4. estudo experimental: metodologia e apresentação dos resultados
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4. Estudo experimental: metodologia e apresentação dos resultados
Partindo das questões específicas de investigação, enunciadas em 3.2., neste
capítulo apresenta-se o estudo experimental desenvolvido com os seguintes objectivos:
(i) diagnosticar o conhecimento implícito de estruturas concessivas (e de estruturas com
nexos semanticamente contíguos) em alunos do quarto ano, do sexto ano e do nono ano,
(ii) determinar a existência de efeitos de escolarização no desenvolvimento linguístico e
na produção escrita de estruturas contrastivas e (iii) avaliar efeitos do conhecimento
explícito de estruturas contrastivas no desenvolvimento da produção escrita.
Este capítulo inclui cinco secções, duas das quais bastante extensas, que tratam
de aspectos cruciais da investigação desenvolvida: na secção 4.1., descreve-se o
desenho experimental, apresentam-se as actividades e materiais construídos e
explicitam-se as fases do trabalho de campo; na secção 4.3., apresenta-se a análise
quantitativa quer relativamente a um corpus de aquisição (Santos: 2006), quer
relativamente aos testes de compreensão oral de texto e de produção induzida de frases,
quer relativamente aos dados dos corpora de escrita (da fase de diagnóstico e da fase de
intervenção).
As restantes secções, menos extensas, são a secção 4.2., na qual se explicita a
metodologia de tratamento dos dados, a secção 4.4., relativa à análise quantitativa dos
resultados da intervenção didáctica, e, por fim, a secção 4.5., que inclui uma sinopse dos
resultados e que antecipa a problematização de alguns resultados obtidos,
posteriormente aprofundados na discussão apresentada no Capítulo 5.
4.1. Metodologia de trabalho de campo, desenho experimental e fases de
implementação
A presente secção apresenta, em primeiro lugar, uma exposição sobre
metodologias de recolha de dados de escrita em contexto educativo, na secção 4.1.1.,
seguida da explicitação da metodologia adoptada para a recolha de dados, a
apresentação dos materiais utilizados e a fundamentação do desenho experimental
construído, na secção 4.1.2. A secção 4.1.3. contém uma descrição das fases de
implementação do trabalho de campo, explicitando-se os grupos de sujeitos envolvidos
e os protocolos e procedimentos a que se recorreu para a implementação do trabalho
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experimental. Finalmente, em 4.1.4. faz-se uma síntese relativa à constituição da
amostra e dos corpora.
No Capítulo 2, procedeu-se a uma revisão das principais abordagens de
investigação sobre escrita, a par do seu impacto na didáctica da língua materna. Para a
fundamentação da metodologia experimental usada, retomam-se algumas questões da
investigação mencionada, destacando-se, fundamentalmente, os trabalhos que, embora
em perspectivas diferentes, são relevantes para as tomadas de opção teóricas e
metodológicas deste estudo. A referência a metodologias que respondem a hipóteses de
investigação distintas tem o propósito de caracterizar e enquadrar a metodologia
definida.
Os dados foram recolhidos em escolas de dois agrupamentos da periferia de
Lisboa. No contacto prévio com os órgãos de gestão ou com os professores,
salvaguardou-se o anonimato dos actores e explicitaram-se os objectivos do estudo. Em
relação a questões deontológicas, no processo de recolha de dados, o princípio assumido
foi o do estrito anonimato de docentes e discentes, por se tratar, maioritariamente, da
recolha de produções orais e escritas em contexto escolar. Assim, por razões de sigilo
quer sobre os professores que colaboraram na recolha dos dados, quer sobre as escolas,
as turmas e os alunos envolvidos no trabalho de campo, não são, propositadamente,
identificados locais ou identidades, no cumprimento dos protocolos e acordos
estabelecidos, nos quais se esclareceu que não se pretendia avaliar actuações de escolas
ou de professores, nem desempenho escolar de alunos, mas recolher informações
relativas ao desenvolvimento das competências de escrita e de conhecimento explícito.
4.1.1. Metodologias de recolha de dados de escrita em contexto educativo
A literatura sobre desenvolvimento da escrita, produzida nas últimas décadas, é
muito vasta e responde a áreas de investigação tão diversas quanto as didácticas, a
Psicologia, a Linguística, os estudos em Retórica e, mais recentemente, os estudos para
o desenvolvimento das literacias. As principais linhas de investigação sobre escrita
foram referidas, de forma mais detalhada, no Capítulo 2. De um modo esquemático,
retomando o que foi tratado nesse capítulo, podem agrupar-se os estudos sobre escrita
relativamente à sua incidência, enquanto objecto de pesquisa, em três aspectos
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distintos1: (i) os contextos de produção, (ii) os processos mentais activados durante a
actividade de escrita e (iii) as características (formais) dos textos, que condicionam o
processo de escrita (Grabe e Kaplan: 1996).
Nas primeiras abordagens, incluem-se os estudos sobre a aquisição da escrita
nos estádios iniciais, como os de Ferreiro e Teberosky (1986), que exploram,
principalmente, efeitos do contacto precoce com material escrito na aquisição inicial da
configuração da escrita. A par desta linha de análise encontram-se os estudos que
abordam o desenvolvimento da literacia de escrita, descrevendo contextos sociais de
produção escrita ou analisando a qualidade das experiências de aprendizagem de escrita
enquanto processo social. Podem ser incluídos neste conjunto estudos sobre género -
genre based literacy - e sobre as relações sociais envolvidas nas práticas de escrita.
Estes estudos de carácter funcionalista, de que é exemplo o trabalho de Martin (1989;
1993), têm contribuído, em grande medida, para o conhecimento das condições sociais e
escolares que influenciam o desenvolvimento da literacia de escrita.
As metodologias de recolha de dados usadas nesta classe de estudos, de um
modo geral, rejeitam a mera recolha dos produtos escritos e privilegiam o contacto do
investigador com o meio em que os aprendentes de escrita desenvolvem a sua
actividade. Neste âmbito, alguns autores recorrem às abordagens «etnográficas»
aplicadas a contextos educativos, que podem ser implementadas com diferentes
objectivos e instrumentos, de forma mais ou menos intrusiva (Grabe e Kaplan: 1996,
18-23; Hyland: 2002, 147).
Dos estudos em Psicolinguística resultaram diversas propostas de modelos
processuais de escrita, com o intuito de descrever e, frequentemente, também explicar
os processos mentais que a actividade de escrita mobiliza. Estes estudos cognitivos
sobre o funcionamento da escrita têm sido particularmente bem sucedidos na sua
didactização. Por exemplo, é inegável o contributo dos modelos de Hayes e Flower
(1980) quer ao nível da elaboração de programas nacionais das disciplinas de línguas,
em particular de língua materna (por exemplo, DGEBS: 1991), que replicam a estrutura
nuclear tripartida do processo, quer ao nível da selecção de estratégias de ensino
tendentes ao sucesso das aprendizagens (Carvalho: 1999; Pereira: 2000, e.o).
1 Outro modo de organizar as diferentes abordagens de investigação sobre escrita segundo o objecto central da investigação consiste em distinguir: (i) textos (as propriedades textuais que podem condicionar o desenvolvimento da competência de escrita), (ii) escritores (os aspectos psicolinguísticos que os sujeitos activam durante a tarefa de escrita) e (iii) leitores (as condições sociais, como a consciência do público ou a adequação de formatos textuais a contextos, que afectam as condições de produção escrita) (Hyland: 2002; Capítulo 2).
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Os estudos em referência, por procurarem aceder aos processos mentais da
escrita, envolvem metodologias experimentais complexas, com base em desenhos
experimentais teoricamente consistentes com as análises pretendidas, sendo frequente a
recolha de dados ter como suporte instrumentos introspectivos, como entrevistas e
protocolos de verbalização durante o processo de escrita (por exemplo, Scardamalia e
Bereiter: 1987 ou, para o português, Barbeiro: 1999).
No caso das abordagens que procuram descrever aspectos da estrutura textual
que podem confluir para o desenvolvimento da escrita, a investigação desenvolvida
encontra-se suportada, normalmente, por modelos teóricos de representação textual. São
disso exemplo os estudos em linguística textual e, em particular, os estudos sobre teoria
da coerência (Charolles: 1978; Halliday e Hasan: 1976; Grabe e Kaplan: 1996; e.o.).
No âmbito da investigação centrada nos produtos textuais, além dos trabalhos
que analisam aspectos estruturantes de textos e dos estudos que descrevem modelos de
texto, outras abordagens valorizam a análise de aspectos da microestrutura textual para
caracterizar perfis de escritores. Tal como alguns modelos processuais de escrita, que
propõem diferentes perfis de escritores (Scardamalia e Bereiter: 1997), a análise de
aspectos linguísticos da construção textual pode contribuir para a descrição da actuação
de escritores proficientes e de escritores menos proficientes (Gordon: 1986 apud
Menyuk: 1988), o que tem iguais vantagens para a fundamentação da intervenção
educativa.
Naturalmente, este último tipo de investigação passa pela constituição de
corpora textuais que possam ser submetidos a análises qualitativas, quantitativas ou a
ambas. Aliás, muitos estudos de comparação de desempenhos de escritores implicam a
classificação e contabilização de propriedades ou de unidades textuais, enquadradas
pela análise estatísticas dos dados resultantes (Grabe e Kaplan: 1996, 20).
Face a esta polarização de abordagens sobre um mesmo objecto, existem estudos
sobre escrita com objectos e objectivos equivalentes, enquadrados por perspectivas
teóricas e metodológicas distintas. Esse parece ser o caso da presente dissertação, sobre
o conhecimento de estruturas contrastivas e o desenvolvimento da escrita, e da
dissertação Consciência Metalinguística e Expressão Escrita (Barbeiro: 1994). Ambos
os trabalhos apresentam como objecto central o estudo de produções escritas de alunos
do ensino básico2 e em ambos se procuram evidências empíricas para a existência de
2 A amostra de Barbeiro (1994; 1999) abrange alunos do segundo ano, do quarto ano, do sexto ano e do oitavo ano do ensino básico de escolas portuguesas (96 sujeitos); a amostra do presente estudo abrange
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uma correlação positiva entre conhecimento linguístico e desempenhos na activação da
competência de escrita. Relativamente à natureza do conhecimento linguístico em
estudo, Luís Filipe Barbeiro esclarece que, embora haja envolvimento de conhecimento
implícito, a sua pesquisa incide nas manifestações e potencialidades do conhecimento
reflectido da língua no processo de escrita (Barbeiro: 1999, 12), aspecto totalmente
coincidente com os objectivos da presente investigação.
É o enquadramento teórico e a metodologia de recolha e tratamento de dados
que distingue e torna complementares as duas perspectivas de investigação. O trabalho
de Barbeiro (1994; 1999) é um estudo na área da Psicolinguística, que segue as linhas
de investigação dos estudos sobre os modelos processuais da escrita. O que torna este
estudo inovador é o facto de se recorrer a metodologias que permitem aceder aos
processos mentais activados no processo de resolução de problemas de escrita para se
aceder a dados sobre a «consciência metalinguística» activada durante o processo de
escrita. Tal como o autor explicita, o seu trabalho integra-se no cruzamento entre a
investigação da consciência metalinguística, entendida como «conhecimento que o
sujeito possui sobre a linguagem para além da capacidade de a utilizar como meio de
comunicação» (Barbeiro: 1999, 12), e a investigação sobre a escrita enquanto processo,
o que conduz a que a análise tenha por base não apenas os textos produzidos pelos
sujeitos, mas, principalmente, as manifestações dos alunos durante o processo, avaliadas
enquanto evidências para a activação de processos mentais.
A metodologia utilizada em Barbeiro (1999, 105-156) ilustra, de um modo geral,
o tipo de procedimentos de recolha de dados utilizados nos estudos cognitivos sobre
escrita, mencionados Capítulo 2, tendo havido o estabelecimento de um protocolo de
escrita, antecedido de entrevista e concluído pela leitura oral do texto escrito. Para
aceder aos processos em estudo, particularmente à «consciência metalinguística» dos
sujeitos, o autor concebeu um desenho experimental que lhe permitiu recolher não só os
textos produzidos pelos alunos, mas também dados introspectivos dos sujeitos e
manifestações físicas e materiais ocorridas ao longo das diferentes fases da escrita. A
tarefa principal consistiu na elaboração de um texto com um tema dado, do
conhecimento geral dos alunos, escrito em grupo, o que levou a que os alunos tivessem
de verbalizar as suas propostas e decisões para a resolução dos problemas da construção
do texto. A actividade, desenvolvida sem a presença do aplicador, foi gravada e filmada.
alunos do quarto ano, do sexto ano e do nono ano do ensino básico de escolas portuguesas (113 sujeitos, mais 40 adultos escolarizados, num total de 153 sujeitos).
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Os dados para análise resultaram, assim, não só dos textos, mas das transcrições das
verbalizações dos alunos e das suas manifestações durante o processo de escrita,
aspectos cruciais para o acesso aos processos mentais. Complementarmente, foram
feitas entrevistas e inquéritos a alunos e professores sobre aspectos relevantes para a
caracterização dos sujeitos e dos contextos.
Uma metodologia desta natureza, embora centrada numa tarefa tipicamente
escolar – a escrita colaborativa de uma continuação de narrativa –, pelo aparato técnico
que envolve, implica que a actividade se desenrole fora do contexto natural da
sequência de actividades da sala de aula. A perspectiva metodológica adoptada na
presente investigação foi radicalmente distinta: seguindo as abordagens de investigação
educacional mais naturalistas, procurou-se integrar todas as tarefas, quer de produção
escrita quer de manifestação de conhecimento da língua, na sequência de actividades de
um plano de aula regular, tendo, aliás, as mesmas sido sumariadas pelos professores das
turmas. Esta metodologia de recolha de dados, descrita nos pontos seguintes, foi
possível uma vez que os dados a analisar são extraídos das produções textuais, que, não
sendo a única fonte de informação, são o objecto central da análise, ao contrário do que
se passa no estudo sobre processos mentais de escrita, em Barbeiro (1994; 1999).
Outra diferença em relação à metodologia usada na dissertação de Barbeiro
(idem) incide no tipo de manifestação de conhecimento explícito da língua que é
recolhido para avaliação. No trabalho experimental que se apresenta em seguida, o
conhecimento explícito avaliado não decorre da «consciência metalinguística»,
enquanto mecanismo envolvido no processo de escrita, mas de evidências deste tipo de
consciência, através de manifestações do conhecimento de unidades sintácticas
estruturantes na escrita de carácter argumentativo. É crucialmente esta característica da
presente investigação que a enquadra no terceiro tipo de investigação mencionado no
início da secção – trata-se de um estudo sobre propriedades do conhecimento sintáctico
e semântico relevantes para a construção de textos de carácter argumentativo. O
conhecimento explícito das mesmas foi aferido mediante indicadores de produção das
estruturas alvo nos textos, mas também através da avaliação formal de conhecimento
metalinguístico.
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4.1.2. Uma metodologia não intrusiva com controlo da tarefa
Ainda que este seja um estudo centrado no conhecimento linguístico
manifestado em textos e, consequentemente, se tenha recorrido a uma metodologia de
recolha de dados textuais, vários aspectos do desenho experimental construído
beneficiaram dos contributos que a investigação sobre as dimensões sociais e
académicas da escrita e que a investigação sobre modelos processuais de escrita
trouxeram para a fundamentação das intervenções educativas. Esses aspectos serão
destacados na descrição da metodologia experimental implementada nas fases de
diagnóstico e de intervenção didáctica. Na presente secção, 4.1.2., explica-se, de forma
detalhada, o desenho experimental e, na secção 4.1.3., descrevem-se as fases de
implementação, dando informações de pormenor quanto a actividades, amostra e
contextos de aplicação.
Como já foi sublinhado, a metodologia seguida para a recolha dos dados
assumiu, por um lado, características de intervenção naturalista, inspirada nas
abordagens «etnográficas» dos estudos sobre a escrita enquanto actividade social, em
contextos escolares (Grabe e Kaplan: 1996, 18-23; Hyland: 2002, 147). Segundo estas
abordagens, o investigador recolhe os dados, registando as actividades dos sujeitos nos
seus meios naturais. Deste modo, a recolha foi feita de forma directa, na fase de
diagnóstico e num momento inicial da fase de intervenção, através de deslocações da
investigadora às escolas e às salas de aula das turmas que integraram o projecto, e, de
forma indirecta, na fase de intervenção, através de reuniões com o professor que
participou no projecto, com a finalidade de apresentar os objectivos e as actividades
definidos para a intervenção, que o professor deveria adequar e enquadrar numa
sequência de actividades da sua planificação regular. Tanto as actividades da fase de
diagnóstico como as actividades da intervenção didáctica se integravam nas orientações
curriculares para os níveis de ensino envolvidos e respondiam a objectivos e conteúdos
dos Programas do ensino básico em vigor (DGEBS: 1991; DEB: 2001). Também esta
preocupação com o respeito pelas orientações regulares para cada nível de ensino
reforçou o pendor naturalista da estratégia de recolha de dados.
Esta «intrusão naturalista» no contexto escolar não respondeu, contudo, a uma
recolha estritamente etnográfica do que seria observável no funcionamento regular
daquelas turmas, na medida em que a recolha foi orientada por um desenho
experimental previamente definido e, até, sujeito a testagem piloto. Este desenho
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experimental incluiu (i) as grandes perguntas da investigação, (ii) perguntas parcelares,
delimitadoras do objecto de análise, (iii) os procedimentos de aplicação, pensados de
modo a replicar as mesmas condições em grupos diferentes, sempre que foi caso disso,
(iv) as actividades e (v) os instrumentos de registo das produções dos sujeitos,
concebidos como materiais didácticos de uma normal sequência de aprendizagem. A
construção dos instrumentos a aplicar com os alunos, estruturados como materiais
didácticos, teve por base a definição do tipo de e da quantidade de dados necessários
para responder às perguntas de investigação. O desenho experimental incluiu também
uma previsão das estratégias de tratamento dos dados, de acordo com o que se explicita
na secção 4.2. (codificação dos sujeitos, transcrições em CHILDES, tratamento
quantitativo e qualitativo), o que constrangeu a configuração de algumas actividades.
Do ponto de vista da didáctica da escrita, tanto na fase de diagnóstico como na
fase de intervenção, foram tidas em consideração orientações que decorrem de um
entendimento da escrita não como uma actividade linear e centrada no produto, mas
como um processo interactivo, com especificidades em cada uma das fases activadas
(Hayes e Flower: 1980). Assim, a tarefa de produção de texto incluiu um momento de
planificação, concebido, em primeiro lugar, como situação favorável à geração de
conteúdos e, depois, como momento facilitador da estruturação da informação. A
escolha do protótipo textual argumentativo foi consolidada pelos resultados da
investigação de Scardamalia e Bereiter (1987), na medida em que a escrita de um texto
com carácter argumentativo potencia a activação do modelo de «transformação do
conhecimento» (knowledge transforming), menos familiar aos escritores menos
experientes, mas mais interessante para o estudo do desenvolvimento da escrita em
diferentes ciclos de escolaridade, pela sua dependência, por um lado, do
desenvolvimento de aprendizagens formais e escolarizadas e, por outro, do
desenvolvimento da própria competência de escrita, dado que exige a mobilização de
um modelo mais sofisticado do que o «relato de conhecimento» (knowledge telling).
A fase de diagnóstico foi integralmente acompanhada pela investigadora, em
sala de aula, com a presença do professor de cada turma, e contou com dois momentos
de aulas, no primeiro ciclo, ou com duas aulas, no segundo e terceiro ciclos, tendo sido
implementadas três actividades subsequentes: (i) compreensão oral de texto, (ii)
produção de texto (ii) e (iii) produção induzida de frases. Nesta fase de diagnóstico,
foram envolvidas três turmas, uma de cada um dos níveis de final de ciclo da
escolaridade básica – quarto, sexto e nono anos. Do diagnóstico do conhecimento de
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concessivas nestes três momentos cruciais da escolaridade, resultou a escolha do nível
mais adequado para a implementação da intervenção didáctica – o nono ano.
A sequência teve início com o teste de compreensão oral de texto, que cumpriu
um duplo objectivo: primeiro, diagnosticar a compreensão oral de enunciados
concessivos e contrastivos com diferentes conectores, que contribuíam para a
estruturação de um texto com um tema e informações novas; em segundo lugar,
introduzir o tema da produção escrita, proporcionando um momento de planificação nas
duas vertentes – a de geração de conteúdos e a de estruturação da informação. Os alunos
ouviram uma gravação de um texto e responderam a um questionário com itens de
resposta fechada, de uma tipologia de selecção, uma vez que a resposta consistia na
opção por uma de entre duas paráfrases alternativas.
4.1.2.1. O teste de compreensão oral de texto (COT)
Para o teste de compreensão oral de texto, de forma a adequar o grau de
dificuldade ao nível de ensino, foram elaborados dois textos orais3 e dois questionários
(Anexo 1, documento 1), integrando um tema potenciador de argumentação polémica:
as experiências laboratoriais em animais, para cosmética ou para fins medicinais4. Para
a definição de procedimentos numa tarefa que envolvia um juízo sobre o valor
semântico de um conector, manifestado pela selecção entre um enunciado «verdadeiro»,
com um conector com valor semântico equivalente, e outro «falso», com um conector
com um valor semântico diferente ou implausível, foram tidos em consideração alguns
dos aspectos metodológicos descritos em Crain e Thornton (1998), nomeadamente a
inclusão de fillers, a invalidação da primeira condição de cada teste e as ponderações
sobre a tendência para respostas afirmativas por defeito (‘yes’ bias). Relativamente à
configuração didáctica de exercícios de compreensão oral, contemplaram-se os testes
propostos em Rost (1990) e em Weir (1993).
Os dois textos diferiam na extensão e no vocabulário, mas incluíam ambos
exactamente as mesmas frases complexas cuja compreensão era objecto de avaliação.
Para a resposta ao questionário, os alunos, primeiro, liam as instruções do teste e todo o
3 O processo de concepção e gravação destes documentos teve o inestimável contributo de duas especialistas em Prosódia. Agradeço a voz à Professora Doutora Isabel Falé e o apoio técnico à Professora Doutora Ana Isabel Mata. 4 Na concepção destes textos, relativamente a aspectos de conteúdo, agradeço muito os comentários e a visão crítica da Professora Doutora Alexandra Ribeiro.
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enunciado, faziam uma primeira audição global e, durante a segunda audição,
assinalavam com uma cruz a única paráfrase adequada. Para isso, a seguir a cada uma
das frases objecto de avaliação, tinham sido introduzidas, no documento de som, pausas
de cerca de 15 segundos, que permitiam que cada sujeito considerasse as duas opções e
seleccionasse uma. Havia ainda uma terceira audição, para completar respostas que,
eventualmente, tivessem ficado por assinalar.
As frases que foram objecto de avaliação estavam integradas num discurso com
um elevado grau de informação potencialmente nova para os alunos, semelhante ao de
uma exposição de novos conteúdos em contexto escolar. A partir desta actividade, a
investigadora e a professora promoveram a interacção oral em turma, de forma a
garantir uma fase de planificação, para geração de conteúdos, antes do momento de
escrita, através da partilha de ideias e do estímulo à reflexão sobre o tema, convocando
opiniões e experiências dos alunos. Neste momento, estimulava-se a interacção oral da
turma, de modo a envolver todos os alunos no objectivo da produção escrita – tomar
uma posição face à questão das experiências em animais. Aos alunos, era dito que o seu
texto viria a ser lido por outros alunos, criando-se a expectativa sobre um público
desconhecido, de forma a assegurar um dos aspectos cujo impacto no sucesso da escrita
tem sido reconhecido na literatura de especialidade. De facto, o desenvolvimento de
uma «teoria da audiência» está na base do reconhecimento da importância da noção de
«público» existente no momento de construir um texto e de gerar sentidos (Grabe e
Kaplan: 1996, 207-211).
No Anexo 1, encontram-se, no documento 1 – Teste de Compreensão Oral de
Texto, (i) as transcrições dos textos orais aplicados ao quarto ano e ao sexto ano e dos
textos aplicados ao nono ano e ao grupo de controlo de adultos escolarizados e (ii) o
questionário do teste de compreensão oral do quarto ano e do sexto ano e o questionário
do nono ano, que também foi aplicado ao grupo de controlo de adultos escolarizados.
4.1.2.2. O teste de produção de texto (PT)
No plano de aula, a seguir à interacção oral promovida na sequência da audição
do texto oral, durante cerca de trinta minutos, os alunos escreveram um texto de
opinião, em trabalho individual.
O teste de produção de texto foi configurado como um item de resposta aberta
extensa orientada. O material de suporte, como se ilustra em seguida, incluía um breve
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texto expositivo que sistematizava as principais ideias sobre o tema e que era seguido de
enunciados, apresentados em balões de pensamento, que manifestavam pontos de vista
em confronto, evidenciando-se o carácter de argumentação polémica que interessava ser
induzido na construção do texto de opinião.
(A) Estímulo de produção escrita do teste de PT
Como sabes, antes de nos serem vendidos, vários produtos de higiene e beleza são experimentados em animais, causando-lhes doenças e até a morte. As experiências em animais também servem para fabricar medicamentos, essenciais para o bem-estar dos homens.
O sofrimento provocado nos animais é um assunto complicado e nem todas as pessoas partilham da mesma opinião, como podes ler a seguir...
Eu acho que
nunca se deve fazer
mal aos animais,
porque eles são seres
vivos!
Na minha
opinião, as experiências
em animais são
importantes para o
trabalho dos cientistas.
Sem as experiências,
não havia vacinas.
Eu cá penso que não faz
mal se os bichos sofrem. O que
é importante é podermos
comprar perfumes da moda!
Não concordo com
experiências que provoquem
sofrimento em animais, mas acho
importante a descoberta da cura
de doenças.
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A instrução surgia destacada numa caixa e solicitava um texto de opinião,
género cujo ensino explícito não é obrigatório até ao 3.º ciclo, segundo o estipulado nos
documentos orientadores para o ensino da língua materna (DGEBS: 1991; CNEB:
2001), ao contrário do que é sugerido pela investigação em desenvolvimento da escrita
para «transformação de conhecimento» (Scardamalia e Bereiter: 1987). Dada a
consciência de uma eventual estranheza por parte dos alunos mais novos face ao
formato textual solicitado, a par da instrução, surgiam recomendações para a construção
de texto de carácter argumentativo e orientações sobre a extensão do texto.
(B) Orientações para a escrita de texto de opinião
Escreve um texto em que defendas a tua opinião sobre este assunto: �Antes de começares a escrever, organiza as tuas ideias; �Não te esqueças de fazer uma introdução, apresentando aos teus leitores o
assunto que vais tratar; �Apresenta bons argumentos para defenderes o teu ponto de vista; �No final do texto, tenta mostrar que tu é que tens razão; �Escreve pelo menos 20 linhas.
O suporte de escrita induzia a produção de um título e tinha espaço para a
codificação de cada sujeito. O enunciado do teste de produção de texto apresenta-se no
Anexo 1, documento 2 – Teste de Produção de Texto.
4.1.2.3. O teste de produção induzida de frases (PIF)
Recolhidos, na primeira aula de aplicação do desenho experimental, os
enunciados do teste de COT e os textos dos alunos, a investigadora deslocou-se,
posteriormente, mais uma vez a cada uma das três turmas envolvidas na fase de
diagnóstico, para acompanhar a aplicação da actividade de produção induzida de frases.
Esta actividade consistiu numa sequência de exercícios de conhecimento explícito,
apresentada aos alunos como uma ficha de trabalho, integrada no plano de aula regular e
sumariada pelo professor.
Como se poderá verificar pela leitura da ficha (Anexo 1, documento 3), os
estímulos envolviam (i) a produção livre de uma estrutura complexa concessiva, num
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item cuja restrição era apenas o recurso ao conector dado, e (ii) transformação de
enunciados frásicos simples em frases complexas concessivas. Neste segundo item, era
dado o elemento conjuncional que devia iniciar a subordinada, o que exigia uma
selecção adequada de tempo e modo, na subordinada. Estas condições envolviam
exclusivamente a manipulação de estruturas, para a qual era suficiente conhecimento
implícito em situação de produção, não sendo nunca convocado conhecimento
metalinguístico que pudesse tornar opacos os propósitos de diagnóstico de
conhecimento linguístico implícito, ao nível da produção de frases, definidos para este
teste.
Em (C), encontram-se exemplos dos dois tipos de itens incluídos na ficha, que
consistiam num item de resposta aberta curta de construção de frase e num item de
resposta fechada de transformação de frases simples em frase complexa.
Os itens apresentavam um exemplo, de forma a garantir maior transparência na
instrução e salvaguardar que as respostas erradas e a ausência de resposta não
decorressem de falta de contacto com esta tipologia de exercícios, mas correspondessem
ao conhecimento em avaliação.
(C) Exemplos de itens do teste de produção induzida de frases
A. Constrói quatro frases, usando em cada uma as palavras que aparecem nos rectângulos. Segue o exemplo. Exemplo: embora ���� Embora esteja a chover, vou para a praia. apesar de �_____________________________________________________________________
[…]
B. De acordo com o exemplo, une as frases que estão nos rectângulos, construindo uma só frase que comece pela palavra indicada em cada linha. Faz as alterações que forem necessárias à forma das palavras.
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Exemplo: Os super-heróis praticam boas acções. + Algumas pessoas não gostam de heróis. Embora os super-heróis pratiquem boas acções, algumas pessoas não gostam de heróis. 1. Vocês não acreditam. + Fadas e bruxas habitam a floresta. Embora________________________________________________________________
Foram construídos enunciados diferentes para os alunos mais novos e para os
alunos mais velhos, sendo que o teste do nono ano incluía um outro item de resposta
fechada de transformação que não existia na ficha dos alunos do quarto e do sexto ano.
Para efeitos de análise dos resultados da produção induzida de frases, foram apenas
tratadas as respostas comuns às duas fichas.
Os testes de produção induzida de frases do quarto ano, do sexto ano e o do
nono ano, também aplicado ao grupo de controlo de adultos escolarizados,
encontram-se no Anexo 1, documento 3 - Teste de Produção Induzida de Frases.
4.1.2.4. Os testes de diagnóstico da fase de intervenção
A fase de intervenção envolveu duas turmas de nono ano de uma escola
diferente da escola em que tinham sido aplicados os testes de diagnóstico. O desenho
experimental incluiu ainda um grupo de controlo, constituído por uma terceira turma de
nono ano, na qual foram aplicados os instrumentos de recolha da primeira e da última
produções escritas, para avaliação, sem que houvesse a aplicação da intervenção
didáctica para construção de conhecimento explícito de concessivas.
Na fase de intervenção, num primeiro momento, foram replicados os dois
principais testes da fase de diagnóstico (teste de compreensão oral de texto e teste de
produção de texto), sendo usadas as estratégias antes descritas, que garantiram o
acompanhamento processual da produção escrita. A aplicação destes dois testes foi da
responsabilidade do docente titular das turmas, que reunira antes com a investigadora,
de modo a que os materiais fossem integrados numa sequência natural da planificação.
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O facto de se replicarem os procedimentos da fase de diagnóstico nas três turmas de
nono ano da fase de intervenção permitiu obter um corpus homogéneo e mais alargado
de produções escritas de nono ano5.
4.1.2.5. Contextualização, planificação e actividades da intervenção didáctica
O segundo momento da fase de intervenção foi precedido por uma reunião de
preparação da intervenção, realizada pela investigadora e pelo professor das turmas, na
qual foram dados a conhecer os materiais preparados para suportar o desenho
experimental. No sentido de menorizar a intrusão no desenvolvimento do trabalho
regular da turma, o professor teve a possibilidade de introduzir alterações e decidir a
ordem de apresentação das actividades em função do seu conhecimento dos perfis das
turmas. Inclusivamente, houve um questionário sobre hábitos de leitura que o docente
passou para suporte digital e disponibilizou aos alunos na plataforma Moodle da escola.
A investigadora assistiu às duas primeiras aulas das duas turmas, nas quais se
implementou a Oficina Gramatical para construção de conhecimento explícito de
estruturas oracionais contrastivas. Através deste momento de observação de classes, a
investigadora teve possibilidade de conhecer directamente as turmas e de observar e
recolher informações sobre a aplicação dos materiais da Oficina, actividade crucial do
desenho experimental.
De acordo com os requisitos iniciais do desenho experimental, registados no
documento que foi a base de trabalho da reunião preparatória, numa das turmas, a que
se codificou como turma A, seguiu-se à Oficina Gramatical uma sequência de Oficina
de Escrita, que incluía actividades de sistematização metalinguística, que não foram
implementadas na turma B na mesma ordem de apresentação. Na turma B, a produção
escrita foi desenvolvida no âmbito da planificação regular da turma. O propósito desta
diferença de estratégias era verificar se se observavam resultados significativamente
diferentes na evolução da produção de estruturas de contraste na turma em que tinha
havido mais tempo de treino imediatamente subsequente à intervenção, através da
mobilização de conhecimento explícito numa tarefa de escrita. A análise quantitativa,
porém, não revelou diferenças significativas entre os resultados de produção de
5 Para efeitos do diagnóstico da produção escrita de concessivas, relativamente ao nono ano, foram contabilizadas as produções escritas dos alunos da turma de nono ano da fase de diagnóstico mais as primeiras produções escritas dos alunos das turmas da fase de intervenção.
115
contrastivas nos textos das duas turmas, o que conduziu a que se considerasse apenas
como intervenção relevante a que era comum às duas turmas, ou seja, a Oficina
Gramatical para construção de conhecimento explícito e metalinguístico de concessivas.
Concluir que, por isto, a existência de momentos de treino e sistematização
metalinguística é irrelevante para a mobilização de conhecimento explícito em situações
de escrita será um passo precipitado e simplista. Na investigação em contextos
educativos, a existência de variáveis que impedem situações de comparabilidade
absoluta, como os perfis de cada turma e os diferentes estilos de aprendizagem dos
alunos, conduz à necessidade de se produzirem desenhos experimentais robustos para
cada pergunta de investigação. Ora, o principal propósito do desenho experimental
construído é a aferição da relação entre conhecimento explícito de estruturas
concessivas e a sua mobilização na produção escrita, não tendo o modelo construído
abrangência suficiente para aferir também as potencialidades de estratégias de ensino
em competição.
Acresce a isto o facto de o desenvolvimento da competência de escrita de texto
de opinião ter decorrido, em ambas as turmas, do trabalho de ensino regular
desenvolvido pelo professor, através de abordagens proactivas, independentemente da
intervenção de oficina de escrita preparada no desenho experimental. Naturalmente, não
seria legítimo que isso não acontecesse numa das turmas do mesmo professor. De certo
modo, o bom trabalho de didáctica de escrita desenvolvido com as duas turmas,
independente desta intervenção experimental, inviabilizou conclusões sobre o impacto
de haver ou de não haver um momento subsequente de sistematização de conhecimento
explícito, associado a tarefas de escrita, a seguir à construção de conhecimento
explícito. De qualquer modo, apesar de não haver condições, neste desenho
experimental, para a discussão de estratégias de ensino em competição, são argumentos
favoráveis a uma abordagem laboratorial do ensino da gramática, tanto para fins
instrumentais como para a construção de conhecimento explícito da língua em espaço
curricular autónomo, os resultados positivos a que chegaram as duas turmas de
intervenção, em comparação com os resultados da turma de controlo, tendo em
consideração o facto ter sido através de uma Oficina Gramatical que se construíram as
actividades de intervenção, ao passo que, na turma de controlo, o ensino não foi
organizado numa perspectiva de aprendizagem pela descoberta.
Seguidamente, em (D) apresenta-se a contextualização, nos documentos
orientadores, da intervenção delineada e, em (E) a planificação da sequência de
116
aprendizagem. No Anexo 2, documento 4 - Materiais da Intervenção Didáctica,
encontram-se os materiais de apoio às actividades da fase de intervenção.
(D) Contextualização da intervenção segundo as orientações curriculares em vigor
9º ano 3º CEB Funcionamento da Língua – Análise e Reflexão - Distinguir as formas de ligação de orações (coordenação e subordinação).
- Verificar a natureza das relações entre diferentes espécies de orações subordinadas
(orações subordinadas consecutivas e concessivas; orações subordinadas relativas
restritivas com antecedente). DGEBS (1991, 52)
Conhecimento explícito • Distinguir processos de subordinação substantiva, adjectiva e adverbial.
• Exercícios de construção de frases complexas formadas por subordinação
substantiva, adjectiva e adverbial.
• Análise e identificação de orações subordinadas substantivas, adjectivas e adverbiais.
Nota: Completivas seleccionadas por verbos; relativas explicativas; adverbiais finitas.
Sim-Sim et al (1997, 90-91)
Escrita para apropriação de técnicas e de modelos - Realizar diferentes tipos de escrita com finalidades ou destinatários diversos
. Texto de opinião. DGEBS (1991, 45)
Expressão escrita • Escrever textos com diversos objectivos comunicativos (expor, comentar questionar,
convencer alguém de um ponto de vista).
• Escrita compositiva para elaboração de conhecimento
• Escrita orientada para a apropriação de diferentes modelos (texto narrativo,
descritivo e expositivo).
Sim-Sim et al (1997, 81-82)
(E) Planificação da intervenção Grupos para o trabalho experimental
Turma A. Grupo alvo de desenvolvimento de uma intervenção que inclui (i) uma
oficina gramatical6 sobre subordinação concessiva e (ii) um estaleiro de escrita7 de
texto de opinião, com actividades de sistematização metalinguística sobre a) valores
semânticos de concessivas e b) advérbios conectivos contrastivos.
6 «Oficina gramatical» cf. Duarte (1992; 1998; 2008). 7 «Estaleiro de escrita» cf. Jolibert (cood.) (1988).
117
Turma B. Grupo que vai trabalhar o conhecimento explícito de subordinadas
concessivas com a mesma abordagem que o grupo alvo, mas que não vai mobilizar esse
conhecimento em actividades controladas de desenvolvimento da escrita8.
Turma C. Grupo de controlo, no qual não se desenvolverá qualquer intervenção
controlada pela investigação.
Objectivos
Turma A
Objectivos específicos da oficina gramatical:
- Rever características de coordenadas adversativas (convocando a observação de
diferenças com subordinadas concessivas);
- Comparar propriedades sintáctico-semânticas de adversativas e de concessivas ((i)
posição na frase complexa; (ii) posição de clíticos; (iii) possibilidade de ligação por
coordenação – por exemplo, copulativa com e);
- Descrever o funcionamento sintáctico típico de concessivas ((i) identificar
subordinadores concessivos; (ii) reconhecer aspectos típicos do sistema verbal das
concessivas);
- Distinguir concessivas factuais, hipotéticas e contrafactuais ((i) resolver paráfrases que
permitam a distinção semântica dos três formatos; (ii) reconhecer o sistema
têmporo-modal de contrafactuais; e (iii) identificar as conjunções e locuções conjuntivas
típicas das CC);
- Treinar a identificação e classificação de concessivas com recurso a metalinguagem
adequada ao nível de ensino;
- Treinar a explicitação de valores semânticos de concessivas;
- Estimular o uso de estruturas sintácticas de subordinação concessiva.
Objectivos do estaleiro de escrita:
- Treinar procedimentos de planificação, de textualização e de revisão;
- Conhecer características tipológicas de textos de opinião;
→ Objectivos específicos das actividades de reflexão metalinguística:
8 Como antes se explicou, a mobilização de conhecimentos em actividades de escrita foi, naturalmente, desenvolvida nas duas turmas, mas, na turma B, a sistematização de conhecimento metalinguístico associada a actividades de escrita não foi feita no momento imediatamente subsequente ao da intervenção didáctica.
118
- Estimular o uso de estruturas gramaticais diferentes que sustentem conexões
proposicionais contrastivas;
- Treinar a distinção entre concessivas com valor factual e concessivas com valores
condicionais;
- Agrupar adverbiais conectivos contrastivos e conjunções contrastivas com o mesmo
valor semântico;
- Descrever aspectos do funcionamento sintáctico de advérbios conectivos adversativos
e concessivos: (i) posição na frase; (ii) conexão paratáctica de períodos vs. conexão de
orações;
- Experimentar diferentes tipos de conexão proposicional adversativa e concessiva.
Fases da intervenção:
�1. Diagnóstico de compreensão oral de texto e de produção de texto de opinião;
2. Realização de uma oficina gramatical para construção de conhecimento, com um
guião de trabalho autónomo;
3. Realização de exercícios de treino (transposição para a sequência de escrita);
4. Estaleiro de escrita (cf. plano de sequência de actividades de escrita);
5. Avaliação (cerca de um mês após a conclusão da intervenção na turma A):
- caracterização de perfil de literacia;
- conhecimento metalinguístico de subordinadas concessivas;
- escrita de texto de opinião.
Turma B
Objectivos específicos da oficina gramatical:
Cf. os da turma A.
Fases da intervenção:
�1. Diagnóstico de compreensão oral de texto e de produção de texto de opinião;
2. Realização de uma oficina gramatical para construção de conhecimento, com um
guião de trabalho autónomo;
3. Realização de exercícios de treino;
4. Avaliação (cerca de um mês após a conclusão da intervenção na turma B):
- caracterização de perfil de literacia;
- conhecimento metalinguístico de subordinadas concessivas;
- escrita de texto de opinião.
119
� Antes da intervenção - discussão (com o professor) de aspectos concretos da
adequação da actividade ao estilo de ensino, às características da turma, à gestão de
conteúdos e ao tempo disponível.
Turma C
Procedimentos:
1. Diagnóstico de compreensão oral de texto e de produção de texto de opinião;
2. Avaliação (cerca de um mês após a conclusão da intervenção na turma A):
- caracterização de perfil de literacia;
- conhecimento metalinguístico de subordinadas concessivas;
- escrita de texto de opinião.
4.1.2.6. A avaliação da intervenção educativa
A avaliação da intervenção didáctica incidiu sobre a competência da escrita –
antes e após o momento da intervenção – e sobre o conhecimento explícito de conexões
contrastivas (coordenadas adversativas e subordinadas concessivas) dos alunos das três
turmas envolvidas nesta fase do desenho experimental.
Para a avaliação da escrita, foram recolhidos os textos produzidos pelos alunos
antes da sequência de aprendizagem de construção de conhecimento sobre concessivas.
Estes textos tinham como tema «experiências em animais», tendo sido usado o material
de escrita construído para a fase de diagnóstico (Anexo 1, documento 2), uma vez que
as actividades foram replicadas nestas turmas de intervenção, como antes se explicou.
A avaliação da produção escrita após a sequência de aprendizagem teve lugar
cerca de três meses após a intervenção educativa, em Janeiro de 2006, através da
recolha de uma produção escrita de um tema familiar aos alunos das duas turmas de
nono ano – os graffiti. Para este momento de produção escrita, foi construído o material
de suporte que se apresenta no Anexo 2, documento 5, que inclui a adaptação de um dos
itens usados no estudo de literacia de leitura PISA 2000 (GAVE: 2001).
Este material incluía dois textos transcritos do item referido, publicado em
GAVE (2001), que reproduziam duas posições antagónicas relativamente ao tema, de
modo a favorecer uma situação de argumentação polémica, sobre a qual os alunos
120
deviam assumir um ponto de vista, à semelhança do que tinha sido estruturado para a
situação de escrita da fase de diagnóstico. Para garantir um momento de planificação,
com geração e organização de informação, a seguir à leitura dos textos dados, os alunos
respondiam a um item de escolha múltipla, reproduzido em (F).
(F) Instruções de pré-escrita
As duas cartas apresentadas na página anterior foram difundidas na Internet e são sobre graffiti. Graffiti são pinturas e textos inscritos ilegalmente nas paredes ou noutros locais. Tem em consideração a tua leitura das cartas para resolveres as duas questões que se seguem. 1. O objectivo comum às duas cartas é (assinala a resposta correcta):
A explicar o que são os graffiti. �
B dar opinião sobre os graffiti. �
C demonstrar a popularidade dos graffiti. �
D dizer às pessoas quanto custa limpar os graffiti. �
A produção escrita tinha o formato de item de resposta aberta extensa. Como se
pode constatar em (G), de modo a orientar o processo de escrita, a instrução incluiu
indicações relativas (i) ao objectivo e ao público eventual do produto escrito, (ii) à
planificação, (iii) a estratégias de textualização de textos de carácter argumentativo e
(iv) a estratégias de revisão.
(G) Orientações para a escrita de texto de opinião
2. Com qual das duas cartas concordas mais? Escreve um texto em que defendas a tua opinião sobre este assunto .
� Tal como as cartas da Helga e da Sofia, o teu texto poderá ser divulgado na Internet para outras pessoas o lerem. Por isso, a tua escrita deve ser muito cuidada:
�Antes de começares a escrever, organiza as tuas ideias;
�Não te esqueças de fazer uma introdução, apresentando aos teus leitores o assunto
que vais tratar;
121
�Apresenta bons argumentos para defenderes os teus pontos de vista;
�Para expressares ideias em contraste, podes usar algumas conjunções, locuções e
advérbios conectivos que estudaste, como:
mas
apesar de
embora
ainda que
mesmo que
mesmo se
porém
todavia
contudo
no entanto
ainda assim
não obstante
�No final do texto, tenta mostrar que tu é que tens razão;
�Escreve pelo menos 20 linhas.
Entre as indicações para a textualização, encontra-se uma lista de conectores a
usar para expressar contraste, o que funciona, normalmente, como estímulo à
mobilização de conhecimentos. Poder-se-ia considerar que esta opção pode ter
condicionado os resultados em avaliação, uma vez que é justamente a produção destes
conectores que se pretende aferir. Contudo, três argumentos justificam este desenho: (i)
em primeiro lugar, a conjunção mas, que se pretende ver menos usada, substituída por
outros conectores, faz parte da lista, havendo, ainda assim, as esperadas diferenças nos
resultados obtidos; (ii) em segundo lugar, esta estrutura de material didáctico é bastante
comum e tem a mais-valia de tornar mais transparente para os alunos o que se pretendia
dos produtos de escrita; (iii) finalmente, é crucial notar que a turma de controlo de nono
ano fez a sua segunda produção escrita exactamente com o mesmo material de suporte,
observando-se as diferenças de resultados apresentadas na secção 4.4., que confirmam
que a mera inclusão de uma lista de conectores na instrução da tarefa não é suficiente
para a mobilização de conhecimento explícito na produção escrita. Este conhecimento,
antes de mais lexical, tem de existir, estar estabilizado e passar a estar disponível no
repertório de estruturas a usar para enfrentar desafios de escrita.
De qualquer modo, ainda que se coloque a hipótese, infirmada pelos resultados
do grupo de controlo, de que os alunos produzem mais conectores se estiverem em
presença de uma lista desses conectores, esta hipótese manteria favorável a ideia de que
os estímulos explícitos relativos a conhecimento de língua favorecem a mecanização de
procedimentos linguísticos favoráveis à produção escrita, salvaguardando que, mesmo
122
assim, só se consegue integrar no discurso conhecimento lexical efectivo. Por outro
lado, em termos estritamente didácticos, três meses após a construção de conhecimento
metalinguístico sobre concessivas, é de esperar que este conhecimento ainda necessite
de momentos de treino e consolidação, que, numa normal sequência de aprendizagem,
podem assumir formatos semelhantes aos do material construído. Neste sentido, será
normal admitir que, no momento em que se fez a recolha da última produção escrita,
para muitos alunos, o conhecimento explícito sobre conectores contrastivos ainda estava
em consolidação.
No Anexo 2, documento 5, pode consultar-se o documento de suporte das
produções escritas finais, objecto da anterior explicação.
Mantendo uma abordagem metodológica não intrusiva nas turmas da fase de
intervenção, a avaliação do conhecimento explícito e metalinguístico de concessivas foi
feita através da introdução de itens na ficha de avaliação que as duas turmas de
intervenção realizaram no final da sequência de aprendizagem, elaborada pelo professor
e relativa também a outras aprendizagens. No Anexo 2, documento 6, apresenta-se a
proposta de itens a introduzir na ficha de avaliação, enviada ao professor.
Após a realização da ficha de avaliação, que integrou os itens fundamentais, o
professor da turma disponibilizou fotocópias das respostas às questões relevantes, cuja
classificação e análise se apresenta na secção 4.4. Estes resultados foram tratados sob
duas perspectivas: (i) a relação entre o conhecimento explícito manifestado e a produção
de nexos contrastivos após a intervenção e (ii) a relação entre o conhecimento explícito
manifestado pelas turmas de intervenção e pela turma de controlo, para se poderem
estabelecer correlações com a produção de nexos contrastivos nos textos das turmas de
intervenção e nos textos da turma de controlo.
4.1.2.7. Grupos de controlo
O desenho experimental contou com dois grupos de controlo, que responderam a
necessidades metodológicas distintas: um grupo de controlo com adultos, cujos
resultados contribuíram principalmente para a análise dos resultados do diagnóstico, e
uma turma de nono ano, que permitiu controlar os resultados obtidos nas turmas de
intervenção.
Tal como nos estudos de aquisição da linguagem é crucial o conhecimento da
gramática alvo, para se poderem sustentar análises teóricas sobre dados de compreensão
123
e de produção, na elaboração do diagnóstico do conhecimento de estruturas linguísticas
de contraste por crianças e jovens, é crucial o estabelecimento prévio do perfil do
escritor adulto. Foi, portanto, necessário estabelecer um perfil que pudesse balizar o que
pode ser considerado padrão de conhecimento linguístico, quanto à produção escrita de
estruturas oracionais contrastivas, e padrão de escrita alvo.
Uma vez que uma das grandes finalidades deste estudo consiste na avaliação do
grau de implicação da escolaridade formal na capacidade de produzir, na escrita, de
modo diversificado e sofisticado, estruturas de contraste, para a constituição do grupo
de controlo seleccionaram-se adultos com um elevado grau de escolarização. Para o
controlo do teste de compreensão oral de texto, constituiu-se uma amostra de doze
adultos escolarizados, com licenciatura, a frequentar o sexto ano do Ramo de Formação
Educacional. O controlo do teste de produção induzida de frases foi feito mediante a
aplicação dos materiais de teste a dezoito adultos escolarizados, também licenciados a
frequentar o sexto ano do Ramo de Formação Educacional da FLUL9.
Na constituição do grupo de controlo de produção escrita, crucial para a
definição de um perfil de escrita alvo, optou-se por replicar, com os adultos, a sequência
de diagnóstico definida para os alunos do ensino básico (Compreensão Oral de Texto –
documento 1, para introduzir o tema, seguida da Produção de Texto – documento 2)
junto de vinte e seis adultos escolarizados, licenciados, a frequentar o Ramo
Educacional. Assim, este grupo produziu textos com o tema «Experiências em
Animais».
De forma a tornar mais robusta a constituição do grupo de adultos escolarizados,
acrescentou-se a este grupo de controlo adulto um grupo de catorze adultos não
licenciados, que tinham acabado de frequentar o ensino secundário e estavam a
frequentar o primeiro ano de uma licenciatura da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa10. No início do ano lectivo, estes jovens estudantes universitários produziram,
como exercício de diagnóstico de escrita da disciplina de Produção de Português
Escrito, um texto de carácter argumentativo11, que servia propósitos muito semelhantes
aos do diagnóstico construído para o desenho experimental. A observação dos
resultados de produção de conectores contrastivos nos dois grupos de adultos (Anexo 4)
9 Os testes COT e PIF foram aplicados aos grupos de controlo adulto no ano lectivo 2006/2007, no Ramo de Formação Educacional da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 10 A recolha das produções escritas deste grupo foi feita em 2006/2007. 11 O enunciado solicitava um texto argumentativo que discutisse a afirmação «aprende-se a escrever lendo».
124
permitiu verificar que não existem diferenças relevantes entre ambos, tendo sido
tratados os resultados dos adultos conjuntamente. Esta opção garantiu que o grupo de
controlo fosse constituído por um total de quarenta sujeitos adultos, com idades
compreendidas entre os 17;8.15 e os 28;2.05. Do ponto de vista da caracterização do
perfil académico destes sujeitos, o primeiro grupo encontrava-se no final dos estudos
universitários, ao passo que os sujeitos do segundo grupo frequentavam o primeiro ano
da licenciatura.
Se o grupo de controlo com adultos escolarizados permitiu gerar resultados para
controlar o diagnóstico sobre conhecimento linguístico de concessivas, bem como sobre
o perfil de produção de estruturas contrastivas na escrita de texto de carácter
argumentativo, já para o controlo do conhecimento metalinguístico, construído através
da fase de intervenção, um grupo com adultos escolarizados não responderia às
necessidades metodológicas de controlo. Assim, para controlar os efeitos das
aprendizagens formais sobre concessivas na produção escrita, foi constituído um grupo
de controlo com alunos de nono ano.
A turma de controlo de nono ano que foi disponibilizada pela escola com que foi
estabelecido o protocolo era uma turma relativamente pequena, da qual, por razões
metodológicas, à semelhança do que se fez nas turmas de intervenção, se excluíram
alguns dos alunos falantes do português como língua não materna, alunos com
necessidades educativas especiais e alunos com várias retenções repetidas (pertencentes
a uma faixa etária já distante da maioria do grupo). Assim, o grupo de controlo de nono
é constituído por doze sujeitos, seis rapazes e seis raparigas, que foram seleccionados de
uma turma com vinte alunos, de acordo com os critérios de selecção que se explicitam
na secção seguinte. O grupo de controlo pertencia a uma escola diferente da escola em
que foi feita a intervenção didáctica.
Todas as actividades didácticas implementadas neste grupo de controlo foram
acompanhadas presencialmente pela investigadora. Tal como fora feito com as duas
turmas de intervenção, na turma de controlo, começou-se por aplicar, no primeiro
período, o teste de compreensão oral de texto e o teste de produção de texto (Anexo 1,
documento 1 e documento 2). Posteriormente, no terceiro período, em Maio,
solicitou-se aos alunos mais uma produção escrita, com o tema «Graffiti» (Anexo 2,
documento 5). Estando-se no final do ano lectivo, foi também em Maio que se aplicou
nesta turma o questionário de aferição de conhecimento explícito e metalinguístico
125
sobre coordenadas adversativas e subordinadas concessivas. Os itens deste questionário
apresentam-se no Anexo 2, documento 7.
Naturalmente, nesta turma, não houve qualquer controlo da metodologia de
ensino da gramática usada, sabendo-se, porém, que a abordagem usada seguiu uma
perspectiva mais tradicional, segundo a qual, ainda que se ensine a classificar
concessivas, o que é conteúdo de nono ano, não se ensina numa perspectiva de
«aprendizagem pela descoberta» e não se chega a aprofundar o conhecimento de tipos
de concessivas e a sua relação com adversativas.
4.1.2.8. Caracterização dos sujeitos
Para a caracterização dos alunos do ensino básico envolvidos quer na fase de
diagnóstico quer na fase de intervenção, foi construída uma ficha de registo sumário de
informações pessoais, a preencher pelos professores das turmas. Esta ficha garantia que,
uma vez codificados os sujeitos, fosse sempre possível identificar cada aluno, caso fosse
necessário despistar qualquer dúvida. A existência desta ficha contribuiu também para o
bom funcionamento da abordagem não intrusiva, sendo que, sem excepção, todos os
alunos foram envolvidos em todas as actividades, independentemente de as suas
produções serem, ou não, tratadas.
Através das informações obtidas, foram aplicados critérios de exclusão de
sujeitos, de forma a constituir uma amostra em conformidade com as necessidades do
desenho experimental. Assim, as produções de alguns alunos não foram analisadas,
tendo em consideração critérios como (i) idade muito diferente da idade média da
turma, o que equivalia a mais do que uma retenção repetida (ii) necessidades educativas
especiais identificadas, (iii) língua materna diferente do português12 e (iv) faltas a
alguns dos testes do desenho experimental (por exemplo, o facto de um aluno ter faltado
à aula em que tinham sido aplicados os instrumentos de diagnóstico foi motivo de
exclusão).
No Anexo 3, apresenta-se a ficha usada. Como antes se sublinhou, estes dados
foram tratados em estrita confidencialidade.
12 Foi definido previamente que o critério relevante para a exclusão por ser aluno de PLNM era a língua materna e não a nacionalidade.
126
4.1.3. Descrição das fases de implementação do trabalho de campo
O trabalho de campo foi desenvolvido ao longo de quatro anos, entre 2003 e
2007, tendo sido estruturado em cinco fases: (i) fase exploratória, (ii) testes piloto, (iii)
fase de diagnóstico, (iv) fase de intervenção e (v) avaliação da intervenção.
4.1.3.1. Cronograma do trabalho de campo
Na secção anterior, foi feita uma explicação detalhada das actividades e dos
materiais usados na fase de diagnóstico e na fase de intervenção, o que permitiu dar a
conhecer o processo de implementação do trabalho de campo com algum pormenor. O
trabalho de construção do desenho experimental, contudo, contou com fases
preparatórias, que garantiram, por exemplo, a testagem dos procedimentos e dos
materiais. Antes de apresentar uma breve memória descritiva do trabalho experimental,
explicita-se o cronograma de trabalho seguido.
CRONOGRAMA DE TRABALHO DE CAMPO
DATAS
FASES
OBJECTIVOS de INVESTIGAÇÃO
� Maio de 2003
Fase exploratória - Confirmar os resultados obtidos em Prada (2000)13, aferindo resultados em textos de opinião; - Estabelecer um elenco de estruturas que expressam o valor de contraste e que são produtivamente usadas nas produções escritas de adolescentes.
���� Maio a Setembro; Outubro a Dezembro de 2003
Testes piloto - Formular perguntas de investigação orientadoras do desenho experimental; - Definir o desenho experimental; - Construir os materiais para os testes e definir o protocolo a seguir na sua implementação. - Aferir graus de exequibilidade dos testes construídos, pilotando os materiais com grupos crianças e jovens da faixa etária e escolar dos grupos alvo; - Delimitar o tipo de informação que pode ser obtida com os materiais construídos.
13 Recorde-se que o estudo sobre a produção de estruturas oracionais adversativas, de Prada (2000), tem por base a análise de textos de carácter narrativo.
127
� 2004
Início do programa de doutoramento
- Pesquisar bibliografia sobre investigação educacional em aprendizagem da escrita; - Pesquisar bibliografia sobre estruturas oracionais contrastivas; - Estabelecer uma descrição das estruturas em estudo na gramática alvo do português europeu padrão; - Reestruturar os materiais a implementar no trabalho de campo.
� Fevereiro a Abril de 2005
Fase de diagnóstico - Diagnosticar conhecimento de estruturas oracionais contrastivas no domínio (i) da compreensão oral de textos, (ii) da produção induzida de frases e (iii) da produção de textos, com alunos dos 4.º, 6.º e 9.º anos.
� Outubro a Dezembro de 2005
Fase de intervenção - Diagnosticar a produção de estruturas oracionais com valor contrastivo e com outros valores semânticos, em turmas de 9.º ano; - Aferir conhecimento explícito de coordenadas adversativas e de subordinadas concessivas, na turma de controlo de 9º ano; - Acompanhar a intervenção didáctica para a construção de conhecimento explícito de concessivas e para a mobilização do conhecimento sobre concessivas em situações de produção escrita, em turmas de 9.º ano; - Avaliar o conhecimento explícito sobre as estruturas em estudo nas turmas de intervenção, após a intervenção didáctica.
� Janeiro e Abril/ Maio de 2006
Avaliação da intervenção
- Comparar índices de produção de estruturas oracionais contrastivas, em particular as concessivas, antes e depois da intervenção didáctica; - Comparar índices de produção de estruturas oracionais contrastivas nas turmas de intervenção e no grupo de controlo de 9.º ano; - Avaliar o conhecimento explícito sobre as estruturas em estudo no grupo de controlo de 9.º ano.
� 2006/2007 Controlo - Aferir o comportamento de adultos escolarizados face aos testes de compreensão oral, de produção induzida de frases e ao estímulo de escrita que foi aplicado aos alunos na fase de diagnóstico; - Aferir índices de produção de estruturas contrastivas em produções escritas de adultos escolarizados.
128
4.1.3.2. Fase exploratória
Com o propósito de delimitar o objecto de estudo num tema de investigação,
inicialmente, ainda vago – estruturas contrastivas e competência de escrita – aplicou-se,
em Maio de 2003, um teste exploratório a duas turmas de 3.º ciclo, uma de oitavo ano e
outra de nono ano. A vantagem de trabalhar com textos do nono ano consistia em obter
dados de um nível de final de ciclo. Porém, os resultados foram impeditivos de uma
leitura válida dos dados, devido à falta de conhecimento básico do que é um texto
argumentativo, e, em geral, devido a lacunas de conhecimento de regras da escrita
compositiva. Por esta razão, as produções escritas da turma do nono ano14 foram
excluídas.
Quanto à turma de oitavo ano, que tinha estudado explicitamente as
características tipológicas do texto de opinião, a análise dos textos produzidos permitiu
antecipar algumas pistas de investigação15.
A turma de oitavo ano era constituída por vinte e seis alunos, onze do sexo
masculino e quinze do sexo feminino, com idades compreendidas entre os treze e os
catorze anos, havendo dois alunos com dezasseis anos.
O teste aplicado era anónimo, o enunciado incluía a explicitação de que se
tratava de uma recolha de textos para um estudo sobre escrita. A instrução apresentava
um estímulo de escrita curto, com orientações apenas sobre extensão do texto.
Complementarmente, após a construção do texto, os alunos preencheram um
questionário introspectivo sobre o processo de escrita e registaram a sua identificação
relativamente a sexo, idade e nota a Língua Portuguesa no último período lectivo.
Os resultados deste primeiro teste confirmaram os resultados apresentados em
Prada (2000), ou seja, confirmaram que os adolescentes quase não produzem frases
concessivas nos seus textos escritos.
Numa segunda análise dos textos desta turma de oitavo ano, procurou-se
perceber a que tipo de estratégias alternativas os alunos de 3.º ciclo recorrem para
expressar contrastes, na construção dos seus argumentos, de forma a constituir-se um
elenco outras estruturas a investigar. Com base nestes primeiros resultados, elaborou-se
o projecto de doutoramento, apresentado em Março de 2004, que mencionava a
14 Em concreto, a extensão de grande parte dos textos produzidos não foi suficiente para aferir a textualidade dos mesmos. 15 A produção e recolha destes textos foi feita pela professora de Língua Portuguesa da turma.
129
possibilidade de se tomar como objecto de estudo um leque muito abrangente de
estruturas contrastivas. Como será explicado na secção seguinte, os progressos na
análise precoce de resultados ajudaram a circunscrever o objecto de estudo, tendo sido
saliente, nas primeiras análises de textos recolhidos, a importância da produção de
estruturas oracionais complexas com valor de contraste para a construção de textos com
sequências argumentativas.
A avaliação deste teste exploratório esteve, ainda, na base da formulação das
hipóteses que orientaram a elaboração do desenho experimental.
4.1.3.3. Testes piloto
A fase de testagem dos materiais, com a implementação dos testes piloto, foi
precedida pela definição das perguntas de investigação a que se queria responder com
os testes e, necessariamente, pela estruturação do desenho experimental (secção 4.1.2.),
crucial para o estabelecimento dos grupos alvo e do tipo e quantidade de dados
relevantes para a resposta às questões colocadas.
Esta fase de pilotagem de materiais não teve como principal objectivo a
obtenção de dados linguísticos, mas a validação da qualidade dos materiais a usar no
trabalho de campo. Estes materiais, já bastante semelhantes aos usados na fase de
diagnóstico, incluíam: (i) um teste de compreensão oral de texto, (ii) um teste de
compreensão oral de frases, (iii) um teste de produção induzida de frases e (iv) um teste
de produção escrita de texto.
Complementarmente, no momento da aplicação dos testes, foi preenchida uma
ficha anónima de caracterização dos sujeitos, recolhendo informações que permitiam
identificar (i) dificuldades de aprendizagem na disciplina de língua materna, (ii) falantes
do português como língua não materna ou (iii) necessidades educativas especiais. Esta
ficha constituiu um modelo experimental da ficha de caracterização dos sujeitos.
Os testes foram aplicados a quatro grupos de sujeitos. O primeiro era constituído
por cinco crianças com nove anos, a frequentar o quarto ano, o segundo por cinco
adolescentes, entre os onze e os doze anos, a frequentar o sexto ano, o terceiro por
quatro adolescentes, entre os treze e os catorze anos, no nono ano, e o quarto grupo era
integrado por quatro sujeitos com dezassete anos e um com dezanove, a frequentar o 12º
130
ano de escolaridade16. O protocolo de aplicação dos testes incluiu a observação dos
sujeitos durante a realização das tarefas e uma conversa informal acerca das
dificuldades que enfrentaram (com registo de notas).
Os resultados desta fase de pilotagem de materiais conduziram a uma redução
substancial das tarefas, uma vez que foram notórios os problemas relativos ao tempo
requerido para a realização do que era solicitado e os problemas de manutenção da
concentração, por parte dos alunos mais novos, decorrentes do excesso de exercícios.
Consequentemente, tomou-se também a decisão de fazer a recolha de dados para a fase
de diagnóstico em dois momentos distintos, para evitar a sobrecarga de tarefas. Com
base na classificação das respostas aos testes e nas dificuldades manifestadas
verbalmente, foram introduzidas alterações nos materiais e nas actividades, ao nível das
instruções e dos formatos dos itens.
4.1.3.4. Fase de diagnóstico
A fase de diagnóstico foi desenvolvida no segundo e no terceiro períodos do ano
lectivo de 2004/2005, em escolas de um mesmo agrupamento vertical do distrito de
Setúbal. O diagnóstico de alunos do quarto ano envolveu vinte e quatro alunos, dez
raparigas e catorze rapazes, com idades compreendidas entre os 9;3.1317 e os 10;2.07.
No sexto ano, estiveram envolvidos dezassete alunos, sete raparigas e dez rapazes, com
idades compreendidas entre os 11;6.09 e os 12;10.25. No diagnóstico de nono ano,
consideraram-se os testes realizados por dezassete alunos, sete raparigas e dez rapazes,
com idades compreendidas entre os 14;3.00 e os 15;4.21.
O diagnóstico final da produção escrita de estruturas oracionais contrastivas e,
também, de estruturas oracionais com valores semânticos contíguos contou não só com
os dezassete textos recolhidos nesta fase, mas também com os cinquenta e cinco textos
escritos pelos alunos das turmas da fase de intervenção, no momento do seu
diagnóstico, que, como antes se explicou, replicou os procedimentos do diagnóstico
inicial.
Os procedimentos, as actividades e os materiais utilizados foram descritos na
secção 4.1.2. Para uma caracterização detalhada do corpus relativamente a número de
16 Os testes piloto foram implementados num agrupamento de escuteiros. 17 A notação «9;3.13» significa que o aluno tinha nove anos, três meses e treze dias no dia em que realizou a produção escrita (secção 4.2.).
131
enunciados, média e desvio padrão de MLUw e Type Token Ratio, pode consultar-se o
Anexo 4.
4.1.3.5. Fase de intervenção
Com base nos resultados da fase de diagnóstico, que permitiram estabelecer um
perfil de produção de estruturas oracionais contrastivas, considerou-se que o nível de
ensino mais interessante e relevante para que a intervenção educativa pudesse responder
às perguntas da investigação era o nono ano. Neste nível de final de ciclo de
aprendizagens, os alunos manifestaram, no domínio da compreensão e da produção
induzida de frases, um conhecimento já bastante estável de concessivas. Assegurada a
capacidade de compreender e de produzir pelo menos as concessivas construídas com os
conectores mais frequentes, importava perceber (i) por que razão este conhecimento
implícito não era revertido a favor da resolução de tarefas de escrita e (ii) se o
conhecimento explícito e metalinguístico podia facilitar a mobilização, na produção de
texto, do conhecimento linguístico implícito.
A decisão sobre a implementação da intervenção educativa no nono ano teve
também em consideração o facto de, segundo o Programa de Língua Portuguesa em
vigor (DGEBS: 1991), ser este o nível de ensino em que se prevê a manipulação
intencional e a classificação de concessivas18.
A intervenção educativa foi implementada numa escola do distrito de Lisboa, no
primeiro período do ano lectivo de 2005/2006, entre Outubro e Novembro. A testagem
do conhecimento explícito foi feita na avaliação formal de final de primeiro período e a
recolha de produções escritas, para avaliação dos resultados, já no segundo período,
cerca de três meses depois da intervenção, em finais de Janeiro de 2006.
Relativamente ao número de sujeitos cujas produções foram consideradas para a
recolha de dados da fase de intervenção, dos vinte e seis alunos da turma codificada
como «turma A», seleccionaram-se vinte, onze raparigas e nove rapazes. Da «turma B»,
18 Relativamente à decisão de se aplicar a intervenção no nono ano, note-se ainda que, caso a opção tivesse sido pelo quarto ano ou pelo sexto ano, a pergunta de investigação teria de ser outra. Por exemplo, qual o grau de conhecimento metalinguístico sobre uma determinada estrutura necessário para haver relações produtivas entre conhecimento gramatical e escrita? A questão levantada pode ser um interessante caminho de investigação relativamente ao paradoxo do desenvolvimento da escrita: alguns aspectos formais da escrita compositiva envolvem conhecimento explícito superior ao dos escritores mais jovens.
132
originalmente constituída por vinte e sete alunos, foram seleccionados vinte e três
sujeitos, dos quais onze eram raparigas e doze rapazes.
Os procedimentos, as actividades e os materiais utilizados na intervenção
didáctica e na sua avaliação foram descritos na secção 4.1.2. Para uma caracterização
detalhada do corpus relativamente a número de enunciados, média e desvio padrão de
MLW e Type Token Ratio, pode também consultar-se o Anexo 4.
4.1.4. Amostra e corpora
Na fase de diagnóstico, estiveram envolvidos cinquenta e oito sujeitos. Às
produções escritas de diagnóstico do nono ano (com o tema «experiências em animais»)
juntaram-se as produções escritas de diagnóstico produzidas pelos alunos da fase de
intervenção, o que permitiu um número mais robusto de produções para análise
relativamente a este nível de ensino: setenta e dois textos. O corpus de escrita para
diagnóstico analisado contém cento e treze produções escritas dos três ciclos de ensino,
as quais incluem um total de 1041 enunciados em ficheiros CHAT19 do sistema
CHILDES (MacWhinney: 2000).
Na fase de intervenção, contando com o grupo de controlo de nono ano,
estiveram envolvidos cinquenta e cinco sujeitos, sendo que o corpus de escrita, antes e
após a intervenção didáctica, inclui cento e dez textos, com um total de 976 enunciados
em transcrições em ficheiros CHAT.
O corpus de produções escritas de adultos escolarizados conta com as quarenta
produções dos quarenta sujeitos, que incluem 461 enunciados nas transcrições em
CHAT.
Em síntese, o desenho experimental envolveu 153 sujeitos, que produziram 208
textos, tendo sido analisados, na totalidade, 1993 enunciados transcritos em ficheiros
CHAT. Na secção que se segue, em 4.2., explicitam-se a metodologia e os critérios
adoptados no tratamento destes dados.
19 CHAT – Codes for the Human Analysis of Transcripts.
133
4.2. Metodologia de tratamento dos dados
A presente secção consiste numa breve síntese relativa à metodologia de
tratamento dos dados obtidos através das produções escritas recolhidas. Abordar-se-ão,
primeiramente, os critérios de transcrição e a opção pelo recurso ao sistema CHILDES
(MacWhinney: 2000), para transcrição e codificação dos corpora, e, em segundo lugar,
explicitar-se-ão os critérios adoptados nas análises quantitativa e qualitativa de
conectores. Estes critérios implicarão a discussão do que se entende por «aquisição» de
um conector e por «mestria» no uso de um conector.
4.2.1. Critérios de transcrição: recurso ao CHILDES com dados de escrita
Embora existam disponíveis diferentes sistemas de codificação de dados escrita,
e ainda que tivesse sido igualmente possível a criação de um sistema próprio para esta
investigação, com o propósito de constituir uma base de dados que pudesse deixar
preparados, para futuras investigações, os dados recolhidos, optou-se por um sistema
reconhecido a nível internacional, o CHILDES (Child Language Data Exchange
System), vocacionado para o tratamento de dados de fala humana, em particular de fala
espontânea para estudos em aquisição, mas também usado em alguns trabalhos
desenvolvidos no campo das «aplicações específicas» (MacWhinney: 2000, 91-9420).
Na estruturação de cada ficheiro da base de dados, tomando em consideração as
indicações disponibilizadas para o domínio da «aprendizagem da língua», no manual do
CHAT (Codes for the Human Analysis of Transcripts) (ibidem), relativamente a dados
de produções escritas por alunos, manteve-se a estrutura básica de um ficheiro com
formato CHAT, havendo apenas adaptações na linha @Participant, na qual se utilizou
uma codificação que permitisse a identificação de cada sujeito, à semelhança do que se
faz em corpora de aquisição com mais do que um sujeito. Assim, para cada sujeito,
usou-se um nome codificado.
20 Os números de página dizem respeito à edição electrónica do manual The Childes Project. Tools for
Analysing Talk – Electronic Edition. Part 1: The CHAT Transcription Format online em http://childes.psy.cmu.edu/
134
Relativamente aos critérios definidos para o uso e para a adaptação deste sistema
aos dados de escrita, explicitam-se apenas alguns, os relevantes para a leitura dos dados
transcritos21 na dissertação.
A identificação das idades dos sujeitos, mesmo dos adultos, foi gerada
automaticamente por um dos comandos do CLAN (Computarized Language Analysis),
tendo por referência a data da recolha dos dados. Nos ficheiros, para cada sujeito,
indicam-se os anos, os meses e os dias (por exemplo, «WRI21 14;6.03» significa que o
escritor número vinte e um tem catorze anos, seis meses e três dias).
Na transcrição, além das linhas regulares de um ficheiro CHAT, usaram-se três
linhas de codificação: (i) %coh, para identificação dos conectores em estudo, (ii) %syn,
para classificação da estrutura sintáctica relevante e (iii) %com, para a inserção de
comentários que pudessem vir a ser úteis à análise. Estas três linhas estão associadas a
uma série de códigos usados especificamente para este estudo e interessam apenas
enquanto meio facilitador da pesquisa em temas afectos à sintaxe e à semântica. Por esta
razão, quando se transcrevem excertos de ficheiros, no texto da dissertação ou em
artigos, suprimem-se estas linhas, mantendo-se apenas as que se referem em seguida,
uma vez que são as que dão informações genéricas sobre as produções escritas.
A introdução da linha %spe, intercalada na linha principal – a linha do texto –, e
da linha %err é relevante para uma utilização mais ampla, em estudos futuros, destes
corpora de escrita. A primeira, a linha %spe, assinala erros de representação gráfica da
escrita, como erros de ortografia (incluindo acentuação gráfica) e erros de pontuação.
Com a linha %err, distinguiram-se dos erros anteriores, relativos ao sistema de
representação gráfica da língua, desvios de língua em relação à norma, como erros de
estrutura morfológica de palavras, erros de concordância, impropriedades lexicais, entre
outros22.
Através dos comandos do CLAN, procedeu-se à quantificação e análise dos
dados, usando para a contabilização de ocorrências, principalmente, o comando FREQ,
e, para a pesquisa das unidades e estruturas, o comando KWAL, que permite a
extracção de contextos. Foram igualmente usadas as ferramentas do CLAN que 21 O trabalho de codificação de dados de produções escritas por jovens alunos escritores, com o sistema CHILDES, conduziu a reflexões e estudo sobre o sistema de representação gráfica da escrita, para fundamentar os critérios assumidos na transcrição. Os aspectos de pormenor deste trabalho não são aprofundados na dissertação, por ultrapassarem o objecto específico da mesma, mas poderão vir a ser retomados em trabalho futuro sobre metodologia de investigação sobre escrita. 22 A reflexão metodológica em torno das fronteiras dos erros de pontuação, bem como outros erros de língua assinalados, alguns bastante frequentes, poderá vir a ser explorada futuramente com a base de dados constituída.
135
facilitaram a uniformização e caracterização dos corpora, mediante o recurso a duas
medidas de crescimento de natureza diferente: MLUw e TTR (Anexo 4).
As duas medidas usadas, MLUw (uma das variantes de mean lengh of utterance)
e TTR (type-token ratio) são medidas frequentemente usadas na literatura sobre análise
quantitativa de dados de desenvolvimento linguístico (Malvern et al.: 2004) e foram
seleccionadas para caracterizar os corpora constituídos, uma vez que a primeira tem
tido resultados produtivos na avaliação do crescimento da complexidade sintáctica e a
segunda é uma medida clássica da avaliação do crescimento lexical.
MLUw corresponde ao número médio de palavras usadas num enunciado, ou
seja, na linha principal de cada transcrição. Nos corpora textuais usados, MLUw indica
o número médio de palavras usado em cada período textual, uma vez que cada
enunciado, nas transcrições dos textos, corresponde a um período. A extensão das
unidades sintácticas, considerando a quantidade de morfemas (MLU) ou a quantidade
de palavras (MLUw), é comummente aceite como indício de complexidade sintáctica,
tanto em estádios iniciais de aquisição, como em estudos sobre desenvolvimento da
escrita, como se pode ler em Malvern et al. (idem, 156): «For early speech, mean lengh
of utterance (Brown: 1973) is treated as a measure of complexity and mean clause
lengh has been used for both speech and writing (for example, Berman and Verhoeven:
2002). We chose to use a proxy devised by Hunt (1965) – the t-unit. Hunt defined the
t-unit as a main clause plus all the dependent clause. By counting the number of words
in a t-unit, he obtained a useful approximation of syntactic complexity.» A referência à
medida usada por Hunt (1965) sublinha a proximidade entre esta e a aplicação da
medida MLUw aos dados de escrita, visto que, com a codificação do CHAT, cada
unidade de texto segmentada por um sinal delimitador de período23 corresponde a uma
t-unit de um enunciado frásico mais ou menos complexo.
Uma leitura comparativa dos valores apresentados no Anexo 4 para os diferentes
grupos de escritores (quarto ano, sexto ano, nono ano e adultos) exemplifica a
pertinência do recurso a MLUw na caracterização dos corpora constituídos. No quadro
1, retomam-se os valores de MLUw em consideração.
23 De forma a não alterar as definições prévias do depfile, o único delimitador de período usado nas transcrições foi o ponto final. Contudo, foram registados todos os casos em que os alunos usaram outros sinais de pontuação. A este propósito, leiam-se as notas 21 e 22.
136
Quadro 1 – Valores de MLUw nos corpora textuais de 4.º ano, 6.º ano, 9.º ano e adultos
Corpora MLUw
4.º ano 15,6 6.º ano 15,1 9.º ano 20,824 Adultos 21,525
Embora a análise dos valores por produção individual manifeste variação, no
conjunto, a aplicação desta medida permitiu encontrar crescimento entre os escritores
mais jovens e os escritores adultos, havendo uma clivagem entre os alunos mais novos,
do quarto ano e do sexto ano, cujos textos não revelam aumento da extensão média de
enunciados, e os alunos do nono ano26.
A relevância de MLUw enquanto medida de complexidade sintáctica a que se
recorreu para caracterizar os corpora constituídos é evidenciada também pela
comparação entre os resultados internos aos subgrupos. Os resultados desta comparação
são consistentes, existindo uma relativa homogeneidade dentro de cada corpus (por
exemplo, os valores respeitantes aos textos do nono ano, apesar das variações
individuais, encontram-se num intervalo superior aos valores encontrados para as
produções do quarto ano e do sexto ano e inferior aos valores dos textos dos adultos).
A distinção entre type e token, usada como medida de desenvolvimento lexical
em transcrições de dados de produções escritas ou orais, corresponde à distinção entre o
número de palavras diferentes usadas num enunciado e o número total de palavras no
mesmo enunciado. A média destes dois valores corresponde à medida type-token ratio,
que é considerada uma medida tradicional em estudos de diversidade lexical (Malvern
et al.: 2004, 16-30). Por ser uma medida comummente usada e por ser uma das
ferramentas disponíveis no CLAN, gerada automaticamente pelo comando «freq», foi
aplicada aos corpora textuais reunidos, no intuito de completar a sua caracterização
também com informações quantitativas sobre desenvolvimento lexical.
A transposição da leitura comparativa antes feita para a medida MLUw, com
exemplos retirados dos corpora de textos da fase de diagnóstico, revela valores de TTR
extremamente homogéneos, como se pode verificar no quadro 2.
24 Média dos valores de MLUw das produções da turma de 9.º ano da fase de diagnóstico, do diagnóstico das duas turmas da fase de intervenção e do diagnóstico da turma de 9.º ano de controlo (secção 4.1). 25 Média dos valores de MLUw das produções dos dois grupos de adultos escolarizados. 26 A hipótese de que existe uma clivagem entre quarto ano e sexto ano, por um lado, e nono ano, por outro, a qual se manifesta através dos resultados de MLUw, será retomada no Capítulo 5, a propósito de outros dados, que evidenciaram diferenças entre estes dois grupos ao nível do desenvolvimento da escrita e da estabilização do conhecimento sintáctico.
137
Quadro 2 – Valores de TTR nos corpora textuais de 4.º ano, 6.º ano, 9.º ano e adultos
Corpora TTR
4.º ano 0,59
6.º ano 0,58
9.º ano 0,5827
Adultos 0,5928
Considerando que TTR é uma medida de crescimento lexical, a leitura do quadro
2 conduz à conclusão da inexistência de crescimento, mesmo entre escritores mais
jovens e adultos, o que poderia, naturalmente, pôr em causa a qualidade da amostra,
uma vez que se espera observar crescimento entre níveis etários tão diferentes. Ao
contrário, estes valores, obtidos num contexto pragmático tão uniforme, efectivamente
com sujeitos de níveis de escolaridade e etários distintos, podem apenas estar a
confirmar as críticas que têm sido apontadas a esta medida na literatura sobre
abordagens de medidas de diversidade lexical (ibidem). Na verdade, através de TTR,
obtém-se uma média de crescimento quantitativo (dependente do número absoluto de
palavras usadas) que não dá conta de outros aspectos relevantes para a caracterização de
crescimento lexical, como a utilização de palavras menos frequentes no léxico da língua
ou de usos sofisticados (com manipulação de valores semânticos) de vocabulário (idem,
152-162).
Uma das alternativas a uma leitura redutora dos resultados encontrados através
da medida TTR é a valorização das médias de types das palavras (idem, 121-123), por
texto e por grupo de escritores. Considere-se o quadro 3, relativo à quantidade de
palavras diferentes usadas nos quatro conjuntos de textos comparados.
Quadro 3 – Valores de types nos corpora textuais de 4.º ano, 6.º ano, 9º ano e adultos
Corpora types
4.º ano 84,7 6.º ano 79,8 9.º ano 104,729 Adultos 143,630
27 Média dos valores de TTR das produções da turma de 9.º ano da fase de diagnóstico, do diagnóstico das duas turmas da fase de intervenção e do diagnóstico da turma de 9.º ano de controlo (secção 4.1.). 28 Média dos valores de MLUw das produções dos dois grupos de adultos escolarizados (secção 4.1.). 29 Conforme nota 27. 30 Conforme nota 28.
138
A leitura do quadro 3 mostra resultados de crescimento do uso diversificado de
vocabulário equiparáveis aos resultados de crescimento da complexidade sintáctica,
obtidos com MLUw. Também neste caso, não houve crescimento entre o quarto e o
sexto ano, dando-se a clivagem entre os alunos mais novos e os do nono ano, que
apresentam valores acima dos cem pontos, estando mais próximos do perfil dos adultos.
Finalmente, ainda quanto a medidas de caracterização dos corpora textuais
normalmente usadas para evidenciar desenvolvimento da complexidade da escrita,
note-se que, no Anexo 4, se apontam os valores totais do número de enunciados
produzidos. Embora a extensão dos textos possa ser considerada um indício de
desenvolvimento da escrita (Gordon: 1986 apud Menyuk: 1988; Malvern et al.: 2004;
e.o.), as proporções de enunciados produzidos não foram consideradas indicadores de
crescimento, uma vez que se considerou que a complexidade sintáctica, visível na
extensão dos enunciados, medida através de MLUw, é um indício mais robusto de
complexidade do que a mera quantificação de enunciados produzidos, que, na
transcrição em CHAT, correspondem a períodos ou a unidades frásicas que podem
corresponder apenas a frases simples31.
Naturalmente, sendo este um trabalho de investigação sobre desenvolvimento da
complexidade sintáctica, ressalva-se que as medidas usadas para caracterizar os
corpora, MLUw, Type, Token e TTR, não constituem argumentos suficientes para a
confirmação da existência de crescimento lexical ou sintáctico. Defende-se, a propósito
de medidas de natureza quantitativa, como estas, que devem ser lidas em articulação
com os resultados de análises qualitativas (como, por exemplo, a que é feita sobre a
evolução da produção de frases concessivas, em comparação com a produção de frases
adversativas). Por outro lado, de qualquer forma, qualquer análise quantitativa tem de
ser suportada por uma análise dos dados linguísticos, o que implica sempre uma
abordagem de carácter qualitativo. Para a quantificação dos conectores, como se
explicita na secção seguinte, foi necessário estabelecer critérios para determinar o que
pode ser considerado indício de «aquisição» e de «mestria» de um conector.
31 Note-se que um texto pouco coeso, com abundância de frases simples justapostas, regista um elevado número de enunciados (utterances).
139
4.2.2. Critérios de quantificação: aquisição e mestria no uso de conectores
O processo de análise quantitativa dos conectores produzidos teve de assentar
em critérios que distinguiram o que era relevante quantificar, de modo a responder
efectivamente às perguntas de investigação. Um primeiro critério considerado,
independentemente de se tratar de dados de produções de adultos ou de crianças, foi o
critério da gramaticalidade do enunciado resultante do recurso ao conector: importou
definir se e como se contabilizaram as estruturas desviantes em relação à gramática
alvo.
Tratando-se de dados de desenvolvimento linguístico, mesmo que tardio, e
estando em causa, em concreto, a aquisição de conectores, a questão da gramaticalidade
das estruturas ou, dito de outra forma, o critério da sua conformidade com a gramática
alvo assumiu contornos muito específicos. Afinal, que critério poderá determinar que
um conector está adquirido? Uma primeira ocorrência, independente da gramaticalidade
do enunciado em que ocorra, a primeira ocorrência conforme com a gramática alvo, a
frequência das suas ocorrências, o seu uso correcto e plurifuncional?
O recurso a diferentes critérios, em estudos sobre estádios iniciais de aquisição,
tem como consequência conclusões radicalmente diferentes sobre a aquisição de um
mesmo conector, como mostra Evers-Vermeul (2005, 173-185). Por exemplo, a
comparação entre Le Jugement et le Raisonnement Chez l’Enfant, de Piaget (1924
agora in 1969) e o artigo de Bloom et al. (1980), intitulado «Complex Sentences:
Acquisition of Syntactic Connectives and the Semantic Relations they Encode», conduz
a conclusões bastante diferentes relativamente à idade de aquisição da conjunção
adversativa but. Enquanto Piaget defende que as crianças só terão adquirido o conector
adversativo por volta dos seis ou sete anos, Bloom e os seus colegas consideram que o
mesmo conector já está adquirido aos três anos.
As diferentes conclusões decorrem, naturalmente, de distintas perspectivas sobre
aquilo que se entende por aquisição de um conector. Se, em estudos na linha do de
Piaget, a «aquisição» corresponde à mestria plena de um conector, em estudos como
Bloom et al. (idem), o conceito de «aquisição» está associado ao de emergência32.
Outros autores adoptam critérios para a análise da produção de conectores que se
assemelham à concepção de Piaget, na medida em que consideram que a aquisição de
32 Em Bloom et al. (1980), o critério para a consideração de que há emergência de um conector equivale a cinco ocorrências, independentemente de ser em contexto intrafrásico ou interfrásico.
140
um conector se desenvolve até que seja alcançada proficiência equivalente à da
gramática do adulto, distinguindo-se, pelo menos, três momentos: (i) emergência, (ii)
desenvolvimento e (iii) mestria plena. Nesta linha de orientação, Nelson (1991, 283
apud Evers-Vermeul, 175) apresenta a seguinte subdivisão de fases de desenvolvimento
do conhecimento de conectores: «four components are involved in the acquisition of a new
word: (a) acquisition of the phonological form of the word; (b) acquisition of its extension
to referents or its use in discourse; (c) acquisition (by inference or through explication) of
its semantics – the meaning it conveys; (d) understanding of its relations to other forms in
the lexicon (including possible paraphrases)». Também Berman (1996, 345) defende que a
aquisição plena depende do preenchimento de critérios como (i) a activação de diferentes
valores semânticos de um mesmo item; (ii) o uso em diferentes funções conectivas /
textuais de um mesmo item; (iii) a manipulação do mesmo item em diferentes contextos
sintácticos e (iv) o recurso a um mesmo item com diferentes valores estilísticos e com
adequação a diferentes registos.
Reforçando a ideia de que a aquisição plena, ou, por outras palavras, a mestria plena
de um conector não pode ser caracterizada apenas por critérios de emergência, recordem-se
estudos sobre a compreensão de frases complexas, segundo os quais a ocorrência, no
discurso, de uma forma lexical pode não corresponder à sua aquisição plena, na medida em
que a compreensão, em consonância com a gramática alvo, é inexistente ou parcial. A este
propósito, Evers-Vermeul (2005, 174) cita o trabalho de Wing e Scholnick (1981, 347), que
defendem que «Although many subordinating conjunctions appear in speech before the age
of six, studies of comprehension show that children rarely appreciate the full logical
implications of these conjunctions until much later».
Numa perspectiva metodológica diferente da dos estudos antes mencionados, em
trabalhos cujo foco são os estádios iniciais de aquisição, como o de Bloom et al. (1980), o
critério adoptado prende-se com as ocorrências iniciais de um conector nos enunciados
produzidos, independentemente da sua conformidade com a gramática do adulto ou da
manifestação da compreensão de todos os seus valores. Exemplos destas perspectivas são a
tese de Diessel (2004), na qual se contabilizam os conectores desde a primeira ocorrência
(ibidem, 172) ou o artigo de Costa et al. (2008), no qual a análise quantitativa regista todas
as ocorrências desde a primeira (ibidem, 134). Deve, porém, notar-se que o critério que
estipula a quantificação a partir da primeira (ou das primeiras, como em Bloom et al.: 1980)
ocorrências não é o único critério considerado por estes autores, havendo articulação dos
resultados de ordem de emergência com outros critérios, como a frequência de ocorrência
141
ou a consideração de algumas restrições que implicam alguma análise qualitativa dos
enunciados produzidos.
Para o estabelecimento da ordem de emergência de conectores, em produções de
fala espontânea de crianças holandesas e inglesas, Evers-Vermeul (2005, 178) apresenta um
método que compatibiliza critérios de diferentes perspectivas. Segundo este método, a
quantificação dos conectores produzidos tem, como princípio geral, a consideração da
primeira estrutura em que o conector seja usado, ou seja, a primeira ocorrência. Segundo a
autora, este critério deve ser suportado pelo cumprimento de outros três critérios: (i)
correcção, (ii) distribuição e (iii) uso criativo. O primeiro critério diz respeito à
conformidade com a gramática do adulto; o segundo critério implica que a palavra
conectiva deve ocorrer como palavra que estabelece a ligação entre dois constituintes
frásicos, veiculando um determinado valor coesivo; e, finalmente, o terceiro critério remete
para o uso produtivo e autónomo do conector no discurso da criança, o que exclui, por
exemplo, ocorrências em expressões fixas da língua ou em fórmulas, como a letra de
canções.
No presente estudo, partiu-se dos critérios propostos em Evers-Vermeul (idem), que
foram adaptados aos diferentes dados (de interacções espontâneas de crianças e de
produções escritas de alunos do ensino básico), à diferente natureza dos corpora
constituídos e às diferentes perguntas de investigação.
Embora a questão subjacente ao estabelecimento de critérios de quantificação da
produção de conectores, que é a questão relativa ao que se entende por «aquisição» e por
«mestria» de um conector, seja crucial para a metodologia do presente trabalho, a
especificidade do desenho experimental antes apresentado (secção 4.1.) leva a que algumas
das questões discutidas não sejam relevantes e que outros problemas metodológicos surjam.
Ao contrário dos estudos em aquisição referidos, que têm por base corpora de produções de
fala espontânea de crianças, ao longo de um período de tempo, numa perspectiva
longitudinal, o corpus constituído para a fase de diagnóstico inclui produções únicas de
diferentes sujeitos, com o objectivo de se compararem desempenhos de três grupos de
sujeitos, numa abordagem vertical, para o diagnóstico de perfis de desempenho em três
níveis de escolaridade. Ainda que as recolhas feitas na fase de intervenção se aproximem
mais de uma abordagem longitudinal, o facto de se tratar, por um lado, de produções
escritas e, por outro, de produções em estádios mais tardios de desenvolvimento linguístico
torna secundários critérios como o da primeira ocorrência e inviabiliza a avaliação, num
mesmo sujeito, do desenvolvimento do uso plurifuncional de um conector.
142
Ainda assim, considerou-se pertinente a réplica de procedimentos metodológicos de
estudos de estádios iniciais de aquisição, de modo a garantir a validade dos resultados.
Neste sentido, à semelhança da abordagem de Evers-Vermeul, optou-se por associar a uma
análise quantitativa, baseada em primeira ocorrência, em ordem de emergência e,
principalmente, em frequência de uso, uma análise qualitativa, baseada em critérios
consolidados pela identificação dos aspectos caracterizadores da gramática das estruturas
contrastivas.
Relativamente ao primeiro corpus analisado, o corpus Santos (2006), que permitia
uma abordagem longitudinal, em consonância com as opções de Costa et al. (2008), os
critérios usados para a quantificação foram quer a primeira ocorrência quer a frequência de
uso de um conector ao longo do tempo (secção 4.3.). Já no Capítulo 5, as produções de mas
por uma das crianças do mesmo corpus foram sujeitas a critérios de análise qualitativos,
segundo os quais se distinguiram critérios semelhantes aos de Evers-Vermeul (2005, 178):
(i) uso criativo, (ii) gramaticalidade; (ii) distribuição sintáctico/discursiva e (iv) valor
semântico (secção 5.1.).
Relativamente aos resultados obtidos com as produções escritas de crianças e
adolescentes a frequentar o ensino básico, estes foram comparados com os resultados do
teste de compreensão oral e com os desempenhos no teste de produção induzida de frases.
Em ambos os testes, naturalmente, o principal critério adoptado prendeu-se com a
conformidade com o que é esperado na gramática do adulto (secção 4.3.).
Complementarmente, na análise dos desempenhos em contexto de produção induzida, foi
determinante a distinção entre produções canónicas e desviantes e a análise qualitativa dos
diferentes tipos de erros encontrados nas produções desviantes (secção 5.2.).
Para a quantificação de conectores das diferentes subclasses no corpus de produção
escrita da fase de diagnóstico, os dois critérios usados, com o propósito de espelhar a
análise feita em dados de aquisição, foram (i) a determinação da idade do sujeito mais novo
a usar, no corpus, cada subclasse de conector e (ii) a frequência de uso de cada conector.
Embora o primeiro critério não seja equivalente ao critério da primeira ocorrência de um
conector, para determinação da ordem de emergência, a equivalência entre os resultados de
estádios mais precoces de aquisição e os resultados das produções escritas valida este
critério (secção 4.3.). No corpus de produções escritas da fase de intervenção, os critérios
relevantes para a comparação dos desempenhos foram, de forma indissociável, a ocorrência
e a frequência de uso de cada conector (secção 4.3.).
Em ambos os corpora de produções escritas, relativamente a todos os conectores
concessivos, procedeu-se também a uma análise qualitativa, que teve como critérios: (i)
143
gramaticalidade, (ii) distribuição sintáctica, (iii) plurifuncionalidade, (iv) efeito discursivo
(secção 4.3. e 5.1.). Com o primeiro critério, identificaram-se as construções concessivas
desviantes. Através do segundo critério, diferenciaram-se usos de conectores que, como não
obstante, podem pertencer a classes de palavras diferentes e identificaram-se contextos
sintácticos diferentes de ocorrência de conectores concessivos, como domínios oracionais
finitos e não finitos. O terceiro critério permitiu quantificar conectores concessivos usados
com valores semânticos (factuais e condicionais-concessivos) diferentes e, por fim, o quarto
critério permitiu quantificar orações concessivas em diferentes posições (inicial, intercalada
e final), em relação à frase principal.
No presente estudo, a comparação entre os resultados da aplicação dos diferentes
critérios, em relação aos corpora de produções dos diferentes grupos de sujeitos (crianças
do primeiro ciclo, adolescentes do sexto ano e do nono ano e adultos escolarizados), é a
operação que permite aferir o desenvolvimento do conhecimento dos conectores analisados.
A complementaridade de critérios, como a idade do sujeito mais novo a usar cada conector,
a frequência de uso de cada conector e os critérios de natureza qualitativa (gramaticalidade
dos enunciados produzidos, contextos e modos de uso de cada conector), garantiu uma
abordagem metodológica multifactorial, que se revelou interessante pelo grau de
comparabilidade destes resultados com resultados de estudos que focam diversos factores
envolvidos na aquisição e mestria de conectores concessivos (Capítulo 5).
Os resultados obtidos com base nos critérios antes explicitados são apresentados na
secção e nos capítulos seguintes. As secções 4.3. e 4.4. expõem os resultados da análise
quantitativa e, no Capítulo 5, discutem-se os resultados, apresentando-se uma análise
qualitativa que reforça algumas das hipóteses defendidas.
4.3. Análise quantitativa dos dados de diagnóstico
Nesta secção, explicitam-se as perguntas que orientaram o estudo quantitativo
dos dados e formulam-se as hipóteses que se pretendem testar mediante a análise
quantitativa. Para cada subconjunto de dados, recolhidos em momentos diferentes do
desenho experimental, colocam-se hipóteses diferenciadas, enquadradas por questões
que visam responder às três principais questões de investigação, retomadas no quadro
seguinte:
144
� Existe uma correlação positiva entre conhecimento linguístico e desenvolvimento da
competência de escrita?
� Que a relação se estabelece entre desenvolvimento linguístico, conhecimento explícito
e desenvolvimento da escrita?
� Existe uma correlação positiva entre conhecimento explícito e metalinguístico da
língua e proficiência de escrita?
Questões orientadoras e hipóteses
Sem perder de vista as questões de investigação enunciadas, a análise de cada
subconjunto de dados orienta-se por perguntas de investigação ou parcelares ou que
estabelecem relações com resultados já conhecidos. Esta estratégia de formular
perguntas detalhadas, a que correspondem hipóteses a testar, permite controlar melhor o
tratamento diferenciado a fazer em dados de natureza distinta (produções orais
espontâneas vs. produções escritas, testes de compreensão oral vs. testes de produção
induzida, por exemplo), sem que a interpretação dos resultados deixe de ser
perspectivada de forma coerente e unívoca.
4.3.1. Questões e hipóteses nos dados de aquisição
Nos dados de produção oral espontânea, com interacções entre mães e crianças
(corpus de Santos: 2006)33, procurou-se, primeiramente, confirmar a hipótese de que
conectores concessivos emergem mais tarde do que outros contrastivos. Esta ideia de
que se trata de estruturas de estabilização tardia foi verificada nos primeiros resultados
da avaliação de diagnóstico, nas produções escritas (Costa: 2006; 2007).
Investigação sobre a aquisição de conectores, para outras línguas, concretamente
para o inglês e para o holandês (Diessel: 2004; Evers-Vermeul: 2005), conduziu à
33 O corpus Santos (2006) inclui três crianças com idades compreendidas entre 1;5.9 e 3;11.12, gravadas com uma periodicidade quinzenal. Uma das crianças, I., foi gravada pela Professora Maria João Freitas (Freitas, 1997) no âmbito do projecto PCSH/C/LIN/524/93, desenvolvido no Laboratório de Psicolinguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
145
formulação de outras questões, que são exploradas com o intuito de explicar diferenças
de estabilização de uso entre conectores de um mesmo paradigma semântico e entre
conectores de valores semânticos distintos. Além da questão já mencionada, relativa ao
carácter tardio de conectores concessivos, com a avaliação do uso de conectores por três
crianças entre o 1;5.9 e os 3;11.12 anos, pretende-se saber se existem diferenças
generalizadas na aquisição de conectores contrastivos e se se observam diferenças na
ordem de emergência entre conectores concessivos e conectores com valores semânticos
contíguos, como os adversativos e os condicionais. Esta avaliação da aquisição precoce
de conectores contribui, fundamentalmente, para consolidar a análise dos dados de
produção de texto, quer em relação ao carácter tardio da aquisição de concessivos quer
em relação a diferenças na aquisição de conectores com o mesmo valor semântico,
pertencentes a classes gramaticais distintas (conjunções vs. advérbios conectivos). Por
outras palavras, a análise dos dados de aquisição precoce serviu para confirmar os
resultados obtidos com a avaliação de diagnóstico de produções escritas em contexto
escolar, os quais apontavam no sentido de o conhecimento implícito de concessivas não
estar ainda estabilizado, pelo menos nos primeiros anos de escolaridade.
O quadro 4 apresenta o elenco de conectores contabilizados nos dados do corpus
de Santos (2006) e a sua distribuição pelo valor semântico básico e pela classe a que
pertencem. O estabelecimento deste elenco34 tem por base a descrição apresentada no
Capítulo 3.
34 Este quadro não apresenta um elenco exaustivo. Excluem-se conectores concessivos menos frequentes, como ainda se, conquanto, malgrado, pese, pese embora, entre outros (Capítulo 3).
146
Quadro 4 – Elenco de conectores contrastivos, condicionais e causais Valor semântico
Classe de
palavras
Contrastivo
Condicional
Causal Adversativo Concessivo Condicional-
-Concessivo
Contrastivo
Conjunção /
locução
conjuncional
Mas
Só que
Ainda que
Apesar de
Embora
Mesmo
Não
obstante
Se bem que
Ainda que
Mesmo que
Mesmo se
Mesmo
Nem que
Enquanto
Enquanto que
Ao passo que
Caso
Desde que
Se
Dado que
Já que
Pois
Porque
Uma vez
que
Visto que
Como
Advérbio
conectivo /
locução
adverbial
conectiva
Contudo
No entanto
Porém
Todavia
Ainda assim
Mesmo assim
Não obstante
As questões explicitadas antes orientam a análise quantitativa dos dados de
aquisição e enquadram as seguintes hipóteses:
H1: Conectores concessivos emergem mais tarde do que conectores adversativos.
H2: Há diferenças de ordem de emergência entre conjunções concessivas.
H3: Há diferenças de ordem de emergência entre conjunções e advérbios conectivos
com valores semânticos contrastivos (adversativo e concessivo).
H4: Há diferenças de ordem de emergência entre conectores com valores semânticos
distintos (adversativos, concessivos, contrastivos, condicionais e causais).
H5: Os conectores que emergem mais precocemente são os que têm maior frequência de
uso no discurso das crianças e das mães.
147
Cada uma das cinco hipóteses enunciadas corresponde a uma hipótese cuja
validade se testa mediante diferentes procedimentos de análise. A validade das
primeiras quatro implica:
● identificar a primeira ocorrência de cada conector, nos enunciadas das crianças, num
eixo temporal;
● ordenar os momentos da primeira ocorrência de conectores adversativos, concessivos,
contrastivos, condicionais e causais, nos enunciados das crianças.
A validação da quinta hipótese requer o cálculo da proporção de ocorrência de
cada conector. Para tal, é necessário:
● calcular, para cada momento de observação, a frequência de ocorrência, ou seja, a
proporção de ocorrência de cada conector nos enunciados da criança (número de
ocorrências / número de enunciados da criança)35;
● ordenar as proporções de ocorrência encontradas para cada conector.
Paralelamente, para consolidar a avaliação da quinta hipótese, recolhem-se
informações sobre o uso de conectores contrastivos (adversativos, concessivos e
contrastivos) nos enunciados das mães. Para esse efeito, identificam-se as ocorrências
de cada conector nos enunciados das mães, que se apresentam em valores totais.
A maior parte dos valores interessantes para esta análise foram já encontrados
em Costa et al. (2008), um trabalho sobre questões metodológicas no estudo de relações
entre input materno e aquisição de conectores, que será retomado na discussão dos
resultados (Capítulo 5).
A pesquisa e quantificação de conectores foram feitas automaticamente, através
dos comandos freq e kwal (que permite pesquisar as palavras em contexto), no
programa CLAN do sistema CHILDES (MacWhinney: 2000). Os valores foram
calculados em Excel.
O quadro 5 sistematiza informação relativa ao corpus de Santos (2006).
35 A indicação de números totais de ocorrência não teria qualquer leitura, dado que os ficheiros de cada criança têm extensões diferentes.
148
Quadro 5 – Caracterização do corpus de produção espontânea de Santos (2006)
Criança
Idade
Nº de palavras por enunciado (MLUw)
Nº de enunciados produzidos pela criança
I. 1;6.6 - 3;11.12 1.527 – 3.815 6591
T. 1;6.18 – 2;9.7 1.286 – 2.954 6800
I.M. 1;5.9 – 2;7.24 1.315 – 2.370 5101
4.3.2. Resultados dos dados de aquisição para as crianças
Tendo sido pesquisados os conectores listados no quadro 4 nos enunciados das
crianças, os resultados revelam que, neste corpus de produção oral espontânea, os
conectores em estudo são quase inexistentes. Este facto pode indiciar, por um lado, que
estes conectores são adquiridos mais tarde. Por outro lado, trata-se de um elenco de
conectores que serão mais produtivos em contextos discursivos e pragmáticos diferentes
dos das interacções orais entre mãe e criança, por serem conectores típicos da
argumentação, em particular da argumentação em situações formais36. Os resultados
obtidos são, relativamente às produções das crianças, os mesmos que foram publicados
em Costa et al. (2008) e que se descrevem em seguida, com mais algumas
especificações.
No quadro 6, apresentam-se as idades em que se observam as primeiras
produções de cada conector encontrado37.
Quadro 6 - Emergência de conectores no corpus de Santos (2006)
I. T. I.M.
mas 2;4.19 2;1.7 2;2.18
porque 2;3.8 2;6.6 2;3.22
se 2;7.16 2;9.7 2;5.23
De (136) a (137) exemplificam-se as primeiras ocorrências dos três conectores
no discurso de uma das três crianças.
36 Um estudo interessante será a comparação da produção do mesmo elenco de conectores em contextos de oralidade vs. escrita e em situações de discurso argumentativo oral informal vs. oral formal. 37 Em Costa et al. (2008), também se apresentam os valores para a conjunção coordenativa copulativa e, que é o conector mais precoce da escala. Este conector está fora do âmbito do presente estudo.
149
(136) *INM: pa(r)ece ma(s) u [: não] é . (I.M. 2;2.18)
(137) *INM: porque não . (I.M. 2;3.22)
(138) *INM: se (calh)ar (es)tá na carrinha . (I.M. 2;5.23)
A leitura do quadro permite, desde logo, algumas conclusões: não se atestam
quaisquer estruturas concessivas, não há registo de advérbios conectivos e o número de
conexões adversativas, causais e condicionais é muito reduzido. A ordenação das
ocorrências mais precoces de cada conector permite indicar, para o português europeu, a
escala de emergência que se enuncia em (139).
(139) Escala de emergência de conectores
mas > porque > se
Como notam Costa et al. (2008), esta escala é bastante semelhante à proposta
por Diessel (2004), para o inglês: and > because > so > but > when > if 38. Há uma
diferença relevante entre o português e o inglês, que é a ordem de emergência entre a
conjunção causal e a adversativa, mas há também uma semelhança crucialmente
interessante para o estudo das concessivas. Na sua investigação, num corpus de
produção oral espontânea de crianças falantes do inglês, entre os 1;8 e os 5;1, Holger
Diessel também não encontra qualquer nexo concessivo, o que associa ao facto de estes
serem infrequentes. Ora, a questão sobre uma eventual correlação entre frequência e
ordem de emergência torna-se crucial para a fundamentação de uma explicação teórica
para a ordem de aquisição dos conectores. Em modelos teóricos que assumem uma
abordagem «usage based», defende-se que o meio linguístico, concretamente a
frequência de uma unidade no input, é crucial para a explicação da ordem de
emergência na aquisição (Diessel: 2004; Tomasello: 2003).
Ao contrário, outras hipóteses podem ser levantadas, em modelos em que se
defende a primazia de factores cognitivos e inatos da aquisição da linguagem. Segundo
esta última perspectiva, não existe necessariamente uma relação de causalidade entre
ordem de emergência e frequência no input, podendo estas coincidir por razões internas
38 Além de e, o conector quando e os conectores conclusivos não foram analisados no português, por se situarem fora do âmbito desta investigação.
150
à gramática. Em Costa et al. (2008: 132), problematiza-se uma hipótese que considere a
frequência o factor explicativo para a precocidade de emergência: «podemos colocar a
hipótese de que uma estrutura é mais frequente na fala espontânea por razões de
complexidade sintáctica, semântica ou outra, mas não será fácil provar que a frequência
não se deve a outros factores, como a frequência da própria situação pragmática ou
discursiva que justifica a sua ocorrência».
A discussão acerca do que motivará a precocidade de aquisição de um conector
ou a estabilização do conhecimento e uso desse conector será retomada no Capítulo 5, à
luz dos dados dos alunos do quarto ao nono ano. Sendo esperado que as estruturas mais
estabilizadas sejam as que ocorrem com maior frequência, importa verificar se o
número de ocorrências confirma a escala de emergência apresentada em (139).
Os quadros 7, 8 e 9 dão conta da distribuição do número de ocorrências de cada
conector para cada criança. Na última linha, apresenta-se o número de enunciados
produzidos pela criança em cada sessão.
151
Quadro 7 – Conectores produzidos por T
T 1;6.18 1;7.14 1;8.16 1;9.14 1;10.8 1;11.12 2;0.10 2;1.7 2;2.9 2;3.9 2;4.0 2;5.3 2;6.6 2;7.13 2;8.9 2;9.7
Mas 0 0 0 0 0 0 0 2 1 0 0 0 1 8 2 1
Porque 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 1
Se 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2
Nº de enunciados 297 320 390 39 424 350 424 400 407 494 486 436 414 551 528 540
Quadro 8 – Conectores produzidos por I
I 1;6.6 1;7.2 1;8.2 1;9.19 1;10.29 2;1.10 2;2,1 2;3,8 2;4,19 2;5,24 2;7,16 2;8,23 2;10,20 2;11,21 3;0.15 3;2.2 3;4,6 3;5,28 3;7,29 3;10,1 3;11,12
Mas 0 0 0 0 0 0 0 0 1 2 1 0 1 2 4 8 9 30 6 7 13
Porque 0 0 0 0 0 0 0 2 0 1 0 0 6 6 3 5 3 9 0 8 7
Se 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 2 1 1
Nº de enunciados 264 248 363 426 503 481 436 265 394 220 395 221 203 233 266 281 341 273 264 254 260
Quadro 9 – Conectores produzidos por IM
1;5.9 1;5.30 1;7.6 1;8.6 1;9.8 1;10.16 1;11.7 2;0.14 2;1.18 2;2.18 2;3.22 2;4.25 2;5.23 2;6.19 2;7.24
IM
Mas 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0 0 0 0 9
Porque 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 1 0
Se 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0
Nº de enunciados 168 148 305 213 256 424 389 303 321 334 401 597 460 393 389
152
A leitura dos três quadros anteriores, com os totais de ocorrências, e a
apresentação dos valores das proporções de cada conjunção, no quadro 10, são
coincidentes com a escala de emergência em (139), verificando-se que mas está em
estabilização, no discurso das três crianças, antes de porque e de se. Sendo as
proporções (número de conectores / número de enunciados) indicadoras de níveis de
frequência, pode sintetizar-se que a escala de emergência e a escala de frequência são
coincidentes.
Quadro 10 – Proporções de conectores
I. T. IM
mas 0,0127 0,0023 0,0024
porque 0,0076 0,0005 0,0006
se 0,0009 0,0003 0,0004
Como antes se referiu, a relação identificada entre as duas escalas constitui um
desafio interessante para o posicionamento teórico acerca dos factores que determinam
a aquisição e estabilização do conhecimento linguístico. Este assunto será retomado no
Capítulo 5, tendo também em consideração os dados sobre concessivas, que serão
descritos nas secções seguintes.
Ainda na sequência da exploração da permeabilidade da aquisição de conectores
ao ambiente linguístico, poder-se-ia tentar explicar a inexistência de estruturas
concessivas nas produções das crianças pela omissão dessas mesmas estruturas no
discurso das mães, o que seria plausível dado que se trata de uma situação pragmática
de interacção espontânea, em contexto informal. Considerando esta hipótese,
pesquisaram-se as produções de conexões com valores contrastivos (adversativo,
concessivo e contrastivo) nos enunciados das mães. Os resultados desta pesquisa são
apresentados no quadro 11.
153
Quadro 11 – Conectores contrastivos na fala das mães
Conectores
contrastivos
Mãe T Mãe I Mãe IM
mas 288 137 690
mesmo que 0 1 0
mesmo assim 1 1 0
nem que 0 1 0
Fica claro, com a leitura do quadro, que a expressão de nexos contrastivos, no discurso
das mães, é garantida pelo recurso à conjunção que foi identificada no discurso das crianças
como a mais precoce, o mas, encontrando-se ocorrências frequentes desta conjunção no
contexto discursivo das interacções entre a mãe e a criança. Todavia, a pesquisa efectuada
mostra que a expressão da concessividade não está ausente do discurso do adulto, embora seja
muito escassa, provavelmente devido ao contexto informal destas interacções. Nos enunciados
das mães, atestam-se quatro conexões com valor concessivo: duas com locuções conjuncionais
de concessivas hipotéticas e duas com locuções adverbiais conectivas com mesmo assim.
Crucialmente, o que se salienta destes dados é o facto de estes enunciados concessivos terem
sido produzidos em contextos de interacção não com a criança, mas com outro adulto presente,
como se exemplifica no excerto do diálogo em (140).
(140) *ALS: está com vergonha.
*MAE: e mesmo assim hoje não está muito mau.
*ALS: estás a fugir?
*MAE: +< Tás@f # anda cá à mamã.
A existência de nexos concessivos a que as mães recorrem, nas suas interacções,
sugere que o facto de as crianças ainda não produzirem concessivas não é determinado
pela natureza do input. Dito de outra forma, considerando que o input relevante para a
aquisição não é só a linguagem que lhes é dirigida, nos contextos linguísticos a que
estão expostas há conectores concessivos. As conexões concessivas, ainda que
invulgares, estão presentes nas interacções orais informais. O facto de estas pistas ainda
não serem seguidas pelas crianças será apenas uma evidência de que, nesta fase, ainda
não há predisposição para a aquisição de concessivas.
154
A observação de que as concessivas das mães são exclusivamente dirigidas a
outro adulto constitui mais uma evidência para a hipótese de que há adaptações do
discurso das mães ao interlocutor. Na verdade, em alguns estudos, sugere-se a
existência de adaptações do discurso das mães ao próprio estádio de desenvolvimento
das suas crianças (Evers-Vermeul: 2005; Costa et al.: 2008). Se estas mães modelizam
seu discurso, recorrendo a concessivas apenas na interacção com outros adultos e
optando pelas adversativas na interacção com as suas crianças, então é possível colocar
a hipótese39 de que existirão intuições sobre complexidade linguística de uma estrutura
ou sobre a capacidade de compreensão das crianças em diferentes estádios de
desenvolvimento. Neste caso, as adaptações do discurso das mães dirigido às crianças
serão determinadas mais por estas intuições linguísticas do que pelo que as crianças já
são capazes de produzir.
Para concluir, retomam-se as hipóteses inicialmente formuladas. A primeira
hipótese é validada pela análise quantitativa da produção de adversativas, em contraste
com a ausência de concessivas nos enunciados das crianças. A segunda hipótese e a
terceira não podem ser confirmadas nem infirmadas, dado que as crianças não
produzem concessivas. A quarta hipótese foi positivamente avaliada, no respeitante aos
valores adversativo, causal e condicional, como se pode verificar pela escala de
emergência, apresentada em (139). Finalmente, o facto de a escala de emergência
coincidir com a escala de frequência dos conectores produzidos (quadro 10) é uma
evidência para a validação da quarta hipótese. A existência de uma relação biunívoca
entre ordem de emergência e frequência não significa, contudo, que se defenda que
exista uma relação de causalidade entre um factor e outro (Capítulo 5).
4.3.3. Questões, hipóteses, testes e resultados nos dados de diagnóstico
Os dados recolhidos junto de três turmas do ensino básico40, do quarto ao nono
ano, diferem radicalmente da natureza dos dados de aquisição, pelo facto de serem,
fundamentalmente, manifestações de usos de língua em contexto formal / escolar. Da
totalidade de registos recolhidos no desenho experimental (secção 4.1.), tomam-se para
39 Esta hipótese foi avançada, a propósito dos outros conectores, em Costa et al. (2008). 40 Da turma de quarto ano, consideram-se os testes de vinte e quatro alunos com idades compreendidas entre os 9;3.13 e os 10;2.07; da de sexto ano, consideram-se os testes de dezassete alunos com idades compreendidas entre os 11;6.09 e os 12;10.25; e, da de nono ano, consideram-se os testes de dezassete alunos com idades compreendidas entre os 14;3.00 e os 15;4.21 (secção 4.1.).
155
análise os subconjuntos de dados de compreensão oral de texto (COT), de produção
induzida de frases (PIF) e de produção escrita de texto (PT).
Com os testes de COT e de PIF, pretende-se diagnosticar o estado do
conhecimento implícito de cada sujeito relativamente a diferentes conectores
concessivos e contrastivos, no domínio da compreensão e da produção de frases
complexas. As informações recolhidas sobre níveis de compreensão e produção de
conectores contrastivos de sujeitos em ciclos de ensino diferentes são relevantes como
indicadores a considerar na análise da produção de texto.
Uma vez que, em situações de produção de texto, tal como em fala espontânea, a
não ocorrência de uma estrutura não pode ser interpretada como evidência categórica
para o facto de essa estrutura ainda não ter sido adquirida, a análise de dados de
produção de texto para estudar aspectos relativos a desenvolvimento linguístico e a
competência de escrita tem de ser apoiada quer no conhecimento de estádios
linguísticos anteriores (com informação como a recolhida nos dados de aquisição
inicial), quer em modelos de aferição de conhecimento controlados, como a indução de
estruturas ou a testagem da compreensão (como se procede nos testes de COT e de PIF).
4.3.3.1. Compreensão Oral de Texto (COT)
De acordo com o que foi explicitado na secção 4.1., o teste de COT implicava
testar conhecimento quer dos conectores dados como estímulo, quer dos conectores das
paráfrases que os sujeitos tinham de escolher nos enunciados das respostas. No quadro
12, apresenta-se o elenco de conectores e as diferentes condições em que eram testados.
156
Quadro 12 – Conectores contrastivos e condições no teste de compreensão oral de texto
CONECTORES ITENS*
1 2, 7 e 8 3, 6, 10 e 11 5 12 4, 9 e 13
Concessivos
apesar de,
embora
ainda que,
apesar de,
embora, mesmo
(+ gerúndio), se
bem que
apesar de,
embora, não
obstante
mesmo que,
mesmo se
ainda que,
mesmo que
Adversativos contudo
Contrastivos
ao passo que,
enquanto,
enquanto que
*Legenda: 1. concessiva de enunciação em posição inicial; 2., 7. e 8. concessiva factual em posição inicial; 3., 6., 10. e 11. concessiva factual em posição final; 5. condicional-concessiva hipotética em posição inicial; 12. condicional-concessiva contrafactual em posição intercalada; 4., 9. e 13. Subordina contrastiva.
O tratamento dos resultados dos testes de COT passa pelas seguintes operações:
● comparação da percentagem de respostas correctas para cada conector, por nível de
ensino e no grupo de controlo;
● estabelecimento de uma escala de compreensão, com base na percentagem de
respostas correctas e incorrectas, para cada conector, que evidencie contrastes de nível
de ensino e eventuais contrastes com respostas adultas.
4.3.3.2. Resultados da Compreensão Oral de Texto (COT)
O quadro 13 contém as percentagens41 de respostas certas para cada par de
conectores (o conector apresentado no estímulo oral e o seu equivalente na paráfrase do
enunciado). Incluem-se os resultados relativos quer à compreensão de estruturas
concessivas quer à compreensão de três estruturas contrastivas com enquanto, enquanto
que e ao passo que. Na última linha, encontra-se a média de percentagens totais de
respostas certas.
41 O universo total de sujeitos, no 4.º ano, é de 24 alunos, no 6.º ano, 17 alunos, no 9.º ano, 17 alunos e, no grupo de controlo, 24 adultos.
157
Quadro 13 – Respostas certas no teste de compreensão oral de texto
Conectores
4.º ano
6.º ano
9.º ano
Controlo Estímulo Paráfrase
apesar de não obstante 33,4% 50% 70,6% 100%
ainda que embora 66,7% 88,9% 100% 100%
embora
apesar de 54,2% *50% 92,4% *87,5%
apesar de 62,5% 83,4% *70,6% 100%
apesar disso 70,9% *66,7% 88,3% 100%
mesmo + gerúndio 91,7% 72,3% 100% 100%
contudo 54,2% 61,2% 100% 100%
Se bem que ainda que 70,9% *50% 82,4% 100%
mesmo que mesmo se 79,2% 88,9% *88,3% 100%
mesmo se ainda que 58,4% *55,6% 76,5% 100%
enquanto que
ao passo que
41,7% 44,5% 58,9% 95,8%
enquanto 79,2% *50% *53% 79,2%
umas … outras 33,4% 55,6% 58,9% 83,3%
Média de respostas certas 61,26% 68% 82,8% 97%
No quadro anterior, assinalam-se com asterisco (*) os valores que parecem ser
indícios de que não há uma linha contínua de crescimento no domínio da compreensão
oral. Estes valores devem, antes de mais, ser verificados estatisticamente relativamente
às suas diferenças. Por outras palavras, deve verificar-se se as diferenças de valores que
aparentam um retrocesso nos resultados são diferenças significativamente relevantes.
Para proceder a essa verificação, aplicou-se um teste de qui-quadrado, tendo por base os
totais das respostas de cada grupo. A comparação foi feita entre pares de grupos (quarto
ano / sexto ano, sexto ano / nono ano, nono ano / grupo de controlo).
O quadro seguinte sintetiza as diferenças analisadas. Na primeira coluna,
indicam-se os pares de conectores, nas colunas centrais são referidos o total de respostas
certas e o total de condições e, na penúltima coluna, surge o valor de p, que, quando é
superior a 0,05, corresponde a um resultado que não viabiliza que diferença entre
valores seja estatisticamente significativa.
158
Quadro 14 – Diferenças de crescimento
Conectores
Total de respostas certas /
Total de estímulos
Valor de p
Diferença
significativa?
4.º ano 6.º ano 9.º ano controlo embora / apesar de (enunciação)
13/24
9/18
_ _
p=0,789
NÃO
_ _
14/17
21/24
p=0,646
NÃO
embora / apesar de (factual)
_
15/18
12/17
_
p=0,369
NÃO embora / apesar disso
17/24
12/18
_ _ p=0,773
NÃO
se bem que / ainda que
17/24
9/18
_
_
p=0,169
NÃO
mesmo que / mesmo se
_ 16/18
15/17
_ p=0,952
NÃO
mesmo se / ainda que
14/24
16/18
_ _ p=0,857
NÃO
enquanto / ao passo que
19/24
9/18
_ _ p=0,047
SIM
_ 9/18
9/17
_ p=0,862
NÃO
Como se pode concluir, o teste de qui-quadrado não valida uma leitura dos
resultados percentuais que infira a não existência de crescimento. Pelo contrário, para a
quase totalidade dos casos, os valores não são indicadores que não haja crescimento.
Da totalidade dos conectores testados, apenas a comparação dos resultados de
compreensão dos conectores enquanto / ao passo que, de alunos do quarto ano e do
sexto ano, revela maiores dificuldades entre os últimos, não havendo crescimento no
sexto ano. Note-se que, de qualquer forma, os resultados de compreensão dos
enunciados com conectores contrastivos (enquanto, enquanto que, ao passo que) têm
todos valores abaixo de 100% no grupo de adultos. Este facto sugere que a leitura dos
resultados de contrastivos deverá ser retomada numa análise mais fina do
funcionamento destas estruturas na gramática alvo.
Em síntese, os resultados do teste de compreensão oral permitem confirmar que:
159
● a estabilização da compreensão oral de estruturas concessivas e de contrastivas
está em curso ao longo da escolaridade básica;
● os alunos do nono ano são os que têm um comportamento mais próximo do
grupo de controlo, mas ainda não alcançaram inteiramente o padrão adulto;
● a compreensão de estruturas com valores contrastivos envolvendo os
conectores enquanto, enquanto que e ao passo que apresenta os valores mais baixos,
quer nos testes dos alunos quer nos testes dos adultos.
4.3.3.3. Produção Induzida de Frases (PIF)
Os resultados do teste de PIF, dada a complexidade da informação recolhida,
exigem diferentes abordagens. O tratamento adequado destes dados, aliás, tem de ser
complementado por uma abordagem qualitativa, que permita encontrar explicações para
os desvios semânticos na construção de enunciados contrastivos complexos (Capítulo
5).
As condições estabelecidas no teste de PIF envolviam o conhecimento de
conectores concessivos conjuncionais e a capacidade de os utilizar em enunciados
frásicos complexos. O quadro 15 apresenta os conectores usados nos estímulos
apresentados aos sujeitos, em diferentes condições:
Quadro 15 – Conectores e condições no teste de produção induzida de frases
CONECTOR ITENS*
1 2 3
Concessivo
(valor factual)
Apesar de
Embora
Apesar de
Se bem que
Embora
Apesar de
Se bem que
Concessivo
(ambíguo
entre factual e
CC)
Ainda que
Ainda que
Ainda que
Concessivo
(valores CC)
Mesmo que
Mesmo se
Mesmo que
Mesmo se
Mesmo que
Mesmo se
*Legenda: 1. produção livre de frase, dado o conector; 2. ligação de enunciados oracionais com subordinada adverbial concessiva em posição inicial; 3. ligação de enunciados oracionais com subordinada adverbial concessiva em posição final.
160
Num tratamento estritamente quantitativo, para cada condição avaliada no teste
de PIF, é relevante:
● distinguir (i) o número total de respostas correctas, (ii) o número de respostas
semanticamente desviantes e (iii) o número de respostas gramaticalmente erradas, por
conector, para cada condição, relativamente a cada nível de ensino;
● comparar o número de respostas correctas, distinguindo subclasses semânticas
de enunciados concessivos, incluindo os enunciados concessivos potencialmente
ambíguos, em cada nível de ensino;
● estabelecer uma escala de mestria de produção para cada conector, em relação ao
valor semântico que opera, por nível de ensino.
4.3.3.4. Resultados da Produção Induzida de Frases (PIF)
Os quadros seguintes apresentam os valores totais e as percentagens de (i)
produções de frases complexas construídas de acordo com a gramática alvo (produções
canónicas) e (ii) produções desviantes em relação à gramática alvo (produções não
canónicas), incluindo estas últimas casos de desvios do formato semântico padrão e
casos de construções agramaticais.
O quadro 16 contém os resultados relativos à turma de quarto ano, com vinte e
quatro sujeitos a responder a este teste.
161
Quadro 16 – Resultados na turma de 4.º Ano
QUESTÃO
ESTÍMULO
Produções canónicas
Produções não canónicas
Itens sem resposta
Desvios do formato semântico padrão
Produções agramaticais
A. Construir uma frase com uma conjunção / locução dada.
apesar de 21+142 2 ainda que 12 8 4 mesmo se 16 3 3 2 mesmo que 13 5 6
B. Completar uma frase complexa com a subordinada iniciada por uma das conjunções / locuções dadas (posição inicial).
embora 10 14 apesar de 19 5 ainda que 15 9 mesmo se 12 12 mesmo que 14 10 se bem que 6 18
C. Completar uma frase complexa com a subordinada iniciada por uma das conjunções / locuções dadas (posição final).
embora 15 9 apesar de 17 6 1 ainda que 14 10 mesmo se 15 9 mesmo que 15 9 se bem que 7 17
TOTAIS 384 222 8 147 7 % 100% 57.8% 2% 38.2% 1.8%
No quadro 17, encontram-se os resultados dos dezasseis alunos do sexto ano que
responderam ao teste de produção induzida de frases.
Quadro 17 – Resultados na turma de 6.º Ano
QUESTÃO
ESTÍMULO
Produções canónicas
Produções não canónicas
Itens sem resposta
Desvios do formato semântico padrão
Produções agramaticais
A. Construir uma frase com uma conjunção / locução dada.
apesar de 16 ainda que 13 3 mesmo se 15 1 mesmo que 15 1
B. Completar uma frase complexa com a subordinada iniciada por uma das conjunções / locuções dadas (posição inicial).
embora 10 6 apesar de 14 2 ainda que 12 4 mesmo se 12 4 mesmo que 13 3 se bem que 6 10
C. Completar uma frase complexa com a subordinada iniciada por uma das conjunções / locuções dadas (posição final).
embora 10 6 apesar de 14 2 ainda que 10 6 mesmo se 9 7 mesmo que 13 3 se bem que 7 9
TOTAIS 256 189 64 3 % 100% 73,8% 0% 25% 1,2%
42 Apesar de + N = 1
162
O quadro 18 tem os dados da turma de nono ano (dezasseis alunos).
Quadro 18 – Resultados na turma de 9.º ano
QUESTÃO
ESTÍMULO
Produções canónicas
Produções não canónicas
Itens sem resposta
Desvios do formato semântico padrão
Produções agramaticais
A. Construir uma frase com uma conjunção / locução dada.
apesar de 16 ainda que 14 1 1 mesmo se 14 1 1 mesmo que 15 1
B. Completar uma frase complexa com a subordinada iniciada por uma das conjunções / locuções dadas (posição inicial).
embora 14 1 1 apesar de 16 ainda que 16 mesmo se 15 1 mesmo que 15 1 se bem que 9 6 1
C. Completar uma frase complexa com a subordinada iniciada por uma das conjunções / locuções dadas (posição final).
embora 14 2 apesar de 15 1 ainda que 15 1 mesmo se 15 1 mesmo que 15 1 se bem que 6 8 1
TOTAIS 256 225 24 7 % 100% 87.8% 0% 9.3% 2.7%
Nos casos de desvios do formato semântico padrão, consideram-se as produções
de frases complexas que, não apresentando erros de natureza sintáctica, manifestam um
domínio incipiente do conhecimento do valor semântico do conector, de que é exemplo
a produção (141), ou um mau domínio de outros aspectos de coesão temporal entre frase
principal e subordinada, como se verifica no exemplo (142).
(141) *ME4: Mesmo se for [%spe: fôr] presidente , vou ser bom .
(142) *MB4: Mesmo que eu seja futebolista [%spe: 0,] também posso nadar .
Ainda que não seja possível, de forma categórica, classificar os desvios
percebidos nos exemplos (141) e (142), defende-se que a estranheza em ambos os
enunciados se deverá a desvios de natureza semântica, ou por desconhecimento do valor
específico do conector ou por má selecção têmporo-aspectual. De qualquer modo, são
desvios deste tipo, atestados apenas nos alunos do quarto ano, que podem indiciar que a
estabilização tardia do conhecimento de concessivas decorrerá mais do domínio tardio
de aspectos do conhecimento semântico do que de aspectos de natureza sintáctica.
163
A estranheza de (141) poderá ser explicada pelo facto de a locução subordinativa
concessiva mesmo se, típica das condicionais-concessivas, ser usada como tendo um
valor estritamente condicional. Note-se que uma frase como (143), mesmo sem mais
contexto, como (143), é aceitável.
(143) Se for presidente, vou ser bom.
Outra hipótese de explicação para a estranheza do enunciado produzido pelo
aluno pode ser uma má selecção aspectual. Neste sentido, observe-se a aceitabilidade de
um enunciado com um predicado complexo, com vir a, como em (144)43.
(144) Mesmo se vier a ser presidente, vou ser bom.
No exemplo (142), também a locução mesmo que, que tem a mesma
especialização semântica que a anterior, é utilizada num contexto semântico
inadequado, com um predicado tipicamente estativo, condicionador de uma leitura
factual e não de uma leitura hipotética (Capítulo 3). Note-se que um conector
tipicamente factual facilita a interpretação da frase, como em (145) ou em (146).
(145) Embora eu seja futebolista, também posso nadar.
(146) Eu sou futebolista, mas também posso nadar.
Outra hipótese, que, neste caso, viabilizaria uma leitura hipotética da frase, seria
a modificação do predicado da concessiva, como em (147).
(147) Mesmo que um dia eu seja futebolista, também posso/poderei nadar.
Como se verificou, a legitimação da aceitabilidade das frases complexas
envolveu a manipulação de conhecimento semântico. A distinção do tratamento
43 Neste caso, a aceitabilidade do contraste implicaria a assunção de que, normalmente, ser presidente é
ser mau.
164
quantitativo de desvios de natureza semântica, nos dados de PIF, justifica-se pelo facto
de, numa primeira apreciação dos resultados, ter havido a percepção de que, como antes
se referiu, os problemas de mestria de categorias semânticas se destacavam no corpus.
Estes problemas são indiciadores de uma área a explorar na explicação da aquisição
tardia destas estruturas.
Ainda nesta análise, por produções agramaticais, entenderam-se as frases que
manifestavam erros ao nível de propriedades de categorização sintáctica, como a má
selecção de modo verbal ou o desconhecimento do padrão distribucional do conector
dado. A produção do exemplo (148) ilustra estas duas situações.
(148) *MC4: Mesmo se a tartaruga anda depressa apesar que as tartarugas nunca
ganham as corridas .
De forma a validar a fiabilidade do teste de produção induzida de frases, o
mesmo foi aplicado a um grupo de controlo de dezoito adultos escolarizados44. Os
resultados desta aplicação apresentam-se no quadro 19.
Quadro 19 – Resultados do controlo com adultos escolarizados
QUESTÃO
ESTÍMULO
Produções canónicas
Produções não canónicas
Itens sem resposta
Desvios do formato semântico padrão
Produções agramaticais
A. Construir uma frase com uma conjunção / locução dada.
apesar de 18 ainda que 18 mesmo se 17 1 mesmo que 16 1 1
B. Completar uma frase complexa com a subordinada iniciada por uma das conjunções / locuções dadas (posição inicial).
embora 18 apesar de 18 ainda que 18 mesmo se 17 1 mesmo que 18 se bem que 16 2
C. Completar uma frase complexa com a subordinada iniciada por uma das conjunções / locuções dadas (posição final).
embora 18 apesar de 18 ainda que 18 mesmo se 16 1 1 mesmo que 18 se bem que 15 3
TOTAIS 288 277 1 9 1 % 100% 96.1% 0.4% 3.1% 0.4%
Como se pode verificar, a percentagem de respostas com frases em
conformidade com a gramática padrão encontra-se acima dos 95% e as produções não
44 Os dados foram recolhidos no ano lectivo de 2006/2007 com adultos licenciados, no 6º ano do Ramo de Formação Educacional da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
165
canónicas decorrem da utilização de um subconjunto de conectores que, naturalmente,
será objecto de reflexão: mesmo que, mesmo se e se bem que.
Os gráficos que se apresentam em seguida permitem a comparação das
percentagens obtidas nos resultados dos três ciclos de ensino e nos resultados do grupo
de controlo. No gráfico da figura 1, comparam-se as percentagens totais de frases bem
construídas produzidas nos diferentes grupos.
Figura 1 – Percentagens de respostas certas no Teste de Produção Induzida de Frases
Embora uma leitura apenas em termos percentuais permita a conclusão de que
há crescimento no domínio da produção de orações concessivas, importa perceber se as
diferenças entre cada grupo podem ser validadas estatisticamente. Para esse fim, tal
como se procedeu antes, foi aplicado o teste de qui-quadrado aos resultados relativos a
cada par de grupos (4º ano vs. 6º ano / 6º ano vs. 9º ano / 9º ano vs. grupo de controlo),
de modo a serem confirmadas as diferenças entre grupos como estatisticamente
relevantes.
Ao contrário da situação das diferenças percentuais nos resultados do teste de
compreensão oral de texto, que se esperava que não fossem relevantes, para não se
descartar a hipótese de existir crescimento, no caso das diferenças percentuais entre
resultados de produções canónicas, para que se possa considerar que há crescimento
entre os grupos, interessa que as diferenças sejam significativas.
166
O quadro 20 sintetiza os resultados do teste de qui-quadrado. A existência de um
valor de p igual ou inferior a 0,05 viabiliza uma interpretação da diferença entre valores
como significativa.
Quadro 20 – Teste de produção induzida de frases
GRUPOS
Total de respostas certas
/ Total de estímulos
Valor de p
Diferença
relevante?
4º ano vs. 6º ano 222/384 189/256 p=.0001 SIM
6º ano vs. 9º ano 189/256 225/256 p=.0001 SIM
9º ano vs. adultos 225/256 277/288 p=0,003 SIM
A leitura do quadro 20 permite inferir a existência de crescimento entre os
grupos. Por outras palavras, os resultados do teste de PIF permitem concluir que a
capacidade de produção de concessivas está em desenvolvimento ao longo da
escolaridade básica e que, crucialmente, embora os alunos do nono ano se aproximem
mais do que os outros do padrão adulto, ainda apresentam resultados significativamente
diferentes do grupo de controlo, o que nos leva a concluir que este domínio, no final da
escolaridade básica, poderá ainda estar em estabilização.
O gráfico da figura 2 apresenta a informação organizada por conector. No
quadro de valores, regista-se a percentagem de orações concessivas produzidas em
frases complexas correctas, para cada uma das diferentes conjunções e locuções.
167
Figura 2 – Gráfico de concessivas em frases complexas correctas
A leitura do gráfico da figura 2 deixa claro que, pelo menos na produção
induzida de frases, o domínio de conectores concessivos não é uniforme. Da
comparação entre os resultados para cada conector, verifica-se que apesar de é a
locução que é usada mais cedo com sucesso e que é a que alcança um maior índice de
sucesso entre os diferentes ciclos de escolaridade. Aliás, no quarto ano, a percentagem
de frases bem construídas com este conector (80,5%) contrasta com os resultados
obtidos para os restantes.
Os resultados para embora, ainda que, mesmo se e mesmo que são bastante
semelhantes. Destes resultados, neste teste, não podem ser inferidas diferenças entre
valores semânticos de concessivas, uma vez que os resultados das locuções
especializadas nos valores condicionais-concessivos não apresentam piores resultados.
Aliás, embora, conjunção prototípica das concessivas factuais, tem resultados
ligeiramente inferiores aos das locuções com valores condicionais.
A locução se bem que é o conector que é usado com menos sucesso na
construção de frases concessivas, tendo os valores mais baixos para todos os grupos
(abaixo dos 50% nos alunos e abaixo dos 90% nos adultos). Note-se que, como se
poderá verificar na secção de análise qualitativa dos dados (Capítulo 5), um dos erros
168
mais frequentes em estruturas com se bem que é a selecção de indicativo, em vez de
conjuntivo, o que merece uma análise mais fina.
A semelhança entre resultados dos alunos e resultados dos adultos, observável
pela existência de curvas de crescimento equiparáveis para cada conector, pode ser um
dado interessante para a discussão entre eventuais correlações entre input (representado
pela frequência de ocorrência dos conectores nas produções dos adultos) e aquisição e
estabilização de cada conector, o que será discutido no Capítulo 5.
Finalmente, no gráfico da figura 3, encontram-se informações relativas às
percentagens de concessivas bem construídas, em função da sua ocorrência em posição
inicial ou em posição final, na frase complexa.
Figura 3 – Gráfico de concessivas canónicas em posição inicial e final
A observação do gráfico da figura 3 mostra que as concessivas em posição
inicial têm resultados ligeiramente superiores aos da produção de concessivas finais,
mas a diferença é, certamente, irrelevante. No quarto ano, ao contrário, há mais
concessivas em posição final bem construídas. De qualquer forma, os resultados de
concessivas bem construídas, neste grupo, não alcançam os 60%.
Em síntese, os resultados do teste de produção induzida de frases, paralelamente
aos resultados do teste de compreensão oral de frases, permitem concluir que:
● a estabilização de concessivas, no domínio da produção, está em curso ao
longo da escolaridade básica;
169
● os alunos do nono ano são os que têm um comportamento mais próximo do
grupo de controlo, mas ainda não alcançaram inteiramente o padrão adulto.
Atendendo à especificidade da produção de frases, os resultados deste teste
apontam para as seguintes conclusões:
● a produção de concessivas com apesar de começa mais cedo e tem o maior
índice de sucesso de todos os grupos;
● a locução se bem que é o conector com menor índice de sucesso em todos os
grupos, mesmo nos adultos;
● não se atestam dificuldades diferenciadas em relação aos três valores
semânticos básicos (factual, hipotético e contrafactual) nas produções de enunciados
concessivos conformes com a gramática alvo;
● globalmente, excepto no quarto ano, manifesta-se mais facilidade em produzir
concessivas em posição inicial, embora as diferenças não pareçam significativas.
4.3.3.5. Produção de Texto (PT)
Sendo objecto de estudo o desenvolvimento da competência de escrita, os
resultados da PT assumem uma importância preponderante, quer no conjunto de
resultados em avaliação, na fase de diagnóstico, quer para as correlações a estabelecer
entre diagnóstico e fase de intervenção.
As hipóteses que enquadram a análise quantitativa das produções escritas de
alunos do quarto ano, do sexto e do nono replicam as que orientaram a pesquisa em
produções de fala espontânea, nos dados de aquisição. Para os dados da produção de
texto, mantém-se, como principal objectivo, a verificação do carácter eventualmente
tardio de conectores contrastivos como os concessivos e prossegue-se com o estudo da
produção de conectores semanticamente contíguos aos concessivos, como os
adversativos e os condicionais. Paralelamente, analisam-se os conectores causais /
explicativos45, que, embora não pertençam aos paradigmas em estudo, podem fornecer
45 Embora se reconheça a pertinência linguística e didáctica da distinção entre estruturas causais e estruturas explicativas, dado que está fora do âmbito desta dissertação o aprofundamento da distinção em causa, incluíram-se na etiqueta «causal» os conectores explicativos ou ambíguos entre o valor causal e explicativo, em consonância com a descrição clássica proposta por Cunha e Cintra: 1984. Sobre a
170
pistas para avançar com explicações sobre o carácter globalmente tardio da aquisição de
outras subclasses de conectores. Por outro lado, o tratamento de conectores causais não
deixa de ser interessante, já que a importância da mestria desta subclasse no
desenvolvimento de níveis superiores de escrita prototipicamente argumentativa é
equivalente à defendida para estruturas contrastivas.
O quadro 21 (que reproduz o quadro 4) apresenta o elenco de conectores
contabilizados nos dados do corpus de textos recolhidos para diagnóstico, na fase de
diagnóstico e na fase de intervenção. Para cada conector, indica-se a sua distribuição
pelo valor semântico básico e pela classe a que pertence. O estabelecimento deste
elenco teve em consideração a análise defendida no Capítulo 3.
Quadro 21 – Elenco de conectores contrastivos, condicionais e causais
Valor semântico
Classe de
palavras
Contrastivo
Condicional
Causal Adversativo Concessivo Condicional-
-Concessivo
Contrastivo
Conjunção /
locução
conjuncional
Mas
Só que
Ainda que
Apesar de
Embora
Mesmo
Não
obstante
Se bem que
Ainda que
Mesmo que
Mesmo se
Mesmo
Nem que
Enquanto
Enquanto que
Ao passo que
Caso
Desde que
Se
Dado que
Já que
Pois
Porque
Uma vez
que
Visto que
Como
Advérbio
conectivo /
locução
adverbial
conectiva
Contudo
No entanto
Porém
Todavia
Ainda assim
Mesmo assim
Não obstante
No quadro seguinte, explicitam-se as hipóteses a avaliar.
distinção entre causais e explicativas, leia-se Lobo: 2001; 2003 e, especificamente sobre a produção destas estruturas por alunos do segundo e do terceiro ciclos, leia-se Lopes: 2004.
171
H1: Conectores concessivos estabilizam mais tarde do que conectores adversativos.
H2: Há diferenças de mestria entre conjunções concessivas.
H3: Há diferenças de mestria entre conjunções e advérbios conectivos com valores
semânticos contrastivos (adversativo e concessivo).
H4: Há diferenças de mestria entre conectores adversativos, concessivos, contrastivos,
condicionais e causais.
H5: Há correlação entre precocidade de ocorrência na produção escrita e frequência de
uso de conectores.
H6: Há uma correlação positiva entre a mestria de conectores concessivos e nível de
escolaridade do escritor.
Tal como na análise dos dados de aquisição, cada uma das hipóteses enunciadas
corresponde a uma hipótese cuja validade tem de ser testada. A validação das primeiras
quatro hipóteses depende:
● da identificação das primeiras ocorrências de cada conector, tendo em conta a idade
de cada escritor e o nível de escolaridade de cada grupo, seguida do estabelecimento de
escalas de ocorrência de conectores adversativos, concessivos, contrastivos,
condicionais e causais;
● da distinção do uso de cada conector em estruturas desviantes e em estruturas
canónicas;
● do cálculo da proporção de ocorrência de cada conector nos textos (número de
ocorrência / número de textos)46, para cada nível de ensino;
● da ordenação das proporções encontradas para conectores da mesma subclasse e para
conectores de subclasses distintas;
● da comparação das proporções encontradas para conectores de classes gramaticais
distintas (advérbios vs. conjunções).
46 O cálculo da proporção de conectores é feito pela divisão do número total de um dado conector (no conjunto dos textos de um mesmo nível de ensino) pelo número de textos do nível de ensino. Esta proporção poderia ser encontrada através do recurso a outras medidas (como MLUw, TTR, número de enunciados). Contudo, dadas as grandezas em causa, a leitura dos dados tornar-se-ia bastante menos transparente.
172
A quinta hipótese será avaliada pela comparação entre a escala de precocidade
de ocorrência de conectores e a escala de proporções encontradas para cada conector. A
avaliação da sexta hipótese decorre da comparação entre resultados obtidos nos
diferentes níveis de escolaridade dos escritores, quanto a mestria no uso de conectores
concessivos, através de uma escala de proporções de ocorrências nos textos.
A pesquisa e quantificação de conectores são feitas automaticamente, através
dos comandos freq e kwal (que permite pesquisar as palavras em contexto), com o
programa CLAN do sistema CHILDES (MacWhinney: 2000).
O quadro 22 descreve a constituição do corpus de produção de textos para o
estabelecimento do diagnóstico. Para a análise quantitativa da fase de diagnóstico,
consideram-se as produções escritas com o tema «experiências em animais», dos três
ciclos de ensino (uma turma de quarto ano, uma turma de sexto ano e quatro turmas de
nono ano), e as produções escritas do grupo de controlo, com quarenta adultos
escolarizados. Excluem-se, naturalmente, os textos das turmas de nono ano produzidos
após a fase de intervenção didáctica, com ensino explícito de concessivas, uma vez que
o que se pretende estabelecer é o diagnóstico do conhecimento das estruturas em estudo,
independentemente dos efeitos da intervenção. A inclusão dos textos de diagnóstico de
nono ano das turmas envolvidas na fase de intervenção justifica-se pelo facto de os
textos em causa resultarem da aplicação, no início da intervenção, da mesma actividade
de diagnóstico47 aplicada às turmas envolvidas na fase de diagnóstico. Esta opção
permite trabalhar com um maior número de textos do nono ano, com ganhos para a
fiabilidade dos resultados (secção 4.1.).
Relativamente às medidas usadas no quadro 22, a indicação da média do valor
médio e do valor do desvio padrão de MLUw serve como medida de crescimento de
unidades textuais correspondentes ao período (secção 4.2.). No quadro 23, apresenta-se
a média dos valores da medida de crescimento lexical TTR para cada nível de ensino
(secção 4.2.).
47 Actividade e materiais preparados para o diagnóstico (secção 4.1.).
173
Quadro 22 – Caracterização do corpus da produção de textos para diagnóstico
Nível de ensino Nº de
alunos Idades Nº de
enunciados
MLUw DP de MLUw
4.º ano 24 9;3.13 - 10;2.07 242
15,7 8,35
6.º ano 17 11;6.09 - 12;10.25 155
15,2 8,62
9.º ano 72 14;3.00 - 15;4.21 644
20,9
12,58 Grupo de controlo 40 17;8.15 - 28;2.05 462
22,3
11,25
Quadro 23 – Type/Token Ratio na produção de textos para diagnóstico
Nível de ensino Type Token TTR
4.º ano 84,8 146,9 0,57
6.º ano 79,9 138,7 0,57
9.º ano 104,8 182,1 0,57
Grupo de controlo 145,5 247,7 0,58
4.3.3.6. Resultados da Produção de Texto (PT)
Como se referiu antes, a apresentação dos resultados da PT faz-se em dois
momentos, numa aproximação à abordagem feita aos dados de aquisição. Em primeiro
lugar, analisam-se as primeiras ocorrências de cada um dos diferentes conectores.
Posteriormente, procede-se à análise de proporções de ocorrência.
Os quadros que se seguem dão conta das primeiras ocorrências de cada conector
no corpus. De forma a estabelecer uma escala de primeiras ocorrências de produção,
considera-se «primeira ocorrência» a utilização de um conector, numa estrutura
canónica, pelo escritor mais novo de cada subconjunto de produções escritas.
Naturalmente, por se tratar de um corpus de produção escrita, a leitura destas
escalas não pode ser considerada categórica na determinação de uma escala de
desenvolvimento, visto que, como já foi esclarecido, a não ocorrência de um conector
não significa que este não faça parte do repertório de conectores disponíveis na
gramática do jovem escritor. Aliás, alguns dos alunos que, no nono ano, não usam
concessivas nos seus textos mostram saber produzir estas estruturas quando induzidos a
fazê-lo (secção 4.3.3.4.). De qualquer forma, circunscritas as análises possíveis, o que é
crucial é o facto de estas escalas de produção revelarem resultados coerentes com os
174
resultados dos testes antes analisados, relativamente ao conhecimento e uso dos
conectores em estudo.
O quadro 24 apresenta as primeiras ocorrências, no corpus, de conectores com
valor adversativo.
Quadro 24 – Primeiras ocorrências de conectores adversativos
mas contudo no entanto porém
9;3.13 10;0.30 14;0.22 17;8.15
A primeira ocorrência de mas tem lugar no texto do aluno mais novo do quarto
ano e o advérbio conectivo contudo aparece ainda no primeiro ciclo. Ao contrário, os
adverbiais no entanto e porém só têm registo nas produções do nono ano e do grupo de
controlo. No corpus em consideração, não há ocorrências da locução só que, nem do
advérbio conectivo todavia.
Os quadros 25 e 26 incluem conectores com valor concessivo, sendo que o
primeiro quadro diz respeito a conjunções e locuções conjuncionais e o segundo dá
conta de locuções adverbiais.
Quadro 25 - Primeiras ocorrências de conectores concessivos conjuncionais
embora apesar de mesmo que mesmo+ger. ainda que
9;11.13 9;11.17 11;11.19 15;1.20 25;4.02
As primeiras ocorrências de cada conector conjuncional são exemplificadas de
(149) a (153).
(149) *MJ4: A exploração dos animais é cruel , embora descubra curas para humanos .
(150) *FE4: Além de serem protegidos [%spe: 0,] também têm de ser usados como
cobaias [%spe: cobais] ; apesar+de termos pena deles [%spe: 0,] temos de pensar que é
para o nosso bem .
(151) *MH6: Eu , na minha [/] opinião [%spe: 0,] acho que não se deveriam realizar
experiências em animais , mesmo+que estas contribuíssem [%spe: contribuissem] para a
cura de doenças humanas .
175
(152) *WRI12: Então [%spe: 0,] mesmo sacrificando a vida de animais , eu acho que as
experiências [%spe: experiencias] em laboratório [%spe: laboratorio] devem continuar
até se arranjar [%spe: aranjar] uma alternativa sem ser a vida do [*] humanos .
(153) *CONT24: Assim , e ainda+que sacrifiquemos animais , concordo que se
efectuem experiências , se estas contribuírem para o bem~estar do ser humano .
Quadro 26 - Primeiras ocorrências de conectores concessivos adverbiais
mesmo assim ainda assim não obstante
9;10.24 18;5.17 24;8.02
De (154) a (156), ilustram-se as primeiras ocorrências dos conectores adverbiais
com valor concessivo.
(154) *MF4: Mas mesmo+assim os cientistas [%spe: sientistas] continuam [%spe:
continoam] a matar os animais selvagens e domésticos [%spe: domesticos] .
(155) *CONT30: Existe , por exemplo [%spe: 0,] o caso polémico da tradução literal ,
que admito chegar raramente até nós , leitores , mas [%spe: 0,] ainda+assim , acontece .
(156) *CONT8: Não me parece que a suspensão destas experiências seja uma solução .
*CONT8: 0 não+obstante , através do progresso [/?] e evolução das técnicas ,
poder~se~á tentar diminuir o sofrimento e [/?] até a morte destas criaturas que tanto
ajudam o ser humano a alcançar uma maior qualidade de vida .
A conjunção embora, a locução apesar de, ambas tipicamente factuais, e a
locução adverbial mesmo assim são usadas em textos do quarto ano. A locução mesmo
que é atestada no sexto ano e o recurso a mesmo com gerúndio surge no nono ano. Já a
locução conjuncional ainda que tem o seu primeiro registo apenas nas produções do
grupo de controlo, tal como acontece com as locuções adverbiais ainda assim e não
obstante. Não se registaram ocorrências das locuções conjuncionais mesmo se, nem que
e se bem que. Há um uso desviante de não obstante, como locução conjuncional, num
176
texto de nono ano. Por se tratar de um uso não canónico, não foi considerado como
primeira ocorrência48.
Relativamente a conectores com valor contrastivo, apenas há duas ocorrências
de enquanto, sendo o primeiro encontrado numa produção de nono ano (14;8.03) e o
segundo num texto do grupo de controlo de adultos. Não há produções com enquanto
que ou com ao passo que.
O quadro 27 mostra as primeiras ocorrências dos conectores com valor
condicional.
Quadro 27 - Primeiras ocorrências de conectores condicionais
se desde que caso
9;6.26 14;5.18 14;10.06
O primeiro uso de se no corpus tem lugar no texto de um dos alunos mais novos
do quarto ano. Já os usos de desde que, com valor condicional, e de caso registam-se
somente nas produções do nono ano.
Em relação ao paradigma dos conectores causais, observe-se o quadro 28.
Quadro 28 - Primeiras ocorrências de conectores causais/explicativos
porque como pois já que visto que uma vez que
9;5.01 9;10.09 10;0.30 14;5.25 14;10.06 18;08.26
Os resultados das primeiras produções de conectores causais mostram, sem
surpresa, que porque é usado por um dos alunos mais novos do quarto ano. Os
conectores porque, como e pois são produzidos em textos do quarto ano; já as locuções
conjuncionais já que, visto que e uma vez que só são atestadas nos textos do nono ano e
dos adultos.
A comparação entre os quadros 24 a 29 revela resultados com algum paralelismo
com os dos outros testes, dos quais se destaca o facto de haver diferenças no domínio de
conjunções e advérbios (da mesma classe semântica) e no domínio de diferentes
conjunções e locuções conjuncionais (da mesma classe semântica). No paradigma dos
48 Como se pode verificar, o aluno manifesta não conhecer a estrutura interna correcta da locução: *WRI48: Eu acho que não se deve fazer experiências [%spe: experiencias] em animais , porque [%spe: 0,] não+obstante de [*] serem importantes para a descoberta de vacinas [%spe: 0,] que sem dúvida é o mais importante [%spe: 0,] não acho que se devam utilizar animais .
177
conectores adversativos, mas é a conjunção mais precoce, os advérbios conectivos
surgem depois: contudo é uma ocorrência isolada no texto de um aluno do quarto ano.
No entanto e porém apenas aparecem nas produções do nono ano e do grupo de
controlo. Entre os conectores concessivos, embora, mesmo assim e apesar de aparecem
ainda no quarto ano, enquanto mesmo que surge no sexto ano e mesmo com gerúndio no
nono.
A primeira ocorrência de conectores condicionais difere bastante. Como seria de
esperar, se é a conjunção mais precoce, identificada no quarto ano. Os outros conectores
condicionais só aparecem no nono ano. De forma não totalmente surpreendente, as três
primeiras ocorrências de conectores causais, ainda no quarto ano, são porque, como e
pois. As locuções já que e visto que aparecem em textos do nono ano e uma vez que só
tem registo nas produções do controlo adulto. A locução dado que nunca aparece no
corpus. Estes resultados consolidam a ideia de que as estruturas em estudo estão em
estabilização até ao final da escolaridade básica. Nestes dados, apenas um subconjunto
de conjunções, para cada classe semântica, está disponível no quarto ano, havendo
indícios de expansão lexical e sintáctica (no domínio de locuções menos frequentes e de
advérbios conectivos) apenas no nono ano.
Finalmente, no quadro 30, colocam-se a par as primeiras ocorrências de
conectores de classes semânticas diferentes, também ordenadas cronologicamente.
Quadro 30 – Escala de conectores mais precoces no corpus
mas porque se embora enquanto
9;3.13 9;5.01 9;6.26 9;11.13 14;8.03
O resultado obtido revela-se extremamente interessante, uma vez que a ordem
obtida reflecte a ordem de emergência encontrada para três dos conectores analisados
nos dados de aquisição inicial: mas > porque> se (Costa et al.: 2008). Esta proposta de
escala de primeiras ocorrências pode ser consolidada mediante a análise das frequências
de uso dos mesmos conectores, que se descreve em seguida.
Relativamente à análise das proporções de ocorrência encontradas na produção
dos conectores, apresentam-se, em primeiro lugar, os gráficos organizados por classes
semânticas e por ciclos de ensino e grupo de controlo. Seguidamente, apresentam-se os
conectores com uma maior proporção de ocorrência em cada ciclo de ensino e nos
textos dos adultos escolarizados. Por fim, listam-se os conectores sem ocorrências nos
178
corpora. Como se definiu anteriormente, o cálculo da proporção de cada conector, que é
uma medida indicadora da sua frequência nos textos, é feito através da divisão do
número total de conectores pelo número total de textos do grupo considerado49.
No gráfico da figura 4, distinguem-se as proporções encontradas para conectores
adversativos.
Figura 4 – Proporções de conectores adversativos
Nos textos do corpus, apenas a conjunção mas está presente em todos os níveis
de ensino, sendo este o conector mais frequente e o único a ser usado no sexto ano. Nos
textos do quarto ano, do sexto ano e do nono ano, nunca aparecem os advérbios porém e
todavia. Dos conectores só que e todavia não se registam quaisquer ocorrências.
A análise dos resultados para conectores adversativos mostra que é o grupo de
escritores adultos que recorre a uma maior diversidade de conectores: o uso da
conjunção mas diminui, em comparação com o uso que desta fazem os alunos,
escritores menos experientes, e aumenta a utilização dos conectores de natureza
adverbial.
O gráfico da figura 5 ilustra as proporções de conectores com valor concessivo.
49 Os valores totais podem ser consultados no Anexo 5.
179
Figura 5 – Proporções de conectores concessivos
Nas seis primeiras colunas, figuram as proporções encontradas para os
conectores de natureza conjuncional, dos quais a locução apesar de é a mais usada em
todos os ciclos de ensino, seguida da conjunção embora. Estes são os dois únicos
conectores com ocorrências nos diferentes ciclos. A locução conjuncional menos usada
é ainda que, que só é usada nos textos do grupo de controlo, escritores mais experientes.
Note-se que, paradoxalmente, no conjunto de conectores mais frequentes nos adultos,
este se situa entre os mais usados. A única ocorrência conjuncional da locução não
obstante, atestada, como antes se referiu, numa turma de nono ano, corresponde a um
uso desviante (nota 48). As três locuções conjuncionais que nunca aparecem no corpus
são mesmo se, nem que e se bem que.
Nas três últimas colunas da figura 5, registam-se as proporções de locuções
adverbiais conectivas, globalmente menos frequentes do que os conectores
conjuncionais, o que também se tinha verificado nos resultados dos adversativos. A
locução mesmo assim é a mais usada, em contraste com o recurso reduzido a ainda
assim e não obstante, apenas registadas nos textos dos adultos.
Dos resultados das proporções de conectores concessivos, sobressai a diferença
entre a produção dos alunos e a produção dos adultos, o que se destaca mediante a
comparação de totais de proporções, na figura 6. Da totalidade de conectores
180
concessivos usados no corpus, apenas uma proporção de 23% tem expressão em textos
dos alunos do quarto ao nono ano.
Figura 6 – Diferença de proporções de conectores concessivos nos textos de escritores menos
experientes e nos textos de adultos
A diferença de proporções de uso de conectores concessivos e o facto de se
observar que o repertório dos conectores atestados no corpus é usado, na totalidade,
apenas pelos escritores adultos são indicadores não só de frequência, mas também de
diversidade no recurso a estruturas concessivas, o que parece ser um padrão no
comportamento de escrita dos escritores mais experientes. Ao contrário, os alunos até ao
nono ano, escritores menos experientes, usam menos concessivas e têm uma menor
diversidade de conectores concessivos.
Outro aspecto a salientar é o contraste entre o recurso a conjunções e locuções
conjuncionais e o recurso a locuções adverbiais conectivas para expressar concessão.
Esta distinção verifica-se em termos globais, na totalidade das produções dos corpora,
como ilustra a figura 7, e também parece ser um traço diferenciador entre escritores
menos e mais experientes: apenas os textos dos adultos contêm exemplos das três
locuções adverbiais (figura 5).
181
Figura 7 – Diferença de proporções de uso entre conjunções e advérbios com valor concessivo nos
corpora de produção de texto
Finalmente, no gráfico da figura 8, alinham-se, por ordem crescente, as
proporções encontradas para cada conector concessivo, estabelecendo-se uma escala de
frequência de uso na totalidade dos corpora.
Figura 8 – Escala de frequência de uso de conectores concessivos
182
Antes de se passar à descrição das proporções encontradas para os conectores
com outros valores semânticos, importa comparar os resultados entre conectores
contrastivos adversativos e conectores contrastivos concessivos. Na figura 9, o gráfico
ilustra essa comparação.
Figura 9 – Comparação de proporções de conectores adversativos e concessivos
As percentagens apresentadas confirmam um resultado esperado: as estruturas
adversativas são mais frequentes do que as concessivas, sendo de sublinhar que o
conector mais frequente é o mas, o que corrobora outros estudos sobre este assunto
(Matos e Prada: 2005; Prada: 2000; 2003, e.o.). Da totalidade dos conectores
adversativos, há duzentas e dez ocorrências de mas, o que corresponde a 85%, a par de
trinta e sete ocorrências de advérbios ou locuções adverbiais adversativos, o que
equivale a 15%. Embora a proeminência da frequência da conjunção coordenativa
adversativa seja inegável, salvaguarde-se que a explicação para a dimensão da diferença
de proporções de adversativas e concessivas não pode radicar na frequência superior,
geralmente observada, de estruturas paratácticas em contraposição a estruturas
hipotácticas. Em consonância com o que foi descrito antes, no Capítulo 3, o tipo de
conexão estabelecido pelos advérbios conectivos, independentemente do seu valor
semântico, pertence ao domínio da parataxe. Uma explicação para diferenças de
produção entre adversativas e concessivas será aprofundada no Capítulo 550.
50 A este propósito, leia-se Matos e Prada (2005).
183
Em relação aos outros conectores contrastivos de tipo subordinativo (Capítulo
3), os contrastivos enquanto, enquanto que e ao passo que, igualmente pesquisados no
corpus, conclui-se que a sua frequência é praticamente nula, havendo apenas duas
ocorrências de enquanto nos textos de diagnóstico: uma num texto de nono ano e outra
numa produção de um adulto. Não se atesta o recuso nem a enquanto que, nem a ao
passo que. Este facto poderá ser lido como um indício de baixa frequência de uso destes
conectores, confirmando os baixos resultados no teste de compreensão oral com estes
conectores, mas não permite ajuizar sobre a inexistência de produtividade dos mesmos,
como estruturas disponíveis para expressar contraste que expressa contraposição na
gramática do PE (Capítulo 3)51.
Passando à análise de proporções de conectores com outros valores semânticos,
na figura 10, o gráfico apresenta as diferentes proporções de conectores condicionais.
Figura 10 – Proporções de conectores condicionais
O conector com maior proporção de uso, entre os condicionais, é, naturalmente,
se. Os outros dois conectores, também de natureza conjuncional, são menos frequentes e
são usados apenas por alunos do nono ano e por adultos. Relativamente ao padrão de
51 A este propósito, leia-se Lopes (2001), um estudo com base na análise de corpora.
184
comportamento dos adultos, é saliente o menor recurso a estruturas condicionais nos
seus textos, o que poderá ser explicado pela existência de um maior leque de
alternativas na construção da argumentação.
O gráfico da figura 11 dá conta das proporções dos conectores com valor causal
analisados nos corpora.
Figura 11 – Proporções de conectores causais
Tal como no caso dos condicionais, todos os conectores causais analisados são
conjunções ou locuções conjuncionais do domínio da hipotaxe, excepto pois. Para esta
análise, por não foram contabilizados conectores que participam na construção de
unidades paratácticas, nem o por de infinitivas causais. De forma não inesperada, o
conector mais frequente é porque, seguido de pois e de como, sendo estes três os que
estão presentes nos textos de todos os ciclos de ensino e nos dos adultos. A locução
dado que não tem qualquer registo nos textos do corpus.
Um aspecto a salientar é um comportamento comum tanto nos textos dos alunos
mais velhos, do nono ano, como nos dos adultos do grupo de controlo: a produção dos
conectores adversativo, condicional e causal mais frequentes (mas, se e porque,
respectivamente) diminui em relação à produção destes conectores pelos alunos mais
novos, do primeiro e do segundo ciclo. Esta diminuição da frequência de uso parece
185
correlacionar-se com o aumento da diversidade lexical, no recurso a conectores
pertencentes ao mesmo paradigma semântico. Este comportamento – diminuição da
frequência de uso do conector mais precoce e mais frequente e recurso a um leque mais
diversificado de conectores – é um indicador de mais um factor de diferenciação da
escrita de escritores menos e mais experientes52.
Ao contrário da observação que se acabou de fazer para adversativos,
condicionais e causais, entre conectores concessivos, de acordo com o gráfico da figura
5, os mais frequentes são também os mais usados pelos escritores mais velhos, neste
caso, os adultos escolarizados, sem incluir os alunos do nono ano, mesmo sendo os
adultos os que fazem um uso mais diversificado de conectores concessivos53. Este facto
indicia que, como antes se concluiu, o recurso a concessivas parece ser indicador de um
estádio mais tardio de estabilização da produção de estruturas linguísticas e de
desenvolvimento da escrita, podendo vir a ser considerado um indicador de «literacia
linguística» (Berman: 2004) e de literacia de escrita.
Por fim, o quadro 31 apresenta as proporções dos conectores mais frequentes das
diferentes classes semânticas consideradas, estabelecendo uma escala de frequência dos
mesmos.
Quadro 31 – Escala de frequência de conectores
mas porque se apesar de enquanto
5,38 5,25 4,61 0,59 0,03
A ordenação apresentada no quadro 31 confirma os resultados do quadro 30,
com a ordem de conectores mais precoces nos corpora, havendo apenas uma diferença
em relação aos conectores concessivos que, ao que tudo indica, ainda estão em
estabilização no quarto ano. Se o conector mais precoce é embora54, o conector mais
frequente é a locução apesar de. De qualquer modo, visto que não há produção de
concessivas nos dados de aquisição, esta divergência de conectores não invalida outra
conclusão relevante: a ordenação das proporções destes conectores é coincidente com a
52 Resultados semelhantes foram encontrados em Hudson (2004). 53 Apesar de os resultados com os conectores não obstante (conjuncional) e mesmo assim parecerem contradizer a afirmação anterior, deve ter-se em consideração que se trata de uma produção não canónica de não obstante e que não há diferenças reais nas proporções de uso de mesmo assim, dado que se trata de apenas uma ocorrência desta locução em cada um dos grupos (quarto ano, nono ano e controlo). 54 Note-se que a diferença de idades entre o aluno autor da concessiva de embora (9;11.13) e o autor da concessiva de apesar de (9;11.17) é de quatro dias, o que não é minimamente relevante.
186
ordem de emergência encontrada na aquisição precoce (quadro 6) e com a escala de
frequência de produção nos dados de aquisição (quadro 10).
Em conclusão, retomam-se as hipóteses em avaliação com os dados de produção
de texto para a fase de diagnóstico.
A primeira hipótese, relativa à comparação da estabilização de adversativos e
concessivos, deve considerar-se apenas parcialmente verificada, dado que há que
diferenciar o comportamento dos conectores adversativos. Concretamente, os
conectores adverbiais no entanto e porém não têm registo nos textos do quarto e do
sexto ano, sendo o primeiro usado por alunos do nono ano e por adultos e o último
apenas por adultos. Além disso, todavia não tem quaisquer ocorrências.
De qualquer forma, a hipótese de que adversativos estabilizam mais cedo do que
concessivos vê-se confirmada em relação aos conectores mas, por oposição a apesar de
e embora. De facto, mas é usado precocemente nos dados de aquisição e pelo aluno
mais jovem do quarto ano, nos dados de produção de texto. Na medida em que a
frequência possa ser indício de estabilidade no uso, mas é também o conector mais
frequente. Ao contrário, os concessivos embora e apesar de ocupam o quarto lugar na
precocidade de uso e na frequência, manifestada pela proporção de uso, na lista dos
conectores analisados.
A segunda hipótese é confirmada pelas diferenças observadas entre apesar de e
embora, por um lado, e ainda que, por outro, ao nível da precocidade de uso, da
frequência e da diversificação de uso. Os dois primeiros aparecem nas produções do
quarto ano e têm as maiores proporções de uso, mesmo entre os adultos. Já ainda que só
surge nas produções do grupo de controlo.
No que diz respeito à existência de diferenças entre conectores conjuncionais e
conectores adverbiais, hipótese levantada em terceiro lugar, esta é confirmada, quer no
caso de conectores adversativos, quer no caso de conectores concessivos (figura 4 e
figura 7). O recurso a um repertório mais diversificado de conectores, incluindo os
advérbios conectivos, parece ser uma característica das produções dos escritores mais
experientes.
A quarta hipótese não parece poder ser totalmente confirmada, observando-se
diferenças entre conectores de uma mesma subclasse semântica. De qualquer forma,
conclui-se que há uma ordem fixa de precocidade de uso e de proporções de uso,
relativa a um subconjunto de conectores, o que pode indiciar diferenças de mestria entre
subclasses semânticas. Outro argumento a favor da confirmação da diferença de mestria
187
de conectores de classes semânticas diferentes é o facto de o comportamento dos
escritores mais experientes ser semelhante na produção de adversativas, condicionais e
causais – diminuição de produção dos conectores mais frequentes a par de maior
diversidade no recurso a conectores. Complementarmente, as subclasses concessiva e
contrastiva não alinham com este padrão, visto que os conectores concessivos mais
frequentes são também os mais usados pelos adultos e dado que enquanto é o único
conector de subordinadas contrastivas dos corpora, sendo apenas usado nas produções
do nono ano e do grupo de controlo.
A comparação das escalas apresentadas no quadro 30 e no quadro 31 permite
confirmar a quinta hipótese. O facto de existir um padrão de ordem comum aos
conectores mais precoces e mais frequentes, que, para o português, é mas > porque > se
> embora / apesar de > enquanto, indicia a existência de uma correlação positiva entre
precocidade de emergência / de ocorrência e frequência de uso. Contudo, como antes se
defendeu para os mesmos resultados, relativamente aos dados de aquisição, isto pode
não significar uma relação de causalidade entre ordem de emergência / de estabilização
e frequência no meio linguístico (Capítulo 5).
A sexta hipótese é confirmada pelos resultados: são os escritores mais
escolarizados e os mais experientes, os adultos do grupo de controlo, que revelam
mestria no uso de concessivas, pois produzem mais concessivas e recorrem a conectores
mais diversificados (figura 5). Aliás, os resultados sustentam a proposta de que o
domínio de concessivas, na produção escrita, pode ser tomado como um indicador de
níveis superiores de literacia linguística e de literacia de escrita (figura 6).
Deve observar-se, contudo, que não há um crescimento linear na proporção de
uso de concessivas entre os três ciclos do ensino básico, uma vez que os alunos do sexto
ano usam menos concessivas. Este facto, de natureza quantitativa, não significa que haja
uma regressão na manifestação do conhecimento de concessivas, dado que os resultados
do sexto ano incluem o primeiro uso do conector condicional-concessivo mesmo que,
revelando um alargamento qualitativo do conhecimento linguístico. A oscilação de
resultados entre o quarto e o sexto ano, anos que correspondem a uma faixa etária muito
próxima, entre os nove e os onze anos, pode ser indicadora de um estádio de
estabilização cuja clivagem se dá mais tarde: são os alunos do nono ano que manifestam
um comportamento mais próximo do dos adultos, confirmando a existência de uma
correlação positiva entre nível de escolaridade (e consequente literacia) e a mestria de
concessivas. Os alunos do nono ano são os segundos maiores utilizadores de
188
concessivas, usam conectores condicionais-concessivos e advérbios conectivos
concessivos. Foi por este grupo manifestar um conhecimento linguístico mais estável
sobre concessivas, mas um padrão de uso menos sofisticado do que o dos adultos, que
se considerou que teria um perfil mais favorável para testar os efeitos do conhecimento
explícito e formal de concessivas no desenvolvimento da competência de escrita.
4.4. Análise quantitativa dos dados da intervenção educativa
Na presente secção, procede-se à análise quantitativa dos dados de produção
textual da fase de intervenção. Esta análise surge, no desenho experimental, enquadrada
por duas das três principais questões da investigação: a primeira relativa ao papel da
explicitação de conhecimento linguístico como estímulo ao desenvolvimento da
produção de estruturas sintácticas e a segunda relativa à existência de correlação entre
conhecimento da gramática e desenvolvimento da competência de escrita.
A intervenção didáctica envolveu três turmas de nono ano: duas turmas em que
houve uma intervenção controlada para o ensino explícito de concessivas (turma A e
turma B) e uma turma de nono ano que funcionou como grupo de controlo.
No desenho experimental, na determinação do nível que reunia melhores
condições para ser alvo de intervenção didáctica, foram tidos em consideração dois
factores (secção 4.1.). O principal consistiu na análise dos dados de diagnóstico (secção
4.3), que revelou que, no nono ano, a compreensão oral de estruturas concessivas já está
bastante estabilizada e que, no domínio da produção, quando induzidos a produzir
estruturas com conectores concessivos, os adolescentes deste ciclo de ensino conseguem
fazê-lo com um elevado grau de sucesso (87,8%). Contudo, em situação de produção
escrita, os escritores do nono ano mostram ter um comportamento menos sofisticado do
que o padrão dos escritores adultos: usam menos concessivas, usam menos advérbios
conectivos e recorrem a um leque menos diversificado de conectores contrastivos. Em
síntese, parecem não ser capazes de mobilizar, em situação de escrita, o conhecimento
lexical (sintáctico e semântico) que manifestaram dominar em situação de compreensão
oral e em situação de produção induzida. Do ponto de vista didáctico, numa abordagem
de ensino da gramática como «language awareness» (James e Garrett: 1991, e.o.), o
estádio de conhecimento linguístico descrito para o nono ano reúne as condições
necessárias para o desenvolvimento de uma fase mais elaborada de conhecimento
189
explícito da língua: o conhecimento metalinguístico (Capítulo 2), que depende da
instrução formal e do recurso a metalinguagem.
As orientações curriculares para o ensino da gramática, no nono ano, são o outro
factor que contribuiu para a decisão sobre o nível de intervenção. De facto, nos
programas em vigor (DGEBS: 1991, 52), só no nono ano se prevê o conhecimento
explícito e metalinguístico de subordinadas concessivas e das respectivas conjunções.
Esta indicação de conteúdos não significa que o ensino de concessivas, ao nível da
manipulação de estruturas, sem explicitação terminológica, não deva ser introduzida
antes. Porém, o nono ano, nível que permite o recurso a mais instrumentos
metalinguísticos, potencia as condições para se poder testar, de forma mais completa, as
questões de investigação que dizem respeito a conhecimento explícito.
O quadro 32 apresenta o elenco de conectores das estruturas oracionais
contrastivas que foram objecto de ensino explícito na intervenção didáctica.
Naturalmente, foram estes os conectores considerados para a análise quantitativa dos
dados da intervenção. Tal como nos quadros 4 e 21, da secção 4.3., os conectores estão
distribuídos pela sua classe gramatical e pelo seu valor semântico básico.
Quadro 32 - Elenco de conectores contrastivos
Valor semântico
Classe de palavras
Contrastivo
Adversativo55
Concessivo
Condicional-
-Concessivo
Conjunção /
locução conjuncional
Mas
Só que
Ainda que
Apesar de
Embora
Mesmo
Não obstante
Se bem que
Ainda que
Mesmo que
Mesmo se
Mesmo
Nem que
Advérbio conectivo /
locução adverbial
conectiva
Contudo
No entanto
Porém
Todavia
Ainda assim
Mesmo assim
Não obstante
55 O conhecimento de coordenadas adversativas, que é conteúdo do sétimo ano (DGEBS: 1991, 52), foi retomado na intervenção didáctica, numa perspectiva de ensino contrastivo, em consonância com a proposta de Brito e Lopes (2001).
190
Em consonância com a metodologia usada para a análise quantitativa dos dados
de diagnóstico, explicitam-se, em seguida, as hipóteses que orientaram a análise
quantitativa dos dados de intervenção.
H1: A frequência de uso de estruturas contrastivas concessivas aumenta após a
construção de conhecimento metalinguístico sobre as mesmas.
H2: Há recurso a um repertório mais diversificado de conectores contrastivos
(adversativos e concessivos) após a construção de conhecimento metalinguístico sobre o
funcionamento destes conectores.
H3: O conhecimento explícito de concessivas potencia a produção destas estruturas em
situação de produção escrita.
À semelhança do que foi feito na análise dos dados de diagnóstico, procede-se,
em seguida, à validação, ou não, de cada uma das hipóteses enunciadas. As hipóteses 1
e 2, enquadradas pela questão do impacto do conhecimento explícito da língua no
domínio da produção, dependem:
● do cálculo da proporção de ocorrência de cada conector (número de ocorrência /
número de textos) nos textos escritos antes da intervenção e nos textos escritos após a
intervenção, nas turmas A e B;
● do cálculo da proporção de ocorrência de cada conector nos primeiros e nos segundos
textos escritos pela turma de controlo;
● da identificação do valor da diferença de proporções encontradas entre textos escritos
antes da intervenção e nos textos escritos após a intervenção, para as turmas da
intervenção e para a turma de controlo;
● da comparação entre os valores das diferenças de produção entre todas as turmas.
A validação da terceira hipótese decorre, antes de mais, das duas primeiras, uma
vez que se assume que o aumento da produção de estruturas contrastivas e o recurso a
um repertório progressivamente mais diversificado e sofisticado potenciam a qualidade
da escrita. Complementarmente, para consolidar a hipótese de que o conhecimento
191
explícito da língua se correlaciona com o aumento da produção de concessivas na
produção de textos, procedeu-se à aferição do nível de conhecimento explícito dos
alunos sobre concessivas. No final da secção, apresentam-se resultados obtidos pelos
alunos em respostas a itens de gramática, realizados em aula56.
Também para estes dados se desenvolveu a pesquisa automática de conectores,
através dos comandos freq e kwal (para análise de conectores em contexto), com o
programa CLAN do sistema CHILDES (MacWhinney: 2000). Os valores são
calculados em Excel e os totais são apresentados no Anexo 5.
O quadro 33 dá conta da constituição do corpus da fase de intervenção, que
integra um total de cento e dez textos (cinquenta e cinco para diagnóstico, com o tema
«experiências em animais» e cinquenta e cinco após a intervenção, com o tema
«graffitti»). Neste quadro, distinguem-se os subconjuntos de textos que são objecto de
comparação e apresentam-se a média do valor médio e a média do desvio padrão de
MLUw dos textos (secção 4.1.). Estes valores revelam equilíbrio em relação ao número
médio de palavras usadas por período textual, havendo homogeneidade nas
características dos grupos.
Quadro 33 – Caracterização do corpus da produção de textos da fase de intervenção didáctica
Grupo / tema do texto
Nº de alunos Idades
57
Nº de enunciados
MLUw
DP de MLUw
Turmas A e B «Experiências em animais» 43 13;11.25 - 15;4.19 380
21,8
13,5 Turmas A e B «Graffitti» 43 13;11.25 - 15;4.19 425
21,2
13,5 Turma de controlo «Experiências em animais» 12 14;1.25 - 16;2.09 105
18,2
10,1 Turma de controlo «Graffitti» 12 14;1.25 - 16;2.09 66
17,8
13,4
O quadro 34 dá informações relativamente ao índice de produção lexical nos
textos do grupo dos alunos das turmas de intervenção (A e B) e nos textos da turma que
é grupo de controlo. Como se pode verificar, em ambos os grupos se verifica
56 Nas turmas de intervenção, recolheram-se as respostas a itens de funcionamento da língua da ficha de avaliação realizada no final da sequência de aprendizagem que incluiu o ensino das concessivas e, na turma de controlo, foi aplicado um questionário de conhecimento explícito (secção 4.1.). 57 A média de idades nas turmas A e B é 14,1 e a média de idades na turma de controlo é 14,5.
192
crescimento lexical, nas segundas produções escritas, tendo por referência a medida
TTR (secção 4.1.).
Quadro 34 – Type/Token Ratio na produção de textos da intervenção didáctica
Grupo / tema do texto Type Token TTR
Turma A e B «Experiências em animais» 105,3 186,2 0,57 Turma A e B «Graffitti» 119,1 204,35 0,59 Turma de controlo «Experiências em animais» 94,7 154,3 0,61 Turma de controlo «Graffitti» 69 103,3 0,71
Para a análise comparativa dos resultados de produção de conectores
contrastivos nos textos, antes e após a intervenção, apresentam-se, primeiro, os
resultados dos dois grupos (turmas de intervenção e turma de controlo), organizados por
subclasse semântica do conector. A seguir, nos quadros, explicitam-se os valores das
diferenças encontradas, umas de carácter quantitativo, outras de carácter qualitativo,
estabelecendo-se uma análise comparativa entre as diferenças obtidas, para cada
conector, para cada grupo.
O gráfico da figura 12 revela as proporções de produção dos conectores
conjuncionais com valor adversativo (mas e só que).
193
Figura 12 – Proporções de conectores conjuncionais adversativos
No quadro 35, disponibilizam-se os valores equivalentes às diferenças de
proporções de conectores produzidos nos textos das turmas de intervenção e nos textos
da turma de controlo.
Quadro 35 – Diferenças de produção de conectores conjuncionais adversativos
Grupo / tema do texto mas só que
Turmas A e B + 0,35 0
Turma de controlo - 0,42 + 0,08
Da leitura do gráfico da figura 12 e do quadro 35, percebe-se que, nas turmas A
e B, houve um aumento de produção de coordenadas adversativas, ao passo que, na
turma de controlo, a produção destas estruturas diminuiu. Há uma única ocorrência de
só que num texto das segundas produções da turma de controlo.
O gráfico da figura 13 apresenta as proporções de conectores adverbiais
adversativos.
194
Figura 13 – Proporções de conectores adverbiais adversativos
No quadro 36, surgem os valores das diferenças entre proporções, na produção
de advérbios conectivos, nos textos das turmas em que houve intervenção e nos textos
da turma de controlo.
Quadro 36 – Diferenças de produção de conectores adverbiais adversativos
Grupo / tema do texto contudo no entanto porém todavia
Turmas A e B 0 + 0,21 + 0,18 + 0,04
Turma de controlo 0 + 0,08 + 0,16 0
Relativamente à análise dos resultados da produção dos advérbios conectivos
adversativos contudo, porém e todavia e da locução adverbial conectiva contrastiva no
entanto, conectores que, a par dos concessivos, foram objecto de ensino explícito
durante a intervenção, pode concluir-se que houve, globalmente, aumento da produção
nos textos escritos após a intervenção. O único caso em que não se verifica aumento de
produção é o caso de contudo. Note-se que não há aumento de produção deste conector
nas segundas produções, mas há uma diferença entre as turmas A e B e a turma de
controlo: nos textos das turmas de intervenção há ocorrências de contudo, que já era
usado antes da intervenção, e na turma de controlo este conector nunca usado.
Quanto aos valores das diferenças, na turma de controlo, regista-se algum
crescimento da produção de advérbios conectivos adversativos, mas este crescimento é
195
sempre inferior ao das turmas A e B, nos casos de no entanto e porém, ou mesmo nulo,
nos casos de contudo e todavia.
Dado que os resultados da fase de diagnóstico permitiram levantar a hipótese de
que o recurso mais diversificado a advérbios conectivos contrastivos (adversativos e
concessivos) pode ser considerado um indício de um padrão de escrita mais sofisticado,
semelhante ao dos adultos escolarizados (secção 4.3.), destaca-se, no gráfico da figura
14, a diferença de proporções de uso de advérbios conectivos adversativos nos textos
das turmas A e B, antes e após a intervenção.
Figura 14 – Recurso a conectores adverbiais adversativos antes e após o ensino explícito
O gráfico da figura 15 enfatiza a diferença de recurso aos mesmos conectores
adverbiais, comparando as proporções de uso entre os segundos textos das turmas A e B
(produzidos após a intervenção) e os segundos textos da turma de controlo.
196
Figura 15 – Recurso a conectores adverbiais adversativos nos textos das turmas A e B e nos textos
da turma de controlo
Em conclusão, nos textos escritos após a construção de conhecimento explícito,
os alunos usaram mais conectores e diversificaram mais o recurso ao leque de
conectores disponíveis na sua gramática mental. Este crescimento no uso de conectores
adverbiais é superior nas turmas em que houve intervenção didáctica, em comparação
com o crescimento verificado na turma de controlo. Globalmente, os textos da turma A
e B têm uma proporção bastante mais elevada de uso de conectores adverbiais (85%),
em confronto com os textos da turma de controlo.
Na figura 16, o gráfico dá conta das proporções de conectores conjuncionais
concessivos.
197
Figura 16 – Proporções de conectores conjuncionais concessivos
Fazendo uma leitura das duas primeiras colunas, a primeira relativa à produção
de cada conector nos textos antes da intervenção e a segunda relativa aos textos escritos
após a intervenção, pode concluir-se que houve aumento da produção de todos os
conectores, excepto no caso de apesar de, cuja proporção (0,12) se mantém.
Os conectores mais frequentes, na totalidade do corpus, são apesar de e embora,
ambos com uma proporção de 0,4, seguidos de mesmo que (0,28) e de ainda que e
mesmo, com as mesmas proporções de ocorrência (0,07). Esta observação é ainda mais
interessante se for comparada com os resultados encontrados no corpus dos textos de
diagnóstico (figura 5, secção 4.3.), uma vez que reproduz uma escala de frequência de
ocorrência coincidente: apesar de / embora > mesmo que > ainda que / mesmo. Tal
como se observou no corpus de textos de diagnóstico, não há registos, mesmo depois do
ensino explícito, das locuções conjuncionais mesmo se, não obstante, nem que e se bem
que.
A consideração das colunas relativas à produção de conectores concessivos nos
textos da turma de controlo, em comparação com os resultados das turmas A e B,
permite concluir que, na turma em que não houve ensino explícito, não houve aumento
da produção de concessivas, excepto num caso, com a locução conjuncional
condicional-concessiva mesmo que.
198
O gráfico da figura 17 regista as proporções de ocorrência das locuções
adverbiais concessivas nos textos das turmas A e B, antes e após a intervenção, e nos
textos escritos pela turma de controlo.
Figura 17 – Proporções de conectores adverbiais concessivos
Como se pode constatar, neste corpus de textos produzidos por alunos do 9º ano,
apenas se atestam dois conectores adverbiais, ainda assim e mesmo assim, não havendo
ocorrências de não obstante com uso adverbial. Quanto a estes dois conectores,
verifica-se que apenas ainda assim é um caso de crescimento de produção após o ensino
explícito, havendo manutenção das proporções de uso de mesmo assim (0,02). Tal como
se tinha observado antes, nos resultados da fase de diagnóstico, o recurso a conectores
de natureza adverbial é globalmente inferior ao uso de conjunções e locuções
conjuncionais.
No que diz respeito aos resultados registados nas produções escritas da turma de
controlo, verifica-se que não houve qualquer recurso a locuções adverbiais conectivas
com valor concessivo, não havendo, portanto, crescimento no domínio destes
conectores.
À semelhança do que se observou antes, para os conectores adversativos, o
quadro 37 sistematiza as diferenças encontradas entre as primeiras e as segundas
produções nas turmas em que houve ensino explícito e na turma de controlo.
199
Quadro 37 – Diferenças de produção de conectores conjuncionais concessivos
Grupo / tema do texto ainda que apesar+de embora mesmo mesmo que
Turmas A e B + 0,07 0 + 0,16 + 0,03 + 0,07
Turma de controlo 0 0 0 0 + 0,17
Como já se tinha depreendido da leitura do gráfico da figura 16, os alunos, após
o ensino explícito, aumentaram não só a frequência de uso de concessivas, mas também
o recurso a conectores diferentes. As duas excepções ao crescimento de uso são as
locuções apesar de e mesmo que. No caso de apesar de, há manutenção da proporção de
uso (0,12), tratando-se de um dos conectores mais frequentes entre os alunos, mesmo
antes da intervenção. A situação de mesmo que destaca-se nos dados por ser o único
caso em que o aumento de produção é superior na turma de controlo.
O quadro 38 explicita as diferenças encontradas para as produções de locuções
adverbiais concessivas.
Quadro 38 – Diferenças de produção de conectores adverbiais concessivos
Grupo / tema do texto ainda assim mesmo assim
Turmas A e B + 0,09 0
Turma de controlo 0 0
Das diferenças observadas, destaca-se o facto de não haver qualquer ocorrência
de advérbios conectivos concessivos nas produções da turma de controlo. Nas turmas A
e B há manutenção dos valores de frequência de uso de mesmo assim (0,02) e
crescimento no uso de ainda assim (0,09).
Os gráficos das figuras 18 e 19 permitem visualizar diferenças de produção de
conectores conjuncionais e adverbiais concessivos nos textos antes e após o ensino
explícito dos conteúdos sobre concessivas.
200
Figura 18 – Recurso a conectores conjuncionais concessivos antes e após o ensino explícito
Figura 19 – Recurso a conectores adverbiais concessivos antes e após o ensino explícito
As figuras anteriores, comparando as proporções de uso na totalidade dos textos,
suportam a conclusão de que há crescimento da produção de concessivas na escrita,
depois da explicitação de conhecimento sobre estas estruturas. Em concreto, a
proporção de conectores conjuncionais concessivos usados antes da intervenção
corresponde a 0,28, que contrasta com uma proporção de 0,61 após a intervenção.
Relativamente à proporção de uso de conectores adverbiais concessivos, a diferença
situa-se entre 0,02 (antes) e 0,11 (depois).
Nas figuras 20 e 21, representam-se graficamente as diferenças entre as
proporções de uso de conectores concessivos (conjuncionais e adverbiais) nos textos
201
com o tema «graffittis». Por outras palavras, nestes gráficos comparam-se os resultados
nos textos que foram produzidos pelas turmas A e B após a intervenção e nos segundos
textos recolhidos da turma de controlo.
Figura 20 – Recurso a conectores conjuncionais concessivos nos textos das turmas A e B e nos
textos da turma de controlo
Figura 21 – Recurso a conectores adverbiais concessivos nos textos das turmas A e B e nos textos da
turma de controlo
A leitura dos valores percentuais apresentados permite concluir que o recurso a
concessivas, nas turmas em que houve intervenção, é bastante superior ao uso que
destas estruturas fazem os alunos da turma de controlo.
202
Uma questão crucial, na avaliação destes resultados, é a da existência de
diferenças de desempenho de conhecimento explícito e metalinguístico de concessivas
entre as turmas A e B, por um lado, e a turma de controlo, por outro. Nas turmas
envolvidas na intervenção, houve construção de conhecimento explícito sobre orações
adversativas e orações concessivas. Na turma de controlo, não houve qualquer
intervenção controlada acerca destes conteúdos gramaticais. Sendo conteúdos do
programa, previstos para o 7º ano e para o 9º ano, devem ter sido trabalhados nesta
turma, porém numa abordagem de ensino da gramática mais tradicional ou
convencional (secção 4.1.). Assim, importa aferir níveis de desempenho de
conhecimento explícito obtidos pelos alunos dos dois grupos (intervenção e controlo).
Dado que se pretendeu manter uma abordagem naturalista na recolha de dados
de intervenção, os testes aplicados às turmas de intervenção e à turma de controlo
tinham estruturas diferentes, embora se garantisse que alguns itens eram comuns,
envolvendo as mesmas operações metalinguísticas58. Os dados que se apresentam em
seguida reflectem os resultados obtidos pelas turmas A e B e pela turma de controlo nos
itens que eram comuns e que são relevantes para a validação da terceira hipótese.
O item59 que tinha por objectivo testar a compreensão da diferença entre valor
hipotético e valor factual não implicava qualquer recurso a metalinguagem. Aos alunos
era apresentada, como estímulo, uma concessiva de mesmo que e a tarefa consistia na
selecção da paráfrase adequada, havendo uma opção com valor factual e outra com
valor hipotético, conseguidas através do recurso a conectores especializados num dos
dois valores (embora vs. mesmo se ou ainda que). Os gráficos das figuras 22 e 23
mostram os resultados dos alunos da turma de controlo e os resultados das turmas de
intervenção, respectivamente.
58 Nas turmas de intervenção, o teste foi feito através da introdução de itens de avaliação do conhecimento explícito na ficha de avaliação realizada no final da sequência de aprendizagem, ao passo que, na turma de controlo, foi aplicado um questionário quase no final do ano lectivo (Anexo 2). 59 Item 1, para a turma de controlo, e item 2, para as turmas de intervenção (Anexo 2).
203
Figura 22 – Resultados da turma de controlo em item de compreensão
Figura 23 – Resultados das turmas de intervenção em item de compreensão
Como se pode verificar, o item de compreensão revela que esta competência se
manifesta de forma positiva em ambos os grupos, não havendo diferenças significativas
para o domínio do reconhecimento das diferenças entre valores hipotético e factual no
grupo com e no grupo sem intervenção. Aliás, a turma de controlo obtém resultados de
sucesso na compreensão ligeiramente superiores (71% vs. 69%). Em conclusão, a
intervenção didáctica não parece reflectir diferenças neste desempenho, que,
consequentemente, não pode ser correlacionado com as diferenças de produção de
concessivas entre os dois grupos, encontradas na produção escrita.
204
Os itens cujos resultados se analisam em seguida envolvem conhecimento
explícito e metalinguístico sobre estruturas frásicas. Nos gráficos das figuras 24 e 25,
apresentam-se os resultados de itens60 que envolviam a classificação de coordenadas
adversativas com mas, através de tarefas de identificação (dada a classificação) ou de
classificação, com recurso à metalinguagem correcta.
.
Figura 24 – Resultados da turma de controlo em item de classificação de adversativa
Figura 25 – Resultados das turmas de intervenção em item de classificação de adversativa
A comparação das duas figuras mostra que, ainda que os resultados da turma de
controlo sejam positivos (57%), porque a maioria dos alunos sabe classificar uma 60 Item 2.1., na turma de controlo, e item 1.1., nas turmas de intervenção (Anexo 2).
205
oração coordenada adversativa, os resultados das turmas que aprenderam gramática com
a intervenção didáctica orientada são superiores (96%).
Relativamente ao mesmo tipo de tarefa61, aplicado à classificação de orações
subordinadas concessivas, observem-se os resultados do gráfico da figura 26, relativo à
turma de controlo, e do gráfico da figura 27, relativo às turmas A e B.
Figura 26 – Resultados da turma de controlo em item de classificação de concessiva
Figura 27 – Resultados das turmas de intervenção em item de classificação de concessiva
Os resultados da turma de controlo, que correspondem à totalidade de respostas
erradas e de não respostas, suportam a conclusão de que os alunos, mesmo que tenham 61 Itens 1.2. e 1.3., na turma de controlo, e item 2.3., nas turmas de intervenção (Anexo 2).
206
trabalhado os conteúdos programáticos relativos à classificação de orações
subordinadas, manifestam não saber identificar e classificar orações subordinadas
concessivas.
Ao contrário, nas turmas em que houve ensino através das estratégias de
intervenção didáctica com recurso a «Oficina Gramatical» (secção 4.1. e Anexo 2), a
percentagem de sucesso é elevada (78%). Note-se ainda que, quanto a estes resultados,
se identifica correctamente o valor semântico da oração ou do conector como
concessivo em cem por cento das respostas. Os 22% de respostas erradas correspondem
a respostas que não classificam a oração, mas sim a conjunção ou locução (com a
designação certa ou errada), o que não era solicitado.
A análise dos resultados da avaliação do conhecimento explícito dos alunos é
relevante para dois tipos de evidências. Em primeiro lugar, os resultados do item de
compreensão, muito positivos nas três turmas, reforçam a conclusão do teste de
compreensão oral de texto (secção 4.3.), relativa ao facto de o domínio da compreensão
de concessivas, no 9º ano, estar já bastante estabilizado.
A comparação entre os resultados deste item e os resultados discrepantes dos
itens de classificação de concessivas, nos dois grupos de turmas, mostra que há
independência entre as competências em desenvolvimento no 3.º ciclo, uma vez que,
apesar dos bons resultados no domínio da compreensão, os alunos da turma de controlo
não manifestam conhecimento explícito de concessivas, o que os impedirá de explicitar,
recorrendo a competências metacognitivas, diferenças que são capazes de intuir. Esta é,
aliás, uma consequência geral dos défices de aprendizagem da gramática (capítulo 2).
Em síntese, os resultados da análise quantitativa dos dados de intervenção valida
as três hipóteses inicialmente colocadas. A comparação entre os resultados da produção
nos textos de diagnóstico e nos textos produzidos após a intervenção, nas turmas A e B,
em que houve intervenção educativa, confirma as duas primeiras hipóteses: a frequência
de uso de estruturas contrastivas concessivas e o recurso a um repertório mais
diversificado destas estruturas aumenta após a construção de conhecimento
metalinguístico. Estas hipóteses são corroboradas quando são tidos em consideração os
resultados na turma de controlo, sem intervenção educativa, na qual houve um menor
aumento de produção de concessivas e ausência de recurso a advérbios conectivos na
segunda produção escrita.
A avaliação dos desempenhos em itens sobre conhecimento explícito de
concessivas, em contraste com os resultados obtidos na produção de concessivas após a
207
intervenção didáctica, confirma a terceira hipótese colocada, segundo a qual o
conhecimento explícito de concessivas se correlaciona positivamente com produção
destas estruturas em situações de escrita.
4.5. Sinopse dos resultados e problematização
No capítulo 4, procedeu-se, nas duas primeiras secções (4.1. e 4.2), à descrição e
fundamentação do trabalho experimental desenvolvido e apresentaram-se, nas secções
seguintes (4.3. e 4.4.), os resultados da análise quantitativa, numa abordagem
multifactorial, recorrendo-se a (i) dados de aquisição (com produções espontâneas de
interacções mãe / criança, do corpus de Santos: 2006), (ii) dados de diagnóstico do
conhecimento linguístico e da competência de escrita de crianças, adolescentes e adultos
escolarizados (com um teste de compreensão oral, um teste de produção induzida de
frases e um teste de produção de texto) e (iii) dados de aferição de aprendizagens
formais de alunos do nono ano (com testes de produção de texto, antes e após
intervenção educativa, e com um teste de aferição do conhecimento explícito). Em
concreto, a secção 4.3. incluiu a apresentação dos dados de aquisição e de diagnóstico e,
na secção 4.4., descreveram-se os resultados da intervenção educativa.
A exposição dos resultados quantificados, neste capítulo, foi enquadrada por
sequências de hipóteses, indicadas para cada teste, que orientaram a resposta a algumas
perguntas de investigação. A leitura global dos resultados encontrados suscitou novas
questões, que devem ser discutidas enquanto contributo para uma explicação teórica do
processo de estabilização do conhecimento de conectores contrastivos e,
consequentemente, de estruturas sintácticas complexas com conectores concessivos. De
modo a sistematizar as questões que se pretendem discutir e aprofundar no Capítulo 5,
nos pontos seguintes, apresenta-se uma sinopse dos resultados a que se chegou e
elencam-se as questões que parecem mais interessantes para uma discussão teórica, face
ao estado dos estudos sobre a aquisição destes conectores.
4.5.1. A aquisição de concessivas antes dos quatro anos
A análise das produções de crianças entre o 1;5.9 e os 3;11.12 anos confirma que
a aquisição de conectores concessivos é tardia, não havendo no corpus de Santos
(2006), nas produções das crianças, qualquer ocorrência de conjunções concessivas,
208
nem de advérbios conectivos contrastivos. A ausência destas duas subclasses de
conectores corrobora resultados conhecidos para o inglês, em Diessel (2004), e deixa
em aberto um problema:
● Por que razão são os conectores concessivos adquiridos mais tarde?
A identificação da primeira ocorrência de conectores pertencentes a subclasses
diferentes permitiu o estabelecimento de uma escala de emergência, que é coincidente
com a encontrada para o holandês (Evers-Vermeul: 2005),: mas > porque > se. Esta
escala diverge das escalas encontradas para o inglês (Diessel: 2004, e.o.), segundo as
quais a emergência da conjunção causal precede o primeiro aparecimento da conjunção
adversativa. Esta variação conduz a um novo problema, que deve ser discutido à luz de
propostas teóricas para a explicação de diferentes ordens de emergência de conectores:
● Que factores poderão explicar as ordens de emergência encontradas para os
conectores mais precoces?
Complementarmente, com base nos dados apresentados em Costa et al. (2008), e
retomados na secção 4.3., a análise quantitativa das proporções de uso de cada conector,
para a identificação de um índice de frequência, conduziu à conclusão de que existe
coincidência entre escala de emergência e escala de frequência. Esta conclusão levanta
outra questão, particularmente interessante porquanto parece ser um argumento a favor
de posicionamentos teóricos que encontram nas características do input razões
suficientes para explicar factores de aquisição. Face à constatação da existência de
coincidência entre ordem de emergência e frequência, importa reflectir, à luz de
explicações internas à teoria linguística, acerca da questão seguinte:
● Que relação existe entre emergência e frequência no input?
Considerando ainda a permeabilidade da aquisição a características do input,
verificou-se se a ausência de conexões concessivas dos enunciados das crianças se
poderia justificar pela ausência de concessivas dos enunciados dos adultos. O resultado
a que se chegou mostra que, embora pouco frequentes, há conectores concessivos nos
enunciados dos adultos. Contudo, estes conectores aparecem não no discurso dirigido à
criança, mas nas interacções entre adultos. Este facto, que se reporta a características do
input e, eventualmente, a intuições linguísticas que as mães possam ter sobre o
conhecimento das crianças, é um dado interessante para a discussão de uma questão
mais vasta, como:
● Qual o papel do input na aquisição dos primeiros conectores?
209
4.5.2. O conhecimento e uso de conectores contrastivos em produções de alunos do
quarto ano, do sexto ano e do nono ano
Para o diagnóstico do conhecimento linguístico de estruturas contrastivas, foram
analisados quantitativamente os resultados de três testes, o de compreensão oral de
texto, o de produção induzida de frases e o de produção de texto.
Teste de compreensão oral de texto
Os resultados do teste de compreensão oral confirmam que a mestria de
conexões concessivas ainda está em estabilização, ao longo da escolaridade básica,
havendo evidências para se afirmar que há crescimento na capacidade de compreensão
de enunciados concessivos por alunos dos níveis de final de ciclo da escolaridade
básica. Destaca-se ainda o facto de serem os sujeitos do nono ano (com resultados
correctos acima dos 80%) os que mais se aproximam do padrão de respostas dos adultos
escolarizados, podendo colocar-se a hipótese de que esta fase da adolescência estabeleça
a fronteira da estabilização do conhecimento de concessivas.
Teste de produção induzida de frases e teste de produção de texto
A análise quantitativa do teste de produção induzida de frases concessivas
confirmou que há crescimento da capacidade de produzir frases complexas com nexos
concessivos ao longo da escolaridade básica e que, tal como se observara para a
compreensão oral, são os adolescentes do nono ano os que apresentam um padrão de
respostas correctas (acima dos 85%) mais parecido com o padrão dos adultos.
De todos os conectores apresentados como estímulo à produção de enunciados
concessivos, apesar de é o que apresenta melhores resultados, mesmo com os alunos
mais novos (acima dos 80% de respostas certas). O facto de este ser o único conector
concessivo, de natureza conjuncional, que selecciona infinitivo, e não modo conjuntivo,
conduz à seguinte questão:
● O modo conjuntivo é um precursor linguístico da aquisição de concessivas?
Os tipos de erros produzidos pelos alunos do quarto ano, neste teste, ao tentarem
construir frases concessivas, sugerem que há alguns aspectos do conhecimento
semântico, de que depende a coesão entre frase principal e subordinada concessiva, que
estão ainda em estabilização. O facto de estes erros ocorrerem de forma mais saliente
nas respostas dos alunos mais novos leva à formulação de uma nova questão:
210
● Que tipo de conhecimento pode ser factor explicativo do carácter tardio da
aquisição de concessivas?
A análise dos resultados de enunciados construídos com ainda que torna-se
particularmente interessante, na medida em que esta locução é plurifuncional em relação
aos valores factual, hipotético e contrafactual. O estudo das suas ocorrências, quer na
produção induzida, quer na produção de textos, pode constituir um referencial acerca do
conhecimento linguístico envolvido na aquisição dos conectores concessivos. Assim,
tendo por base os dados de produção induzida de frase e de produção de texto, importa
atender à questão seguinte:
● Como se desenvolve o conhecimento de «ainda que»?
4.5.3. O conhecimento e uso de conectores contrastivos em produções de adultos
escolarizados
A replicação dos testes com adultos escolarizados possibilitou a constituição de
um grupo de controlo cujos desempenhos corresponderão a um perfil adulto da
gramática do português europeu padrão, em relação ao uso de conectores contrastivos, e
a um perfil de proficiência de escrita.
A avaliação quantitativa das produções de concessivas nos textos dos alunos, em
comparação com os textos dos adultos, confirma, uma vez mais, que são os sujeitos do
nono ano os que mais se aproximam de um perfil de escrita dos adultos, recorrendo a
mais concessivas, a mais conectores concessivos diferentes e a advérbios conectivos
com valor contrastivo. Ainda assim, o perfil de recurso a concessivas, nos textos dos
alunos, distingue-se do que se encontra nos textos dos adultos escolarizados, podendo
discutir-se o seguinte:
● A mestria de concessivos é uma característica de um perfil de literacia linguística
e de literacia de escrita?
A comparação do padrão de evolução do recurso a conectores de diferentes
classes semânticas (adversativos, causais, condicionais, concessivos), nos textos dos três
níveis de ensino e nos textos dos adultos, revela que a aquisição de concessivas tem um
desenvolvimento diferente, não se registando diminuição do uso dos conectores
concessivos mais frequentes quando se regista o recurso a um leque mais diversificado
dos conectores da mesma subclasse, como acontece com as outras subclasses
semânticas.
211
Cumulativamente, ao contrário dos conectores prototípicos de outras subclasses
(mas, se, porque), que são adquiridos entre os dois e três anos (Costa et al.: 2008),
quando os conectores concessivos factuais prototípicos são adquiridos, já estão
estabilizados os diferentes aspectos do conhecimento sintáctico e semântico que
confluem para a caracterização de concessivas. Dito de outro modo, quando uma
criança começa a usar enunciados frásicos com apesar de ou com embora já é capaz,
antes, de (i) expressar contraste factual, com adversativas, (ii) seleccionar conjuntivo,
em outros contextos de uso obrigatório, (iii) marcar discursivamente nexos
subordinativos, através das ordens da subordinada, em causais e condicionais, por
exemplo. Face a estas constatações, quando um falante começa a usar um conector
concessivo, está apenas a recorrer a uma estratégia alternativa a outra forma de
expressar contraste – as adversativas – e não tem quase nada de novo, quanto a
conhecimento linguístico, a adquirir. Esta especificidade do desenvolvimento de
concessivas lança as seguintes questões:
● Afinal, os conectores concessivos são exemplo de variação no sistema linguístico?
Como se explica a sua aquisição? Tratar-se-á que um caso de aquisição lexical?
4.5.4. O papel do ensino da gramática no desenvolvimento do conhecimento
explícito e da competência de escrita
O estudo comparativo dos resultados quantitativos de produções de concessivas
em textos escritos por adolescentes a frequentar o nono ano, antes e após uma
intervenção educativa para o ensino explícito do funcionamento de concessivas, cruzado
com os resultados de itens de avaliação de conhecimento explícito, permitiu chegar a
algumas conclusões sobre o papel do ensino da gramática, quer enquanto estímulo ao
desenvolvimento do conhecimento linguístico (por exemplo, na medida em que há
desenvolvimento do conhecimento metalinguísticos e incremento do recurso a
estruturas de língua menos frequentes), quer enquanto promotor de níveis superiores de
proficiência de escrita (por exemplo, na activação de mecanismos linguísticos mais
sofisticados, em situações de escrita com sequências argumentativas). O impacto dos
resultados do presente estudo na reflexão em torno do ensino da língua materna será
avaliado no Capítulo 6.