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4. Encanto e desencantos: os sabores e dissabores na trajetória
Nas sociedades contemporâneas, o prestígio de uma profissão mede-se, em grande parte, pela sua visibilidade social. No caso dos professores estamos mesmo perante uma questão decisiva, pois a sobrevivência da profissão depende da qualidade do trabalho interno nas escolas, mas também da sua capacidade de intervenção no espaço público da educação.
(Nóvoa, 2009: 1865)
Os motivos de contentamento e de desilusão ao longo da trajetória docente
serão abordados levando em consideração as falas mais recorrentes de todos os
professores durante as entrevistas, portanto, os aspectos de maior relevo e
importância no percurso profissional. Questões que foram amplamente abordadas
e que atravessavam seus relatos, tornando-se, desta forma, mais expressivas e
significativas.
Para fins deste estudo, serão utilizadas as palavras Encanto e Desencanto.
Encanto66
, como algo que delicia, enleva, agrada, que gera contentamento e
prazer; e Desencanto, na perspectiva da decepção, da desilusão, da tristeza, do
desprazer, do descontentamento. Foram esses os sentimentos que marcaram as
narrativas dos professores nas entrevistas ao levantarem às razões geradoras de
gratificação ou de decepção com o magistério.
Como o motivo de Encanto com a profissão está diretamente associado ao
Aluno, ele porta uma valoração em termos de prazer agregado ao trabalho, um
aspecto atrelado à autorrealização profissional, quer seja pela dimensão relacional,
quer seja em relação ao bom desempenho, ao rendimento escolar do aluno. Logo,
um aspecto intrínseco à atividade docente.
Considerando que, a dimensão relacional do trabalho docente será debatida
no último capítulo, o objetivo agora é discutir o contentamento do professor em
relação ao bom desempenho do aluno em termos das aprendizagens construídas e
dos resultados nas avaliações.
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NÓVOA, António. Os professores e o “novo” espaço público da educação. In: TARDIF,
Maurice e LESSARD, Claude. O Ofício do Professor: História, perspectivas e desafios
internacionais. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 217-233. 66 In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
3. ed., Curitiba, PR: Positivo, 2004.
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Tendo em vista que, o trabalho docente se insere como uma atividade
humana, que exige a interação entre os sujeitos, cujo aluno é o principal
interlocutor da prática pedagógica, para o professor justifica-se ser ele a razão
substancial de gratificação e enlevo com a profissão.
Com relação aos elementos geradores de desilusão, aspectos relacionados
às políticas educacionais e salário, os relatos dos professores evidenciaram que
esses fatores não impactaram de forma tão negativa o exercício do magistério.
Portanto, não levaram ao afastamento (licenças) ou rompimento com a profissão
docente (LAPO e BUENO, 2003), mas apenas se constituíram como momentos de
dificuldade, de desagrado. Por este motivo a palavra Desencanto atribuirá mais
sentido e dará mais sustentação às futuras análises.
É necessário considerar que, são escassos os trabalhos que versam sobre
satisfação profissional do professor, a maioria dos estudos aborda essa temática
sob a perspectiva do mal-estar docente. Muitas pesquisas sobre satisfação
profissional foram desenvolvidas, sobretudo na década de 80, no campo da
psicologia, vertendo sobre a saúde mental do trabalhador. Outras, ainda, estão
relacionadas às ciências exatas, em especial, nos campos da administração e
economia, portanto, não serão relevantes para esta pesquisa.
As pesquisas apontam que a satisfação profissional do professor tem um
caráter simbólico e, essencialmente, subjetivo. O professor atribui valor e
significado à sua prática a partir de alguns elementos motivadores como: o
envolvimento e desempenho com/no trabalho, o contentamento com a atividade e
com o “produto” da mesma, ou seja, a aprendizagem do aluno, dentre outros
aspectos motivacionais. Esses elementos de contentamento mobilizam os
professores a manifestar sentimentos de valoração em relação à profissão e às
condições efetivas da atividade realizada.
Levando em consideração que, o elemento gerador de contentamento com
o magistério, relatado pelos docentes, foi o bom desempenho do aluno, as análises
estarão focadas neste único aspecto.
A investigação realizada por Penin (1985), com professores dos anos
iniciais do ensino fundamental, antigo 1º grau, da rede municipal paulistana
acerca dos elementos de satisfação e insatisfação com o magistério, evidenciou
que os principais motivos de satisfação são: “perceber o produto do próprio
trabalho”, ou seja, a eficácia do trabalho a partir do bom rendimento do aluno; o
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“trabalhar com gente”, relacionado às relações interpessoais e aos afetos em
relação aos alunos; e, também, o “bom relacionamento no ambiente de trabalho”,
a relação entre pares. Em relação às insatisfações pautavam-se,
fundamentalmente, em relação ao salário, no baixo aproveitamento dos alunos, e
no trabalho burocrático do sistema de ensino.
Há, ainda, a pesquisa de Pedro (2011), com professores do ensino
secundário em Portugal, que revelou como aspectos de satisfação com o
magistério as relações interpessoais com alunos e pares, e de insatisfação questões
relacionadas à carreira ou ao sistema educativo, sobretudo, em relação à perda de
prestígio da profissão.
Nestas duas investigações os motivos de satisfação estão relacionados à
dimensão relacional da atividade docente e ao rendimento satisfatório do aluno,
ou seja, a percepção do produto de seu trabalho. Elementos que ratificam, assim,
os achados deste estudo.
Levando em conta que, o professor tem uma relação dialética com o
processo de ensino-aprendizagem, o bom desempenho do aluno reflete, na
verdade, a sua prática, e evidencia que o sucesso do ensino está relacionado ao
resultado da aprendizagem.
Considerando que, em toda profissão há elementos de satisfação e de
insatisfação, que permeiam quaisquer campos profissionais, também serão
abordados os motivos de insatisfação profissional, que para fins deste trabalho
serão os desencantos que perpassam a trajetória docente.
A literatura sobre o tema aborda, sobretudo, a insatisfação profissional
pelo viés da síndrome de Burnout67
, versando mais sobre os aspectos que afetam a
saúde do professor. Em outros campos profissionais, em especial nas profissões
relacionais68
, essa temática também tem bastante expressividade.
Em relação aos desencantos com a profissão relatados pelos sujeitos da
pesquisa, dois elementos foram evidenciados: as políticas públicas para a
67 A síndrome de Burnout, ou síndrome do esgotamento profissional, é o estado de tensão
emocional e estresse crônicos provocado por condições de trabalho físicas, emocionais e
psicológicas desgastantes. In: MASLACH, Christina & JACKSON, Susan E.. The measurement of
experienced Burnout. Journal of Ocuppational Behavior, v. 2, p. 99-113, 1981. Disponível em:
<http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/job.4030020205/pdf>. Acesso em: 20 mai. 2014. 68 Considerando como profissões relacionais as que se constituem em atividades que exigem a
relação interpessoal do trabalhador com o seu objeto de trabalho, como no caso dos médicos,
enfermeiros, psicólogos, etc.
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educação expressas em alguns governos, dentre eles o atual governo 69
do estado
do Rio de Janeiro, incluindo nesta perspectiva, a organização da escolaridade em
ciclos implantada na rede municipal de ensino e a, consequente, aprovação
automática do aluno, que gerou um déficit de aprendizagem, segundo alguns
professores, na aquisição de conteúdos necessários ao ingresso no ensino médio; e
a insatisfação com o salário. Com relação a este último aspecto, o mesmo não foi
elencado como motivo de descontentamento com a profissão por todos os
professores, alguns, inclusive, não consideram baixa a sua renda salarial em
virtude de receberam dois ou três rendimentos mensais, como ativos e/ou inativos.
Podemos perceber que, os elementos de decepção que atravessaram o
exercício profissional dos docentes do ensino médio são bastante objetivos.
A pesquisa de Lapo e Bueno (2003) também evidenciou que, os motivos
de insatisfação e abandono do magistério na rede estadual de ensino paulistana,
que desencadearam afastamento e exoneração dos professores, estavam
relacionados, sobretudo, ao modo com se organiza o sistema educacional, mais
especificamente, a escola como instituição pública de prestação de serviços, e à
insatisfação com os salários.
A aparente percepção de professores ideais e de uma escola ideal, que cria
uma imagem de perfeição ilusória (LOPES, 2007), se desconstrói com a imagem
de imperfeição real que se alude às políticas públicas voltadas para a educação em
distintos governos estaduais, que recebem críticas dos professores e se
consolidaram como o principal motivo de decepção na carreira docente.
Como evidenciaram as pesquisas mencionadas, os motivos de insatisfação
profissional têm, geralmente, um caráter mais objetivo e estão atreladas às
condições efetivas de trabalho, físicas, estruturais, salariais. Em termos subjetivos
podem estar relacionadas, também, ao valor do trabalho, ao prestígio, à
valorização profissional, enfim, ao status social da profissão.
Verifica-se que, em termos de satisfação profissional do professor, todas as
pesquisas colocam no centro do debate questões relacionadas ao aluno, seja no
que tange à dimensão relacional ou ao rendimento escolar. Enquanto que, os
elementos de insatisfação consideram aspectos extrínsecos à atividade docente
propriamente dita.
69 Luiz Fernando Pezão foi eleito Governador do Estado do Rio de Janeiro, em segundo turno, nas
eleições de 2014.
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Assim, os elementos de Encanto com a profissão têm caráter subjetivo, e
os motivos geradores de Desencanto com o magistério são, substancialmente,
materiais e objetivos, mobilizando sentimentos de contentamento e
descontentamento ao longo das trajetórias dos docentes do ensino médio,
protagonistas desta investigação.
4.1. Encanto: o aluno como fonte de prazer/contentamento com o magistério
[...] Por detrás do domínio da aprendizagem existe o mistério do ensino. Compreendê-lo, desmascarar os mistérios da sua prática, tem constituído um desafio persistente e formidável para aqueles que procuram melhorar a sua qualidade, bem como a da aprendizagem.
(Hargreaves, 1998: 15970)
Considerando a perspectiva deste autor, é compreensível que, em todos os
relatos, os professores tenham considerado como a principal razão de
contentamento com o magistério o bom desempenho do aluno e a aprovação no
ENEM ou em concursos públicos. Assim, a aprendizagem, o bom rendimento do
aluno, tem um impacto direto no bem-estar do professor. Um bem-estar,
fundamentalmente, subjetivo.
Definindo bem-estar subjetivo como, as emoções de satisfação, de
contentamento, de alegria, que impactam diretamente o sentimento de
autorrealização profissional, em virtude da percepção valorativa do trabalho
realizado, que é, na verdade, o resultado da prática pedagógica e do processo de
ensino-aprendizagem.
É evidente e indiscutível que, inúmeras questões perpassam o processo de
ensino e de aprendizagem, desde aspectos sociais e individuais de professores e
alunos, logo objetivos e subjetivos, como aspectos de ordem social e política,
aspectos micro e macro sociológicos (Van Zanten, 199571
). No entanto, não
entrarei nesta arena de discussão, porque o foco desta investigação é a
permanência no magistério até a aposentadoria.
70 HARGREAVES, Andy. Os Professores em Tempos de Mudança: o trabalho e a cultura dos
professores na Idade Pós-moderna. Portugal: Mc Graw-Hill, 1998. 71 In: VAN ZANTEN, Agnès. Sociologia da Educação: dez anos de pesquisa. Petrópolis: Vozes,
1995.
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A ênfase na relação de afeto e parceira com os alunos é marcante na fala
dos professores. Todos evidenciaram o fato de gostar de trabalhar com alunos
adolescentes, faixa etária do ensino médio, e da boa relação que mantêm com eles.
A dimensão relacional está na base da atividade docente, uma profissão que se
constrói com e através do outro (DUBET, 2002), nos diálogos, aprendizagens e
interações.
Para Lang (2009), as práticas profissionais estão estreitamente ligadas às
condições reais de exercício. A relação com os alunos, em todas as idades da
carreira, é dos elementos essenciais de satisfação profissional. Esse aspecto marca
a vida profissional dos professores, é resultado da excelência de suas aulas e do
savoir-faire, como eles próprios afirmaram. Para Nóvoa (2009a: 229), “o trabalho
docente depende da “colaboração” do aluno”. A realização profissional está
submetida a essa parceria e ao aprendizado dos alunos.
A satisfação profissional, portanto, está atrelada ao valor atribuído ao
trabalho, à realização com o trabalho realizado. Os elementos de satisfação não
são estáticos, por ter um caráter, muitas vezes, subjetivo, sofrem influência de
fatores intrínsecos e extrínsecos relacionados ao trabalho e ao trabalhador.
Nesta investigação, o fator determinante de satisfação com o magistério
está relacionado à alegria de perceber as conquistas do aluno. Assim, o elemento
de Encanto, segundo os professores entrevistados, é de cunho até mesmo afetivo,
pois está, fundamentalmente, ancorado nas realizações do aluno, na aprovação em
concursos ou no ENEM, no ingresso na universidade, enfim, no sucesso dos
mesmos no ciclo final do ensino básico. A aprendizagem e o desenvolvimento do
aluno são motivos de prazer profissional, é um sentimento contundente de
realização e gratificação com a carreira.
Os relatos dos professores expressam o contentamento com as realizações
e o bom desempenho dos alunos:
O que mais me gratifica na profissão é a realização, a conquista do aluno é o que me gratifica. O que me realiza é a realização do aluno, o aluno ser aprovado num concurso, conseguir um bom emprego, é isso que me realiza. (Francisco)
O que é gratificante são os alunos que passam no vestibular (choro). Aqui na escola, o professor de Geografia foi meu aluno, ele saiu daqui e voltou para lecionar. Eu tenho um aluno que foi para a PUC e está se formando em Biologia, com bolsa integral, e saiu daqui, tem outra que está fazendo Sociologia na UFRJ. Um aluno foi para a Suíça com bolsa de estudos, então têm essas
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pérolas que se destacam. Aqui, esse colégio para mim, não sei o que é realidade de outros, isso aqui foi uma beleza! (Virgínia)
[...] Me sinto muito gratificada com o sucesso dos meus alunos, porque passam para boas escolas e em concursos públicos. (Maria)
A aprendizagem do aluno é o que sempre me motivou muito, eu fico muito feliz com isso. O aluno chegava e dizia: “– Ih, professor o senhor só me dava cinco e seis, e eu agora estou tirando dez”. É uma evolução, que bom não é?! Essas coisas é que são gratificantes. (Eduardo)
Foi o desejo pelo ensino, pelo aprendizado do ensino. Você se realiza profissionalmente fazendo aquele tipo de atividade, vendo o aluno crescer. Você passar por várias atividades junto com ele e ver o seu desenvolvimento, crescer junto com ele, aprender junto com ele e desenvolver o seu trabalho, foi por isso que me mantive no magistério. (Renato)
(Grifos meus)
O sucesso do aluno se estrutura como gratificação subjetiva pelo trabalho
realizado, um valor agregado à profissão docente. A avaliação do desempenho do
aluno sobrepõe, nesta perspectiva, outros aspectos de caráter mais individual e
autorreferente ou social, como o sucesso na carreira, as conquistas profissionais,
as promoções relacionadas ao plano de carreira, a gratificação financeira
(bonificações72
), os saberes construídos, o prestígio profissional, etc. Aspectos
relacionados ao valor individual e social do trabalho. Os professores focam no
resultado final do seu trabalho, que é o sucesso e o bom desempenho do aluno,
elementos que refletem, de certa forma, o bom desempenho de suas atividades e a
excelência do trabalho realizado.
72 No Rio de Janeiro, o SAERJINHO (Sistema de Avaliação Bimestral do Processo de Ensino
Aprendizagem), que prepara o aluno para o SAERJ (Sistema de Avaliação da Educação do Estado
do Rio de Janeiro), e, ainda, o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) vêm orientando
as políticas educacionais do estado, em especial a política de responsabilização e bonificação de
professores e gestores. Esta política foi instaurada na segunda administração do governo Sérgio
Cabral (2011-2014), sob a gestão do secretário de educação Wilson Risolia (2011-2014), com o objetivo de, como enfatiza a cartilha elaborada pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de
Janeiro (SEEDUC, 2011), promover a melhoria dos resultados da educação e a elevação nos
índices do IDEB. Com relação ao sistema de bonificação do estado, o valor varia de acordo com a
função e o percentual atingido sobre as metas estabelecidas, que podem variar até três vezes o
salário-base do servidor. Os servidores estaduais que fazem jus à bonificação por resultado são: o
diretor geral, o diretor adjunto, o coordenador pedagógico, o professor regente e demais servidores
efetivos do quadro da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro lotados nas unidades
escolares, em exercício nas Regionais Pedagógicas. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO.
SAERJINHO: Avaliação Bimestral do Sistema de Avaliação da Educação Básica do Estado do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: SEEDUC-RJ/SAERJ/ CAEd, 2011. Disponível em:
<http://www.rj.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2015.
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Embora, o trabalho docente não esteja diretamente vinculado à avaliação
de resultados, ao rendimento do aluno – inúmeros fatores escolares, sociais,
familiares impactam e perpassam o processo de ensino-aprendizagem –, sem
dúvida, o bom rendimento do aluno repercute positivamente no trabalho e na
imagem do professor. É um diagnóstico satisfatório da sua prática, mas,
definitivamente, esse não é o único elemento a ser considerado.
O professor é definido como um profissional que promove a instrução, a
socialização e o desenvolvimento de outrem (FORMOSINHO, 2009). Partindo
desta concepção, a aprendizagem do aluno, a aprovação em concursos, o ingresso
em universidades de prestígio, é motivo de satisfação profissional, pois reflete o
resultado da ação docente, especialmente no ensino médio, que se configura como
uma etapa final da educação básica, que tem como consagração final o ingresso
do aluno no mundo do trabalho ou a aprovação em instituições de educação
superior.
Os resultados positivos nestas avaliações repercutem também na imagem
da escola como instituição de ensino e de aprendizagem, e eleva seu prestígio na
comunidade. Considerando este aspecto, alguns destes colégios estaduais são
referências em seus bairros pela qualidade do ensino, tem um grande contingente
de alunos matriculados pela eficácia do trabalho realizado por professores e
gestores.
Certamente, pelo fato de trabalharem num segmento que encerra a
educação básica, o ensino médio, e tendo em vista que a maioria dos docentes
trabalha com as séries finais, 3ª série do EM, onde grande parte dos alunos
concorrerá via ENEM às universidades públicas e privadas, a aprovação do aluno
é gratificante para o professor. Por isso, a preocupação de muitos professores com
o resultado dos alunos deste segmento de ensino.
A professora Helena evidencia sua preocupação com o bom desempenho
do aluno no ENEM. Essa é uma inquietação de muitos docentes que lecionam no
ensino médio.
Pegava sempre turma de 3ª-série (Ensino Médio). Eu sempre tive essa preocupação em dar conteúdos para que eles pudessem fazer o vestibular e, agora, o ENEM. Sempre tive essa preocupação. (Grifo meu)
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A análise de Tedesco (2004: 11)73
, no Relatório da UNESCO, sobre o
perfil dos professores brasileiros, evidencia a importância do professor no sucesso
do processo de ensino-aprendizagem:
Embora seja verdade que o êxito da aprendizagem é consequência de fatores
muito diversos e complexos, é aceitável sustentar que uma das explicações do
baixo impacto das reformas no processo de ensino-aprendizagem tenha sua raiz no “fator docente”, entendido como o conjunto de variáveis que definem o
desempenho dos mestres, professores e diretores das escolas: condições e
modelos de organização do trabalho, formação, carreira, atitudes, representações e valores. Não é por acaso, portanto, que, nos últimos anos, venha-se percebendo
uma forte revalorização do papel e da importância dos docentes, nas estratégias de
reforma educacional.
Analisando por esta perspectiva, o rendimento do aluno está diretamente
relacionado ao “fator docente”. Assim o bom desempenho e a aprovação em
processos seletivos como o ENEM ecoam, diretamente, na eficácia do trabalho
docente e, consequentemente, no êxito da ação pedagógica. E, por conseguinte,
afeta a autoestima do professor e promove um bem-estar subjetivo pelo bom
trabalho realizado.
Logo, o contentamento com a prática docente, refletida no bom
rendimento do aluno, se caracteriza, sobretudo, como, um compromisso pessoal e
social com a educação, e é, portanto, um fator determinante de Encanto com/na
carreira docente.
4.2. Desencantos: políticas públicas e salário, as dificuldades na trajetória
A profissão docente deve ser vista numa perspectiva integral. Para tanto, é preciso recuperar o prestígio da carreira e o valor que os bons docentes têm para o país e seu desenvolvimento. É preciso colocar a profissão docente como tema central de política pública e educacional e como prioridade na agenda dos governos. Por fim, há que investir e investir bem no fortalecimento da profissão docente [...].
(Campos, 2007: 1774)
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TEDESCO, Juan C. Prefácio. In: UNESCO. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o
que pensam, o que almejam. Pesquisa Nacional UNESCO. São Paulo: Moderna, 2004. 74 CAMPOS, Magaly R. Profissão docente: novas perspectivas e desafios no contexto do século
XXI. In: UNESCO. O Desafio da Profissionalização Docente no Brasil e na América Latina.
Brasília: CONSED, UNESCO: 2007.
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Por se tratar de um grupo bastante heterogêneo, em virtude do tempo de
magistério, da faixa etária, do momento de ingresso na carreira, da localização da
unidade escolar, da condição social e econômica em virtude do local de moradia e
das inserções profissionais, da trajetória docente construída, enfim, aspectos que
os distinguem individualmente e que, portanto, também promovem múltiplas
percepções em relação ao trabalho docente, alguns professores não trouxeram em
seus relatos o descontentamento com as políticas públicas e os baixos salários,
tendo em vista que focaram, substancialmente, nas motivações que consistem em
sua permanência no magistério.
Foi possível evidenciar que os docentes que não se posicionaram em
relação às políticas públicas e ao salário situam-se geograficamente em colégios
da zona sul e da Barra da Tijuca, áreas nobres do Rio de Janeiro, com um IDH
muito elevado, onde também residem.
Supondo que o local de moradia está relacionado à condição
socioeconômica dos indivíduos, talvez este seja o motivo que justifica o fato dos
professores que residem nestes bairros nobres não demonstrarem insatisfação com
o salário que recebem da rede estadual de ensino.
Considerando, ainda, que, a maioria dos professores que não evidenciou
esses elementos de desencanto com a profissão está na fase do ciclo de vida
profissional determinado por Huberman (1982) de desinvestimento, como será
discutido no próximo capítulo. Então, podemos supor que, os docentes estão mais
focados na vida pessoal, nos interesses particulares e, portanto, menos
compromissados/envolvidos com as questões profissionais e, especificamente,
com os fatores extrínsecos à carreira docente.
Os elementos de descontentamento relatados pelos professores serão
elencados, evidenciando alguns períodos governamentais que atravessaram a
carreira docente no estado do Rio de Janeiro, momentos de maior ou menor
investimento em educação, com impacto para toda a categoria, incluindo a política
de organização de ciclos implantada no município, e os aspectos referente à renda
salarial e aos demais benefícios a que têm direito os profissionais do magistério da
rede estadual de ensino.
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4.2.1. Os Professores Especialistas e as Políticas Públicas no/do estado do Rio de Janeiro
A autonomia e a responsabilidade de um profissional dependem de uma grande capacidade de refletir em e sobre sua ação. Essa capacidade está no âmago do desenvolvimento permanente, em função da experiência de competências e dos saberes profissionais. Por isso, a figura do profissional reflexivo está no cerne de uma profissão, pelo menos quando a consideramos sob o ângulo da especialização e da inteligência no trabalho.
(PERRENOUD, 1999: 1275)
Segundo Xavier (2001), no final da década de 70 e início dos anos 80, com
o início do processo de abertura democrática houve a reorganização e
reformulação do ensino e das políticas públicas para a educação, assim como, o
surgimento de movimentos sindicais, como a Sociedade Estadual dos Professores
(SEP) em 1977, posteriormente, Centro Estadual dos Profissionais do Ensino
(CEPE), movimento que organizou a primeira greve de professores após o período
de ditadura militar em 1979. Os professores pleiteavam, neste momento, redução
da jornada de trabalho, reajuste do piso salarial, gratificações por regência de
turma e coordenação, adicionais por difícil acesso e equiparação salarial com os
inativos. A greve foi considerada ilegal pelo Governo Federal, com a detenção de
líderes sindicais, retenção do pagamento dos servidores públicos estaduais do Rio
de Janeiro e intervenção em entidades representativas do magistério.
O professor Eduardo destaca esse momento como um período de união e
organização da categoria.
Um momento bom da carreira foi a organização dos sindicatos, nós tivemos uma atuação boa, períodos de greve que a categoria toda se uniu, conseguimos vitórias significativas, os salários melhoraram bastante. Nós sentimos uma união na base, isso foi uma coisa muito positiva, mas depois o sindicato também foi se institucionalizando, muita briga interna e aí o negócio começou a ficar meio confuso. (Grifo meu)
Embora tenha havido essa organização da categoria, exigindo melhores
condições de trabalho, segundo Cavaliere e Soares (2015), na segunda
administração do governo Chagas Freitas (1979-1983) foi percebida uma grande
disparidade entre a rede estadual de ensino e a administração municipal em termos
75 PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens, entre duas lógicas.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
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de qualidade e estrutura administrativa, sendo as condições de trabalho precárias
em ambos os sistemas, o piso salarial dos professores era muito desigual, a
remuneração do município era mais alta do que a do estado, assim como, o plano
de carreira do magistério.
Após um período amargo vivenciado pelos professores durante a
administração chaguista, surge na década de 80, a primeira gestão do governo
Leonel Brizola (1983-1987 e de 1991-1994) com uma nova força, que se manteve
influente por mais de uma década (CAVALIERE E SOARES, 2015).
Para estes autores, o governo Brizola, no contexto de transição
democrática, inicia uma nova fase com a ampliação da rede pública, construção
dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), criação da gratificação
coletiva dos professores por desempenho (Programa Nova Escola), consolidação
de um Plano de Carreira para o magistério público estadual.
Com relação à criação dos CIEPs há posições bastante divergentes, que
não serão discutidas neste texto, mas é importante destacar a análise desenvolvida
por Mignot (1989) sobre a percepção dos professores a respeito do paralelismo
pedagógico, administrativo e orçamentário que a opção pelos CIEPs expressa. Os
professores, neste período, condenavam os custos volumosos das novas escolas, o
abandono das escolas de três turnos, se ressentiam da falta de recursos para as
escolas (materiais básicos como giz e apagador), da falta de manutenção física dos
prédios públicos. Enfim, contestavam a política de pessoal que privilegiava os
CIEPs em detrimento da rede estadual de ensino já existente.
A insatisfação da categoria com a criação dos CIEPs ficou evidente na
greve de professores de 1986, que durou vinte e quatro (24) dias, após esse
período os professores foram atendidos em uma parte de suas reivindicações.
Segundo Mignot (1989), dentre as reivindicações, o professorado pleiteava três
salários mínimos de piso e foram contemplados com o aumento salarial.
Embora as críticas dos professores evidenciadas por esta autora, esse
período é avaliado pelos professores Luiz e Rafael como o de maior investimento
em educação e em políticas públicas de valorização do magistério.
Nós tivemos bons momentos aqui, pelo menos eu acho, que como professor, no primeiro Governo Brizola (1983-1987), não que eu concordasse com a sua política de reconhecimento da carreira de professor. Desses governantes que tivemos aqui, o Governo Brizola foi o melhor. Foi no Governo dele, no início, que nós tivemos um Plano de Carreira, que temos até hoje. Um dos piores, aí fica
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difícil de você identificar os piores – você sair do patamar do Governo Brizola a nível financeiro, a nível salarial –, e aí fomos caindo numa decadência no Governo Moreira Franco (1987-1991), Marcelo Alencar (1995-1999). E, aí, você acha que está pior e vem o Governo Garotinho (1999-2002) e, por incrível que pareça, quando ele sai fica aquela, a Benedita (da Silva – Vice – 2002-2003), fica 9 meses/1ano, e ela deu uma resgatada, porque ela descongelou a diferença entre níveis e deu uma resgatada no professorado do Rio de Janeiro. Agora, com o Governo do Sérgio Cabral (2007-2014) foi terrível para o professorado, principalmente na gestão do último Secretário de Educação, o Rizolia (Wilson Rizolia – 2011-2014), quando ele tentou jogar a culpa do fracasso escolar no professor, não é? E não só achatou o salário, como perseguia. Eu mesmo sofri por ter feito a greve, eu acabei sendo retirado do corpo docente daqui e fiquei um mês, dois meses, naquele lugar que ninguém sabia onde eu estava. Fui afastado da escola, não poderia assumir a escola ao retornar da greve. Mas, houve um movimento da própria escola e mais a pressão do sindicato, e aí a gente conseguiu retornar para a escola. E agora, não tem nada de novo com esse novo governo (Luiz Fernando Pezão – início em 2014), já estamos há um ano e meio sem aumento. (Luiz)
Por decepções em outras áreas da educação física é que eu fui ficando no magistério. Fui para a área esportiva me decepcionei, parti para a área da academia e me decepcionei. A escola particular também me decepcionou. E onde eu vi um envolvimento comprometido, até por conta daquela época (década de 80), com o Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994) chegando, com todo um projeto de educação que me agradou bastante àquela época, eu fui me motivando a permanecer. Eu quis permanecer. (Rafael)
(Grifos meus)
Para Paiva (2011), no governo seguinte, administração de Marcelo Alencar
(1995-1999), alinhado ao governo federal, foram executadas diversas políticas de
encolhimento do Estado, de cunho neoliberal, resultando em privatizações e
exonerações de funcionários públicos em âmbito estadual. Na área da educação, o
que se observou foi o enfraquecimento da SEEDUC, com quatro secretários se
alternando durante o mandato do governador.
Este governo foi duramente criticado pelo professor Rafael.
No estado tive muita decepção, muito desânimo sim, principalmente em determinado governo, que foi o do Marcelo Alencar, uma fase muito sofrida. Teve um momento que a gente ganhou menos que um salário mínimo. Então, foi um momento muito duro, muito difícil, que gerou um stress muito grande, até familiar com a minha ex-esposa, por conta disso mesmo. Eram situações difíceis, difícil na hora de pagar o aluguel, difícil na hora de fazer compras. Então, eu me vi obrigado a lecionar em escola particular, me submetendo à escola particular, porque é muita cobrança. (Grifo meu)
101
Percebemos, assim, a descontinuidade e retrocesso nas políticas públicas
para a educação e, efetivamente, condições de trabalho ainda muito hostis, como
evidenciaram os professores Rafael, Renato, Manoel e Luiz em suas narrativas.
O que eu lamento muito é ver nesses trinta anos de magistério essa ideia de política pública com relação à educação. Lamento por não existir uma política pública pró-ativa. Existe uma política pública de não valorização, muito discurso, mas efetivamente nada acontece para valorizar o professor. (Rafael)
Eu continuei no magistério pelo gosto em realizar o meu trabalho, apesar de tantas e tamanhas dificuldades, eu continuei em frente. Mas, a gente enfrenta muita, muita dificuldade. Em certos momentos da vida, você pensa se está valendo a pena você fazer aquilo, porque passa a ser uma questão de sobrevivência, o salário fica tão baixo, o salário fica tão banalizado que você tem dificuldade em continuar tocando a sua vida. No entanto, considerando todos os aspectos, é uma coisa muito particular, porque certamente nós conhecemos muita gente que desistiu, desistiu não por não querer ser professor, mas porque a vida não lhe permitiu ser naquela condição financeira. Porque não vou deixar de fazer uma coisa que eu gosto, para ter uma condição de vida melhor, não vou fazer uma coisa que eu não gosto, prefiro fazer uma coisa que eu gosto, eu preferi estar aqui (permanecer no magistério). (Renato)
Tenho desencantos com o governo, a prioridade do governo, de uma maneira geral, com a educação é terrível, é terrível. Eles não investem em educação. A decepção é muito mais com o governo, com o sistema. [...] o estado e o município poderiam melhorar se tivesse uma disciplina mais rígida, mais organização e compromisso político. (Manoel)
O que eu percebo com essa nova geração que entra (docentes) na rede pública é que muitos não demonstram o espírito público e estão aqui de passagem, mas isso porque não há uma política de valorização da profissão docente na rede estadual. Os mais antigos são de uma geração que veio pela luta, pelo fim da ditadura militar, tinha uma perspectiva de vida maior, apesar de que muitos abandonaram essas perspectivas, na própria rede pública, muito que entraram comigo, que foram da minha turma na universidade [...]. (Luiz)
Eu acredito que, o nosso país até agora não tratou a educação com a responsabilidade que deveria tratar, não só aqui no Rio de Janeiro, mas de um modo geral. A gente de Geografia sabe disso, outros países bem mais pobres do que o Brasil conseguiram alcançar níveis que nós não conseguimos, né? Então, ao longo desses anos, eu tenho mais de vinte (20) anos numa rede e na outra, não vejo melhora nas políticas educacionais. (Helena)
(Grifos meus)
A falta de investimento e de políticas públicas de valorização do
magistério é evidenciada por esses professores, que embora tenham permanecido
na rede, enfatizam períodos de extrema adversidade e situam o atual governo
como um dos que investiram pouco em educação e na valorização do professor.
102
Alguns docentes, ainda, relacionam seu sentimento de desencanto à
organização da escolaridade em ciclos no município do Rio de Janeiro, como
forma de designar políticas de não-reprovação, que culminaram na promoção
automática do aluno de um ano para o outro do ciclo, sem a aquisição dos
conhecimentos mínimos anteriores. A resistência dos professores à política de
ciclos é discutida em inúmeros trabalhos acadêmicos, mas não é problematizada
(MAINARDES, 2009).
A organização dos ciclos de ensino teve o objetivo de superar as limitações
da escola seriada – diminuir o índice de reprovação, distorção idade-série, evasão
escolar, seletividade. No caso da política de ciclos do município do Rio de
Janeiro, a proposta era permitir a reprovação apenas ao final dos segundo e
terceiro ciclos de aprendizagem. Entretanto, para a eficácia da sua implantação
havia a necessidade de uma reestruturação do currículo, das metodologias, da
avaliação, da gestão escolar, enfim, das condições de trabalho dos docentes e da
implantação de uma política de formação continuada (MAINARDES, 2011;
GOMES, 2004), o que não ocorreu efetivamente.
Na concepção de Mainardes (2011: 14):
As políticas de ciclos, para se constituírem em uma mudança essencial e não apenas formal, pressupõem uma revisão de toda a concepção de currículo,
metodologia, avaliação, organização do trabalho pedagógico, gestão educacional
e escolar e da formação permanente de professores. Todas essas dimensões são importantes, estão inter-relacionadas e resultam em consequências materiais para
as escolas, alunos, profissionais da educação.
Independente dos objetivos iniciais na implantação da organização da
escolaridade em ciclos, os professores que atuam no segundo segmento do ensino
fundamental e no ensino médio são bastante críticos em relação aos alunos que
são promovidos para os anos seguintes de escolaridade, sem a base necessária
para prosseguir nos estudos.
Quando me aposentei do município foi por desgosto com a aprovação automática. Aquilo para mim foi um absurdo! Qual a arma que o professor tem? A arma que o professor tem é o diário de classe, eu não tenho autoridade paterna, eu tenho autoridade de professor, o aluno só vai me respeitar se eu der nota a ele, se eu avaliá-lo. Quando ele via que aquilo não valia mais nada, ele fazia o que queria. Isso me desmotivou. Com relação à avaliação, o estado é mais rigoroso que o município. (Eduardo)
103
[...] Esses meninos melhoraram, mas eles têm que chegar às nossas mãos melhores, né? Nós tínhamos que sentir que o aluno chega melhor e não sinto isso, entendeu? Não nas escolas que eu trabalho. A gente sabe que hoje chega mais verba, você trabalha com Data Show, agora todas as escolas têm quadro branco, né? Chega mais verba à escola, mas o alunado tinha que melhorar, tinha que ter uma mudança qualitativa, entendeu? O Estado é extremamente paternalista e isso não ajuda a escola, atrapalha a escola. Materialmente a escola está mais bem provida, mas eu acho que em relação à parte não física ela precisa, ainda, melhorar muito. (Helena)
A educação no Brasil foi sucateada, virou uma sucata. Eles (os políticos) não se importam com nada. Não adianta você querer botar duzentos dias de hora-aula. Eu fala para os meus alunos: Vocês querem morrer de inveja? Eu tinha quatro meses de férias, eu tinha julho, dezembro, janeiro e fevereiro, e a gente aprendia. O meu desgosto não é do que eu faço, é do que fizeram com a educação. Eu recebo alunos no ensino médio que para mim eles ficaram nove anos jogados fora, eles vêm para mim, que eu dou aula na 1º série, e parece que vão começar a aprender agora, sabe? Parece que o que eles estão vendo é aula do 1º ano (EF), parece que vão começar a aprender agora. Parece que o que eles estão vendo é chinês, é mandarim, é russo, é alemão, e eu ensino e eles aprendem, os que ficam comigo aprendem. (Manoel)
Meu desencanto é mais agora nesse meu final, porque a gente recebe os alunos do fundamental – eu fui professora do fundamental –, e eu fico louca que eles chegam sem base nenhuma, pegam os mapas de cabeça para baixo, África é Brasil, Brasil é África, eles não têm noção nenhuma. Eu trabalhei no primeiro segmento durante dezoito anos, só depois eu passei para 5º ao 8º anos, por concurso interno. (Lúcia)
Eu acho, assim, que a educação (...), nós ainda pegamos alunos analfabetos, tanto no segundo segmento, quanto no Ensino Médio, analfabetos e semi-analfabetos. No Ensino Médio o semi-analfabeto, lê e escreve com muita dificuldade. Agora, no município, já chegou na escola, no segundo segmento, aluno analfabeto mesmo. (Helena)
(Grifos meus)
Como expuseram os professores, os maiores dissabores com a profissão
estão associados a aspectos políticos e governamentais, em relação ao
desinvestimento dos governos estaduais em políticas públicas voltadas para a
educação, que impactam, diretamente, nas condições de trabalho da categoria e na
des/valorização do magistério. E, ainda, na organização da política de ciclos no
município que, segundo estes docentes, efetivamente, não promove as
aprendizagens necessárias para promoção do aluno ao ensino médio.
104
4.2.2.
O Salário e a renda: satisfazem todos os docentes?
É óbvio que a posição na estrutura da distribuição das rendas determina a qualidade, variedade e intensidade dos consumos culturais dos docentes, assim como o acesso às oportunidades de aperfeiçoamento profissional.
(Tedesco e Fanfani, 2004: 7376)
Um aspecto importante a ser analisado está relacionado aos salários e à
renda dos professores em fase de pré-aposentadoria, visto que os inativos perdem
alguns benefícios após a aposentadoria.
Alguns professores não se queixaram dos salários recebidos, ou não
trouxeram esse assunto para o centro da narrativa. Poucos, ao contrário, disseram
ter um rendimento satisfatório considerando a renda salarial média de outros
profissionais brasileiros. A professora Maria, inclusive, afirmou que recebe tanto
quanto um médico ou um engenheiro. Outros, entretanto, foram críticos em
relação ao piso salarial e associam os baixos salários ao descaso governamental
com a profissão.
Segundo uma comparação feita pelo Cadastro Central de Empresas
(CEMPRE), no ano de 2013, e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o salário médio de um trabalhador brasileiro com nível
superior é de R$4.726,21 (quatro mil setecentos e vinte e seis reais e vinte e um
centavos). Os professores têm uma renda salarial acima da estabelecida pelo
IBGE, em virtude de possuírem dois ou mais rendimentos, nas matrículas como
servidores públicos ativos/inativos, ou nas aposentadorias do INSS. As
professoras Maria e Antônia informaram que recebem mensalmente mais de dez
salários mínimos, um valor bastante razoável se for considerado a média dos
demais profissionais de nível superior. Mas, o profissional do magistério estadual
que possui somente uma matrícula (16 horas) tem um rendimento inferior ao
salário médio do trabalhador brasileiro, conforme dados da pesquisa realizada
pelo CEMPRE/INEP.
76 TEDESCO, Juan C. e FANFANI, Emilio T. Nuevos maestros para nuevos estudiantes. In:
___________. Maestros en América Latina: Nuevas perspectivas sobre su formación y
desempeño. Santiago: Editorial San Marino, 2004.
105
O piso salarial dos professores que lecionam na rede estadual e municipal
de ensino do Rio de Janeiro não difere muito do piso salarial previsto pelo
Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (SINPRO-
Rio) para os professores licenciados que atuam no ensino fundamental, do 6º ao 9º
anos, e no ensino médio em escolas privadas. Na realidade, o que distingue esses
dois grupos, o professor da rede privada e da rede pública, é o Plano de Carreira
do magistério77
dos servidores da rede pública em termos de progressão na
carreira, benefícios78
como, licença prêmio, gratificações79
, adicional de
qualificação, triênios80
, quinquênios81
, enquadramento por formação, vale-
transporte, auxílio refeição, programa nova escola, além, é claro, da estabilidade
do emprego.
A SEEDUC oferece, ainda, através de processo seletivo interno, bolsas de
estudo para os interessados em cursar o Mestrado Profissional em parceria com o
77 O Plano de Carreira do Magistério Público Estadual foi sancionado pela Lei nº 1.614 de 24 de
janeiro de 1990. Os professores podem ascender a dois níveis, C e D. No nível C permanecem os
professores que possuem Licenciatura Plena ou Curta, relacionada diretamente com a disciplina que lecionam; no nível D ascendem os professores que também possuem cursos de pós-graduação
(lato sensu ou stricto sensu). O nível C é composto das seguintes referências: 3 (0 a 5 anos de
magistério), 4 (5 a 10 anos), 5 (10 a 15 anos), 6 (15 a 20 anos), 7 (20 a 25 anos), e 8 (a partir de 25
anos de magistério). No nível D, as referências evoluem em nove níveis: 4 (0 a 5 anos de
magistério), 5 (5 a 10 anos), 6 (10 a 15 anos), 7 (15 a 20 anos), 8 (20 a 25 anos), e 9 (a partir de 25
anos de magistério). É necessário esclarecer que, todos os professores iniciam no nível C,
referência 3, independente de possuir pós-graduação. E que, a maioria dos professores desta
investigação encontra-se na referência 9, em virtude dos anos de magistério e por possuírem pós-
graduação. 78 Desde 2011, o estado oferece um pacote de benefícios para os profissionais do magistério:
auxílio-transporte (proporcional à carga horária trabalhada – os valores variam de R$ 57,60 a R$ 110,40/mês); auxílio-qualificação (para compra de produtos e serviços pedagógico-culturais,
destinado aos professores em regência de turma – no valor mínimo de R$500,00, pago em parcela
única); auxílio-alimentação (R$ 160,00 por servidor/mês); auxílio-formação (curso de formação
continuada para professores regentes de turma – com bolsa de R$ 300,00/mês); gratificação Nova-
escola (benefício pago a todos os servidores ativos e inativos desde 2012, no valor de
R$200,00/mês). 79 De acordo com o Relatório de Lei de Responsabilidade Educacional 2015, os servidores de
escolas que alcançaram as metas de IDERJ estabelecidas em 2011 receberam um bônus de até três
vencimentos base de 2011 a 2014. Em 2013 (ano de referência 2012), o Programa beneficiou 416
escolas e mais de 22.920 matrículas. No ano de 2014 (referência 2013) foram contempladas 415
escolas e mais de 23.500 matrículas. Metade das escolas contempladas está concentrada em cinco
regionais: Metropolitana III, MetropolitanaVI, Serrana II, Noroeste Fluminense e Metropolitana IV. Disponível em: <http://www.rj.gov.br>. Acesso em: 30 mai. 2015. 80 A cada três anos de efetivo exercício o professor tem direito ao triênio, que é incorporado ao
piso salarial. No primeiro triênio o professor incorpora 11% do piso, a cada triênio somam-se mais
5% do piso, assim, o professor que está no magistério há 30 anos, na referência 9, irá incorporar
61% dos triênios ao piso salarial. 81 A cada cinco anos de exercício profissional, 12% referente ao salário bruto é incorporado ao
piso salarial.
106
Programa de Pós-graduação Profissional (PPGP) da Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF), na área de Gestão e Avaliação da Educação Pública.
. O piso salarial do professor, na rede pública estadual, ao iniciar a carreira
docente, segundo a tabela 2014 do Sindicado Estadual dos Profissionais de
Educação do RJ (SEPE-RJ), como professor 16 horas, é no valor de R$1.179,35
(um mil cento e setenta nove reais e trinta e cinco centavos), sem considerar os
demais benefícios citados acima. Ao chegar à última referência (9), considerando
a tabela atual, sem os demais benefícios, teria um piso salarial de R$2.327,83
(dois mil trezentos e vinte e sete e oitenta e três). O professor 30 horas, também
ingressa na Referência 3, com o piso salarial, em 2014, de R$2.211,25 (dois mil
duzentos e onze reais e vinte e cinco centavos) e em final de carreira (Referência
9) R$4.364,62 (quatro mil trezentos e sessenta e quatro e sessenta e dois). Ao
salário do docente, a cada três anos de exercício profissional, são acrescidos os
triênios referentes ao piso vigente e a cada cinco anos o quinquênio, além de
bonificações e demais benefícios. Seguem, abaixo, a tabela do SEPE-RJ (Tabela
2).
Tabela 2: Piso salarial dos professores da Secretaria de Estado de Educação do
Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ) Cargo
PROFESSOR I
Carga
Horária
Referência Piso 2014
(R$)
16 horas 3 1.179,35
4 1.320,87
5 1.479,38
6 1.656,90
7 1.855,73
8 2.078,42
9 2.327,83
Cargo Carga
Horária
Referência Piso 2014
(R$)
PROFESSOR I 30 horas 3 2.211,25
4 2.476,60
5 2.773,79
6 3.106,65
7 3.479,44
8 3.896,98
9 4.364,62
Fonte: SEPE-RJ82
. Ano: 2014.
82 Disponível em: < http://seperj.org.br/pdf/salario_estado_reajuste_2014a.pdf>. Acesso em: 01
set. 2015.
107
No município do Rio de Janeiro os salários são um pouco superiores aos
do estado, mas nada significativos. O professor 16 horas que inicia na Classe C
tem o piso de R$1.764,13 (um mil setecentos e sessenta e quatro reais e treze
centavos), sem considerar demais benefícios. Com a progressão da carreira, ao
chegar ao último nível estará recebendo, de acordo com a Tabela 3, de 2014,
R$2.232,18 (dois mil duzentos e trinta e dois reais e dezoito centavos). O
professor que leciona 30 horas ingressa na Classe C com o piso salarial de
R$3,307,74 (três mil trezentos e sete reais e setenta e quatro centavos) e em final
de carreira estará ganhando, considerando o piso salarial de 2014, R$4.185,34
(quatro mil cento e oitenta e cinco e trinta e quatro centavos). Segue, abaixo, a
tabela do SEPE-RJ.
Tabela 3: Piso salarial dos professores da Secretaria Municipal de Educação do
Rio de Janeiro (SME-RJ).
PROFESSOR I
(16 HORAS)
Nível Tempo
de
Serviço
(Anos)
Ensino
Médio
Licenciatura
Curta
Licenciatura
Plena
Mestrado
Classe
A
Classe
B
Classe
C
Classe
D
1 0 até 5 - 1.575,12 1.764,13 1.975,82
2 5 até 8 - 1.638,12 1.834,69 2.054,85
3 8 até 10 - 1.703,65 1.908,08 2,137,05
4 10 até 15 - 1.771,79 1.984,40 2.222,52
5 15 até 20 - 1.842,67 2.063,78 2.311,43
6 20 até 25 - 1.916,37 2.146,33 2.403,89
7 Mais de 25
- 1.993,03 2.232,18 2.500,04
PROFESSOR I
(30 HORAS)
Nível Tempo
de
Serviço
(Anos)
Ensino
Médio
Licenciatura
Curta
Licenciatura
Plena
Mestrado
Classe
A
Classe
B
Classe
C
Classe
D
1 0 até 5 - - 3.307,74 3.704,66
2 5 até 8 - - 3.440,05 3.852,85
3 8 até 10 - - 3.577,65 4.006,96
4 10 até 15 - - 3.720,75 4.167,24
5 15 até 20 - - 3.869,59 4.333,93
6 20 até 25 - - 4.024,37 4.507,29
7 Mais de
25 - - 4.185,34 4.687,58
Fonte: SEPE-RJ83
. Ano: 2014.
A apresentação do piso salarial do município foi relevante, em virtude de
oito professores – Carmen, Cecília, Eduardo, Francisco, Lúcia, Manoel, Renato
83 Disponível em: < http://seperj.org.br/pdf/salario_estado_reajuste_2014a.pdf>. Acesso em: 01
set. 2015.
108
e Virgínia – serem, também, servidores municipais, portanto, ao salário do estado
soma-se a remuneração do município.
Onze professores possuem pós-graduação, portanto recebem o Adicional
de Qualificação, conforme tabela abaixo.
Tabela 4: Adicional de qualificação dos professores da rede estadual do Rio de
Janeiro.
ADICIONAL DE QUALIDICAÇÃO
PROFESSOR I
Carga Horária Especialização e Mestrado
Doutorado
16 horas R$259,57 R$519,11
30 horas R$456,70 R$973,34
40 horas R$519,11 R$1.038,29
Fonte: SEEDUC. Ano: 2015.
Alguns professores são bastante críticos em relação ao salário,
principalmente porque ao se aposentarem não será incorporado aos salários as
bonificações, e perderão alguns benefícios como, vale-transporte, auxílio-
qualificação e auxílio refeição. Recentemente, em 2012, após uma briga judicial a
gratificação Nova-escola foi incorporada ao salário dos professores ativos e
inativos.
A questão salarial se tornou pertinente em virtude de ter sido elencada
como motivo de desencanto por alguns professores, insatisfeitos com os salários
recebidos, principalmente em virtude da defasagem salarial, como enfatizou o
professor Luiz.
Se eu fosse pegar só a rede pública, a minha qualidade de vida baixaria, eu também trabalho na rede privada. Então, na rede privada, eu tenho um salário razoável, mas no estado, se a gente for comparar com o salário da rede privada, claro que eu estou no nível nove (9), a maioria das escolas privadas não paga o que um professor nível nove (9) do estado recebe. Mas, para você ter uma boa qualidade de vida, eu acredito que o nosso salário esteja defasado em 50%, 60%, se você tivesse 50%, 60% recuperado, acredito que estaríamos vivendo de uma forma mais digna do que a gente vive atualmente. (Luiz)
Definitivamente, qualquer profissional do mesmo nível, mesmo padrão, mesmo nível superior, com pós-graduação ou qualquer curso complementar, definitivamente, ganha um salário muito mais justo do que o professor. Se você for comparar nas diversas profissões que têm o mesmo padrão do professor, no magistério o salário do professor continua lá em baixo,
109
uma total desvalorização, total desatenção. [...] Quando você está no nível nove (9), você pensa, parece que a situação é melhor em comparação ao que você inicia, mas não é, porque se você for comparar ao tempo todo que você já esteve aqui, você vai ver que é um salário tão ridículo quanto daqueles que iniciam. Você ganha mais, especificamente, por causa dos triênios que você tem, porque o piso continua reduzido, é baixíssimo. Então, quando você compara parece que é maior, mas não é maior, porque a diferença está nos benefícios, o piso é o mesmo. O salário continua baixo, continua desvalorizado. Você vai ver outros profissionais que têm o mesmo padrão de formação que você, as mesmas qualificações que você tem, no entanto a disparidade é tamanha. (Renato)
Eu acho que o ideal é que o professor ganhasse muito bem e trabalhasse numa única escola. (Manoel)
Teve um período que se ganhava pouco demais no estado, menos da metade do município, foi no Governo Marcelo Alencar, uma coisa desesperadora. O salário poderia, não, deveria ser melhor, tá! Porque nós somos os formadores realmente, a nossa responsabilidade é muito grande. (Lúcia)
A insatisfação com o salário também foi evidenciada por Fleuri (2015), no
relatório sobre Perfil Profissional Docente no Brasil, visto que, 87 % dos
professores brasileiros estão insatisfeitos com a remuneração recebida, por ser
incompatível com a complexidade do trabalho realizado.
Segundo Vicentini e Lugli (2009), a insatisfação dos docentes com a
remuneração recebida é histórica. Em distintos períodos os professores mostraram
indignação com o salário recebido, o que vem desencadeando, há algumas
décadas, a reduzida adesão à profissão docente e a baixa atratividade aos cursos
de formação de professores (GATTI, 2014; ALVES e SILVA, 2013). É preciso
considerar que, a remuneração pelo exercício do magistério expressa,
historicamente, o valor da docência, inclusive, em termos de reconhecimento
simbólico (IÓRIO, 2015).
Alguns professores não esboçaram críticas em relação aos salários,
relataram possuir uma renda satisfatória para suprir as suas necessidades e de suas
famílias.
Eu não me arrependo não (de ter escolhido o magistério). Tudo o que eu tenho, pouco ou muito, bom ou ruim, eu devo ao magistério. Se eu posso viajar, eu devo ao magistério; se eu posso comprar um relógio de grife, eu devo ao magistério. Tudo meu eu devo ao magistério, eu não tenho outra fonte de renda. (Carmen)
110
O salário do estado houve uma melhora, porque o Sérgio Cabral incorporou as gratificações, houve uma melhoria. E, hoje em dia, há uma equivalência dos salários do estado e do município, antigamente o município pagava bem mais, houve uma certa melhora. (Eduardo)
Professor nem ganha tão mal, mas de tanto ficar fazendo greve, fazendo propaganda de que ganha mal, a gente ganhou o diploma de que ganha mal. A gente não ganha mal, a gente não ganha mal, mas a gente ficou com a imagem de que ganha mal, o pobrezinho, então acaba que ninguém respeita. A gente nem ganha mal e ficou essa imagem de tanto se bater nessa tecla: professor ganha mal, professor ganha mal,... Acho isso péssimo! E com isso acaba que o aluno também não te valoriza. E esse discurso foi criado pelos próprios professores, são eles que desvalorizaram a carreira. (Maria)
Quando eu entrei, em relação ao salário, quando eu entrei na profissão, a gente ganhava muito pouco, muito pouco mesmo, né? Nós ganhávamos um pouco mais que uma empregada doméstica, isso me decepcionou muito, tá? Então, meu marido (militar) era uma diferença enorme salarial. Aí, conforme a economia do país foi melhorando, o salário melhorou também, isso é inegável, né? Teve épocas que o município (...), o município sempre esteve melhor que o estado, mas o estado tem um Plano de Carreira melhor, e quando chega ao final os dois batem. Mas, eu acho que, mais do que o problema salarial, eu tenho uma visão muito particular sobre isso, eu acho que o profissional da educação deveria lutar por melhores condições de trabalho. Eu sou muito felizarda de trabalhar em duas escolas que são referências, a gente recebe um alunado até mais ou menos, que dá para você trabalhar, dá para você desenvolver conteúdo com esse alunado. (Helena)
Sempre sobrevivi da sala de aula. [...] Hoje eu tenho uma condição razoável, com estabilidade financeira. Tudo o que eu tenho foi o magistério que me deu. Hoje a gente tem uma estabilidade e essa estabilidade num momento de crise dá uma sensação de segurança. Isso é verdade! A gente sabe que ao final do mês, a gente vai ter o dinheiro para pagar o cartão de crédito (Risos). Que aquele coitado que está sendo demitido não tem. Dá sim, uma sensação de estabilidade, uma sensação de segurança, um conforto. Um conforto emocional, de saber que ao final do mês vai ter o seu salário ali no banco, sem problemas. E a estabilidade de poder planejar o futuro com tranquilidade, sem vôos maiores, mas se você montar uma poupança, você tem sim condições de fazer uma viagem até para fora do país. É uma questão de organização, sabe que tem condições sim de fazer isso. (Rafael)
Ao contrário dos docentes da rede estadual paulistana pesquisados por
Lapo e Bueno (2003), como foi sinalizado anteriormente, cuja insatisfação com o
trabalho e os pedidos de afastamento e exoneração do serviço público estavam
atrelados, fundamentalmente, aos baixos salários e às condições de trabalho, os
professores desta investigação, em que pesem suas críticas, permaneceram na rede
111
estadual de ensino até a aposentadoria, e distintos, ainda, do primeiro grupo,
escolheriam novamente a docência como profissão.
Essas informações sugerem que a desvalorização da profissão está, em
grande parte, atrelada às condições de trabalho e aos baixos salários. Como
enfatizou a professora Helena, ela é uma privilegiada por lecionar em duas
escolas que oferecem boas condições de trabalhos em termos de organização e
recursos humanos, mas, certamente, as condições de trabalho para muitos
professores da rede pública são, ainda, bastante hostis, em virtude de inúmeros
fatores, como evidenciam as pesquisas acadêmicas e a própria mídia.
Com toda certeza, os professores dessa investigação são privilegiados por
suas condições de trabalho e renda. Todos recebem dois rendimentos como ativos
e/ou inativos, da rede privada e/ou pública, gerando uma renda salarial mais
satisfatória; trabalham em regiões onde o IDH é elevado, os colégios têm boa
infraestrutura, os gestores são comprometimentos e atuam em parceria com os
professores; não relataram violência, tampouco, reclamaram do comportamento
dos alunos em sala de aula. Todos esses fatores distinguem esses docentes e se
constituíram em elementos que favorecem a permanência na rede estadual de
ensino.
É interessante perceber que, ter ingressado no magistério através de
concurso público, logo após a formação, é um diferencial de alguns destes
professores que têm seus rendimentos vinculados somente ao magistério.
Como servidores das redes estaduais e/ou municipais tiveram inúmeros
benefícios, dentre eles um Plano de Carreira. Acrescido a isso, devemos
considerar, ainda, que alguns professores também trabalham/ram no sistema
privado, cujos rendimentos/aposentadorias engrossam/rão a renda salarial o que,
certamente, os conduzirá a uma condição socioeconômica um pouco mais
tranquila após a aposentadoria. Além disso, interfere nessa sensação de bem-estar
o local de moradia, a maioria reside em bairros com elevado IDH, apenas o
professor Agostinho e a professora Lúcia residem na zona norte.
Inclusive, os professores que trabalham nos colégios estaduais localizados
na zona sul e na Barra da Tijuca não relataram insatisfação com o salário. Pelo
contrário, alguns se sentem privilegiados por sua renda salarial.
Retomo mais uma vez à pesquisa de Lapo e Bueno (2003), as autoras
evidenciaram que as licenças (abandono temporário) solicitadas pelos docentes da
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rede estadual de ensino de São Paulo eram freqüentes, e se constituíram como um
primeiro passo para o abandono definitivo da profissão. Em relação aos docentes
desta investigação, somente a professora Virginia pediu licença médica no início
de 2015, por três meses, pela necessidade de realizar uma cirurgia, os demais
professores nunca solicitaram o afastamento. Todos, sem exceção, enfatizam o
compromisso com o trabalho, o cumprimento da carga horária, a ausência de
faltas, e registram em seus relatos o compromisso político e social com o aluno e
com a escola pública de qualidade.
Na perspectiva de Mosquera e Stobäus (2002), o “professor com mais
condições de ser bem-sucedido seria aquele que poderia e deveria desenvolver
uma personalidade saudável e melhores relações interpessoais, tentando
encaminhar-se para uma educação afetiva”.
Isto posto, o interesse de elencar os fatores geradores de contentamento e
descontentamento com o magistério tem como propósito, fundamental,
compreender os sabores e dissabores percebidos pelos professores ao longo da
carreira profissional, elementos que não se constituíram significativos, portanto,
para o abandono da profissão ou se evidenciaram em desestímulo com o trabalho,
mas apenas caracterizam os prazeres e os desprazeres da trajetória profissional,
aspectos, portanto, de facilidade ou de dificuldade da/na caminhada.