito e a possibi l idade de vos deixarem, a sorte desses infel izes em nada difere da

dos servos da meia-idade.

19 – O poder dos grandes proprietários do interior (e este poder é grande) tem por

base o número desses vassalos obedientes que eles mantêm nas suas terras. Assim,

no estado de fraqueza em que se acha o governo, quanto a estas individual idades

poderosas, na impossibi l idade em que ele está, na maior parte do tempo, de fazer

por si mesmo respei tar a lei no interior do país pela sua única força, cada

proprietário é obrigado, mau grado seu, a manter esta espécie de mil ícias, a f im de

não ser t i ranizado pelos seus vizinhos, ou adversários polí t icos, transformado em

autoridades pol iciais, e para que possa sem perigo despojar-se de uma parte das

suas terras, e consequentemente de uma parte dos seus meios de inf luência

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guerreira fora mister que os seus vizinhos f izessem outro tanto e que o governo se

tornasse bastante forte para protegê-los contra as agressões possíveis.

20 – Ora, para obter-se semelhante resultado, só há um meio ef icaz: o constrangê-

los todos, ao mesmo tempo, por uma força externa, e esta força encontramo-la nesse

imposto direto de que reza a nossa consti tuição – nesse imposto terr i tor ial que já

propusemos noutro lugar desta revista, e cujas vantagens já mostramos.

Estendendo-se gradualmente sobre a província o imposto terr i tor ial obrigaria os

grandes proprietários a despojar-se das terras que lhe são inúteis. Estas terras

repart idas entre grande número de indivíduos seria uma fonte de uma classe média

de pequenos agricultores que aumentaria, excessivamente, a produção do país, e

servir iam poderosamente o governo, quanto à manutenção da ordem públ ica; e

então, vendo todos os seus f i lhos ocupados de uma maneira produtiva e vantajosa, o

Brasi l poderia chamar o excedente das populações industr iosas da Europa, ao qual

ofereceria trabalhos e meios seguros de existência. Antes disso, qualquer tentat iva

de colonização é absurda.

21 – Nos nossos art igos sobre os interesses provinciais, já propusemos um projeto

de lei acerca do imposto terr i tor ial : eis aqui agora um a respeito do comércio a

retalho.

22 – A assembléia geral legislat iva decreta:

Art igo 1º – A contar do 1º de ... . . . . . . . de 184.., ninguém no Brasi l poderá possuir

armazéns, ou lojas de vender a retalho, produtos por ele não fabricados, se não for

cidadão brasi leiro.

Art igo 2º – Fica concedido a todos os estrangeiros que ora se acham nestas

circunstâncias o prazo de . .. . meses para l iquidarem os seus negócios e venderem os

seus estabelecimentos.

Art igo 3º – Os estrangeiros que se acharem nestas circunstâncias, e quiserem gozar

do privi légio exarado no 1º art igo, privat ivo dos nacionais, declararão na câmara

municipal da sua residência a intenção de se natural izarem cidadãos do império, e

depois de seis meses a respectiva câmara municipal mandará passar carta de

natural ização, l ivre de qualquer despesa e emolumentos.

Art igo 4º – A declaração de que reza o art igo precedente deverá ser acompanhada

de documentos, que provem ser o supl icante maior de 21 anos, e estar no gozo dos

seus direitos polí t icos.

Recife, 24 de Setembro de 1847.

H . . . . . . .

O Progresso, p. 629-637.

Anexo 20

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2 1 4

EXP0SIÇÃO DE PRINCÍPIOS

A fruct ibus eorum cognoscetis eos

EVANG.

1 – Ao darmos princípio a publ icação, cujo primeiro número hoje oferecemos ao

públ ico, sentir íamos a necessidade, ainda mesmo que as tradições da imprensa

periódica a isso nos não obrigassem, de expor os nossos princípios e de declararmos

sob que ponto de vista encaramos as diversas matérias a que sucessivamente

daremos cabida nas páginas da nossa Revista. Com efeito, só destarte é que as

pessoas que simpatizarem com as nossas idéias se poderão aproximar de nós e

animar o nosso trabalho. Gozando do privi légio bem raro em nossa terra, para não

dizermos desconhecido, de possuirmos uma redação perfeitamente uma de intenções

e desenhos, teremos assim a vantagem de apresentar constantemente, no

desenvolvimento do nosso pensamento próprio ou na exposição das idéias de

outrem, as mesmas doutr inas e os mesmos princípios gerais, apl icados aos fatos de

diversas ordens.

2 – Na esfera das idéias f i losóficas, pretendemos nós arvorar a bandeira do l ivre

pensamento. Persuadidos de que para a razão do homem, só há legít imos os dados

da razão, não aceitaremos senão aqui lo que nos apresentar os caracteres da

evidência, e não reconhecemos dogma algum que tenha o privi légio de dir igir os

nossos atos, antes de nos ter convencido o espír i to. Cremos que tudo é l igado no

sistema na natureza, que o mundo moral tem leis assim como o mundo físico, e, sem

pretendermos que semelhantes leis já se achem descobertas, pensamos que a sua

indagação é uma tarefa destinada ao gênio do homem, tarefa subl ime, que ele

preencherá tanto mais faci lmente quanto mais estudar a natureza e apl icar com mais

independência de espír i to a essas matérias os processos lógicos e os métodos de

investigação e de exame, que desde Bacon hão permitido que as ciências f izessem

tão rápidos progressos. Aplaudiremos pois e animaremos quanto em nós couber

todas as tentat ivas do espír i to humano que neste sentido se façam; e sem que

demos, em nossas páginas, mui amplo lugar às considerações metafísicas, contudo,

iremos noticiando aos nossos lei tores os mais importantes trabalhos que sobre tais

matérias apareçam.

3 – Fi lhos do século que vai andando, renegáramos nossa origem se não

admirássemos o glorioso progresso das ciências. Com efeito, nos nossos dias,

caminham elas a passo de gigante, e o vasto campo que abraçam, é explorado por

todos os lados, não só naquelas paragens mais luminosas, como também nos mais

obscuros pontos, por milhares de sábios que todos os dias recolhem algum fato ou

idéia nova. Mas semelhante movimento de exploração, posto que magníf ico em si

mesmo, e posto que deva produzir belos resultados porvindouros, contudo ainda nos

não apresenta, no seu todo, a imagem da ordem e de uma organização regular.

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Todos os dias, fatos inumeráveis vêm juntar-se aos fatos já conhecidos, e novas

idéias de apl icação arregimentar-se ao lado de outras; mas tudo isso se acumula,

sem ordem e sem nexo. A ciência entretanto não é um montão informe de pedras, é

um todo composto de materiais regularmente arranjados segundo as regras da

geometria divina, sobre os planos do arquiteto sublime. A função do sábio, e a sua

função mais alta, devera pois ser a indagação das leís para a construção deste vasto

edif ício, mas hoje, nas ciências, oh! bem poucos são os arquitetos, – quase que não

existe senão quem lavre a pedra! E se temos direito de exprimir pensamentos tais a

respeito de ciências que, a maneira das matemáticas da física e da química, estão

sentadas em algumas bases sól idas, e se podem reputar consti tuídas, com quanto

mais forte razão ainda se não apl icarão as nossas palavras àquelas que, como a

medicina e a economia polí t ica, por exemplo, ainda não possuem bases e usurpam

verdadeiramente o nome de ciências? Assim, temos para nós que em nossos dias

anda a ciência um caminho errado, e desgraçadamente as academias, cuja função

devera ser organizar as indagações, traçar o edif ício que se deve determinar-lhe as

leis e proporções, essas dormem quase por todas as partes numa preguiçosa

beati tude. Em lugar de guiarem, procuram as mais das vezes reprimir o

desenvolvimento, negar o valor das idéias poderosas, e se deixando estar deste

modo fora do movimento, permitem que o progresso se efetue sem elas e mau grado

seu.

4 – Pela nossa parte convencidos de que, se os fatos são os elementos consti tut ivos

da ciência, eles não possuem todo seu valor senão com a condição de serem

regularmente coordenados entre si , numa síntese luminosa, invocaremos uma

mudança na estrada hoje adotada, acolheremos com prazer todas as idéias

sintét icas, tudo quanto propender para a ordem, coordenação e regularidade, tudo

quanto t iver por alvo expl icar, simpli f icar e reduzir a um número menor os

princípios geradores de que procedem as ciências; e enfim, tudo quanto tender a

atar a uma lei de ordem superior as leis parciais que ora possuímos. Assim, posto

que a ciência, encarada sob o ponto de vista tão elevado, mui poucos adeptos conta

cá neste canto do mundo em que vivemos, não nos forraremos por isso, quando se

nos oferecer ocasião, de exprimir o nosso parecer sobre tais matérias; e já que o

pensamento impresso voa hoje, vá também o nosso despertar ao longe alguns ecos.

5 – Agora, se apl icarmos à polí t ica os princípios, gerais que acima estabelecemos,

concluir -se-á que somos part idários da ordem na sociedade, do acordo e disposição

regular dos interesses e dos homens; mas deve-se ver também que queremos a

l iberdade, – a expansão l ivre dos indivíduos e das massas. E não creia alguém que

ao estabelecermos semelhante princípio, ao querermos ao mesmo tempo a ordem e a

l iberdade, reclamemos duas coisas contraditórias. Bem sabemos que, para aqueles

que só podem ver uma face das idéias, é a l iberdade antagonista e inimiga declarada

da ordem, e que para eles também não pode a ordem reinar senão rareando e

comprimindo a l iberdade; mas pela nossa parte, semelhante maneira de ver é

radicalmente errônea, repousa sobre uma falsa inteligência de palavras e inexata

interpretação de fatos. Pelo contrário, se, em polít ica transcendente, existe um

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princípio eternamente verdadeiro, é que a ordem não pode reinar sem a l iberdade, é

que a l iberdade não pode exist ir sem a ordem; de sorte que esses dois fatos,

considerados como destruindo-se mutuamente, não se dão um sem o outro, e se

acham necessária e int imamente l igados. Em verdade, como é que se poderia dar na

sociedade a ordem, – a disposição regular e harmônica dos homens e das coisas, se

houvesse lugar a ofensa e violação da l iberdade? Porventura os homens oprimidos e

violentados deixarão de resist ir , de se agitarem e de se sublevarem para conquistar

ou reaver os direitos que alguém lhes negasse? Não, sem dúvida; eles se hão de

agitar, e, se por compressão violenta embargar-se momentaneamente ou mesmo por

algum tempo, toda a manifestação de desordem aparente, nem por isso se persuada

alguém ter obtido a ordem, porque a ordem na sociedade não é essa organização

art i f icial produzida pelo despotismo. Quanto à l iberdade, como é que a

conceberemos na ausência da ordem? Como é que imaginaremos que aí onde as

partes se acham mal dispostas uma a respeito da outra, onde os interesses e as

paixões se chocam, possa dar-se l iberdade dos indivíduos nos seus interesses e a

sat isfação das suas necessidades? Não; o que aí é a luta, é a anarquia, e a anarquia

é tão pouco l iberdade como o despotismo é ordem. Logo, tanto aqueles que

escrevem em suas bandeiras que trabalham pela ordem, como os que escrevem que

combatem pela l iberdade, ambos se enganam, se entendem, excluir um destes dois

termos em favor do outro. Para nós, ambos eles são correlat ivos, supõe um ao

outro; e posto que saibamos que a ordem ainda mesmo falsa e incompleta, ainda

mesmo obtida transitor iamente por meio de alguma compressão, é a primeira

condição, a condição sine qua non da existência das nações, contudo, em tese nunca

nos decidiremos em favor dela com prejuízo da l iberdade, e procuraremos, em todos

os casos, a solução superior que ao mesmo tempo satisfaz a estas duas

manifestações, legít imas no mesmo grau.

6 – O f im da polí t ica, tomando esta palavra na sua acepção mais elevada, é a

indagação das condições da fel icidade dos povos. Uma destas condições, talvez a

principal, no estado atual das coisas, é a forma governamental, a organização dos

poderes chamados pol í t icos; mas evidentemente, de ser ela uma destas condições,

não se segue que seja a única, pois que as formas do estado social, a natureza das

relações de indivíduo a indivíduo, a maior ou menor faci l idade de adquir ir o bem-

estar, o desenvolvimento das ciências, das letras e das artes, os usos e costumes,

também são fatos polí t icos de uma alta importância e que mui profundamente

inf luem sobre a fel icidade dos indivíduos e dos povos. E entretanto que é o que

vemos nós, na região chamada polí t ica? Inf indas discussões sobre as garantias

polí t icas dos cidadãos, sobre os direitos e as l iberdades consti tucionais, direi tos

fr ívolos, l iberdades vãs, quando não saem da atmosfera metafísica das consti tuições

e não se apóiam numa organização social que lhes permita encarnar-se nos fatos,

máquinas aerostát icas sobre que batem os ambiciosos no assalto dos empregos e do

poder, para abafarem com o rumorejar de suas inúteis contendas a expressão do seu

pensamento, prenhe de ambição e de personal idade. De certo, quando alguém se

remonta ao passado dos povos, quando ref lete nas antigas organizações polí t icas,

geralmente opressivas e duras para os indivíduos e as nações, acha excelente que

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em princípio o corpo e o pensamento do homem se tenha emancipado do jugo que os

comprimia; mas hoje que os direitos polí t icos do homem se acham reconhecidos e

aceitos, e que já ninguém os confiscará aí onde uma vez eles se deram; de que

servirá disputarmos todos os dias sobre pontos já concedidos, e girarmos sem cessar

no círculo estreito de impotentes discussões que nem mesmo têm por efeito dar a

tais direi tos mais real idade e valor? Abandonemos pois estas vãs discussões, e

abafemos com a loisa do olvido estas lutas estéreis; – lembremo-nos que a polí t ica

não é só a arte de falar para nada dizer: que é uma ciência, a ciência mais

interessante para os homens, pois que inf lui mais diretamente sobre a fel icidade

deles, e que a devem estudar aqueles que querem governar os povos.

7 – Para nós pois, a polí t ica é a ciência da organização social, com o único alvo de

real izar a fel icidade dos indivíduos; e sem entrarmos aqui em desenvolvimentos,

que os l imites desta escri tura não comportam, diremos que para esta nossa terra do

Brasi l , na atual idade, a ação da polí t ica deve ser principalmente econômica e

industr ial , deve andar sobretudo o caminho dos progressos mater iais. Com efeito,

quando lá dum ponto de vista elevado, se considera as circunstâncias que inf luem

sobre a fel icidade do homem, vê-se faci lmente que o bem ser material é a sua

condição primit iva, o companheiro inseparável da ordem e da l iberdade, o

antecedente lógico dos progressos racionais de todos os gêneros. Por outro lado, o

que é que vemos aí em roda de nós, na Europa e entre os nossos vizinhos do Norte?

À exceção de alguns fatos isolados, vemos por todas as paragens dominarem as

idéias de progresso material . Já expirou a guerra; e o seu século, escondeu-o a noite

dos tempos. Em verdade, quem há aí que ainda se lembre hoje de guerra como

princípio polí t ico? — Alguns loucos ou alguns soldados ambiciosos! Não, a paz é

decididamente o voto do século XIX; o arado e o tear despedaçaram a espada, o

vapor substi tuiu, como força motora, na máquina de pulmões de ferro que trabalha

para a fel icidade dos homens, a pólvora que outrora abalava máquinas de bronze

para os destruir aos milhares; as velhas barreiras nacionais, desmoronam-se, e o

caminho de ferro que as despedaça ao passar por cima delas, anula o espaço e

confunde povos que ao encontrar-se f icam surpresos de ver hoje mudarem-se em

simpatia as antipat ias de ontem. É esta pol í t ica radiosa de progresso pacíf ico que

queremos instaurar entre nós, e que será a legenda da nossa bandeira. Logo

mostraremos quais as leis f ixas e as condições capitais que para isso se requerem, e

também, indicaremos que medidas se devem tomar para decidir a sua inauguração e

f ixar-lhe o caminho.

8 – Mas esta polí t ica incontestavelmente boa para a nação considerada no seu todo,

e capaz de fundar a sua provindoura grandeza, achar-se-ia evidentemente encravada

em seus efeitos por um vício radical e f lagrante, se ao mesmo tempo que se

aumentasse a soma das r iquezas, ela só tendesse como na Europa, a aumentar

indefinidamente a miséria das massas. É isto uma verdade, e longe de procurarmos

afastar a dif iculdade diremos, que para nós, o desenvolvimento do pauperismo que

atualmente assusta a Europa, é sem dúvida uma conseqüência do industr ial ismo

moderno, mas não resultado necessário dos progressos materiais, os quais são

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absolutamente bons e benéficos, e que para acharmos a causa de semelhante miséria

convém procurá-la, na falsidade das relações estabelecidas entre os homens, como

produtores e consumidores, na exagerada inf luência concedida a certos elementos

de produção; e esperamos demonstrar como é possível, senão fáci l evitar o escolho

que acabamos de assinalar.

9 – Vê-se pois que a nossa polí t ica, baseada nas aspirações legít imas da ordem e da

l iberdade terá tendências eminentemente pacíf icas e organizadoras de progresso

social. Armados com este cr i tér io é que levaremos o escalpelo da cr í t ica e o archote

da af irmação ao estudo das questões que são hoje a ordem do dia, daquelas que

sucessivamente forem aparecendo no correr natural das coisas, ou das que nós

mesmos suscitarmos, em se nos mostrando maduras, e susceptíveis de próxima

apl icação.

10 – Agora, à vista do que acabamos de dizer, não seria ocioso o perguntar-nos

alguém a nossa opinião, a respeito da forma governamental em si mesma, e obrigar-

nos a escrever em nossa bandeira, como em geral costumam fazer as folhas

polí t icas, se somos monarquistas ou republ icanos? — Confessaremos primeiro que,

para nós é esta uma coisa de menor monta do que para aqueles que encaram a

polí t ica de um ponto de vista menos elevado; mas para que ninguém julgue que

queremos esconder alguma face do nosso pensamento, diremos que no estado atual

do Brasi l a forma consti tucional com um hereditário e duas Câmaras elet ivas nos

parece oferecer mais garantias de estabi l idade que as outras de governo. Temos

para nós que um monarca em geral é o homem do seu império, mais interessado pela

glória, e fel icidade desse império. E sem pensarmos que seja esta uma razão para

que ele sempre saiba fazer semelhante fel ic idade; nem por isso é menos certo, de

que se trata muito mais de esclarecer e fazer que os governos progridam, quaisquer

que sejam, do que destruí-los. O que primeiro e acima de tudo somos é amigo do

povo, o que queremos é a fel icidade da nação, considerada no seu todo e nos

elementos que a compõem; e como este governo é absolutamente necessário à

nação, somos subsidiariamente amigos do governo; mas isto não nos impõe

evidentemente a obrigação nem de admirar nem de aprovar tudo quanto f izerem os

governos, nem tão pouco tudo quanto f izer o povo: af inal, a um e a outro, sempre

que convier, dir igiremos nós as nossas censuras.

11 – Deixaremos por acabar esta exposição dos nossos princípios, se ao sairmos do

terreno árido em que acabamos de andar, não passássemos por um momento a uma

região mais serena se não disséssemos algumas palavras sobre coisas geralmente

gratas ao coração do homem e que excitam de um modo menos violento as suas

paixões: queremos falar das letras e das artes. Sem dúvida pudéramos nós entoar

sobre este assunto longos dit i rambos, cantar em frases harmoniosas o seu alto valor

social e civi l izador; mas julgamos ser obra mais úti l empregar o pouco espaço que

nos resta em l igar semelhante matéria a uma das teses que mais acima

estabelecemos, quando enunciamos que o bem-estar material é o antecedente lógico

dos progressos racionais de todas as ordens. É certo que o homem ama as artes por

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um pendor inst int ivo da sua organização; os sentidos são embriagados pelos divinos

acentos da música, pela harmonia das l inhas e das cores, e o espír i to que se praz em

contemplar as leis da natureza, naqui lo que elas possuem mais fei t iceiro e suave,

procura dar aos sons forma e vida, animar com o seu bafo as criações do pincel,

embalar-se nas divinas inspirações da poesia.

Descende coelo, et dic age t ibia

Regina longum Caliope melos.

12 – Mas, oh! quão l imitado não é o número daqueles que se podem dar a esse

pendor inst int ivo! para isso é necessário descanso e alguns meios, e que eles se não

vissem obrigados a permanecer todo dia curvados sobre um trabalho ingrato, com o

coração cheio de angústias e o espír i to de receios do futuro. Para que o homem

possa levantar a cabeça ao céu e sorr ir-se contente pelas benéficas emanações que

de lá recebe, é mister que nem a sua alma nem o seu corpo sejam torturados. Logo,

para que a letra e as artes se desenvolvam, releva primeiro que a sociedade seja r ica

e poderosa, que os homens no meio dela possam faci lmente chegar ao bem ser; e é

isso também o que nos mostra a história, nas mais ricas épocas das letras e das

artes que correspondem sempre a existência de sociedades fel izes ou de sociedades

poderosas. Tudo é pois como já dissemos l igado no domínio na natureza; os

progressos num sentido implicam necessariamente os progressos em todos os

outros: caminhemos pois! e abramos caminho ao progresso com todas as nossas

forças. Por outro lado, é visível quando se ref lete no estado do Brasi l sob esta

relação, que é natural que as artes e as letras se achem ainda aqui mui pouco

desenvolvidas; o Brasi l acha-se assentado há tão poucos anos, que os homens

apenas tem t ido tempo de se reconhecerem uns aos outros, e as condições da

existência ainda se acham entre nós mui vaci lantes, para que tenhamos podido

cuidar noutra coisa que não seja em viver. Todavia, manifestam-se de todas as

partes grandes aspirações e desejos para as letras e para as artes; a música é

cult ivada com avidez, e muitos já se at iram com prazer sobre a l i teratura européia.

É este o prelúdio de um fel iz movimento e procuraremos favorecê-lo, porque é

eminentemente social; mas falta-nos uma l i teratura nacional; até hoje as nossas

obras-primas (que bem raras) não passam de cópias. Apelemos pois para a

original idade individual, e empenhemo-la a desenhar-se claramente, convidemos os

espír i tos à independência; e pela nossa parte, animaremos com a nossa débi l voz

todas tentat ivas que aparecerem neste sentido; e talvez que possamos, ao divulgar

sobre a matéria alguns princípios teóricos, arrancar as sarças e os espinhos da

estrada diante daqueles que por ela quiserem caminhar com ânimo e independência.

O progresso, p. 3-11.

Anexo 21

ANARQUIA SOCIAL

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I l faut reconnaître que leur doctr ine de la propriété

peut al ler loin; les mots d’oisi fs et de travai l leurs ont

de la porter.

Un temp viendra où l ’on ne concevra pas qu’ i l fut

un ordre social dans lequel un homme comptait un

mil l ion de revenu, tandis qu’un autre homme n’a

vait , pas de quoi payer son diner. Un noble marquis

et un gros propriétaire paraitront des personages

fabuleur, des êtres de raizon.

Chateaubriand.

1 – Qualquer r iqueza material supõe duas condições, é o produto de dois elementos

combinados: – o trabalho e a matéria do trabalho: O globo com a sua atmosfera é o

grande e único receptáculo da matéria do trabalho. O globo, tomado como base de

qualquer r iqueza, é também uma riqueza, porque na qual idade de elemento essencial

de toda a ut i l idade material é soberanamente út i l à humanidade; mas nem por isso

deixa de ser compreendido na lei comum a toda a real ização de r iqueza, a qual

exige absolutamente a ação út i l do homem sobre a matéria, para que haja riqueza

posit iva.

2 – Um dos dois elementos da r iqueza, sem o outro, é, pois, nulo e como se não

exist ira, quanto à existência da r iqueza. O trabalho como faculdade, não basta ao

homem para viver e enriquecer: é-lhe míster a posse de uma quantidade qualquer de

matéria, sobre que ele possa exercer a sua ação út il . A matéria do trabalho do

homem, é igualmente incapaz de passar ao estado de r iqueza para o homem. Até o

gozo de um fruto selvagem exige que o homem agite-se, que estenda a mão para

colhê-lo ou apanhá-lo. Ora, esta ação é já trabalho: Assim, qualquer matéria tem

necessidade de ser apropriada pelo homem, e de sofrer a sua ação út i l para

converter-se em riqueza.

3 – Portanto, a at ividade do homem não pode, simplesmente como faculdade, cr iar

r iqueza, se o indivíduo não possui a matéria, como base e objeto do seu trabalho

út i l .

4 – Assim, a ação do homem, ao exercer-se sobre a matéria, produz uma quantidade

de r iqueza. De qualquer quantidade de r iqueza faz-se ordinariamente duas partes:

uma que se destina ao consumo absoluto ou defini t ivo;outra que se destina a ser a

condição exterior de nova produção de r iqueza, a ser a matéria de novo trabalho

út i l . Esta parte é igualmente consumida; mas difere da primeira, porque se reproduz

sob a forma nova de maior r iqueza; dão-lhe o nome de capital de produção; a outra

é o que se chama um capital de consumo.

5 – Ora, resulta da organização atual da sociedade, que muitos homens não têm à

sua disposição a matéria do trabalho pelo mesmo tí tulo que outros, ou não a têm

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senão com a permissão dos seus semelhantes, e por consequência podem ser

privados dela totalmente.

6 – Segue-se que a r iqueza se não alcança, igualmente, e com as mesmas condições,

por todos os homens; que muitos dentre eles vivem na completa dependência de

outrem, quanto ao emprego do segundo elemento de toda a r iqueza – a matéria do

trabalho, e que este elemento até lhes pode ser recusado e roubado a ponto de

ocasionar a morte ou cruéis privações.

7 – Depois da miséria, o fato mais notável, que resulta desta desigualdade radical e

fundamental, é a necessidade a que se acham reduzidos aqueles que não possuem a

matéria do trabalho, de se colocarem na completa dependência daqueles que

possuem essa segunda condição de toda a r iqueza material . Não que eles se decidam

de uma maneira ref let ida a esta dependência; mas porque são arrastados pela força

das coisas econômicas, imemorialmente estabelecidas. Nas terras em que a lei há

sido substi tuída, sob certas relações, ao capricho dos indivíduos, essa dependência

não é direta, no sentido de que os indivíduos que possuem a matéria de trabalho

possam tudo o que pretendam contra as pessoas que se acham privadas desta

matéria; mas, por ser indireta semelhante dependência, nem por isso deixa de ser

real, posto que seja menos pesada, menos avi l tante; e dela dimanam, como de uma

fonte, todas as desigualdades de bem estar, de saber, de desenvolvimento moral,

intelectual e f ísico que se observam nas mais adiantadas sociedades, em que está

abol ida a escravidão legal e direta.

8 – A matéria do trabalho, em quanto objeto de apropriação pelo homem, toma o

nome de propriedade. O homem, ao apropriar-se da matéria do trabalho sob a

sanção das leis posit ivas, chama-se proprietário. Todos os homens que, de fei to não

part icipam desta apropriação numa quantidade suficiente, são não proprietários ou

proletários.

9 – Assim, para viverem, os não proprietários são obrigados a se colocarem, direta

ou indiretamente, ao serviço dos proprietários, isto é, à sua dependência. Esta

dependência manifesta-se de duas maneiras diferentes, e estas são possíveis; ou os

não proprietários emprestam o trabalho, isto é, submetem a sua at ividade út i l , e por

conseguinte a sua vontade, à disposição dos proprietários, mediante o quinhão de

uma parte das r iquezas que estes possuem, ou das que real izarão com o concurso

desta at ividade; ou os proprietários emprestam a matéria do trabalho aos não-

proprietários, sob a condição expressa e absoluta de que estes conservem à

disposição dos primeiros o equivalente da matéria emprestada, ou esta matéria

mesma aumentada de uma parte anual, das r iquezas que se presume haverem sido

criadas pelo trabalho út i l do tomador sobre esta matéria emprestada.

10 – Os não-proprietários podem emprestar o seu trabalho aos proprietários de

várias maneiras. Ministram os seus desvelos à pessoa ou à famíl ia dos proprietários

pelas ocupações domésticas e part iculares; neste caso são criados. Concorrem com

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eles, ou sob as suas ordens, para a produção das r iquezas agrícolas manufatureiras e

comerciais; e então são operários: e a parte da r iqueza que recebem se chama

salário. Dir igem o trabalho, ou preenchem diversas funções da ordem intelectual ou

de vigi lância, que garantem a obra de produção, por conta do proprietário; e então,

sob a denominação de empregados, conseguem mais consideração e estabi l idade nas

suas funções de que os operários, que trabalham por dia ou por semana: e a parte da

r iqueza que lhes cabe toma o nome de ordenado ou vencimento, e se paga por mês

ou por ano.

11 – Os proprietários também têm vár ios modos de emprestarem os seus

instrumentos de produção aos não-proprietários. Uns emprestam a juro as suas

fazendas agrícolas, etc.; e então o tomador se chama rendeiro, e o juro que recebe o

emprestador chama-se arrendamento. Outros emprestam as suas casas, etc.; e então

o tomador é um locatário, se tem somente por f im a habitação; é um empreendedor,

se sol ici ta, a locação com o intuito de nela empregar não-proprietários, e o juro que

paga ao emprestador se denomina aluguel.

12 – O benefício que cabe aos empreendedores, depois de haverem pago o aluguel,

o salário, e, em geral, as despesas de produção, toma o nome de lucro. Outros

emprestam, sob a forma de dinheiro, capita is de produção ou a matéria do trabalho

derivada para um uso indeterminado; e então o juro conserva pura e simplesmente o

nome de juro, e o tomador é simples devedor. Muitas dist inções e classif icações

ainda teríamos a fazer para esgotar a anál ise da consti tuição econômica dos povos;

mas todas elas se resumem nestas grandes divisões:

1: Proletários que emprestam, mediante certa paga, o seu trabalho, isto é, a sua

at ividade e vontade, aos proprietários.

2: Proprietários que emprestam a juro a matéria aos proletários do trabalho.

13 – Ora, tomar emprestado trabalho mediante juro, é emprestar a matéria do

trabalho a juro assim como tomar a juro a matéria do trabalho é o mesmo que em

ambos os casos, ou fazermos trabalhar a outrem em nosso lugar, ou trabalharmos

em lugar de outrem: o que é o ponto preciso onde se ata o nó górdio da economia

polí t ica do passado; nó fatal, que consti tu i , com a escravidão ou com a servidão

mit igada, a mais f lagrante imoral idade, segundo São Paulo, que declara que aquele

que não quer trabalhar não tem direito de comer.

14 – Assim, pois tudo se reduz a esta alternativa: alugar o trabalho, ou alugar a

matéria do trabalho: mas que diferença entre estes dois modos de locação! aquele

que aluga o seu trabalho, começa a sua escravidão; aquele que

aluga a matéria do trabalho consti tui a sua l iberdade. Com efeito, o trabalho é o

homem: pelo contrário, a matéria nada tem com o homem, e todavia substi tui o

trabalho do homem que a possui, pelo fato da lei humana, e lhe vale uma parte de

r iqueza produzida, como se ele houvesse empregado o seu trabalho na formação

desta r iqueza. Resulta imediatamente de semelhante estado de coisas que no grande

ato da criação das r iquezas, alguns homens substi tuem o trabalho de outrem ao seu,

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e enriquecem sem trabalhar. Basta-lhes a posse da matéria do trabalho. Em

conseqüência desta substi tuição, o elemento matéria que nada inf lui na criação da

r iqueza sem o outro elemento t rabalho recebe a virtude mágica de ser fecundo para

eles, como se para isto houvessem concorr ido, pelo seu própr io fato, com este

indispensável elemento.

15 – Ora, este trabalho em lugar de outrem e em proveito de outrem é a fonte de

todos os males, de todas as privações dos não-proprietários. Trabalhando destarte

para outrem 15 e 18 horas cada dia, não lhes resta tempo para trabalharem para si ;

nem podem cult ivar o espír i to, nem desenvolver o corpo.

16 – Supondo-se que o trabalho quotidiano de um operário lhe proporcione (termo

médio) 400 frs., por ano, e que esta soma seja suficiente a cada adulto para viver

vida grosseira, todo o proprietário que t iver 2000 frs., de renda, arrendamento, ou

aluguel, obriga, pois, indiretamente cinco homens e trabalharem para ele; 100.000

francos, de renda representam o trabalho de 25 homens, e 1.000.000 de francos o

trabalho de 2500 indivíduos!

17 – Este grande fato de emprestar a juro sob tantas formas a matéria do trabalho,

revela assaz que os proprietários receberam da lei dos homens o direito de usar e

abusar, isto é, de fazerem o que querem da matéria de qualquer trabalho, da fonte

ou condição exterior de toda a r iqueza, do trabalho de outrem mesmo, e das

r iquezas produzidas. Somente são sujeitos a algumas restr ições, que em geral se

convertem em vantagem colet iva de todos os proprietários, como de transmit irem a

seus f i lhos ou à sua famíl ia a r iqueza ou matéria de trabalho que deixam depois da

morte. Mas esta disposição mesma produz um grande mal, porque não se leva em

conta a inaptidão dos herdeiros em fazerem valer a natureza de propriedade que

lhes toca pelo acaso do nascimento. Deve-se notar sobretudo que os proprietários

não são de sorte alguma obrigados pela lei a ministrar a propósito e sempre

t rabalho aos não-proprietários, nem a pagar-lhes um salário sempre suficiente, etc.

Logo, l iberdade plena quanto à natureza, quantidade, qual idade, oportunidade de

produção, ao uso, consumo das r iquezas e disposição da matéria de qualquer

trabalho. Cada qual tem l iberdade de trocar o que é seu como melhor entender, sem

outra consideração mais que o seu próprio interesse individual.

18 – Esta faculdade absoluta de l ivre troca e de l ivre produção é o que consti tui o

estado de concorrência arbitrária ou do laisser faire. Toda a gente compreende os

efeitos anti -sociais e anti -econômicos da concorrência. Os quadros que acerca deste

assunto se tem desenhado há dez anos são conhecidos por todos aqueles que se

ocupam das questões da matéria e da associação. Mas poucos hão visto, ou se

atreveram a confessar que este grande fato da concorrência não era senão um efeito,

cuja causa primária era a apropriação individual e arbitrária dos instrumentos do

trabalho.

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19 – A concorrência nada mais exprime que a troca facultat iva, que também é a

conseqüência próxima e lógica do direito individual de usar e abusar dos

instrumentos de produção. Estes três momentos econômicos, que não fazem senão

um, o direito de usar e abusar, a l iberdade de trocas e a concorrência arbitrária,

arrastam às conseqüências seguintes: cada qual produz o que quer, como quer,

quanto quer, onde quer; produz bem ou produz mal, de mais ou não bastante,

demasiado cedo ou demasiado tarde, demasiado caro ou demasiado barato; cada

qual ignora se venderá, como venderá, quando venderá, ou onde venderá, a quem

venderá; e o mesmo acontece quanto às compras. O produtor ignora as necessidades

e os recursos, as procuras e as ofertas. Ele vende quando quer, quanto pode, onde

quer, a quem quer, pelo preço que quer. E compra da mesma sorte.

20 – Em tudo isto, é ele o ludíbrio da sorte, do acaso, o escravo da lei do mais

forte, do menos necessitado, do mais r ico. Cada um se determina segundo as suas

conveniências, e necessidades, e as dos outros. Nunca se trata das exigências da

just iça; nenhum laço, nenhuma sol idariedade, nenhum acordo obrigado entre os

produtores, distr ibuidores e consumidores; nem entre aqueles que oferecem o seu

trabalho, e aqueles que possuem a matéria do trabalho: é quem mais se aproveitar

da miséria de outrem. Especula-se sobre as necessidades, sobre os gostos, sobre as

modas, sobre os lugares: os preços de todas as coisas são tão diversos quantas são

as lat i tudes e vi las. Os indivíduos são punidos por terem nascido ou por habitarem

antes neste do que naquele lugar. Entretanto, poderão eles dizer à associação que

não são culpados disso.

21 – Ao passo que reina escassez de uma riqueza num ponto, no outro dá-se

superabundância e disperdício.

22 – Ao passo que um produtor vende muito e por alto preço, e com benefício

enorme, outro não vende nada, ou vende com prejuízo Em todas as partes, e para

todas as coisas, reina instabi l idade, incerteza, confusão, guerra e caos. A oferta

ignora a procura, e a procura ignora a oferta. Se produzis f iado em gosto, em uma

moda que se manifesta no domínio dos consumidores, quando ides oferecer a

mercadoria, a moda já tem passado e se há f ixado noutro gênero de produto.

23 – A roda de fortuna vive num movimento contínuo, e a cada giro que dá esmaga,

machuca os concorrentes, abre brechas na propriedade; e todavia, não aparece uma

inst i tuição em paragem alguma que estanque o sangue, feche e sare a chaga.

24 – Daí, pois, como consequências infal íveis, permanência e a universal ização das

bancarrotas; as fraudes, as ruinas súbitas e as fortunas improvisadas; as cr ises

comerciais, a fal ta de trabalho, os empachamentos ou a escassez periódicas; a

instabi l idade e o avi l tamento dos salários e dos lucros; aí disperdício, lá enorme

profusão de r iquezas, tempo e esforços lançados na arena de uma concorrência

desenfreada.

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25 – Os próprios proprietários são expostos às mais desastrosas vicissitudes: a cada

instante podem ser precipitados lá das altas regiões em que o luxo e supérf luo se

f ixaram, cá no fundo, cheio de lama e de andrajos, em que jaz a miséria. Esta

decadência é incessante na esfera deles: o infortúnio abrange sempre a uns, se não a

todos; e isto pela força das coisas consti tuídas, porque, como não estão certos de

vender, ou de vender por preço conveniente, não estão certos não só de t irar juros

dos seus capitais, mas até de conservar-lhes a integridade primit iva.

26 – Eis aí uma consequência próxima da t roca arbitrária e da ausência de toda a

sol idariedade nas boas e mãs probabi l idades da produção e da concorrência. Mas os

desastres e os revezes são frequentes e funestos, sobretudo na indústr ia, na

propriedade móvel. Aí é raro que as for tunas se consol idem por mais de três

gerações na mesma famíl ia.

27 – Mas basta: este fato deve i luminar a vista dos proprietários e permite-lhes

orientar-se na investigação do bem entendido. Quanto aos proletários, o caráter

homicida da consti tuiçao das coisas econômicas lhes é assaz demonstrado pelas

agonias e privações de toda a espécie que os cercam e os torturam desde os seus

primeiros passos na vida.

28 – A pretexto de dar meios de subsistência aos pobres que não deveriam exist ir , o

luxo empobrece tudo: e mais cedo ou mais tarde despovoa o Estado. E quanto mais

o luxo e o supérf luo vão aumentando para os privi legiados, tanto mais a miséria e

as privações são extremas para a mult idão deserdada. Vêde, por exemplo, a Europa

dos nossos dias! Em todos os países, quanto mais a cabeça se doira e resplandece,

tanto mais os pés se enterram na lama e se emporcalham: esta consti tuição

econômica condena certos homens a prof issões tão abjetas, a uma degradação tão

amarga que, em comparação a selvajaria se apresenta como uma condição de rei.

(sic) Quem acreditará este fato para o futuro! e quem o teria acreditado entre os

povos das civi l izações primit ivas e patr iarcais! Entre nós, a dignidade humana se

acha tão avi l tada, que cadáveres vivos que se chamam farrapeiros, saem

quotidianamente dos seus túmulos nas horas mortas da noite, e munidos de uma

lanterna, de um anzol e de uma alcofa, vão revolver e cavar os montões de

imundices das nossas r icas e soberbas cidades, em busca de andrajos! E tanta

ignomínia para prover as mais palpitantes necessidades de uma vida moribunda!

Quantas aberrações e iniqüidades não foi mister que se acumulassem antes de

descer a semelhante enormidade! (1 )

29 – Não é somente a propriedade dos instrumentos do trabalho que se transmite de

indivíduo a indivíduo, ou de famíl ia a famíl ia, é também o direito de usar e de

1 Não é somente a ter ra, a indústr ia, que destarte se acham entregues à anarquia, ao

iso lamento, à inso l idar iedade, à impotência, é também a c iênc ia e as boas artes. O mesmo desperdic io, a mesma confusão, a mesma incerteza, a mesma desigualdade, a mesma instab i l idade reinam nesta esfera da r iqueza e do trabalho imateria is.

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abusar dos povos e das nações; a este respeito apontaremos um exemplo: o rei da

Holanda acaba de transmit ir por direi to de herança, a um dos seus f i lhos, o seu

direito de propriedade arbitrária e absoluta sobre toda a nação neerlandesa. A

propriedade é uma realeza, assim como a realeza uma propriedade: por conseguinte,

existe o mesmo sistema de apropriação para o solo, para o gado e os outros

capitais; e para os povos. Se ref let irmos nisto, veremos que o di reito hereditário,

legado às dinastias e às aristocracias feudais, de usarem e abusarem dos seus povos

e súditos, gera no mundo polí t ico a mesma série de males que o direito sagrado de

propriedade material gera no mundo econômico.

30 – Àqueles que se não aperceberam da luz que torna patentes as raízes de toda a

desigualdade, de toda a miséria, de toda a escravidão, de toda a instabi l idade nas

fortunas e nas posições, a esses faremos estas simples perguntas: — Serão

miseráveis os operários, os proletários em geral, porque não são proprietários?

Serão ignorantes, dependentes, grosseiros ou incultos, porque não possuem a sua

parte suficiente de instrumentos de produção, ou porque não têm, à maneira dos

proprietários, a faculdade de disporem destes instrumentos, ou de exercerem uma

ação út i l , ao único proveito seu, sobre a matéria comum do trabalho, dest inada por

Deus à humanidade inteira? Serão eles obrigados a trabalhar doze, quinze e dezoito

horas por dia, a f im de obterem os meios de subsistência para si e suas famíl ias, por

mais numerosas que sejam, ao passo que outros vivem no supérf luo sem nunca

trabalharem, nem eles nem suas famíl ias; e esta diferença provém de que a famíl ia

proletária é excluída do l ivre gozo dos instrumentos da produção; ao passo que a

famíl ia proprietária monopoliza a parte de matéria do trabalho, correspondente às

r iquezas que consome.

31 – Obterá o pai de famíl ia com o seu trabalho um salário proporcionado ao

número de f i lhos que deve educar e manter, e se do seu trabalho ele não t irar mais

do que um cel ibatário t i ra do seu, poderão os seus f i lhos mal educados escapar de

uma miséria proporcional ao seu número?

32 – Serão os proprietários r icos, i lustrados, cultivados, pol idos, sadios, alegres e

dispostos, fel izes, enfim, relat ivamente, porque eles dispõem da matéria do trabalho

ou das condições exteriores de toda a ut i l idade, de toda a comodidade; porque tem

rendas, isto é, porque uma mult idão dos seus semelhantes são arrastados

forçosamente por esta consti tuição econômica a trabalharem em proveito deles? As

pessoas que sem trabalharem vivem na opulência ou são arremediadas, serão

ociosas porque são proprietários ou porque são proletários?

33 – Aqueles que nascem sob as águas furtadas de um proletário, serão, quanto ao

seu desenvolvimento e l iberdade futura, tão infal ivelmente destinados aos gáudios

deste mundo como aqueles que nascem num palácio, ou no seio de uma famíl ia de

proprietários terr i tor iais?

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34 – Estarão os r icos na corte, no foro, nos tr ibunais, no comércio ou nas grandes

administrações; serão reis, ministros, elei tores, deputados, pares, marechais e

of iciais, f idalgos e conselheiros de estado, prefeitos, etc.; têm eles o poder, as

honras e os prazeres, porque possuem propriedade ou ainda que as tenham.

35 – Onde está o braço que trabalha, a vontade que obedece, a carne que sofre?

Quem são os soldados e os trabalhadores; os operários da paz e os da guerra? Serão

os proprietários, serão proletários?

36 – Enfim, na real idade, serão os proletários l ivres à maneira dos proprietários?

Serão seus iguais, serão seus irmãos? Ora, daqui estou ouvindo, no ínt imo da

consciência dos meus contraditores, a irresistível e implacável evidência que lhes

arranca este gri to: — Sim, sim! a miséria, a ignorância, a servidão e o seu

lamentável séquito, são os efeitos necessários e imediatos da privação da

propriedade! Basta-nos isto: porque quanto a sabermos se existem meios próprios a

permit irem a ascensão de todos ao igual uso da matéria do trabalho, é outra

questão; por agora, eu paro neste ponto; a causa do mal é esta e só esta.

37 – Não se pode negar que hoje neste mundo existem galés e cadeias; taxas de

pobres, salões de asi los e estabelecimentos de caridade: os suicídios e os

infanticídios, a Morgue ( lugar onde, em Paris, se costuma expor os cadáveres

achados) e as rodas de enjeitados, tão pouco são desconhecidos; o cel ibato dos

homens e das mulheres, também é um pouco geral; e a prost i tuição das f i lhas do

povo, a prost i tuição do canudo, do operário, a prost i tuição da carne não-

proprietária sob todas as formas, é também notória.

38 – Há igualmente meninos que empalidecem e se marasmam nas manufaturas dos

proprietários; e, além disto, entre os proprietários dão-se hábitos de superioridade e

t i rania, de soberba e mando, de orgulho e desprezo, de aspereza e insolência para

com os proletários: entre os proletários dão-se hábitos de humildade, de hipocrisia,

de mentira, de adulação, de aspiração estúpida para com os r icos; há abjetos

servidores que se chamam lacaiada; há proletários que vão morrer em lugar dos

r icos em câmbio de alguns mil francos; há... . . o Inferno na terra!

39 – Ora, ainda pergunto aos ot imistas se os terrores e as imperiosas sugestões da

miséria; se a cegueira e as fatal idades da ignorância; se a abjeção que nasce do

servi l ismo; se as decepções cruéis da instabil idade das fortunas; se a perspectiva de

um trabalhar sempre ingrato e estéri l ; se o desespero de um infor túnio sem termo,

deixam de ter inf luência sobre a existência e prosperidade das galés; sobre a série

de atentados e abominações que acabamos de enumerar! E se eles responderem sim,

deixa-los-ei t i rar a conclusão prát ica: se disserem não, mentem.

40 – Em últ ima anál ise, as causas ocasionais do permanente catacl ismo da

sociedade humana residem todas nas disposições econômicas seguintes, que todos

os povos têm consagrado:

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1: O direito reconhecido aos indivíduos e às famíl ias de se apropriarem, isolada,

exclusiva e parcialmente, os instrumentos de produção, as fontes da r iqueza

nacional, as condições materiais da existência e do bem estar colet ivo, e como

consequência deste direito;

2: A produção, a circulação e a troca facultat ivas e arbitrárias, ou a l iberdade do

comércio, a l ivre concorrência, o direito de abusar da terra e dos seus frutos, sem

condição de ut i l idade, just iça e aptidão;

3: O empréstimo a juro sob todas as suas formas, ou a virtude produtora da matéria

sob o nome de capital;

4: O direito de transmit ir e al ienar os instrumentos de trabalho, segundo convém;

5: O direito de herança pelo sangue, sem condição de conveniência social ou de

habi l idade para empregar as r iquezas herdadas; isto é, a hereditariedade cega e fatal

da pobreza e da fortuna por direi to de nascimento;

6: A insol idariedade absoluta dos indivíduos e das famíl ias, no seu destino e meios

de subsistência.

41 – Quaisquer que sejam a igualdade da part i lha e as combinações no ponto de

part ida de um povo; quaisquer que sejam as restr ições assinaladas ao direito de usar

e abusar da sua propriedade; quaisquer que sejam mesmo a moral idade, at ividade e

habi l idade dos indivíduos, sempre esta sextupla l icença, combinada com os eventos

da ordem natural, com as vicissitudes de força maior, com os caprichos da moda, a

incerteza das precisões e dos recursos, e a cegueira obrigada da produção; sempre

essas disposições econômicas, fundamentais, serão suficientes, e demais, para

causarem eternamente perturbação, confusão, anarquia, miséria, pr ivações cruéis,

males inf indos na terra; para estabelecerem uma desigualdade, uma dependência

verdadeiramente ímpias entre todas as c lasses, todas as famíl ias, todos os

indivíduos; e para fazerem da mais adiantada nação uma sociedade bárbara e cruel !

42 – Indagam-se as causas da miséria e da imoral idade. Eis aí a mais profunda e

mais geral. Fala-se do vale de lágrimas! Ei-lo cavado e aprofundado pelo fato único

da propriedade mal entendida.

43 – A apropriação individual , absoluta e arbitrária, é mãe da concorrência; a

concorrência é mãe da desigualdade, da pobreza, da miséria. A pobreza, a

desigualdade são mães da anarquia, do crime e da baixeza, da inveja, de ódio e da

servidão; da preguiça, da mandrianice. E a anarquia, a preguiça, os cr imes, etc. ,

também são causa de maior miséria.

44 – Homens de boa vontade, homens de paz, de just iça e de l iberdade, vós bem

estais vendo ! eu disse a verdade, e a verdade é terrível. Assim, pela palavra, pelas

inst i tuições e pela persuasão, por todos os meios da ordem pacíf ica, fazei a guerra

santa a este prejuízo que causa males aos vossos irmãos!

45 – O quadro que acabamos de esboçar é verdadeiro em todas as sociedades

passadas e presentes, nos seus traços principais. Todos estes males são inerentes a

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todas as idades da civi l ização; porque todas as sociedades repousam sobre a mesma

consti tuição da propriedade.

46 – Esta consti tuição não difere senão por combinações secundárias e por detalhes.

Em essência é a mesma em Pekim e em Paris, em Roma e em San-Petersburgo, em

New York e no México.

47 – Somente em certas sociedades, a mobil idade da propriedade é extrema, e os

não-proprietários têm mais probabi l idades de se tornarem proprietários porque a lei

dá grande l iberdade aos indivíduos acerca da transmissão ou troca dos seus

instrumentos do trabalho. Noutras, é a imobil idade que prevalece, e os não-

proprietários são condenados para sempre, de pais a f i lhos, à mesma condição;

porque aqui a lei infeuda a propriedade do solo a certo número de famíl ias sempre

as mesmas, opondo óbices à fáci l transmissão, pelas substi tuições, morgados e

mãos mortas. Assim, todos os povos osci lam entre a concentração extrema e o

retalhamento extremo.

48 – A posse dos instrumentos de trabalho pelos indivíduos ou pelas famíl ias é uma

disposição de tal sorte anti -social em si, que o retalhamento extremo ou médio, e a

concentração extrema ou média, são formas da propriedade, igualmente perniciosas,

funestas à l iberdade e igualdade, incompatíveis com as exigências da civi l ização.

49 – Deixar os instrumentos de trabalho, terr i tór ios e móveis, à disposição

arbitrária dos indivíduos e das famíl ias, é como provam peremptoriamente a

história e o presente, querer que a concentração, e o retalhamento destes

instrumentos permaneçam num f luxo e ref luxo perpétuo, em que todos naufraguem

sucessivamente.

50 – Se a concentração predomina, vós tendes o regime das castas imutáveis, a

extrema desigualdade de raças, de condições e de fortuna móvel e de raiz; a

escravidão, a servidão legal, ou de fato, da Índia, da Rússia, da Áustr ia, de

Inglaterra e de todas as sociedades feudais.

51 – Se é o retalhamento, tendes todas as misérias, todas as insuficiências morais,

intelectuais e f ísicas do estado de concentração, na existência de uma plebe ignara,

adstr i ta à gleba, ao torrão, à cabana e à pequena indústr ia, como em França, como

na China e em muitos países da Alemanha. E em ambas as partes dá-se resultado

econômico e social monstruoso. Eis aqui toda a diferença: é grande: porque a

miséria, a ignorância e todo o seu séquito de males movem ou f icam imóveis em

proporção sobre as mesmas cabeças e sobre as mesmas famíl ias.

52 – Todavia, tanto num caso como no outro, a minoria dos r icos habita

relat ivamente o paraíso terrestre, ao passo que a imensa maioria do gênero humano

lamenta-se dolorosamente nas entranhas do inferno e do purgatório. É, pois,

verdadeira no seu princípio, esta sentença famosa, paradoxa aparência, pela qual

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Rousseau resumiu toda a economia social do passado que acabava de expirar: “O

primeiro que, tendo cercado um terreno, teve a lembrança de dizer: isto é meu, e

encontrou homens tão simples que o acreditasse, esse foi o verdadeiro fundador da

sociedade civi l ” .

53 – Quantos crimes, quantas guerras, quantos assaltos, quantas misérias e horrores

não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou

obstruindo o fosso, t ivesse bradado aos seus semelhantes: – Não ouçais a este

impostor. Vós f icareis perdidos, se vos esquecerdes de que os f rutos são de todos, e

que a terra não é de ninguém.

C. Pecqueur

O Progresso, p. 867-881.

Anexo 22

A VOZ DO CÉU

Dans la societé tout homme vit necessairement au

dépens des autres;

i l leur doit en travai l de prix de son entret ion. (sic)

Cela est sans exception; travai l ler est donc un devoir

indispensable a l ’homme social, r iche ou pauvre,

puissant ou faible; tout ci toyen oisi f est un f r ipon.

J. J. Rousseu

1 – “A terra é minha ‘disse o Senhor a Moisés’”, “com tudo o que ela contém; vós

sois estrangeiros, a quem eu a aluguei !”

2 – Todos nós somos f i lhos de Deus; nosso pai nos entregou a terra em comum, a

f im de que dela t i rássemos a nossa subsistência, e com que prover todas as nossas

necessidades; ela pertence pelo mesmo t i tulo a todas as gerações que nos devem

substi tuir , assim como pertencera àquelas que nos precederam. A propriedade da

terra pertence a Deus, o usufruto aos seus f i lhos a quem ele a entregou.

3 – Fi lho de Deus, herdeiro dos seus dons e benefícios, que f izeste da tua herança?

Que f izeste deste depósito sagrado que devias transmit ir às gerações do porvir?

4 – Fi lho de Deus, caminha para o setentr ião, para o meio-dia, para o levante, para

o poente, não encontrarás uma polegada da terra da qual um usurpador do teu

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direito não te expi la dizendo: esta terra é minha. Fi lho de Deus, onde poderás tu

repousar os teus membros fat igados?

5 – Fi lho de Deus, percorre a terra; vê essas árvores carregadas de frutas, mas

guarda-te de estenderes a mão para t i rá-los, porque um usurpador do teu direito ta

deceparia, dizendo: estes frutos são meus. Fi lho de Deus, como saciarás a fome que

te devora?

6 – Membro deserdado da grande famíl ia humana, não há lugar para t i sobre a terra;

aqui tu não deves reproduzir a tua imagem; é força que desapareças o mais cedo

possível.

7 – Desaparecer! não; não é isto o que querem os teus opressores, porque tu também

podes vir a ser uma propriedade. Depois de haverem usurpado o solo e os frutos da

terra, eles ainda pretendem apropriar-se dos teus suores, servi r -se de t i como

animais que o homem subjuga ao seu serviço.

8 – Lá vem um deles com frutos nas mãos e palavras douradas na boca; meu amigo,

diz ele, eis aqui uma porção de Minha terra; cult iva-a, os frutos que ela produzir

serão meus, mas eu te darei uma parte deles para que possas matar a tua fome.

9 – Lá vem outro! ouçamo-lo: meu amigo, diz ele, a terra que eu possuo produz

muitos frutos; anda comigo, dou-te l icença para que colhas alguns, com a condição

de executares as minhas ordens e de seres meu servo.

10 – Lá surge um terceiro, e diz: amigo, Minha terra contém pedra calcária, pedras

para edif icar, madeiras, abundância de ferro; anda, tu porás estes materiais em

obra; tu me construirás um palácio; e, em paga do teu trabalho, dar-te-ei uma

cabana para te abrigares das intempéries de atmosfera, um tênue al imento para

prolongares a tua existência!

11 — Fi lho do homem, que f izeste tu? Em vez de perguntar-lhes em virtude de que

direito eles se reputam senhores desta terra que Deus entregou aos seus f i lhos: com

que direito pretendem eles gozar no ócio os produtos dos teus suores; tu aceitaste

as suas proposições, curvaste a cerviz ao jugo que eles te apresentaram; anuiste

tacitamente à depredação de que eras vít ima: — tu e todos os teus descendentes?!

12 – Desde então, tu te mult ipl icaste no seio da miséria, o teu jugo se tornou de

mais e mais pesado; muita vez até ofereces os teus serviços aos usurpadores dos

teus direitos em câmbio de uma tênue parte do produto, e eles recusam aceitá-los;

já não tens recursos: é força morrer!

13 – Apenas te resta o direito de escolheres uma morte rápida, em lugar da morte

lenta com que te ameaçam a miséria, as pr ivações e a enfermidade, que é a sua

consequência inevitável. A sociedade que te recusa os meios de subsistência tem a

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generosidade de te permit ir a escolha entre os numerosos gêneros de morte que te

oferecem os elementos.

14 – Mas que clarão refulgente é aquele que bri lha no horizonte?! Que estrépito é

esse que ret ine ao longe, e que se ouve no meio dos incessantes gemidos das

vít imas da miséria?!

15 – São as chamas de um trono que arde por entre os aplausos de um povo imenso;

é o gri to de vi tór ia dos teus irmãos que acabam de derramar o seu sangue para

quebrarem na pessoa de um rei perjuro e egoísta o primeiro dos obstáculos à

emancipação do trabalhador.

16 – Eles tr iunfaram nesta primeira luta, e a proclamação de um direito sagrado foi

o resultado da sua vitór ia; eles f izeram reconhecer que a sociedade devia ao

indivíduo uma indenização dos direitos naturais, cujo uso ela lhe veda, uma

indenização da sua herança confiscada; e, como primeiro passo nesta estrada

fecunda, o estado reconheceu o direito que todo o homem tem de viver do seu

trabalho.

17 – Ainda isto não é tudo; a indenização está longe de ser completa; mas o tempo

acabará esta tarefa: começou a emancipação.

18 – Começou, é verdade: mas num só ponto do globo; nas outras paragens, este

princípio sagrado, esta primeira conquista da just iça e da eterna eqüidade sobre a

jur isprudência da força sublevou contra si a numerosa coorte dos depredadores da

humanidade.

19 – Foi mister pelejar para estabelecê-lo, será preciso pelejar para defendê-lo,

para propagá-lo.

20 – Levanta-te, f i lho do homem! Seja qual for o solo que te viu nascer: seja qual

for a terra que habitas; repita a tua voz de longe o gri to de emancipação do

trabalhador; al ista-te nas f i leiras dos campeões da humanidade: tua é a causa que se

venti la, e já é vindo o dia para todos os despojados reclamarem o seu quinhão da

herança paterna.

Recife, 26 de maio de 1848. (sem assinatura)

O Progresso, p. 851-853.

Anexo 23

AS REFORMAS

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Nos nossos dias houve quem quisesse rebaixar o

verbo, dizendo: “as palavras são fêmeas ao passo

que os fatos são machos”. A palavra é fêmea sem

dúvida mas é mãe do macho...

Zimmermann

1 – Há certos momentos na vida de um povo, em que, como as suas inst i tuições já

se não acham de acordo com as precisões ou necessidades da época, embargam elas

o progresso desse povo, e incessantemente reclamam modif icações ou reformas

mais ou menos radicais. Dois casos então se podem apresentar – ou a maioria da

nação sabe cabalmente quais são as causas do mal e os remédios que devem de ser

apl icados; ou sofre sem saber a causa real dos seus sofr imentos e quais os meios

que podem ser empregados para conduzi-la ao estado normal. – No primeiro caso,

dá-se um obstáculo que deve ser removido: então só se trata de obrar; no outro, é

mister indagar primeiramente as causas do mal, procurar o remédio e tratar de

organizar a solução do problema antes de pô-la em execução, a f im de não lançar o

país nas dif iculdades de inf indas revoluções.

2 – Achamo-nos atualmente na segunda hipótese: sofremos, e nisso todos são

acordes. Possuidores de vastos terr i tór ios, fecundo em toda sorte de r iquezas

naturais e de uma fert i l idade proverbial, sulcado de r ios imensos e navegáveis; nós,

que sobre o oceano Atlânt ico ocupamos uma extensão de mil léguas de costa

abundante em peixes, e semeada de magníf icas baías, não temos em que empregar a

nossa população desocupada; o pauperismo vai crescendo com rapidez, e no meio de

tantas r iquezas, vemo-nos reduzidos a disputar alguns empregos insignif icantes, e a

dizer que o nosso país se acha povoado demais, e poderá exportar colônias em vez

de recebê-las do estrangeiro. Por outro lado, possuímos uma das consti tuições mais

l iberais que existem no mundo, e entretanto estamos sujeitos ao mais r igoroso

despotismo, a um despotismo sem freio, despotismo de mil cabeças, donde resulta a

fal ta de garantias e de segurança para vida e propriedade dos cidadãos.

3 – E haverá unanimidade na nação acerca da causa dos nossos males, acerca dos

remédios que se lhes devem apl icar? Certo que não. Uns atr ibuem o mal à presença

dos portugueses e à suposta inf luência que eles exercem no andamento dos negócios

polí t icos; outros assinam como única causa dos nossos sofr imentos a imoral idade

do povo; outros, enfim, atr ibuem-nos à existência da escravatura, à central ização, à

forma do governo monárquico, etc. etc..

4 – Quanto aos remédios de que precisamos, deparamos a mesma diversidade de

opiniões e até há estadistas que dizem que tudo se deve esperar do tempo, e que não

precisamos de reforma alguma.

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5 – Assim, qualquer revolução tentada no estado atual dos espír i tos não teria

probabi l idade alguma de ser recebida pela maioria da nação, porque não há outro

pensamento comum a todos os seus membros senão a crença dos nossos sofr imentos

e do prodigioso atraso em que jazemos. Por outro lado, que necessidade temos hoje

de uma revolução ?

6 – “Uma revolução, diz Sismonde de Sismondi, na sua excelente obra sobre as

consti tuições dos povos l ivres, uma revolução pode ser legít ima, pode ser bem

sucedida, pode ser gloriosa; mas aqueles que encetam se devem lembrar que se

at iram a si próprios, e, consigo, a todos os seus concidadãos numa horrível

calamidade, numa calamidade certa; se devem lembrar que a l iberdade, a união e o

bom governo os abandona, e por largo tempo; que sacri f icam o presente ao futuro, e

que os frutos que esperam colher desse futuro não passam de possibi l idades, cujo

cálculo faz estremecer”.

7 – Part i lhamos completamente a opinião do dist into escri tor a quem devemos estas

l inhas; consideramos as revoluções como remédios extremos que devem ser

empregados quando já não há salvação possível pelos meios pacíf icos. E ainda

quando toda a nação fosse unânime em querer certas e determinadas reformas; e

estas reformas fossem as próprias de que precisamos hoje, nem por isso

reputaríamos uma revolução indispensável.

8 – Com efeito, qual seria o f im desta revolução? – a mudança da forma de governo,

à imitação do que acabam de fazer os franceses, os napol i tanos e outros povos da

Europa? Não vemos razão alguma para seguirmos o exemplo dado por estes povos.

Em Nápoles, em França, em Viena, a nação já havia esgotado todos os meios

pacíf icos para obter as reformas que julgava indispensáveis à sua prosperidade e

encontrava obstáculos invencíveis na vontade do governo que repel ia todo e

qualquer progresso, e tornava a revolução necessária.

9 – Ora, por ventura estaremos nós nas mesmas situações, teremos também um

obstáculo permanente, ou uma vontade sistemática oposta à nossa prosperidade?

Não: a nossa consti tuição é mui l iberal, e admite toda e qualquer modif icação por

meios legais. Verdade é que ela se acha hoje totalmente fals i f icada, mas essa

aberração não foi parte de um monarca que quisesse impor ao país um sistema

anti l iberal; e se atualmente todos os poderes do estado se acham quase absorvidos

no poder executivo, não temos direito algum de criminar por este fato nem a

consti tuição nem o monarca, mas a nós mesmos e a ignorância dos nossos

legisladores.

10 – Por ora, não precisamos de revoluções nem de insurreições; o que nos é mister

é investigar as causas dos nossos sofr imentos e as reformas que nos podem salvar, e

propagarmos pela imprensa e pela palavra a solução deste importante problema.

Quando houvermos preenchido esta tarefa; quando a opinião se achar esclarecida e

se t iver manifestado claramente em favor de certas e determinadas reformas; se

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aparecer algum obstáculo que os meios legais não sejam suficientes para remover

então será oportuno recorrermos à força e apelarmos para a just iça de Deus na arena

das

revoluções.

11– E quais serão, pois, as causas dos nossos sofr imentos? — São múlt iplas, como

as chagas da nossa malfadada pátr ia; como as diversas manifestações da at ividade

humana. Entretanto, todas elas podem ser compreendidas sob uma denominação

genérica: – a fal ta de organização.

12 – Na esfera social ainda impera entre nós o laissez faire, laissez passer. O

trabalho vai sendo depredado desapiedadamente pelo capital por meio da mais

escandalosa usura; o comércio se acha entregue a uma nação estrangeira que o

monopoliza completamente; e o solo, pela maior parte, permanece inculto nas mãos

da aristocracia terr i tor ial . A grande indústr ia, esta ainda está para nascer, e por ora

ainda o país lhe não oferece boas condições; ao passo que a carreira das pequenas

indústr ias se acha completamente obstruida, e os gêneros al imentares dão lugar, a

uma agiotagem escandalosa. Daí resulta, como já temos demonstrado por várias

vezes nas páginas desta revista, que a maior parte da nossa população vive num

estado de dependência que muito se parece com a antiga servidão, tendo como

único incentivo de trabalho o provimento necessário das precisões de cada dia; daí

resulta também que grande número dos nossos patrícios não tem que se empregue

para se manter a si e as suas famíl ia na miséria, at irando-se com furor nas lutas

com o f im de alcançar algum emprego de tenue rendimento; resulta, enfim, que as

indústr ias mais lucrat ivas são a usura e agiotagem.

13 – Nos precedentes números, já apontamos com o devido desenvolvimento

algumas medidas que, no nosso entender, sarariam radicalmente essa lepra de

pauperimo, e desenvolveriam o nosso progresso material ; por isso hoje só delas

trataremos perfuntoriamente.

NOTA

(1) Todas as vezes que o resumo do número de “A Carteira”est iver sem gri fo é

porque não há subtítulo. Quando houver gri fo, é porque, no original, após o t í tulo:

Folhetim: A Carteira, e, às vezes, a data em que o folhet im foi escri to, vem um

resumo do mesmo, fei to pelo próprio autor.

14 – Assim, lembraremos o imposto terr i tor ial e o privi légio exclusivo aos

nacionais do comércio a retalho, que propusemos, com o f im de abrir aos nossos

patrícios pobres as portas do comércio e da agricultura que hoje se acham

inteiramente fechadas para eles; lembraremos a demarcação das terras públ icas, a

f im de l imitar, vender aforar terras nacionais que existem na zona de at ividade do

país; a abertura dos rios, melhoramentos dos portos e construção de estradas que

alarguem esta zona; a conservação das matas para embargar-se a cr iação de desertos

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no interior e o progresso das secas que periodicamente devastam as províncias do

Norte.

15 – Lembraremos a intervenção do poder social no comércio dos gêneros

al imentares de primeira necessidade, por exemplo: far inha, bacalhau, carne seca e

carnes verdes; ou concedendo-se, mediante certas condições, o monopólio destes

gêneros a companhias privi legiadas, como parece conveniente acerca das carnes

verdes, ou pela cr iação de depósitos, em que os donos dos gêneros serão obrigados

a depositá-los, taxando-se o preço todas as semanas, como se prat ica em vários

países da Europa, ou, enfim, por monopól io direto.

16 – Para proteger o trabalho contra o capital , lembraremos o Banco Popular, que

propusemos no nosso derradeiro número; Armazéns Públ icos de depósitos de todos

gêneros, onde serão vendidos mediante diminuta corretagem; Bancos de Depósitos e

Descontos, e enfim a revogação da desastrosa lei do juro convencional e a f ixação

de uma taxa de juros razoável.

17 – Para al iviarmos o povo de pesados e vexatórios impostos, e fazermos que cada

cidadão concorra para as despesas públ icas em proporção dos seus haveres,

lembraremos a substi tuição gradual da maior parte dos impostos indiretos por um

imposto direto e sobretudo pelo imposto progressivo sobre os rendimentos e pelo

imposto sobre as heranças; primeiro dos quais é o que mais corresponde às

exigências da lei , e o segundo é o menos vexatório, porque todos o pagam depois da

morte.

18 – Na esfera polí t ica, os nossos males provêm igualmente, como já dissemos, da

fal ta de organização. Os primeiros legisladores apenas esboçaram o nosso edif ício

polí t ico, e serem alternativamente perseguidores e perseguir e modif icar

sucessivamente as partes superiores, sem repararem que o edif ício pecava pelas

bases, e que lhe fal tavam os al icerces. Com efeito, os al icerces do edif ício polí t ico,

as garantias, não dependem de frases mais ou menos l iberais, inseridas num projeto

de lei ou nas páginas de uma consti tuição, é mister que haja uma força que as faça

respeitar , essa força não existe em paragem alguma do nosso império; não há

manifestação alguma

legal ou i legal que possa ser considerada como o termômetro real da opinião

públ ica. A nossa consti tuição estabelecera as bases de uma organização completa,

mas semelhante organização nunca exist iu senão nas partes superiores da

administração; a ação legal, que o povo deve ter sobre o governo em todo estado

l ivre, nunca foi verdadeiramente regulada, e temos chegado a um ponto tal que essa

ação tornou-se completamente nula, e os cidadãos incapazes dessa resistência

contínua ao governo que é próprio dos estados l ivres, não têm outro recurso senão

al istarem-se nas f i leiras dos part idos polí t icos; e serem alternativamente

perseguidores e perseguidos.

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19 – Todas as inst i tuições esboçadas com o f im de servirem de al icerces à ordem

polí t ica e escudar a nação com uma força que a f izesse servir de lastro à nau do

Estado, e destarte permit isse o embate dos part idos polí t icos, todas estas

inst i tuições, dizemos nós, ou nunca passaram do esboço ou foram imediatamente

nul i f icadas, e a nau do Estado f icou à mercê dos furacões.

20 – Onde existe neste Brasi l , esse poder municipal, condição essencial para

existência de um povo civi l izado; esse poder municipal que permite que o povo

tome parte da direção dos negócios que lhe dizem respeito de mais perto, e aprenda

a conhecer os seus direitos e deveres de cidadão? A respeito deste importante

assunto ouçamos o i lustre autor da obra sobre as consti tuições dos povos l ivres:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

21 – Este poder que a consti tuição deverá colocar ao mesmo nível que o judiciário,

o legislat ivo e o moderador , e que deve ser um complexo deles, não existe entre

nós senão em nome. As municipal idades só servem para apurar as chapas das

facções polí t icas que di laceram o país.

22 — Que é da guarda nacional, este baluarte da ordem social, que entre todos os

povos l ivres, é t ido como condição indispensável de um sistema consti tucional? —

Também não existe; pois não podemos chamar guarda nacional a essas companhias

de mil ícias ou ordenanças que, sob o nome da guarda nacional, nem sequer podem

nomear os seus of iciais, e só servem de instrumento às facções ou ao governo.

23 — Que é do júr i? Esta inst i tuição tão nobre há sido truncada desde o começo. O

júri em matéria civi l , decretado pelo art igo 151 da consti tuição nunca foi posto em

prát ica; e o cr iminal há sido tão falsi f icado, que de antemão se sabe do resultado

das decisões, e só serve para instrumento de impunidade e de vingança. Entretanto

em outra parte do nosso continente, a inst i tuição do júr i f lorece, e mereceu as

l inhas seguintes de M. Tocquevi l le:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

24 – Outra inst i tuição, a polícia que em todas as paragens do mundo pertence às

municipal idades, e poderosamente concorre a elevar o caráter do cidadão aos seus

próprios olhos, entre nós, essa inst i tuição há sido atr ibuída à autoridade central,

tornando-se destarte poderoso instrumento das facções.

25 – Assim, organização municipal, guarda nacional e júr i , estas três bases das

garantias de toda a espécie, estes al icerces do edif ício polí t ico, não existem entre

nós, ou se acham totalmente falsi f icadas; donde resulta necessariamente que todas

as outras inst i tuições são também falsi f icadas.

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A independência do poder judiciário já não passa de uma f icção; o poder legislat ivo

quase que não existe, e vivemos à mercê de um despotismo qualquer: o do monarca

ou das facções.

26 – Do que acabamos de expor vê-se claramente o remédio. Consiste o remédio em

tomarmos o nosso edif ício polí t ico pela base, e ampararmo-lo com possantes

al icerces. Primeiramente devemos organizar as municipal idades com extensas

atr ibuições, proporcionando-lhes os meios pecuniários para que elas possam exercer

essas atr ibuições, sendo a primeira de todas a polícia dos respectivos municípios;

reorganizar a guarda nacional, restaurando a eleição para os postos, e combinando

esta

eleição com a vital iciedade de maneira a dar-lhe a estabi l idade compatível com as

nossas circunstâncias; organizar o júr i , tanto no crime como no cível, segundo as

prescrições da consti tuição

27 – Isto fei to, haverá na nação uma força real, – da opinião públ ica, mui superior a

que as facções possam apresentar, e então as prescrições das leis poderão ser

executadas; então será oportuno reformar a nossa organização mil i tar, diminuir o

efet ivo do exército cr iando-se batalhões de voluntários, suprimindo-se o

recrutamento, os cast igos corporais e as atuais sinecuras, e dando-se garantias de

acesso e reforma àqueles que derramaram o sangue pela segurança e prosperidade

da pátr ia.

28 – Então será oportuno organizar a instrução pública; reformar nossa viciosa

organização administrat iva e organizar o país realmente, o que hoje é impossível

por fal ta de bases f ixas e força permanente que assegure a estabi l idade das leis e a

sua execução. Antes disto, todas as reformas não passarão de pal iat ivos

insignif icantes que apenas suprimirão certos inconvenientes, para criarem outros

talvez piores.

Recife, 20 de junho de 1848. (sem assinatura)

O Progresso, p 855-866.

Anexo 24

Folhetins: A CARTEIRA (1)

1 – 24/09/1855: nº 220 – Anúncio do início do folhet im. Final idades: cr i t icar

construindo. Deixar a fantasia correr.

2 – 01/10/1855: nº 226 – Uma noite contrariada: Dois jovens que não conseguem

passear, como queriam; à espera da madrugada, para o passeio, conversam sobre

autores de l i teratura.

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3 – 03/08/1855: nº 232 – A peste. As recomendações médicas. O lazareto. Cenas de

caridade (ceia para cem pobres), no Convento de S. Francisco.

4 – 15/10/1855: nº 238 – Ridicularização das eleições: “Eleição, fonte inesgotável

de bens, por tua causa os chefes das repart ições suspendem os r igores da lei , o

magistrado despacha os fei tos que há longos anos dormiam na conclusão...”. Peste,

Asi lo para pobres.

5 – 22/10/1855: nº 244 – O caso de navio aprisionado, por transportar escravos.

Elogios à Inglaterra. Poesia. Música.

6 – 29/10/ 1855: nº 250 – Sátira ao Juri que perdoa grandes ladrões e pune

pequenos. Estrada de ferro. Queda de Sebastopol.

7 – 05/11/ 1855: nº 255 – Recorda o dois de novembro. Razão e Revelação

concordam sobre a imortal idade da alma. Louva o cemitério comum, porque aí se dá

o congraçamento de todas as famíl ias, em vez de cada uma ir para a sua igreja.

Poesia: “pensamentos sobre os mortos”.

8 – 12/11/1855: nº 261 – Coroação de D. Pedro V de Portugal. Te Deum na igreja

do Corpo Santo, mandado cantar pelos portugueses Descreve a função e a igreja.

Novo jornal, português: “ A Pátr ia”. Desejos de l iberdade e independência para o

jornal. Outros assuntos.

9 – 19/11/1855: nº 267 – A Faculdade de Direito do Recife. Observações sobre o

sistema de exames. Recorda as vinganças e os favorit ismos. O tráf ico de escravos.

10 – 26/11/1855: nº 273 – M.A. Álvares de Azevedo, poeta paul ista. Hospital

português.

11 – 03/12/1855: nº 279 – Ridicularização das eleições, pois incapazes se elegem.

Banquete a bordo de um navio inglês. Teatro. Curso para bacharéis (sát ira).

12 – 10/12/1855: nº 284 – Homeopatia (discussões na França). A peste.

13 – 17/12/1855: nº 290 – O Pauperismo e a mendicidade. Dist inção entre um e

outra Pleiteia-se criação de asi los para pobres verdadeiros.

14 – 24/12/1855: nº 296 – Natal. Descrição do Natal nos vários países.

15 – 31/12/1855: nº 301 – Resenha dos fatos tr istes (guerras) e alegres (progressos

no Brasi l) , no ano que f inda.

16 – 07/01/1856: nº 5 – Progresso materia l e espir itual. Pernambuco ainda fraco

nesse últ imo. Compara Recife com S. Luís do Maranhão. As artes: pintura,

escultura e arquitetura. Brasi leiros insensíveis às mesmas. A música, porém, é

apreciada.

17 – 21/01/1856: nº 17 – Um sonho. A ponte provisória. Passeio públ ico. A

Companhia l ír ica.

18 – 28/01/1856: nº 23 – Projeto para a criação de uma Bibl ioteca Públ ica.

História de um médico francês.

19 – 04/02/1856: nº29 – O Carnaval. O Trovador, estréia da Companhia l ír ica.

20 – 11/02/1856: nº36 – Reparação de uma falta involuntária. A repetição do

Trovador. Terceiro espetáculo l ír ico. O Carnaval de 1856. A epidemia.

21 – 17/02/1856: nº42 – (é um domingo) Os médicos. Os boticários. Os frades. O

administrador do Cemitério. As obras públ icas. A Companhia l ír ica.

22 – 24/02/1856: nº49 (é um domingo) A peste. Descreve os males e os heroísmos.

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23 – 03/03/1856: nº56 – A peste at inge o Recife; antes at ingira outras cidades da

Província. Falta de Irmãs de Caridade. Elogio à dedicação da mulher.

24 – 17/03/1856: nº68 – Versa sobre a revolução de 1817.

25 – 24/03/1856: nº73 – A colonização estrangeira para o Brasi l . Crít ica ao método

usado.

26 – 31/03/1856: nº78 – Pernambuco e as revoluções nacional istas:tabocas,

guararapes, 1817, Confederação do equador , exigência de uma consti tuição

democrát ica.

27 – 07/04/1856: nº84 – Crít ica à obra de um francês Carlos Reybaud. Asobras de

Ozanam, sábio e santo.

28 – 14/04/1856: nº90 – Industr ial ismo, individual ismo,

concorrência,protecionismo.

29 – 21/04/1856: nº96 – Ainda sobre o l ivro “Brasi l” de Carlos Reybaud.

30 – 28/04/1856: nº 102 – A imprensa: importância, l iberdade, censura.

31 – 05/05/1856: nº 107 – Curso famil iar de l i teratura, por Lamart ine.“O

Passarinho”, obra de Michelet. “Ensaio sobre a Providência”, de Eugênio Bersat.

32 – 12/05/1856: nº 113 – Progresso material de Pernambuco. Necessidade do

progresso cultural. Arte do Renascimento. A arte gótica.

33 – 19/05/1856: nº 119 – Fim da guerra da Criméia. Nascimento do f ilho de

Napoleão II I.

34 – 26/05/1856: nº 124 – Telégrafo elétr ico. Descrição do funcionamento do

mesmo.

35 – 02/06/1856: nº 130 – O l ivro das”Contemplações’ ’ de Victor Hugo. A

i luminação do Recife a gás ou com carvão de pedra? Os prós e os contras.

36 – 09/06/1856: nº 136 – Os grandes cient istas do século XVIII.

37 – 16/06/1856: nº 142 – Adeus ao barão da Boa Vista. Confiança da Inglaterra no

Brasi l , do ponto de vista econômico. Século XIX, século das ciências prát icas.

Meios para apagar incêndios.

38 – 23/06/1856: nº 148 – Arte em geral. Valor de todas. A música. O Crist ianismo

e as artes. Teatro Santa Isabel.

39 – 30/06/1856: nº 153 – Melhoramento do Porto do Recife.

40 – 07/07/1856: nº 159 – Eventos europeus. Morte de Augustin Thierry.

Processo para fazer fotograf ia. Novo caminho de Ferro. Capital estrangeiro.

41 – 14/07/1856: nº 165 – Ficção: diálogo entre Alfredo e Adolfo dá motivo para

cri t icar os métodos imorais em polí t ica. Apela-se para a obra de Sismonde de

Sismondi: “Consti tuição dos Povos l ivres”.

42 – 21/07/1856: nº 171 – Continuação do diálogo anterior Pretexto para falar de

polí t ica e ler algo do l ivro de Lamennais: “Livro do Povo”.

43 – 28/07/1856: n.” 177 – O Estereoscópio.

44 – 04/08/1856: nº183 – O l ivro de Edgar Quinet: “Curso sobre as l iteraturas

meridionais”. Apresentação sem crít ica.

45 – 11/08/1856: nº189 – Ainda a obra de Quinet, agora sob o ponto de vista da

arte em geral.

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46 – 18/08/1856: nº 194 – Aniversário do Ateneo Pernambucano. Os gregos e suas

artes. Quinto aniversário do “Gabinete português de lei tura”. Arqueologia (peça

encontrada em Pernambuco com inscrição em holandês).

47 – 25/08/1856: nº 200 – O arsenal de Marínha. Internato do Ginásio.

Mulheres na vida públ ica, graças à intel igencia do Barão da Boa Vista.

48 – 01/09/1856: nº 206 – Comentário sobre bai le: os costumes vão se aprimorando.

Lei elei toral por distr i to: evitar o bairr ismo. A inst i tuição: Cidade: o que deve ser.

49 – 09/09/1856: nº 212 (é uma terça-feira). Ainda sobre a cidade. Mostra como os

modernos, salvando o que de belo houve na Idade Média, procuraram acabar com a

mesquinhez da cidade medieval.

50 – 15/09/1856: nº 217 – Relação entre a cultura de um povo e as suas cidades.

51 – 22/09/1856: nº 223 – Apl ica às nossas cidades o que se disse nos números

anteriores: cidades maltraçadas, nomes r idículos de ruas, etc. Lamart ine e seu

“Curso de Literatura”, publ icado em jornais.

52 – 29/09/1856: nº 229 – Escri to dia 28, comemora o primeiro aniversário de “ A

Carteira”; f inal idade da mesma.

53 – 06.10.1856: nº 235 – Telégrafo elétr ico entre Rio e Recife. Usina central de

açúcar.

54 – 13/10/1856: nº 241 – A cavalaria e a mulher. A mulher na Idade Média. Faz

votos que a mulher volte à posição que teve.

55 – 20/10/1856: nº 247 – Chateaubriand e o dinheiro. Empresa de pesca para

Pernambuco e Rio Grande do Norte.

56 – 27/10/1856: nº 253 – Na vida é preciso seguir não l inhas retas, mas curvas.

57 – 03/11/1856: nº 259 – A respeito de concursos e bolsas real izados em França,

para mandar moços à Itál ia, Figueiredo af irma que o mesmo se deveria fazer no

Brasi l . O “ Patent sl ide” ou estaleiro patente.

58 – 10/11/1856: nº 265 – Culto universal dos mortos. Crença na imortal idade. A

antiga revista “O Progresso“. Poesia.

59 – 17/11/1856: nº 271 – A escolha de um estado de vida. A lenda de Hércules

entre a Fel icidade e a Virtude.

60 – 24/11/1856: nº 277 – Lenda popular sobre a origem da fundação do convento

do Carmo em Olinda, e da Igreja e convento de Santa Teresa no lugar denominado

Pisa.

61 – 01/12/1856: nº 283 – O que é o folhet im. Pobreza da cultura de Pernambuco.

Elogio a São Luís do Maranhão. Luxo das senhoras e moças do Recife, no traje.

Estrada de ferro.

62 – 09/12/1856: nº 289 – (é terça-feira). O século XIX é o século do estudo das

artes. A história dos art istas, seguindo Gustavo Planche.

63 – 15/12/1856: nº 294 – Reprodução de duas poesias: “Manga do Jasmim” e

“Galo da Serra”, ambas de Soares de Azevedo.

64 – 22/12/1856: nº 300 – Pic Nick em Itamaracá.

65 – 05/01/1857: nº 3 – Natal na Inglaterra, segundo uma testemunha ocular.

66 – 12/01/1857: nº 8 – Hospício, signif icado. Os irmãos hospitaleiros

da ordem de São João de Jerusalém. Em Recife a casa passou dos irmãos para o

Exército, que destinou parte para enfermaria do Exército

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67 – 19/01/1857: nº 14 – História dos Const i tuintes por A. Lamart ine.

68 – 26/01/1857: nº 20 – Ainda a história dos Consti tuintes por A. Lamart ine.

69 – 03/02/1857: nº 26 – (é terça-feira). Breve notícia acerca da fundação dos

conventos e igrejas respectivas que existem no bispado de Pernambuco.

70 – 09/02/1857: nº 31 – Início do ano let ivo no Ginásio Provincial.

Educação Física.

71 – 16/02/1857: nº 37 – Lembrança para a criação de uma Companhia de Ti lbury

nesta cidade.

72 – 23/02/1857: nº 43 – O teatro. O Sr: João Caetano. A companhia dramática.

Aniversário da batalha dos Guararapes.

73 – 03/03/1857: nº 50 – (é terça-feira). A repetição do Otelo. O carnaval de 1857.

74 – 09/03/1857: nº 55 – Mariana ou a Vivandeira. A Gargalhada. Algumas

palavras sobre o relatório com que S. Exc. abriu a assembléia provincial.

75 – 16/03/1857: nº 61 – Sorte do folhet inista. A gargalhada e outras coisas.

Colégio das órfãs. Campanha monetária para o asi lo. A próxima chegada de duas

irmãs de Caridade. O Folhetim tem de ser leve e não pesado. Duas poesias.

76 – 23/03/1857: nº 67 – O Colégio das órfas. A repetição da Vivandeira. A nova

Castro.

77 – 30/03/1857: nº 72 – Lembrança para a criação de uma Sociedade Fi larmônica

nesta cidade. (Repete parte de A Carteira do dia 7 de janeiro de 1856).

78 – 06/04/1857: nº 78 – Valorização das ciências. Cheias e secas de Pernambuco,

por causa do corte das f lorestas nas cabeceiras do Capibaribe.

79 – 13/04/1857: nº 83 – Civi l ização moderna e crist ianismo. Semana Santa em

Roma, segundo um viajante i lustre.

80 – 20/04/1857: nº 89 – Tatayra, Alfredo e contos populares por M. P. de Morais

Pinheiro. Planihistória do lmperio do Brasi l , reino de Portugal e famíl ias reinantes

nestes países, pelo tenente-coronel de engenheiros José Joaquim Rodrigues Lopes.

81 – 27/04/1857: nº 95 – O cometa de 13 de junho.

82 – 04/05/1857: nº 101 – Museu de ciências naturais do Ginásio, fundado pelo

professor L. J. Brunet. Ainda o cometa de 1857.

83 – 11/05/1857: nº 107– Gabinete de pintura dos Srs. Arsênio e E. Gadault .

84 – 18/05/1857: nº 113 – O americano Hume. Novo Possesso ou Feit içaria.

85 – 25/ 05/1857: nº 118 – Inauguração do Hospital de Caridade. A Igreja e a

caridade. As irmãs de Caridade.

86 – 01/06/1857: nº 124 – Bicho da seda do Carrapateiro. Criação do bicho da

seda e da conchini la.

87 – 08/06/1857: nº 130 – Proposta do Prof. Brunet para se criar camelos.

88 – 15/06/1857: nº 135 – Ridicularização da profecia do Cônego de Liège sobre o

f im do mundo.

89 – 22/06/1857: nº 141 – Olinda. Vasos achados no engenho Camaleão. Oração no

hospital de caridade.

90 – 30/06/1857: nº 146 – (é terça-feira) Educação. Fragmento de um poema

inédito e original.

91 – 06/07/1857: nº 151 – O dia 4 de julho de 1776.

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92 – 13/07/1857: nº 157 – Embaraços do folhet inista. J. Janin. Alph. Kar. O

sentimento poético do nosso tempo. Poesia de Menezes Dória. Scapini. Esforços da

Companhia Dramática. Cenas de sonambulismo por uma dama da alta sociedade

francesa. A música entre os antigos gregos.

93 – 20/ 07/1857: nº 163 – Os primeiros habitadores do Brasi l .

94 – 27/07/1857: nº 169 – O aniversário de S. Vicente de Paulo, celebrado pela

primeira vez na capela do hospital de caridade no dia 19 do corrente .

95 – 03/08/1857: nº 175 – A navegação aérea. A companhia dramática nacional. A

companhia dramática francesa.

96 – 10/08/1857: nº 181 – A colonização afr icana promovida pela França para

Guadaloupe e Mart inica. Opinião de Mr Labouchere acerca da emigração para a

Guiana inglesa. Pensamento de Lord Claredon sobre a exportação

francesa de afr icanos. Camões e a Gargalhada dados no Santa Isabel. Companhia

francesa. Cenas de sonambulismo no Apol lo.

97 – 17/08/1857: nº 186 – As armas e as letras. A heráldica ant iga e a moderna

Brasi leiros i lustres em ciências e artes. A navegação aérea. O padre Bartolomeu

Lourenco de Gusmão. A palavra: impossível : dentro de um século será obsoleta em

todas as l ínguas cultas.

98 – 24/08/1857: nº 192 – O homem pode voar. Ainda o Pe. Bartolomeu de Gusmão

e o seu aeróstato. Considerações gerais sobre a navegação aérea. Os irmãos

Montgolf iers e o seu balão. O carro aéreo de lord Carl ingford. Outra invenção do

Pe. Bartolomeu. A biograf ia universal de Michaud. O futuro do Brasi l . Conclusão.

99 – 31/08/1857: nº 198 – Os art istas dramáticos desde os gregos até os nossos

dias.

100 – 07/09/1857: nº 204 – O dia 7 de setembro de 1822.

101 – 14/09/1857: nº 209 – A feit içaria (anál ise do l ivro de Michelet sobre a

fei t içaria na Idade Média e no século XVIII) .

102 – 21/09/1857: nº 215 – Ainda a fei t içaria. Feit içarias pernambucanas (ou seja

a beleza da mulher pernambucana).

103 – 28/09/1857: nº 221 – A cidade do Recife.

104 – 05/10/1857: nº 227 – O Bairro do Recife.

105 – 12/10/1857: nº 233 – A freguezia ou bairro de Santo Antônio.

106 – 19/10/1857: nº 239 – Observacões sobre o Folhetim precedente. Algumas

palavras acerca da Companhia pernambucana.

107 – 26/10/1857: nº 245 – O bairro da Boa Vista e algumas palavras sobre a

organização de um correio predial, nesta cidade.

108 – 02/11/1857: nº 251– Algumas considerações sobre a correspondência

cientí f ica de Paris, escri ta pelo nosso i lustrado colaborador o Sr. G... M...

publ icada no Diário de 23 passado, e um modelo de contrato entre um proprietário

de engenho e colonos índios, na I lha Maurícia.

109 – 09/11/1857: nº 257 — A freguezia de S. José e algumas palavras acerca da

f igura que vem em bar leo (sic), tendo um espelho na mão esquerda.

110 – 16/11/1857: nº 263 – Serafina: uma fantasia l i terária.

111 – 23/11/1857: nº 269 – Casa de banhos no pátio do Carmo. Projeto de um

passeio públ ico no bairro da Boa Vista.

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112 – 30/11/1857: nº 275 – Kean, ou o gênio e a desordem. A festa de Santa

Cecíl ia. Um fragmento para a história de Pernambuco.

113 – 07/12/1857: nº 281– O dia 2 de dezembro. Teatro de Apolo. Teatro de Santa

lsabel. O porto de Tamandaré. Algumas palavras sobre Hipól i to Gadault .

114 – 14/12/1857: nº 286 – Caminho de Ferro.

115 – 21/12/1857: nº 292 – Do pauperismo e das inst i tuições de caridade.

116 – 28/12/1857: nº 297 – Ainda o pauperismo e as inst i tuições de caridade.

117 – 04/01/1858: nº 2 – Juízo crí t ico sobre Branca Dias de Apipucos, drama

fundaldo numa lenda pátr ia do século XVll l , por uma pernambucana.

118 – 11/01/1858: nº 7 – Algumas palavras sobre o teatro português comparado

com o teatro i tal iano.

119 – 18/01/1858: nº 15 – Algumas palavras sobre Dante e seus últ imos

comentadores.

120 – 25/01/1858: nº 19 – O futuro dos nossos art istas mecânicos. A companhia de

aprendizes menores de arsenal de marinha.

121 – 01/02/1858: nº 25 – O Colégio de N. S. do Bom Conselho, fundado na

povoação de Papacaça, no ano de 1853, pelo Revmo. prefeito da Penha, frei

Caetano de Messina, Capuchinho sici l iano.

122 – 02/02/1858: nº 30 – Apontamentos acerca de alguns melhoramentos, cuja

real ização julgamos út i l e necessária para esta cidade.

123 – 15/02/1858: nº 36 – Amor em tudo. Poesia inédita pelo Sr Dr. Antônio

Rangel de Torres Bandeira, dedicada ao Sr. Conselheiro Antônio Fel iciano de

Casti lho.

124 – 22/02/1858: nº 42 – A agiotagem (repete parte de “A Carteira” de

10/08/1857).

125 – 08/03/1858: nº 54 – A abertura do teatro de Santa Isabel no dia 27 do mês

passado. Primeira representação da Louca, ou o Castelo das sete Torres

Espetáculo do dia 3. Quem tudo quer tudo perde, e a Capa de José. Estréia dos

cantores i tal ianos.

126 – 15/03/1858: nº 60 – O jovem pianista Arthur Napoleão. Algumas palavras

sobre o espetáculo l ír ico da noite de 11 do corrente.

127 – 22/03/1858: nº 66 – Aos poetas.

128 – 29/03/1858: nº 71– Os costumes contemporâneos no teatro. A queda de

Rosas. (peça teatral).

129 – 05/04/1858: nº 76 – A regeneração das raças cavalares do império, pelo Dr.

F. L. C. Burlamaque.

130 – 12/04/1858: nº 82 – Aclimatação do dromadário nos sertões do norte do

Brasi l , e a cultura da tareira, com tradução do relatório do Mr. Dareste

apresentado à sociedade zoológica de acl imatação de Paris, sobre o mesmo

assunto, pelo Dr. F. L. C. Burlamaque.

131 – 19/04/1858: nº 88 – Caminho de ferro portát i l agrícola. Duas experiências

fei tas no porto desta cidade por meio de um aparelho mergulhador, ul t imamente

chegado da Europa para o arsenal de marinha. Algumas palavras sobre o

últ imo espetáculo l ír ico dramático.

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132 – 26/04/1858: nº 94 – Reflexões sobre um art igo que se lê no “Moniteur

Universel” de Paris, sob o t í tulo Catacumbas no Brasi l . Carta de Lamart ine escri ta

a alguns jornais l i terários que o acusaram de ter roubado ao conde Forbin o seu

episódio de Grasiela. A graça de Deus. (teatro).

133 – 03/05/1858: nº 100 – Biograf ia de alguns poetas e homens i lustres da

província de Pernambuco, pelo comendador Antônio Joaquim de Mello.

134 – 10/05/1858: nº 106 – Uma excursão cientí f ica no interior desta província

pelo Sr. L. J. Brunet.

135 – 17/05/1858: nº 111 – Um rápido lanço de olhos sobre o continente

americano.

Organização de uma companhia destinada a cobrir o globo com f ios elétr icos.

Higiene Públ ica.

136 – 24/05/1858: nº 117 – Contos negros e brancos.

137 – 31/05/1858: nº 123 – Ainda outra obra l i terária fei ta em França sobre o

Brasi l .

138 – 07/06/1858: nº 128 – Uma nova profecia, sobre o f im do mundo, causado pela

ciência, por Eugênio Huzar.

139 – 14/06/1858: nº 134 – As tendências do século em polí t ica. A história da

moda.

140 – 21/06/1858: nº 140 – Dedicação do amor conjugal.

141 – 28/06/1858: nº 145 – Um baleeiro convert ido em baleia. (lenda).

142 – 05/07/1858: nº 150 – Os nossos restaurantes, hotéis e cafés. O bai le dado no

dia 2 de Julho no salão do Santa Isabel.

143 – 12/07/1858: nº 156 – Algumas palavras sobre o projeto de um colégio para

meninas, dir igido por irmãs de caridade nesta cidade. Pequena biograf ia sobre

uma destas f i lhas adot ivas de S. Vicente de Paulo, chamada Rosár ia.

144 – 19/07/1858: nº 162 – Telegraf ia elétr ica.

145 – 02/08/1858: nº 174 – Uma vingança de nova espécie motivada por uma

mulher.

146 – 09/08/1858: nº 180 – Origem dos teatros.

147 – 16/08/1858: nº 186 – O passado e o presente. O túnel submarino entre a

França e a Inglaterra.

148 – 23/08/1858: nº 192 – Te Deum landamus. Estréia da Companhia l ír ica, os

puri tanos. Aniversário da fundação do Gabinete Português de Leitura. Festa na

Capela do Ginásio.

149 – 30/08/1858: nº 198 – O teatro. Biograf ia de Vicente Bel l ini .

150 – 06/ 09/1858: nº 204 – A Companhia i tal iana. O Sr. Tranconi. Estréia das

dançarinas. Conclusão da biograf ia de Bel l ini .

151 – 13/09/1858: nº 209 – Revista Musical: representacão da ópera de Torquato

Tasso ; estréia da Sra. Patrese e do Sr. Torricel l i.

152 – 20/09/1858: nº 215 – Primeira representação de Lucrécia Borja, ópera em 3

atos de Donizett i . Resposta de Lamart ine a um art igo publ icado contra ele em

revista inglesa.

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153 – 27/09/1858: nº 221– Uma decepção. A Companhia l ír ica. Repetição da

Lucrécia. Reflexões de uma senhora, sobre a existência de uma verdadeira mulher

na época atual.

154 – 11/10/1858: nº 233 – Colocação do f io elétr ico entre Estados Unidos e

Inglaterra.

155 – 18/10/1858: nº 239 – O teatro. Primeira representação da Traviata. História

curiosa acerca de Luís Napoleão, extraída do Grahm’s Magazine.

156 – 25/10/1858: n.º 245 – A Natureza e a Sociedade relat iva à igualdade. A luz

da vida.

157 – 02/11/1858: nº 251 – (é uma terça-fei ra). Um Cavaco. Rel ig ião nova.

Cálculo muito notável. Uma mulher santa e um marido demônio. Uma pianista

como há muitas. O que é a paciência de um inglês. Biograf ia de Morse.

158 – 08/11/1858: nº 256 – O primeiro dever da mulher. Maneira de evitar um mau

marido. Modo de achar uma boa mulher. Os dois avarentos. Haverá habitantes na

lua? Música telegráf ica. Um prest idigi tador célebre. Os domadores de cavalo ou

wispere. Manias extravagantes. A irmã de caridade no século XIX.

159 – 15/11/1858: nº 262 – As óperas l ír icas no teatro Sta. Isabel. Verdi e o seu

Trovatore. Um mágico estupendo. Aviso interessante para os corcovados

Escravos pretos. Bons princípios e maus fíns. Exemplo galante. Origem dos

Marechais de Campo.

NB: De 22/11/1858 até 25/07/1859 Antônio Rangel Torres Bandeira escreveu 31

folhet ins, com o mesmo nome, e o mesmo pseudônimo, substi tuindo Antônio Pedro

de Figueiredo, enfermo. No dia 16/08/1859 (terça-feira) Antônio Pedro de

Figueiredo escreve o últ imo art igo.

No dia 22/08/59, já morto o Figueiredo, Torres Bandeira pela últ ima vez assina

Abdalah-el-Krat i f .

160 – 16/08/1859: nº 185 – (é terça feira). Fala de seus sofr imentos, suas

esperanças. Agradece ao Dr. Antônio Rangel Torres Bandeira.

Anexo 25

6 de março de 1817

1 – Fez 39 anos no dia 6 do mês em que estamos, que nesta c idade soou, pela

primeira vez, o gri to profét ico de l iberdade e emancipação polí t ica, entre as

aclamações e as esperanças de um povo generoso.

2 – Herdeiros agradecidos dos bens que nos legaste com toda a veneração e mais

terno amor f i l ial , nós te saudamos, dia 6 de março, aniversário da nossa gloriosa

revolução de 1817.

3 – E vós, sombras augustas que passastes rápidas neste mundo, vós que agora

viveis tranqüi las no seio da divindade, e que, a custa do sacri f ício imaculado da

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vossa existência, nos destes a l iberdade de que gozamos, recebei na celeste morada,

onde habitais, a sincera homenagem da nossa mais pura grat idão.

4 – Ainda não at ingimos o degrau supremo na escala ascensional do progresso, mas

já temos caminhado muito. O nosso futuro causa inveja às nações do velho mundo.

Em 39 anos temos real izado melhoramentos, que povo algum nunca conseguiu

dentro de tão curto espaço de tempo; e temos para nós que um membro da geração

do princípio deste século, que comparasse o nosso estado atual com o que éramos

em 1817, de certo f icaria surpreendido e deslumbrado à vista da soma de

civi l ização que temos acumulado.

5 – O que éramos nós naquela época? — Nada; E que idéia fazia de nós o

estrangeiro civi l izado? De selvagens quase indomáveis. Mas este estado de

degradação moral em que nos achávamos não podia durar. A just iça divina mais

cedo ou mais tarde havia de lançar as suas vistas compassivas sobre esta terra, que

parece destinada pela Providência a representar um papel importante no congresso

das nações. Tudo parecia favorecer a nossa ascensão à categoria de povo l ivre. Os

nosso dominadores eram os próprios que indiretamente apressavam a obra da nossa

redenção polí t ica e social. A metrópole pouco ou nada favorecia o desenvolvimento

das ambições legít imas dos brasi leiros. A cultura da intel igência e o gozo das

outras conquistas da civi l ização nos eram vedados de fato; e a proibição fatal do

ingresso de estrangeiro nos portos da terra da Santa Cruz, ainda mais funesta

tornava a nossa sorte.

6 – Curvados sob o jugo colonial, olhávamos inut i lmente para este imenso terr i tór io

em que Deus nos f izera nascer, e contemplávamos com dor amarga esta vasta

extensão de praias, banhadas por um mar sempre benigno e semeadas de baias e

portos magníf icos e, onde a natureza só deixara ao homem um insignif icante

trabalho a executar. (Omit idas poucas l inhas que exaltam a grandeza geográfica do

Brasi l) .

7 – Grande parte dos frutos do trabalho nacional, ia manter, do outro lado do

Atlânt ico, o luxo da metrópole; e o desenvolvimento do país se achava paral isado

por fal ta de capitais, por vias de comunicação, e de homens versados nas artes e

ciências.

8 – Vivíamos privados de todas as vantagens inerentes à civi l ização, sem inf luência

alguma sobre os nossos destinos, e a maior parte da nossa população ainda se

achava no estado selvagem, e o resto mergulhado nas trevas da ignorância, e

entregues ao costume das eras bárbaras.

9 – Semelhante estado de cousas não podia durar por muito tempo, t inha uma

existência efêmera, transitór ia; por outro lado o progresso das nações é uma lei

fatal, necessária, divina, e não pode deixar de real izar-se um dia. Os homens são

instrumentos cegos de que a Providência se serve para a real ização dos seus planos

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imortais e a grande transformação porque tínhamos de passar, vem, de mui longe;

vem do grande movimento revolucionário que teve lugar em França em 1789; mas a

semelhança deste imenso sucesso, ela teve uma causa mais remota.

10 – Com efeito, as chamas da fogueira que reduziu a cinzas o corpo de João Huss

em 1414 não se apagaram na pequena cidade de Constância, nem extinguiram as

suas generosas aspirações, i luminaram o mundo, e a sua claridade misteriosa se

estendeu sobre todas as regiões.

11 – As míst icas controvérsias do inglês Wiclef, e os próprios esforços

contraditórios e incompletos do profeta de Wittemberg, em favor da emancipação

do pensamento, também concorreram para a conquista da l iberdade de que gozaram

alguns povos modernos.

12 – Mas o que é certo é que Lutero na Reforma só compreendeu um lado da

questão: combateu os privi légios que a Igreja t inha sob a consciência do homem,

mas respeitou as usurpações polí t icas prat icadas pela autoridade temporal. Ao passo

que desobedecia ao pontíf ice Leão X e cobria de opróbrio a Henrique VIII por se

ingerir em matérias de consciências, mandava acatar em polí t ica a todos os

soberanos da terra.

13 – Henrique VIII pretendeu refutar a obra de Lutero, que tem por t í tulo – O

Cativeiro de Babi lônia, e quando este trabalho chegou às mãos do promotor da

Reforma, ele trovejou contra o arrojo do Tudor, e prorrompeu nestes termos:

“Mentes, rei estúpido e sacrí lego, com rosto impudente dás às infal íveis palavras de

Deus um sentido diferente do que elas têm”.

14 – Os anabatistas Stork e Munzer , chefes da revolução dos niveladores, –

daqueles que pretendiam abol ir todos os privi légios, de qualquer gênero que fosse;

todos os fatos, todos os acontecimentos, que t iveram lugar no século XVI, neste

século fecundo em toda a casta de revoluções, – tudo isto contr ibuiu, de uma

maneira mais ou menos direta para a fase da regeneração social, em que nos

achamos.

15 – O decálogo polí t ico, traçado por Thomaz Pay, no meio das f lorestas virgens da

Luisiana posto que incompleto, porque não compreendeu os fenômenos sociais da

vida do povo norte americano, também não deixou de inf luir no ato de nossa

consti tuição nacional.

16 – Porém o que mais posit ivamente determinou a revolução, cujo aniversário teve

lugar no dia 6 do corrente foi o imenso e universal abalo que imprimiram na

sociedade Francesa, Rousseau, Voltaire, a Enciclopédia e toda a plêiade i lustre dos

f i lósofos do século XVIII, foi a revolução f rancesa de 1789.

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17 – Com efeito, a França, este cérebro e coração das nações modernas, não agitava

então os seus interesses, nem os interesses de um povo, agitava os interesses de

toda a humanidade. As aspirações dos operários da revolução Francesa eram

divinas, e lavando-se o sangue que manchava as suas teorias, f icava a verdade

imortal, que um dia há de dar frutos que encerra em seu seio.

18 – Se há no mundo um fenômeno que prove de uma maneira mais evidente e

luminosa a unidade e identidade do espír i to em toda a famíl ia humana, é

incontestavelmente a adoção de certas idéias.

19 – Assim, em virtude deste laço impalpável, misterioso que l iga todos os homens

entre si pelas aspirações, pelos desejos, pelos sentimentos, os brasi leiros não

podiam tardar muito em sentir as vibrações elétr icas do movimento polí t ico que em

1789 abalara a sociedade francesa.

20 – Mas ainda era preciso um fato , uma circunstância, que servisse de causa

ocasional ao desabrochamento do gérmen lançado no meio da sociedade brasi leira;

e este fato, e estas circunstâncias apareceram com a mudança da corte portuguesa

para o Brasi l .

21 – Então, desmoronaram-se as barreiras que vedavam aos estrangeiros o ingresso

nos nossos portos; com as mercadorias transatlânt icas, recebíamos também algumas

idéias de civi l ização que ainda mais apressavam as peripécias do drama que se t inha

de representar.

22 – Os conhecimentos que então possuíamos eram mui raros, e estes mesmos pouco

profundos; e não tínhamos nenhum dos veículos necessários, que hoje tanto

abundam entre nós, para propagar os trabalhos de intel igência, nem os inventos

úteis das artes e ciências, pois que a imprensa já descoberta havia quase 3 séculos,

era desconhecida entre nós, especialmente na província de Pernambuco.

23 – Entretanto, sempre havia alguns indivíduos, que mais favorecidos dos meios da

fortuna, t inham i lustrado de alguma sorte o seu espír i to no seminário episcopal de

Olinda, fundado pelo bispo D. José Joaquim de Azeredo Coutinho, e que era então o

único foco que esparzia as suas luzes, posto que frouxas, sobre toda a capitania de

Pernambuco.

24 – As r ival idades e os ciúmes, entre brasi leiros e portugueses, foram tomando

largas proporções, e no dia 6 de março de 1817, a efusão de sangue de dois povos

irmãos, l igados por muitos laços diversos, que falavam a mesma língua e t inham os

mesmos costumes, precipitou o desenlace do drama; e no dia 7 do mesmo mês, pela

manhã, o povo da cidade do Recife, despertado pelo rufo dos tambores, ouvia ler o

seguinte bando, primeiro ato do governo provisório, cr iado pelos patr iotas:

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25 – “Nós abaixo assinados, presentes para votarmos na nomeação de um governo

provisório para cuidar da causa da pátr ia, declaramos à face de Deus que temos

votado e nomeado os cinco patr iotas seguintes: da parte do eclesiást ico o patr iota

João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro; da parte mil i tar o patr iota capitão

Domingos Theotônio Jorge Mart ins Pessoa; da magistratura o patr iota José Luís de

Mendonça; da parte da agricultura o patr iota coronel Manoel Corrêa de Araújo e da

parte do comércio o patr iota Domingos José Mart ins; e ao mesmo tempo todos

f irmamos esta nomeação, e juramos obedecer a este governo em todas as suas

del iberações e ordens. Dada na casa do Erário às 12 horas do dia 7 de março de

1817. E eu Maximiano Francisco Duarte o escrevi. – assinados, Luís Francisco de

Paula Cavalcanti . – José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima. – Joaquim Ramos de

Almeida. – Francisco de Bri to Bezerra Cavalccanti de Albuquerque. – Vaz Salgado.

– Antônio Joaquim Ferreira. – Francisco de Paula Cavalcanti . – Fi l ipe Ferreira. –

Joaquim da Anunciação e Siqueira. – Thomás Ferreira Vi l la Nova. – José Maria de

Vasconcelos. – Francisco de

Paula Cavalcanti Junior. – José Alves de Siqueira. – João de Albuquerque.

– João Marinho Falcão”.

26 – Era o ato de emancipação de um povo, que depois de três séculos de cativeiro

pretendia tomar parte no concerto das nações l ivres; e os sofr imentos, as opressões

e injust iças que sofr ia, atenuam e just i f icam em nossa opinião, os excessos e

delír ios que prat icou na véspera da mani festação de sua vontade soberana. As

individual idades desaparecem, quando se trata de real izar uma verdade

providencial, e as lágr imas derramadas à memória de um homem, e as cabeças que

caem justa ou injustamente, são condições indispensáveis para a aquisição do bem

na vida povos.

27 – Pernambuco parece o centro destinado pela Providência para ser o foco da

civi l ização brasi leira. Sem que haja pretensão da nossa parte, esta província tem

sempre caminhado à frente de suas irmãs. Em todos os movimentos em favor da

l iberdade, e, depois de certa época sob o aspecto das ciências e das artes, quando

não as precede, procura logo colocar-se a par delas; mas o que é certo é que, no

domínio das idéias e das inst i tuições civi l izadoras a primazia lhe pertence

exclusivamente.

28 – Desta tendência, deste amor para com os princípios de l iberdade e, progresso,

resultou que entre todas as províncias do Brasi l Pernambuco fosse o teatro em que

se representou o prólogo do drama da civi l ização moderna, drama inspirado aos

apóstolos dos sofr imentos e dores da humanidade pelos princípios proclamados do

alto do Gólgota.

29 – A f lor da famíl ia pernambucana, que então se estendia até o Ceará, tomou

parte neste movimento, que posto não produzisse todos os frutos premeditados,

todavia lançou as premissas da fel icidade que hoje gozamos.

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30 – A Paraíba, em consequência da comunhão de idéias de seus f i lhos com os de

Pernambuco, foi a primeira que acompanhou o impulso patr iót ico de nossos pais, e

as cabeças de seus mais i lustres f i lhos também rolaram aos pés do carrasco.

31 – A revolução malogrou-se, tanta dedicação, tanta generosidade e patr iot ismo,

quase que se perdeu inut i lmente, e o cadafalso foi o lugar em que os chefes do

primeiro movimento polí t ico do Brasi l exalaram as aspirações ínt imas de suas

almas puras e imortais. Morreram, é verdade, mas nenhum traiu o santo juramento

que prestara à pátr ia agradecida.

32 – E nós, que veneramos as sombras destes márt ires, e que humildemente

tr ibutamos hoje um feudo de grat idão e saudade à sua memória, terminaremos estas

l inhas, copiando aqui o epílogo, com que um historiador moderno, rematou a

história dos fei tos gloriosos de seus antepassados.

33 – Em verdade, uma nação deve chorar os seus mortos, e não consolar-se de uma

só cabeça injusta ou odiosamente sacri f icada; mas não deve lamentar o seu sangue,

quando correu para fazer germinar verdades eternas. Deus permit iu que os seus

designos sobre o homem se manifestassem à custa deste sacr i f ício. As idéias

vegetam com sangue humano As revelações descem dos cadafalsos. Todas as

rel igiões se divinizam pelos seus márt ires. Fi lhos dos combatentes ou das vít imas,

perdoe-mo-nos reciprocamente!

34 – Renconci l iemo-nos sobre os seus túmulos para continuar a sua obra

interrompida! O crime perdeu tudo, intrometendo-se na obra da repúbl ica. Combater

não é immocular (sic). Tiremos o crime da causa do povo como uma arma que lhe

fere a mão e que converteu a l iberdade em despotismo; não procuremos just i f icar o

cadafalso pela pátr ia, nem as proscrições pela l iberdade; não endureçamos a alma

do século pelo sofisma da energia revolucionária; deixemos o coração à

humanidade, é mais seguro e o mais infalível de seus princípios, e resignemo-nos

com a condição das cousas humanas.

35 – A história da revolução é gloriosa e tr iste como o dia seguinte de uma vitór ia,

e como a véspera de outro combate. Mas se esta história é cheia de luto, é cheia

especialmente de fé. Assemelha-se ao drama antigo, em que, ao passo que o

narrador faz a exposição, o coro do povo canta a glória, chora as vít imas e eleva um

hino de consolação e de esperança a Deus! Abdalah-el-Krat i f .

Folhetim: A Carteira, in: Diário de Pernambuco, Recife 17/03/1856.

Anexo 26

Olinda – vasos achados no engenho Camaleão

Oração do Hospital da caridade

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1 – Se o crist ianismo não se apresentasse a nós com todos os caracteres divinos que

o seu divino fundador lhe deu, seríamos obrigados a atr ibuir-lhe uma origem divina,

em razão da perfeita harmonia que ele estabeleceu, entre Deus e o homem; e da

perfeita conveniência que tem com a natureza do homem as relações que formulou

entre estes dois extremos da cadeia dos entes.

2 – Todas as seitas não têm mais que uma porção da verdade; nenhuma compreende

o homem inteiro cada uma t ira-lhe uma faculdade, para engrandecer o domínio de

outra. Uma t ira-lhe o coração e a vontade para dele fazer um ente puramente

intel igente e o homem torna-se então orgulho e egoísmo: é o eu Deus. Outra t i ra-lhe

a intel igência para dele fazer um ente puramente obediente, passivo; e daí nasce o

fanatismo e a ignorância que é a sua consequência.

3 – O crist ianismo faz o homem intel igente e l ivre, deixa-lhe as faculdades que

Deus lhe deu – o espír i to e o coração. Reconhece no homem duas partes dist intas,

formando um todo que é um, e ambas estas duas partes têm direito; posto que, com

tí tulos diversos, e com diferentes condições ao complemento das promessas de

Jesus Cristo.

4 – O homem espír i to e matéria coloca-se em virtude de uma destas faculdades

entre os entes altamente colocados na escala da criação; em virtude da outra parece

descer a um grau inferior; mas pela unidade que Deus colocou entre estas duas

partes, que parece tão opostas, torna-se um todo único ; um ente à parte; e os seus

meios de conservação deverão ser de conformidade com estas duas partes ; deverão

part icipar do espír i to e da matéria para corresponder plenamente aos desígnos de

Deus na sua criação.

5 – Assim o culto cr istão, esse culto ao mesmo tempo interior e exterior, nada

menos é que a expressão da necessidade que resulta da dúpl ice natureza do homem

e não nos admiramos de ver este culto tão profundamente gravado no coração do

povo.

6 – É o crist ianismo, é a fé, é Deus que faz a educação do povo. A ciência no seu

orgulho parece desprezar descer às coisas deste mundo, coloca-se em presença de

Deus para examiná-lo e medir-lhe o grau de amor e de obediência que lhe deve.

Nada de dedicação que segundo ela é uma fraqueza do coração, condenada pelas

luzes da razão. É o orgulho que presidiu a esta educação. Fel iz daquele que, como

diz a Escri tura Santa, foi ensinado por Deus. O povo, o f iel , é o escolhido de Deus.

E se Deus não lhe ensinou a ser pretencioso, deu-lhe a intel igência das coisas da

vida.

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7 – Depositou-lhe no espír i to e no coração a máxima que o senso ínt imo lhe

demonstra melhor do que qualquer raciocínio: que há reciprocidade entre Deus e

ele, entre as suas idéias e as dele, entre os seus sentimentos e os dele.

8 – Sabe que vem de Deus, que vai para Deus, e que tudo neste mundo lhe foi dado

para ajudá-lo a chegar a este alvo, tanto no mundo material , como no mundo

sobrenatural. Então a natureza é para ele a escada de Jacó para elevar-se a Deus; e

os seus prodígios de beleza e de magnif icência tornam-se um poderoso est imulante

para que agradeça ao Criador e Senhor de todas as coisas.

9 – Então o homem se considera, e é com efeito, o sacerdote da criação, o pontíf ice

deste imenso sacri f ício que se deve fazer de tudo a Deus.

10 – A natureza é inerte, e deve cantar os louvores de Deus. É para real izar este

dever da criatura que o homem foi colocado à frente de todas as coisas criadas, e é

porisso que tudo, especialmente o que bri lha pela beleza e pela magnif icência,

torna-se entre as mãos do cristão um objeto de oferenda

ao Senhor, e concorre para testemunhar a este Pai comum de todas as coisas, o amor

e o reconhecimento das criaturas.

11 – À vista destas idéias, compreende-se os ornatos das nossas igrejas, o

aformoseamento dos nossos altares, e o coração nos diz que tudo está no seu lugar,

e que o culto exterior é uma das necessidades resultantes da nossa dúpl ice natureza.

12 – Esta magnif icência do concurso da natureza, da sua part icipação na adoração

de Deus é antes um socorro, uma coadjuvação, um estimulante do que um dever

r igoroso, ao menos em todas as circunstâncias da vida.

13 – Haverá alguma coisa que excite a piedade, gere a dedicação, nutra o amor de

Deus, como essa veneração, esses cânticos de um povo crente do Deus que reina no

mais alto dos céus, governa os elementos, morre sobre o calvário pelo homem, e se

deixa ainda contemplar sobre o altar, onde se expõe aos olhos da fé, para nos

lembrar pela sua dedicação e caridade, o que devem ser a nossa dedicação e a nossa

caridade?

14 – Para compreendê-lo cumpre ter sido testemunha deste espetáculo, quando este

espetáculo é dado nas condições que lhe convêm: a fé do cristão, o amor do

discípulo de Jesus Cristo.

15 – E então se compreende ainda mais pelo coração do que pela intel igência, e é

este o segredo da ciência de Deus, a ut i l idade das f lores, o perfume do incenso, a

beleza do altar, a exal tação dos cânticos, e esses transportes de um povo que fala a

seu Deus.

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16 – Tais são os sentimentos que experimentaram todos aqueles que assist iram a

veneração do Santíssimo Sacramento quinta-feira passada, na modesta, mas decente

capela do Hospital : nada de extraordinário. Um simples altar, alguns ramalhetes de

f lores, alguns cânticos executados com fé e coração, um concurso recolhido e

orando, mas um Deus sobre o altar: eis o que expl ica tudo.

Folhetim: A Carteira, Diário de Pernambuco, Recife, 22/06/1857.

Anexo 27

9 de agosto de 1857

A colonização afr icana promovida pela França para Guadaloupe e Mart inica.

– Opinião de Mr. Labouchere acerca da emigração para a Guiana inglesa. –

Pensamento

de Lord Claredon sobre a exportação francesa de africanos. – Camões e a

Gargalhada

dados no Santa Isabel. – Companhia francesa. – Cenas de sonambulismo no Apolo.

1 – Estamos na época das maravi lhas. Se o século XVI era considerado como o mais

fecundo em descobertas grandiosas e apl icações fel izes, que vieram melhorar a

sorte da sociedade, a primeira metade do atual parece exceder-se lhe na mesma

estrada.

2 – Mas, assim como o homem, a sociedade tem intermitências, que parecem

anunciar certos momentos de loucura, nos quais a modo que a humanidade retrogada

na sua marcha providencial para as regiões inf ini tas do porvir. (sic)

3 – Vamos hoje manchar a alvura imaculada deste papel, de duas maneiras; em

geral, com a t inta com que traçamos estes caracteres, em part icular com um dos

assuntos por eles descri tos.

4 – Se a dúvida absoluta foi o caráter singular do século passado, disséreis que o

desejo de acumular r iquezas, a divinização do dinheiro é o sinal característ ico da

era em que vemos, e para este f im todos os meios são julgados bons.

5 – Temos para nós que neste caso, a sociedade se afasta da verdadeira regra, e se

torna tão frági l como o metal que ela adora.

6 – O poder por mais enérgico que seja não a salvará, e alguém já disse: um povo

sempre mereceu as inst i tuições que lhe convêm.

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7 – A velha Europa cede desmesuradamente ao gosto desenfreado das r iquezas,

adquir idas da maneira mais fáci l .

8 – De que servir ia ocultar esta chaga? Não se torna ela todos os dias mais larga e

mais sangrenta? Não é verdade que, ao lado das grandes cousas que se observam

todos os dias, na guerra e na paz, observa-se também um tr iste espetáculo: a

especulação e a usura?

9 – Como dizíamos ao começar , há para as sociedades, assim como para os

indivíduos hora de crise, de febre, de abatimento, de corrupção , mas voltando para

os preceitos traçados pela razão, lutando contra o mal, não com remédios

desconhecidos e novos, mas com os velhos remédios da probidade, do exemplo, da

moderação, de todos os sentimentos nobres e elevados, um povo pode refrescar a

sua alma como no batismo, e subtrair -se às seduções e torpezas das paixões

vulgares e degradantes.

10 – As enfermidades morais se curam como as outras: se pode sair, sob salutares

inf luências, das más incl inações para as boas, dos gostos que depravam para os

gostos que elevam, do culto falso para o verdadeiro, do abatimento para a honra: a

consciência públ ica que se enfraquece nunca pode operar estas curas.

l l – A civi l ização material tem sem dúvida sua grandeza, e desconhecer este fato,

fora mostrar uma razão acanhada e ingrata, e esta grandeza se pode real izar sem

corrupção.

12 – A r iqueza pode servir de alvo à vida de certos homens, não tem para as almas

elevadas os atrat ivos da glória, tão pouco tem as doçuras int imas e incessantemente

renascentes que dá a piedade e a pureza, não eleva o espír i to às regiões superiores,

onde as conduz o sentimento da verdade e a adoração das belezas intelectuais, mas

quando se procura esta r iqueza honestamente, ela impõe ainda deveres dif íceis, e

exige qual idades preciosas, está como que colocada na extremidade de uma longa

estrada que é a imagem do trabalho, e o trabalho enobrece tudo.

13 – Quando ele se apl ica à matéria, desenvolve as forças do homem, e mantém a

saúde e dupl ica-lhe o vigor: em todas as coisas engrandece o espír i to e melhora o

coração.

14 – Por um fato, que deixa ver cabalmente que a Providência Divina quis fazer do

trabalho uma lei , ela parece fort i f icar aqueles a quem ele enriquece, contra os

perigos e as seduções da r iqueza adquir ida; torna precioso os frutos do trabalho, e

dá ao mesmo tempo, a dignidade e a fortuna.

15 – Aquele que num comércio honesto e laborioso acumula r iquezas, é út i l a si e

aos outros.

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16 – O art ista que produz obras primas as quais o gosto dá grande valor torna-se

i lustre e r ico ao mesmo tempo; o homem cujo talento descobre e cuja paciência

apl ica processos que dominam a natureza e mult ipl icam os produtos merece

igualmente a fortuna e a obtém sem corrupção; o mesmo acontece com o banqueiro

que empalidece sobre os l ivros e que junta a assiduidade à exatidão, às fadigas que

o seu estado lhe causa: em suma, a r iqueza é honrosa quando vem do trabalho

17 – Com esta origem, ela não tem os numerosos vícios que se encontram, quando é

devida ao acaso, excita o respeito ao mesmo, tanto quanto a inveja; não corrompe

habitualmente nem o possuidor, nem aqueles que o cercam.

18 – Aquele que honesta e laboriosamente a tem adquir ido não a dissipa em

escândalos, porque ela tem o cunho da fadiga e das vigí l ias, não se expõe a perdê-

la, porque sabe que para ganhá-la é preciso trabalho e tempo! Aquele que a recebeu

dos seus, também não a prodigal iza porque sabe que ela envolve recordações e

deveres.

19 – O homem que pode confessar a r iqueza que recebeu ou que ele próprio

adquir iu, não experimenta o fr ívolo desejo de mostrá-la em todas as coisas;

derrama-a à medida das suas necessidades, apl ica-a às empresas honestas, emprega-

a em nobres culturas.

20 – Não se esquece nunca de que ela é para os f i lhos um exemplo assim como um

patr imônio, e se as necessidades do futuro não lhe prescrevem que poupe o

supérf luo, ele a reparte com os infel izes.

21 – Se, pelo contrário, procura-se e encontra-se a fortuna no acaso, ela perde todos

os seus caracteres, que tornavam tolerável, dissipa-se loucamente e cr ia esse luxo

pernicioso que parece al imentar vícios, que causa piedade aos homens intel igentes e

de gosto, corrompe o mundo sem ter o atrat ivo da verdadeira elegância.

22 – Adquir ida e aumentada por injust iças, como por exemplo, por meio de usuras,

semelhante fortuna não merece proteção alguma, e os seus possuidores fraudulentos

e efêmeros não podem ser defendidos. Todavia são defendidos sob uma forma

vulgar, e, como se exprime certo escri tor, os seus advogados dizem em esti lo de

mercador, que convém deixar que o comércio progrida.

23 – Mas é a agiotagem que se deve perseguir, e não o movimento dos capitais em

grandes e benéficas empresas; não convém combater os grandes industr iais, diz um

economista i lustre, devem-se combater os manejadores de dinheiro; são eles que

corrompem até a especulação; enriquecem sem nada fazer; atraem para a

especulação o dinheiro e as consciências.

NOTA

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(1) Apesar de assinar Abdalah-el-Krat i f o escri tor é Antônio Rangel Torres

Bandeira.

24 – O mal social que causam é incalculável, e embora digam o que quiserem, não

fazem bem algum. A verdadeira indústr ia não tem necessidade deles, salvo se ela

tem necessidade de fraude e de mentira. Não acrescentam nada ao crédito.

25 – As suas operações não melhoram empresas, são as suas manobras que fazem

subir e descer sucessivamente, como numa máquina de prest idigi tação, o nível dos

valores.

26 – Fazem ainda maior mal, provocam o abandono da terra que não tem somente a

vantagem de conter tesouros que abre ao trabalho, e que dá ainda àqueles que a

procuram e cult ivam alguma cousa da sua sól ida e fecunda natureza, que não

enriquece num dia, mas cuja r iqueza tem uma como certa nobreza que a realça e

aumenta-lhe o valor.

27 – Enfim, a especulação destes indivíduos empregou em seus interesses homens

de todas as prof issões e de todas as carreiras, é em favor do maior tr iunfo dos

corruptores introduzidos em muitas casas, mostrando à propriedade terr i tor ial que

val ia e produzia mais do que ela, deixando ver

aos trabalhos do espír i to as suas imensas receitas ao lado dos seus estéreis

esforços.

28 – Por milhares de seduções, tem ela arrolado muita gente, dizendo simplesmente:

vem especular; dou r iqueza sem trabalho, mas não acrescentando , o que é verdade:

comigo, quando alguém não se arruína, aumenta o talento, prospera sem mérito.

29 – Algumas pessoas já se têm levantado contra este vergonhoso despotismo, mas

para o fazer, tem-se empregado uma paixão que não parece que nem sempre é pura,

e nas causas que se têm apresentado há injust iças que têm diminuido a força das

outras.

30 – Cumpre repreender uma sociedade que se descarrea como se repreendem as

crianças, com uma ternura que adoce a censura e faça penetrar o conselho. Importa

também pôr, tanto quanto for possível , o peso de uma vida exemplar na crí t ica dos

outros.

31 – Nestes últ imos tempos, as classes médias não têm procurado bastante a sua

força na dignidade dos costumes, na probidade do proceder, no exemplo do trabalho

e na conquista laboriosa destes privi légios do exemplo, o único que elas possam ter,

e é porque elas têm faltado aos seus deveres, que as turbas são sacri f icadas,

devoradas por esta febre de interesses, de apeti tes, de gozos e de especulação, que

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dá grande impulso ao progresso material , mas que tem os corações enfermos e as

almas enfraquecidas.

32 – Por outro lado, a lei tem sido até hoje vencida pela agiotagem, e reduzida a

este papel, o pior daqueles que ela pode ter, de exist ir , apesar da sua derrota, e

viver sem governar.

33 – Os agentes de câmbio criados para dar às negociações sér ias a garantia do

segredo e a do respectivo caráter, avi l tam as suas funções em operações f ict ícias e

prestam o seu ministér io a especulações escandalosas.

34 – A honra e a lei proibem-lhe isto, eles o fazem impunemente, elevam a

agiotagem ao apogeu; incorrem nas penas mais graves, mas em vez de cast igo,

encontram benefícios enormes. São mais fortes que a lei . Há para eles privi légios

nos países, que os têm abol ido, até aqueles que se concediam a quem derramava o

sangue nos campos de batalha.

35 – Assim o desejo de acumular r iquezas em pouco tempo, e sem grande

dif iculdade, é a paixão dominante, o caráter geral da sociedade presente. Todos os

meios são bons: até o homem serve de instrumento passivo para esta conquista.

36 – A época da glori f icação do dever, do reconhecimento comum da espécie parece

que ainda está longe. Ainda se observam as lutas da sol idariedade e do

individual ismo, e o tr iunfo ainda é duvidoso.

37 – No Jornal inglês European Times, de 8 de julho deste ano lê-se uma notícia

que parece confirmar estas considerações gerais.

38 – “A Gazeta da manhã”, fundada por Mr. Charles Dickens que sempre tem sido

assinalada por tendências l iberais, diz o European Times, chama a atenção públ ica

sobre um fato que ele denomina uma nova fase de tráf ico de escravatura.

39 – “Segundo esta autoridade, o governo francês celebrou um contrato com uma

casa comercial de Marselha para o suprimento de 10.000 negros para Guadalupe e

Mart inica, e dizem que este contrato já foi assinado pelo ministro da marinha e pelo

ministro dos negócios estrangeiros em França, e pela f irma da casa de Marselha. O

contrato foi celebrado a 13 de março próximo passado.

40 – “Eis aqui as est ipulações: dentro de t rês anos e se for possível, em menos

tempo, 5.000 afr icanos devem ser remetidos a Guadalupe e igual número a

Mart inica, os quais deverão ser engajados por dez anos com o salário de doze

francos e cincoenta centésimos por mês; deste salário o negro deve descontar dois

francos mensalmente para o pagamento da despesa que se houver fei to com o seu

transporte.

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41 – “Grandes navios a vapor deverão ser empregados em conduzir os negros da

Áfr ica para os estabelecimentos franceses, os proprietários receberão § 20 pela

passagem de cada colono negro. Dizem que já part iu um vapor.

42 – “O nosso contemporâneo considera isto como a renovação do tráf ico de

escravatura.

43 – “Até agora dizem que nenhuma restr ição é imposta aos contratadores; podem

fazer as suas operações em toda a costa da Áfr ica ocidental, exceto nas possessões

inglesas; obterão os negros onde e como puderem; tudo quanto o governo francês

aspira é a chegada dos 10.000 afr icanos às colônias, onde deverão ser condenados

ao trabalho por dez anos, mediante menor salário por um mês do que o valor atual

do trabalho por uma semana nas possessões bri tânicas.

44 – “Se é uma renovação do tráf ico da escravatura” podemos somente dizer que

desejamos cordialmente que o governo inglês siga o exemplo que foi dado pelo

imperador dos franceses.

45 – “Se os proprietários de fazendas em nossas colônias tropicais alcançassem o

mesmo privi légio, veríamos em breve o incremento de prosper idade nas índias

Ocidentais – mais açúcar, algodão, café, em uma palavra tudo quanto o povo

precisa, ao passo que a condição do próprio afr icano seria admiravelmente

melhorada em comparação do bárbaro estado em que existe no seu próprio solo.

46 – “presentemente, os nossos infel izes colonizadores são obrigados a conduzir os

emigrantes das índias Orientais com enormes despesas. E as horríveis cenas e a

mortal idade durante a viagem excedem a tudo quanto costumamos ler a este

respeito”.

47 – Esta notícia não foi bem acolhida na Inglaterra. Embora o European Times

deseje que o governo bri tânico imite o exemplo dado pelo imperador dos franceses,

Charles Dickens, o i lustre l i terato inglês, opõe-se à idéia, considerando-a como a

renovação do tráf ico da escravatura; Lord Brougham também censurou-a no

parlamento, e Lord Claredon, respondendo-lhe, “declarou que o governo francês

pretende tomar todas as seguranças possíveis contra abusos no plano da emigração

negra que foi proposto, e disse que concordava com Lord Brougham em que

qualquer plano teria uma tendência para reviver o tráf ico da escravatura”.

48 – Entretanto, parece que a colonização afr icana que a França pretende real izar,

encontra simpatia na pessoa de um dos membros do gabinete de S. James. No Jornal

que acima citamos lê-se o seguinte a este respeito!

49 – “Emigração para a Guiana inglesa: “Em resposta a Mr. Thomas Baring, Mr.

Labouchere reconhece a importância de oferecer facil idades à emigração para a

Guiânia inglesa, e manifestou a crença em que está de que o açúcar poderia

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aumentar tão proveitosamente pelo trabalho l ivre como pelo trabalho escravo; mas

julgava necessário que o emigrante fosse um agente l ivre; que se prescrevessem

garantias para que ele fosse convenientemente tratado na passagem; que não fosse

vít ima de um sistema interno de escravidão; e que houvesse um número igual de

ambos os sexos conduzido à colônia. Mediante tais condições, foi sempre o seu

ardente desejo, desde que ocupou o cargo de secretário das colônias faci l i tar a

emigração para as colônias”.

50 – Com efeito, também temos para nós que a colonização afr icana pode ser a

renovação do tráf ico da escravatura, e se nas colônias francesas ela desperta tantas

apreensões,entre nós seria uma calamidade: um verdadeiro mal.

51 – Se hoje, no estado atual da civi l ização da Europa o elemento bárbaro seria

impotente para fazer conquistas, numa sociedade nova como a nossa, encontraria

faci l idade para se desenvolver. É este um dos maiores inconvenientes que nos

resultou da introdução de afr icanos no solo brasi leiro.

(Continua, com outros assuntos, como consta no tí tulo).

Folhetim: A Carteira, Diário de Pernambuco, Recife, 10/08/1857.

Anexo 28

27 de novembro (1)

1 – Enquanto a noite vai passando si lenciosa, aproveitamos alguns momentos para

esta espécie de diversão l i terária, que tanto custa ao pobre escri tor, na si tuação

forçada de folhet inista que é a pior de todas as situações possíveis. Façamos hoje

por conci l iar, em termos que se entendem, essas duas grandes condições de quase

todo trabalho do espír i to, que o célebre autor da famosa epístola aos Pisões tanto

recomendava, com especial idade aos poetas. Desde aquela época sentia-se já o

quanto é necessário harmonizar, em obras de arte e em coisas de l i teratura, os dois

graves princípios da ut i l idade e do recreio, de cuja exata compreensão tanto se

apartam, e que os reformadores frenéticos das et iquetas clássicas, e dos r i tos

sacramentais da velha escola poética, tanto desconhecem, ou tão barbaramente

maltratam. Tinham razão de sobra os nossos antecessores, porque mais do que nós

em muita mina de ouro f iníssimo cavavam e escavavam eles de dia e de noite, e não

poucas vezes criavam e fantasiavam muito, sem outro molde ante os olhos que o

natural e o verdadeiro , sem outro diretório a seguir além do gênio e do gosto

l imado e pol ido.

2 – Divaguemos, pois, em palestra ínt ima com os nossos amigos de mais ínt imo

trato, com esses que lêem e estudam, que r iem mas que meditam, que folgam ao

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luar, ao som vago das harmonias do oceano nas horas mortas e não pouco

inspiradoras de muito pensamento vivo e profundo, mas que também sabem penetrar

no seio das ideal idades subl imes, e olhar para o mundo real através de um prisma

bri lhante e por entre os mistérios del iciosos da criação e da natureza.

3 — Será um devanear de art ista, ou um estado severo de f i lósofo? Nem uma nem

outra coisa: É um passeio pelo mundo, a correr sempre, a voar com rapidez aqui e

al i , sem ter foros de publ icista, nem de economista, nem tão pouco de orador ou

mesmo de poeta: – é o escrever duas l inhas para não perder o hábito de pegar a

pena, é o ser folhetinista para fabricar um folhetinzinho magro, – raquít ico, e, por

ventura, sem sabor e desgracioso! Que modéstia não é a nossa.

4 – Parece-nos ouvir a algum cri t ico a condenação explíci ta do nosso proceder nesta

ocasião: cr i t ique-nos embora, muita paciência temos nós para ouvi-lo e ouvir a

tantos que, não fazendo nada, esperam e exigem que os outros façam tudo.

Prometemos divagar: cumpramos a promessa.

5 – Diz-se por aí mui enfat icamente que o mundo vai às mil maravi lhas, que a

sociedade caminha em tapete de f lores, que a civi l ização estende-se por toda parte

com grandíssimo aparato de inst i tuições benéficas, de melhoramentos de

associações úteis e humanitárias, de imensos focos de i lustração substancial e

prodigiosa. Tece-se todos os dias o mais pomposo elogio ao espír i to progressista da

nova era, entoam-se hinos à l iberdade e à fraternidade dos povos, mostra-se com o

dedo no mapa das nações cultas, o resultado precioso das belas conferências

diplomáticas e dos tratados de sumo interesse polí tico. Fala-se muito em vias

férreas, em telégrafos elétr icos, em navegação a vapor, em i luminação a gás, em

reformas industr iais e f inanceiras; em milhares e milhares de novidades que se

antolham como precursores de futuros esplêndidos e magníf icos. Pela nossa parte,

sem rejeitar o princípio do progresso, porque acreditamos na perfect ibi l idade

humana, sob condições de l imitação mui natural e eminentemente razoável, cremos

que o século tem muito de prosaico para merecer a honra de ser cantado em poesia

de sentimento e de inspiração fecunda. É muito para apreciar nesse movimento

rápido e ascendente que vulgarmente se chama civi l ização: t í tulos de sobra existem

por aí para convencer-nos de que o plano é outro, mais fáci l , mais regular até certo

ponto, mais conducente à prosperidade material das nações e dos povos; mas a

sociedade que vive do espír i to e não só do pão corpo, a sociedade que renasce

quase sempre após uma grande série de gerações, mais vívida e esperançosa do que

antes, vê-se no século atual como em um circulo de ferro, numa luta, numa reação

constante, com o pensamento a remontar para o céu, e com os olhos pregados no

posit ivismo de uma real idade esmagadora e cruel. Dir-se-ia talvez, que as utopias

vão fascinando o folhet inista, para condená-lo em vida à desesperação de um futuro

melhor: não há nada disto.

6 – Fi lho deste século, pertencemos a ele irrecusavelmente: vemo-lo nas obras que

o representam, nos interesses que o simbolizam, nos t ipos superiores que vaí

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criando em seu caminhar comum, em seus arrojos f i losóficos, em seus cálculos

industr iais, em suas operações mercantis, em seu material ismo e até no seu

espir i tual ismo todo especial e novo. Sem renegar a esperança que nos fala mui alto,

sem perder a crença que desde muito depositamos na marcha providencial dos

acontecimentos grandes e poderosos, temos apreensões sérias de que a vida

espir i tual e moral da sociedade modema se vá a definhar e a acabar, talvez, numa

dessas enfermidades tenazes e perigosíssimas que a própr ia f i losofia tão

indiferentista para com a sorte da humanidade chama com o nome de

indiferentismo. Aventuramos mais: – cremos que a dominação do egoísmo pessoal,

individual e concentrado tem hoje suas honras de salão e seus encantos bem

poderosos.

7 – Embora as associações formiguem, embora as classes operárias respirem mais

l ivres de um jugo pesado e mort i f icador que a l iberdade da indústr ia e a

concorrência necessar iamente lhes destruíram, há aí mesmo, nessas associações

formadas, mais um culto de individual ismo material e estéri l , do que o cunho de

uma verdadeira fraternização. Lavra em grande escala a febre da agiotagem

devastadora e furiosa; os capitais central izados e monopolizados af luem somente

para melhoramentos materiais, e a civi l ização que se aplaude tanto e que tão

entusiast icamente se preconiza corre posit iva e calculada, sob uma atmosfera de

carvão de pedra, por c ima de vias férreas, em telégrafos e em combinações de mero

industr ial ismo. Para as classes que mais precisam de trabalho e de animação há-os,

presentemente de modo que as possam isentar de todo o r isco de uma situação

aterradora? Respondam economistas e f i lósofos; respondem por outro lado o bom

senso e a verdade do homem prát ico e f i lantropo.

8 – Vai este século tão precipitado por esses carr is impetuosos com que o

industr ial ismo nos estruge os ouvidos, que a maioria ou, quando não grande parte

do gênero humano parece compreender nisto unicamente a fel icidade públ ica e

privada. Não pensamos assim: – instrução para nós é coisa diversa de educação; e

se não há oposição nos termos, assim como não há nas idéias que eles representam,

há, todavia um grave inconveniente em considerá-las a mesma coisa, em identi f icá-

las ou confundi-las. O progresso material é condição bem val iosa e importante para

a conquista da moral ização e do saber; mas quando se percorre indefinidamente o

estádio aberto às lutas da matéria, nos combates dos interesses da vida posit iva e

pautada pelos ganhos e pelas perdas na praça públ ica, nem o espír i to se anima subir

até onde pode, nem o coração pode expandir-se e cult ivar-se como deve.

9 – Aval iamos a civi l ização à luz de dois princípios altamente f i losóficos, a

instrução e a educação; e assim como queremos sempre que o corpo vigore, e as

tendências naturais e prof icuas se lhe desenvolvam convenientemente,assim

quiséramos sempre que o espír i to e o coração encontrassem para seu especial

progresso incentivos ef icazes e estímulos regulares.

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10 – Um hábi l economista, o Sr. Cheval ier, disse, além de outras, uma

preciosíssima verdade, quando em seu l ivro da “organização do t rabalho” mostrou

como, dominando a matéria, e aproveitando-a em seus amplos recursos, o homem se

nobi l i ta, e cresce em poder e aumenta em verdadeiro progresso. Outros já o

disseram antes, o pensamento é simples mas profundo; e nós não estamos longe de

aceitá-la em toda a sua legít ima força. Temos para nós que os melhoramentos

materiais, ou aperfeiçoamento nos diversos ramos de indústr ia, os aumentos e

invenções na escala das fontes produtivas e dos instrumentos e recursos próprios a

dar novo impulso à r iqueza e prosperidade das nações, revertem mais cedo ou mais

tarde em benefícios reais para a sociedade que os absorve e recebe, e para o homem

que os estuda e os aproveita. Nem nos ir íamos colocar em tal si tuação hosti l aos

verdadeiros interesses sociais, que desconhecêssemos a grande, a grandíssima

intervenção que tem o espír i to nessa mesma manifestação elevada do progresso

material ; porque em úl t imo resultado, é sempre a intel igência que cria que trabalha,

que produz. Entretanto, nos hão de conceder, por uma vez ao menos, que estejamos

em bom terreno sustentando que o demasiado aferro às elaborações posit ivas do

industr ial ismo vai material izando demais a sociedade, e fazendo entrar no templo

da sabedoria como divindade ou gênio superior o que só era e será sempre

considerado pelo que deve ser meio para a c ivi l ização e não a mesma civi l ização em

si.

11 – Por outro lado, hoje mesmo se reconhece que esta tendência pesada e

material izadora do século se vai estendendo e comunicando a vapor, se é possível

dízê-lo, a todos os pontos das esferas, onde giram ciências, letras e artes. A

f i losofia também vai vest indo hoje à moda das inovações e dos cálculos materiais e

desoladores; e não é por outra razão que espír i tos pensadores e eminentes engenhos

lá procuram reagir na Europa moderna contra os sonhos vaporosos do

transcendental ismo alemão, do panteismo francês, e de centenares de sistemas

extravagantes e que se vão produzindo, e reproduzindo todos os dias. Se nos dão

l icença os lei tores do folhet im diremos que, além de ser a Fi losofia aquela de todas

as ciências que menos talvez tenha feito do que se propusera fazer em prol da

humanidade, é de todas elas a que mais prost i tuída tem sido e vai sendo

presentemente nos próprios centros do mundo civi l izado.

12 – Sonhara Platão em seus momentos de febrici tante entusiasmo uma ordem de

idéias e de coisas que a sua “ Repúbl ica” e o seu “ Fédon” vieram a demonstrar

imprat icáveis; e posto que fosse “divino” e muita gente boa o seguisse, e muito

santo padre o abraçasse como mestre desde os primeiros séculos da Igreja, fantasiou

muito, evaporou-se muito e não fez lá muita coisa pelo gênero humano. Vieram

Aristóteles e Sócrates, Zeno e Diógenes, Pitágoras e Tales, e tantos outros; e

moral istas ou puros cét icos, atomistas ou estóicos, espir i tual istas com o divino

Platão, ou moral istas com o tão humano Epicuro, cr iadores ou plagiadores de

doutr inas alheias, grandes ou pequenas, pouco adiantaram no curso encetado ,

porque combateram, disputaram, formaram escolas, estabeleceram um sistema,

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for jaram teorias, doutr inas e opiniões; e tudo veio a dar em luta, em contradições,

em oposições de idéias e de pensamentos.

13 – Marchava então a Grécia em seus formosos dias para conquistar essa glória

admirável que ainda lhe notam antigos e modernos, que ainda lhe soletram nos

monumentos, poupados pelo tempo, viajantes e poetas, que ainda lhe veneram

f i lósofos e l i teratos de mérito. Havia então muito que ver na l i teratura desse povo

civi l izado e amante s incero da l iberdade, que se imortal izara em Salamina, em

Maratona e em Platéa. Riqueza e comércio dos fenícios, segredos astronômicos dos

caldeus e egípcios, sabedoria recôndita dos primeiros e mais antigos povos do

Oriente, os gregos as t inham, as conservaram, e na musa épica, trágica, e l ír ica, e

nos voos arrogantes da imaginação criadora, lá se viam surgir e resplandecer os

mais belos caracteres de uma civi l ização colossal e admirável. Mas, quando Homero

deixou uma“ Il íada” , Hesíodo os seus “ Trabalhos” e os seus “Dias” , Píndaro os

seus poemas heróicos, tão realmente inimitáveis em quase todas as modernas

l i teraturas da Europa; quando a poesia subiu tão fervida nos arrojos impetuosos de

Sófocles e Eurípedes, nos melodiosos gorjeios do cisne de Lesbos e do velho de

Teios; nos vivacíssimos arrebatamentos de Tirteu e Arquíloco ; a f i losofia, tão alta

e soberba, tão animada e possante, contentou-se em combater e em combater passou

todo o seu melhor tempo! Ficaram grandes vestígios de sua soberania, mas os

poetas vivem porque encantavam e encantam, os f i lósofos que podiam instruir e

moral izar, mui poucas vezes fazem uma coisa e outra!

14 – Passemos com o nosso folhet im à cidade célebre dos Sênecas e Cíceros. Al i a

f i losofia teve escolas, e por conseguinte mestres e discípulos; mas assim como na

Grécia, desceu e subiu muito e nunca f icou ao nível da humanidade. A sociedade

daqueles tempos, carcomida pelo sensual ismo e devastada pelo idolatr ia, ah! está

pintada com bem expressivas cores na história e nas tradições coevas; o primeiro

dos f i lósofos, que a não ser pagão seria ainda o maior, teve a sorte dos de Atenas e

do Oriente; e o combate e o contraste das opiniões é ainda o t í tulo único para o

aparatoso l ivro da f i losofia romana.

15 – Deixemos em paz essas memórias dos primeiros tempos; passemos por cima

desses pórt icos e l iceus e academias; f iquem-nos apenas de memória as impressões

vivas das revoluções cientí f icas e l i terárias daquelas épocas e a voo de pássaro

cheguemos à nossa, e olhemos para o presente. Alí , nas doutr inas gregas, orientais

e romanas, ou o espir i tual ismo era incompreensível, inexpl icável, e obstruso, ou o

material ismo era pesado, árido, destruidor e horrível. Ainda lembra, por ventura, a

mais de um pensador o “turpe pecus” da l ír ica romana, e as manifestações

epicuristas e sufocadoras do bom senso, que a alma poética de Lucrécio era forçada

a gravar em traços indeléveis em seu poema f i losófico da “ Natureza das Coisas”.

Mas hoje .. . (do texto). Ora é o cartesianismo, trajando a capricho dos lógicos

emproados, que só tem anátemas para a bela f i losofia cr istã de Santo Tomás, da

escolást ica e da Idade Média; ora é o kantismo, espécie de quinta essência da razão

f i losófica, subti l , capcioso, ideal e visionário, com suas “categorias” e seus

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“objet ivo” e “subjet ivo”, casta de l inguagem própria para as cabeças profundas da

Alemanha, que nem por isso são menos sujeitas à loucura e à mania das fórmulas

híbridas e alterosas do racional ismo puro ou disfarçado. Aquela f i losofia de além

Reno que Lerminier tanto macaqueia, que lhe deu matéria para escrever tantas

páginas de pesada e abafadora erudição psicológica até mesmo jurídica; aquela

f i losofia indefinível

que sobe com a razão até Deus, ou desce de Deus até à humanidade nos sonhos de

Fichte, nos delír ios de Hegel, nos paradoxos horríveis de Strauss; lá se acl imata na

França, na Itál ia, na Inglaterra, onde as memórias de Espinoza e Locke, de Berkeley

e Cabanis, de Vanini e Diderot, de Bayle e Voltaire, de Bel inbroke e Hobbes, de

Pope e d’Alembert, a inda são, porventura, apreciáveis, a meia dúzia de espír i tos

fortes. Passou a encic lopédia, mas f icaram os enciclopedistas; foi -se a Revolução

Francesa de 1789, mas f icaram revolucionários e adeptos das teorias funestas

daqueles apóstolos do terror. Hoje o que faz a f i losofia? Cética por capricho, e

carregada de névoa, porque é moda da atmosfera bri tânica e dos amplíssimos

laboratórios cientí f icos da moderna Germânia; vaporosa por galanteria, incrédula

por paixão, panteísta por devaneio, ela é tudo ao mesmo tempo, mas em sua

essência é inteiramente material ista. Há muito quem não se sente à mesa desses

f i losofantes da época, e muita gente há que não comungue os princípios e as

doutr inas excêntr icas desses novos exploradores da ciência humana. A reação

aparece; a transição, porém, terá de ser longa e penosa, e antes que os Venturas, os

Lacordaire, os Montalembert, os Balmes e os Donozos-Cortés hajam reconstruído a

fábrica meio desmoronada da f i losofia deste século, o século irá em seu giro, o

material ismo e o industr ial ismo se irão entronizando no meio de populações

inteiras, e o panteismo e o protestantismo se difundirão precipitados em tantos

monumentos da devassidão intelectual e moral.

16 – O que faz o eclet ismo? Enroupa-se com as vestes dos mitos orientais, põe-lhe

por cima o manto platônico, arma-se da clava do espinozismo, toma o ar categórico,

imitando ao mestre de Könisberg, mune-se das visões de Hegel, de quem plagia com

gosto, percorre assim apavorado todos os grandes círculos do mundo f i losófico,

falseia a história, amesquinha o papel da razão humana, querendo emancipá-la do

jugo da revelação e da fé, e por últ lmo contradiz-se miseravelmente. O Cousin que

escrevera o “ Curso da História da Fi losofia”, que traduzira Platão, que afrancesara

todo o oriente e todo o ocidente em matéria de f i losofia, escreve “o Bom, o Belo e

o Verdadeiro”, e condena-se antes de o condenarem. Jouffroy ideal iza dogmas para

derrocá-los como castelos de cartas; faz uma revelação a seu jeito, profet iza a

queda do reinado dogmático , e tem a gravíssima seriedade de mostrar como se

acabam esses princípios eminentemente profundos da razão catól ica.

17 – Não pensaremos bem, quando dizemos que esses são os representantes

legít imos da época luminosíssima em que vivemos, deste século que, em vez de ser

idade de ouro, como parece que devera ser o século das luzes, é idade de ferro?

Assentamos que não é somente ferro o que osci la nas l inhas telegráf icas, o que se

balança no vapor, o que se entranha por debaixo dos mares, o que produz milagres

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pela força reunida do magnetismo e dos prestígios da química e da física; também é

ferro tanto sistema que por aí vai, tanta teoria material ista, tanta f i losofia

antihumanitária e mesmo anti f i losófica, de que por toda parte se vai fazendo tanto

alarde.

18 – Que papel está reservado ao publ icista, ao economista, ao jur isconsulto que sai

de tais escolas ou que aprende nelas? Desde os rasgos incomensuráveis do

comunismo, que também por sua parte plagia, e muito, até os social istas puros e

genuínos; desde os fatal istas tenebrosos até os ateus diretos ou dissimulados; há

uma escala de r imadores pelo mesmo tom, de contrapontistas pelas mesmas regras,

de pregadores pelo mesmo tema. Al i está Luis Blanc, com seu patr iót ico e

humanitário sistema de organização do trabalho: o que fez ele? destrói a

concorrência porque não presta para nada, coloca exclusivamente nas mãos do

governo a sorte e o desenvolvimento das classes laboriosas, mata a indústr ia que

não vive na sua organização senão a vida do oprimido e do acabrunhado pela

prepotência do senhor, quase déspota. Aquele outro quer, como Fourier, a

desenvolução dos princípios atrat ivos e simpáticos ; forma, talvez, uma nova escala

de paixões e de interesses que legit ima e revolve a sociedade até os ínt imos e

derradeiros fundamentos. Outro proclama o fatal ismo histórico e o l ivro da

“Humanidade” de Pièrre Leroux é para um pensador desta ordem um guia infalível,

ou antes, um tesouro inapreciável. Não concebe, entretanto, que assim destrói a

humanidade colet iva pela humanidade individual, e acaba por fazer à própria razão

humana o maior, o mais posit ivo, o mais violento insulto.

19 – Em boas se foi meter o folhet inista! dirá muita gente que ler este art igo; mas

respondemos com a palavra sincera do escr i tor sincero e consciensioso. Também é

dado ao rabiscador do folhet im subir até onde pode tomar fôlego; e uma vez que

não lhe falece a respiração, continua o caminho. Escrever em l i teratura, – cremo-lo

nós – não é só escrever poesia, romance, variedades etc.; o domínio das letras

humanas é imenso e para apreciar um pouco o século atual, o folhet inista não julga

que lhe seja proibido correr a vôo de pássaro por sobre as escolas e os sistemas,

que se apraz de averiguar em sua peregrinação l i terária, art íst ica e cientí f ica.

20 – Nós que assim pensamos sobre os pensadores desta época e desta civi l ização

para o material ismo, porque se modela em quase tudo pela sua capital idéia, que é o

industr ial ismo, somos o mesmo que noutra ocasião já temos feito propósitos

soleníssimos de guerra aberta às extravagâncias e exagerações do pensamento.

21 – Em crít ica l i terária, queremos o homem que fala com saber, cr i tér io, bom

senso e gosto apurado: e por que não havemos de querer em f i losofia o pensador,

antes austero do que frívolo, antes rígido e árido do que efeminado e adamado?

inimigo do romantismo extremado, somo-lo também do que para nós é romantismo

f i losófico, ou, disséramos antes, cientí f ico e social. São vaporizadores – permitam-

nos a frase própria e sui generis – os que se nutrem de quimeras, ou as propalam,

seja em que país for, e debaixo de qualquer signo que seja: – e para prova de que

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não vamos errado, concluiremos esta parte com o pensar escri to de um homem, da

grande repúbl ica l i terária e cientí f ica de hoje. Tem esta ci tação a vantagem de ser

de Proudhon, f i lósofo, economista, e tudo quanto se queira que ele seja em a nova

ordem de coisas em França, sob a relação puramente cientí f ica. Julga a f i losofia em

geral aquele que com tantos outros a tem deturpado e corrompido aquele que disse

algures que a existência de Deus é uma hipótese, que a rel igião tem sido a causa da

relaxação da sociedade, que a propriedade é um crime, que a famíl ia está nas

expensas de cada um pelo laço de mútua espontaneidade natural.

22 – “A f i losofia, diz Prondhon, é o movimento do espír i to para a ciência, com o

si logismo por método, e ela não é a ciência nem espécie alguma de ciência. Por isso

nunca pôde, apesar dos esforços dos seus adeptos, nem determinar seu objeto, nem

circunscrever seu domínio, nem criar um método: ela permanece, mau grado as

declamações dos modernos eclét icos, sob o império do si logismo, e colocada fora

da observação e da expediência. O que tem ela produzido em diferentes partes do

domínio que se atr ibui , nada é; o que sabe de mais posit iva, recebe-o de fora, o que

pretende produzir é cópia ou plagiato”.

23 – O que dirão agora os que lerem esta t i rada semif i losófica num trabalho que só

requer ameníssima l i teratura em conversação folgada e prazenteira? Digam o que

lhes aprouver, aval iem de nosso proceder como lhes for mais conveniente; o certo e

o que lhes podemos asseverar é que ainda neste ponto não f izemos mais do que

seguir as nossas ínt imas idéias e convicções; e nem pensamos que seja este objeto

alheio à missão toda l i terária e crí t ica do folhet inista.

24 – Eis como sinceramente pensamos sobre as coisas deste século, pelo que diz

respeito principalmente à f i losofia. Não que neguemos a quem quer que seja o nome

de f i lósofos, só porque não pode esposar nossos pensamentos; fora rematada

loucura. Cada um siga a doutr ina e o sistema que lhe parecer, f icando-lhe salvo o

direito de sustentá-lo ou não quando e onde bem lhe agradar.

25 – Se o que dissemos ofendesse a alguém digno de lást ima, fora impiedade; se

agravasse aos poetas, isto é, aos bons poetas, seria imperdoável, e fal ta de gosto; se

se dir igisse como insulto às classes tão nobres em que se acha dividida a sociedade,

fora injust iça; mas sendo relat ivo à f i losofia e a f i lósofos, tudo quanto expendemos,

não há receio de mínima ofensa. A razão é óbvia. Nós não queremos que se nos

tome por inimigo da f i losofia, da verdadeira e sól ida f i losofia, que faz tanta honra

aos que a professam como qualquer outra ciência, de cujo desenvolvimento se possa

deduzir a mais incalculável ut i l idade. Somos, sim, inimigos da falsa e perigosa

f i losofia, que, ministrada em l ivros de papel assetinado, e escri ta em esti lo

fascinador, perverte com uma rapidez incrível os espír i tos menos experientes e

contamina todos os corações humanos.

26 – Aos verdadeiros f i lósofos, saudação e respeito profundo: aos f i lósofos, quem

nos veda de os ir apreciando tanto quanto couber em nossas forças? De mais, eles

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que tanta coisa dizem e com tanto desembaraço e l iberdade, não estão muito

habi l i tados para exigi r que deles se não diga coisa alguma. Se eles perturbam a

sociedade, pregando doutr inas subversivas e detestáveis, não há mal nenhum em

censurá-los; há nisto muito bom direito, e todo aquele que o puder fazer que o faça.

27 – O nosso f i to foi bem simples: – mostrar que a sociedade na época presente não

marcha tão às mil maravi lhas como dizem muitos, ou antes que este século é mais o

século das combinações e dos cálculos materiais, e dos melhoramentos desta ordem,

do que de verdadeira c iví l ização, à luz da moral e da história.

28 – O caráter da moderna f i losofia, na máxima parte dos seus apóstolos, é

modelado por esse espír i to material ista da época ; e se o folhet inista conseguiu

provar o que a tal respeito pensa, e de que está int imamente convencido, já não fez

pouco. Ao menos valha-lhe isto para compensá-lo do muito que há de sofrer de

crí t icas e f i lósofos abastardados e i legais.

Haverá f i lósofos deste jaez? Há-os de sobra, e o folhet inista só pede a Deus que o

l ivre de semelhante casta de gente.

Abdal lah-el-Krat i f .

Folhetim: A Carteira, Diário de Pernambuco, Recife, 29/11/1858.

Anexo 29

27 de agosto de 1859

À memória de um amigo. – Uma saudade –

O que é a vida em geral? – O que é a vida humana?

A questão resolvida pela teologia catól ica.

1 – Escrevemos hoje sob a impressão de uma dor profunda. A nossa missão, porém,

com ser dolorosa numa ocasião destas, não deixa de ser nobre e subl ime. A amizade

tem suas leis supremas, seus deveres imprescri t íveis; e o coração agita-se

espontâneo, quase por um movimento inst int ivo, toda a vez que um sentimento

ínt imo o vem tocar de perto.

2 – O prazer desperta-se natural, quando a alma se expande na efusão de júbi lo,

quando rebenta-lhe do seio a torrente dos gozos, das delícias puras e suaves; mas se

a mágoa domina lá dentro, é à própria natureza que convém pedir a razão dela.

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3 – Ontem era, talvez o r iso que transluzia nas faces do homem; hoje é o pranto que

se lhe desata dos olhos: um dia ele foi divagar por um jardim ameno e pitoresco,

eram as f lores novas que o entret inham, que o deleitavam de sobra: noutro dia ele

cruzava melancól ico o vasto recinto de um cemitério, via em torno de si algumas

f lores secas, alguns arbustos desbaratados pelo sopro da tempestade, l ia algumas

páginas de edif icante eloquência no metal e no mármore, e parava si lencioso diante

de um cadáver que ia ser dado à sepultura!

4 – Ao primeiro aspecto, rompia-lhe dos lábios um como hino de ternura e de

inefável encanto: ao dar com os olhos no segundo quadro, a l inguagem despontava-

lhe trêmula, sentimental, misteriosa; porque era a poesia simples dos afetos que

desabrochavam do fundo do peito, modestos mas graves.

5 – Que se dir ia então das lágrimas se a amizade as f izera brotar num dia de luto,

em hora de recordações tão solenes e amargas? Que se pensaria da frase singela em

que se revelava uma pena acerba, à luz do santuário, no si lêncio dos túmulos, pela

memória de um amigo, e na presença de amigos que também se interessavam por

ele?

6 – Há perguntas a que somente o coração pode responder E assim é o mundo!

7 – São passados apenas oito dias depois que anunciamos a continuação deste nosso

trabalho, em substi tuição ao est imável colega, cuja fal ta mal supríramos durante

oito meses, e que pouco antes se apresentara de novo ao públ ico, possuído de

algumas esperanças animadoras, meio al iviado da luta imensa que travara com uma

enfermidade tenaz.

8 – Era do lei to onde o ret inham ainda os sofr imentos, onde ele dif ici lmente

repousava o corpo cansado de tanto padecer, que ele ditara essas páginas em que

transpareciam para conosco tantas mostras de part icularíssima est ima e de honrada

consideração. Era o amigo que traçava o seu folhet im, e que longe estava de supô-

lo o últ imo esforço de sua intel igência, o derradeiro rasgo de sua imaginação, a

expressão extrema do seu culto pelas letras!

9 – Nós que o auxi l iáramos até al i , corremos de novo ao nosso posto de cooperador

sincero: – a cruz tornar-se-ia para ele menos pesada, uma vez que a molést ia

progredia já espantosa e acelerada, após uma breve pausa que se antolhara para

todos verdadeira melhora.

10 – Escrevíamos em 20 do corrente, a Carteira, porque o nosso amigo estava na

impossibi l idade de fazê-lo; e a 21 ele não pertencia mais a este mundo!

11 – Vimo-lo nesses poucos momentos que lhe restavam: lutando braço a braço com

o mal que já o acomet ia com desmedida violência: vimo-lo então vergar sob o peso

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dos padecimentos, e f inalmente para sempre, mau grado as tentat ivas reiteradas da

arte , mau grado as di l igências e as aspirações de todos.

12 – No dia imediato o seu corpo inanimado era conduzido, do pequeno templo

onde se lhe f izeram as últ imas cerimônias rel igiosas, para o jazigo que devia

recebê-lo; e a turba numerosa dos amigos acompanhou o até esse lugar, onde se ia

fechar , de uma vez para esse f inado o l ivro da existência neste mundo.

13 – Não era o grupo de espectadores curiosos que se detêm por espír i to de sistema

ante o painel sempre signif icat ivo de um enterramento; aí havia mais do que

simples cortesia: o homem que descia então para as sol idões da sepultura era um

f i lho do povo, pobre de recursos, mas r ico de talento; e os i lustres personagens que

prezaram na vida o homem de intel igência e de mérito não lhe voltaram as costas

depois que a morte arrebatou-o do meio deles.

14 – Não! Antônio Pedro de Figueiredo vivera na pobreza, arcara por vezes com a

adversidade, combatera indefeso nas l ides generosas do saber, arrojara-se impávido

pelo mundo das letras, inscrevera também o seu próprio nome nas memórias do

jornal ismo, estudara com satisfação e provei to, e conquistara, sem dúvida, conceito

e reputação bastantes para que se possa falar dele com honra.

15 – Nascendo no seio de uma famíl ia honesta, ele se achou bem depressa

contrariado em seus legít imos intentos; escasseavam-lhe os meios para levar a

efeito aspirações tão justas, quanto subl imes: sobrava-lhe, porém, a energia de

alma, a força dos próprios sentimentos; e ninguém mais do que ele soube quanto

vale a perseverança, a dedicação, a tenacidade de uma vontade que zomba das

circunstâncias, que antevê, através das sombras de um presente pouco l isonjeiro, o

vulto esplêndido de um futuro que a del icia.

16 – Figueiredo sacri f ica-se ao estudo; e se a Providência negou-lhe a opulência e

os tesouros que faculta a muitos outros, abriu-lhe fontes mais abundantes e pôs-lhe

diante dos olhos tesouros mais preciosos e dignos de maior est ima.

17 – Como é belo o tr iunfo alcançado pelo talento! Por mais que digam o contrário

esses que se deixam rastejar ignorados no tropel dos adoradores da matéria, há para

o espír i to uma vida de gozos inexprimíveis, há para a intel igência uma coroa

sempre viçosa e perfumada, há para o homem de mérito uma glória imorredoura.

18 – Se ao amanhecer-lhe a existência neste mundo ele não se viu rodeado dos

encantos da púrpura ou do ouro ; se desde esses primeiros instantes não se lhe

desdobraram formosas e deslumbradoras as tapeçarias de uma sala elegante, as

alfaias custosas de um palácio magníf ico, as suntuosidades de uma habitação

aristocrát ica, nem por isso definhará no opróbrio e desaparecerá esquecido, esse

quem quer que seja, para o qual a natureza foi pródiga de seus dons mais subidos e

apreciáveis. E que há aí mais interessante que a vitór ia assinalada do engenho sobre

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os cálculos posit ivos e estúpidos da matéria?! Onde está a nobreza da legít ima

origem, se não a encontramos no espír i to que se engrandece, à custa de vigí l ias, de

investigações assíduas e de continuo trabalho?! Em que parte iremos procurar os

foros de uma consideração val iosa, de uma sól ida reputação, se a não achamos no

merecimento que se dist ingue, na dist inção que se conquista?!

19 – Por esse lado ninguém conquistou com mais afã, com mais empenho e

ansiedade que o nosso amigo. Venceu obstáculos que a outros pareciam

insuperáveis: dormiu por vezes sobre os l ivros, enquanto muitos, que se apregoam

de trabalhadores e progressistas, fecham-nos para sempre, ou se, dormem, é no sono

da indolência e da preguiça que somente lhes pode trazer por brasão a obscuridade,

que é um brasão nulo.

20 – A essa incansável sol ici tude deveu Figueiredo o elevar-se bem cedo na posição

que conquistou palmo a palmo. O discípulo que devassa com tanta galhardia o

campo da ciência, que seguia ousado por esse caminho cheio de tropeços e de

embaraços, que tr i lhava essa estrada íngreme, arr imado a uma vontade de ferro,

tornou-se depois mestre: e se o magistério proporcionou-lhe maior espaço para ir

adiante, é porque nele se dava a união do estudo com as habi l i tações naturais.

21 – Mais tarde surgiu nele o jornal ismo, com a dicção pura e correta, com as

graças do est i lo, que lhe traduziam os pensamentos e as idéias, com os atavios da

forma que ele nem sacri f icava às usanças do arcaismo, nem malbaratava no gosto

bárbaro dos neologismos que vão tanto em moda.

22 – E quando, chegado a este ponto , f igura-se-lhe próximo o momento de ir dar

mais largas ao espír i to, quando sonhava já com uma viagem, através do Atlant ico,

que lhe devia abrir os olhos a um mundo mais vasto, soou para ele a hora extrema;

e o corpo pendeu para a terra, e ao f im da senda lhe estava escancarada uma

sepultura!

23 – Embora! Passou-lhe bem por perto a primavera garr ida com suas belezas

embriagadoras e louçãs: e essa primavera foi a glória que lhe sorriu na mocidade.

Embora! Atravessou ele com vento em popa o mar tempestuoso do jornal ismo; e

colocado de pé na direção do seu barco deixou-se levar sereno e benfadado pelas

suas auras bonanças que lhe enfunavam as velas.

24 – Sentara-se um dia em seu posto de honra, di tara algumas páginas de boa prosa

para a primeira folha da Província, da qual já era um ornamento, colaborara com

dignidade no sentido do progresso e da civi l ização de sua pátr ia, e um precioso

folhet im criado por ele valeu-lhe desde essa época de tradição gloriosa nos anais da

l i teratura contemporânea. (sic)

25 — Nós – que ainda mal ! – o substi tuímos hoje em sua obra, conservamos-lhe o

nome que ele mesmo lhe havia dado: é mais um tr ibuto de respeito que pagamos à

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sua memória. Aprendemos com ele (não nos envergonhamos nunca de confessá-lo),

com ele palestramos e convivemos em mútuo comércio de letra e de ciência,

sentamo-nos muita vez com ele à sombra do mesmo lar, abrigados à mesma árvore,

provando os mesmos frutos, tomando parte nas mesmas l idas da escola. Durante sua

longa enfermidade prestamos-lhe o auxíl io que nos permit iam nossas forças,

substi tuindo-o sem interrupção no trabalho que hoje nos cabe como efet ivo

exercício: e se, enquanto ele vivera, não lhe votamos o nome ao esquecimento,

menos o poderíamos fazer à hora em que seu cadáver ia ser encerrado nos estreitos

l imites de uma sepultura; menos o poderíamos fazer agora, que estamos ocupando o

seu lugar nesta obra que ele fundara.

26 – Se nesse momento de despedida solene, houve muitos que lhe orvalhassem o

corpo, já resfr iado pelo gelo da morte, com o pranto sentido e amargurado; se então

lançaram-lhe muitos por sobre o jazigo a saudade,simbólica que traziam no coração;

se não faltou quem lhe fosse render aí mesmo o feudo insuspeito da consideração

por nossa vez, também nos desvanecemos de havê-los acompanhado com toda a

sinceridade e candura.

27 – Al i , ao passo que um poeta dist into, que já se engrinalda de louros na

mocidade, fazia ouvir a sua vóz plangente e inspiradora, que é sempre bem-vinda

nas comemorações públ icas, e lhe dir igia uma homenagem de afeto ínt imo; al i ao

passo que um art ista de mérito falava em seu nome e de sua digna corporação essa

l inguagem tocante que tem todo o cunho da singeleza e da gravidade; nós, colega e

amigo do i lustre f inado, mandáramos-lhe um adeus saudoso, uma lembrança viva e

perpétua, uma frase pura e signif icat iva da mais terna amizade.

28 – Fizemo-lo, tanto mais quanto era um dever de nossa parte: f izemo-lo, porque

Figueiredo o merecia, e porque à beira de uma campa é que se pode falar com mais

l iberdade, sem temer o olhar sarcástico e repelente do detractor, nem as censuras

mordazes e vi lãs do hipócri ta traiçoeiro e cavi loso.

29 – A província perdeu em Figueiredo um de seus homens de letras que muito a

enobreciam: – as letras perderam nele um de seus mais zelosos cul tores. – Se, como

homem, ele t ivera defeitos, cumpre a Deus julgá-lo e apreciá-lo: como cidadão

sabia cumprir o seu dever, como mestre era digno do lugar que ocupava, como

amigo era credor de toda a confiança e est ima.

30 – Viveu e morreu pobre, é verdade; mas a r iqueza é de um dia, e a intel igência e

a glória não se somem na poeira de um cemitério... Nisto ao menos, está a elevação

do talento: não podem contestá-lo, porque o l ivro em que se lê o necrológico de um

homem de mérito real é aquele mesmo em que se inscreve a sua memória para a

posteridade.

31 – O assunto de hoje prende-nos a certas considerações morais que não virão fora

de propósito: Quando se trata da morte, é natural que se fale da vida: são dois

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termos opostos de uma proporção que vem a ter uma solução única; e por isso, o

espír i to passa naturalmente duma para outra.

32 – A f i losofia, sonhadora audaz que percorre com tanta sofreguidão o universo,

colhendo da contemplação e do estudo de todos os seres criados certos princípios e

idéias com que se põe a caminho para investigações mais altas e di latadas, está

desde muito a mirar o quadro quase indefinido da vida geral, que se lhe ostenta

bri lhante e variada em todo o espetáculo da natureza. Já desde muito explora esse

terreno, onde se tem perdido não poucas vezes, extenuada de cansaço, lutando com

dif iculdades imensas, i ludida em milhares de aspirações que se não real izam, que,

por ventura, a condenariam ao desespero, se lhe não assomasse ao longe, com todos

os visos de medianeira ef icaz, a fé que se baseia de todo nas belezas da moral e nas

inspirações supremas da rel igião.

33 – Compreender, somente à luz da razão, os mil segredos e prodígios que aí se

notam na extensa escala da criação, no panorama da natureza, já sob a relação

puramente física, já sob o aspecto essencialmente moral; conhecer uma por uma

todas essas leis de sumo valor que formam o enlace e consti tuem a harmonia do

plano universal, conceber tudo o que vai de superior e de elevado nesse

desenvolvimento da at ividade pasmosa que se irradia em toda a organização animal,

e que mais ou menos ressalta no mecanismo, na combinação, na travação estreita de

todas as criaturas, presas por um f io ininterrupto à primeira cadeia da criação ;

definir depois o que importa, o que signif ica, o que representa tudo isso: eis o

problema dos problemas; eis a mais dif íci l e importante de todas as questões. A

dif iculdade, porém, ainda mais sobe de ponto, porque se julga talvez que a razão

por si só expl ica todos esses fenômenos e compreende-lhes a causa e a origem

fundamental: – aí é que está o gravíssimo erro de muitos pensadores temerários, de

muitos investigadores ousados que se abalançam com tanto ardor pelas regiões de

uma f i losofia demasiado racional ista.

34 – Outros, entretanto, bem que sigam unicamente a impulsos e os esforços da

razão, nessa pesquisa tão árdua em todos os domínios da natureza criada, deixam-se

f icar na observação muda e simples da matéria; e racional istas quanto ao

instrumento de que se servem, nesse empenho tão arriscado, passam a ser

material istas, quanto ao resultado f inal de suas indagações.

35 – Fáci l é ver que essa questão magna, importantissima, de que eles tratam, é a

questão da vida considerada em todas as relações do seu próprio desenvolvimento; e

por mais que eles pretendam resolvê-la, nunca o poderão conseguir , se não

chamarem em auxíl io da razão o princípio rel igioso, a revelação, a fé.

36 – Se até certo ponto se pode sustentar que “não se pode saber nada com

exatidão, com certeza” , como o proclamava o primeiro f i lósofo das Gálias,

Favorino, autor da Visão Compreensiva e da Proposição Acadêmica; se muito antes

desse escri tor já o célebre Salomão havia di to que o “homem não pode achar razão

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alguma de todas as obras que aí se patenteiam debaixo do sol” ; parece que, em

nenhum caso é isto uma verdade de primeira

ordem como quando se investiga e se procura anal isar o que é a vida. 37 – Encarada

pelo lado absoluto, e sem que a vamos apl icar somente ao ente racional; tomada,

sim, num sentido verdadeiramente geral, o que vem a ser isto a que se chama vida,

e sobre a qual tanto se há disputado nas escolas, pela imprensa? Se a estudarmos

sob o aspecto essencialmente f isiológico, qual será a definição que lhe convenha?

38 – Kant, que não será tachado de suspei to em matéria de f i losofia, mormente

naqui lo que se quer sujeitar exclusivamente ao domínio da razão, porque ele mesmo

é o príncipe dos nacional istas, na frase de um sábio escri tor da época, define a vida

– “um princípio interior, de ação, de mudança e de movimento”. Entretanto, essa

suposta definição nada expl ica: adotando-a, o espíri to f ica na mesma obscuridade

em que antes se achava; suscitam-se quase as mesmas dúvidas sobre o valor da

palavra que anda de boca em boca, a respeito de cuja signif icação nem todos se

compreendem, bem que todos sintam em si o que é em si mesmo essa vida que

também se manifesta no mundo material somente pelo lado físico.

39 – Outro f i lósofo, Schmidt, não duvidou defini -la: - “a at ividade da matéria

dir igida pelas leis da organização”. É evidente que esta definição não peca por ser

extensa e difusa, mas antes por ser lacônica demais; porque há aí um vácuo que se

não supre, ou talvez, consti tui isso uma verdadeira petição de princípio. Fora

necessário, pr imeiro que tudo, conceber e mostrar o que é essa “atividade da

matéria” e quais são essas “leis da organização”; fora necessário dist inguir a

matéria como princípio da atividade como qual idade, não identi f ica-las; separar a

ação material, quanto à substância da ação direta e reguladora dessa mesma

substância. Por sua parte, Erhard quer que a vida seja “a faculdade do movimento

destinado ao serviço do que é movido”; e Cresivano a define: - “a uniformidade

constante dos fenômenos, com a diversidade das inf luências exteriores”. Qualquer

uma destas expl icações é em si mesma inexpl icável; e a vida não f ica mais

conhecida com estas definições do que era antes de serem elas mesmas conhecidas.

O que dirá a semelhante respeito o grande Bichat, cujo l ivro da vida e da morte aí

corre tão aplaudido, com uma reputação propriamente européia? Que sentença

proferirá neste caso esse autor de tão ampla nomeada, esse mestre da f isiologia,

como geralmente o consideram? “A vida, proclama ele, é o todo das funções que

resistem à morte”.

40 – Não é possível que à sombra da ciência se zombe mais do bom senso e da

lógica da humanidade! É um f isiologista que fala: e é dele mesmo que procede

ainda maior dif iculdade na compreensão da palavra, porque a definição é uma

misti f icação, ou, antes, um perfeito jeu d’espri t.

41 – Quando espír i tos tão i lustrados andam assim às apalpadelas sem saberem o

caminho de devam tomar para definir o que é a vida no seu sentido absoluto e geral;

quando Adelon, servindo-se antes de uma l inguagem híbrida do que perceptível, não

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teme dizer que a vida é um modo de at ividade, de existência, no qual se começa a

exist ir por um nascimento, cresce-se por intussuscepção, acaba-se por uma morte, e

durante a existência que é l imitada, conserva-se como indivíduo por nutrição, como

espécie por uma reprodução, e passa-se por diferentes idades; quando o próprio

Cuvier, de tão célebre memória, definiu a vida “a faculdade que tem certos corpos

de durar por certo tempo e sob uma forma determinada, atraindo incessantemente

em sua substância parte das substâncias, etc.”; quando, não satisfeito com essa

definição, formulou ele mesmo a seguinte: - “a vida é um turbi lhão mais ou menos

rápido, mais ou menos complicado, cuja direção é constante e que arrasta sempre

moléculas, da mesma maneira, mas onde as moléculas individuais entram e donde

saem continuamente”; - há razão de sobra para dizer que a vida não se acha

perfeitamente expl icada e definida, que a fi losofia e a f isiologia quase que a não

têm pressentido.

42 – Fechemos os l ivros que nesta parte não dizem nada, deixemos aos f i lósofos o

gosto dessa fraseologia alambicada, com que i ludem por vezes em lugar de

convencer; e aceitemos a rel igião como intérprete, como decifradora desse grande

problema. Entretanto, a solução por esse lado não é aparatosa na forma, nem seduz

pelo bri lho falso da tecnologia; - há toda a simplicidade no conceito e por isso há

toda a faci l idade na compreensão.

43 – O catol icismo – a única rel igião verdadeira, porque é a única rel igião i lustrada

e civi l izadora – proclama a harmonia das leis naturais como resultado necessário do

plano providencial na criação: - daí a necessidade de admit ir nos seres criados uma

manifestação externa, segundo leis próprias que lhe foram determinadas e assinadas

antes. A vida será, pois, a ação efet iva, o desenvolvimento progressivo e

ascensional das coisas criadas, a existência delas em toda a esfera de sua própria

at ividade: - a vida do universo, portanto, é a existência de toda a criação com a sua

força at iva: - a vida do universo, pelo lado f ísico ou f isiológico, será a existência

de toda a criação, obedecendo às leis de seu desenvolvimento físico e natural.

44 – Assim, a regularidade das funções orgânicas em todos os corpos, os fenômenos

da procriação, da disseminação das espécies, da reprodução dos seres, da sua

mult ipl icação e af inal da decomposição dos seus elementos, consti tuem a vida

desses mesmos corpos, sob a relação natural e f isiológica; por isso o homem,

entrando como ser, como criatura, no quadro dessa total idade de seres criados, tem

igualmente a sua vida física, sujeita às leis naturais, que, guardadas as proporções

devidas à espécie a que ele pertence, tem o mesmo caráter de permanência e

estabi l idade.

45 – Mas, pondo de parte o que é a vida física do homem; deixando mesmo de

examinar essas relações contínuas que se dão no ente racional entre o f ísico e a

moral, estudos esses que já têm ocupado a tantas cabeças, antes e depois do célebre

Cabanis; meditemos um pouco, e façamo-lo, como homem e como cristão – sobre o

que é a vida humana, sob o aspecto moral, em sua acepção mais vasta e mais nobre.

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46 – Assim como a vida física dos outros seres que consti tuem o universo é um

mistério, cuja primeira chave está em Deus – n Criador – porque dele é que emanam

essas leis diretoras do desenvolvimento de todos eles, assim como a vida física do

homem acha a sua expl icação, a sua suficiente solução nesse ponto culminante e

últ imo das investigações do espír i to; assim também, e com maioria de razão, a vida

moral do homem, que em si mesma envolve quase toda a sua mani festação natural e

espontânea, somente pode ser compreendida à luz da f i losofia rel igiosa, como uma

questão de alt íssimo alcance que a fé e a revelação perfeitamente expl icam. Nem se

julgue que, ao considerarmos o homem-moral, em sua esfera de ação, nós o vamos

separar inteiramente do homem físico: se há nele duas faces dist intas, assim como

pode haver uma terceira que é a intelectual, apraz-nos compreende-lo em todas elas

ao mesmo tempo, quando nos referimos ao seu desenvolvimento moral, porque este,

sem dúvida, importa a parte mais assinalada da at ividade humana.

47 – O que é, porém, a vida do homem, em geral? O que vem a ser ela sob o aspecto

moral? Como a expl icaremos? Onde e como lhe procuraremos a solução necessária e

conveniente? Di-lo, por ventura, a f i losofia das escolas, a f i losofia sistemática,

l ibérr ima, paradoxal, que ora degrada o homem até a simples matéria, como a de

Epicuro e de Helvécio, ora o confunde e a Deus com o todo – com o universo –

como a de Espinosa e Lamennais, que umas vezes remonta-se impávida nas asas de

um ideal ismo transcendental e absurdo, como a de Platão e de Hegel, ou debate-se

do labir into inextr incável da dúvida absoluta, como a de Pirro e de Bayle? Di-lo-á

essa f i losofia que, pela boca do i lustre Bonald, define o homem – “uma intel igência

servida por órgãos”? di-lo-á essa que inspirava Hobbes, quando o obrigada a

proferir que o estado natural do homem é o da guerra; ou essa que levava Rousseau

a proclamar a doutr ina severa e antisocial da misantropia como a mais conforme

com as tendências e as aspirações naturais do coração humano? Pode-lo-á essa

f i losofia arrogante do chefe do eclet ismo francês, que leva o panteísmo ao ponto de

estabelecer a necessidade imperiosa da criação, como o t í tulo sem o qual se não

pode compreender a existência de Deus?

48 – Não! a verdadeira f i losofia está no Evangelho: - a vida humana só pode ser

expl icada, mediante as inspirações desse código universal: - a terra, para o homem,

é, segundo essa f i losofia suprema, a sua tenda de viagem. Lançado no mundo, o

homem tem uma missão a cumprir: abre-se-lhe para logo um estádio, ao f im do qual

ele deve parar um dia: nesse dia a peregrinação f inda-se-lhe neste mundo, e,

segundo o papel que desempenhará nessa jornada, para a qual fora chamado, achará

um marco mil iár io onde se encoste, no pleno gozo de uma fel icidade sem l imites,

ou puri f icar-se-á do mal que prat icara, para subir l impo ao seio do Eterno, ou terá

por paradeiro a dor, o desalento e a privação da luz e do bem.

49 – Venham agora os f i lósofos, e digam-nos: o que signif ica a vida do homem: O

que é ela, em suma? Eles, sem dúvida, não a poderão expl icar com os seus sistemas

e com as suas teorias abstrusas e repuls ivas: - i rão pedir à fé a solução do

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problema, à rel igião o desenlace do enigma; e mais se instruirão, ao f ixarem os

olhos sobre a cruz, al alçarem as vistas para um túmulo que se entreabre na sol idão

e no si lêncio, através das sombras e das trevas.

50 – Bendita f i losofia que nos deste o conhecimento da vida! Bendita crença que

nos iniciaste nos segredos da eternidade! Antes que tu houvesse falado, a

humanidade parava na contemplação da vida mortal, da existência neste mundo: -

depois, tu proclamaste os princípios da verdade: - e o homem compreendeu desde

então o que é, quando sem o teu auxíl io, sem a tua instrução, nem sabia ele o que

podia ser.

51 – E somente assim compreende-se a vida e expl ica-se a missão do homem na

terra. O i lustre moral ista e f i lósofo português disse que a “vida é um enigma que a

morte vem decifrar”; disse muito, mas não pronunciou tudo o que a religião ensina

a semelhante respeito. A morte decifra a existência na primeira fase de seu natural

movimento, até a decomposição da matéria; mas daí para cima, a morte é

insuficiente para resolver a questão: e só em Deus é que ela se resolve af inal.

52 – O sábio brasi leiro, o marquês de Marica, disse-o perfeitamente: a vida humana

é um problema que se resolve em Deus.

53 – Eis a solução da f i losofia catól ica: - é a sentença últ ima e peremptória dada

nessa matéria pelo bom senso, pela fé, pela rel igião, pela própria natureza e pela

história ínt ima da humanidade.

54 – Findaríamos aqui, se não t ivéssemos de acrescentar duas palavras a essa

comemoração sincera que no começo deste folhet im dir igimos ao amigo que na não

vive.

55 – Há pouco – pelas 7 horas da manhã – revezava-se na capela do cemitério uma

missa e art icularam-se as orações fúnebres ante a sepultura de Antônio Pedro de

Figueiredo. O ato esteve solene; vários amigos do ilustre f inado se achavam

reunidos al i , sob a pressão do mesmo sentimento: - era a saudade que transparecia

no semblante de todos, porque a dor lhes repassava o coração. Havia dentre os

circunstantes um a quem esse espetáculo comovia de ais perto: - para ele aquele

jazigo encerrava mais de um amigo, um pai . . .

56 – Lia-se na frente da catacumba nº 21 do lado direito, onde repousam os restos

mortais do nosso amigo, a seguinte inscrição:

Aqui jaz

ANTÔNIO PEDRO DE FIGUEIREDO

Lembrança de seu amigo

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Manuel Luiz Virães – 1859

57 – É uma inscrição modesta, mas revela toda a candura de uma alma que sabe

prezar o culto da amizade, e que tem amplo direito à manifestação do nosso afeto,

do nosso reconhecimento e veneração.

Honra ao amigo que teve esta lembrança tão consoladora e ef iciente.

T.B. (pela primeira vez Torres Bandeira coloca suas iniciais ao f im de “A

CARTEIRA”

Folhetim: A Carteira, Diário de Pernambuco, Recife, 29.08.1859.