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III Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva São Paulo, 2014 1 EIXO TEMÁTICO: ( ) Ambiente e Sustentabilidade (X ) Crítica, Documentação e Reflexão ( ) Espaço Público e Cidadania ( ) Habitação e Direito à Cidade ( ) Infraestrutura e Mobilidade ( ) Novos processos e novas tecnologias ( ) Patrimônio, Cultura e Identidade A pré-fabricação na obra do arquiteto Jorn Utzon 3° Encontro Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo – III ENANPARQ Prefabrication through the work of Jorn Utzon 3 nd Symposium of the Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo – III ENANPARQ FONTÃO, Márcio Barbosa (1) (1)Graduando em Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, São Paulo, Brasil. [email protected]

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III Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo

arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva

São Paulo, 2014

1

EIXO TEMÁTICO:

( ) Ambiente e Sustentabilidade (X ) Crítica, Documentação e Reflexão ( ) Espaço Público e Cidadania ( ) Habitação e Direito à Cidade ( ) Infraestrutura e Mobilidade ( ) Novos processos e novas tecnologias ( ) Patrimônio, Cultura e Identidade

A pré-fabricação na obra do arquiteto Jorn Utzon 3° Encontro Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura

e Urbanismo – III ENANPARQ Prefabrication through the work of Jorn Utzon

3nd

Symposium of the Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e

Urbanismo – III ENANPARQ

FONTÃO, Márcio Barbosa (1)

(1) Graduando em Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, São Paulo, Brasil. [email protected]

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arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva

São Paulo, 2014

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EIXO TEMÁTICO:

( ) Ambiente e Sustentabilidade (X ) Crítica, Documentação e Reflexão ( ) Espaço Público e Cidadania ( ) Habitação e Direito à Cidade ( ) Infraestrutura e Mobilidade ( ) Novos processos e novas tecnologias ( ) Patrimônio, Cultura e Identidade

A pré-fabricação na obra do arquiteto Jorn Utzon 3° Encontro Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura

e Urbanismo – III ENANPARQ Prefabrication through the work of Jorn Utzon

3nd

Symposium of the Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e

Urbanismo – III ENANPARQ

RESUMO

O presente artigo pretende mostrar como o arquiteto dinamarquês Jorn Utzon utilizou a técnica da pré-

fabricação em sua construção. O objetivo principal aqui é provar que a solução construtiva por meio de

elementos pré-fabricados não precisa estar necessariamente ligada à conceitos formais rígidos. Para

demonstrar isso, foram escolhidos três estudos de caso da obra do arquiteto que mostram as

possibilidades de utilização da pré-fabricação numa obra criativa e repleta de significados culturais. O

artigo começa expondo a história da pré-fabricação e em seguida traz para a discussão uma crítica que,

baseada em exemplos ruins de edifícios pré-fabricados, deslegitima essa técnica construtiva. Após isso,

ao apresentar o projeto d Ópera de Sydney, Igreja de Bagsvaerd e Assembleia Nacional do Kuwait, este

trabalho se propõem em mostrar que ainda há possibilidades de utilização inovadora e criativa para a

pré-fabricação.

PALAVRAS-CHAVE: pré-fabricação; Jorn Utzon.

ABSTRACT

This article aims to show how Danish architect Jorn Utzon used prefabrication technic in construction.

The main goal here is to prove that constructive solution by prefabricated elements need not necessarily

be tied to rigid formal concepts . To demonstrate this, three case studies of the work of architect

showing the possibilities of use of prefabrication in a creative and filled with cultural meanings of work

were chosen. The article begins by exposing the history of prefabrication and then brings the discussion

to a critique that, based on bad examples of prefabricated buildings , delegitimizing this construction

technique. After that , when presenting the project d Sydney Opera House, of Bagsvaerd Church and

National Assembly of Kuwait , are proposed in this work show that there is scope for innovative and

creative use for pre -fabrication .

KEYWORDS: prefabrication; Jorn Utzon.

RESUMEN Este artículo tiene como objetivo mostrar cómo el arquitecto danés Jorn Utzon utilizó la técnica de la

prefabricación en la construcción. El objetivo principal es demostrar que la solución constructiva de los

elementos prefabricados no necesita necesariamente estar ligada a conceptos formales rígidas. Para

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demostrar esto, se eligieron tres casos de estudio de la obra del arquitecto que muestra las

posibilidades de uso de la prefabricación en unos significados culturales creativas y llenas de trabajo. El

artículo empieza exponiendo la historia de la prefabricación y luego trae la discusión a una crítica que,

basándose en los malos ejemplos de construcciones prefabricadas , deslegitimar esta técnica de

construcción. Después de eso , al presentar el proyecto d Sydney Opera House, de Iglesia Bagsvaerd y la

Asamblea Nacional de Kuwait , se propone en este trabajo muestran que existe la posibilidad de un uso

innovador y creativo para la prefabricación .

PALABRAS CLAVE: prefabricación; Jorn Utzon.

1 INTRODUÇÃO

Por mais que seja relativamente comum ouvir o tema da pré-fabricação sendo discutido entre profissionais de Arquitetura e Urbanismo do país, pouca atenção se tem dado ao tema no âmbito da pesquisa stricto-sensu. Prova disso é que um levantamento bibliográfico realizado em base de dados aponta para resultados pouco satisfatórios1. Buscando pela palavra “pré-fabricação” no Portal de Teses da Capes e na Biblioteca Digital da USP, pouco mais de 15 títulos foram encontrados. Esse resultado revela certo desinteresse pelo tema que possivelmente é alimentado por certos estigmas e preconceitos. Para isso, o trabalho desenvolvido aqui pretende olhar para a pré-fabricação a partir de uma perspectiva mais sensível, na tentativa de apontar possíveis inverdades.

Entretanto, para evitar cair na pretensão de querer encontrar soluções para esse tema, na minha posição de jovem pesquisador, faço questão de esclarecer o interesse desta pesquisa. Aqui, não irei abordar, por exemplo, os conceitos técnicos da fabricação de elementos pré-fabricados. Também não tratarei dos aspectos tecnológicos, tampouco pretendo provar por meio de equações as vantagens da construção pré-fabricada. Num viés mais modesto, me proponho a discutir as possíveis abordagens que um arquiteto pode ter enquanto estiver lidando com a tecnologia da pré-fabricação. Talvez, poderíamos considerar que esta seria uma abordagem mais poética, porém não menos séria, do papel da pré-fabricação na obra do arquiteto.

Para isso, analisarei alguns estudos de caso da obra de um arquiteto que se dedicou em conhecer a pré-fabricação. Por mais que seus projetos sejam pouco conhecidos, Jorn Utzon tem uma trajetória profissional que pode contribuir com a construção do conhecimento da prática de projeto de Arquitetura e Urbanismo. Assim, ao apresentar o projeto d Ópera de Sydney, Igreja de Bagsvaerd e Assembleia Nacional do Kuwait, este trabalho se propõe a mostrar que ainda há possibilidades de utilização inovadora e criativa para a pré-fabricação. Mas antes, um breve retorno à história da pré-fabricação nos ajudará nessa curta caminhada.

2 A PRÉ-FABRICAÇÃO

Após a Revolução Industrial a arquitetura tradicional que era feita até o momento passou a dividir espaço com novos edifícios até então pouco conhecidos. Esse cenário industrial

1 Pesquisa realizada no dia 05/03/2014

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proporcionou o surgimento da pré-fabricação, que rendeu material não só para igrejas de ferro fundido, casas de madeira para a Austrália e Nova Zelândia, e casas de chapas metálicas para as colônias da França, Alemanha e Bélgica (Knaap, 2013), como também material para galpões industriais e estações ferroviárias. A produção taylorista buscava encontrar a eficiência construtiva e assim, a sistematização das técnicas de fabricação foi inevitável. Um claro exemplo desse processo é o Palácio de Cristal para a Exposição Mundial de 1851 (figura 1): um pavilhão de ferro com fechamentos em vidro com 564 metros de comprimento e 149 metros de largura.

Figura 01: Palácio de Cristal, Londres.

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Kristallpalast_Sydenham_1851_aussen.png

Aos poucos, as novas técnicas construtivas e os novos materiais foram deixando de ser exclusivamente utilizadas nos edifícios fabris, e essa superação, foi acompanhada de uma intensa discussão sobre a perda da legitimidade da arte numa arquitetura produzida em escala. Segundo Knaap (2011), Gropius inclusive tentou por muitos anos desenvolver uma resposta à produção industrial baseada em princípios artisticamente unificados, estimulando novas experiências nos EUA que vão desde as casas de madeira compensada de Marcel Breuer (figura 02) até a casa de aço Case Study de 1950 na Califórnia. Apesar das discussões, com o passar dos anos, novos arquitetos passaram a utilizar novos materiais nos projetos dos edifícios. Entre eles, podemos citar: Salão de Leitura da Biblioteca de Paris (1958-68) de Henri Labrouste e Fagus (1910) de Walter Gropius e Alfred na der Leine.

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Figura 2: Casa Breuer

: Fonte: http://www.greatbuildings.com/cgi-bin/gbi.cgi/Breuer_House_I.html/cid_20051219_kmm_img_8969.html Acesso em

01/04/2014

Cerávolo (2007) ressalta que depois da primeira guerra, diante da situação na Europa, muitos arquitetos e intelectuais passaram a considerar a hipótese da popularização do sistema de pré-fabricação como solução para os problemas da sociedade naquela época. Mas se por um lado, as medidas para suprir o déficit habitacional estavam cheias de boas intensões, por outro a arquitetura pré-fabricada pode ter entrado num caminho bastante perigoso. A pré-fabricação possibilitava a produção massificada e de certo modo, muito mais inflexível, de modo que essa possibilidade assombrava os arquitetos da época.

Contra essa banalização da arquitetura pré-fabricada, Montenegro Filho apronta que Gropius defendeu em Novarquitetura (1935) a padronização e a produção em série apenas de partes, e não da casa toda, de modo que pudessem ser combinadas em diferentes arranjos resultando em casas distintas. Para Gropius, essa era uma alternativa de um caminho para a criatividade dos arquitetos, aliado à incorporação de técnicas de pré-fabricação.

“Nossas futuras casas não serão necessariamente produtos estereotipados como consequência da padronização e da pré-fabricação; a competição natural, no mercado livre, cuidará para que as partes da construção pré-fabricadas apresentem uma multiformidade tão individual quanto os artigos de consumo produzidos pela máquina, que hoje dominam o mercado.” (GROPIUS, 2004 in MONTENEGRO FILHO, 2012)

Em seu artigo “Why It's Time to Give Up on Prefab” (2011), Chris Knapp escreve sobre os principais eventos que contribuíram ainda mais para que a viabilidade da pré-fabricação fosse

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colocada em cheque. O autor lembra que em 16 de maio de 1968, o projeto Ronan Point Flats (figura 3) de Taylor Woodrow no leste de Londres “desabou parcialmente devido à insuficiência estrutural das paredes pré-fabricadas que suportavam a torre de 22 pavimentos” (Knapp, 2011). Somado a isso, a demolição planejada de Pruitt-Igoe (figura 4), projeto de Minoru Yamasaki em 1972 contribuiu para que um forte estigma sobre a pré-fabricação fosse criado. O autor ainda ressalta que nas últimas décadas do século XX, a pré-fabricação chegou a ser comparada “à construção de baixa qualidade que não é facilmente personalizada, desejada ou culturalmente significativa” (Knapp, 2011).

Figura 3: Ronan Point Flats, de Taylor Woodrow.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/5/55/Ronan_Point_-_Daily_Telegraph.jpg

Figura 4: Pruitt-Igoe, de Minoru Yamasaki

Fonte: http://rustwire.com/wp-content/uploads/2011/02/Cohn01.jpg

Entretanto, devemos lembrar que se por um lado a pré-fabricação em massa pode restringir a capacidade criativa do arquiteto, ou até mesmo criar bairros com imagens monótonas de casas pré-fabricadas, por outro, se bem utilizada, pode contribuir positivamente para o projeto de arquitetura. Aqui, é válido destacar que o termo para a pré-fabricação é muitas vezes entendido de forma equivocada. Se a produção total de edifícios pré-fabricados pode limitar

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ainda limita a ação projetual, a alternativa de usar a pré-fabricação em parte do edifício não parece tão absurda.

A NBR 9062 de 1985 aponta que o elemento pré-moldado é aquele “executado industrialmente, mesmo em instalações temporárias em canteiros de obra, sob condições rigorosas de controle de qualidade [...]”. Aqui, peço atenção especial para a execução industrial feita no canteiro, pois essa será a maneira como Utzon trabalhará em seus projetos. Com algumas exceções, os projetos estudados passam pela pré-fabricação dos elementos em instalações temporárias no canteiro de obras. Mas antes de falar sobre os projetos, vamos iniciar com uma breve biografia do arquiteto.

Filho de Estrid Utzon e Aage Utzon, Jorn Oberg Utzon (figura 5) nasceu em Copenhague em 1918, Dinamarca. Sua infância se desenvolveu entre os estaleiros de Aalborg e Helsingor, nos quais seu pai, engenheiro naval, foi diretor. Essa experiência aproximou Utzon do desenho de iates e velas que futuramente influenciaram sua obra, uma vez que o método da pré-fabricação é mais comum no campo projetual de barcos. Já como arquiteto, é importante reconhecer Utzon como parte da terceira geração de arquitetos modernos (Josep Maria Montaner, 2001), pois isso ajuda-nos a entender a sua obra. Para Sigfried Giedion, Utzon é o “representante máximo da terceira geração dos arquitetos modernos, sendo a Ópera de Sydney a obra paradigmática desta geração” (Giedion, 2004).

Figura 5: Jorn Utzon

Fonte: Adrian Carter, 2008.

Segundo alguns historiadores de arquitetura, a obra de Utzon concilia os preceitos universais da modernidade com a tradição vernácula e histórica (Fores, 2008; Giedion, 2002; Frampton, 1995). Algumas obras variam entre nenhuma e pouca abstração formal livre enquanto outras se aproximam de padronização de elementos e até pré-fabricação como, por exemplo, sua própria casa e seus conjuntos habitacionais. Montaner argumenta que Utzon é um reflexo tanto da melhor tradição da arquitetura moderna dinamarquesa quanto de inumeráveis influências internacionais. Esta estranha mistura, sabiamente dosificada e modelada para cada

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contexto, outorga um especial valor à obra de Utzon: “uma obra marcada pela vontade de conciliar fatores contrapostos na arquitetura” (2001).

Podemos considerar que o primeiro edifício erguido por Jorn Utzon foi em Alsgarde, próximo da casa de sua avó em 1940. Ele foi seu projetista, supervisionou o trabalho e participou diretamente de sua construção, auxiliado por um construtor que foi contratado por sua família. Utzon ajudou-o a construir o modesto “abrigo” sem muito significado arquitetônico, mas que diz muito sobre os valores de sua obra e sua maneira de trabalhar.

Desde então, Utzon revelou-se um arquiteto interessado no processo de construção. A partir deste singelo projeto para sua avó, uma das características mais marcantes da atividade do arquiteto era o gosto pela participação na realização do edifício. Segundo Drew, esta é a maneira que ele gostava de fazer as coisas “trabalhar com os fornecedores, dando instruções, assistindo ao progresso e corrigindo e ajustando os detalhes ao longo do caminho, independentemente da escala da obra” (Drew, 1999), de modo que muitos ajustes poderiam ser feitos mesmo no canteiro.

Mas a pré-fabricação não parece ter estado no processo construtivo do arquiteto desde o início da sua carreira. Pelo que seus projetos mostram, foi a experiência com a Ópera de Sydney que outorgou ao arquiteto um interesse especial pela pré-fabricação. Sem dúvida, a tradição da pré-fabricação dinamarquesa contribuiu para esse cenário, entretanto, somente uma experiência na escala da Ópera de Sydney daria ao arquiteto habilidade para lidar com a pré-fabricação com tamanha liberdade. E se por um lado, as circunstâncias e características do projeto da Ópera de Sydney a afastam dos outros projetos mais modestos, por outro, as soluções construtivas pré-fabricadas parecem aproximá-la das obras posteriores.

3 A ÓPERA DE SYDNEY

O edifício da Ópera de Sydney pode ser considerado a obra prima de Jorn Utzon. Foi nesse edifício que o arquiteto ganhou destaque internacional e possivelmente teve contato com as maiores dificuldades construtivas durante sua experiência como arquiteto. Para entender o edifício, muitos autores o analisam em partes, a saber: o pódio, as cascas e os interiores. Entretanto, aqui nessa análise, dedicaremos atenção especial à cobertura da Ópera, por ser o local no qual foi desenvolvida a maior parte da pré-fabricação.

Desde os primeiros desenhos feitos pelo arquiteto, como os que foram enviados ao concurso internacional em 1955 (figura 6) a cobertura passou por inúmeras alterações e sua realização foi um desafio para as técnicas construtivas da época. O primeiro desenho de Utzon previa uma casca fina de concreto armado, que resultava num desenho bastante influenciado pelo Terminal da TWA do arquiteto Eero Saarinem. Entretanto, após encontros com o engenheiro responsável Ove Arup, ficou claro que a realização da cobertura naquele formato seria impossível e então, estudos começaram a ser feitos com o objetivo de encontrar um desenho que unisse a plasticidade do desenho a uma possiblidade construtiva.

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Figura 6: Desenho de Jorn Utzon enviado para o concurso internacional em 1955.

Fonte: www.gallery.records.nsw.gov.au

Foram feitas pesquisas e cálculos por mais de 4 anos no escritório de Londres (Weston, 2002), de modo que eles propuseram cerca de doze diferentes geometrias para as conchas (Figura 7), todas elas com suas respectivas maquetes, cálculos e ensaios em túneis de vento, começando com superfícies parabólicas, passando por esquemas elípticos até chegar em anéis circulares.

Figura 7: Tabela com desenvolvimento estrutural da cobertura da Ópera de Sydney.

Fonte: Nomination by the Government of Australia for Inscription on the World Heritage List, 2006.

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Num certo momento, Utzon entrega o projeto nas mãos dos engenheiros de Ove Arup e somente a decisão de transformar a casca de concreto em abóboda nervurada possibilitou o andamento do projeto (Peñin 2006). Outra contribuição, foi a ideia de que todas as fôrmas do telhado poderiam ser derivadas a partir de uma única esfera e partir de um raio comum (figura 8), de maneira que os segmentos fossem divididos em componentes individuais pré-fabricados e, em seguida montados no local. Segundo o arquiteto “a ideia foi de dividir as várias partes em componentes iguais, as quais podem ser produzidas industrialmente, e depois unidas para formar a estrutura da forma desejada” (Jorn Utzon, 1965).

O corte radial em distintas proporções de uma mesma esfera de raio superior a 75m resulta em um perfil similar ao do concurso, e facilita a solução estrutural. Esta decisão possibilita a pré-fabricação e viabiliza a execução da obra, de modo que moldes da mesma curvatura são usados para pré-fabricar as vigas de seção variada. Aqui, estabelece-se um dos maiores avanços que a arquitetura de Jorn Utzon ofereceu: a pré-fabricação de peças estruturais unida à contundência da forma.

Figura 8: Diagrama com a solução para curvatura da cobertura

Fonte: www.gallery.records.nsw.gov.au /

No desenho acima é possível perceber a formação de “costelas” ao longo da cobertura. Essas, são formadas por partes pré-fabricadas que são sobrepostas uma a outra, acompanhando o desenho da curvatura. Produzidas em larga escala no próprio canteiro de obra e posteriormente içadas e “encaixadas” uma acima da outra, as peças foram moldadas em formato Y, no qual se obtém peças mais leves e resistentes. Abaixo, a foto mostra uma dessas peças terminadas, esperando para ser encaixada na cobertura (figura 9) e logo em seguida, outra foto mostra a peça içada sendo encaixada (figura 10).

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Figura 9: fotografia da peça pré-fabricada da cobertura da Ópera de Sydney

Fonte: http://www.davidmoorephotography.com.au/soh1to10.html

Figura 10: Colocação da peça pré-fabricada

Fonte: http://www.davidmoorephotography.com.au/soh1to10.html

Para o revestimento do edifício, Peñin afirma que a opção por colocar as peças manualmente foi logo descartada, devido às dificuldades técnicas e a pouca garantia de uma boa execução (2006). Assim, foram estudadas soluções de painéis pré-fabricados (figura 11) que garantiriam o controle da solução. Em um período de mais de dois anos, a empresa sueca Höganäs desenvolveu um sistema de incríveis 1.056.006 telhas dispostas na diagonal que se adaptam

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adaptação à curvatura (figura 12). Estas foram pintadas de branco fosco e bege para criar um efeito de luz e sombra que não causasse problemas de ofuscações.

Figura 11: Pré-fabricação das peças da cobertura

Fonte: Nomination by the Government of Australia for Inscription on the World Heritage List, 2006.

Figura 11: Aplicação das peças pré-fabricadas na cobertura da Ópera de Sydney

Fonte: http://www.davidmoorephotography.com.au/soh1to10.html Figura 12

4 A IGREJA BAGASVAERD

Após o abandono das obras da Ópera de Sydney, Utzon voltou à Dinamarca e realizou alguns projetos e entre eles está a Igreja Bagsvaerd. Segundo Montaner, neste projeto, Utzon mais uma vez, busca atender as exigências da industrialização sem sacrificar a expressividade (2001). Aqui, a forma exterior é definida por painéis pré-fabricados e peças de cerâmica enquanto no interior, superfícies onduladas em concreto armado formam o teto. Nesta parte, faço um apontamento referente à pesquisa bibliográfica que apresentou quantidade significativa de pesquisas e textos sobre o teto desse edifício, enquanto o exterior assume um papel coadjuvante no conjunto do edifício. Isso tornou a pesquisa muito mais complicada.

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Neste projeto, Utzon parece ter ignorado milênios de tradição que deu às igrejas certa forma clássica. Por fora, o edifício não se assemelha a um templo. Não há arcos, torres, pináculos, abóbodas, vitrais, ou qualquer outro tipo de solução que lembre uma igreja. Entretanto, por dentro, quando a luz zenital encontra as formas orgânicas do teto, a igreja assume um caráter solene comum nas igrejas. Para Drew, em vez de fazer uma atualização do gótico, Utzon viajou de volta para a era remota da igreja primitiva, quando pagãos e cristãos estavam misturados, e o cristianismo lutava para se estabelecer na fronteira da Escandinávia, e os templos muitas vezes, eram improvisados (1999). Em seus textos sobre Regionalismo Crítico, Kenneth Frampton aponta a igreja como um exemplo claro de "uma síntese autoconsciente entre civilização universal e cultura local" (Frampton, 2004).

A fachada exterior é composta de elementos pré-fabricados em concreto que remetem à tradicional construção dinamarquesa no estilo enxaimel (figura13). No caso da Bagsvaerd, os elementos de construção verticais e horizontais apoiam-se um ao outro numa relação mutua, onde eles se complementam e se sustentam. A construção pode, portanto, ser vista tanto como uma extensão de tradições regionais, como uma expressão dos métodos de construção do tempo.

Figura 13: Exemplo de casas no estilo Enxaimel.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/66/Tecklenburg_1_RA.jpg

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Figura 14: Igreja Bagsvaerd.

Fonte: http://effigyoflife.tumblr.com/post/10569223409/j-rn-oberg-utzon-bagsvaerd-church-copenhagen

As peças pré-fabricadas que foram produzidas em escala e montadas no local (figura 14) seguem a mesma dimensão na maior parte do prédio e sofrem alterações quanto à cor. São peças que se sobrepõe entre montantes, de modo que cada parte dessa parede alcança uma altura diferente, definindo a altura do interior do edifício. As peças mais próximas ao solo são pintadas de branco enquanto as peças superiores têm uma tonalidade mais escura, e de certo modo, isso contribui para que a igreja não assuma um caráter extremamente industrial. No desenvolvimento do piso da Bagsvaerd, também foram utilizados elementos pré-fabricados de concreto branco.

Mas a maior qualidade desse edifício não está na pré-fabricação, e sim na maneira como o arquiteto relaciona os elementos pré-fabricados do exterior com o interior – no qual não utiliza a pré-fabricação. A construção da fachada não cumpre uma tarefa unicamente funcional ou burocrática de proteger o interior de forma barata e de rápida execução, mas ao estabelecer um diálogo com os símbolos regionais e criar significados, a pré-fabricação de Utzon ultrapassa qualquer argumento que tente retirar legitimidade dessa técnica pelo argumento da inflexibilidade criativa.

Uma das possíveis interpretações, por exemplo, é a de Michael Asgaard Andersen (2005) que aponta a relação entre do interior e do exterior como um diálogo do sexo feminino e masculino. Apelidada de 'galinheiro', à primeira vista, o exterior da igreja sugere uma aparência sólida, dominante, industrial, com os ângulos retos do concreto pré-fabricado, num discurso de masculinidade (figura 15). No entanto, o interior contrasta com o que se poderia esperar. O poético “teto-nuvem” dá ao espaço sagrado um forte apelo para as emoções e exprime uma sensibilidade tipicamente feminina (figura 16).

Se na Ópera de Sydney o arquiteto une a forma orgânica ao sistema de pré-fabricação, aqui, Utzon revela outro interesse, que é contrapor a rigidez dos elementos pré-fabricados no exterior à flexibilidade do sistema do concreto armado moldado no local que foi utilizado no interior.

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Figura 15: Fachada e Corte longitudinal da Igreja Bagsvaerd

Fonte: http://www.docstoc.com/docs/134429889/Plans_-Sections-and-Elevations---Bagsvaerd-Church---Jorn-Utzonpdf

Figura 16: Fotografia do interior da Igreja Bagsvaerd

Fonte: http://thisisabprojects.com.au/blog/2013/2/7/the-bagsvrd-church-by-jorn-utzon

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5 A ASSEMBLEIA NACIONAL DO KUWAIT

Por fim, este seja um dos edifícios que ao lado da Igreja Bagsvaerd mais explicite o regionalismo de Utzon. Projetado em 1972, é um dos raros exemplos de uma declaração monumental efetiva no Oriente Médio. Segundo Curtis, Utzon era bem-sucedido em combinar referências locais, tipos tradicionais genéricos e uma organização moderna de espaço (2008). Ao que parece, a Assembleia Nacional do Kuwait revela essas características.

Se no primeiro caso de estudo desse artigo, o arquiteto utilizou a pré-fabricação aliada a formas mais “flexíveis”, e no segundo caso Utzon opta por deixar mais claro a imagem da pré-fabricação do exterior em contraste com a fabricação in loco, aqui, no caso da Assembleia (figura 17), a pré-fabricação é utilizada de duas maneiras. A primeira, que mais se assemelha à Ópera de Sydney, é a fabricação de peças com formas mais livres; a segunda, mais parecida com a Igreja Bagsvaerd, é a construção de elementos como vigas e pilares da maneira mais tradicional. Essa união resulta num edifício com uma alta carga simbólica e eficiente processo construtivo.

Figura 17: Vista geral do edifício da Assembleia Nacional do Kuwait em construção

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2f/Utzon_Kuwait_National_Assembly.jpg

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Figura 18: Implantação da Assembleia Nacional do Kuwait.

Fonte: Jørn Utzon, Kuwait National Assembly, 2008.

Segundo Weston, A concepção do edifício foi inspirada pela visita de Utzon a Isfahan , no Irã, em 1959 , onde ele ficou particularmente impressionado com a estrutura da cidade (2001). Em alusão a uma rua principal, um generoso corredor de 130m de comprimento por 10m de largura forma um eixo central ligando a praia até a cidade, de modo que os escritórios de cada ministro sejam localizados nas adjacências do corredor. Cada sala dessas é um módulo que vai se reproduzindo ordenadamente, mantendo os alinhamentos e corredores, numa sequencia bastante clara de adição. Toda essa estrutura mais simples foi construída em elementos pré-fabricados em concreto armado em formas bastante tradicionais com pilares e vigas de seção circulares e retangulares (figura 18).

Mas o destaque desse prédio fica por conta da praça pública: uma estrutura com um telhado imponente que cobre a entrada do complexo, concebida em um sistema pré-fabricado em concreto, com colunas regulares ritmadas que sustentam um teto. Segundo Curtis (2008), o conceito da cobertura, além de fazer certa referência à pureza da estrutura islâmica protetora, é uma imagem do Estado e invocava lembranças tribais que tinham a ver com a tenda principesca dos anciãos (figura 19).

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Figura 19: Fachada principal da Assembleia Nacional do Kuwait

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/66/Tecklenburg_1_RA.jpg

Sobre uma área de 3.200 metros quadrados, essa cobertura inclinada é formada por 11 semicilindros pré-fabricados, que por sua vez são apoiados por duas fileiras de colunas que também são pré-fabricadas. Esses toldos de concreto armado se colocam em forte contraste com as estruturas modulares das salas ministeriais.

Nissen aponta que com poucas exceções, o edifício todo é constituído por elementos de concreto pré-fabricado. Os elementos das colunas semicilíndricas ao longo do corredor central (figura 20) e da praça pública coberta foram pré-fabricadas em duas metades e obliquamente cortadas no topo (2008).

Figura 20: Colocação das peças pré-fabricadas na cobertura

Fonte: http://www.archinomy.com/case-studies/268/jorn-utzon-and-his-works

A suposta rigidez da pré-fabricação não pareceu conter o arquiteto, que durante o projeto, procura até em pensar como a luz e do espaço vão se relacionar com o homem. Em certo sentido, a preocupação com a luz e a sombra reforça neste projeto as inclinações de Utzon ao regionalismo crítico. Mas mais do que uma experiência visual, Utzon buscava transmitir uma experiência sensorial. Nas palavras do próprio arquiteto:

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“A luz do sol perigosamente forte no Kuwait torna necessário nos protegermos na sombra – a sombra é vital para nossa existência -, e esse salão que fornece sombra para as sessões públicas talvez pudesse ser considerado simbólico da proteção que um governante estende ao seu povo. Há um ditado árabe: ‘Quando um soberano morre sua sombra se perde”. (CURTIS, 2008)

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como mencionado no início do artigo, a proposta deste trabalho foi trazer à reflexão a potencialidade de uso dos sistemas pré-fabricados, a despeito das inverdades que muitas vezes são reproduzidas sem qualquer avaliação crítica. Considerando que esses edifícios são exemplares únicos e não estão previstas suas reproduções em massa, a pré-fabricação pareceu uma alternativa interessante.

As obras de Utzon demonstram um interesse do arquiteto com o processo construtivo e revelam sua consciência sobre as questões da construção. Para Frampton, podemos reconhecer certa tensão na arquitetura Utzon que por um lado, explora o potencial plástico do concreto moldado in loco, e por outro, tem uma preocupação com a construção geométrica do concreto pré-fabricado (Frampton, 2004). A repetição dos elementos se torna o caminho pelo qual os problemas geométricos e complexidades construtivas podem ser resolvidos de forma racional como acontece na Ópera de Sydney e na Assembleia Nacional do Kuwait. Nesses casos, a construção da geometria complexa foi simplificada e racionalizada com uma solução que permitiu empregar apenas um conjunto limitado de componentes. Mas se há um edifício na carreira de Utzon que destaca esta oposição entre in loco e pré-fabricado concreto é a sua Igreja Bagsvaerd, que exprime perfeitamente essa dialética tectônica. Quando a solução formal parecia simples, Utzon contrapõe uma suposta racionalidade construtiva, num jogo poético entre o exterior e interior.

Quando escreve sobre a Ópera de Sydney, o crítico de arquitetura Christian Norberg-Schulz aponta que “do ponto de vista da ciência, Utzon incorpora em sua arquitetura a integração de uma geometria sofisticada, tecnologia e arte. Ela resume o extraordinário potencial criativo de um conjunto de componentes repetidos, pré-fabricados." (Norberg-Schulz, 1996). E é nesse tipo de experiência que os arquitetos podem alicerçar sua trajetória de exploração construtiva, considerando a pré-fabricação como uma alternativa criativa que não pode ser abandonada, assim como sugeriu Knapp (2014), mas que pode ser reinventada e redescoberta em cada nova experiência prática de projeto de arquitetura.

7 REFERÊNCIAS

ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9062:2006. Projeto e execução de estruturas de concreto pré-moldado. Rio de Janeiro, 2006.

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FORES, Jaime Ferrer: In memóriam: Jørn Utzon, arquiteto. El País, 2 de dezembro de 2008, p. 42

________________: Jorn Utzon, works and projects, Gustavo Gili, Barcelona, 2006.

FRAMPTON, Kenneth: Beetween Artifice and Nature. In Louisiana revy vol. 44 no. 2 Jorn Utzon: The Architects Universe. Louisiana Museum of Art, 2004.

_________________: Estudios sobre cultura tectónica. Poéticas de la construcción en la Arquitectura de los siglos XIX y XX, Ed. Akal Arquitectura, Madrid, 1995.

_________________: The Evoution of 20th Century Architecture: A Synoptic Account. Everbest Printing, Columbia University, New York, 2007

GIEDION, Sigfried: Espaço, tempo e arquitetura. O desenvolvimento de uma Nova Tradição. São Paulo. Martins Fontes, 2004.

KNAPP, Chris . "Por que é hora de abandonar a pré-fabricação?" [Why It's Time to Give Up on Prefab] 27 Dec 2013. ArchDaily. (Julia, Maria Trans.) Accessed 28 Mar 2014. http://www.archdaily.com.br/br/01-163194/por-que-e-hora-de-abandonar-a-pre-fabricacao

KILLICK, David. The Sydney Opera House. Disponível em: http://www.davidkillick.co.nz/writing/architecture/sydney-opera-house . Acesso em 25/03/2014

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UTZON, Jørn. Sydney Opera House. 2000

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