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    D E M O C R A C I A V I V A   40

    SETEMBRO 2008

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    46  DEMOCRACI A VIVA Nº 40

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    SET EMBRO 2008  47

    A R T I G OMarco Aurélio Santana*

    Em 20 08 , com emo ram-se 30 an os das chamad as “ g reves do A BC” .

    O mov imen t o dos t r aba lhadores b ras i l e i r os de f i ns da década de

    1970 t eve pape l impor t an t e no p rocesso de redemoc ra t i zação da

    soc iedade b rasi l ei r a, con t r i bu indo f o r t em en t e pa ra o desf echo d o

    reg ime m i l i t a r i ns t au rado no B ras i l pós -1964 . Mo t o r e f r u t o da

    “ a b e rt u r a p o l ít i ca ” , o s i n d i c a l i sm o b r a si l ei r o c a m i n h o u a p a s so s

    la rgos pa ra a re t om ada de seu lug a r no cenár io po l ít i co nac iona l .

    Essa base serv iu de preparação de ter reno para um de seus mo-

    mentos de ouro em termos organ izat ivos e mobi l iza tór ios , ocor r ido

    n a d é c ad a d e 1 9 8 0 .

    Trinta anos das

    greves

    do ABC

        M

        O

        N    T    A    G    E    M

         S    O    B    R    E

        C    A    R    T    A    Z

      –

        A    R    Q

        U    I    V    O

         H    I    S    T     Ó

        R    I    C    O

         D    O

         M

        U    S    E    U 

        D    A 

        R    E    P     Ú    B    L    I    C    A

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    48  DEMOCRACI A VIVA Nº 40

    Pod e-se d ize r que , d i r e ta ou ind i re ta -m en te , a pa r t i r d as g reves ocor r id as no ABCpau l is ta , en t re 19 78 e 198 0 , e d e suas rever-be rações e compos ições com ou t ros a to resresul taram : um p ro jeto sind ical (o “ no vo s ind i-ca l i smo” ) , um par t ido po l í t i co (o Par t ido dosTrabalh ado res) e um a centra l s ind ica l (a Cen-

    t ra l Ún ica dos Traba lhado res) . Apó s dez anosde t rabalh o s i lenc ioso, passadas as greves deCon tagem e Osasco , em 1968 , os t r aba lha -do res reapareciam n a cena pú b l ica de fo rm avigorosa, indicando que era possível enfrentara d i tadura com base em suas p rópr ias o rga -n izações e mobi l izações.

    Lenta e gr adual

    A p a r t i r d e me a d o s d a d é c a d a d e 1 9 7 0 , oregime mi l i tar revê suas estratégias. O esgo-

    tam ento d o “ m i lag re b rasi le ir o ” – p rec ip i tad ope la a l ta in te rnac iona l dos p reços do pe t ró -leo no p lano econô m ico – e a der rota e le i tora ld e 1 9 7 4 f r e n te a o Mo v ime n to D e mo c r á t i c oBrasi lei r o (M DB) im pu seram à d i tad ura umm o m e n to d e i n f l ex ão e d e a l t e r aç ã o d e r o ta .Venc ida a lu ta a rm ada , a inda q ue os resqu í -c ios d a m áquina repressiva f icassem exposto sem ações que p rovocaram mor tes e desapa-r e cime n to s, o g o v e r n o m i l it a r, c o m a c h e g a -da do genera l Ernesto Ge ise l (19 74 –197 9) àPres idência, se propôs à estratégia da “aber -tu ra ” po l ít i ca . Esse p rocesso , q ue garan t iu asobrev ivênc ia do reg ime, se da r ia de fo rma“ l e n ta e g r a d u a l ” .

    Ma s o mo v ime n to d o s t r a b a lh a d o r e st ra r ia ma io r comp lex idade ao quadro . E lesir rom peram na cena e estrem eceram os ar ran- jo s q u e se p en sava m sem el es. A so ci ed ad ebras i le i ra reconquis ta seus espaços de par t i -c ipação po l í t ica. V ivendo em um amb ien te deefervescência, e la verá surg ir inúm eros mo vi-mentos soc ia is que pav imentarão o caminhopara o p ro cesso d e redem ocra t ização , acele -rando a c r ise do reg ime mi l i ta r .

    D e n t r e e sse s m o v im e n to s , p o d e m se rl i st a d o s o e st u d a n t i l , o d e m u l h e r e s, o d eba i r ros e o con t ra a ca rest ia . Ar t i cu lados oun ã o a o mo v ime n to s i n d i c a l , o s mo v ime n to ssoc ia is , que f i ze ram com que novos pe rso -nagens en t rassem em cena , engrossaram alu ta d e m o c r á t i ca d o p e r ío d o , t e n d o n o s t r a-b a lh a d o r e s u m fo r t e a p o io .

    Qu a n d o o s me ta l ú r g i c o s d o A B C p a u -l i s t a e n t r a r a m e m g r e v e e m 1 9 7 8 , a b r i n d ocaminho para a pa ra l i sação que se segu iue m o u t r a s c a teg o r i a s, e l es r o mp e r am c o m o s

    l im i t es est re i tos da le i de g reve, com o “ a r ro -cho sa lar ia l ”  e o s i lênc io g e ra l ao qu a l hav ias ido fo rçada a c lasse trabalh ado ra. Com isso,impac ta ram a lguns dos p i la res de sus ten ta -ção po l í t i ca e econôm ica da d i t adura m i l i ta r.

    As greves iniciad as no ABC pau lista em1 9 7 8 p o d e m se r vi n c u lad a s n ão s ó a o m o v i -

    men to de res is tênc ia ge ra l da c lasse t r aba-lhadora b ras i le i r a , no pe r íodo da d i tadura ,mas também às in ic ia t i vas e aos impac tosd e s s a r e s i s tê n c i a n o p r ó p r i o A B C . Os v ín -cu los da mob i l i zação g rev is ta a lcançaram,ta m b é m , a s t e n ta t i v as d o S in d i c a to d o s M e -ta l ú r g i c o s q u e , j á d e a l g u m te mp o , t e n ta v aa o m e n o s r e f r e a r o “ a r r o c h o ” s a l a r i a l e oaumento da exp lo ração no t r aba lho . Isso jáf i cava c la ro ao long o de u m a sé r ie de ten t a -t ivas nas cam pan has sa lar ia is no in íc io da d é-c a d a d e 1 9 7 0 .

    O s ind icato caracter izava-se por cer tac o n t r a d i ç ão e m te r mo s d e a çõ e s. A o m e sm ote mp o q u e s e d e s v i n c u la v a d a F e d e r a ç ã od o s M e ta l ú r g i c o s d e Sã o Pa u lo , b u s c a n d od e se m p e n h o a u t ô n o m o n a s ca m p a n h a s,desest im ulava greves e para l isações, com o asten tadas na Ford e na Mercedes . Em 1974 ,rea l izou -se o I Con gresso d os M eta lú rg icosde São Bernardo do Campo. Esse encon t rode f in iu as o r ien tações fu tu ras do ó rgão re la-c i o n a d a s à l i b e r d a d e e a u to n o m ia si n d i c a l ,a u ma l e i b á s i c a d o t r a b a lh o q u e c o n te m-p lasse seus d i r e i tos fundamenta is e à con-t r a tação co le t i va de t r aba lho .

    É com esse t ipo de d e f in ição qu e Lu izInác io da Si lva, o Lu la – que já par t ic ipavac o mo me mb r o d a d i r e to r i a d a e n t i d a d e – ,chega à p res idênc ia do s ind ica to em 1975 .Os p r o c ed im e n to s, e m te r mo s d e ca mp a n h a ssa la r ia is , não se a l te ra r iam tan to nos anossegu in t es. Ap esar de a lgu m as conq u is tas novare jo , no a tacado , e ram re la t i vas a mob i l i -zação e a validação do s índices of iciais. O q ua-d ro em 19 77 ser ia o m esm o, com a ag ravan tedo e levado número de demissões empreen-

    d ido pe las em presas.O u t r o f a t o r d e t e r m i n a n t e , s e g u n d o

    anal is tas e ato res, fo i a revelação pelo BancoM u n d i a l d e q u e o r e g i m e m i l i t a r m a n i p u -l a r a , e m 1 9 7 3 e 1 9 7 4 , o s í n d i c e s d e i n f l a -ção , m ascarando o ve rdade i ro custo de v ida .Isso levou os t r ab a lhadores a serem pena l i -z a d o s e m 3 4 ,1 %. N e s s e mo me n to , o s i n d i -c a t o c o m e ç a u m a c a m p a n h a p e l a r e p o s i -ção sala r ia l em bu sca daqu i lo qu e lhes hav ias i d o r e t i r a d o . A i n d a q u e e x p e r ime n ta s s e op o u c o i n t e r esse d o s p a t r õ e s e d o g o v e r n o

    A R T I G O

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    n o s e n t i d o d a r e p o s i ç ã o , e s s a c a m p a n h at e v e g r a n d e p e s o n o q u a d r o d a s m o b i l i z a -ç õ e s p o ste r i o r e s .

    A c a mp a n h a s a la r i a l d e 1 9 7 8 t e r m i -n o u c o mo a s a n te r i o r es, h o m o lo g a n d o - se o síndices of ic ia is . Os representantes de gover -no e em pregadores est ranharam m u i to o fa to

    de o s ind ica to não te r inc lu ído o índ ice derea jus te sa la r ia l na pau ta de negoc iação , jáqu e o índ ice , com o sem pre , se r ia o ind icadop e lo g o v e r n o . Po r é m, o s i n d i ca to t i n h a c o m oe s t r a té g ia d e s ma s c a r a r t o d o o p r o c e s s o e ,assim , se recusou à n egoc iação tu te lada p e laJus t iça do Traba lho , ab r ind o m ão d e sua p ar-t i c ipação no d issíd io .

    A p ol í t ica do sind icato, então, era jogarpor te r ra o que se r ia a fa lác ia de pa r t i c ipa -ção gerada pe lo governo m i l i ta r e de ixa r umvaz io em te rmos da pa r te re fe ren te à rep re -

    sen tação do s t r aba lhadores. O s ind ica to , q ue – ao lo n g o d a ca m p an h a p el a rep o siçã o q u eprecedeu a cam panh a sala r ial – já v inha ba-t e n d o n a t e cl a d o “ r o u b o ” e f et u a d o p e l o g o -verno, preparava o caminho para uma desi lu-são a inda m a io r ao té rm ino d essa cam panh a .

    Em f ins de março , os t r aba lhadoresd a M e r c e d e s- B e n z j á h a v i a m p a r a l i sa d o ot r a b a lh o p o r n ã o t e r e m r e ce b id o o a u m e n toqu e a em presa costum ava conceder. O desen-vo lv im en to da p a ra l isação em vár ios se to resda fáb r ica levou à dem issão d e 17 o perá r ios ,f a z en d o o m o v ime n to r e f lu i r. A p r ó p r i a p o s -t u r a d a e mp r e s a , p o s te r i o r me n te , i n d i c a v acer ta a l te ração nos padrões de negoc iação .O en du rec im en to e ra sens ível .

    Em 1 2 d e ma io d e 1 9 7 8 , o s t r a b a lh a -d o r e s d a S a a b - S c a n ia e n t r a r a m e m g r e v e .Na ve rdade , a Scan ia passara , em f ins de1 9 7 7 , p o r t e n s õ e s i n te r n a s c o m s e u s e m-p r e g a d o s , o q u e r e su l t a r a n a d e m i s sã o d ea lgun s operá r ios. O s ind ica to reve r teu as de -missões na just iça, mas e las acabaram pre-va lecendo na p rá t ica .

    A g r e v e d e m a i o d e 1 9 7 8 , d e f l ag r a d a

    d i r e t a m e n t e p e l o s t r a b a l h a d o r e s d a f á b r i -c a , est e n d e u - s e p o r q u a t r o d i a s, a o f i m d o sq u a i s a d i r et o r i a d o si n d i c a t o a r r a n c o u u ma c o r d o “ d e b o c a ” d a d i r e ç ã o d a e m p r e s a .Depo is, p ression ada pe lo s ou t ro s seto res dai n d ú s t r i a a u t o m o b i l í s t i c a , a S c a n i a n ã oc u m p r i u o a c o r d o , t r o c a n d o o s 2 0 % d a sr e iv i n d i c aç õ e s p o r p a r c o s 6 , 5 % . N o v a m o -b i l i z a ç ã o f o i t e n t a d a , m a s , m e d i a n t e a sp r á t i c a s r e p r e s s i v a s d a e m p r e s a , n ã o s ee f e t i vo u . C o n t u d o , a s m o b i l i z a çõ e s p o r f á -b r i c a j á s e a l a s t r a v a m p e lo A B C p a u l i s t a .

    N o d i a 1 5 d e m a i o , p á r a a F o r d , e n o d i a1 6 , a V o l k sw a g e n . Já se c o n t a v a m c e r c a d e2 0 m i l t r a b a l h a d o r e s e m g r e v e. A p e s ar d oTr ibu nal Region al do Trabalh o (TRT) con side-ra r as g reves i lega is, fo i o in ício d e um a on damob i l i za tó r ia que a lcançou g randes , méd iase pequenas empresas , desenvo lvendo t ipos

    var iados de greve e com durações d iversas,chegando a a lcançar ou t ros m un ic íp ios , com oOsasco e São Paulo.

    Os mi l i ta res acusaram in f i l t r ação co -m un ista na g reve . A opo sição sa iu em apo ioa o m o v i m e n t o . A m o b i l i z a ç ã o a c a b o u p o ra t ing i r ou t ros se to res da economia . Apesarde n ão con segu i r o s índ ices reiv ind icados , oso p e r á r i o s e m g r e v e c o n s e g u i r a m a u me n to ssalar ia is ac ima daqueles oferec idos or ig ina l-m e n te p e lo s e mp r e g a d o r e s.

    Década sind ical

    Sem som bra de dú v ida , esse mo v imen t o s ig -n i f i c o u o p a s so f u n d a m e n ta l p a r a a r eto m a -da do mov imen to operá r io e s ind ica l b ras i -le i r o em te rmos da cena po l í t i ca ma is ge ra l .Em entrev is ta dada à rev is ta Visão , em 3 d eabr i l de 19 78 , an tes da g reve, Lu la d iz ia que“ o c a m i n h o f i c o u m u i t o t e m p o f e c h a d o , omato c resceu e es tá imped indo os t r i lhos .A g o r a , e s ta mo s a p e n a s c o r t a n d o o ma to ed e so b s t r u i n d o a l i n h a ” .

    A p e sa r d a im p o r ta n t e a tu a ç ão d o s i n -d icato, va le ressal tar as ações dos trabalha-dores na base das empresas . O fa to é que ,de u m a só vez , os t r aba lhado res co locavamem xequ e tanto a pol í t ica sa lar ia l com o a p ol í -t ica ant igreve do go verno, cho cando-se com oc o n ju n to d a p o l í t i c a d e “ a r r o c h o ” e mp r e e n -d i d a , d e l o n g a d a ta , p e l a d i t a d u r a m i l it a r.

    Com isso, abr i ram ter reno para muitasou t ras pa ra l isações qu e ocor re ram naqu e lesanos , demons t rando a insa t is fação operá r iae a von tade de es tabe lecer um novo es tadode co isas , tan to den t ro das empresas como

    no seio da soc iedade bras i le i ra .Os m ov imen t os se repe t i r iam em 197 9

    e 1 9 8 0 d e f o r ma mu i t o ma i s o r g a n i z a d a ea r t i c u l ad a , t r a n sf o r m a n d o o s m e t a l ú r g i c o sd o A B C e m v e r d a d e i r a p o n t a d e l a n ç a d eu m a l u t a m u i t o m a i s a m p l a , e m p r e e n d i d anos mais d iversos setores econômicos e emtodas as reg iões do país . A pujança dessesm o v i m e n t o s f o i r e i t e r a d a n a d é c a d a d e1 9 8 0 , q u e se co n f i g u r o u c o m o u m a “ d é ca -d a s i n d i c a l ” , f i c a n d o m a r c a d a n a h i s t ó r i ar e c e n te d o p a í s .

    TRIN TA ANOS DAS GREVES DO ABC

    *Marco Aurélio

    Santana

    Coordenador

    do P rograma

    de Pós-graduação

    em Sociologia e

    Ant ropologia (PPGSA)

    do I nst i t u t o d e Fi l oso f iae Ciências Sociais (IFCS)

    da Un iversidade Federal

    do Rio de Janeiro (UFRJ)