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_________________________________________________________ “Os Peleadores” Elio Eugenio Müller 1

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Coleção Memórias da FigueiraVolume VIAutor:Elio Eugenio MüllerEpisódios da Revolução Federalista e resenha da históriado povo do vale do rio Três Forquilhas, entre os anos de 1890 a 1895.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

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ELIO EUGENIO MÜLLER

Os Peleadores Coleção Memórias da Figueira

Volume: VI

Editora – AVBL

2012

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Índice para catálogo sistemático:

1. Contos: Literatura Brasileira - CDD-869.93

Copyright © - ELIO EUGENIO MÜLLER

[email protected] - [email protected]

OS PELEADORES

Coleção Memórias da Figueira - Volume: VI

ISBN: 978-85-98219-54-7

Direitos reservados segundo legislação em vigor

Proibida a reprodução total ou parcial

sem a autorização do autor.

EDITORA AVBL

www.editora.avbl.com.br

e-mail: [email protected]

MÜLLER, Elio Eugenio

“Os Peleadores” – Coleção Memórias da Figueira

– Volume: VI – Elio Eugenio Müller -- Curitiba/PR.

Editora AVBL, 2012. -- Bauru/SP

476p. il. 14,8 X 21 cm.

ISBN: 978-85-98219-54-7

1. Contos: Literatura Brasileira. I. Título.

08-07-11 CDD-869.93

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“OS PELEADORES” Coleção Memórias da Figueira

Volume: VI

Episódios da Revolução Federalista, na luta entre

Maragatos e Pica-paus.

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ÍNDICE

- AGRADECIMENTOS 10

- PALAVRA AO LEITOR 11

- OS PELEADORES 1ª PARTE 25

- O PASTOR ABENÇOA CANDINHO 26

- Major Voges quer evitar radicalizações 30

- Eram apenas bons peleadores 35

- Candinho com funções de chefia 37

- NAS CHARNECAS DE LABATUT 40

- Candinho se adapta ao terreno 41

- OS EFEITOS DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA 43

- O quadro político de 1890 44

- A figura do professor Nascimento 45

- O SANGUE DE ABEL CLAMARÁ AOS CÉUS 48

- Piquete Josaphat com status de Pelotão 49

- Major Azevedo promove Candinho 52

- Candinho acampa em Conceição do Arroio 54

- O AMBIENTE ESQUENTA 58

- Castilhistas locais se organizam 59

- O exterminador de espiões 61

- Altos e baixos dos republicanos 63

- Símbolos republicanos 65

- A reativação do Ritterverein 67

- UM SUCESSOR PARA PASTOR VOGES 70

- Novo contato com o Sínodo Riograndense 75

- A reunião com o Presidente do Sínodo 77

- A chegada do pastor Geisler 78

- Reunião com os líderes da Comunidade 81

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- MAJOR VOGES CONDUZ A TRANSIÇÃO 84

- PASTOR GEISLER ASSUME O CARGO 89

- Chega o dia do casamento 92

- Um pastor comunicativo 95

- A epidemia assusta 96

- Bina Rosina conforta Fraupfarrer 97

- O VELHO PASTOR TEM A SOLUÇÃO 100

- A saída precoce do novo pastor 103

- Pastor Voges reassume o pastorado 108

- Geisler avisa que não voltará 111

- Casa de Voges em destaque 112

- Último Batismo de Voges 116

- Fredo Voges na casa do irmão 118

- MALES QUE VEM PARA O BEM 120

- Polícia castilhista chega à Colônia 121

- Carlos Voges despista os policiais 125

- Prisão do Professor Nascimento 128

- A soltura do professor 130

- UM INTRUSO NO MEU TEMPLO 133

- MORREU O PASTOR VOGES 136

- A cerimônia fúnebre, no templo 137

- A homenagem dos Cavaleiros 139

- Major Voges fala outra vez 141

- A vitória seja da lealdade 144

- LÍDERES ARROIENSES ASSASSINADOS 146

- DADOS DA REVOLUÇÃO FEDERALISTA 152

- A morte de Luciano de Aguiar 153

- São eliminados mais dois 155

- Neto de Patrulha é morto 157

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7

- TÉDIO NA ESCOLTA POLICIAL 160

- O estratagema de Candinho 162

- Briga e morte na escolta 170

- A ESCOLTA PASSA PARA CANDINHO 173

- Sob o comando de Candinho 175

- O ESQUADRÃO JOSAPHAT 178

- a) - A formação do Esquadrão 178

- b) - O Efetivo do Esquadrão (cento e oito

homens)

179

- c) - Armamento, munição e tiro 179

- d) - Equipamento, subsistência e suprimentos 181

- e) - A arma do Esquadrão 182

- f) - A atuação do Esquadrão 182

- g) - Relação nominal dos integrantes 182

- GONÇALVES RECEBE PENA DE MORTE 185

- Brigadas no sobrado do pastor 187

- Erro de Baiano Candinho 189

- GUMERCINDO PASSA POR VACARIA 193

- OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO 197

- A GUILHOTINA BRASILEIRA 200

- Lemão Galalau, o degolador 201

- Uma gravata vermelha pro padre 202

- Fim do avanço revolucionário 205

- MORREM ELISABETHA E MÃE MARIA 208

- “Ela foi o coração da Colônia” 209

- Pastor Von Braken itinerante 210

- GENERAL ARTUR OSCAR EM TORRES 212

- Formação do 16° RC em Torres 214

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8

- A MORTE DE GUMERCINDO SARAIVA 216

- “Yo me bato por la libertad” 217

- O TESOURO DE FREDO VOGES 219

- A ÚLTIMA VIAGEM DO MAESTRO 224

- O apelo ao Sínodo 225

- Gustavo Voges dá alerta de temporal 230

- O naufrágio na Lagoa da Pinguela 232

- Nuquinha desmaia 237

- A comoção na Colônia 239

- Sem enterros na Colônia 242

- Culto para os enlutados 244

- NOVA ESCOLTA PARA A COLÔNIA 247

- Morte de um Sargento Maragato 249

- CANDINHO REVELA CORAGEM 252

- A fuga do Alferes Boaventura 254

- Filho de Candinho pede benção 255

- HERMENEGILDO NA BOA UNIÃO 262

- AÇÃO DO 16º RC REFORÇADA 263

- Federalistas torrenses espionam 264

- Max Tietböhl, pego de surpresa 265

- Companheiros chegam tarde 268

- O herói de Três Forquilhas 269

- O velório de um bravo 271

- Cerimônia fúnebre sob a figueira 273

- Um sepultamento singelo 273

- A tristeza de Baiano Candinho 277

- Família Tietböhl traumatizada 278

- SUCESSOR PARA PASTOR VOGES 282

- Pretensão de salvar a Comunidade 283

- Apresentação do novo pastor 283

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- O primeiro Presidente da Comunidade 286

- Medidas administrativas 287

- Quem eram os Presbíteros? 289

- A primeira e santa tarefa 290

- O problema do banditismo 292

- CANDINHO REVELA SUA FORÇA 293

- Um plano ousado 295

- TOMADA DE CONCEIÇÃO DO ARROIO 299

- Deixando Conceição do Arroio 302

- Candinho na Casa das Telhas 305

- Dispensa do Pelotão Três Forquilhas 306

- Confronto em Passo dos Cornélios 309

- Confronto no Pântano do Espinho 314

- Capitão Luna segue rumo próprio 318

- REVOLUCIONÁRIOS CASAM NA COLÔNIA 321

- PASTOR LEMÃO LEVANTA MUROS 326

- O FIM DA REVOLUÇÃO FEDERALISTA 331

- Revolucionários Federalistas de Três (...) 332

- OS PELEADORES 2ª PARTE 363

- AS LIÇÕES DE BETO ESCRIVÃO 364

- O acervo do antigo cartório 365

- Importa conhecer a história 369

- A Escola da Comunidade 372

- O Plano de Educação 70 375

- Escola Nacional na Figueira 379

- O pupilo dos meus olhos 382

- Lançando o PADICAMI 384

- Um entrave ao pastorado 385

- Não fui por minha decisão 391

- Um Dom Quixote maluco 393

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10

- Indústria de Conservas Brehm 399

- INALTA em Terra de Areia 402

- Se vires alguém caído... 404

- HOMENAGEM A OLÍCIO E OLÍVIA BOBSIN 406

- CASAMENTO DE CANDINHO COM MARIA WITT 410

- Quem era Maria Witt? 414

- O lema de Maria Witt 415

- CANDINHO ERA CEARENSE 416

- Assim era Baiano Candinho 419

- História sobre Fredo Sapateiro 423

- A REVOLTA CONTRA OS CASTILHISTAS 427

- A CASA DO SOUZA NETO 430

- OS MENGER PATRULHA E OS CÂNDIDO 433

- Histórias de pessoas desaparecidas 437

- HERMENEGILDO PRUDÊNCIO TORRES 440

- Artigo do Professor Jussiê Hahn 441

- MILITARES SERRANOS ILUSTRES 446

- CONCLUSÃO 448 - NOTAS EXPLICATIVAS 453 - FIGURAS em OS PELEADORES 467 - FONTES DE CONSULTA 473 - COLEÇÃO MEMÓRIAS DA FIGUEIRA 476

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11

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus fonte da vida e de toda a boa

inspiração, que me permitiu a realização desta obra. Que

estas memórias sirvam como um instrumento para a

edificação do Seu Reino sobre a terra.

À Doris, minha esposa, pelo permanente incentivo,

como companheira valorosa, ao longo destes 40 anos de

pesquisa e trabalho, que me ajudou a localizar e dar vida

aos personagens, muitos dos quais parentes dela, que

viveram esta saga contada em "Memórias da Figueira".

À Profa. Dra. Solange T. de Lima Guimarães (Sol

Karmel), amiga e conselheira, pela avaliação da obra e

orientação.

Ao publicitário Rodrigo Sounis Saporiti pela

orientação, na fase inicial, para a escolha do formato

literário da obra.

À escritora Maria Inês Simões, Presidente da

Academia Virtual Brasileira de Letras - AVBL, pela

orientação na fase de publicação do livro.

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PALAVRAS AO LEITOR

Volto, semelhante ao que fiz nos volumes anteriores

da Coleção Memórias da Figueira, para enaltecer a frondosa

figueira que se eleva altaneira no Sítio da Figueira. Quanta

coisa ela presenciou e tem guardado em seu passado.

Quero relatar um fato ocorrido em tempos atuais.

Em 1999, quando eu me aposentara pelo Exército

Brasileiro, Doris e eu pensamos em ir residir no Sítio da

Figueira.

Ficou, entretanto, evidente que iríamos atrapalhar

muito mais, do que ajudar aquele povo. E, hoje tenho a

certeza, pela experiência, de que na distância podemos

ajudar melhor, sem atrapalhar as lideranças comunitárias,

políticas e eclesiásticas, locais.

FIGURA 01: O autor também é um aluno da Escola do Meio Ambiente, e o vemos sentado aos pés da mestra,

a Figueira que Fala. Fonte: Ilustração feita pelo autor.

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Na condição de educadores, Doris e eu nos dispomos

a transformar o Sítio da Figueira numa sala de aula a céu

aberto, uma Escola do Meio Ambiente, onde a frondosa

figueira exerce a função da verdadeira mestra, educadora

por excelência, para falar às novas gerações, aos

estudantes e demais interessados.

Quero ilustrar isso um pouco melhor. No mês de abril

de 1999, próximo ao feriado da Páscoa, estava eu sentado,

escrevendo, num ponto discreto, ao lado da figueira. Em

certo momento escutei um ruído causado por alguém, no

lado oposto da figueira, que fica para a estrada. Era um

ruído estranho, como se alguém estivesse picando o tronco

da árvore.

É necessário explicar que a figueira tornara-se uma

parada de ônibus, natural, para os que aguardavam para

viajar. Afinal, a figueira acolhia sob sua sombra pessoas que

ali se postavam na espera pelo ônibus.

Silenciosamente levantei e, curioso, fui espiar para

verificar o que poderia causar tal ruído. Vi um jovem, com

talvez, dezoito anos de idade, munido de um canivete,

picando a casca do tronco da figueira, para gravar ali o seu

nome.

Dei um rápido passo à frente e fiquei diante daquele

jovem e reclamei: - “O que você pensa que vai fazer com

esse canivete?”.

Ele respondeu: - “Estou tascando o meu nome no

tronco da figueira. Quero deixar registrada a marca da

minha passagem...”.

Procurei orientar o rapaz e expliquei: - “Você não vê

que, na verdade, está machucando a figueira. Imagina se

cada pessoa que por aqui passa procede como você?”.

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A primeira reação do jovem foi de contrariedade,

dizendo: - “Essa figueira não é tua! Ela pertence à estrada e

aos que seguem pela estrada...”.

Retruquei: - “Tudo bem, se tu consideras que a

figueira não me pertence, concordo com isto, pois hoje em

dia penso que, sou eu quem pertence à figueira. Digamos

então que a figueira a todos pertence, aos que buscam

acolhida, proteção e abrigo. Mas então não deveriam

também todos assumir a responsabilidade pela figueira?

Não deveriam todos cuidar da figueira para protegê-la

contra danos? Concordo que ela é daqueles que dela

cuidam, bem como dela necessitam como abrigo, em

especial daqueles que para cá vem, a espera do ônibus, ou

que apenas seja para um momento de descanso ou para

uma meditação sobre a vida”.

O jovem passou a fechar o canivete. Aproveitei e fui

a cozinha de minha casa peguei uma caneca de água e, em

seguida me dirigi a um canteiro de flores e recolhi um

punhado de terra. Aproximei-me de novo da figueira... Fiz

lama com água e terra, e passei a esfregar isso sobre a

casca que havia sido danificada com o canivete do jovem. A

lama fechou as ranhuras e o dano foi sumindo debaixo da

camada de lama. Fiquei esfregando o local machucado,

como se estivesse fazendo um curativo.

O jovem ficou olhando com um misto de espanto e

de curiosidade. Em dado momento, falou: - “Desculpe

senhor, pelo que fiz com a figueira e pelo que lhe falei.

Concordo que a figueira é mais sua do que minha, pois vejo

que o senhor cuida dela e a protege”.

Nisso o ônibus chegou, parando diante do jovem e,

ele foi embarcando. Sorri satisfeito e aproveitei para ainda

dizer: - “Tenha uma boa viagem, meu amigo e retorne aqui

sempre que precisares de acolhida, proteção e, acima de

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tudo, de bons ensinamentos e de boas lições para a vida.

Fico feliz que reconheceste que a ninguém cabe o direito de

machucar esta figueira. Vá em paz, pois em nome da

figueira declaro que ela te perdoa e que ela te convida para

te unires aos protetores da figueira e de toda a natureza.

Siga em paz...”.

Jamais descobri o nome desse jovem... Afinal, isso

nem era tão importante. Fora bem melhor que ele

permanecesse em minha memória como um personagem

anônimo, que personifica todos os que não sabem o que

fazem, quando ferem, quando poluem ou quando

machucam elementos do nosso meio ambiente, sejam

árvores ou rio, o ar ou outros seres viventes.

Pensando neste jovem anônimo, o meu pensamento

viajou rumo ao passado. Voltei para Panambi, minha terra

natal, onde um dia, como jovem, quando saía da

adolescência, trabalhava no jornal local, o Jornal O

Panambiense. Eu também já fora um jovem bisonho, de

horizontes pequenos... Mas para minha felicidade, sempre

contei com pessoas dispostas a gastar tempo comigo, para

me conceder bons ensinamentos, com lições de vida e lições

para a vida.

Recordo com satisfação da minha aprendizagem no

jornal onde iniciei como impressor, passando a ser tipógrafo

e finalmente integrante da equipe de redação e reportagem.

Dentre as grandes lições aprendidas, cito os

ensinamentos que recebi da senhora Gertrud Schmitt Prym,

esposa de Wilhelm Schmitt Prym e mãe do proprietário do

jornal, o Miguel. Ela era uma judia cristã que com a família

tivera que fugir da Alemanha Nazista, onde ter ascendência

judaica, onde ser israelita era um risco de tormentos

terríveis ou mesmo a morte em câmaras de gás, nos

campos de concentração. Sabemos que milhares de judeus

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pereceram assassinados em massa e não tiveram a

possibilidade de alguns poucos que conseguiram fugir em

tempo.

Dona Gertrud escrevia o suplemento alemão, do

jornal. Ela valorizava o meu trabalho de tipógrafo, exigindo

que eu compusesse os textos tipográficos, para compor as

chapas de impressão. Ela dizia: - “Você é o único dos

nossos funcionários que domina bem a língua alemã e

consequentemente produz menos erros, quando compõe as

letras no componedor”.

Dona Gertrud era muito atenta e não apenas se

interessava pelo meu trabalho. Ela gastava tempo para

conversar comigo, para saber o que se passava em minhas

idéias, para ver o tamanho do meu universo intelectual e o

tamanho da minha cosmovisão. Eu falava com ela a

respeito dos meus sonhos e planos e invariavelmente eu

enfatizava: - “Quero me tornar alguém capaz de ajudar a

transformar a nossa sociedade para torná-la mais justa,

mais humana e mais fraterna”.

Inicialmente fiquei chocado com as avaliações que

ela fazia a respeito de minhas idéias. Ela insistia em dizer: -

“Elio, não existe um mundo bom. Lamentavelmente o

mundo sempre foi e sempre será dominado por pessoas que

se fazem de donos de tudo e de todos. Somos cercados de

maus poderes. Por isto, o mundo pode tornar-se um lugar

muito mau para as pessoas. Você precisa ampliar sempre

mais os seus horizontes e a sua cosmovisão. O mundo é

muito mais do que a família à qual pertence... O mundo é

também muito mais do que a escola que frequentas... O

mundo é muito mais do que o teu local de trabalho e a

cidade onde vives e, conforme vejo, da qual jamais saíste.

Tu não sabes o que te espera lá fora, no mundo mais amplo

e hostil... Por isso recomendo, procure conhecer bem

melhor o ser humano, procure saber mais sobre a natureza

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humana. Saberás que não existem pessoas perfeitas. Todos

são capazes de cometer erros. Todos são capazes de fazer

algo que é mau. Este é o motivo porque jamais teremos

uma sociedade boa e perfeita. Uma sociedade sempre está

em construção. Uma sociedade sempre está a necessitar de

transformação, para se tornar melhor do que está e para o

bem de todos, em particular das minorias discriminadas e

injustiçadas. As pessoas ao seu redor jamais serão tão boas

como gostaria que elas fossem... Você mesmo não é tão

bom como gostaria de ser... Mas não perca jamais o seu

idealismo, não perca jamais a sua inocência, como a de

uma criança que olha o mundo com olhos bons... Não

desista jamais de sonhar e trabalhar por um mundo

melhor... Acredite sempre que as pessoas e a sociedade

podem mudar, podem melhorar... Todos nós podemos

aprender, para participarmos da construção de um mundo

melhor para as novas gerações”.

Dona Gertrud também costumava enfatizar: -

“Precisamos de gente com fé, iniciativa e coragem que se

dispõe para lutar e trabalhar. Somente com esse espírito de

luta e de trabalho, pode acontecer algo novo no nosso

mundo...”.

Isto me faz lembrar o refrão de uma música

tradicionalista gaúcha, composta pelo pelotense Leopoldo

Rassier1, e que serve muito bem para indicar o enfoque do

presente volume de Os Peleadores.

"Não tá morto quem luta e quem peleia. Pois lutar é

a marca do campeiro!".

As lições de dona Gertrud Schmitt Prym tiveram

influência sobre meus interesses, sobre meu estudo e sobre

a minha atividade profissional.

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Por um lado entendi que Dona Gertrud fazia um

chamado, a quem aspirasse à liderança, para que se

mantivesse disposto a pelear com coragem - lutar

corajosamente - e se dedicar ao trabalho, com

perseverança. Ela e sua família foram um exemplo dessa

disposição para a luta e trabalho, se observarmos como

após perderem tudo na Alemanha Nazista, mesmo tendo

que fugir para se salvarem, vieram ao Brasil e aqui

refizeram a vida.

Escutando a história desta família, passei também a

querer conhecer melhor a história da minha própria família,

da minha terra, do meu povo, dos meus pais e avós. Passei

a ter um grande interesse para ter contato com os mais

idosos. Eu os via como potenciais contadores de histórias

por serem conhecedores da vida e dos problemas

enfrentados por aqueles que viveram antes de nós.

Tenho hoje um currículo que atesta meio século de

dedicação neste labor, no mister de escutar as histórias que

os mais velhos tem para contar, primeiro na minha própria

terra natal e, depois, nos lugares por onde passei. Em 1970,

ao chegar ao vale do rio Três Forquilhas, passei a alimentar

a idéia de transmitir as histórias que ia recolhendo junto aos

antigos “contadores de histórias”, com os quais cruzavam o

meu caminho de vida. Afinal, não é a Coleção Memórias da

Figueira a realização deste propósito?

Nessa minha nova condição, agora de escritor, não

me vejo no status de historiador. Não elaborei essa coleção

para fazer concorrência aos nossos historiadores, sejam eles

do meio eclesiástico ou de outras esferas do saber.

No meu entender, existe uma grande diferença entre

um contador de histórias e um historiador. O contador de

histórias é uma pessoa que ouve, e escuta os mais velhos.

Ele ouve aqueles que trazem consigo a tradição oral e que

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falam de casos e causos do passado, por terem ouvido isso

dos antepassados e desejam repassar isso às novas

gerações.

Já um historiador faz algo diferente, pois, em geral,

ele costuma, muito mais, ir em busca de arquivos, registros

e documentos, visando comprovar fatos, acontecidos no

passado, para elaborar a história de uma pessoa ou a

história coletiva de um grupo ou povo. Mas uma pergunta

aflora e me chama a atenção: - “São todas as fontes

primárias, arquivos, atas e registros, confiáveis, como

verdade absoluta de fatos e acontecimentos. São mais

confiáveis que as informações, que nos são dadas pela

tradição oral? Penso que, quem produz fontes primárias é,

também, apenas uma pessoa que pode ser tendenciosa ou

unilateral no que registra. As fontes primárias nada mais

são do que a visão ou modo de pensar de quem escreveu as

informações.

Sabendo que, os fatos que recebi através do relato

dos mais idosos, falam de uma época, que eu não vivi,

procurei sempre preservar a realidade que se vivia naquela

época. Porém os relatos vindos a mim através da tradição

oral - através dos contadores de história – eu os recebi

como sendo também arquivos. Afinal, não são os

contadores de história verdadeiros arquivos vivos?

Escutando os mais idosos, eu perguntava de

circunstâncias dos fatos relatados e sobre as datas dos

acontecimentos que nem sempre eram detalhadas com

exatidão. Por isso, quando possível, eu também ia em busca

de fontes primárias, de documentos, para esclarecer

dúvidas e situar as histórias no tempo e no espaço.

Encontrei documentos que ajudaram a comprovar

depoimentos da história oral. Consegui alcançar

informações precisas sobre personagens, sobre eventos e

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sobre as instituições do passado. Procurei, desta forma,

localizá-los no espaço e no tempo.

Tive paciência, na busca e na análise de depoimentos

colhidos sobre a história que agora passa a compor a

Coleção Memórias da Figueira. Durante mais de quarenta

anos de minha vida dediquei-me a pesquisa sobre a Colônia

de Três Forquilhas. Mesmo assim, não posso considerar o

trabalho como concluído. Muita coisa poderá ainda vir a ser

encontrada por novos pesquisadores e que sirva para

corrigir ou complementar o meu trabalho. Porém, no papel

de menestrel das letras, como contador de casos e causos

ouvidos dos mais idosos – de contador de histórias - é certo

que apresento algo novo, sem fazer mera cópia do que

outros antes de mim escreveram sobre estes assuntos.

Em 1994 declarei: - “Sou um viajante no tempo, a

procura do conhecimento sobre o nosso passado - nossa

história - com vistas à construção de um mundo melhor

para as futuras gerações”.

Poderia o homem viajar no tempo?

Poderia uma pessoa se deslocar tanto para o

passado como para o futuro?

Seria isso possível? Será que em outra época

distante já foi inventado um equipamento que permita

realizar essa façanha?

Acredito que a pesquisa da história nos oportuniza

esse feito, de poder viajar no tempo. Tornei-me um desses

viajantes no tempo...

No papel de viajante no tempo, tenho por proposta

de contar a história, por mim pesquisada, de uma forma

divertida, quase lúdica, no intuito de fazer da leitura um

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

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divertimento, em particular, através de diálogos criados

para os personagens, com base em fatos reais. O propósito

é de atiçar e prender a curiosidade do leitor, sempre

realçando lições que sirvam para ensinar de modo particular

as novas gerações, os estudantes, sobre a vida, sobre os

erros e sobre os acertos, de nossos ancestrais, ou, porque

não, também sobre os nossos próprios equívocos,

cometidos no passado ou no tempo presente. Mesmo que

tenhamos sido movidos pela intenção de produzir algo

confiável e bom.

Convido, pois o leitor a viajar um pouco no tempo,

através das páginas de Os Peleadores, conhecendo um

pouco mais sobre épocas passadas da Colônia de Três

Forquilhas, em particular o período da Revolução Federalista

que marcou dolorosamente todo o Sul do Brasil.

Em Os Peleadores o leitor pode observar Baiano

Candinho e seu efetivo de peleadores, que surgiu no vale do

rio Três Forquilhas. Considero que os integrantes desse

efetivo, em sua maioria, não eram soldados de fato, uma

vez que jamais haviam sido preparados para exercerem o

mister das armas. Dentre os integrantes do Esquadrão

Josaphat, apenas Baiano Candinho e seus camaradas

cearenses, que desertaram da guerra, haviam sido

soldados, que sabiam o que era um combate. Eles haviam

participado da Guerra do Paraguai. Haviam integrado o

Corpo de Voluntários da Pátria, do Ceará.

Baiano Candinho, além de soldado dos Voluntários da

Pátria, posteriormente também integrara a Escolta Policial

da Colônia de Três Forquilhas, sob o comando do

subdelegado Major Adolfo Felipe Voges, conforme foi

revelado em Face Morena, o quinto volume da Coleção

Memórias da Figueira. Candinho se destacou, sendo

guindado ao posto de capitão. Recebeu a maior confiança

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do subdelegado, sendo designado para as missões mais

árduas e de maior responsabilidade.

No princípio da Revolução Federalista, Baiano

Candinho foi orientado pelo chefe federalista de Conceição

do Arroio para formar uma tropa, que foi denominada de

Esquadrão Josaphat. No princípio foi apenas um pelotão, o

Pelotão Protestante. Depois, durante a revolução, conseguiu

formar mais dois pelotões, o Serrano e o dos Brigadas.

Portanto, Baiano Candinho, o comandante do

Esquadrão Josaphat, possuía as noções básicas para

preparar a tropa, incluindo a prática de tiro e o manejo de

lanças, mesmo que rudimentares.

Conforme já frisamos, a maioria dos integrantes do

Esquadrão eram apenas colonos, tropeiros ou peões, porém

se fizeram peleadores dispostos para irem à luta, isso sem

que a grande maioria jamais tivesse sido soldado de fato.

Nossa intenção em Os Peleadores é de, também,

demonstrar a face mais autêntica de Baiano Candinho, um

homem honrado, que viveu durante quase vinte anos na

sede da Colônia de Três Forquilhas.

Precisa ser frisado que Candinho, a princípio, não foi

morar no Baixo Josaphat – Arroio Carvalho e Rio do Pinto -

conforme mais tarde tentaram fazer crer. Importa enfatizar

que o primeiro emprego de Candinho foi com o pastor

Carlos Leopoldo Voges, o patriarca espiritual da Colônia.

Depois foi o emprego de capataz na propriedade do

veterano Carl Daniel Gross, instalado à margem da

estradinha que leva de Três Forquilhas a localidade do

Morro do Chapéu. Finalmente, Candinho tornou-se homem

de confiança do subdelegado Major Adolfo Felipe Voges,

atividade que foi fundamental para a sua ascensão como

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líder forte no movimento federalista, na área do Litoral

Norte do Rio Grande do Sul.

Após estas informações deixamos que o leitor,

realize essa viagem no tempo e conheça as trilhas e os

caminhos percorridos pelos peleadores. Na maioria homens

dignos e de valor que foram derrotados nessa revolução.

Li em algum lugar que a nossa vida não oferece a

oportunidade para ficarmos fazendo ensaios. Ocorre apenas

um só espetáculo, no palco da nossa existência. Ou seja, o

palco que é a nossa própria vida...

FIGURA 02: O autor e a noiva, em 1970, quando ainda existia a 2ª figueira, cujos galhos aparecem à esquerda. Essa árvore

havia sido podada em demasia, pela CEEE e não resistiu, desaparecendo em 1971. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

Breve, médio ou longo, cada um de nós viverá

apenas o seu papel.

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Deus atribui, o que cada um ajuda a escolher, pois

não somos colocados diante de um destino cego. E, cada

um colherá apenas aquilo que plantar.

São poucas as pessoas que ao se deitarem ousariam

dirigir a Deus a prece: - “Senhor, trata-me amanhã como

tratei hoje o meu próximo. Se conseguir será feliz e saberá

como agir diariamente”!

Amar é libertar, seja na relação com a pessoa

amada, seja com os filhos e amigos. Libertar, deixar livre

pode doer, por isso importa libertar, mesmo se isto dói em

nós...

Além do mais, todos nós estamos apenas de visita

neste momento e neste lugar, onde nascemos ou onde mais

passarmos a morar e trabalhar. Estamos apenas de

passagem para observar, aprender, crescer, amar e

depois, certo dia que não sabemos quando será, temos que

ir embora desta vida terrena, tão passageira. Não vou falar

aqui para onde devemos e podemos ir. Isso fica para o

último volume, em E A VIDA CONTINUA.

Nunca percamos a esperança, pois as coisas

acontecem tantas vezes sem nada termos pedido ou

desejado ou quando menos esperávamos. Mas há também

aqueles que muito pedem e muito almejam, que sonham e

que lutam e não veem o esperado se concretizar. Existem

pessoas que lutam uma vida inteira e nada notam de

resultados que, às vezes, somente serão colhidos muitos

anos depois.

Li também um dia destes, que precisamos aprender

a falar sem aspas, a amar sem interrogação, a sonhar sem

reticências e a viver sem ponto final, permitindo que, o

nosso Criador e nosso Senhor, Ele mesmo, coloque o que

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ainda estiver faltando e ponha o ponto final onde este for

mais conveniente para os Seus planos divinos.

Desejo, a todos, uma boa leitura, ou leitorem salute,

conforme já diziam os romanos.

Itati – RS, 10 de julho de 2012.

Elio Eugenio Müller

Membro da Academia Virtual Brasileira de Letras – AVBL

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Os Peleadores 1ª Parte

O PASTOR ABENÇOA CANDINHO

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Era o final do ano de 1891.

Bahiano Candinho dirigiu-se ao sobrado do pastor

Voges à testa de seu grupamento de cavaleiros maragatos,

acompanhado por mais de cinquenta cavaleiros, integrantes

do Piquete Josaphat.

Pastor Voges, na época nonagenário, alquebrado e

trêmulo, apoiado em sua pesada bengala, assomou o

umbral da porta principal do sobrado em que residia para

atender o visitante inesperado, que não se fizera anunciar

com antecedência. Ao seu lado podiam ser vistos o seu filho

Major Adolfo Felipe Voges, antigo chefe do Partido Liberal

em Três Forquilhas e, como testemunha para a posteridade,

o bisneto Alberto Schmitt, ainda menino, agarrado às calças

do pastor.

O pai do menino, o escrivão Christovam Schmitt,

fazia anos, que recebera espaço para estabelecer o Cartório

na casa pastoral e estava discretamente postado atrás das

vidraças da janela fechada, olhando curioso para toda a

agitada movimentação.

Bahiano Candinho, apeando da montaria, aproximou-

se do pastor, com menção de beijar-lhe a mão, e depois

colocando um dos joelhos sobre a terra foi pedindo: - "A

benção, padim Voges".

O velho conhecendo o procedimento do beija-mão de

Candinho e como não aceitava tal costume, elevou logo os

braços trêmulos, lentamente, acima da cabeça do

nordestino, dizendo: - "Deus o abençoe, Baiano Candinho!".

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FIGURA 03: O idoso Pastor Voges abençoa Baiano Candinho. Fonte: Gravura feita pelo autor.

Em seguida o pastor balbuciou mais algumas

palavras que apenas foram ouvidas por Candinho, pelo

Major Voges e pelo menino Alberto Schmitt, este que

segurava firmemente nas calças do seu bisavô.

Candinho ficou sério encarou o pastor,

demoradamente e então falou: - “O senhor não imagina

quão difícil é para mim este seu pedido. Mas prometo aqui

na sua presença que procurarei cumprir isso que me pede.

Caso tudo isso aí for mesmo acabar numa luta armada,

prometo que manterei cuidado pelo povo de Três Forquilhas

e jamais atacarei esta Colônia com a minha tropa

protestante. Cuidarei para que jamais aconteçam combates

nesta Vila e não farei nenhum mal aos moradores, também

para aqueles que são nossos adversários políticos. O senhor

poderá contar com esta promessa solene que faço nesta

hora, pois sempre cumpri com a palavra dada.

O rosto de Candinho iluminou-se com um sorriso

franco e completou: - “Desejei tanto receber a sua benção,

padim”.

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Baiano Candinho escutou com devoção as palavras

de resposta que o pastor ainda pronunciou e, novamente,

erguendo as mãos sobre o nordestino, balbuciou: - “Então

segue com a benção do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.

Fazendo o sinal da cruz sobre Candinho.

Este levantou agradecendo e, girando sobre os saltos

das botas, fez tilintar as esporas, encaminhando-se

lentamente para a sua montaria. O escrivão Christovam

Schmitt que casara com Antonieta, uma das filhas de Major

Voges, afastou-se da janela, sem conseguir entender a

situação, pois não ouvira a recomendação que o pastor

fizera ao nordestino. Procurando pela esposa, Christovam

reclamou: - “Hoje o teu avô saiu totalmente dos limites

possíveis. Imagine o absurdo de conceder uma benção para

o Baiano Candinho que amanhã poderá estar aqui matando

gente nossa. O velho está mesmo maduro para receber um

sucessor, no atendimento pastoral em nossa igreja”.

O escrivão fez uma pausa para conter a indignação e

depois acrescentou: - “O teu irmão Carlos e eu teremos que

ir outra vez a São Leopoldo, para insistirmos com os

dirigentes do Sínodo Riograndense para que se apressem

em nos enviar um novo pastor...”.

FIGURA 04: Sobrado do Pastor Carlos L. Voges. Fonte: Arquivo de fotos e gravuras do autor.

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Enquanto isso, na estrada, em frente da casa, vinha

também chegando o professor Serafim Agostinho do

Nascimento, que na época exercia mais uma vez o cargo de

subdelegado. Aproximou-se do Major Adolfo Felipe Voges,

antigo subdelegado, para cumprimentá-lo. E perguntou: -

“Que movimentação é essa?”.

Major Voges falou: - “Já volto para conversarmos

assim que eu me despedir do Candinho”.

Candinho estendeu a mão para o major, expressando

palavras de agradecimento pela atenção recebida e, depois,

colocando o pé no estribo jogou o corpo sobre a sela e saiu

à galope, à testa do piquete de cavaleiros.

Enquanto isso também o genro do major, o Johann

Peter Jacoby Neto veio chegando, movido pela curiosidade

ao ver a saída do Baiano à testa do seu grupamento de

cavaleiros maragatos.

Major Voges, Professor Nascimento e Jacoby Neto

permaneceram ali postados não querendo perder nada da

movimentação desses homens.

Os cavaleiros estavam munidos com estranhas

lanças rústicas, feitas com finos e longos galhos de árvore,

algo que a antiga Sociedade dos Cavaleiros de Três

Forquilhas, o Ritterverein, também costumara fazer.

O professor Nascimento comentou: - “Ainda bem que

isso que estamos vendo aqui é apenas um movimento

pacífico, dos nossos cavaleiros maragatos do Piquete

Josaphat, buscando o amparo da fé em Deus”.

Convém recordar que já fazia muito tempo, talvez

tivesse sido em 1871, quando Bahiano Candinho trabalhara

para o pastor, na reforma da atafona, época em que o

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nordestino também fizera um juramento para si e perante

Deus, de dar a vida pelo venerando patriarca espiritual da

Colônia de Três Forquilhas, caso isto algum dia se fizesse

necessário, Os anos passaram e, mais e mais, essa decisão

se fixara em seu íntimo. E, agora, pudera renovar esses

seus votos e juramento.

Candinho era um homem muito religioso e passara a

ver no Pastor Carlos Leopoldo Voges o representante de

Deus não só para os moradores da localidade, mas também

para a sua vida pessoal. Como nordestino Candinho era um

místico que de forma simplista espiritualizava tudo, os

problemas do cotidiano bem como os fenômenos da

natureza e todos os eventos naturais como o nascer, o amar

ou o morrer. Candinho também acreditava que as ações

humanas precisavam se basear sempre no bom conselho

dos homens de Deus.

Candinho se tornara conhecido como alguém que

não se curva diante de ninguém aqui na terra, a não ser

diante de Deus e de seus representantes - os santos

homens -.

Major Voges quer evitar radicalizações

Baiano Candinho e seu efetivo seguiram pela

estrada, tomando o rumo norte, levantando poeira. Major

Voges, seu genro Johann Peter Jacoby Neto e o professor

Serafim Agostinho do Nascimento ali continuaram por

algum tempo, numa animada troca de idéias.

Professor Serafim falou: - “Ouço colonos, em

particular os mais empobrecidos, comentando que nunca

pegaram em armas para fazer alguma guerra. Porém agora

dizem que, se for preciso lutarão em busca de uma vida

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melhor. Eles estão prontos para ir ao campo de luta.

Alegam que pior do que está já não mais ficará...”.

Adolfo Voges prontamente interveio, dizendo: - “Isso

é preocupante, pois não será um conflito armado que

haverá de melhorar a vida dos nossos sofridos colonos. Na

qualidade de brasileiros, que todos somos, precisamos

entender que estamos, todos, no mesmo barco, sejam

republicanos ou maragatos, sejam castilhistas pica-paus ou

federalistas. Nós riograndenses precisamos aprender a

buscar caminhos de diálogo com cobranças bem firmes e

fortes para que os governantes nos ouçam e nos atendam

em nossas justas reivindicações”.

Jacoby Neto fez sinal afirmativo com a cabeça e

perguntou: - “Se existem tantos conflitos e

desentendimentos em nossa atual esfera política, e

administrativa da Província de São Pedro do Rio Grande do

Sul, não será exatamente o fato de terem esquecido que

todos nós estamos em um mesmo barco? Será que o

fracasso dos castilhistas reside no fato de imaginarem que

eles podem e devem ser os donos desse barco? Na verdade,

eles se mostram como sendo os donos da nossa Província!

Querem ser os donos absolutos para implantarem suas

idéias ditatoriais!”.

Professor Serafim aplaudiu as palavras de Jacoby

Neto e comentou: - “É verdade, pois podemos ver que os

castilhistas desconsideram os nossos justos apelos para

uma discussão conjunta das medidas administrativas do

Governo. Eles usam de uma agressividade injustificada, na

imposição de idéias a ferro e fogo. O resultado é o que

podemos ver agora, os federalistas são silenciados e

pisados. Penso que tal agressividade precisa ser devolvida

com a mesma agressividade, para inibir esse tratamento

hostil que nos concedem. Os antigos maragatos e

farroupilhas nunca foram covardes e nem agora os

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federalistas haverão de sê-lo. Estamos prontos para

conceder respostas na altura, e pagando-os, se for

necessário, com a mesma moeda”.

Major Voges interrompeu o professor, dizendo: -

“Sou maragato e fui o chefe do Partido Liberal na Colônia de

Três Forquilhas, porém não me considero federalista. Tenho

uma grande dificuldade para tentar acompanhar os planos

de Silveira Martins. Do mesmo modo, não consigo aceitar o

ideário de Júlio de Castilhos. Ambos estão errados... As

atitudes de ambos apenas tendem a ampliar e multiplicar os

conflitos. Ambos os lados estão simplesmente adotando a

Lei do Talião, do < olho por olho e o dente por dente >...

Afirmo que, com tal procedimento a injustiça e a brutalidade

não serão varridas do nosso cenário político. A brutalidade

injustificada e a agressividade ditatorial dos castilhistas

precisam ser pagos com muito diálogo e com uma

inteligência, bem superior às atitudes deles. Afinal, não

temos nós sempre acreditado numa proposta de união de

todos, em torno do ideal de uma Província justa e fraterna,

berço da liberdade”.

FIGURA 05: Major Adolfo Felipe Voges. Fonte: Arquivo da Família Voges.

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Jacoby Neto sorriu e perguntou: - “O meu sogro

então está querendo dizer que Júlio de Castilhos e seus

seguidores não são inteligentes?”.

Major Voges também sorriu de modo compreensivo e

explicou: - “Não digo que Júlio de Castilhos não tenha

inteligência, pois é um homem de apurado estudo. O que eu

digo é que se ele e os seguidores dele usassem a

inteligência corretamente, ele não teria necessidade de se

fazer acompanhar de tanta brutalidade e às vezes com

atrocidades, parecendo querer vencer os opositores pela

intimidação e incutindo-lhes o medo. A história da nossa

terra já nos mostrou como aconteceu durante a Guerra dos

Farrapos, que lidar com injustiças é difícil. Porém lidar com

idéias conflitantes é bem mais difícil. Então somando ainda

a utilização da intimidação e da brutalidade, na tentativa de

impor as idéias, isso levará a erros contínuos na esfera de

comunicação com a população e, em particular, com os

opositores. Os opositores não desejam se dobrar diante de

um governo ditatorial. No final os castilhistas fatalmente

cairão na distorção de fatos, gerando um corredor de

boatos, de farsas e de dissimulações, como isso, que agora

vem se revelando no cenário político da nossa Província. A

cizânia já está aí, alimentada pela constante distorção de

fatos, e as relações entre eles mesmos e com os opositores

vão de mal a pior...”.

O genro do Major Voges e o professor Nascimento

escutaram em silêncio. O professor pediu: - “Continue

nessa lição sobre a nossa situação política. Sei que as suas

palavras deveriam ser ouvidas em Conceição do Arroio e na

Capital da Província, pois com certeza encontraríamos um

modo de se evitar uma revolução e inibir o derramamento

desnecessário de sangue”.

Major Voges, diante desse pedido, continuou: - “Digo

a vocês que a fogueira das hostilidades já está ardendo. E

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muita lenha ainda será jogada nesse fogaréu. O que

adiantará para Júlio de Castilhos e para Silveira Martins e

seus seguidores, se alguém deles ganhar algumas batalhas

aqui ou ali. Ou mesmo se um dos dois pensar que venceu a

batalha decisiva A verdade é que não haverá vencedor, pois

a guerra eles já estão perdendo agora. Apenas afundarão a

Província na dor e no luto... O barco está fazendo água2 e

todos os riograndenses haverão de sofrer juntos. Na

verdade não existirá jamais um legítimo vencedor neste

confronto, pois ao romper uma guerra fratricida sempre

será o sangue de irmãos que será derramado. O apelo para

a força das armas e a truculência já são feridas abertas. É

notório que Júlio de Castilhos deseja nos impor a tal da

ditadura científica. Em virtude disso a revolta se manifestou

de imediato, pois os opositores desejam um lugar ao sol e a

possibilidade para participarem com suas idéias para dar ao

povo da nossa Província um governo justo, com todas as

garantias de liberdade de manifestação e a liberdade para

uma ação política, plena e legítima”. Professor Nascimento

pediu licença e retornou ao sobrado do pastor Voges onde,

no piso superior, funcionava a escola comunitária. O mestre

estava atrasado e com certeza os alunos já o aguardavam

ansiosos para o início de mais outra aula.

FIGURA 06: Johann Peter Jacoby Neto e esposa Luisa Henrietha Voges. Ela era filha do major Adolfo Felipe Voges.

Fonte: Acervo fotográfico da Família Voges.

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Jacoby Neto e o Major Voges foram se encaminhando

para o armazém deste, que se situava diante do templo, do

outro lado da estrada.

Eram apenas bons peleadores

Ninguém conseguia entender como Bahiano

Candinho conseguira reunir tão facilmente tantos cavaleiros

e passar a comandar um grupo tão heterogêneo, homens

que dera início através do Piquete Josaphat.

Eram tidos como tropeiros, colonos, peões mais

indisciplinados, sem preparo para o combate, quase todos

nativos da região das planícies do Rio do Pinto, do Arroio

Carvalho, do Baixo Josaphat e da Serra do Pinto. Todos

estavam afeitos à vida difícil, alguns da vida de tropeiros ou

de peões que viviam trabalhando em suas roças, outros

troteando pelas estradas com suas tropas, outros voltados

ao trabalho campeiro e, finalmente, muitos colonos,

descendentes dos pioneiros alemães que iniciaram a

colonização do vale do rio Três Forquilhas.

Eram quase todos bons de briga, porém só sabiam

lutar na base do facão ou da foice, prontos a enfrentar uma

onça, um javali ou de tentar pegar um touro brabo à unha.

Mas eles não eram soldados, eram apenas bons

peleadores3.

Muitos desses peleadores faziam seus próprios

chapéus, dentre os quais se citava o Pança de Burro.

Outros, que não quisessem andar descalços, faziam

grotescas botas, conhecidas por Pé de Potro. Apenas os de

maiores posses, e que eram poucos, tinham botas de boa

qualidade, armas de fogo e uma boa encilha. A maioria

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andava sem calçado, levando apenas esporas amarradas

contra o calcanhar.

FIGURA 07: Efetivo de peleadores federalistas. Fonte: Arquivo fotográfico de Alberto Schmitt.

Para compor a base do Piquete Josaphat uniram-se

os integrantes da antiga escolta policial de 1880, que havia

sido organizada, com eficiência, pelo Major Voges e naquela

época auxiliado por Baiano Candinho.

Eram homens de valor e de coragem, com destaque

para Martim Pereira dos Santos – o Baiano Candinho; Franz

Phillip Gross – o França Gross; Luiz Brandão Feijó – o Luiz

da Conceição e o Porfírio Martins Espíndola – o Martim

Piedade.

Os integrantes do Piquete Josaphat, nessa fase

inicial, foram cinquenta e quatro, que responderam ao

chamamento de Baiano Candinho e que assim ajudariam a

dar início ao movimento revolucionário federalista da

Colônia de Três Forquilhas.

Iniciando pelo próprio Bahiano Candinho, são

mencionados mais os seguintes peleadores: Luiz da

Conceição, França Gross, Martim Piedade, Luciano Cardoso

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de Aguiar, Baiano Tonho, José Baiano, João Baiano, Manoel

Cândido, João Gordo, Leonel Brandão, Henrique Baiano,

Pedro Juarte, Ignacinho, Miguel Cândido, Paraguaio Gross

Filho, Rico Marques, Macuco Lara, Firmino Velho, Miguel

Gralha, Firmino Cândido, Jovem França, Crispim França,

Felipe Brusch, Jacobe Fuero, Joaquim Baiano, Martinho

Canjo, Leo Canjo, Cala Barata, Jonas Barata, Carlos Girivá,

Dolfo Leão, Lemes Bugre, João Rico, Rico do Pilão, Lula

Fandango, Franciscão Velho, Jesus Crioulo, Manoel Geata,

Moço Peres, Nazário Santos, Chico Reata, Negro Campolino,

Pedro Sabino, José Sabino, Carlos Sabino, João Cabeleira,

João da Mula, Nico Flô, Chico Pinto, Henrique Bicudo, Beto

Guimaria e Joaquim Dezoito.

Uniram-se também ao Piquete Josaphat alguns

moços de menor idade, como foi o caso dos filhos do

falecido Pedro Baiano, portanto sobrinhos de Baiano

Candinho e ainda diversas mulheres conhecidas como

mulheres de aventura. Estas já eram acostumadas a

acompanhar os homens nas tropeadas, para cozinhar ou

servirem de companhia.

Candinho com funções de chefia

Recordemos que João Patrulha Menger morreu por

volta de 1883, aos setenta e dois anos de idade, portanto

dois anos antes do assassinato do seu genro Pedro Baiano,

irmão de Baiano Candinho. Era um homem que conhecera

como ninguém todas as trilhas e caminhos tanto do Alto

Josaphat bem como do Baixo Josaphat.

A morte de João Patrulha Menger havia sido sentida

em toda a Serra e também na Colônia de Três Forquilhas,

onde ele havia sido pessoa do mais alto conceito.

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Na Serra do Pinto era sentido um grande vazio, pela

ausência desse homem enérgico, valente, e amigo de todos.

Um homem que conhecera a liberdade da vastidão do alto

da Serra. Ele que sempre se mostrara pronto a lutar e para

dar a vida pelo nobre ideal da liberdade.

Os moradores falavam dos bons tempos, de João

Patrulha, quando havia paz e tranquilidade na Serra. Foram

quase quarenta anos, desde a Revolução Farroupilha, que

esse homem deixara a sua marca bem pessoal, de presença

e de serviço em favor dos tropeiros e dos viajantes e em

favor da segurança e tranquilidade naquela vasta região

serrana, desde o Arroio Carvalho e Rio do Pinto até Cima da

Serra, acompanhando tropeiros ou cuidando do serviço

campeiro em sua propriedade.

O espaço vazio deixado, passados tantos anos, foi

finalmente ocupado, quando Candinho assumiu diversas das

funções do seu antecessor, junto às trilhas serranas e no

serviço de segurança no Josaphat e na Colônia de Três

Forquilhas.

Na falta de um destacamento de policiais na

Subdelegacia de Três Forquilhas, Candinho recebera muitas

vezes, a tarefa de fazer, com os seus homens, a vez de

polícia, desempenhando o serviço de segurança em toda a

região serrana e na sede da Colônia.

No tocante ao serviço de segurança nas festas da

igreja, Candinho comentava: - “Faço esse trabalho como

minha contribuição para o altar. Desejo oferecer a

tranquilidade para o Padim Voges e para os festeiros, e a

para todos os moradores e visitantes da Colônia que

frequentam essas festanças da igreja”.

Jovens e velhos, todos apreciavam esse baiano

alegre e bonachão. Candinho revelava ser possuidor de boa

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capacidade de liderança, apto para dar apoio ao serviço de

segurança ao encargo da autoridade local. Passou a ser uma

espécie de auxiliar direto do subdelegado Tenente

Nascimento, que substituíra Major Voges no cargo.

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NAS CHARNECAS DE LABATUT

Baiano Candinho decidiu estabelecer uma base ou

espécie de acampamento para o seu Pelotão. A escolha

recaiu sobre o refúgio do Alto Josaphat, região que ele

aprendera a conhecer bem, através das andanças com

tropas de gado que o seu sogro Carl Witt volta e meia

conduzia para comercialização em Vacaria.

No Alto Josaphat havia uma vasta área que eles, na

época, denominavam como sendo as Charnecas de Labatut.

O falecido Miguel Barata Eberhardt é quem utilizara esse

termo em suas conversas, quando falava a respeito de

confrontos ocorridos no Alto Josaphat, durante a Guerra dos

Farrapos.

Barata explicava: - “O grande militar dos tempos

napoleônicos, o General Pedro Labatut, veio ao Brasil para

reforçar as forças imperiais e foi enviado ao sul para

combater as nossas forças farrapas. O velho general

Labatut chegou ao Alto Josaphat desejoso de acabar com o

General Davi Canabarro que em 1839 passou pela Colônia

de Três Forquilhas e foi subindo a serra com mais de dois

mil homens. Esse grandioso general napoleônico se

enchafurdou com os seus homens e canhões, num terreno

que ele não conhecia. De repente veio uma chuva intensa e

riachos se transformaram em rios. As charnecas que são

áreas mais baixas e fáceis de alagarem deixaram Labatut

prisioneiro de si mesmo, lutando com águas enfurecidas e

com os banhadais...”.

Baiano Candinho sempre estivera muito atento e é

quem melhor escutara tais histórias. Por isso ainda

recordava vivamente de tudo e de como também

costumava pedir a palavra para explicar ao Miguel Barata e

a todos os presentes, das dificuldades que os voluntários

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nordestinos haviam enfrentado durante a Guerra do

Paraguai. Candinho sempre reforçara as conversas do

Miguel Barata, dizendo: - “Eu e meus amigos nordestinos é

que sabemos o que significa estar despreparado para entrar

em combate numa terra estranha. Jamais esquecerei como

nós, Voluntários da Pátria do Ceará, sofremos nas terras

paraguaias. A natureza nos castigou muito com noites

geladas e vento frio. Também estranhamos a alimentação.

A diarréia e as doenças foram acabando com a nossa tropa,

com o nosso moral e pior, com a vida de muito nordestino

despreparado. Por isso que um dia, nós sobreviventes

fomos incluídos na cavalaria riograndense e ali conhecemos

o Miguel Patrulha que antes de morrer varado à bala, nos

fez o pedido de levar um recado para seu pai João Patrulha,

das bandas de Três Forquilhas e do Josaphat. Foi assim que

nosso destino passou a ser a Colônia de Três Forquilhas...”.

Candinho se adapta ao terreno

Quando Candinho chegou ao Alto Josaphat à testa do

Pelotão Três Forquilhas procurou localizar a área das

Charnecas de Labatut apontada por Miguel Barata como

sendo um terreno instável, capaz de trazer grandes

surpresas para incautos transeuntes.

Como primeira medida ele passou a adaptar a tropa

para familiarizá-la com o terreno, com uma geografia que

era tão diferente da planície. Ele desejava ter os elementos

naturais a seu favor como uma espécie de uma força

auxiliar, para rechaçar e derrotar um eventual inimigo, que

tivesse a coragem de querer atacá-los.

Candinho jamais acampou por muito tempo em um

mesmo lugar. Ele ia da região do rio Tainhas ao rio

Contendas e, além disso, vasculhava todas as trilhas e

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caminhos pelos quais, se necessário, pudessem descer ao

Morro do Forno, Três Forquilhas ou Maquiné.

Candinho também costumava dizer: - “Se alguém

quiser entrar em combate comigo eu escolherei o terreno e

será aqui no Alto Josaphat. Que venham esses pica-paus

para nos enfrentarem aqui nas Charnecas de Labatut”.

Os integrantes do Pelotão Três Forquilhas traçaram

trilhas novas, que conduziam para terrenos instáveis e

alagadiços. Ali estabeleceram planos de manobra e de

envolvimento de eventuais inimigos. Era a estratégia de

Baiano Candinho, que passou a ser aplicada em

treinamentos constantes, para deixar o seu efetivo pronto

para os eventuais combates da revolução que já se

anunciava.

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OS EFEITOS DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Conforme é sabido foi no ano de 1889 que

acontecera a Proclamação da República. Esse acontecimento

trouxe uma agitação bem ampla, atingindo todo o solo

brasileiro. Era um fervilhar de idéias políticas...

No Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos despontava

como um forte caudilho, um líder desejoso de assumir o

poder, de forma absoluta. Propunha um regime por ele

chamado de ditadura científica. O seu opositor Silveira

Martins em certo momento teve que buscar asilo,

refugiando-se na Inglaterra, para escapar da perseguição

política que se estabelecera.

Porém, voltando a comentar a situação existente na

região do Josaphat, ali quase não existiam castilhistas.

Eram quase todos, seguidores das idéias de Silveira Martins,

difundidas antigamente através do Partido Liberal, partido

que tivera, em suas fileiras, entre outros, o ilustre General

Osório4 - Marques do Herval, até sua morte, ocorrida em

1879, e no vale do rio Três Forquilhas, a eficiente liderança

exercida durante tantos anos pelo Major Adolfo Felipe

Voges.

Na Colônia Alemã de Três Forquilhas, a maioria dos

colonos ou eram do Partido Liberal ou neutros - apolíticos.

Os castilhistas e republicanos em minoria, eram em geral

jovens que retornavam dos estudos feitos em Porto Alegre,

entre os quais se destacavam Carlos Frederico Voges

Sobrinho, Christovam Schmitt, o primeiro filho do Chefe

Liberal Major Voges e, o outro, genro do mesmo. Parecia,

porém muito mais um simples problema a ser resolvido em

família. Não podemos esquecer do militar prussiano

Christian Tietboehl que, com toda a sua numerosa família

também era castilhista, convicto, porém moderado, sem

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jamais estabelecer discussões ou confrontos político-

partidários.

Já em direção às terras de areia, rumo as Lagoas

Itapeva e Quadros, muitos dos fazendeiros de origem

portuguesa eram castilhistas, mas sem grande influência

sobre a Colônia Alemã.

O quadro político de 1890

Em 1890, o cenário político riograndense já

prenunciava uma intensa luta pelo poder, com graves riscos

para confrontos armados.

Conforme já foi dito, por um lado apresentava-se o

Dr. Júlio Prates Castilhos propugnando a implantação de

uma ditadura científica, com base na filosofia positivista,

delineada nas propostas do francês Augusto Comte.

Do outro lado estava o Dr. Gaspar Silveira Martins

que defendia os ideais para a implantação de uma república

parlamentarista, no Brasil, sempre fazendo menção para os

segmentos discriminados da população riograndense.

Na Colônia Alemã de Três Forquilhas a princípio,

foram os discursos de Silveira Martins5 que alcançaram

maior eco, em particular quando ele fazia menção ao direito

de igualdade política para os protestantes, quando dizia <

Primeiro de tudo eu era representante do rio Grande do Sul,

Província que conta entre seus filhos para mais de

cinquenta mil acatólicos - protestantes. Eu faltaria à

comissão que do povo riograndense recebi se não

propugnasse pela igualdade de direito dos meus caros

concidadãos da raça germânica, que ficariam como o

governo os deixa ficar, somente porque professam religião

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diferente do Estado, inferiores a condição dos ingênuos

nascidos de ventre escravo >.

O líder Major Adolfo Felipe Voges, chefe maragato,

filho do venerando Pastor Voges, guardava um exemplar do

livro onde constavam pronunciamentos de Silveira Martins.

Major Voges, a princípio, utilizara tais citações em seus

discursos para enaltecer os ideais enunciados por Silveira

Martins. Porém, na medida em que Silveira Martins passou

a radicalizar seus discursos, formando o Partido Federalista,

Voges foi se distanciando, cauteloso, insatisfeito com os

rumos da política riograndense.

Baiano Candinho passou a ocupar o espaço vazio.

Era considerado integrante da Colônia de Três Forquilhas,

fato consolidado através do casamento com Maria Witt que

ocorrera em torno de quase dez anos. Era pai de diversos

filhos e os batizara com o pastor Voges. Integrou-se, assim,

plenamente na vida sócio-religiosa da Colônia. Tornou-se

um homem da maior confiança tanto do pastor Voges bem

como do Major Adolfo Felipe Voges.

No volume FACE MORENA apresentamos como

Candinho foi integrado ao efetivo da Escolta Policial da

Colônia de Três Forquilhas e como depois continuou sendo

procurado para prestar serviços de segurança, em particular

durante os três dias da tradicional Festa do Kerb, promovida

anualmente, pela Comunidade Protestante local. Ele passou

a ser visto ao natural, como um chefe, em potencial, para

assumir os interesses dos maragatos.

A figura do professor Nascimento

O mestre Serafim Agostinho do Nascimento, na

qualidade de professor, foi outro líder do vale do rio Três

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Forquilhas que alcançou o reconhecimento geral, de alunos,

de pais, do povo e do pastor Voges. As suas aulas de

português ajudaram muitos jovens a prosseguir nos

estudos. Ele foi citado pelo pastor Voges como: < o agente

que prepara a nova geração da Colônia, tornando-os aptos

a receber a boa formação, na Capital da Província >. Em

outro depoimento é dito: < professor Nascimento ensina os

moços a se integrar na vida da Pátria e a participar na

prática da política >.

Com toda a certeza, foi através do ensino

ministrado, que o professor Nascimento ajudou a

impulsionar a integração do povo da Colônia de Três

Forquilhas e dentro da realidade nacional, ajudando os

jovens para a efetiva participação na vida social e política

brasileira.

No tocante as questões políticas, tanto Professor

Nascimento bem como Major Voges foram partidários

convictos do Movimento Liberal, professado pelo insigne

General Osório, antes do surgimento do Partido Federalista,

de Silveira Martins.

Tanto o Major Voges, bem como o Professor

Nascimento foram reconhecidamente homens de paz e de

boa índole. Não aprovavam o estabelecimento de um

movimento revolucionário, assim como também mostravam

uma grande repulsa contra a ditadura castilhista. Essa

posição dos dois líderes era rejeitada por ambos os lados

em disputa e diziam: < Não queremos saber de gente que

fica em cima do muro >.

Esses dois líderes acreditavam em soluções políticas

negociadas. Davam valor para o jogo da pressão pacífica e

da luta no terreno ideológico. Afinal de contas Serafim era

um professor, e de boa formação, que sabia fazer um bom e

belo discurso, assim como Major Voges era um major

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honorário, um oficial superior, preparado pela antiga

Guarda Nacional de São Leopoldo, onde teve como

instrutor, o coronel e médico Dr. Daniel Hillebrand.

FIGURA 08: Professor Serafim Agostinho do Nascimento. Fonte: Arquivo fotográfico de Alberto Schmitt.

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O SANGUE DE ABEL CLAMARÁ AOS CÉUS

Toda a vez que Major Voges viajava a Conceição do

Arroio para participar de encontros promovidos pelo Major

Azevedo, ele insistia: - “O sangue de Abel clama aos céus.

Ninguém derrama impunemente o sangue de um irmão.

Todo o sangue derramado, sempre, haverá de clamar por

justiça. O Major Voges apenas repetia os ensinamentos que

recebera de seu pai, pastor, e se referia ao fato de que um

choque iminente entre castilhistas e maragatos estava se

desenhando no horizonte do cenário político riograndense”.

Já por volta de 1891, as posições começaram a se

radicalizar, na Província Riograndense. Major Voges tentou,

em vão, apaziguar os ânimos, nas reuniões dos maragatos,

em Conceição do Arroio.

Na sede da Comarca aparecera um padre castelhano,

Manoel da Paz Fernandes. Era um maragato e federalista

doente e também intolerante com os protestantes. Uma

coisa que ele não suportava, era o espírito conciliador de

Major Voges. O padre insistia em conclamar a todos, caso

necessário, de partirem para uma revolução armada.

Desta maneira todas as tentativas de amainar os

ânimos foram infrutíferas. O padre dizia que a Revolução

era coisa inevitável. Vaticinava dizendo que a luta armada

haveria de alcançar também a área de Conceição do Arroio,

bem como todo o solo riograndense. O castilhismo maligno

precisava ser varrido da face da terra.

Vieram consequências para a posição assumida pelo

Major Voges. Ele passou a ser relegado para um segundo

plano, com muita sutileza.

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Em novas reuniões convocadas, perdiam-se avisos,

convites ou cartas, dirigidas a ele e aos seus correligionários

da Colônia Protestante de Três Forquilhas. Entretanto, de

forma inexplicável, Baiano Candinho, tanto fazia se

estivesse no Baixo Josaphat ou no alto da Serra do Pinto,

sempre era localizado e convocado.

Atribuía-se essa retaliação contra o Major Voges

exatamente ao fato de ele ter insistido e repetido que o

sangue de Abel haveria de clamar aos céus, se eles

partissem para uma revolução armada.

Piquete Josaphat com status de Pelotão

Em 1891, Júlio Prates de Castilhos, Presidente do

Estado do Rio Grande do Sul, ou seja, o Governador do

Estado teve que renunciar ao cargo.

O motivo foi a sua adesão ao golpe, a nível nacional,

na tentativa de derrubar Deodoro da Fonseca, o primeiro

Presidente da República do Brasil.

Em consequência da renúncia do Governador Júlio de

Castilhos, formou-se, no cenário riograndense, um clima de

instabilidade política. Deodoro passou a nomear

governantes provisórios, para a administração do Estado.

O líder dos maragatos Gaspar Silveira Martins

aproveitou-se da situação, ordenando a reorganização de

todas as bases políticas do partido, nos mais diferentes

pontos do Rio Grande do Sul.

Também em Conceição do Arroio – Osório - RS, o

Major Luiz Henrique Moura de Azevedo, Chefe Federalista

da Comarca, procurou reunir homens de confiança, capazes

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de arregimentar forças. Por exemplo, na Colônia de Três

Forquilhas, com a indicação feita pelo Major Voges que não

desejava nenhum, cargo policial, o Professor Serafim

Agostinho do Nascimento foi guindado para ser o Sub-

Delegado.

O novo subdelegado recebeu ordens sigilosas, de

Major Azevedo, visando a convocação de Baiano Candinho

para a função de Oficial Ajudante para a condução de

eventuais diligências policiais.

Para Baiano Candinho foram expedidas orientações

secretas ordenando a organização de um grupo armado em

condições de ser mobilizado com rapidez e a qualquer

momento, para apoiar eventuais propósitos revolucionários,

com o objetivo de assumir o poder político administrativo,

no Rio Grande do Sul.

Baiano Candinho revelou uma extraordinária

eficiência. Reforçou de imediato, o Piquete Josapahat, um

grupo integrado por mais de cinquenta cavaleiros.

Eram, na maioria, homens rudes e analfabetos dos

quais poucos constavam no rol de eleitores.

Muitos eram colonos, descendentes dos pioneiros

imigrantes alemães, descendentes dos que colonizaram esta

área, além de tropeiros e inúmeros peões.

Chamava a atenção que muitos destes homens se

apresentavam mal vestidos quase todos sem botas e com

rústicas esporas, em geral, simplesmente amarradas nos

calcanhares nus.

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FIGURA 09: Peleador, pé descalço. Fonte: Gravura feita pelo autor, com base em imagem da Internet.

O Piquete Josaphat recebeu armamentos e passou a

ter a denominação de Pelotão Protestante de Três

Forquilhas ou simplesmente de Pelotão Três Forquilhas.

Esses homens passaram a sonhar em ser gente, de

participar da vida e dos acontecimentos políticos da Colônia

de Três Forquilhas e dos destinos da Comarca de Conceição

do Arroio, da Província e do Brasil.

Eis a relação dos integrantes do Pelotão Protestante:

1) – Baiano Candinho; 2) – Luiz da Conceição; 3) – Luciano

Aguiar; 4) – Baiano Tonho; 5) – Manoel Cândido; 6) – José

Baiano; 7) – João Baiano; 8) – Mano Jorge; 9) – Felipe

Bruxa; 10) – João Gordo; 11) – Leonel Brandão; 12) –

Henrique Baiano; 13) – Pedro Juarte; 14) – Ignacinho; 15)

– Miguel Cândido; 16) – Firmino Velho; 17) – Miguel

Gralha; 18) – Jovem França; 19) – Jacobe Fuero; 20) –

Joaquim Baiano; 21) – Martinho Canjo; 22) – Jorge Canjo;

23) – Leo Canjo; 24) – Cala Barata; 25) – Jonas Barata;

26) – Carlos Girivá; 27) – Dolfo Leão; 28) – Lemes Bugre;

29) - João Rico; 30) – Rico do Pilão; 31) – Lula Fandango;

32) – Crispim França; 33) – Franciscão Velho; 34) – Jesus

Crioulo; 35) – Manoel Geata; 36) – Moço Peres; 37) –

Macuco Lara; 38) - Nazário Santos; 39) – Chico Reata; 40)

– Negro Campolino; 41) – Bom Martim; 42) – Pedro Sabino;

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43) – José Sabino; 44) – Carlos Sabino; 45) – Paraguaio

Gross Filho; 46) – João Cabeleira; 47) – João Firmino; 48) –

Firmino Cândido; 49) – Dino Flôr; 50) – Chico Pinto.

Major Azevedo promove Candinho

Em dezembro de 1891, o Major Luiz Henrique Moura

de Azevedo, Chefe Maragato de Conceição do Arroio,

convocou Baiano Candinho, para participar de uma

demonstração de força, na sede da Comarca. Candinho foi

chamado para fazer uma entrada triunfal na cidade, na

frente do Pelotão Três Forquilhas. Foram também

convocados outros grupamentos dos diversos distritos de

Conceição do Arroio.

Baiano Candinho, de fato, entrou na cidade de

Conceição do Arroio, fazendo formaturas e evoluções com o

efetivo, parando diante da Intendência Municipal e, depois,

diante da Câmara Municipal.

O quadro visto pela população arroiense devia ser

bastante estranho. Era um grupamento de homens mal

vestidos, esfarrapados, talvez com aparência assustadora.

Enquanto o Pelotão formava diante da Intendência,

eis que surge uma figura que concentrou ainda mais as

atenções de todos. Era o padre Manoel da Paz Fernandes,

que veio caminhando, gesticulando ruidosamente, num

linguajar castelhano. Falava mais castelhano do que

português, e foi saudando o efetivo de Três Forquilhas.

Candinho desmontou, sendo recebido com um

efusivo abraço pelo Major Azevedo. Em rápida cerimônia o

Baiano foi declarado Oficial, no posto de Major e

Comandante do Pelotão Três Forquilhas, recebendo uma

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espada e uma jaqueta militar com divisas que ele, no

entanto, jamais chegou a usar.

FIGURA 10: Baiano Candinho promovido a Major. Fonte: Arquivo fotográfico de Alberto Schmitt.

Naquela hora, Major Azevedo cometeu um de seus

grandes erros, pois sem atender aos apelos pacifistas do

Major Adolfo Felipe Voges, chefe do antigo Partido Liberal e

maragato convicto, da Colônia de Três Forquilhas e sem

consultar o subdelegado da Colônia, mesmo que este

tivesse apenas o posto de Tenente, promoveu Baiano

Candinho ao posto de Major. Ao mesmo tempo Major

Azevedo oficializou um pelotão armado, designando-o com

o nome daquela antiga Colônia Alemã.

Essa manobra desastrosa de Major Azevedo teve um

forte impacto sobre as lideranças tanto dos maragatos e

mais ainda dos castilhistas da Colônia. O impacto aumentou

ainda mais quando Baiano Candinho retornou ostentando

uma autoridade superior a do subdelegado professor

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Nascimento. Candinho, na prática, passou a ser autoridade

em condições de dar ordens ao subdelegado.

As medidas do comando federalista de Conceição do

Arroio, sob a Chefia de Major Azevedo deixaram as

lideranças maragatas da sede da Colônia de Três Forquilhas

à margem das decisões e reclamavam: - “Os dois lados,

federalistas e pica-paus, estão cometendo erros atrás de

erros... O que será do povo?”.

No entanto, Candinho jamais fez uso da nova

prerrogativa de autoridade que lhe fora confiada pelo Major

Azevedo. Pelo contrário sempre fez questão de apresentar

um relato minucioso dos acontecimentos, quando se

encontrava com o Major Voges ou com o subdelegado

professor Serafim.

Baiano Candinho fazia questão de sinalizar com toda

a clareza de que desejava permanecer leal aos que ele

considerava seus amigos e mentores ideológicos, para, em

nome deles e sob a orientação deles, representar a Colônia

de Três Forquilhas.

Candinho acampa em Conceição do Arroio

Nos primeiros dias do mês de janeiro de 1892,

Candinho teve que retornar mais uma vez a Conceição do

Arroio com o seu Pelotão.

Major Azevedo desejava fazer um teste, para

verificar a capacidade de prontidão da força dos

revolucionários que estava a sua disposição. As tropas

ficaram acampadas na entrada da cidade.

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À noite, foi realizada uma reunião reservada, na

residência do Major Azevedo, dando lugar apenas para as

lideranças federalistas da cidade e dos comandantes dos

efetivos do interior da Comarca.

Major Azevedo expôs aos presentes a situação do

cenário político da Província. Comunicou que Silveira

Martins estava retornando do exílio e vinha trazendo novas

idéias, para o regime de governo da Província do Rio

Grande do Sul para serem aplicadas também nas demais

Províncias do Brasil. A Inglaterra havia sido um momento

importante e fecundo para o Chefe, que ali tivera tempo

para amadurecer planos bem concretos para a atividade

política no Brasil Por isto todas as Comarcas estavam sendo

mobilizadas, com o objetivo de reunir homens fiéis, capazes

e, caso necessário, de partirem para a luta.

Foram avaliadas, na oportunidade, as possibilidades

e a capacidade de combate, de cada efetivo presente.

Quando chegou a vez de avaliar o efetivo de Três

Forquilhas, comandado pelo Major Baiano Candinho, padre

Fernandes pediu a palavra. Argumentou que Candinho devia

precaver-se do antigo chefe do partido maragato em Três

Forquilhas, pois que se tratava do filho de um pastor

protestante, que misturava religião com política. Um

homem desses não servia para tão importante função.

Com certeza padre Fernandes estava recordando

vivamente do puxão de orelhas que Major Voges lhe dera,

ao alertar que o sangue de Abel haveria de clamar aos céus,

caso os riograndenses viessem ao ponto de derramar

sangue de irmãos.

O padre pediu que Candinho ignorasse as palavras

do Major Voges, uma vez que todos precisavam estar

unidos e preparados para o uso de armas, se necessário

fosse, para combater e matar. Não haveria outra opção, no

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caso de romper a revolução, a não ser, matar o inimigo ou

ser morto por ele. Eram frases muito ferozes, vindas de um

sacerdote que se dispusera a incentivar os federalistas para

a revolução.

Padre Fernandes, porém desconhecia os vínculos que

Candinho mantinha, tanto com pastor Voges bem como com

Major. Certamente o padre não soubera que Candinho se

unira com Maria Witt, uma mulher protestante e que

batizava os filhos na Igreja Protestante da Colônia Alemã de

Três Forquilhas. O padre não devia estar sabendo que

Candinho havia sido integrante da Escolta Policial sob o

comando do Major Voges que, há anos, o Baiano servia a

Comunidade Protestante fazendo o serviço de segurança

durante as festas da igreja.

Candinho escutou em silêncio e nada comentou

sobre o fato de que ele era um protestante, bem como

quase todos os integrantes do seu Pelotão. O que diria o

padre se soubesse que Candinho buscara recentemente a

benção do velho pastor, para si e para os integrantes do

efetivo.

No dia posterior, Candinho colocou-se a caminho,

pois era necessário retornar a Três Forquilhas com os seus

homens. Quando saíram do acampamento, foram

surpreendidos com a chegada do padre que explicou que ele

teria uma missa a ser celebrada fora da cidade, na direção

de Morro Alto, e assim desejava acompanhá-los por um

bom trecho do caminho.

Padre Fernandes era insistente em suas idéias e

voltou a recomendar a Candinho para que assumisse a

chefia de todos os revolucionários da Colônia de Três

Forquilhas e que cuidasse de se cercar por gente fiel, livres

da influência da família Voges.

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A única coisa que Candinho aceitou intimamente foi o

conselho de cercar-se de gente fiel. Quanto à orientação de

romper as relações com o Major Voges e com os

protestantes, isto ele não podia pensar em fazer, pois lhe

sobraria talvez uma meia dúzia de homens serranos.

Podemos imaginar o que tudo pode ter passado pela

mente de Candinho, não só naquela hora, mas desde 1871,

quando o haviam acolhido em Três Forquilhas, com tanta

consideração. Ele devia lembrar de que fizera o juramento

de jamais permitir que alguém viesse a tocar em um só fio

de cabelo do velho pastor Voges. Nem tocar nos familiares

dele e nem tocar no povo da Colônia de Três Forquilhas,

independente da cor partidária que eles professassem. Isso

ele jurara fazer e ele era cumpridor de sua palavra e dos

seus juramentos.

Em certa altura do caminho, próximo de Morro Alto o

padre despediu-se de Baiano, com um aperto de mãos.

Essa foi a última vez que Candinho viu esse padre,

que, meses depois, seria assassinado, não longe dali.

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O AMBIENTE ESQUENTA

Quando Candinho, dias depois, visitou o Major

Voges, na sede de Três Forquilhas, ele fez um relato

minucioso sobre a conversa de Padre Fernandes. Contou

também detalhes sobre a reunião promovida pelo Major

Azevedo com o objetivo de organizar as lideranças dos

efetivos maragatos. Alertou que uma revolução era tida

como coisa certa.

Major Voges procurou demover Candinho, sobre a

questão da mobilização desse efetivo federalista integrado

por moradores da Colônia de Três Forquilhas, no apoio a

essa revolução. Solicitou que Candinho, pelo menos,

mantivesse as garantias de que jamais haveria de promover

confrontos entre federalistas e castilhistas, na área da

Colônia de Três Forquilhas. Afinal, tal fato seria

transformado numa matança entre irmãos, havia gente de

uma mesma família, em lados opostos, como era a situação

da própria família Voges.

Candinho fez então questão de novamente repetir o

seu juramento, afirmando: - “Haverei de me empenhar para

que os moradores da Colônia jamais venham a sofrer

qualquer tipo de violência”.

Ele acentuou que, afinal, ele sabia muito bem, quem

eram os castilhistas na localidade e teria a maior facilidade

de eliminá-los, um por um, caso assim o pretendesse.

Candinho explicou que se comprometera com Major

Azevedo e com Padre Fernandes, somente de uma coisa.

Era de manter um grupo armado, em condições de

combate. Mas iria evitar combates e mais ainda evitar a

possibilidade de agressões contra moradores da Colônia,

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nem que para isso tivesse que subir para Contendas, no

município de São Francisco de Paula.

Candinho estendeu a mão ao amigo e voltou a

repetir com palavras ainda mais solenes: - “Respeitarei,

sempre, todos os moradores da Colônia de Três Forquilhas,

mesmo aqueles que, muito bem sei, são castilhistas

ferrenhos, como o caso do seu filho Carlos e do seu genro

escrivão”.

Major Voges sabia que o Baiano sempre cumprira a

palavra empenhada. Assim estava satisfeito, pois

continuava afastada toda e qualquer ameaça aos moradores

e principalmente do risco de surgirem combates na Colônia.

Castilhistas locais se organizam

Naquela mesma noite, Major Voges convocou uma

reunião de família reunindo os seus filhos e genros para

explanar a situação da Colônia. Na família Voges, apenas o

Major era maragato enquanto que os filhos e genros eram

castilhistas.

Adolfo Felipe relatou a respeito da reunião que tivera

com Candinho. O filho Carlos o interrompeu, e foi logo

alertando: - “Eu confio desconfiando”.

Carlos Frederico explicou então que, por não confiar

nos federalistas, já conseguira infiltrar dois espiões no

efetivo de Candinho. Eram o mulato Chico Reata e o Negro

Campolino.

O Chico ainda nesta manhã viera, bem cedo, para

contar a respeito de uma conversa que ele ouvira, quando o

Pelotão Três Forquilhas saíra de Conceição do Arroio. O

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espião relatara que um padre de fala castelhana havia

insistido com Candinho para que o mesmo deixasse de

acatar a autoridade do Major Voges bem como a do

subdelegado professor Serafim Agostinho do Nascimento.

Mas que felizmente Baiano nada prometera ao padre.

Candinho apenas aceitara organizar uma tropa federalista

da Colônia de Três Forquilhas, em condições de entrar numa

revolução, se preciso fosse.

Major Voges ficou em silencio, pois o próprio

Candinho lhe contara isso. Estava ciente que a situação se

complicara e decidiu que ordenaria ao Candinho que, para

cumprir o juramento de não molestar moradores da Colônia,

saísse de Três Forquilhas para se fixar definitivamente na

região do Alto Josaphat.

Em prosseguimento, Carlos Frederico pediu

permissão ao pai, para apresentar o seu plano de ação.

Explicou que tomara providências para estabelecer um

esconderijo castilhista, nos fundos do Sítio da Figueira, na

chamada Invernada dos Cavalos.

Informou que conduzira para lá as suas melhores

novilhas e cavalos. Sugeriu que o pai e os demais

familiares, genros e vizinhos, aproveitassem o mesmo local,

para também deixarem ali seus melhores animais ou bens e

valores, tudo o que fosse capaz de despertar a cobiça de

federalistas que viessem promover saques ou roubos.

Carlos Frederico completou, dizendo: - “Bem sei que

também as tropas republicanas que para cá vierem,

chegarão até as nossas casas para livremente praticarem o

confisco de cavalos e de novilhas para providenciar o

suprimento para seus efetivos.

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O exterminador de espiões

As lideranças castilhistas da Colônia de Três

Forquilhas infiltraram espiões que se apresentavam diante

de Candinho como peões sem trabalho e que desejavam

guarida e permissão para lutar contra os pica-paus.

Candinho, um homem precavido, experiente e

matreiro, se acautelava por desconfiar de tais intenções

vindas de peões desocupados.

Como medida de manter contato com todos,

Candinho reunia os seus homens, de tempos em tempos,

em particular quando novos elementos se apresentavam.

Ele alertava: - “Aqui no nosso reduto não temos guarida

para espião pica-pau. Temos conosco o Carniceiro para dar

fim aos falsantes...”.

Apesar dos constantes avisos do chefe, alguns

espiões vieram se juntar ao grupo, não acreditando nesse

risco de morte.

Major Baiano Candinho nomeou, em particular, um

homem para cuidar de uma espécie de serviço de

inteligência no grupo, com o auxílio de agregados, atuantes

no ofício de seleiros e artífices em couro. Tratava-se de

Fredo Sapateiro e seus empregados.

Invariavelmente todos os integrantes do grupo, em

algum momento, procuravam Fredo Sapateiro, fosse para o

conserto de arreios e encilhas, para a confecção de um laço

ou de botas ou chapéus rústicos, feitos em couro. Fredo e

seus agregados estavam assim em contato intenso com

todos os integrantes da tropa. Porém os novos que

chegavam não sabiam que era Fredo o catador de espiões.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

63

Quem foi Fredo Sapateiro? Ele foi um protestante,

descendente de imigrantes alemães, nascido na Colônia de

Três Forquilhas em 25 de dezembro de 1874 e batizado,

pelo pastor Voges, com o nome de Johann Friedrich Ludwig

– o João Frederico Ludwig, depois conhecido como Fredo

Sapateiro. Era um filho de Christian Ludwig e Margaretha

Eberhardt e em sua mocidade ajudara o pai no cultivo de

bananeiras, em escala comercial.

Diante da agitação política Fredo Sapateiro decidiu

abandonar a empreitada, passando a exercer somente a

profissão de sapateiro, que ele tivera oportunidade de

aprender, num período que ele passara na região de São

Leopoldo.

Ao casar com uma serrana Fredo foi fixar residência

na área do Josaphat. Ele ligou-se ao movimento federalista

como homem de confiança de Baiano Candinho, recebendo

o codinome de Carniceiro.

Os indivíduos novos que chegavam, para entrar no

efetivo ou Piquete, organizado por Candinho ouviam relatos

espantosos a respeito do Carniceiro que estaria rondando

constantemente o acampamento maragato à procura de

espiões infiltrados. Contavam histórias aterradoras sobre a

caça e extermínio de espiões. Isto fazia parte do claro

propósito de inibir a ação de eventuais espiões que

porventura estivessem ali presentes.

Fredo Sapateiro jamais se afastou da base do

acampamento6 do efetivo de Baiano Candinho, na área do

Josaphat e era um homem muito tranquilo, dedicado ao seu

trabalho com couro.

De igual modo, Fredo nunca acompanhou ações ou

confrontos, preferindo permanecer em seu refúgio seguro,

na sua Oficina de Couros, no Josaphat.

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Altos e baixos dos republicanos

Carlos Frederico Voges Sobrinho fazia algum tempo

que atuava como sendo o chefe do partido republicano, na

Colônia. O partido estava sofrendo de altos e baixos nesta

área geográfica, ao sabor do balançar dos acontecimentos

que ocorriam na Capital.

Na verdade, o chefe inconteste dos republicanos em

toda esta vasta área desde as praias até a Serra do Pinto

sempre havia sido o Tenente Coronel Antonio de Souza

Neto, morador da Casa da Pedra, próximo do Pântano do

Espinho.

Souza Neto sempre se revelara como um homem

elitista e bastante autoritário que não gostava da presença

dos imigrantes alemães, não por serem de origem alemã,

mas por professarem a religião protestante que os padres

consideravam herética.

A Casa de Pedra foi assim por diversos decênios, o

centro do poder republicano na área, assim como a casa do

Major Voges sempre foi vista como o centro do poder

maragato na área.

A Casa de Pedra se encontrava, na verdade, à

margem da área conhecida por Colônia Alemã. Ali no

Pântano do espinho iniciava a área conhecida por terras de

areia, onde residiam os chamados praianos, dali até a orla

do mar.

Antonio de Souza Neto não conquistava uma maior

aceitação entre os alemães, por causa de seu exclusivismo

religioso, na época do Império o catolicismo, era, de fato, o

credo oficial do Brasil e que ele pretendia defender e

manter.

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Souza Neto perdeu a oportunidade de conquistar a

adesão ao Partido Republicano, de homens cultos dentre os

quais merecem menção Wilhelm Schmitt e o maestro

Christian Tietboehl. Somente quando Souza Neto foi

acometido de grave enfermidade que a sua atividade caiu

em declínio gradativo.

Anos depois, quando ele finalmente faleceu, Christian

Tietboehl exclamou: - “Agora será a nossa vez de assumir o

espaço. A mão de ferro que nos deixou de fora deixou de

existir. O reinado da mão de ferro acabou, assim como

acabam todos os reinos e feudos da terra. Não percamos a

oportunidade para logo estabelecermos o nosso próprio

partido republicano, que oferecerá lugar para todos,

também para os descendentes de origem alemã da Colônia

de Três Forquilhas”.

FIGURA 11: Carlos Frederico Voges Sobrinho, comerciante, tropeiro e líder castilhistas da Colônia de Três Forquilhas.

Fonte: Arquivo fotográfico da família Voges.

Christian Tietboehl e seus filhos, mais Carlos

Frederico Voges Sobrinho, Christovam Schmitt e Gildo de

Aguiar se reuniram no Sítio da Figueira para um encontro

que eles designaram de Momento Histórico dos

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Republicanos de Três Forquilhas. Na oportunidade eles

elegeram Carlos Frederico Voges Sobrinho como chefe do

partido republicano e inscreveram o grupo junto à direção

geral do PRR em Porto Alegre.

Desde aquele momento os republicanos passaram a

ocupar espaços, conseguindo trazer às fileiras partidárias

particularmente os jovens, dentre os quais se viam alguns

que regressavam dos estudos na Capital e vizinhanças e

vinham contagiados pelas idéias professadas por Julio

Prates de Castilhos.

Símbolos republicanos

Os republicanos procuravam deixar sinais que

pudessem identificar suas residências. O símbolo mais

comum passou a ser o plantio de uma cameleira7 diante da

casa. Era, pois a identidade apresentada pelos republicanos

e abolicionistas.

Carlos Frederico Voges Sobrinho, de modo muito

ostensivo, não plantou apenas uma cameleira. Ele plantou

logo seis diante de sua morada, três na ala norte e outras

três na ala sul.

Christovam Schmitt plantou duas cameleiras diante

de seu Cartório e residência, na verdade, casa do pastor

Voges.

O maestro e professor Christian, no outro lado do

rio, também plantou duas cameleiras. Em poucos meses,

diante de inúmeras casas passaram a ser vistas cameleiras.

Alguns caixeiros viajantes constatando esse

repentino interesse por mudas de cameleiras e sabendo da

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inexistência das mesmas, disponíveis no vale passaram a

trazê-las, sendo disputadas como uma rara mercadoria, de

valor inestimável. A cameleira mais apreciada era a de

flores brancas, pois diziam ser o sinal da pureza dos ideais

republicanos e abolicionistas. Carlos Frederico Voges,

entretanto plantou três espécies diferentes, destacando

duas de flores brancas, duas de flores rosadas e duas

mescladas. A grande maioria da população, entretanto,

nada entendia disso e nem se interessavam pelo significado

ou simbolismo de uma cameleira, como identidade político-

partidária e ideológica e, inadvertidamente, adquiriam

alguma muda dessa flor e a plantavam diante das casas.

Em pouco tempo, na época da floração das cameleiras,

noivos republicanos passaram a utilizar uma flor de camélia,

prendendo-a no paletó, de modo ostensivo, no peito.

FIGURA 12: Cameleiras plantadas por CFVoges ainda existem no Sítio da Figueira, em Itati – RS.

Fonte: Foto batida pelo autor, 2010.

À medida que Carlos Frederico foi se firmando na

liderança do partido republicano, ele foi planejando com

seus partidários, medidas preventivas de defesa de seus

interesses. Ele colocou na Invernada dos Cavalos uma

guarnição armada, comandada pelo Negro Custódio e

integrada pelos peões Luciano Vicente, João Coruja, Chico

Moreira, João Moreira, Crioulo Alves e os Irmãos Colônia,

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que, em dois turnos, se revezavam na defesa do local.

Ninguém da população menos avisada observava nada

disso, pois tudo acontecia em total sigilo. Porém estava

iniciada a formação de uma força republicana local, em

condições de agir em caso de necessidade ou para um

enfrentamento direto com a força federalista comandada

por Baiano Candinho.

Um embate armado estava afastado à medida que

Baiano Candinho passou a manter a sua base também

escondida, num ponto distante da Colônia, em meio às

Charnecas de Labatut, no Alto da Serra.

Candinho aceitara a recomendação feita pelo major

Voges e afiançara: - “Concordo com o senhor que é bom e

necessário colocar uma grande distância entre a minha

força e o grupo de homens armados que o seu filho mantém

no Sítio da Figueira”. Candinho revelou assim que já sabia

de toda a movimentação dos castilhistas da Colônia.

A reativação do Ritterverein

Num domingo, pela manhã bem cedo, Major Voges

teve a atenção despertada pelo trotear de muitos cavalos,

em movimentação diante do templo, e em frente do seu

armazém. Levantou-se da cadeira, onde sentara para tomar

chimarrão e foi ver o que acontecia.

Surpreso, viu o seu filho Carlos, o seu genro

Christovam e muitos jovens das redondezas, inclusive o

maestro Christian Tietboehl e filhos, mais o Peter Feck e

tantos outros cavaleiros, no lombo de seus cavalos,

portando suas tradicionais lanças dos torneios equestres.

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Major Voges saiu para o pátio e perguntou: - “O que

está acontecendo, filho?”.

O jovem ouvindo o chamado do pai virou a montaria

e prestativamente, foi até ele para dar satisfação, conceder

explicações a respeito daquela movimentação, ele foi

dizendo: - “Pai, eu nada lhe falei, mas nós decidimos

reativar a atividade da nossa Sociedade de Cavaleiros. Isso

é coisa minha, do cunhado Christovam e do professor

Tietboehl. Bem sei que o senhor sempre presidiu a nossa

sociedade de cavaleiros, porém vendo que nada mais

acontecia, decidi reunir o pessoal para um torneio”.

Major Voges deu sinais de contrariedade e reclamou:

- “Filho, será que não tiveste tempo para chegar aqui em

casa para combinar isso comigo? Mas agora já está feito e

bem sei que a tua idéia nada tem a ver com torneios. Seja

sempre sincero com o teu pai, mesmo que não estamos nas

mesmas fileiras. Afinal, não me deves satisfação sobre o

que vocês castilhistas pretendem. Portanto sigam o ideal de

vocês e reúnam os correligionários castilhistas. Bem sabes

que não os acompanharei nessa empreitada. Mas confio em

vocês de que não haverão de afrontar os maragatos, que

foram para o Alto Josaphat para nos pouparem de combates

em nosso vale. Vejo ali o maestro Christian Tietboehl e

como eu tenho total confiança no que ele faz e no que ele

participa, sei que vocês se manterão em movimentação

pacífica”.

Carlos Frederico entendeu a reprimenda do pai e foi

logo demonstrando submissão: - “Pai, eu agradeço pela sua

confiança e prometo que nos manteremos desarmados,

apenas portando as nossas lanças de torneio. Porém quero

lhe pedir um favor. Nós aqui nos reunimos para buscar a

benção do meu avô pastor. O senhor poderia chamá-lo e

trazê-lo até a soleira da casa pastoral, para que ele nos veja

e nos diga algumas palavras?”. Major Voges encaminhou-se

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a casa pastoral e foi em busca do seu pai. Os cavaleiros

permaneceram ali perfilados, com o olhar fito na porta,

ansiosos pela vinda do idoso pastor Voges.

Passada mais de meia hora, finalmente o patriarca

espiritual assomou o umbral da porta de sua casa. Veio

amparando-se com uma mão na pesada bengala de madeira

e com a outra mão segurando o braço do seu filho. E,

segurando nas calças do velho, vinha também o menino

Alberto Schmitt, sempre muito agarrado com o seu bisavô e

curioso com os acontecimentos. Pastor Voges entregou a

bengala ao menino e então levantando lentamente o braço

direito foi balbuciando palavras que nenhum dos cavaleiros

conseguia entender, por causa da distância e em virtude do

resfolegar de um e outro cavalo.

Carlos Frederico, montado me sua mula predileta, foi

até a testa do grupamento e deu ordens de perfilar, de

levantar as lanças e gritou em alta voz: - “Que a vitória seja

da lealdade de todos nós, vivaaa!”.

Os cavaleiros balançando as lanças, fazendo as

bandeirolas drapejar ao vento, responderam: - “À vitória da

lealdade, vivaaa!”.

Carlos Frederico deu então ordem de marcha e os

cavaleiros dirigiram-se à trote lento, rumo ao potreiro de

Christian Barata Eberhardt, que ficava bem próximo, na

direção norte.

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UM SUCESSOR PARA PASTOR VOGES

Major Voges fazia questão de manter diálogo com os

seus genros e filhos castilhistas. Cada vez que algum destes

estivesse por perto os convidava para sorver um cafezinho

em seu armazém e para analisar as perspectivas e planos

para o futuro da Comunidade.

Quem mais vezes vinha para dar o ar da graça, era o

genro Johann Peter Jacoby Neto casado com Luisa Henrietta

Voges.

Numa dessas ocasiões aconteceu que também Peter

Feck ali compareceu, para fazer compras e, logo teve início

uma animada conversa.

FIGURA 13: Residência e casa comercial do Major Adolfo Felipe Voges, situada diante do templo.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

Peter Feck quis saber: - “Eu gostaria de entender o

motivo que levou o pastor Voges a dar aquela benção ao

Baiano Candinho e seu bando? O que será que o pastor viu

nesse homem?”. Peter era um castilhista e cavaleiro do

Ritterverein e recebera a benção do pastor, fazia poucos

dias.

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Major Voges explicou: - “Conheço bem o Candinho e

sei que ele sempre foi um nordestino muito religioso... Por

isso não é de se espantar que ele viesse decidido,

colocando-se diante do pastor com o objetivo único de

receber a benção dele. Além disso, o Candinho é membro

da nossa Igreja, pois casou com a Maria Witt diante de meu

pai e também tem batizado os seus filhos em nossa Igreja.

Não é isso motivo suficiente para explicar o comportamento

do Baiano?”.

Peter Feck, veterano da Guerra do Paraguai, que vira

o horror dos campos de batalha, passara a detestar a idéia

de um conflito armado na área da Colônia, reclamou: - “Por

que o pastor não aproveitou a ocasião para dar ordens ao

Candinho, exigindo que eles largassem ali mesmo todas as

idéias erradas e absurdas de fazerem planos para enfrentar

o nosso Governador Júlio de Castilhos? Em vez de se

rebelarem contra a autoridade legítima do nosso governo

riograndense, porque Candinho não foi simplesmente

aconselhado a dispensar esses pobres colonos, peões e

tropeiros que o acompanham, e mais ainda que eles são, na

maioria, também protestantes, pertencentes à nossa

Igreja?”.

Major Voges, diante do tom sarcástico do

interlocutor, ficou com um ar de seriedade nitidamente

desenhado no rosto e explicou: - “Já em 1891 o baiano foi

convocado pelo Major Azevedo, antigo chefe do Partido

Liberal e agora líder do Partido Federalista em nossa

Comarca de Conceição do Arroio. Existe um povo que não

aceita os planos de Júlio de Castilhos... Preciso esclarecer

que o Candinho foi convocado para servir a causa

Federalista. Além do mais Candinho foi lembrado pelos

maragatos de Conceição do Arroio em virtude da minha

recusa de comandar alguma força revolucionária do nosso

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vale, que ficasse em condições de entrar em combate,

quando convocada”.

- “O compadre fez bem!”, respondeu Peter Feck.

Enquanto rolava essa conversa, aproximou-se Bina

Rosina, esposa do Major, acompanhada por uma serviçal

doméstica. Ela passou a servir cafezinho para os três

homens.

FIGURA 14: Adolfo e Bina Rosina Voges. Fonte: Álbum fotográfico da Família Voges.

Peter Feck sorriu, cumprimentou Bina Rosina e falou:

- “Bom dia, tia Rosina. A minha esposa, sua sobrinha, pediu

que eu lhe transmitisse especiais cumprimentos. Ela só não

veio comigo para fazer essas compras porque está

envolvida na cozinha, no preparo do almoço”. Depois,

dirigindo-se novamente ao Major, reclamou: - “Que história

é essa que o seu filho Carlos, o seu genro Christovam e o

maestro Tietboehl estiveram em São Leopoldo, para

entregarem de mão beijada, a nossa igreja para um dito

Sínodo do Rio Grande? É isso verdade? Eles passarão então

a ser donos da nossa igreja?”.

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Bina Rosina colocou-se diante do Feck,

interrompendo o assunto levantado, como que reclamando

da afobação do mesmo, recomendou: - “Preste mais

atenção, Peter, pois que se a minha sobrinha pediu que aqui

viesses para ligeiro buscar umas compras, pode ser que ela

precise dessas mercadorias para completar o almoço de

hoje. Ela pode estar plantada na cozinha, aguardando a sua

volta... Não a deixe na mão...“.

Bina sorriu e postou-se ao lado do marido.

Major Voges também sorriu e explicou: - “Deixa

estar querida Bina Rosina que agora não posso deixar de

pelo menos dar uma resposta para essa questão que o

Peter levantou”.

Voges fez uma pausa e encarando o interlocutor com

ar de seriedade, falou: - “Amigo Peter Feck, tu que és um

homem vivido, que és alguém que sobreviveu a uma dura

guerra, não deverias dar crédito a conversa de rua e de

pessoas desinformadas. Posso adiantar que a necessidade

de buscarmos um sucessor para o meu pai já vem de mais

de quatro anos, a pedido de meu próprio pai. Ele notou que

as forças começaram a lhe faltar... Um dia eu mesmo,

numa viagem que tive que fazer a São Leopoldo, fui

procurar os pastores que dirigem o Sínodo Riograndense.

Explanei o nosso problema e recebi todas as orientações

para sermos incluídos no fornecimento de assistência

pastoral, providenciada por eles. Recebi um documento que

tivemos que ler diante de toda a nossa Comunidade para

ser aprovada e assinada. Fizemos isso e eu mesmo devolvi

a eles o documento, enviado através de um portador

confiável. No entanto, o tempo vai passando e, no último

contato, nos responderam: < não é fácil encontrar um

pastor em condições de trabalhar em vossa região inóspita!

>”.

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Jacoby Neto que, até então, estivera em silêncio,

pediu a palavra ao sogro e comentou: - “Eu estive presente

naquela reunião da Comunidade quando aprovamos nos

ligar ao Sínodo Riograndense e fui um dos que assinaram o

papel. Não sei por qual motivo o amigo Peter não veio se

juntar conosco e ajudar a dar força para mantermos a nossa

Igreja em atividade”.

Peter Feck sorriu e reclamou: - “Neto, não ralhe

comigo que isso não resolve nada. Além do mais não

aguento ficar por muito tempo naqueles bancos duros da

igreja. Quando sou obrigado a ir para um batizado ou

casamento, deves ter notado que logo levanto e me dirijo

até o lado de fora para enrolar um palheiro e colocar as

minhas idéias em dia”.

Todos riram e Bina Rosina aproveitou o momento

para pedir licença afim de retornar à cozinha, informando

que as serviçais poderiam estar necessitando de suas

ordens para fazer o almoço.

Peter Feck ficou sério, levantou também da cadeira e

segredou: - “Então é líquido e certo que o tal do Sínodo do

Rio Grande vai nos dar um pastor, para tomar o lugar do

nosso velho?”.

Major Voges sentenciou: - “Isso mesmo, é líquido e

certo e, é tão certo que o meu filho Carlos, o Christovam e

o professor Tietboehl já tem viagem marcada para seguirem

mais uma vez a São Leopoldo. Eles vão para ver se agora

conseguem apressar a vinda de um pastor novo, pois o

tempo urge...”.

Peter Feck esfregou as mãos demoradamente, como

se precisasse prepará-las para segurar o saco de compras e,

pedindo licença, agradeceu pela atenção. Ele saiu porta a

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fora, onde o seu cavalo, impaciente, esperava pelo dono,

para tomar o caminho de retorno à casa.

Novo contato com o Sínodo Riograndense

A comissão de membros da Comunidade, integrada

por Carlos Frederico Voges Sobrinho, Christovam Schmitt e

Christian Tietböehl preparou-se para a viagem a São

Leopoldo. Decidiram ir à cavalo, cortando caminho pela

Serra do Pinto, e prosseguindo num caminho que eles

conheciam muito bem.

Porém antes de sairem reuniram-se mais uma vez

com Major Voges, para receberem as instruções finais sobre

o modo de proceder no contato com a liderança do Sínodo.

Major Voges forneceu-lhes uma folha com itens

enumerados, como segue:

INFORMAÇÕES PARA OS DIRIGENTES

DO SÍNODO

1 – Informo que a Comunidade adquiriu um lote de

terra, igual ao que cada colono recebeu quando da

chegada ao vale, em 1826. O lote será doado para o

Sínodo Riograndense.

2 – A Comunidade construiu uma casa em estilo

enxaimel, edificada pelos pedreiros irmãos Pereira de

Souza e contando com a ajuda do carpinteiro Carl

Huyer.

3 – A exigência de uma garantia de moradia está,

portanto, concedida, conforme os itens 1 e 2.

4 – O templo conhecido como igreja de pedra

recebeu uma reforma recente e apresenta boas

condições de uso.

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5 – Foi eleito um grupo de liderança, forte e unido,

constituído de quatro membros (Carlos Frederico

Voges Sobrinho, Christovam Schmitt, João Pedro

Jacoby Neto e Christian Tietböhl) que são homens

preparados e em condições de ajudarem o pastor no

trabalho de organização da Comunidade, conforme

as exigências definidas pelo Sínodo Riograndense.

6 – O sustento do pastor será garantido desde o

momento de sua posse no cargo, com o

fornecimento de gêneros alimentícios doado pelo

comércio e com a arrecadação de dinheiro junto aos

membros ativos da Comunidade.

7 – O velho pastor Carlos Leopoldo Voges, com seus

noventa anos de idade, ainda atua prestando alguns

serviços, conforme pode e no modo que a sua força

física permite e, por isso, deverá ser tratado com

carinho pelo seu sucessor, pois que ele não consegue

mais entender de que ele precisa ser substituído.

Três Forquilhas, 08 de fevereiro de 1892

Assina:

Adolfo Felipe Voges – Dirigente (Vorsteher)

da Comunidade Evangélica de São Pedro de

Alcântara de Três Forquilhas.

Os integrantes da comissão receberam ainda de

forma oral, detalhes minuciosos de cada item, com

informações adicionais que poderiam vir a ser necessárias

nas conversações que deveriam ser mantidas com os

pastores do Sínodo.

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A reunião com o Presidente do Sínodo

Em São Leopoldo os três representantes da

Comunidade de Três Forquilhas foram muito bem acolhidos.

O impacto maior foi certamente a folha de papel que Major

Voges lhes fornecera. O pastor presidente pediu que o papel

lhe fosse entregue, para comprovar as medidas que ele

teria que tomar, de modo emergencial, sem consulta prévia

ao colegiado de pastores.

Concluídas as tratativas administrativas, os três

representantes da Comunidade de Três Forquilhas foram

colocados em contato com o pastor Gustav Geisler, que se

encontrava em São Leopoldo, em busca de um local de

trabalho.

O pastor presidente recomendou: - “Apresento-lhes

um candidato que poderá seguir a Três Forquilhas, isto se

os senhores forem capazes de mover o interesse dele, para

que se disponha a assumir aquele pastorado”.

Na sequência ocorreu um importante colóquio entre

a comissão de Três Forquilhas com o pastor Gustav Geisler8.

Este se mostrou vivamente empolgado com a descrição do

litoral norte do Rio Grande do Sul, das lagoas e do rico vale

de Três Forquilhas. Apreciou as informações a respeito da

casa nova, recém construída, e do grande lote de terras,

colocados à disposição, e comentou: - “Quem sabe, com a

ajuda de um ou dois peões, consigo implantar uma lavoura,

criar galinhas, patos e porcos e ter a minha vaca!”.

O jovem pastor explicou que a descrição da

Comunidade era bem convidativa, mas solicitava apenas

alguns dias ou, no máximo, duas semanas para resolver

alguns problemas pessoais, sendo o principal, o seu

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casamento, pois que era noivo de uma jovem de Santa Cruz

do Sul que ele conhecera recentemente.

Carlos Frederico Voges Sobrinho colocou uma mão

no ombro do pastor e sugeriu – “Case então em nossa

igreja de Três Forquilhas para selar de modo definitivo o seu

vínculo com a nossa gente”.

O pastor prazerosamente respondeu: - “Da minha

parte, a minha união matrimonial pode ser realizada em

Três Forquilhas, para marcar com força o início do meu

trabalho. Creio que a minha noiva não fará objeções e

quanto aos familiares dela e, afinal, as poucas pessoas que

convidaríamos bem podem viajar até lá, para nos

concederem apoio, na construção de nosso novo lar

pastoral. E caso isso venha a acontecer quero desde já

convidá-lo para que seja o meu padrinho de casamento,

uma vez que não tenho nenhum parente próximo aqui no

Brasil”.

O retorno da comissão foi marcado pela satisfação

por conta dessa notícia tão alentadora, que eles estavam

trazendo para todo o povo da Colônia de Três Forquilhas.

A chegada do pastor Geisler

Em pleno mês de outono, no tempo tão precioso da

natureza, quando as árvores frutíferas oferecem os seus

frutos saborosos, para todos, sejam os que as cultivaram,

ou sejam aqueles que as conseguem adquirir.

Veloz correu a notícia através de toda a Colônia: - “O

pastor novo chegou!”.

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Pessoas curiosas e residentes nas proximidades da

nova casa pastoral, velhos, jovens e mulheres

acompanhadas com seus filhos, saíam a passear pela

estrada, ao anoitecer. Desejavam ver, nem que fosse

apenas de longe a figura desse novo guia e cura d’almas.

O pastor ficou envolvido com a organização da casa

pastoral e com atividades para estabelecer nos fundos da

morada, um cercado para o seu cavalo e para uma futura

vaquinha que ele desejava adquirir. Ele recebeu o auxílio de

alguns peões que major Voges lhe cedera, homens

prestimosos e competentes, para esse tipo de trabalho. O

pastor decidiu preparar também um galinheiro, um cercado

onde as galinhas tivessem um bom espaço para ciscar na

grama. Os peões o demoveram de instalar um chiqueiro,

alertando que haveria um mau cheiro que não seria

agradável para uma casa pastoral.

Geisler decidiu que tudo deveria estar pronto, limpo

e bem organizado para o dia da chegada de sua noiva, dos

familiares dela e de alguns poucos convidados que se

dispuseram enfrentar tão difícil viagem.

Major Voges, no dia da chegada do pastor já avisara:

- “Enquanto o nosso novo pastor não estiver casado, fará

todas as refeições em minha casa, pois são apenas

duzentos metros de caminhada”.

O novo pastor procurou aproveitar bem todos os

momentos que lhe eram concedidos, em particular quando

podia estar em torno da mesa com Major Voges e Bina

Rosina, um momento propício para escutar ou para falar

com o casal que lhe dedicava tão cordial hospitalidade.

Geisler era uma pessoa calma e tranquila, seguro em

suas palavras e reconhecido pelas suas qualidades de

orador e de professor. Major Voges, observando o novo

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pastor, segredava para Bina Rosina: - “Esse pastor é a

pessoa certa para a situação que aqui enfrentamos, em

nossa Comunidade e na nossa Colônia. Ele sabe ouvir e

quando fala, nota-se que é inteligente e experiente.

Constato que ele dá valor para as pessoas desde as mais

simples e até para as idéias mais estranhas. Ele se entende

com os meus peões rudes. Fico satisfeito de poder ver como

ele aceitou os conselhos de peões, para fazer as instalações,

galpões e galinheiro, nos fundos da casa pastoral.

Uma pessoa que domina três línguas, o alemão, o

português e o inglês, pois que estudou teologia nos Estados

Unidos da América do Norte, deve ser muito culto. Porém o

que nos convém é que ele é também muito acessível, seja

para o preto ou o branco, seja para o pobre ou o rico, seja

para o filho desta terra, os descendente de alemães.

FIGURA 15: Pastor Gustav Geisler atuou em Curitiba,

Ponta Grossa, Argentina, Três Forquilhas, Montenegro e Monte Alverne. Faleceu em 22.10.1925, em Joinville-SC, onde foi sepultado.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

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Reunião com os líderes da Comunidade

Um dos momentos mais aguardados pelas lideranças

da Colônia de Três Forquilhas foi a anunciada primeira

reunião com o novo pastor. Enorme curiosidade tomou

conta de todos. Além dos líderes da Comunidade também

ali haviam comparecido curiosos, que permaneceram

sentados nos bancos do fundo do templo.

Os curiosos estavam ali presentes para ver e ouvir o

novo pastor, mesmo de longe. Haviam tomado

conhecimento que o primeiro culto, poderia demorar dois ou

três meses, tempo que o novo pastor necessitaria para

retornar ao vale do rio dos Sinos e tomar providências para

a sua mudança, que haveria de ser acompanhada por uma

pequena comitiva. Além da noiva o acompanhariam os

familiares dela, convidados e o pastor Wilhelm Mühlinghaus,

pároco de Montenegro – RS., convidado para celebrar a

benção matrimonial. O casamento, portanto, já estava

marcado para o dia 25 de junho de 1892, a ser realizado no

templo da Colônia de Três Forquilhas.

Major Voges iniciou a reunião, solicitando: - “O novo

pastor nos dirija numa prece de invocação a Deus!”.

Feita a oração pelo pastor, o major explicou: -

“Agora já ouvimos a voz do nosso novo pastor... Assim eu o

considero apresentado aos líderes de nossa comunidade,

muitos dos quais já tiveram a oportunidade de conversar

com ele em outros momentos. Peço que agora o pastor vos

fale um pouco sobre a sua origem, os seus estudos e sobre

a sua vinda ao Brasil e das comunidades de nossa igreja,

onde ele chegou a trabalhar”.

Pastor Geisler fez uma apresentação resumida

dedicando maior tempo para falar sobre a sua experiência

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em Curitiba, na Província do Paraná e da sua estada na

Argentina. O pastor falou sobre as suas expectativas e

finalizou dizendo: - “Declaro que me tornei um admirador

do vosso já idoso pastor Carlos Leopoldo Voges que neste

momento deve estar aqui bem perto de nós, recolhido à sua

casa, a talvez dez ou quinze metros do ponto onde eu estou

parado. Entendi muito bem quando o filho dele, o Adolfo

Felipe se desculpou explicando que o pai não aguentaria

uma reunião demorada e certamente também não aceitaria

a minha presença, para ser seu sucessor. Afinal, ele com

seus noventa anos de idade, e com, em torno de sessenta

anos de dedicação ao pastorado de Três Forquilhas tem, a

meu ver, todo o direito de se comportar deste modo. Quero,

pois dedicar a ele todo o respeito que a ele devemos, bem

como a minha grande admiração. Conforme os relatos de

Adolfo Felipe, o valor e a dedicação de pastor Voges são

inegáveis. Nesta hora quero citar um texto de Eclesiastes,

para reconhecer que tudo debaixo do céu tem o seu tempo

definido. Essa constatação me levou à decisão de permitir

que o pastor Voges, caso algum membro ainda queira

receber os seus serviços e se ele considerar em condições

de realizá-lo, que ele faça batismos, casamentos ou

enterros. Haverei de me manter bastante discreto, à

margem por entender de que é meu dever de zelar pela

consideração e pelo carinho que devemos ao vosso

verdadeiro patriarca espiritual”.

Os líderes reunidos exclamaram: - “Vivaaaa, pastor

Voges”!

Finalmente Geisler explicou que, a princípio, ele não

desejava fazer nenhuma modificação na vida e nos

costumes da Comunidade. Desejava ouvir e ver, conhecer e

saber, para somente depois estabelecer medidas previstas

no Estatuto do Sínodo Riograndense.

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Antes do término da reunião o major Voges retomou

a palavra agradecendo ao pastor e às lideranças pela boa

vontade e disposição demonstrada, ao conceder colaboração

no propósito comum, de dar continuidade ao trabalho

pastoral na Comunidade.

Todos voltaram aos seus lares demonstrando

satisfação, contentes com o modo de falar e de agir do novo

pastor. Igualmente expressaram alívio, de poderem contar

com a presença de um sucessor para o idoso pastor Voges.

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MAJOR VOGES CONDUZ A TRANSIÇÂO

Nas semanas após a viagem do novo pastor rumo a

São Leopoldo, para ultimar sua mudança, o Major Voges,

que ocupava a função de Vorsteher – dirigente da

Comunidade - aproveitou para fazer reuniões com

lideranças comunitárias. Vinham pessoas das mais

diferentes famílias, de quase todas as casas da Colônia.

Esse procedimento foi muito importante, pois serviu para

deixar a Comunidade bastante receptiva para as ações

administrativas que se fariam necessárias, assim que o

pastor assumisse o cargo. Ele teria que propor medidas

imediatas para atender as inúmeras exigências feitas pelos

dirigentes do Sínodo Riograndense, para tornar real o

vínculo eclesiástico estabelecido, por ora apenas no papel.

Na primeira reunião Major Voges apenas relembrou

um pouco sobre a história da Comunidade. Na reunião

seguinte, anunciou que falaria a respeito dos

acontecimentos que conduziram ao entendimento comum,

de que, o plano de transição no pastorado era urgente e a

busca pelo sucessor para o seu pai pastor teve que ser

agilizada, em caráter de urgência.

Nesta segunda reunião, Major Voges, iniciou fazendo

uma avaliação do trabalho pastoral desempenhado por seu

pai. Recordou a situação vivida desde 1890, explicando: -

“O meu pai deu mostras de não mais ter a força física

necessária para conduzir um culto ou para oficiar um

casamento ou um batismo. Ele não aguenta mais ficar em

pé por muito tempo e passou a solicitar a minha ajuda e a

do maestro Wilhelm Tietböhl para auxiliá-lo na realização de

serviços. Todos vocês acompanharam esse nosso drama e

dificuldade. Por isso passamos a preocupar-nos seriamente

com a sucessão pastoral, por causa da idade avançada do

meu pai. Ficou evidente que o pastor passou a enfrentar

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também muitas dificuldades para fazer uma simples

prédica. Ele passou a fazer uso de compêndios de

meditações e de sermões9 que ele um dia conseguiu

adquirir, junto ao Sínodo Riograndense e que ele agora

simplesmente passa a ler, na hora do sermão. Todos nós

certamente nos recordamos como o meu pai passou a pular

algumas páginas e continuar lendo em algum outro ponto

qualquer quando o sermão ali impresso era muito longo. Ele

precisou apoiar-se em material já elaborado e passou a

realizar simples cultos de leitura, algo que qualquer um de

nós também poderia fazer, com uma leitura talvez bem

melhor que a dele. Fiquei constrangido para reclamar,

quando notei que ele não tinha mais condições para

transmitir idéias próprias mais extensas ou aprofundadas, a

respeito de qualquer tema bíblico. Meu pai agora está

assim, depois de meia dúzia de frases, já não lembra direito

o que ele desejava falar. Não consegue mais apresentar

uma pregação coerente. Por isso é tão necessário que o

novo pastor assuma logo este pastorado...”.

Peter Feck ficou espantado com a revelação e disse:

- “Eu não havia notado esse detalhe, que o pastor Voges

passou a ler as suas prédicas...”.

Todos os presentes riram, pois bem notavam que o

Peter Feck não aguentava ficar sentado no templo, quieto,

para escutar um sermão. Ele além de vir poucas vezes aos

cultos, quando vinha não demorava sentado em seu banco.

Em dado momento simplesmente levantava, saía até o lado

de fora para enrolar um palheiro e fumar um pouco.

Certamente ele era como alguns frequentadores dos cultos,

que jamais notaram esse detalhe, que pastor Voges passara

a ler o seu sermão e que ele passara a pular páginas, ora

aqui e ora ali, para logo terminar a sua fala.

Major Voges continuou explicando: - “Tínhamos

também membros mais atentos, em nossa Comunidade que

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viram essas dificuldades do meu pai como essa de não mais

conseguir realizar um simples sermão. Talvez por causa

disso muitos de vocês passaram a se alertar mutuamente,

dizendo: < Nosso pastor está ficando caduco >. Mas bem

sabemos que ele não está caduco e todos sempre o

respeitamos muito. Ele é quase venerado pelo nosso povo

da Colônia de Três Forquilhas, pois todos ouviram seus pais

contando como ele, no passado, os conduziu de modo tão

incansável e com tanto devotamento, até essa idade

avançada”.

Major Voges fez uma pequena pausa e logo

continuou explicando: - “O Sínodo Riograndense, acatou o

nosso apelo depois de eu mesmo ter ido lá uma vez e,

depois da ida de nossa Comissão, em duas outras

oportunidades. Os dirigentes do Sínodo felizmente nos

atenderam e nos concederam o envio do pastor Gustav

Geisler, para ser o sucessor do meu pai. Posso lhes afiançar

que a escolha do pastor Geisler foi muito acertada, pois na

conversa com ele, durante as refeições em minha casa, eu e

Bina Rosina, meus filhos e cunhados, todos nós

constatamos que ele é um pastor altamente qualificado. É

um pastor experiente e se revela na altura de dar conta

dessa difícil tarefa. Ele conhece bem a realidade brasileira,

pois chega aqui depois de uma larga experiência no trato

com os delicados problemas vividos pelos alemães russos

do Volga que foram barrados de se estabelecerem no

Paraná, em particular, no relacionamento com as

autoridades brasileiras. Ele vivenciou a passagem do

Império para a República. Ele sabe de tudo a respeito das

renovadas promessas do Governo da nossa República, de

conceder uma maior liberdade de culto e um maior espaço

para o povo protestante para a participação efetiva na vida

pública, algo que ainda precisa ser melhorado muito mais,

para podermos nos sentir integrados como plenos cidadãos

da Pátria Brasileira...”.

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Major Voges fez outra pausa e depois continuou: -

“Certamente por eu ser filho do velho pastor, que recebi a

difícil tarefa de ajudar o novo pastor, particularmente no

sentido de ser abrandado o impacto que a presença

estranha causará ao espírito do meu pai nonagenário.

Sabemos que o Pastor Geisler aqui chega com a missão de

normalizar a situação da nossa Comunidade, para um pleno

vínculo com o Sínodo Riograndense. De acordo com a minha

opinião ele mostrou sua competência, pois procurou não

interferir nas atividades e na vida do meu pai. Deixou que o

mesmo continuasse ainda oficiando eventuais batismos ou

casamentos que lhe fossem solicitados, mesmo depois de o

novo pastor tomar posse no cargo e tiver assumido a total

responsabilidade pelo serviço pastoral em nossa

Comunidade”.

Antes de finalizar a reunião, Major Voges convidou

todos os presentes para o acompanharem a nova casa

pastoral e explicou: - “Gostaria que todos pudessem ver a

casa agora, antes da entrada do novo pastor. Haverão de

constatar que a casa do pastor comporta uma boa sala,

uma cozinha, dois dormitórios e uma pequena despensa. O

sótão também é aproveitável apresentando um quarto único

e bastante espaçoso, onde colocamos uma meia dúzia de

camas, para eventuais visitas que o pastor com certeza

receberá, para aqui realizar o seu casamento, em nosso

templo. Porém explico que a escola da Comunidade ainda

permanece sediada no piso superior do sobrado de meu pai.

O professor Serafim aqui presente, que, conforme todos nós

sabemos, já é aposentado pelo Estado, porém se dispôs a

continuar lecionando em nossa Escola da Comunidade,

enquanto as suas forças físicas e mentais o permitirem”.

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FIGURA 16: Nova casa Pastoral construída em 1892.

A mesma foi ampliada em 1912 com a construção de salas de aula. Fonte: Gravura do autor

Professor Serafim levantou-se e acrescentou: - “Não

só estarei lecionando enquanto as minhas forças físicas e

mentais o permitirem. Tenho mais medo é das mudanças

políticas que estão sendo desenhadas no horizonte, as quais

poderão deixar alguns de nós jogados de lado... Já constato

de que até aqui, na Colônia, surgem adversários que

querem me ver fora da Escola por eu não me dispor a

compactuar com certos planos e idéias que querem impor

sobre nosso povo riograndense... Eu sou contra toda a

forma de ditadura... Vivaaa a liberdade!”.

Algumas vozes discordantes foram ouvidas vindas de

castilhistas locais, que não suportavam a forte influência

que professor Nascimento exercia junto com a maioria dos

seus ex-alunos, que o admiravam.

Major Voges apressou-se em cortar o assunto, para

evitar o surgimento de alguma discussão mais acirrada.

O major convidou: - “Vamos agora ver a nova casa

pastoral, principalmente para vê-la como ela é por dentro.

Afinal esse é um presente que estamos dando ao Sínodo,

para selar o nosso vínculo eclesiástico. Eles receberão um

terreno e uma casa, exclusivos, para servir de morada para

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o pastor, mais o templo que agora também será

propriedade do Sínodo Riograndense”.

Uma voz ecoou: - “Estão entregando o nosso templo

para gente que não sabemos nem quem eles são!”.

Major Voges tentou ver quem assim reclamava e foi

logo explicando: - “Não estaremos perdendo nada, pois nós

somos ligados à nossa Igreja e como tal, também nós

estamos sendo integrados ao Sínodo, pertencendo a ele de

agora em diante. Porém, em contrapartida eles sempre

estarão zelando para termos assistência eclesiástica, para

nós, para nossos filhos e netos, enquanto aqui existir uma

Comunidade Luterana”.

Fêz-se silêncio, apenas se ouviam as passadas de

todos saindo do templo para buscar a estrada para a

caminhada a nova casa pastoral, que ficava a duzentos

metros dali.

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PASTOR GEISLER ASSUME O CARGO

Os meses de espera pela vinda definitiva de Pastor

Geisler foram repletos de expectativas. A Comunidade ficou

muito bem motivada pelo Major Voges para receber o

pastor com a sua noiva e familiares e, alguns convidados

que viriam para o casamento.

Essa motivação dera tão bons resultados que a

curiosidade se tornara generalizada, em todos os recantos

da Colônia.

Quando o inverno começou a mostrar a sua cara e o

frio minuano soprava intensamente, a Colônia foi

surpreendida com a chegada de uma comitiva de gente

estranha, tendo à frente uma carroça jamais vista, muito

leve, com um toldo armado e puxada por quatro cavalos

pretos. Nela vinham, no banco da frente os dois pastores

Geisler e Mühlinghaus, que eram amigos de longa data. No

banco de trás estavam acomodados a noiva com os seus

pais, todos muito bem agasalhados, procurando se proteger

do frio e do vento. Na parte traseira da carroça estavam

acondicionados muitos volumes, baús, caixas e malas,

certamente contendo roupas, livros teológicos do pastor e

algumas louças e talheres que a noiva já recebera de

presente para o casamento.

Seguindo a carroça vinham diversos cavaleiros

puxando cargueiros10 trazendo volumes muito bem

acondicionados e bem protegidos também trazendo

bagagens dos visitantes.

A comitiva seguiu direto até defronte a igreja da

Colônia de Três Forquilhas, porém não entraram nela.

Encostaram do outro lado da estrada, de onde se via a casa

do Major Voges.

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Dona Bina Rosina, já alertada para a chegada dessa

estranha comitiva, estava diante da casa, toda sorridente e

de braços abertos, saudando o pastor e seus

acompanhantes.

Entrando casa adentro lá já se via uma mesa posta

com uma panela de sopa fumegante no centro. Estava

decidido que todos fariam uma leve refeição para depois

seguirem aos seus destinos, previamente definidos. A noiva

com seus pais ficaria ali mesmo, hospedados na casa de

Major Voges e de Bina Rosina, até o dia do casamento.

Os dois pastores e alguns convidados foram a casa

pastoral, para ali se acomodarem e se sentirem em casa. E

o restante ao Sítio da Figueira, onde Carlos Frederico Voges

Sobrinho e Bininha Schmitt Voges os aguardavam, já com

os quartos de hóspedes prontos. Esse plano preestabelecido

funcionou perfeitamente.

Os dois pastores com alguns convidados já estavam

sendo aguardados por uma serviçal que Bina Rosina cedera

para o pastor Geisler, até que ele pudesse se casar e

organizar a sua vida doméstica. A despensa da casa

pastoral estava bem abastecida com gêneros alimentícios,

vendo-se baús, barricas e recipientes, onde Bina Rosina

mandara estocar arroz, feijão, farinha de trigo, fubá,

polvilho, farinha de mandioca, banha de porco, algumas

dúzias de ovos, tudo devidamente acondicionado para

aguentar muitas semanas.

No estábulo, num lado estava uma vaca leiteira com

o seu cocho, No outro lado do estábulo viam-se cocheiras

para cavalos e pasto, milho e forragem, acondicionados no

galpão anexo. No galinheiro se via uma galinha choca num

ninho chocando seus ovos e em outro ponto algumas

galinhas poedeiras, uns frangos e um galo vistoso. Esse

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galo já devia ter algumas funções importantes a cumprir e

uma delas seria de atuar como despertador do novo pastor.

Major Voges providenciara também um fogão para a

cozinha, duas mesas, uma para jantar e outra menor para

servir de escrivaninha do pastor. Viam-se cadeiras e

banquetas prontas para acomodar os visitantes cansados. E

nos quartos viam-se camas prontas com colchões de palha

e roupa de cama limpinha e cheirosa. O major e Bina Rosina

haviam pensado em todos os mínimos detalhes. Dois cachos

de banana maduros estavam pendurados na área dos

fundos, convidando para serem apreciados, não apenas com

os olhos, porém degustados.

Os dois pastores ficaram cada um, com um dos

quartos da casa, e, os visitantes subiram a escada do sótão

onde seis camas estavam enfileiradas.

Com o eficiente trabalho da serviçal os recém

chegados podiam sentir-se em casa. Bastava uma ordem do

pastor e a mulher os atendia, fosse com refeições, com

algum chá ou café quente e com a indicação do local para o

banho ou para outras necessidades.

Pastor Geisler virou-se para o seu colega

Mühlinghaus e comentou: - “Parece que eles se prepararam

para receber algum príncipe ou acompanhantes de uma

corte real”.

Chega o dia do casamento

O dia 25 de junho de 1892 amanheceu anunciando

frio constante, pois o céu estava nublado e, nada de o sol

mostrar o seu brilho e calor benfazejos. O minuano

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continuava soprando e as pessoas que tinham que sair de

casa, o faziam bem agasalhadas.

A noiva Alma Jaeger com seus apenas dezessete

anos de idade, acordou muito cedo, tomada pela tensão e

nervosismo. Os pais dela ainda estavam no quarto, debaixo

das cobertas quentinhas. Bina Rosina foi ao encontro da

moça e a abraçou longamente, dizendo: - “O dia tão

maravilhoso para a tua vida chegou finalmente. Venha até a

cozinha e tome um café ou chá quente...”.

Bina Rosina com toda a sua experiência cercou a

noiva com palavras de estímulo e de tranquilização do

espírito e o resultado logo se fez ver. Quando os pais

levantaram, encontraram a filha sorridente e tranquila.

Major Voges foi ao templo e deixou a porta aberta

para acolher os visitantes, assim que chegassem, para

estarem abrigados do vento frio. Os primeiros a chegar

foram os dois pastores, o noivo e o oficiante, seguidos por

integrantes da comitiva de convidados. Em seguida

chegaram Carlos Frederico Voges e esposa trazendo os

demais convidados dos noivos, vindos de São Leopoldo e

redondezas.

Também começaram a chegar muitas famílias

curiosas, da localidade, adultos e crianças, todos querendo

assistir esse casamento que prometia ser algo inédito. O

templo ficou logo lotado, todos esperando, pela noiva,

ansiosos.

A Banda de Música estava postada na entrada do

templo e passou a executar uma marcha nupcial quando da

entrada da noiva. Próximos ao altar estavam os integrantes

do coral da comunidade, também a postos para atender a

solicitação do oficiante para apresentarem seus cânticos,

especialmente escolhidos para essa ocasião.

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Pastor Mühlinghaus mostrava muita animação, com

essa oportunidade que ele recebera para oficiar o

casamento do amigo pastor Geisler, seu colega de estudos

teológicos, realizados nos Estados Unidos da América do

Norte.

A tocante alocução proferida pelo pastor Mühlinghaus

se baseou no texto de Rute 1,16-17: < Onde você for eu

irei; e onde você morar eu também morarei. O seu povo

será o meu povo, e o seu Deus será o meu Deus. Onde você

morrer, eu morrerei também e ali serei enterrada >.

A emoção tomou conta da noiva e seus pais.

Lágrimas suaves deslizaram pela face da jovem noiva que

ora olhava para o seu noivo e em seguida para os pais. O

que podia estar passando na mente dela?

O auge foi no momento da benção e troca de

alianças. Apenas alguns instrumentos da Banda de Música

sob a regência de Cristian Tietböehl executaram acordes

suaves de uma música de fundo. E, finalmente, a cerimônia

estava concluída.

Conforme todos já haviam tomado conhecimento,

não haveria festa, mas apenas uma recepção promovida

pela comunidade para os noivos, os familiares, os visitantes

e os padrinhos do casamento.

O padrinho do noivo era Carlos Frederico Voges

Sobrinho que orgulhoso e feliz se desdobrava em atenções

para com o novo casal. Lá também estava o jovem Gustavo

Jahn, de São João do Mundo Novo que a noiva escolhera

para ser sua testemunha de casamento.

Ao final da recepção, os noivos seguiram sozinhos

para a nova casa pastoral, para terem ali a sua noite de lua

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de mel. O pastor Mühlinghaus e seus acompanhantes já

haviam sido encaminhados, antecipadamente, para

pernoitarem em outras residências próximas. Os noivos

ficaram na mais perfeita privacidade, nem a serviçal ali

permaneceu.

Ela atendeu ao pedido dos noivos para que deixasse

um chazinho pronto na chaleira, e foi então para a casa de

sua patroa, dona Bina Rosina.

No dia seguinte, o pastor Mühlinghaus e demais

convidados já se puseram a caminho, de volta aos seus

lares.

Apenas sobrou o novo casal que agora precisava

encarar um enorme desafio, de desenvolver esse pastorado

e deixá-lo devidamente vinculado ao Sínodo Riograndense.

Um pastor comunicativo

O casal Gustav e Alma Geisler iniciaram um ótimo

relacionamento com toda a Comunidade. Eles passaram a

ser convidados pelas famílias para fazerem suas refeições

na casa de um e de outro. Eram lembrados para as

festinhas de aniversário.

Os cultos tornaram-se cada vez mais concorridos e o

templo passou a ficar lotado.

O pastor pelo fato de ser poliglota tinha facilitada a

sua comunicação. Quando apareciam jovens desejando

casar, porém não dominavam a língua alemã, ele aceitava

realizar ofícios no estilo bilíngues, como o pastor Voges

também viera fazendo há muitos anos.

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A epidemia assusta

A Colônia de Três Forquilhas passou a ser assolada

por duas epidemias ao mesmo tempo, a cólera que eles

denominavam de rote Ruhr, ou câimbra de sangue e o tifo.

O que a princípio pareciam ser alguns casos isolados, de um

momento para outro se alastrou e agravou, com famílias

inteiras infectadas.

Os moradores não contavam com adequada

assistência médica, apenas contavam com homeopatas,

xaropeiros e curandeiros.

A esposa do pastor entrou em pânico11, quando

soube da amplitude da epidemia, com alguns casos bem

próximos à casa pastoral. Ela passou a negar convites para

almoçar nas residências de vizinhos. Ela se enclausurou na

casa pastoral e raramente podia ser vista. Nem queria

acompanhar o marido para participar dos cultos dominicais.

Quando o marido retornava de alguma visita a

enfermos ou após a realização de sepultamentos, a mulher

ordenava ao marido que fosse direto pelos fundos à casa de

banhos. Lá ela deixava sabão e roupa limpa, para que o

pastor se banhasse e trocasse de roupa, para somente

então entrar na casa.

O pastor constatou que a esposa entrara num surto

de medo exagerado. Por isso, não viu outra alternativa do

que fazer contato por carta com o seu amigo pastor

Mühlinhaus, atuante em Montenegro. O pastor Mühlinghaus

sugeriu uma imediata transferência do casal e concedeu

informações bastante animadoras, comunicando que ele

estava em vias de transferência para outra Comunidade e

que Montenegro ficaria disponível para recebê-los. Lembrou,

porém que havia um pequeno entrave, pois ao levar a

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questão aos dirigentes do Sínodo Riograndense, os mesmos

não quiseram examinar o assunto. Eles eram de parecer

que uma saída tão precoce não era aceitável, pois isso viria

atrasar todo o trabalho em andamento para concluir os

passos necessários para o vínculo da Comunidade de Três

Forquilhas com o Sínodo.

Bina Rosina conforta Fraupfarrer

No dia em que a Fraupfarrer12 Geisler ouviu do

marido as informações enviadas por Mühlinghaus, em nova

correspondência, ela foi acometida de fortes crises de

choro. Na carta dizia claramente que uma transferência

precoce era considerada como inaceitável.

A mulher em choro dizia: - “Preciso da minha

mãe...”.

Geisler não sabendo mais o que dizer e o que fazer

diante das constantes crises de choro da esposa, decidiu

levá-la a casa de Adolfo Felipe e Bina Rosina Voges.

Na chegada a jovem senhora começou a soluçar e

em seguida caiu num pranto contínuo. Bina Rosina tomou-a

delicadamente pelo braço e a conduziu até a cozinha onde

então a envolveu num demorado abraço.

Bina falou: - “Minha querida filha, vamos nos sentar

aqui e conversar, pois eu acredito que para tudo existe uma

solução. Eu não te deixarei desamparada e me empenharei

para que possas ser ajudada...”.

Enquanto isso o pastor permaneceu na sala,

detalhando para Adolfo Felipe a situação da esposa e as

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correspondências mantidas com o colega pastor

Mühlinghaus.

Na cozinha a tranquilidade passou a ficar desenhada

no rosto da jovem Fraupfarrer. Ela passou então a

desabafar, contando todos os seus temores com a

epidemia, e, a vontade de mudar de residência para mais

perto da mãe e dos demais familiares.

Bina Rosina declarou: - “Prometo que eu e meu

marido iremos nos empenhar em favor de sua causa, pois o

seu marido terá grandes dificuldades para tratar esse

assunto com o povo da nossa Comunidade”.

Pastor Geisler quando viu sua esposa retornando

para a sala, agora já mais calma e com um pálido sorriso

que procurava aflorar em seu rosto, perguntou: - “Que

milagre é este? O que a dona Bina Rosina tem que eu não

tenha, para dizer ou para te confortar com a Palavra de

Deus?”.

Bina Rosina colocou as mãos nos quadris do jeito que

a mãe dela costumava fazer quando estava muito satisfeita

ou muito brava. Com um grande sorriso explicou: - “O

milagre leva o nome de amor de uma mãe! Isso você talvez

não tenha, pois são poucos os homens que aceitam ser

como uma mãe... Homem quer mostrar o quanto ele é

forte, e no máximo sabe expressar um pouco de amor

paterno. Mas tantos nem isso sabem conceder à família”.

O pastor enrubesceu diante da franqueza de Bina

Rosina, porém num gesto humilde veio e beijou-lhe a mão,

apenas dizendo: - “Muito obrigado!”.

Major Voges abraçou a esposa e declarou: - “Nós

dois iremos nos interessar pela situação da nossa jovem

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Fraupfarrer e esperamos que todas as aflições dela possam

cessar”.

O casal Geisler retornou à casa pastoral com o

espírito tranquilo e em paz, cheios de confiança e

alimentando a esperança por uma luz no fim do túnel. O

pastor Geisler murmurou: - “Querida Alma, vejo que Deus

escutou as minhas preces e sei que Ele nos ajudará para

sairmos dessa situação aflitiva!”.

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O VELHO PASTOR TEM A SOLUÇÃO

Adolfo e Bina Rosina Voges seguiram para a antiga

casa pastoral. Eles encontraram o velho pastor Voges, sua

esposa dona Elisabetha e mais Mãe Maria, todos sentados,

como nos tempos antigos, à sombra do frondoso e

centenário pé de cedro.

Quantas lembranças agradáveis para Adolfo Felipe

que, na infância, ali brincava e corria. Recordou em seguida

de sua vida adulta quando nesse local a família costumava

se reunir, ao entardecer, para escutar os conselhos do

pastor Voges e de dona Elisabetha ou para escutar as

histórias que Mãe Maria e Pai Vicente tinham para contar.

Adolfo Felipe pediu licença e juntamente com Bina

Rosina uniram-se ao círculo familiar. O netinho Alberto

Schmitt, vendo a chegada do avô, veio correndo e pediu

colo.

Pastor Voges revelou curiosidade com a chegada do

filho e quis saber: - “O que te traz à casa do pai e da

mãe?”.

Adolfo Felipe respondeu com outra pergunta: -

“Como vão a saúde e a força do meu pai e de minha mãe?

Como vai a força e a saúde da nossa Mãe Maria?”.

A negra sorriu e comentou: - “Esse vem com alguma

pulga nas calças. Fale de vez o seu problema ou se for

segredo me faz um sinal que saio de sorrateira”.

Adolfo Felipe pediu: - “Fique conosco Mãe Maria que

o assunto interessa a todos...”. Ele puxou sua cadeira e se

aproximou ainda mais do pai e falou: - “O nosso novo

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102

pastor está com um delicado e difícil problema doméstico,

que afeta a vida e o trabalho dele”.

Pastor Voges e dona Elisabetha com certa lentidão,

mas em uníssono reclamaram: - “Fale, filho!”.

Adolfo Felipe sorriu diante dessas palavras em

uníssono e relatou a respeito da visita que eles haviam

recebido, do pastor e de Fraupfarrer, pedindo ajuda para a

solução do difícil problema que essa jovem mulher

enfrentava.

Bina Rosina acrescentou: - “Prometi a essa jovem

mulher que nós a ajudaríamos a sair desse sofrimento. Ela

deseja ficar mais próximo da mãe e dos familiares. Além

disso, ela está morrendo de medo por causa das mortes

causadas pelo surto de cólera que se alastra pela Colônia”.

Pastor Voges explicou: - “Bina, você fez bem ao

tranquilizá-la”.

Dona Elisabetha em tom maternal à semelhança de

Bina Rosina opinou: - “Também concordo que precisamos

acolher o anseio dessa criança que necessita do colo da

mãe. Ela precisa receber a nossa permissão, para poder

voltar para casa e para novamente estar perto da mãe, que

a colocou no mundo”.

- “Mas o que nós podemos fazer, concretamente?”. -

Quis saber Adolfo Felipe.

O pastor olhou demoradamente o filho e orientou:

- “Procurem esse pastor e sua mulher e lhes concedam a

autorização para que retornem à casa dos pais dela. Esse

homem está enfrentando um grande dilema de escolher

entre o bem estar de sua esposa e o serviço em nossa

Comunidade. É claro que devemos orientar o pastor e dizer-

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lhe de que ele deve cuidar bem da mulher dele. Primeiro a

família e depois vem a Comunidade. Sempre preguei que

isso é do plano de Deus para as famílias cristãs”.

- “E a nossa Comunidade?”. Perguntaram Adolfo

Felipe e Bina Rosina. – “As pessoas da Comunidade nos

cobrarão isso?”.

Pastor Voges fez novamente um tempo de silêncio e

todos ficaram olhando para ele. O que ele, já com seus

noventa e um anos de idade ainda poderia aconselhar,

numa situação destas?

E, o pastor voltou a falar: - “Eu já passei dos

noventa anos de idade e nem eu e nem Elisabetha fazemos

grandes planos para o nosso futuro. Por isso não tememos

mais essa epidemia e poderemos receber aqui em casa as

famílias que necessitarem de conforto espiritual e de

assistência pastoral”.

Novamente parou de falar e depois continuou: - “Eu

posso assumir de novo a nossa Comunidade e assim liberar

esse novo pastor, para que ele cuide bem de sua mulher e

não permita que ela venha a definhar e morrer em nosso

meio. Esse tipo de sacrifício não fará bem nem para ele e

nem para nós”.

O pastor olhou demoradamente para cada um dos

presentes e explicou: - “Essa mulher, pelo que me

contaram, está com apenas dezessete anos de idade. Isso é

motivo suficiente para que vocês a autorizem para que viaje

em companhia do marido para ficar junto dos familiares

dela. Digam para ela que quando a epidemia tiver passado,

ela poderá retornar para cá... Digam apenas isso, também

para o nosso novo pastor... Digam a ele que poderão voltar

logo assim que a epidemia estiver debelada...”.

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Elisabetha, Bina Rosina e Mãe Maria fizeram sinais

afirmativos com a cabeça, concordando com o velho pastor.

Diante disso Adolfo Felipe e Bina Rosina se

encaminharam até a nova casa pastoral levando ao casal

Geisler a solução que o velho pastor sugerira.

Geisler e esposa se abraçaram fortemente e lágrimas

correram livremente pela face dessa mulher tão jovem e

que vivia tão assustada, em meio a um povo e uma região

tão diferente da sua. Ela talvez nem lembrasse mais do

lema bíblico que o pastor Mühlinghaus escolhera para eles,

por ocasião da benção matrimonial. E se ela recordava não

estava mais disposta de seguir um lema que a poderia

prender ao local onde o marido assumira o pastorado.

A saída precoce do novo pastor

Adolfo Felipe Voges convocou uma reunião das

lideranças da Comunidade com o assunto único de tratar da

situação vivida pelo casal Geisler e para comunicar-lhes

sobre a solução que o velho pastor sugerira.

Inicialmente major Voges explanou a respeito de

contatos que o pastor Geisler havia estabelecido por conta

própria com o seu colega Mühlinghaus, de Montenegro. Em

correspondência este comunicara que o Sínodo não aceitara

nem examinar essa solicitação de uma transferência

precoce e, portanto não havia nenhuma perspectiva de ser

designado um sucessor imediato, caso Geisler viesse a sair

de Três Forquilhas.

O primeiro a se pronunciar foi o escrivão Christovam

Schmitt que alertou: - “O que será da nossa Comunidade?

Ficaremos no abandono, sem podermos mais contar com

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uma assistência pastoral, logo agora que estamos

concluindo as medidas que firmam o nosso vínculo com o

Sínodo Riograndense?”.

Major Voges explicou: - “Eu e Bina Rosina fomos à

casa dos meus pais e com eles levantamos essa mesma

pergunta. O meu pai foi categórico em dizer que não

precisamos nos considerar em estado de abandono, pois ele

se coloca à disposição para receber em sua casa os

familiares enlutados e toda e qualquer pessoa que tiver

necessidade de consolo e orientação. Eu contrapus de

imediato que a idade avançada dele, era uma dificuldade

quase insuperável. E o meu pai recomendou que professor

Tietböhl e eu o amparássemos em meio à debilidade física

ou que viéssemos a assumir serviços tais como

sepultamentos, batismos de emergência ou de casamentos

agendados pelo civil...”.

Professor Christian Tietböhl ali presente interveio: -

“Eu, da minha parte, sempre me coloquei ao lado do nosso

velho pastor e o amparei e ajudei, quando necessário. Se

for para dar uma benção para noivos que vierem casar pelo

civil ou se for para conduzir um sepultamento, eu aceito a

tarefa, mas é claro, em parceria com o meu amigo Major

Voges. Todos já puderam ver como nós dois formamos uma

boa dupla de ajudantes pastorais, pelos serviços que

tivemos que dar conta, antes de o pastor Geisler aparecer

aqui”.

O escrivão, no entanto não se deu por satisfeito e

reclamou: - “A minha esposa também morre de medo da

possibilidade de a epidemia ser capaz de invadir o nosso lar

e acometer alguém de nós. Não quero pensar que pessoas

enlutadas e talvez doentes e infectadas irão entrar na casa

pastoral onde tenho o meu cartório e onde moro com a

minha família, para ali pedirem por assistência e orientação

pastoral...”.

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Major Voges encarou o genro com um olhar bastante

enérgico e ordenou: -“Então mude hoje mesmo o seu

cartório e sua morada para a minha casa para estar livre do

contato com as pessoas que vierem em busca do meu pai e

de palavras de orientação e consolo em meio ao luto, dor ou

medo da morte. Realmente aquela casa poderá vir a

parecer um sanatório pastoral e espiritual, pois fatalmente

muitas pessoas, mesmo algumas contaminadas pela cólera,

haverão de aparecer lá. Além disso, o nosso velho pastor e

a professora mantêm esse antigo costume de não permitir

que alguém vá embora sem antes sentar em torno da mesa

para um café com mistura. Acredito que foi o próprio pastor

que introduziu esse costume em nossa casa e o mostrou

para os moradores de toda a Colônia que agora também o

imitam.

O escrivão sentou-se em silêncio, mas enrubescido,

pois a reprimenda do sogro fora muito enérgica e dita

diante de todos.

Major Voges continuou: - “Fica a impressão, ou estou

errado, que nós só sabemos nos preocupar conosco e com

as nossas dificuldades. O meu pai foi muito enfático em

dizer que não podemos ficar pensando apenas em nós, mas

que precisamos pensar no pastor Geisler e na sua esposa

que está definhando, com crises de choro e saudades da

mãe. Trata-se de uma mulher muito jovem e façamos de

conta que é a nossa filha que ali está. O que vocês

recomendariam se ali estivesse a vossa filha?”.

Ninguém mais pediu a palavra e o silêncio tomou

conta do recinto.

Então o major continuou falando: - “O que interessa

nessa reunião é de tomarmos uma decisão a respeito da

situação vivida pela nossa jovem Fraupfarrer. Será ela

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consumida lentamente, sem que façamos alguma coisa para

oferecer uma solução adequada para tal situação? Ela já

perdeu peso e em pouco tempo ficará tão frágil e debilitada

que poderá apagar sem se tornar vítima de cólera ou tifo. O

que vamos dizer ao pastor Geisler, pois ele está na difícil

situação de escolher em ficar conosco e nos assistir

pastoralmente ou de se colocar ao lado da esposa e

conduzi-la de retorno, para colocá-la na proximidade da

mãe e dos familiares?”.

Agora novamente o professor Tietböhl se levantou e

falou: - “Também tenho observado que essa mulher, a

nossa Fraupfarrer, está definhando, tomada pela tristeza.

Não sei se constataram que ela não tem mais saído do

confinamento voluntário que ela assumiu dentro da casa

pastoral. Ela não mais tem aceitado convites para almoço

em casa de membros da nossa Igreja e o casal tem

recusado a participação em nossas festinhas familiares de

comemoração de aniversários e de casamentos. Estou de

acordo com a solução apontada pelo nosso velho pastor de

autorizar que o pastor Geisler viaje a São Leopoldo e leve a

sua jovem mulher para fora dessa situação em que nos

debatemos. Para a nossa Comunidade podemos dizer que o

pastor Geisler voltará assim que a epidemia tiver passado,

pois que a mulher dele está muito fragilizada. Mas alerto

que nisso temos que ter muito tato, para não criarmos entre

nosso povo um estado de pânico geral por causa do mal que

veio nos assolar de repente”.

Major Voges agradeceu e retomou a palavra: -

“Estamos agora indo na direção correta e levando em conta

o lado humano do problema e não apenas o nosso

interesse. Caso para o casal Geisler for possível e a jovem

mulher tiver vencido o estado de pânico e crises de choro,

eles poderão voltar a Três Forquilhas e serão acolhidos de

braços abertos. A nova casa pastoral permanecerá aqui toda

montada e preparada para quem tiver que morar nela, pois

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os meus serviçais estarão ali todos os dias para cuidar de

tudo que o pastor tiver que deixar para trás. A vaca dele, eu

a colocarei no meu estábulo e as galinhas, frangos e

pintinhos podem ser acolhidos por algum vizinho que tiver

lugar para eles em seu terreiro”.

As lideranças reunidas não sabiam que pastor Geisler

estava no lado de fora do templo aguardando para ser

convidado a participar da reunião. Diante do resultado da

reunião, mesmo que houvesse uma imposição das medidas

sugeridas, major Voges solicitou a presença do novo pastor

e falou a ele diante de todos: - “Pastor Geisler, o senhor

deve ter ouvido de onde se encontrava os debates e

palavras que aqui foram pronunciadas. Sabe então da nossa

decisão, de o liberarmos para que viaje com a esposa para

São Leopoldo e que tenha a total liberdade de se organizar,

pois terá que prover o seu sustento, com algum trabalho,

seja como professor, como pastor, ou seja, como for

possível. O senhor poderá retornar a Três Forquilhas logo

que constatarmos e pudermos lhe garantir de que a

epidemia passou e que esse mal foi superado”.

Pastor Geisler mostrou-se emocionado e com a voz

um pouco embargada falou: - “Os senhores não imaginam o

quanto de gratidão vai em meu coração, diante da vossa

atitude humana e compreensiva. Porém preciso ser sincero,

ser honesto com os senhores que representam a liderança

da nossa Igreja que aqui existe. Preciso dizer com clareza

que quando um pastor sai de um lugar do modo como

estamos saindo, minha esposa e eu, dificilmente haverá um

retorno para o mesmo pastorado”.

O escrivão moveu a cabeça e inclinando-se na

direção do seu cunhado Carlos Frederico Voges Sobrinho

murmurou: - “Ele devia nos poupar desse comentário. A

franqueza de dizer a verdade, nem sempre faz bem”.

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Geisler continuou: - “Ainda hoje darei início aos

preparativos para a viagem, pois é realmente importante e

necessário que isso seja feito antes que a minha esposa

entre em um estado de debilidade ou prostração que

dificultariam uma estrada tão longa. Iremos um trecho pelo

vapor, para nos pouparmos. Apenas necessitamos de apoio,

para sermos deixados no porto dos Diehl, com as nossas

poucas bagagens que haveremos de levar conosco.

Deixaremos roupas de cama para a casa pastoral para estar

à disposição de quem vier morar aqui...”.

Carlos Frederico Voges levantou-se e prazeroso e

sorridente falou: - “O pastor pode contar com este seu

padrinho de casamento para tudo o que for preciso. Sugiro

que o pastor não se alongue em explicações sobre a sua

saída ou sobre a impossibilidade de um retorno. Deixemos

no ar essa esperança de que o pastor que vai, só está

mesmo fazendo uma viagem, mas que voltará logo. Por isso

vamos todos juntos dizer < até logo >, pois logo queremos

nos rever para juntos cuidarmos da nossa Igreja no vale do

rio Três Forquilhas, que se estende até a Serra e também

entre os praianos, até a costa do mar”.

Todos se levantaram e em uníssono exclamaram: -

“Até logo, pastor Geisler!”.

Pastor Voges reassume o pastorado

O pastor Gustav Geisler e esposa, já no dia após

receberem a liberação por parte da Comunidade,

colocaram-se a caminho, de retorno à região de São

Leopoldo.

A despedida do casal foi pálida, sem muitas palavras

de ambas as partes. A Fraupfarrer mostrava grande

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ansiedade para se colocarem a caminho logo, como se

temesse alguma mudança de propósitos. Carlos Frederico

Voges com sua charrete estava ali a postos e levou casal ao

Porto dos Diehl.

No primeiro domingo após a saída do casal Geisler,

pastor Voges já realizava um culto. Ele estava ali no templo,

dizendo às lideranças: - “Quero garantir de que tudo está

dentro da normalidade e, que não se comece a criar algum

clima de preocupação entre os moradores”.

Voges estava sentado diante do altar em sua pesada

cadeira de madeira que mais parecia ser um trono

episcopal. Comoventes foram as suas palavras iniciais,

mesmo que marcadas pela lentidão, consequência de sua

dificuldade para refletir e expressar as suas idéias.

O pastor falou: - “Até aqui me trouxe Deus! Estou de

volta para servi-los até o dia que Ele permitir. Eu e

Elisabetha estamos ficando velhos, porém ainda podemos

fazer alguma coisa boa em favor de nossa querida Igreja”.

Pode ser ouvida uma risada discreta de alguém,

entre o público presente. Tal risada destoava da situação,

pois a hora não era de alegria e nem de euforia.

Voges continuou: - “Peço que o meu filho me ampare

para que eu os conduza numa oração. Quero fazer isso em

pé, diante do altar, pois acredito que os meus velhos ossos

precisam de exercício”.

Finalizada uma breve oração, o professor Christian

Tietböhl, aproximou-se do altar para a apresentação de

uma seleta sequência de cânticos espirituais. Esses cânticos

deixaram o ambiente bem acolhedor e envolvente para a

Comunidade. O professor aproveitou para fazer um e outro

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comentário a respeito da letra de um ou de outro hino ou

cântico.

Em seguida Voges passou a explicar: - “O nosso

novo pastor teve que levar a esposa enferma para

tratamento urgente em São Leopoldo. Lá ele haverá de

encontrar algum bom médico que seja capaz de descobrir

qual o mal dessa jovem mulher. Vamos orar por ela, assim

como temos orado em favor de todos os nossos enfermos

de nossa Comunidade. Caso alguém, durante a semana

queira, pode vir à minha casa, pois estou à disposição de

todos, para oferecer conforto e para orar com as pessoas”.

Novamente o pastor se ergueu, com a ajuda do filho

e fez uma oração pelos enfermos, citando a esposa do

pastor Alma Jaeger Geisler e mencionando as famílias de

Três Forquilhas que estavam com pessoas enfermas dentro

de casa.

Pastor Voges voltou a sentar e explicou: - “A nossa

Comunidade autorizou o pastor Geisler para se afastar e

tratar da saúde de sua mulher. Só nos resta esperar que ela

fique boa logo e que, felizes e bem dispostos, possam voltar

a ocupar a nova casa que vocês construíram com tanto

carinho para ser nossa nova casa pastoral”.

O pastor silenciou por um momento para alinhavar

suas idéias, pois facilmente se esquecia do assunto que

estava tratando e, seu filho tinha que sussurrar, para haver

uma continuidade nos assuntos.

O pastor pediu então que o seu filho lhe alcançasse o

compêndio de sermões que ele passara a utilizar nos

últimos tempos, para simplesmente ler a mensagem ali

impressa, pois não tinha mais a capacidade de concatenar

uma série de idéias próprias a respeito de um tema bíblico.

Ele começou a leitura e logo sentiu cansaço. Parou e voltou

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a ler duas páginas adiante. Ele saltava páginas na intenção

de concluir mais rapidamente o seu sermão.

No rosto de Adolfo Felipe podia ser vista certa

aflição, como se tivesse vontade de assumir a leitura do

texto. Mas se continha, pois sabia que isso haveria de ferir

profundamente o seu pai. O velho fazia questão de ele

mesmo ainda oficiar o culto. Porém era notório que ele

estava ficando com a visão cada vez mais fraca. Apesar dos

bons e potentes óculos, que pareciam fundos de garrafa,

não acertava a leitura de todas as palavras. Às vezes saía

uma palavra errada que tirava o sentido da frase ou

distorcia a idéia em foco, mas ele teimosamente continuava

indo em frente na leitura.

Terminado o sermão, novamente o professor

Tietböehl se colocou diante do altar para conduzir mais

alguns cânticos.

Tudo aparentava a mais perfeita normalidade graças

ao empenho do filho do pastor, do professor Tietböhl e dos

integrantes do Coral, pois estes passaram a desempenhar o

papel central para a realização dos cultos que satisfaziam a

expectativa da Comunidade.

Geisler avisa que não mais voltará

Mesmo que as lideranças já previssem mostraram-se

surpreendidos por uma correspondência enviada pelo pastor

Geisler, onde ele comunicava que a sua volta estava

totalmente descartada. A esposa dele não aceitava mais a

idéia de acompanhá-lo de volta para Três Forquilhas e, além

disso, estava abrindo a vaga em Montenegro, com a saída

do seu amigo pastor Mühlighaus. Ele não desejava perder

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essa possibilidade, pois conseguiria ficar bem mais perto da

família de sua esposa.

Na carta Geisler ainda alertou sobre as notícias a

respeito de que uma revolução armada seria péssima e que

todo o Rio Grande do Sul haveria de se afundar em

confrontos armados, com mortes e horror. Orientou a

Comunidade a intensificarem os contatos com o Sínodo

Riograndense, pois que os dirigentes já haviam aceitado a

sua transferência e a abertura da vaga na Colônia de Três

Forquilhas haveria de ser anunciada, também na Alemanha.

Carlos Fredrico Voges, Christovam Schmitt e

Christian Tietböhl se dispuseram, novamente a

estabelecerem tais contatos com o Sínodo, pois já vinham

de experiência anterior, a qual havia sido coroada de êxito.

Casa de Voges em destaque

Com a saída do pastor Geisler, o vazio não chegou a

ser sentido pela maioria dos moradores, pois como sempre

havia sido a casa do pastor Voges continuava a ser o

referencial para quem estivesse em dificuldade, de luto,

doente ou com outro tipo de problemas pessoais ou de

relacionamento com outras pessoas.

Todos apreciavam ir aquela casa, pois sabiam que

depois da conversa com o pastor não faltava aquele

convite: - “Vamos até a mesa que o café está servido!”.

Mãe Maria agora auxiliada por Rita, prazerosamente

mostrava as cadeiras vazias em torno da mesa e já servia

café com mistura13 como costumavam dizer.

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O movimento na casa pastoral passou a tornar-se

cada vez mais intenso, pois muitas eram as preocupações

nas casas de muitas famílias, em particular ali onde pessoas

caíam de cama, afetadas pela epidemia que eles

denominaram de câimbra de sangue.

A neta do pastor, casada com o escrivão Christovam

Schmitt certo dia colocou-se diante do marido e sentenciou:

- “Não fico mais nenhum dia nesta casa, com tanta gente

doente entrando e saindo. Vou com os meus filhos para a

casa do meu pai, aí no outro lado da rua. Se quiseres

dormir comigo terás que mudar para lá”.

O escrivão olhou com aflição para a esposa e

perguntou: - “Você já combinou isso com a sua sogra Bina

Rosina e com o seu pai?”.

FIGURA 17: Christovam Schmitt, esposa e o filho Alberto. Fonte: Arquivo fotográfico de Alberto Schmitt.

Ela retrucou: - “Não preciso perguntar, pois sei que

as dependências para visitas estão livres. Vou para lá com

os meus filhos, agora! E lá foi ela reunindo roupas e

chamando pelos filhos, saindo porta a fora”.

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O major quando viu a filha chegando, carregada de

coisas, brincou: - “Brigaste com o teu marido?”.

Bina Rosina também chegou e foi ajudar a enteada,

para levar as coisas casa à dentro. Bina Rosina ainda

comentou com o marido: - “Não brinque, pois pode ser

coisa muito séria!”.

O major foi atrás da filha e quis saber: - “O que está

havendo?”.

Ela retrucou: - “Não fico mais um instante naquela

casa, pois estão chegando muitas pessoas doentes, fracas e

com sinais de terem contraído a câimbra de sangue. Eu

tenho medo que isso possa pegar em meus filhos...”.

O major não disse nada, saiu e foi até o outro lado

da rua e entrou pela porta que dava para o Cartório.

Cristovam Schmitt estava sentado atrás de uma mesa

anotando registros em seu livro de assentamentos. Parou

de escrever e olhou preocupado para o sogro, ansioso,

dizendo: - “Eu não mandei a sua filha para a sua casa. Ela

nem me perguntou e saiu daquele jeito. Ela voltará logo?”.

O major explicou: - “Não acredito que ela volte.

Creio que bem melhor será você pegar suas coisas e

também mudar para lá. Sugiro que leve seus poucos livros

de Cartório e papéis e se instale num canto do meu

armazém. Existe uma prateleira sem mercadorias e aquela

mesa que os homens da cerveja costumam utilizar nos

finais de tarde. Pregue uma tábua para te servir de balcão e

terás teu cantinho garantido”.

O escrivão olhou com admiração para seu sogro,

fechou o livro onde estava fazendo um registro, pegou

todas as suas coisas e mudou-se para o outro lado da rua,

dizendo: - “Sogro, isso só será assim até que essa epidemia

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tenha passado e já voltaremos para cá. Reconheço agora

que pastor Geisler não agiu tão erradamente como eu

julgava. Assim como me vi obrigado a fazer agora, ele

também não vira outra possibilidade do que acompanhar a

mulher dele. Vejo que o Pastor Geisler saiu na hora certa,

pois hoje o povo estaria batendo na porta da casa dele. E

ele não teria condições de fazer o que o nosso velho pastor

está fazendo. Bem sei que Geisler não poderia nem pensar

em abrir a porta da sala de sua casa e dar entrada para

doentes e enlutados”.

Antes de sair do sobrado que lhe servira de Cartório,

o escrivão volveu o olhar para o lado onde era a ala de

morada do pastor Voges, e gritou: - “Desculpe meu velho

pastor que eu te julguei mal. Você é um pastor raçudo e

que não foge do seu dever!”.

Major Voges permaneceu em silêncio e, em seguida,

foi para casa. Sentou ao lado de Bina Rosina, para ver com

ela o que seria dos velhos, do pai e da mãe dele. Não queria

deixá-los sozinhos naquela enorme casa apenas com Mãe

Maria também já alquebrada e se considerando uma mulher

velha, cheia de dores e reumatismos.

Bina Rosina se adiantou na conversa e falou: - “Sei o

que queres me perguntar e já vou dizendo que aceito ir lá

todas as noites para passarmos a dormir no quarto que era

de Christovam e de tua filha”.

Desta forma o Cartório foi parar por um breve

período no outro lado da rua, dentro do armazém de Adolfo

Felipe Voges.

E a tranquilidade e a paz voltaram a reinar na vida

de Christovam Schmitt e família.

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Último batismo de Voges

A última criança batizada pelo pastor Voges foi,

possivelmente, a bisneta dele, Anna Emília Schmitt Voges14,

realizado no dia 02 de agosto de 1893.

Bárbara Schmitt Voges a mãe da criança, faleceu

durante o parto, deixando viúvo Frederico Voges, este que

era outro dos filhos do Major Voges.

FIGURA 18: Anna Emília Schmitt Voges, 1893.

Filha de Frederico Voges e Bárbara Schmitt. A pequenina perdeu a mãe no parto.

Fonte: Foto do Arquivo da Família Voges.

Anna Emilia nasceu saudável e tornou-se a quarta

criança, deste que parecia um casal tão feliz e cheio de

planos para o futuro.

Frederico viu-se, de um momento para outro,

sozinho com os seus quatro filhos, Pedro Antonio, Marcelino,

Irmelina e Anna Emilia. Ele não sabia o que fazer... Sentia-

se inseguro... E havia motivos para preocupações, pois a

epidemia se alastrava, fazendo vítimas em muitas casas,

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também na sede da Colônia. Além disso, a revolução estava

deixando no ar um clima de insegurança.

O Fredo, como Frederico era chamado foi procurado

por Carlos Frederico e Bininha que propuseram: - “Venham,

por enquanto para a nossa residência, no Sítio da Figueira.

As tuas crianças contarão com os nossos cuidados enquanto

procuras reorganizar a tua vida”.

Fredo a princípio começou a rejeitar a idéia, dizendo:

- “E eu fico aqui sozinho?”.

Bininha que era irmã da falecida e casara com um

irmão de Fredo respondeu: - “Você virá junto com tuas

quatro crianças, pois temos acomodações para todos

vocês”.

Desta forma Fredo foi parar temporariamente na

casa do irmão. Enquanto ali estava veio de visita outro

irmão deles, o Carlos Leopoldo Voges Neto, residente em

Taquari, onde casara com Anna Emília Ribeiro. Eles não

podiam ter filhos.

O Leopoldo Neto, como era chamado, passou a pedir

insistentemente que Fredo lhes entregasse a pequena Anna

Emília, dizendo: - “A minha mulher não pode ter filhos e a

pequena Anna Emília virá ocupar o lugar da filha que

sempre desejamos ter. Fomos escolhidos para sermos os

padrinhos da pequenina a pedido da mãe que faleceu no

parto. Será que isso não foi o recado que a Bárbara deixou,

caso acontecesse algo?”.

Fredo respondia sempre com as mesmas palavras: -

“A proposta de vocês corta-me o coração!”.

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Leopoldo Neto e Anna Emilia não desistiram e

insistiam: - “Você terá ainda os três para cuidar, o que já é

bastante. Permita que cuidemos apenas da Aninha”.

Diante de tanta insistência e diante de tantos

argumentos, finalmente Fredo foi entrando em acordo e

falou: - “Permito que levem a minha Anna Emilia, pois

tenho plena certeza de que ela ficará muito bem com vocês

e certamente bem melhor do que comigo”.

Leopoldo Neto com sua esposa Anna Emilia e mais a

pequena Aninha Emilia seguiram para Taquari.

Fredo Voges na casa do irmão

Frederico foi organizando aos poucos o seu pequeno

mundo numa ala da casa do irmão, no Sítio da Figueira.

Estava ao lado de apenas três dos filhos que ele

tivera com a Bárbara Schmitt e que ele desejava manter

sob os seus cuidados. Eram eles o Peter Anton, nascido em

26.02.1888, o Marcelino de 01.05.1889 e a Irmelina de

14.01.1891. Quanto à Anna Emília nascida em 02.08.1893,

Fredo tinha a plena certeza que ela estava bem melhor que

estes três, preservada do contato com a insegurança pela

qual a Colônia de Três Forquilhas estava passando, causada

pela câimbra de sangue e pelas agitações revolucionárias.

Fredo passou a ajudar o irmão atrás do balcão da

casa comercial, no atendimento aos fregueses.

Prontificou-se também para participar da guarnição

armada da Invernada dos Cavalos que Carlos Frederico

organizara em 1893, nos fundões do Sítio da Figueira.

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A guarnição era, quase na totalidade, formada por

negros tanto peões da casa bem como da vizinhança, que

tinham a tarefa de cuidar das melhores reses, dos melhores

cavalos e dos bens que para lá eram conduzidos, para

deixá-los fora das vistas e da cobiça de atacantes, quer

fossem federalistas ou republicanos, pois ambos os lados

confiscavam, tudo aquilo que entendessem que lhes servia.

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MALES QUE VEM PARA O BEM

É interessante olharmos um pouco para o quadro

político mais amplo daqueles tempos logo após a

Proclamação da República se quisermos entender os

acontecimentos que se desencadearam no Rio Grande do

Sul e no âmbito ainda menor, no vale do rio Três

Forquilhas.

Theodoro da Fonseca, o nosso primeiro Presidente da

República enfrentou desde o princípio do mandato muitas

dificuldades. Sofreu, desde cedo, uma sutil oposição, da

qual participava o vice Floriano Peixoto. Chegou um

momento que para Theodoro pareceu insustentável e, sob

pressão cada vez mais intensa decidiu renunciar.

Erradas foram, no entanto, as expectativas nas

fileiras do Partido Liberal no Rio Grande do Sul. Floriano

Peixoto que era tido como um fiel partidário das idéias

liberais, pois fora, integrante do Partido Liberal, passou a

estabelecer alianças, incompreensíveis, no entender dos

liberais. Floriano assim procedeu com o simples objetivo de

se fortalecer no poder, ao assumir, como vice, a Presidência

da República.

Ao invés de olhar para os anseios de Silveira Martins,

Floriano buscou o apoio dos castilhistas riograndenses. Em

outros pontos do País fez acertos com outras correntes

políticas na intenção de contornar e deter rebeliões que

passaram a se evidenciar.

Num desses acertos, Júlio de Castilhos viu-se

reconduzido à liderança da vida política do Rio Grande do

Sul.

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Esses altos e baixos causados em nível nacional

afetaram as Províncias.

Castilhos, um homem extremante ambicioso, atento

e inteligente, conseguiu garantir um valioso espaço de

poder político. Através de um lance magistral entregou, em

julho de 1892, o cargo de Presidente da Província do Rio

Grande do Sul ao seu amigo Vitorino Monteiro. Assim estava

livre para concorrer nas eleições15 marcadas para o Governo

Estadual.

Voltemos à situação que se estabeleceu no cenário

político riograndense no segundo semestre de 1892, após a

renúncia de Julio de Castilhos.

Os castilhistas, visando garantir a vitória de Júlio de

Castilhos, passaram a imprimir fortes retaliações contra os

maragatos.

Em Conceição do Arroio, o Major Azevedo e alguns

de seus correligionários tiveram que fugir para não serem

presos, ao tomarem conhecimento da aproximação de uma

poderosa força policial castilhista. Esconderam-se nos

domínios do Major Baiano Candinho, na área das Charnecas

de Labatut, no interior de São Francisco de Paula.

Polícia castilhista chega à Colônia

Sem se fazer anunciar chegou à sede da Colônia de

Três Forquilhas, uma força policial castilhista enviada pelas

autoridades da Capital e que ficaria vinculada, em suas

ações, à Comarca de Conceição do Arroio.

Os policiais chegaram direto ao armazém de Adolfo

Felipe Voges, pois o seu nome era o primeiro de uma lista

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de lideranças da Colônia de Três Forquilhas que teriam

ligação com os bandidos federalistas da Serra.

O Sargento devia localizar, identificar e se possível

levá-los para o cárcere em Conceição do Arroio.

Felizmente o major não se encontrava em casa, pois

tivera que viajar até a sua Fazenda de Capão Alto, no

interior de São Francisco de Paula. Viera o aviso trazido por

um peão, comunicando que algumas reses haviam sido

roubadas daquela propriedade.

Os policiais foram recebidos pelo escrivão

Christovam Schmitt que, para início de conversa, abriu uma

gaveta de sua escrivaninha e apresentou ao chefe da

escolta, uma carta patente que lhe conferia o posto de

Capitão da Guarda Nacional.

O Sargento perfilou e fez uma saudação atenciosa ao

oficial, seu superior na hierarquia militar.

O escrivão falou: - “Sargento, fique à vontade,

porém vá lá fora e chame a escolta, para que venha saciar a

sede e a fome, algo que os deve estar atormentando”.

Os soldados foram chamados e vieram felizes e

prestimosos. Beberam a água que devia parecer a mais

deliciosa da terra. Receberam fatias de rosca de polvilho

que a negra Amélia fora buscar, às presas, no outro lado da

rua, com Dona Elisabetha e Mãe Maria.

Os soldados estavam suados, empoeirados, sujos e

cansados. A viagem havia sido cansativa e às pressas.

Depois o escrivão ordenou aos soldados: -

“Retornem ao arvoredo onde deixaram os cavalos, e

aguardem ordens”.

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O sargento querendo mostrar que era ele o

comandante da escolta aproveitou e gritou: - “Procurem

uma aguada e dêem de beber aos nossos cavalos”.

Christovam Schmitt solicitou então que o sargento

concedesse explicações sobre o motivo de sua vinda à sede

da Colônia. O escrivão quis saber: - “Que papel é esse que

você estava consultando quando da sua chegada ao meu

cartório?".

O sargento explicou: - “Trago aqui a relação de

líderes desta Colônia que constam como bandidos ou

acusados de estarem acoitando bandidos. Eles precisam ser

inquiridos, identificados e se necessário levados ao cárcere

da Comarca de Conceição do Arroio”.

O escrivão, com autoridade, pegou o papel das mãos

do militar para verificar quais eram os nomes relacionados.

O primeiro nome arrolado era Major Adolfo Borges. Seguiam

os nomes do Professor Serafim Nascimento, do major

Baiano Candinho e do Padre Carlos Borges.

O escrivão meneou a cabeça e falou: - “Amigo,

lamento muito que os seus superiores lhe transmitiram

informações erradas a respeito das lideranças que mandam

aqui na Colônia de Três Forquilhas, aliás, um lugar muito

tranquilo e seguro sob o nosso domínio republicano”.

Explicou: - “consta aqui um Major Adolfo Borges. Não tenho

lembrança de nenhum Borges que tenha residência na sede

da Colônia. Entretanto, considero por bem, levá-lo a

residência do chefe do PRR e que também, como eu, é

Capitão da Guarda Nacional. Ele se chama Carlos Voges, e é

de origem alemã. Posso afirmar, na qualidade de escrivão

que bem conhece os nomes desse povo, que ele não é

nenhum Borges. Ele é o nosso chefe republicano... Convém

que o sargento vá com cuidado para não melindrar esta

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mais alta autoridade republicana da nossa localidade. Mas

sei que ele é atencioso e saberá orientá-lo na questão dessa

suspeita infundada que insinua, de termos bandidos

escondidos aqui. É uma história que parece bem estranha e

sem fundamento”.

Christovam Schmitt chamou um peão e pediu que

lhe trouxesse o cavalo encilhado, pois teria que sair.

Conduziu então o efetivo da polícia castilhista ao Sítio da

Figueira. Chegando pediu ao sargento para aguardar um

instante, pois iria chamar o chefe republicano.

O escrivão aproveitou para rapidamente relatar ao

cunhado sobre a difícil situação em que poderia ficar o

Professor Serafim e que neste momento devia estar

lecionando no sobrado do pastor Voges.

Antes de sair o escrivão falou em voz bem baixa: -

“Irei avisar o Professor Nascimento para que, se necessário,

se esconda por alguns dias ou que fuja, enquanto é tempo.

E, quanto ao velho pastor, creio que você os poderá

despistar e dar a entender que tal padre nunca existiu em

nossa localidade e que devem ter feito confusão quanto ao

endereço que lhes indicaram”.

O escrivão, no retorno foi direto ao sobrado do

pastor Voges e localizou o professor Serafim. Este ficou

assustado e imediatamente dispensou os alunos sem antes

avisá-los que as aulas estavam suspensas até segunda

ordem.

O professor mais que rapidamente foi para casa

colocou algumas roupas numa maleta, encilhou o cavalo e

rumou, a galope, para o Arroio do Padre onde residia o seu

filho Nico, um soldado castilhista.

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Carlos Voges despista os policiais

Carlos Frederico Voges Sobrinho recebeu a escolta à

sombra da figueira. Pediu explicações a respeito da missão

ordenada pela polícia castilhista da Capital e que os trazia a

sede da Colônia.

O Sargento mostrou a lista, dizendo: - “Aqui tenho

alguns nomes de líderes da Colônia de Três Forquilhas

considerados bandidos ou que acoitam bandidos”.

CFVoges tomou o papel e viu ali escrito o que o

cunhado já lhe dissera. Voltou-se então ao Sargento

dizendo: - “Eu estranho muito essa lista e não compreendo

o que pode ter levado as nossas autoridades, a enviá-los

para cá sem antes manterem contato comigo para, pelo

menos, confirmar as informações. Se eu sou a autoridade

republicana desta Colônia, devia ser consultado, antes de

mandarem a polícia para cá. O que o povo irá dizer de tal

situação? Eu sou Carlos Frederico Voges Sobrinho, o chefe

do PRR nesta Colônia e sou filho do Major Adolfo Felipe

Voges. Nós somos de origem alemã, mas brasileiros natos e

de fato. Meu pai já é brasileiro e Major honorário da Guarda

Nacional de São Leopoldo. Tenho certeza de que ele se

sentiria muito ofendido, se tomasse conhecimento de que

um nome parecido ao dele está na lista de bandidos ou

acoitadores de bandidos. Ainda bem que o sargento nos

encontrou antes. Quanto ao professor Serafim Agostinho do

Nascimento, ele de fato tem uma casinha em nossa vila. Ele

já é um homem idoso, um professor do Estado, aposentado,

com uma longa ficha de importantes serviços prestados em

nossa localidade. Ele jamais foi bandido ou acoitador de

bandidos. Pelo contrário, ele foi o nosso último subdelegado

de polícia. Depois, no tocante ao nome do Major Baiano

Candinho, este nome nos é bem conhecido, pois que essa

pessoa já foi moradora nesta localidade. Porém atualmente

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ele deve estar com morada no interior de São Francisco de

Paula, em local por mim ignorado. E no final vejo aqui o

nome de um tal Padre Carlos Borges. Não existe nenhum

padre católico residindo nesta localidade, pois não há capela

católica na Colônia de Três Forquilhas. O nome mais

parecido com Carlos Borges é o meu próprio nome, eu que

sou o chefe do PRR nessas bandas. Quando retornar à

Capital informe aos seus superiores da conversa que comigo

manteve e da minha estranheza que um nome parecido

com o meu, esteja nessa lista. Informe que considerei como

sendo muito desagradável como Chefe do PRR da Colônia

de Três Forquilhas, de ter uma força policial diante de

minha residência com ordens expressas para prender

pessoas, sem antes ter sido cientificado ou consultado a

respeito da veracidade dessas informações”.

O sargento pediu desculpas e explicou: - “Concordo

plenamente com o senhor, mas não tenho culpa por essa

situação tão desagradável. Porém, eu não posso retornar

agora, pois a ordem expressa que recebi é de

permanecermos durante sete dias na localidade de Três

Forquilhas, neste distrito de Conceição do Arroio, para levar

a cabo todas as diligências que se fizerem necessárias”.

Carlos Voges ordenou então: - “Se esta é a ordem

expressa, então chame os seus homens para que me

acompanhem. Preciso dar-lhes acolhida e boa hospedagem

O alojamento dos meus peões está desocupado, pois eles

andam espalhados em minhas invernadas, apartando

bezerros, tratando bicheiras e tantas outras coisas mais,

que necessitam de atenção”.

O chefe republicano fez uma pausa e perguntou: -

“Como está a ração de vocês? Quais os mantimentos que

vos foram concedidos?”.

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O Sargento explicou: - “Temos pouca coisa e a nossa

alimentação é bem fraca. Temos uma pequena sobra de

farinha, um pouco de rapadura e um pedaço de charque”.

Carlos Voges se fez de incomodado, dizendo: - “É

assim que, na Capital, tratam os nossos soldados da polícia?

Será que precisam vir ao interior para talvez confiscar

mantimentos junto aos moradores? Venham comigo, pois

que na pousada dos meus peões tem local para o fogo de

chão, tem chaleiras e cuias, tem erva mate, trempes e

panelas, existem estrados de madeira e são perfeitos para

improvisarem uma cama para cada qual. Além disso,

ofereço-lhes ainda uma boa manta de charque que dará

para os sete dias e concedo mais meio saco de feijão e uma

quantia de farinha de mandioca”.

O sargento olhou com admiração para esse oficial da

Guarda Nacional que se mostrava tão humano com eles e

disse: - “Agradeço-lhe de coração!”.

Voges decidira fazer este agrado, além do normal,

para ter aqueles homens em suas mãos e sob o seu

controle.

No dia seguinte quando a tropa estava descansada e

refeita da viagem, receberam o chamado de Voges que

ordenou: - “Me acompanhem que vou conduzi-los nestas

diligências”.

Levou-os à residência do professor Serafim

Nascimento e explicou: - “Já consultei o meu peão e ele me

informou que este professor não se encontra na localidade,

pois se sabe que viajou, para visitar familiares. Mas,

convém que vocês entrem na casa, pois que ele não tem o

costume nem de tocar a chave na porta”.

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O sargento e alguns soldados entraram na casa,

abriram algumas janelas e fizeram uma breve busca no

local. Voltaram desanimados dizendo: - “Esse professor

realmente não está aqui e pelo jeito nem dormiu aqui, pois

tudo está bem arrumado e guardado”.

- “É o que falei, esse homem é um honrado

professor, aposentado, que já cumpriu com o seu dever

para com a nossa sociedade. Tenho certeza que ele não tem

lugar para acoitar bandidos, aqui nesta pequena casa”.

O Sargento fez sinal afirmativo e concluiu: -

“Concordo, pois nesta casinha não existe espaço suficiente,

para acoitar bandidos”.

A escolta policial permaneceu durante o tempo que

lhes fora prescrito e solicitaram para irem em companhia de

Carlos Voges ao cartório, para as despedidas formais e os

agradecimentos pela boa acolhida que lhes havia sido

dispensada.

Quando a escolta sumiu pela curva da estrada, o

escrivão falou para o cunhado: - “Existem males que vem

para o bem! O fato de tua irmã ter saído de casa para

morar com o teu pai e tua madrasta, fez com que eu tivesse

que transferir o meu Cartório, provisoriamente, para

funcionar no armazém. Ainda bem que esses policiais

aparecem para topar aqui comigo. Ainda bem que eu os

recebi, naquela hora. E, ainda bem que o meu sogro teve

que viajar para a Fazenda de Capão Alto, lá na Serra”.

Prisão do Professor Nascimento

Conforme foi possível observar, a ordem expressa

para prender bandidos e acoitadores de bandidos chegou

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também à Colônia de Três Forquilhas, na época um distrito

arroiense. A Escolta Policial chegou com uma lista elaborada

pelos informantes, propondo identificar os bandidos e

acoitadores.

Pela primeira vez surgem os nomes do Major Voges,

do Professor Nascimento, do Pastor Voges que passam a ter

seus nomes relacionados ao federalista Bahiano Candinho.

Candinho era citado como sendo o chefe de um

bando ou chefe dos bandidos da Colônia de Três Forquilhas,

acoitado pelos chefes locais. O último subdelegado,

sucessor do Major Voges, professor Serafim Agostinho do

Nascimento não escapou da busca de informações do

serviço secreto castilhista. A polícia devia inquirir e se

necessário prender os acoitadores de bandidos. A acusação

contra o Professor Nascimento era, pois de acoitar

bandidos.

O professor, felizmente alertado em tempo,

conseguiu fugir antes de receber voz de prisão. Escondeu-se

nos matos do Arroio do Padre, junto à propriedade de Nico

Nascimento, um de seus filhos, e que havia sido alistado

nas forças castilhistas, organizado por Carlos Frederico

Voges Sobrinho.

Na primeira oportunidade, Professor Serafim

procurou fugir para mais longe, com o firme propósito de

seguir em direção da cidade de Rio Grande, onde residiam

diversos dos seus parentes. À noite foi a Barra dos Diehl.

Entrou clandestinamente numa barca e escondeu-se numa

barrica vazia.

Quando essa barca atracou em Conceição do Arroio,

foi flagrado. Um policial que subira a bordo, o viu no exato

momento em que saía da barrica. Diante de uma situação

tão suspeita, recebeu voz de prisão.

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O professor Serafim foi levado à Delegacia de Polícia

e logo identificado, como acoitador de bandidos, procurado

na Colônia de Três Forquilhas, constante que era da relação

como sendo uma autoridade corrupta. Foi colocado na

prisão de Conceição do Arroio para ali aguardar

providências das autoridades responsáveis pela

investigação.

FIGURA 19: Professor Nascimento escondeu-se numa barrica vazia.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

A soltura do professor

Carlos Frederico Voges Sobrinho e seu cunhado

escrivão Christovam Schmitt, quando souberam da prisão

do Professor Serafim Agostinho do Nascimento, antigo

professor de ambos, que os familiarizara com o domínio da

língua nacional e recente Subdelegado de Polícia do Distrito

de Três Forquilhas, seguiram até Conceição do Arroio, para

providenciar a libertação do mesmo.

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A situação estava complicada, pois já fazia muito

tempo que era falecido o General Osório (o Marquês do

Herval). Este havia sido um dos grandes líderes liberais no

Brasil e pessoa a quem tanto o Pastor Voges bem como seu

filho Major Voges sempre havia recorrido, como último

recurso, nas questões vitais da vida política local e da

Comarca.

Agora era preciso encontrar outra pessoa influente,

que soubesse do passado de dedicação do professor e capaz

de interceder por ele, para ordenar a sua imediata

libertação.

Foi, no entanto, o próprio professor Nascimento que

deu a esses seus antigos alunos, a indicação de um nome,

capaz de poder ajudar. Tratava-se do seu primo, o militar

Manuel do Nascimento Vargas, talvez na época Coronel ou

General do Exército Brasileiro.

Carlos Frederico Voges Sobrinho viajou à Capital

para localizar Vargas. Quando este soube da prisão do

primo, encaminhou imediato despacho ao Delegado de

Polícia de Conceição do Arroio, ordenando a soltura do seu

parente e afilhado.

Vamos ajudar os leitores a localizar o personagem

Manuel do Nascimento Vargas, primo de Professor

Nascimento. Ele era pai de Getúlio Dornelles Vargas. O

menino Getúlio, na época, contava com apenas nove anos

de idade.

Ninguém, na época, imaginaria que este seria mais

tarde Governador do Rio Grande do Sul e Presidente da

República. O pai de Getúlio Vargas, no entanto, era, na

época, um homem de grande influência não só na área da

fronteira gaúcha (São Borja) bem como em toda a Província

do Rio Grande do Sul. Com essa ajuda Professor Serafim foi

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finalmente libertado da prisão16 e conseguiu retornar ao seu

lar, para tentar retomar as aulas que ministrava na Escola

da Comunidade.

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UM INTRUSO NO MEU TEMPLO

Devia ser o mês de setembro de 1893, no tempo da

primavera. O professor Christian Tietböhl com a ajuda do

Major Voges estavam realizando uma benção matrimonial

no templo.

O fato é que os noivos que estavam oficializando a

união pelo civil diante do escrivão e do Juiz da Paz, também

haviam decidido aproveitar a ocasião para receberem a

benção da Igreja.

Professor Tietböhl e Major Voges entenderam que o

pedido dos noivos podia ser atendido e assim procuraram

fazer o melhor que podiam.

Em determinado momento Adolfo Felipe sentiu

mãozinhas pequeninas puxando as suas calças. Virou-se e

viu ali, diante do altar o seu netinho Alberto Schmitt que,

agitado, pedia: - “Vovô, vem me ajudar, pois o bisopastor17

quer entrar aqui para limpar a igreja dele”.

Major Voges baixou-se ao nível do menino e

perguntou: - “Não consegui entender isso. É o meu pai que

está vindo para cá?”.

- “Sim, o biso pegou um porrete e vem vindo para

cá. Ele me disse que vai tirar o intrujão que invadiu o

templo dele, disse o menino”.

O major murmurou algumas palavras ao pé do

ouvido do professor Tietboehl e saiu rapidamente para

resolver a situação inesperada.

Chegando aos fundos do templo, a meio caminho do

sobrado, topou com o pai que bastante alquebrado e

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vacilante, vinha se movimentando em direção da igreja,

apoiado com uma mão na pesada bengala e na outra mão

trazendo um bastão de madeira que Mãe Maria utilizava

para amaciar carne.

O pastor murmurou: - “Filho, ainda bem que você

chegou. Vem comigo e vamos limpar a minha igreja, pois

ouvi que tem algum intrujão ali”.

Major Voges com delicadeza pegou o pai pelo braço e

explicou: - “É o professor Tietböhl que está ali no templo.

Ele e eu estamos dando a benção para um casal de noivos

que há pouco casaram pelo civil. Tudo está em ordem. Nós

estamos cuidando bem do templo e ninguém vai ter a

coragem de invadi-lo”.

Pastor Voges com os olhos fundos e o rosto

macilento de tão magro, marcado pelo cansaço, aceitou o

braço do filho e retornaram para o sobrado.

Deixou se conduzir ao dormitório e repousou sobre a

cama. O major aproveitou para afinar o ouvido e pode

constatar que, de fato, era possível ouvir as vozes que

vinham do templo.

A cama do pastor distava talvez dez metros da igreja

de pedra.

Com certeza o pastor acordara sobressaltado pelas

vozes vindas do templo e, levantando da cama, tomou a

bengala e pegou o bastão da cozinha, para defender o local.

Felizmente ele fora visto pelo bisneto Alberto e que

como sempre, não queria perder a oportunidade de

acompanhar o velho. Certamente disse: - “Posso ir com o

senhor, biso?”.

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FIGURA 20: “Vou tirar o intrujão do meu templo”. O idoso pastor munido de um bastão se dirigiu ao templo.

Fonte: gravura do autor, 1980.

Esse mesmo problema repetiu-se mais vezes em

outras ocasiões, sempre que pessoas se reuniam no templo.

Era o sinal que o velho estava definitivamente com

as idéias confusas, algo natural aos noventa e dois anos de

idade.

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MORREU O PASTOR VOGES

Não bastassem as idéias que se tornaram confusas,

o pastor também se viu acometido pela cólera, ou câimbra

de sangue como os moradores designaram o mal.

O pastor durou pouco...

No dia 3 de outubro, de madrugada, finou em meio a

uma total fraqueza. Para o registro de óbitos da

Comunidade o major Voges forneceu como causa da morte

uma simples Alterschwäche - fraqueza da velhice.

Rápida correu a notícia através de toda a Colônia e

mesmo na direção da praia e da serra: - “Morreu o Pastor

Voges!”.

Nunca a Colônia de Três Forquilhas vira tantas

pessoas chegando, desejosas de ver pela última vez o tão

idoso patriarca espiritual e marcar presença no velório, para

as despedidas derradeiras.

Apesar do temor pelas epidemias de cólera e tifo e

apesar das recomendações que o próprio pastor Voges

costumava dar, o seu corpo foi velado no templo e deixado

para uma visitação pública.

O ataúde estava aberto para que todos pudessem

ver o corpo para a despedida. Felizmente major Voges

tomara uma providência importante, colocando uma fina

corda de cor preta, presa em suportes, colocada em volta

do ataúde, impedindo que os visitantes pudessem chegar

até o caixão. Todos tinham que se contentar em ficar

olhando de longe, sem poder tocar o corpo. Tratava-se de

uma precaução muito correta, já que haviam recebido

recomendações que em velórios de vítimas da epidemia, o

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menor número de pessoas viesse a tocar no falecido,

entendendo tratar-se de uma medida que diminuía a

possibilidade de contágio.

A cerimônia fúnebre, no templo

A cerimônia fúnebre, no templo, foi conduzida pelo

professor Christian Tietboehl. Ele concedeu grande ênfase

para cânticos comunitários conduzidos pelos integrantes do

Coral da Comunidade bem como inúmeras músicas

apresentadas pela Banda.

Em certa altura o Professor Tietboehl solicitou: -

“Peço que o filho do pastor, o major Voges, assuma agora o

altar e conduza uma liturgia da palavra, pois que já adquiriu

alguma experiência para fazer isso”.

Major Voges sabia que seria solicitado a fazer uso da

palavra durante as exéquias fúnebres e, por isso, se

preparara previamente. Postou-se ao lado do púlpito que

ele alegava ser de uso exclusivo para um pastor e passou a

falar: - “Estimadas irmãs e irmãos e valoroso povo de nosso

vale, além dos serranos e praianos que aqui vieram para

nos trazerem suas palavras de conforto. Todos nós, com

toda a certeza, já há alguns anos, sabíamos de que essa

hora que hoje aqui vivemos poderia vir de um momento

para o outro, tendo em conta a idade tão elevada do meu

pai. Nos últimos dias vendo que ele havia sido acometido

por extrema fraqueza, ficou claro que a hora de partir dessa

vida terrena estava sendo apressada. Eu sabia que me

caberia fazer uso da palavra nesta hora do velório e durante

a despedida derradeira. Quero iniciar declarando que, com

o falecimento do meu pai está se encerrando um tempo,

como um final de uma era e que poderá vir a ser

denominada, no futuro, de Era do Pastor Voges ou como já

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temos aqueles que começaram a dizer < no tempo do

pastor Voges, aconteceu isso ou aquilo >. Nesses mais de

sessenta anos de pastorado ele marcou a vida de diversas

gerações desde os imigrantes de 1826, bem como marcou

profundamente os seus filhos, netos e bisnetos. Podemos

testemunhar que aqui na terra tudo passa, pois aqui nesta

nossa vida terrena todas as coisas tem o seu tempo e o seu

fim, também as pessoas que lideram uma sociedade. Isso

nos ordena para estarmos preparados para as mudanças

que são consequência natural diante da ausência de

pessoas e de lideranças às quais estávamos acostumados,

cujas palavras nos eram caras e valiosas. Será que nós nos

preparamos devidamente para a falta do nosso velho

pastor? Como prosseguirão agora a Comunidade, a escola e

a nossa vida social? O pastor Voges nos educou para

sermos pessoas de mentes abertas, para acolher novas

lideranças e boas idéias, bem como nos ensinou a

praticarmos a hospitalidade como algo sagrado, fazendo de

nós uma igreja acolhedora. Ele nos ensinou a importância

de guardarmos nossos bons costumes e a nossa cultura,

trazidos da Europa pelos imigrantes, porém sem nos

fecharmos para o valor de dominarmos bem a língua, os

costumes e a cultura local, como filhos que somos da nossa

Pátria Brasileira”.

Major Voges fez uma pausa, pegou uma folha de

papel onde rascunhara algumas frases e continuou: - “O

meu pai, em momentos importantes no desenvolvimento da

nossa Colônia e da Igreja, costumava dizer < Até aqui nos

trouxe Deus > (1º Samuel 7, 12), sempre indicando para a

confiança de que nosso Senhor conclui as boas obras que

Ele inicia. Ontem fui colocar ordem em papéis eclesiásticos

que meu pai deixara sobre sua escrivaninha, como se

quisesse que eu os visse. Chamou-me a atenção um papel

contendo os seus últimos pensamentos Num desses papéis

estava escrito: < Até aqui nos trouxe Deus > com letra

trêmula ele escreveu aquelas palavras. Ali também pude ler

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o versículo 33 do Capítulo 16, do Evangelho de João que eu

passo a ler. Meu pai anotou um pensamento dele, baseado

nesse versículo: < Deus não nos desampara e não nos

deixa só. Em meio às aflições e dores, em meio dessa

epidemia e das mortes dolorosas de tantas pessoas que nos

são tão queridas, podemos confiar que o Consolador está

em nosso meio, afim de nos consolar em todo o tempo,

ontem, hoje e amanhã, e nos tempos mais distantes que

ainda nem foram anunciados >. Considero que essa

interpretação que papai fez com base naquele versículo

serve muito bem para esta hora, quando aqui nos reunimos

em busca de consolo e de fortalecimento em nossa fé e na

esperança cristãs. É como se ele soubesse que eu

necessitaria de alguma motivação, para apresentar uma

mensagem de conforto para a nossa família, ou para nossa

Colônia de Três Forquilhas, enlutada.

A homenagem dos Cavaleiros

Ao longo da estrada desde o templo ao Cemitério do

Passo viam-se cavaleiros do vale, integrantes da Sociedade

dos Cavaleiros e dos diferentes piquetes, fazendo uma longa

corrente de ginetes com suas montarias. O pastor era

respeitado e admirado por todos, quer fossem maragatos e

republicanos, ou fossem protestantes e católicos.

O primeiro grupamento era do Piquete Josapahat

tendo Baiano Candinho na chefia. Ele havia se arriscado ao

descer a Serra do Pinto, mas certamente confiava de que

nesse dia ninguém arriscaria qualquer ato de agressão. Era

uma espécie de trégua não estabelecida, porém assumida

por todos, no interesse comum de conceder uma

homenagem ao patriarca falecido. Quando o féretro fúnebre

passou, Candinho deu voz de comando ordenando aos

cavaleiros do seu piquete para erguerem as lanças com

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141

suas bandeirolas vermelhas, perfilando enquanto os

enlutados passavam.

Chegando mais perto do cemitério ali podiam ser

vistos os integrantes do Ritterverein, a Sociedade dos

Cavaleiros sob a chefia de Carlos Frederico Voges Sobrinho.

A bandeira era conduzida pelo escrivão Christovam

Schmitt, casado com uma neta do falecido pastor. Quando o

féretro passou diante deles Carlos Frederico, montado em

sua mula predileta deu comando de perfilar. Todos

ergueram as lanças ornadas com bandeirolas azuis e, o

porta-bandeira agitou lentamente a bandeira do

Ritterverein, desfraldada.

Os alunos da Escola da Comunidade conduzidos pelo

Professor Serafim Agostinho do Nascimento estavam diante

do portão do cemitério segurando a bandeira da Colônia18,

já um tanto surrada, mas com seus símbolos ainda bem

visíveis.

Diante da trilha do Arroio do Padre, no descampado

onde no passado estivera construída a morada e ferraria do

Sparremberger estava o piquete que fora criado pelo

falecido Paraguaio Gross.

Também podiam ser vistos cavaleiros açorianos de

Três Pinheiros, portando lanças, ornadas com bandeirolas

azuis e vermelhas.

No interior do cemitério praticamente não existia

mais espaço livre para permitir a entrada do caixão e dos

familiares enlutados. Com grande dificuldade os

carregadores chegaram diante da grande pedra sobre a qual

colocaram ao ataúde.

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O caixão não mais foi aberto, pois seria inviável

qualquer iniciativa para permitir a visualização do corpo.

Professor Serafim em companhia de dois ex-alunos

veio trazendo a Bandeira da Colônia e a estendeu sobre o

caixão, dizendo: - “A nossa Colônia de Três Forquilhas

homenageia o seu líder maior com o reconhecimento pelo

seu serviço, de dedicação e amor, de desprendimento e

sacrifício, sem distinção de credo ou cor, ou de partido

político, ou o que for. Por isso o nosso Vivaaa, dos alunos,

ex-alunos e professores, para o nosso mestre, diretor da

Escola e pastor, para que encontre descanso nas moradas

eternas!”.

Os integrantes do Coral e da Banda de Música não

haviam encontrado espaço suficiente dentro do cemitério e

por isso o maestro e regente Christian Tietböhl os reuniu na

lateral da cerca, no lado de fora, para dali entoarem

cânticos e apresentarem músicas e marchas fúnebres.

Dentro do cemitério podiam ser vistas famílias

inteiras, mulheres, crianças e homens, de diferentes pontos

do vale, serranos e praianos, desejosos de fazerem a

despedida ao patriarca espiritual que todos amavam e

respeitavam. Ele que por mais de sessenta anos os guiara

em meio aos altos e baixos da vida.

Quando o professor Serafim acabou de colocar a

bandeira sobre o caixão ouviu-se o choro e soluços das

mulheres sobressaindo, porém o acorde de uma marcha

fúnebre que a Banda sob a regência do professor Tietböhl

passara a executar.

Major Voges fala outra vez

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O major Adolfo Felipe Voges, filho do falecido, agora

líder inconteste da Comunidade Evangélica de Três

Forquilhas, postou-se diante do ataúde para novamente

dirigir uma palavra ao povo, em particular vendo as tantas

pessoas que não tinham conseguido entrar no templo,

durante o velório.

O major discursou: - “Senhoras e senhores, nós

estamos nos despedindo do pastor Carlos Leopoldo Voges.

O tempo da vida terrena dele findou ontem durante a noite.

Ele não conseguiu mais ver o raiar deste dia de hoje.

Tempos vem e tempos vão. Isso deve nos fazer perguntar

pelo nosso próprio tempo de vida. Se pego, por exemplo, a

minha vida, estou chegando quase aos sessenta anos

enquanto o meu pai alcançou noventa e dois anos de vida.

Não é concedido um tempo igual para todos. Como saber o

tempo que ainda nos resta? Tenho saúde e vontade de viver

e de trabalhar. Porém que garantia a mais recebemos tendo

saúde e vontade de viver? Basta olhar para o poder das

epidemias ou a força das armas empunhadas com ódio,

para reconhecer e tomarmos tento de que nada nos

garante, a não ser a proteção divina, do nosso Criador e

Senhor. Muitos de nós ficamos com temor diante do poder

destruidor das forças que podem se abater sobre a nossa

vida, num de repente em meio aos males e doenças e em

meio aos conflitos e confrontos armados. Venha o que vier,

aconteça o que tiver que acontecer, vale a fé de que os

anjos de Deus nos guiam e nos protegem. Lembro da frase

que meu pai deixou escrita num papel, que ficou sobre a

escrivaninha: < Até aqui nos trouxe Deus! O que importa é,

pois isso, de que o nosso Pai celeste está no comando da

nossa existência terrena e nos levará onde nos for permitido

existir”.

Major Voges fez uma pequena pausa para

reorganizar as suas idéias, pois estava visivelmente

emocionado e mostrava dificuldades para expor com clareza

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o que lhe ia no pensamento. Ele continuou: - “A minha mãe

Elisabetha que no passado foi professora de muitos dos que

aqui se encontram, não teve forças para nos acompanhar.

Porém ela recomendou que eu vos falasse breves palavras

em nome dela. Ela mencionou que nesta hora ela recorda

do dia em que o meu pai e ela decidiram fixar morada

definitiva aqui na Colônia de Três Forquilhas, para se

dedicarem ao serviço em favor de todo o povo deste lugar.

Ela que trabalhou como professora e, meu pai como cura

d’almas, guia e conselheiro. Dona Elisabetha pediu para

lembrá-los que, para o pastor Voges e para ela, a maior

satisfação foi de poder liderar e servir todas as famílias

daqui, sem fazer distinção de credo ou cor, ou de pendor

político.

Major Voges silenciou mais uma vez e continuou em

seguida: - “Recordo do dia em que o meu pai, sentindo o

peso dos anos, relutante me pediu: < Adolfo, é preciso que

vocês chamem um novo pastor, pois o cansaço já começa a

me incomodar >. Ele estava se aproximando dos noventa

anos de idade e se preocupava com o futuro da nossa Igreja

neste lugar. Tivemos sucesso e o Sínodo Riograndense nos

enviou um novo pastor, em 1892. Porém esse novo pastor

veio, mas foi embora. Quem poderia acreditar que o velho

pastor Voges voltaria a ser novamente o nosso guia

espiritual? Mas foi ele quem pediu para voltar, pois desejava

servi-los enquanto um novo pastor pudesse ser encontrado.

Portanto ele faleceu no cargo de pastor, com noventa e dois

anos de idade. Quem no futuro conseguirá acreditar numa

história dessas? Finalmente quero ainda dizer que coube a

mim o serviço de fazer a encomendação do corpo do meu

pai. Não tenho preparo para isso e só saberei fazer o que vi

tantas vezes ser feito por ele, aqui neste cemitério”.

O major ergueu o braço e apontando para os morros

falou: - “Elevo os meus olhos para os montes, de onde me

virá o socorro?”.

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Depois, voltando o braço e apontando para a cruz de

madeira que se erguia no centro do cemitério completou: -

“O meu socorro vem do Senhor que fez os céus e a terra”.

Ele concluiu o ato conduzindo os presentes para a

oração do Pai Nosso e, finalmente, o Coral apresentou mais

um hino de consolo.

A vitória seja da lealdade

Com grande dificuldade, os carregadores do caixão

conseguiram alcançar a cova e local do sepultamento.

Enquanto o caixão estava sendo baixado ao fundo da

cova, Carlos Frederico Voges Sobrinho, neto do pastor e

líder do Ritterverein conseguiu chegar ao local. Ele vinha

trazendo a bandeira da Sociedade dos Cavaleiros e

encaminhando-se a sepultura, parou diante da mesma para,

por três vezes inclinar a bandeira sobre o caixão. Olhando

na direção da estrada bradou: - “Para a vitória da lealdade,

vivaaa!”.

E lá da estrada os cavaleiros ergueram as lanças as

balançaram com força fazendo as bandeirolas drapejar ao

vento e responderam: - “Que a vitória seja da lealdade,

vivaaaa!”.

Na sequência, Carlos Frederico Voges Sobrinho

surpreendeu a todos quando fez uso da palavra, dizendo: -

“Um ginete, uma lança e a bandeirola drapejando ao vento

da amada liberdade. O vento da amada liberdade que está

soprando sobre nós19”.

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Ninguém, naquela hora, entendeu ao certo porque

ele falou isso e não souberam dizer o que ele, afinal

desejara dizer.

Na verdade, naquela hora do enterro, ali estavam

reunidos maragatos e pica-paus, federalistas e castilhistas

republicanos. Estavam vivendo uma trégua que duraria

apenas aquele dia, depois, tudo voltaria aos temores e

riscos de enfrentamentos, confrontos armados e com a

possibilidade de ocorrerem mortes sangrentas.

Enquanto ambos os lados erguiam ali suas lanças,

não o faziam apenas em homenagem ao patriarca espiritual

falecido. Todos sabiam muito bem que uma revolução

sangrenta quando desencadeada só costuma acabar com a

derrota ou vitória. O grito pela liberdade, presente na voz

de Carlos Frederico Voges Sobrinho foi, antes de tudo, um

grito unilateral, clamando pela vitória para os republicanos e

castilhistas. Ele sabia muito bem o que pairava no ar e das

medidas duras que Júlio de Castilhos haveria de

desencadear em breve, contra os federalistas. O que para

os castilhistas era liberdade, para os revolucionários

federalistas significaria a derrota e o risco para um

extermínio indiscriminado.

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LÍDERES ARROIENSES ASSASSINADOS

As autoridades castilhistas de Porto Alegre decidiram

enfrentar com o maior rigor possível todos os federalistas

que passaram a ser desqualificados, como sendo meros

bandidos da sociedade.

O serviço de informações do Governo Castilhista

mantinha-se atento a tudo, em todos os quadrantes do

território riograndense. Recebiam relatórios de todos os

pontos estratégicos da Província. Sabiam assim que os

federalistas estavam se organizando, formando grupos

armados, visando recuperar o poder do qual, alegavam

terem sido desalojados através de maquinações

sórdidas.

Os castilhistas souberam que em Conceição do Arroio

um padre intrometido, de fala castelhana utilizava Missas e

cerimônias de casamento, para conclamar os moradores

para o uso das armas, se preciso fosse. Foram assim

nominados como sendo os cabeças do movimento

federalista arroiense, o Major Azevedo, e o Padre Fernandes

e, em plano secundário certo major, alcunhado de Baiano

Candinho.

É preciso lembrar que os federalistas, em fase

recente, por breves meses, haviam conquistado o Governo

da Província, no que se chamou de Governicho. Os

castilhistas, porém, conseguiram, numa manobra rápida,

retomar as rédeas do Governo. Para se consolidarem mais

firmemente no poder, passaram a organizar uma poderosa

polícia estadual, que passou a ser conhecida como Brigada

Castilhista e finalmente a Brigada Militar do Rio Grande do

Sul20.

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As medidas de repressão aos inimigos do Governo de

Julio de Castilhos foram imediatas. No tocante aos líderes

federalistas de Conceição do Arroio, o comando castilhista

decidiu pela eliminação sumária dos cabeças, entre os quais

constavam Major Azevedo, Padre Fernandes e Baiano

Candinho. O propósito era de amainar o fervor dos

federalistas.

O primeiro a ser assassinado fora Padre Fernandes,

no dia 19 de julho de 1892 com um tiro pelas costas. O

local onde o padre foi morto ficou conhecido por Várzea do

Padre, situada a aproximadamente seis quilômetros de

Osório.

Já com o Major Azevedo, usou-se uma forma muito

mais covarde e vil. O líder maragato recebeu voz de prisão,

em sua casa e, se entregou sem reagir, entendendo que

seria levado a Porto Alegre, para ser julgado.

Mas, já estava previsto que ele seria eliminado,

ainda nas proximidades de Conceição do Arroio.

No caminho, o Sargento Francisco Gonçalves da

Silva, responsável pela diligência policial, simplesmente

ordenou a degola do líder maragato21. O Sargento, sem

nenhum escrúpulo, ficou com o belo cavalo e com os

pertences do assassinado.

Esta mesma Escolta da Brigada Militar, comandada

pelo Sargento Gonçalves foi enviada, para a Colônia de Três

Forquilhas, com a incumbência de, naquela localidade,

procurar eliminar também o terceiro revolucionário de

Conceição do Arroio, o Major Baiano Candinho.

Eram vinte e cinco brigadianos que deviam

aproveitar para desbaratar o resto do bando de malfeitores,

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que na verdade agora já se tratava do Pelotão Protestante

de Três Forquilhas, porém eles não sabiam disso.

O Pelotão, no terreno onde se encontrava, jamais

poderia ser enfrentado por uma Escolta despreparada e que

desconhecia totalmente a geografia e o número de inimigos

a serem enfrentados.

São os seguintes os integrantes da escolta da

Brigada Militar enviada à Colônia de Três Forquilhas. 1) –

Sargento Francisco Gonçalves da Silva; 2) – Cabo João

Pedroso dos Santos; 3) – Cabo Remicio; 4) – Sd José Maria

da Silva; 5) - Sd David Feijó; 6) – Sd Reinécio do Prado

Antunes; 7) – Sd Arthur Manoel de Lima; 8) – Sd Francisco

Xavier Braga; 9) - Sd Zeferino Antonio Gomes; 10) – Sd

Valeriano Gonçalves; 11) – Sd Domingos Gonçalves

Meireles; 12) – Sd João Agapito Dutra; 13) – Sd Francisco

da Rosa; 14) – Sd Manoel Antonio Fernandes; 15) – Sd

Crescêncio Abade; 16) – Sd Fausto Militão, o Ruivo; 17) –

Sd Fausto Silva, o Caboclo; 18) – Sd Jorge José Correa

Toledo; 19) - Sd Manoel Glória da Silva; 20) – Sd Avelino

Soares; 21) – Sd Francisco Salustiano; 22) – Sd Pedro

Fagundes; 23) – Sd Paulino Silva, o Bruaca Velha; 24) – Sd

Casemiro Criuva; e 25) – Sd Corneteiro José Silveira.

Estes Policiais eram quase todos, nascidos na

fronteira, na divisa com o Uruguai e não possuíam nenhum

vínculo com a população nativa do litoral norte do Rio

Grande do Sul.

Baiano mantinha-se sempre muito bem informado,

através do serviço dos seus espiões e estafetas. Quando

soube da vinda dessa Escolta da Brigada, deslocou todos os

seus homens para a área das Charnecas de Labatut,

desejoso de atrair esses incautos, caso aceitassem e

viessem com muita vontade de levar uma boa surra, para

um confronto naquela área. Afinal ele havia prometido ao

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Pastor Voges de que jamais haveria de entrar em combates

e confrontos no território da antiga Colônia de Três

Forquilhas, por isso os desejava atrair para a Serra.

Sargento Gonçalves entrou na Colônia com grande

pompa, desfilando com o belo cavalo, que pertencera ao

Major Azevedo e do qual se apossara.

Já na chegada, o Sargento revelou-se como homem

vaidoso, truculento e autoritário, exigindo, de imediato,

novilhas e suprimentos, para suprir a Escolta, alegando que

os seus soldados estavam passando fome e que precisavam

ser sustentados pela população que eles haviam de proteger

e oferecer segurança contra a bandidagem da Serra.

Os colonos ficaram revoltados com o procedimento

do Sargento e quem ainda podia, escondeu rapidamente os

melhores cavalos, as novilhas e as vacas.

Por onde os brigadianos passavam, tomavam o que

lhes servia. Foi um verdadeiro saque aplicado no comércio

local e aos colonos indefesos, sendo depois muitas dessas

atrocidades atribuídas, pelos castilhistas, ao Major Baiano

Candinho, por causa de fatos que serão contados mais

adiante.

Sargento Gonçalves quando cobrava suprimentos

para o seu efetivo, insistia e de novo voltava a dizer que a

população do lugar devia bancar a manutenção da Escolta,

por ordem dos seus superiores. Afinal eles ali se

encontravam com o exclusivo propósito de defender a

Colônia de Três Forquilhas contra os bandidos federalistas.

É necessário explicar que os colonos de Três

Forquilhas, naquela época, não tinham nenhuma queixa

contra Baiano Candinho e seus homens. Candinho jamais

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permitira saques, nem contra comerciantes e nem a invasão

de moradias dos colonos.

Desta forma, os colonos diziam: - “Convém chamar o

Baiano Candinho, porque somente ele conseguirá nos

proteger contra a ladroeira desses soldados castilhistas”.

Afinal, o Baiano sempre os defendera e servira como

segurança, já no tempo em que Major Voges havia

assumido como subdelegado, em 1880. Candinho

desempenhara, naquela época, uma missão policial.

Portanto, confiavam mais nele do que nos soldados

castilhistas.

A Escolta de Sargento Gonçalves seguiu até a

confluência dos Arroios Carvalho e Pinto, no ponto onde

desembocam no rio Três Forquilhas. Ali se situava a antiga

propriedade dos Gross, mais especificamente do França

Gross. A casa, os galpões e currais foram tomados, para

servirem como quartel general da força castilhista.

O proprietário França Gross já há dias, buscara toda

a família, levando-os juntamente com alguns vizinhos,

antigos maragatos que agora decidiram aderir à tropa de

Candinho.

Nesse meio tempo, Candinho já descobrira os dois

espiões infiltrados no seu efetivo. O primeiro a ser flagrado,

foi o Negro Campolino, que sem querer se traíra, numa

conversa ao redor do fogo. Candinho ordenou uma

execução sumária, para desencorajar qualquer outro que

pensasse em fazer o mesmo.

Candinho, porém continuou desconfiando da

presença de outro espião. Deu ordens ao seu estado-maior

para estarem atentos. Não haviam passado dois meses

quando já estavam às vésperas do romper da Revolução

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Federalista, quando foi mencionado o nome do Chico Reata

como sendo o outro espião. Este andara, por demasiadas

vezes, lá para os lados da sede de Três Forquilhas, tendo

sido visto no armazém do líder castilhista Carlos Frederico

Voges Sobrinho, em animada prosa.

Candinho encarregou o seu enteado Henrique Baiano

para preparar uma armadilha para o Reata. E não deu

outra... O infeliz caiu na conversa, traindo-se, esclarecendo

o papel duplo que desempenhava.

Ele foi morto no mesmo momento por Henrique e

deixado à margem da trilha, no alto da Serra.

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DADOS DA REVOLUÇÃO FEDERALISTA

A Revolução Federalista teve início no dia 05 de

fevereiro de 1893, quando Joca Tavares invadiu o Rio

Grande do Sul à testa de três mil homens. A notícia se

espalhou rapidamente por todas as Comarcas e rincões do

solo riograndense.

No dia 03 de maio ocorreu a Batalha de Inhandú, em

Alegrete. Os castilhistas, em minoria, foram derrotados

fragorosamente.

No dia 18 de setembro, Gumercindo Saraiva colocou

dois mil homens em movimento. Escapando de um

confronto com Assis Brasil, resolveu adentrar o Estado de

Santa Catarina, com a intenção de avançar, rumo ao

Paraná.

Baiano Candinho tomou conhecimento desses

movimentos dos revolucionários. Porém ele não ensaiou

nenhum movimento. Não tinha intenções de entrar em

combate e nem se dispôs a acompanhar Gumercindo,

contrariando as exigências do comando federalista.

Muitos dos homens de Candinho, porém estavam

agitados e desejavam acompanhar Gumercindo Saraiva ou

outro líder, para ver a revolução mais de perto. Ele os

acalmava e exigia cautela, para que não se cometessem

atos que pudessem desgostar os líderes da Colônia de Três

Forquilhas.

Os homens do Pelotão Três Forquilhas transitavam

normalmente pelas trilhas da Serra e desciam para o Passo

do Josaphat e para a Colônia de Três Forquilhas, para visitar

os familiares ou para permanecerem em suas propriedades,

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durante algumas semanas, no intuito de auxiliar o pessoal

no corte de cana, na moenda e na confecção de rapadura.

No início se movimentavam, sem serem molestados

pela Escolta do Sargento Gonçalves. Diante disso

imaginaram que podiam continuar passando pela barreira

da Escolta, sem serem identificados como revolucionários.

Não sabiam eles que a Escolta contratara três olheiros

serranos, que recebiam pagamento pelo serviço.

Os integrantes do efetivo de Candinho haviam

passado a ser caçados, não na condição de revolucionários,

porém como bandidos da Serra, integrantes do denominado

bando do Baiano Candinho, com ordem de eliminação

sumária, sem ordem de detenção ou de prisão.

A morte de Luciano de Aguiar

Eram três os olheiros que Sargento Gonçalves

contratara, liderados por Chico Crioulo, para ajudá-los na

identificação dos homens do Baiano.

Desta forma, no dia 8 de maio de 1893, Luciano

Cardoso de Aguiar ao descer a Serra com a intenção de ver

como estavam a esposa e filhos, não chegou a sua

propriedade. Quando estava a aproximadamente um

quilômetro das terras que eram propriedade de Baiano

Candinho, portanto, já na planície do vale do rio Três

Forquilhas, ele foi surpreendido pela Escolta Policial do

Sargento. Os olheiros serranos o identificaram.

Luciano levava nas veias o sangue dos Cardoso, que

havia se firmado na Colônia, granjeando a estima de todos.

E quanto à família Aguiar, os homens dessa estirpe eram

considerados aguerridos e de muita coragem, para

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enfrentar perigos e dificuldades. Luciano sendo um Cardoso

Aguiar era estimado e respeitado, pois além das qualidades

ou defeitos dos antepassados trazia o temperamento de

homem tranquilo e comunicativo, carinhoso com as crianças

e cavalheiresco com as damas. Gostava de se vestir bem,

com bombachas e botas, mais um chapéu largo. Pelo fato

de ser cavalheiresco com as damas ele era bem-vindo em

domingueiras ou festas.

Luciano Cardoso de Aguiar era cunhado de França

Gross e se integrara na Comunidade Protestante buscando

sempre os serviços do pastor Voges para batizar filhos.

Luciano vinha, despreocupado, pensando em rever a

esposa e filhos, distraído, quando viu surgir dentre as

moitas da margem da estrada os vultos de policiais e

olheiros que lhe fecharam a passagem. Viu uma carabina,

nas mãos do sargento, já fazendo mira. Luciano decidiu

antecipar-se, tocou as esporas no cavalo e jogou-se sobre

os agressores. Se tivesse que morrer ele queria vender a

vida, pelo menos, por um preço bem alto. Desejava levar

consigo para a morte, pelo menos um, dois ou mais deles.

Com êxito, Luciano derrubou exatamente o chefe dos

olheiros, o tal de Chico Crioulo, que estava mais próximo.

Tirou-o do cavalo, simplesmente montando sobre suas

costas, assim como se monta um animal.

Foi uma luta rápida e Luciano mostrou de que era

bem mais ágil. Quando viu que Chico Crioulo portava uma

faca, com a bainha enfiada na cintura, atrás das costas, foi

fácil tomar a mesma. Penetrou-a totalmente, até o cabo, no

traseiro do Crioulo, que berrou como uma rês quando é

sangrada. As tripas começaram a sair pela fenda aberta. O

olheiro não tinha como sobreviver a tamanho ferimento.

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Pipocaram diversos tiros. Luciano caiu varado pelas

balas, disparadas por Sargento Gonçalves e outros policiais.

Luciano era pessoa muito conceituada em toda a

vizinhança e em toda a Comunidade Protestante de Três

Forquilhas. A sua morte chocou a todos.

O seu corpo foi recolhido pelos vizinhos e levado

para a Felisbina Charlota Gross, esposa de Luciano. Foi

grande o desespero naquela casa, mas não havia outra

coisa para fazer a não ser o velório e providências para o

enterro.

O sepultamento foi no Cemitério do Passo e grande

foi o acompanhamento de moradores da Colônia.

São eliminados mais dois

Dois meses mais tarde, Ignacinho e Pedro Juarte

também desciam para visitar as respectivas famílias.

Imaginavam que a morte de Luciano fora alguma mera

casualidade do destino, que o deixara ser identificado.

Eles não sabiam dos olheiros, que haviam se

colocado a serviço dos brigadianos. Os dois vinham

tranquilamente, conversando e fumando palheiro, quando

se viram barrados por elementos da Escolta.

Os dois olheiros que haviam sobrado os

identificaram dando seus nomes. Não tiveram nenhuma

chance de reação ou fuga. Foram eliminados a tiros, no

mesmo local e os corpos deixados estirados à margem da

estrada

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157

Novamente vizinhos prestimosos recolheram os

cadáveres levando-os para as casas das respectivas

famílias. Foram agora dois velórios simultâneos, em duas

casas distintas de colonos que eram vizinhos e

profundamente ligados por amizade e vida em comum.

O choque para estas famílias e vizinhos e para toda a

população da Serra e na Colônia de Três Forquilhas, foi

novamente muito grande.

Eram mais dois protestantes, membros da

comunidade, que foram levados ao Cemitério do Passo,

sendo sepultados ao lado de Luciano Cardoso de Aguiar.

Eram agora três cruzes, que passaram a ser um sinal

doloroso de que a Revolução Federalista chegara ao vale do

rio Três Forquilhas.

Baiano Candinho apesar dessas perdas dolorosas

decidiu não descer ao vale e não entrar em combate, pois

fizera uma promessa ao pastor Voges e ao filho deste de

jamais entrar em combate na área da Colônia de Três

Forquilhas.

Candinho esperava que os seus oponentes

aceitassem ir até o terreno que ele escolhera, nas

Charnecas de Labatut. Ali poderia ocorrer um combate, num

terreno que ele dominava como a palma de sua mão.

Candinho estava cumprindo rigorosamente a palavra

empenhada com o velho pastor e com o Major Voges. Os

seus homens estavam sendo abatidos como coelhos e ele

nada fez para acabar com seus inimigos.

Os integrantes do efetivo de Candinho eram agora

proscritos e declarados como sendo meros bandidos que

deviam ser caçados, por ordens dos castilhistas.

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Tentaram atribuir ao efetivo de Candinho as mais

diferentes acusações, desde reles ladrões de gado, a

assaltantes, assassinos e saqueadores.

Candinho reuniu seu efetivo, particularmente o

Pelotão Três Forquilhas e deu enérgicas recomendações.

Ninguém mais estava autorizado a sair sozinho, pelas trilhas

que davam para o vale do rio Três Forquilhas. Não havia

mais nenhuma possibilidade de visitarem esposa e filhos,

pais ou parentes. Ele queria evitar que a sua força fosse

dizimada, abatidos como coelhos ou como alguma outra

caça qualquer.

Neto de Patrulha é morto

Em 11 de novembro de 1893 o jovem Miguel

Cândido, também conhecido como Miguel Patrulha, por ser

neto do falecido João Patrulha, desobedeceu às ordens do

comandante, Major Baiano Candinho.

Ele sabia que a ordem era bem clara, porém mesmo

assim decidiu ir até a pousada dos tropeiros, na antiga

propriedade do seu falecido avô João Patrulha.

Lá estavam sua esposa e filhos, a mãe, a idosa avó e

as tias. Era gente querida que ele não via há tantos meses.

Afinal, ele não estava descendo ao vale, pois ficaria junto à

trilha da Serra.

Mas ele não chegou em casa. Um grupo de

brigadianos o surpreendeu. O olheiro o identificou, dando o

seu nome e sua filiação. Foi morto a tiros, e deixado jogado,

na trilha.

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O corpo de Miguel Cândido foi velado na antiga

pousada do falecido João Patrulha e depois trazido a sede

da Colônia, pelas mulheres da família e também sepultado

no Cemitério do Passo.

Agora já eram quatro as cruzes, enfileiradas, logo na

entrada do cemitério, chamando a atenção de todos.

Começara a acontecer, o que Major Voges tanto

quisera evitar. O luto começou a marcar a Colônia e, em

particular, a Comunidade Protestante, pois alguns de seus

filhos já estavam sendo abatidos de forma chocante.

Os colonos apostavam que agora Baiano Candinho

não mais seria capaz de deixar esses assassinatos impunes.

Diziam: < O sangue do neto do João Patrulha Menger está

exigindo uma desforra. Candinho vai descer e esmagar essa

escolta que não sabe distinguir entre gente de bem e

bandidos.

Baiano Candinho andava triste, de um lado para o

outro. Os seus homens pediam vingança e queriam descer

e armar emboscadas aos brigadianos. Pediam também

providências de Candinho para que os dois olheiros serranos

restantes fossem justiçados sumariamente, para acabar

com esse trabalho sujo de identificação de revolucionários.

Candinho enfrentou a sua tropa com muita energia.

Explicou que dera a sua palavra de jamais entrar em

combate no território da Colônia de Três Forquilhas e

enquanto ele fosse o comandante, esta ordem ficaria em

pé. Porém aceitou o pedido de armar uma estratégia para

acabar com esses olheiros, algo que não foi difícil, pois os

vizinhos do quartel da Escolta os identificaram e levaram a

informação para Candinho.

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Na primeira oportunidade em que esses olheiros

subiram a Serra para visitarem familiares, foram pegos e

crivados de bala, deixados para servirem de comida aos

urubus.

No quartel da Escolta nunca mais souberam do

paradeiro desses dois olheiros e, as famílias deles jamais

tiveram notícias, pois pareciam terem sidos evaporados no

ar.

A situação ficou novamente mais tranquila e os

espias e estafetas de Candinho puderam novamente circular

na região do Baixo Josaphat como se fossem simples peões

ou tropeiros serranos em suas atividades de rotina.

Quanto à Escolta, Candinho preferiu esperar.

Desejava estabelecer alguma estratégia, que evitasse riscos

para os moradores da Colônia e que concedesse um fim

para essa força policial da Brigada Castilhista.

Algo surpreendente no caráter de Candinho era que

ele desejava poupar vidas, de ambos os lados, pois sabia

que em qualquer confronto direto, de combate, com certeza

também ele haveria de perder alguns de seus homens, e

haveria mais luto e mais cruzes no Cemitério do Passo.

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TÉDIO NA ESCOLTA POLICIAL

Na Colônia de Três Forquilhas para Baiano Candinho,

valeu à pena aguardar com muita paciência no refúgio que

organizara no Alto Josaphat, pois o tédio começou a tomar

conta da Escolta da Brigada que se acomodara ao pé da

Serra do Pinto.

Eles não se preocuparam, mas nesse meio tempo

passara pela Colônia uma tropa de revolucionários

federalistas, vinda não se sabe de onde, a qual saqueara o

comércio e casas de colonos. Esses revolucionários assim

como vieram, se foram, deixando apenas um susto para a

população.

Sargento Gonçalves conseguiu contratar um novo

olheiro, porém não sabia que se tratava de um colono que

admirava Candinho. Este passou a dar informações erradas,

dizendo que não haviam aparecido mais federalistas na área

e nem na Serra.

Sargento Gonçalves passou a desleixar o seu

trabalho de comando. Ele conheceu, nesse meio tempo, em

suas andanças solitárias pela região, uma mulher pelas

bandas da Lagoa Itapeva.

No início ia até lá, para regressar no outro dia.

Depois foi passando cada vez mais tempo, ficando fora do

quartel, ajudando o futuro sogro em atividades na lavoura,

safrando cana e ajudando no alambique, pois ele gostava de

uma cachacinha boa.

Sargento Gonçalves passou a ser detestado pelos

integrantes do seu efetivo, que ficavam aliviados com estas

ausências.

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Comandante ausente, na verdade, não mais servia

de comandante. Cabo Pedroso passou a substituir o

sargento com grande eficiência e foi alcançando a

submissão espontânea de todo o efetivo.

Baiano Candinho tomou conhecimento de toda essa

situação. Os seus espiões não falhavam. Se não eram os

peões que por ali transitavam, eram as mulheres da

vizinhança do quartel, que mandavam as informações até a

Serra. Caixeiros viajantes, maragatos, que, apesar de

escassos, ainda tinham coragem de andar por essas trilhas

lhe serviam de informantes.

Baiano Candinho deixou claro para os seus homens

que a sorte do Sargento Gonçalves já estava traçada. Era

apenas questão de tempo. Baiano enfatizava com o

argumento que um brigadiano desses, era um militar sem

honra e acima de tudo um covarde, pois havia sido capaz de

assassinar o Major Azevedo, indefeso e ainda lhe roubar o

belo cavalo branco.

Candinho fazia questão de esclarecer o motivo de

estar qualificando o Sargento como um covarde e como um

homem sem honra. Simplesmente porque esse Sargento

fora o responsável pela morte de Major Azevedo em

Conceição do Arroio. Cumprira ele ordens? Mas por que teve

que degolar o Major e ainda roubar-lhe o cavalo e

pertences? Por que o Sargento entrou na Colônia de Três

Forquilhas, exibindo o cavalo roubado? Para provocar a

quem? Será que esperava que Candinho viesse correndo,

para enfrentá-lo, num combate direto?

Conforme as palavras de Baiano Candinho, a sorte

do Sargento Gonçalves, de qualquer forma, já estava

selada. Era só uma questão de tempo. Os enlutados de Três

Forquilhas, que haviam tido filhos abatidos por ordem desse

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Sargento, que tivessem paciência. Estas mortes também

seriam vingadas, na hora certa.

O estratagema de Candinho

Para Baiano Candinho a presença da escolta, ao pé

da Serra do Pinto, era como um espinho no pé, que o

incomodava dia e noite. Ele procurava saber de tudo o que

eles faziam.

Os colonos e vizinhos dos brigadianos ajudaram a

colher informações e transmitir às mulheres espiãs as

novidades que surgiam. Comunicaram que Sargento

Gonçalves passara a relaxar a tal ponto, o comando da

Escolta, de ficar por semanas na casa do futuro sogro.

Nestas ausências, era Cabo Pedroso quem era o

responsável pelo comando do efetivo. Os brigadianos já não

saíam mais para vasculhar a trilha da Serra. Haviam

dispensado o olheiro. Apenas mantinham uma barreira no

Passo do Pinto.

O descontentamento no Quartel improvisado era

grande. Os soldados queixavam-se da solidão dos fundões

da Colônia. Reclamavam da falta de festas, bailes ou

folguedos populares. Não existiam mulheres disponíveis que

pudessem ser visitadas.

Quando o Sargento Gonçalves aparecia, procurava

solucionar o problema. Ia a casa de algum colono e exigia a

realização de um baile. Os colonos da vizinhança recebiam

mal, tais ordens. Algumas das famílias estavam de luto,

causado exatamente pelos brigadianos. Basta lembrar-se do

Luciano, do Ignacinho, do Pedro Juarte e do Miguel Cândido.

Todos os vizinhos tinham algum tipo de parentesco com

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estes mortos. Os brigadianos já haviam notado que teriam

que cuidar, para não melindrar ainda mais a vizinhança.

Baiano Candinho decidiu fazer uma aproximação

indireta com os brigadianos. A opção foi de utilizar algumas

mulheres. A Poldia, filha do França Gross, iria ao Quartel

dos brigadianos. Evidentemente ela não poderia ir só. Seria

acompanhada pela Téia Fandango, pela Maria Juarte e as

Irmãs Salvadoras.

Já que o aquartelamento fora instalado na

propriedade de França Gross, a menina certamente não

despertaria nenhuma suspeita, caso alegasse que viera

buscar algumas roupas que haviam ficado em um baú, num

dos quartos da casa. O baú e as roupas de fato existiam.

Apenas eram da mãe de Poldia, mas isto com certeza não

seria notado.

Poldia devia ter dezoito anos de idade, quase uma

menina. Era loira e franzina, com uma pele muito branca.

Candinho reclamou da timidez da menina do França.

O pai dela, porém insistia que seria exatamente este o fator

que deixaria os brigadianos totalmente despreocupados.

O que encorajou Poldia era a possibilidade de contar

com a presença das amigas Téia e Maria Juarte, além das

escandalosas Salvadoras, que por si só valiam por um

Batalhão.

As Salvadoras eram, de fato, muito vividas e

tagarelas. Eram irmãs solteiras do finado Maneca Salvador,

que fora morto, por ter roubado gado, de fazendeiros

serranos. Mas elas diziam que nada tinham a ver com as

práticas erradas cometidas pelo irmão. A vida delas, afinal,

teria que continuar. Não eram bonitas, mas sabiam como

lidar com um homem.

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Téia Fandango tinha cabelo levemente ruivo e

algumas sardas no rosto. Já a Maria Juarte tinha o cabelo

preto, bastante longo, contrastando com uma pele muito

branca.

O plano era de escolher um daqueles períodos em

que Sargento Gonçalves sumia da área. A Poldia chegaria

com as amigas, pedindo autorização para entrar na

propriedade. Deviam apenas entrar e buscar a roupa e,

acima de tudo, travar amizade com os brigadianos e ir

embora, como se fossem umas mulheres medrosas.

O plano foi executado e a chegada das mulheres

trouxe um grande alvoroço no aquartelamento. Soldado

Reginaldo que cumpria o plantão da porteira, foi muito

atencioso. De forma cavalheiresca, prontificou-se a atendê-

las, caso ele pudesse ajudar em alguma coisa. Poldia

identificou-se e explicou a que viera.

Reginaldo franqueou a entrada para a menina. As

demais deviam aguardar do lado de fora. Ele a conduziu a

presença de Cabo Pedroso, que respondia pelo comando da

Escolta.

Poldia mais uma vez repetiu o motivo da visita.

Explicou que viera em companhia de algumas amigas para

buscar algumas peças de roupa, que lhe faziam muita falta.

Cabo Pedroso recriminou o Soldado Reginaldo, por

ter deixado as demais mulheres, na estrada e ordenou que

as buscasse imediatamente.

Poldia estava ali, diante do Cabo, muita tímida e

indefesa. Ele ficou com pena, pedindo que ela se acalmasse,

uma vez que as amigas dela haveriam de chegar logo.

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Quando as demais mulheres chegaram até a varanda

da casa, Cabo Pedroso conduziu Poldia aos aposentos, onde

estava o aludido baú. Deixou-a totalmente à vontade, para

reunir tudo o que desejasse levar. Enquanto isto ele

também foi até a varanda, curioso, para conhecer as

demais mulheres. Queria saber um pouco a respeito delas.

Seria bom, acautelar-se, pois podiam estar de alguma

forma, a serviço dos bandidos da Serra.

As Salvadoras foram se achegando, tagarelando,

sempre aos sorrisos. Em breves minutos, o gelo estava

quebrado. Os soldados, curiosos, foram se reunindo em

torno da varanda, todos eles interessados nas visitantes.

As mulheres souberam comportar-se com a maior

naturalidade. Era como se estivessem em casa. E realmente

estavam. Maria Juarte era a viúva de Pedro Juarte,

assassinado pelos brigadianos. A Téia Fandango prima do

falecido Ignacinho, também assassinado pelos brigadianos.

Poldia, por sua vez, era prima de Ignacinho e era parente

do falecido Miguel Cândido, também abatido pelos

brigadianos.

Elas, porém nada falaram desse parentesco. Pelo

contrário, fizeram referência apenas de parentescos com

outras famílias, residentes na vizinhança do

aquartelamento. Afinal eram todas elas parentes entre si,

menos as Salvadoras.

Poldia localizou as roupas que interessavam e fez

uma trouxa. Era muito peso. Foi então solicitar ajuda.

Queria que a trouxa fosse levada até os cavalos, que se

encontravam amarrados próximo da porteira.

Poldia continuava bastante assustada e trêmula. Era

tímida e ficava olhando para o assoalho da varanda. Queria

se despedir e voltar para a casa da mãe. Cabo Pedroso

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reclamou dessa pressa. Garantiu que elas estavam muito

seguras com ele. Afirmou que eles eram, todos, homens de

bem. Eram respeitadores das filhas dos outros.

Cabo Pedroso muito solícito designou quatro

soldados para acompanhá-las, pela trilha, Serra acima. Eles

dariam proteção, por alguns quilômetros, visando garantir a

elas um retorno na maior segurança, tendo em vista a

possibilidade da presença de bandidos, naquela área.

Ao se despedir, o Cabo voltou a insistir com Téia,

com Maria Juarte e com as Salvadoras, para retornarem

novamente, assim que fosse possível. Ele prometia fazer um

bom almoço para elas, e brindá-las com a hospitalidade do

Quartel da Escolta.

As mulheres agradeceram pela atenção e pela

gentileza da boa acolhida. Elogiaram Cabo Pedroso por ter

resolvido, tão bem, o problema da coitadinha da Poldia, que

ficara quase sem roupa, lá na Serra.

Soldado Reginaldo pediu permissão para integrar o

grupo de segurança, e acompanhar as mulheres. Ele

gostara de Poldia. Não tirava os olhos dela. Tão tímida e tão

assustada. Devia ser uma moça muito direita.

Os soldados fizeram o serviço de proteção, não só

por alguns quilômetros. Acompanharam as mulheres ao

destino que, surpreendentemente, era na pousada do

falecido João Patrulha, no platô da Serra.

Algo perigoso estava se projetando sobre aquele

cenário da Serra. Baiano Candinho havia descido com mais

de trinta homens, para aquele mesmo local, preocupado

com o que poderia acontecer com as mulheres. E agora ali

vinham estes quatro soldados, fazendo um inesperado

serviço de proteção.

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Felizmente Candinho, sempre muito precavido, tinha

levado os seus homens a um abrigo, nos fundos, atrás dos

galpões. Mesmo assim, meia dúzia de maragatos ainda

estava na porteira principal, proseando, como costumavam

dizer.

Quando notaram que as mulheres vinham

acompanhadas por brigadianos, a correria foi grande.

Esconderam as armas e fizeram de conta que eram peões,

fazendo alguns reparos na porteira.

Os brigadianos não desconfiaram de nada. Apearam

dos animais e pediram água. Os peões foram se espalhando

e cada qual procurando algum outro serviço para fazer.

Nisto já vieram algumas senhoras idosas da casa, tendo a

frente a mãe de Poldia. Convidaram os brigadianos para que

chegassem a sala da casa. Logo lhes serviram, além de

água, também alguma coisa para comer, acompanhado de

café.

Soldado Reginaldo reclamou então, que a noite já

vinha caindo. Sugeriu que pernoitassem naquela

propriedade. Qualquer canto em algum galpão já seria bom,

para acomodá-los. Os outros três discordaram. Não viam

motivo para ali pernoitar, uma vez que Cabo Pedroso já

devia estar preocupado com a demora deles. Além disso,

era uma bela noite, de lua cheia. A trilha serrana estaria

quase tão clara, quanto de dia.

O que Reginaldo queria, era apenas permanecer

mais um pouco, perto da menina Poldia. Porém, ela sumira

casa adentro. Ele desejava tanto vê-la, conhecê-la e falar

da sua admiração por ela. Os demais notaram o estado do

soldado e, por este motivo, mais ainda, insistiram para

retornar logo.

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Já era quase alta madrugada, quando os quatro

apareceram, de retorno ao aquartelamento.

Cabo Pedroso não conseguira dormir e ficara

andando pela varanda, querendo adivinhar as horas,

nervoso, imaginando muitas coisas. O que poderia ter

acontecido com os soldados? Podiam ter sido emboscados

pelos bandidos. De que forma ele conseguiria responder

por isto?

Quando os viu chegar, ergueu os braços, mostrando

todo o seu alívio. Aceitou prontamente as desculpas que

Soldado Reginaldo lhe apresentou. Eles apenas tinham se

assegurado, para que as mulheres realmente chegassem a

suas casas, sem problemas.

Cabo Pedroso ficou mais satisfeito ainda em saber

que as trilhas da Serra do Pinto estavam seguras e limpas.

O problema dos tais bandidos certamente fora algum

exagero das autoridades da Capital da Província ou então de

Conceição do Arroio.

Ninguém da Escolta conseguira ainda entender o

motivo real por que aqueles quatro homens, Luciano,

Ignacinho, Pedro Juarte e Miguel Cândido, tiveram que ser

abatidos a tiros. O que eles tinham feito de errado? Eram

eles realmente ladrões ou era perseguição política, vinda

com a Revolução.

Os integrantes da Escolta passaram a ouvir na

vizinhança, o quando aqueles quatro homens tinham sido

benquistos. Agora, lá no Cemitério Protestante, estavam

quatro cruzes, reclamando pela ausência deles. Esses

infelizes haviam sido simplesmente arrancados deste mundo

dos vivos, de forma muito cruel. Viajavam desarmados e

confiantes e, o que encontraram? Eles certamente tanto

quiseram estar do lado de mulher e filhos assim como eles,

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que haviam se alistado na Brigada Militar e tiveram que sair

para longe de suas casas.

Essas conversas com os vizinhos do aquartelamento

iam minando o espírito da Escolta. Eles já não tinham mais

certeza, de realmente terem feito o que era justo e certo. A

dúvida era destruidora. Perguntavam também a respeito do

tal de Baiano Candinho. Que tipo de pessoa era ele?

Os vizinhos elogiavam Candinho, dizendo que se

tratava de um homem correto e cumpridor da palavra, que

colocava a honra acima da fortuna. Se ele fosse bandido,

com toda a certeza já teria descido da Serra para acabar

com toda essa Escolta. Diziam: - “A Escolta tem vinte e

cinco homens, porém Candinho tem o dobro. Na verdade

Candinho tinha um efetivo com mais de cem homens”.

Os vizinhos descreveram Candinho como um bom

nordestino, alegre e bonachão, que tinha apenas um

defeito, o de querer ver toda a pessoa feliz. Era somente

por isto, que os brigadianos ainda não tinham sido mortos.

Explicaram que Candinho simplesmente segurara os seus

homens, para evitar mais mortes na Colônia de Três

Forquilhas.

Ele dera a palavra de jamais entrar em combate

nesta localidade. Todos sabiam que ele era homem de

cumprir a palavra empenhada.

Os brigadianos passaram a ter a sensação de terem

ficado do lado errado, nesta situação em que se

encontravam. Era um efetivo pronto para desertar da

missão recebida.

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Briga e morte na escolta

Cabo Remício andava insatisfeito. Ardia em ciúmes,

reclamando de Cabo Pedroso, que se destacara no comando

da Escolta. Parecia que mandava mais que o Sargento

Gonçalves. Mas este também não se importava mais.

Durante semanas, passava ausente. Dizia para a tropa que

já dera uma lição em todos os bandidos da Serra e que

Candinho devia estar escondido nos matos, com as

bombachas borradas.

Os brigadianos muito bem sabiam que isto não era

verdade. Os colonos da vizinhança já os haviam alertado

suficientemente. Só não conseguiam entender o motivo,

que levara o Baiano a ficar quieto, naquelas Charnecas do

Labatut, se era só ele querer, por que ele ainda não descera

para liquidar a Escolta?

Depois daquela visita das mulheres, Sargento

Gonçalves ainda não se dignara a aparecer no

aquartelamento. Ele devia estar ajudando o futuro sogro a

colocar uma roça nova, nas redondezas da Lagoa Itapeva

ou será que casara e abandonara seu cargo?

Cabo Remício, fazia semanas que não conseguira

mais dormir direito. Tinha constantes pesadelos. Vivia

irritado e nervoso, discutindo com todos, em particular com

Cabo Pedroso. Contava que à noite acordava, aos sustos e,

sempre lhe aparecia o Baiano Candinho. Eram pesadelos,

horríveis de homens espreitando pelos cantos da casa ou

caminhando pela varanda, arrastando as esporas. Os olhos

do Baiano eram terríveis, iguais a chispas vermelhas, como

de onça brava. Os demais olhavam para o Cabo fazendo um

sinal, como a dizer: - - “Este ficou doido!”.

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Cabo Pedroso não suportava mais a conversa do

companheiro. Que deixasse de ser um covarde e medroso.

Que tomasse cuidado para não prejudicar o espírito da

tropa. Neste caso teria que prendê-lo e enviá-lo para a

Capital, para ser julgado como covarde.

Numa das ocasiões em que Pedroso novamente lhe

chamou a atenção, Cabo Remício avançou vociferando,

pedindo briga. Puxou a pistola, ameaçando atirar. Prometia

acabar com o convencimento do companheiro, que também

não era nada mais que um cabo.

Soldado Feijó, vendo a situação saltou sobre

Remício, tentando desarmá-lo. Iniciou uma luta feroz. Feijó

estava levando a pior. Vieram outros soldados para ajudá-

lo. Em meio à confusão faiscou um facão e cabo Remício

caiu sangrando, com um furo na barriga. Ficou assim se

estrebuchando, em meio ao próprio sangue, até morrer.

A situação, sem dúvida, complicara para todos. Em

tais circunstâncias a ordem era bem clara. O assassino

devia ser preso e enviado para a Capital, para enfrentar um

julgamento.

Cabo Pedroso mostrou-se relutante, pois não

desejava prender ninguém, ele mesmo seria arrolado nas

sindicâncias. Era tempo de Revolução e as penas eram por

demais severas.

Sua primeira ordem foi de tomarem providências

para o enterro imediato de Cabo Remício. O local escolhido

foi um pequeno gramado, situado atrás dos currais dos

cavalos. O enterro foi em cova simples e sem honras.

Nenhuma cruz foi fincada e nenhuma reza foi feita pelo

defunto. Tinham pressa para se livrarem do cadáver.

Apenas uma pedra foi rolada sobra a terra ainda fofa, para

marcar a sepultura.

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Findo o triste enterro, cabo Pedroso reuniu o efetivo,

diante da varanda. Teriam que tomar alguma atitude, com

urgência, antes do retorno de Sargento Gonçalves. Pedroso

esclareceu que não tinha nenhum interesse em prender o

matador do Cabo. Possivelmente o soldado Feijó havia

salvado a sua vida, já que Cabo Remício estivera pronto

para atirar, ao ser subjugado. Por isto, precisava agradecer

ao soldado e, aos demais, pelas providências, mesmo que

tão desastrosas.

O ambiente não poderia ser pior, no aquartelamento.

Os soldados já não tinham mais uma noção clara da missão

que os mantinha ali. Aquela solidão era enervante. Algo

precisava acontecer.

Alguém quis saber por que ainda tinham que ficar ali,

esperando? Esperando que Baiano Candinho descesse até

aquela barreira, para acabar com a escolta? Em Porto

Alegre alguém esperava pela cabeça do bandido?

Concluíram que esse baiano não estava fazendo mal

para ninguém. Estava quieto lá na Serra. Nem descera para

vingar a morte dos seus homens.

O tempo estava mudando. Nuvens escuras cobriam o

céu. Com certeza, durante a noite, viria um forte temporal.

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A ESCOLTA PASSA PARA CANDINHO

Após uma noite mal dormida e de fortes ventos e

muita chuva, o novo dia amanheceu calmo e ensolarado.

Os soldados estavam mais tranquilos, porém,

constantemente olhando para a trilha da Serra. Era como se

esperassem por alguém ou alguma coisa.

E, realmente, surgem, lá longe, na curva da trilha,

quatro mulheres a cavalo que avançavam lentamente.

Soldado Reginaldo, estava novamente no plantão da

porteira aguçando o olhar. O seu coração batia mais forte.

Sofrendo sob a intensa expectativa, de ver a menina Poldia

entre as mesmas. Aquela menina linda e tão tímida,

chegando para fazer-lhe uma visita.

Quanto mais elas se aproximam mais ele precisa se

convencer de que Poldia não se encontra no meio delas.

Reconheceu Téia Fandango. Maria Juarte e as Salvadoras.

Com um assovio longo, ele deu o sinal de novidade à

vista. Cabo Pedroso foi alertado e veio ao portão, todo

prazeroso e cheio de gentilezas. Ele, em pessoa, abriu a

porteira.

Aquelas mulheres foram para ele a melhor visão que

ele poderia ter, depois daquela noite conturbada. Cada

palavra e cada sorriso dessas mulheres lhe significavam

muito. Elas passavam a representar um pouco do seu lar,

das suas irmãs e da sua mãe, que tinham se mudado para

Viamão, conforme as últimas notícias que delas recebera.

As quatro mulheres entregaram as rédeas das

montarias para os soldados prestativos. Sentaram sobre o

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assoalho da varanda, para descansarem da cavalgada. Cabo

Pedroso mandou trazer um banco, às pressas.

Enquanto isto ordenou providências para que o

cozinheiro, escolhesse o melhor charque, para preparar um

bom almoço para todos, em particular, para as visitantes.

Cabo Pedroso chamou Téia e Maria Juarte para um

lado. Queria conversar com elas. Relatou o triste ocorrido,

do dia anterior. Contou sobre o temor que sentia, de ser

preso e talvez fuzilado. Ele estivera no comando e teria

responsabilidade sobre a morte do companheiro.

Téia foi a primeira a falar. Sugeriu que todos

permanecessem ali na Serra, junto das famílias de

maragatos. Ninguém precisava ser preso ou punido.

Certamente o Baiano Candinho os acolhesse, caso lhe fosse

explicada a triste situação de todos eles.

Cabo Pedroso decidiu fazer uma formatura do

efetivo. Os soldados olhavam com curiosidade para aquelas

mulheres, ladeando o comandante. Era uma situação

bastante estranha, em termos do regulamento da Brigada.

Cabo Pedroso, com voz pausada e grave passou a

detalhar a situação da Escolta. Explicou que com o retorno

do Sargento Gonçalves, ele seria, certamente, o primeiro a

ser preso. Depois o matador de Cabo Remício e outros que

estiveram envolvidos na luta corporal. E o que os podia

esperar? Talvez prisão... Talvez o pelotão de fuzilamento...

Era tempo de revolução, e muita coisa mudara na Brigada.

As leis e os regulamentos eram agora bem mais severos.

Finalmente sugeriu que todos se juntassem ao

efetivo de Baiano Candinho. Porém, eles haviam liquidado

aqueles quatro maragatos. Mas, havia sido em cumprimento

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de ordens. Não tinham nada de pessoal contra aquela

gente. Pelo contrário, os admiravam.

Todos tiveram que se pronunciar. A concordância foi

por unanimidade, a favor da rendição diante de Candinho.

Um estafeta foi imediatamente colocado a caminho.

As mulheres indicaram o local onde o Baiano Candinho

poderia ser encontrado. Ele estava com mais de trinta

homens, acampado na propriedade que fora do falecido

João Patrulha.

A surpresa de Candinho foi muito grande, ao ouvir o

relato do estafeta da Escolta. A proposta de Cabo Pedroso

era irrecusável. Viria ele e mais vinte e três soldados, com

armas, munições, cavalos e víveres, para reforçar a tropa

federalista da Serra.

Sob o comando de Candinho

Major Baiano Candinho reuniu todo o seu Estado-

Maior. Comunicou-lhes a proposta vinda dos soldados da

Escolta e, a satisfação foi visível.

Ordenou que os trinta homens se preparassem para

acompanhá-lo. Ele queria ir imediatamente até aquele

aquartelamento.

A chegada do efetivo maragato foi solene. Cabo

Pedroso estava com os soldados em forma. No momento da

aproximação do Major Baiano Candinho, deu o comando de

sentido. Pedroso perfilou, fazendo sua apresentação

pessoal.

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Havia em todos eles a nítida sensação de estarem

diante de uma autoridade militar. Afinal de contas, Baiano

Candinho era um Oficial Superior do Exército Federalista. A

sua presença majestosa impunha respeito.

Major Candinho comunicou que não era o Cabo, mas

sim Sargento Pedroso, quem lhe apresentara a tropa. Que

se providenciassem as divisas para o uniforme do mesmo.

Em seguida, descendo do cavalo, passou a fazer uma

preleção aos brigadianos. Considerava perdoada a culpa que

eles carregavam pela morte de quatro de seus valorosos

homens. O mal não mais poderia ser desfeito. Creditava,

porém, doravante, essa culpa para o mandante da Escolta,

o Sargento Gonçalves que merecia uma punição.

Passou a conceder as primeiras ordens ao novo

efetivo. Eles seriam o Pelotão da Escolta ou Pelotão dos

Brigadas e integrados ao novo Esquadrão Josaphat.

Como segundo ponto, deveria ser formada uma

fração de soldados com a missão de encontrar o Sargento

Gonçalves. Este deveria ser morto, porém fora do território

da Colônia de Três Forquilhas, além de fazer o resgate do

cavalo e pertences roubados de Major Azevedo, em

Conceição do Arroio. O cavalo deveria ser entregue ao

Comandante do Esquadrão Josaphat, o mais breve possível.

Como terceiro ponto, todo o efetivo do Pelotão da

Escolta deveria seguir para a sede da Colônia de Três

Forquilhas e ali serem apresentados ao Major Voges. Por

esse motivo, desejava ver todos fardados.

Como quarto ponto, eles deveriam permanecer

durante sete dias, alojados no sobrado que pertencera ao

velho pastor Voges, na esperança de serem ali iluminados

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por Deus, para doravante fazer as coisas de forma mais

correta.

Como quinto ponto, passados sete dias, eles

deveriam apresentar-se ao Capitão Luna, em Contendas, já

que este também desertara da Brigada Militar e serviria

como novo Comandante do Pelotão. Apenas Sargento

Pedroso não deveria se apresentar ao Capitão Luna, pois

doravante haveria de participar do Estado-Maior do

Esquadrão.

Baiano Candinho ordenou ao Sargento Pedroso a

liberação dos soldados para que, cada qual, cuidasse dos

afazeres normais e se preparassem para o cumprimento das

ordens dadas.

Candinho, em companhia do seu Estado-Maior foi

verificar armas, munições, cavalos e víveres da Escolta.

Ordenou que a metade da munição fosse transportada, de

imediato, para o seu Quartel, na área das Charnecas de

Labatut.

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O ESQUADRÃO JOSAPHAT

Major Baiano Candinho passava a revelar tudo o que

aprendera, durante os quatro anos de Guerra no Paraguai.

A partir de um simples Pelotão, ele conseguira

formar um Esquadrão de Cavalaria. Recebera no princípio o

posto de Tenente, depois fora elevado a Capitão e já era

Major.

O Pelotão Três Forquilhas aumentara tanto, que fora

possível organizar um segundo pelotão, conhecido como

Pelotão Serrano.

Agora, Candinho, de fato fazia jus ao posto de Oficial

Superior, pois com a chegada dos brigadianos conseguira

compor o seu terceiro Pelotão, o dos Brigadas e assim

estava completo o Esquadrão Josaphat.

a) - A Formação do Esquadrão:

O Major Baiano Candinho, inteligentemente,

fora promovendo os seus melhores homens,

formando assim, o seu Estado-Maior Pessoal.

Ao posto de Capitão, promoveu o seu

cunhado Luiz da Conceição, e o companheiro de

Guerra do Paraguai, o Baiano Tonho.

Capitão Luna, que viera como foragido buscar

acolhida na fazenda serrana do Coronel Batista,

ostentava o posto de Capitão, que lhe fora outorgado

pela Brigada Militar da Província.

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Ao posto de Tenente, ele promoveu França

Gross que era tio da sua mulher. Promoveu ainda os

companheiros da Guerra do Paraguai: José Baiano e

João Baiano, bem como o Sargento Pedroso. O

Tenente Valdo Crespo, já viera com este posto, como

desertor da Brigada Militar e foi integrado ao Pelotão

dos Brigadas.

b) – O Efetivo do Esquadrão: (cento e oito homens).

- 1 Major Comandante;

- Pelotão Três Forquilhas - Pelotão

Protestante: 1 Capitão, 2 Tenentes, 2 Sargentos, 2

Cabos e 37 Soldados.

- Pelotão Serrano – com maioria de

protestantes: 1 Capitão, 2 Tenentes, 2 Sargentos, 2

Cabos e 32 Soldados.

- Pelotão da Escolta - Pelotão dos Brigadas: 1

Capitão, 2 Tenentes, 2 Sargentos, 4 Cabos e 23

Soldados.

O Esquadrão, ocasionalmente, era reforçado

por jovens que faziam questão de acompanhá-los

nas andanças, motivados pelo espírito de aventura.

c) – Armamento, munição e tiro:

Baiano Candinho, pessoalmente, além de

portar uma espada, usava um revólver de fabricação

americana e uma carabina Winchester. Os seus

oficiais não possuíam espada. Usavam duas pistolas

e uma arma de cano longo. Os sargentos, cabos e

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soldados também usavam uma arma de cano

comprido e, alguns poucos possuíam uma pistola.

Entre os serranos, a maioria portava uma lança, de

fabricação pessoal, feita com vara forte, tirada do

mato.

É difícil saber de onde vieram as primeiras

armas para o efetivo do Esquadrão. O Major

Candinho teria recebido as suas armas pessoais,

como um presente do Major Azevedo, em fins de

1891, em Conceição do Arroio.

Quando da vinda dos Brigadas para o lado de

Candinho, estes, por sua vez, também trouxeram

boas armas e farta munição, para reforçar o

Esquadrão.

Diversas armas eram antigas, do tempo da

Guerra do Paraguai. Não nos preocupamos em

descobrir qual era, exatamente, o tipo de arma,

utilizado pela Brigada Militar da Província do Rio

Grande do Sul, naquela época.

A munição para as pistolas e para as armas

mais antigas era confeccionada pelos próprios

integrantes do Esquadrão Josaphat. Apenas as armas

mais modernas contavam com munição pronta:

cartuchos ou balas.

A prática de tiro era proibida, com o objetivo

de economizar a munição, ao máximo. Apenas para

eventuais situações, como da caça, era oferecido um

exercício de tiro, para estes soldados revolucionários.

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d) – Equipamentos, subsistência e suprimentos:

Fato que chama a atenção é que nenhum dos

integrantes do Esquadrão Josaphat receberia

qualquer tipo de pagamento. Eram todos soldados

sem soldo.

Para prover a alimentação à tropa, Candinho

contava com a ajuda de Coronéis Serranos, com

destaque para o Coronel Baptista. Este chegara a

alojar em algumas ocasiões, todo o efetivo do

Esquadrão, nos galpões da sua fazenda em

Contendas.

Major Voges, da Colônia de Três Forquilhas

também forneceu charque e farinha, trazidos de sua

Fazenda de Capão Alto, de Cima da Serra, em

diversas oportunidades, para livrar os maragatos da

penúria da fome.

Os integrantes dos pelotões Três Forquilhas e

Serrano tiveram suas propriedades particulares, com

ranchos e lavouras. Contaram, desta forma, com a

ajuda de esposa, filhos e muitas vezes dos pais e

outros parentes, que ajudavam a supri-los com o

alimento necessário.

Apenas Capitão Luna e os integrantes do

Pelotão dos Brigadas estiveram fora desta regra. Ao

passarem para o lado federalista, deixaram de ter o

soldo garantido e criaram um delicado problema para

o efetivo. Eles não demonstravam disposição para

adotar a parca dieta dos serranos, que viviam

contentes com um pouco de charque, farinha de

mandioca, rapadura e cachaça. Os Brigadas

estranharam tal cardápio e passaram a reclamar da

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comida, pedindo que lhes fosse fornecida carne

fresca, pelo menos, algumas vezes por semana.

e) – A arma do Esquadrão:

Pelo termo Esquadrão fica definida a Arma do

mesmo. O comandante, Major Baiano Candinho, os

definiu como sendo da Arma da Cavalaria e lhes deu

os rudimentos de movimentação – estratégia – da

arma da cavalaria. Nos melhores momentos, eles

somaram um efetivo de aproximadamente 110

homens, o que não chega a ser, exatamente, o

número necessário para compor um Esquadrão da

Cavalaria, dos tempos modernos. Faltaria um

Pelotão, para estabelecer um efetivo, que devia ser

superior a cento e vinte homens.

f) – A atuação do Esquadrão:

O Esquadrão Josaphat jamais chegou a entrar

em combate. Mesmo mais tarde, na tomada da

cidade de Conceição do Arroio, não aconteceu

nenhum confronto bélico onde o próprio Candinho e

seu Estado Maior entrassem em combate. Afinal, os

moradores arroienses capitularam, sem resistência.

O Esquadrão Josaphat foi dissolvido, logo após a

assinatura do armistício, em agosto de 1895, ainda

intacto, plenamente armado e, em perfeitas

condições de combate.

g) – A relação nominal dos integrantes:

- Pelotão Três Forquilhas: Capitão Luiz da

Conceição, Tenente França, Tenente Manoel Cândido,

Sargento Firmino Cândido, Sargento Miguel Gralha,

Cabo Joaquim Bicudo, Cabo João Gordo e os

Soldados: Pedro Aribu, Mano Jorge, Jacobe Fuero,

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Jovem França, Cala Beca, Crispim França, Filipe

Ofes, Alemão Juarte, Naldo da Hora, Alemão

Cascudo, Geraldo Gralha, João Franco, Jesus Crioulo,

Serafim José, Jacó Cândido, Pedro Cândido, Patrulha

Filho, Firmino Velho, Rico Marques, João Cabeleira,

Chico da Onça, Chico Sovéu, Tatu Serrano, Lulu

Fandango, Carlos Girivá, Dolfo Leão, Lemes Bugre,

João Rico, Rico do Pilão, Chico Pinto, Martinho Canjo,

Jorge Canjo, Leo Canjo, Cala Barata, Jonas Barata e

Corneteiro Silva. (Nenhum destes integrantes usava

farda. Seus trajes eram os comuns de gaúchos ou

peões.

- Pelotão Serrano: Capitão Tonho Baiano,

Tenente José Baiano, Tenente João Baiano, Sargento

Bom Martim, Sargento Doinho Gaiteiro, Cabo Martim

Pistola, Cabo Martim Piedade e os Soldados: Fili

Beca, Gorgio Beca, João Guano, Tilico Beriva, José

Beriva, João da Mula, Tatu Viola, Rosa Baiano, Pedro

Sabino, José Sabino, Carlos Sabino, Joaquim Dezoito,

Beto Guimaria, Chico Brás, Francelino Brás, Lulu

Gaspar e Fredo Gaspar, José Nascimento, José Vidal,

Joca Dionísio, Antônio Gonçalves, José Ferreira,

Antônio Ferreira, Manoel Nascimento, Joaquim

Rescindo, Neco Serrano, Maneco Oliveira, Saturno

Queromana, Democa Cangalha, Emílio Cambará,

Estevam Cambará e Agostinho Bicudo.

- Nenhum destes integrantes usava farda. As

vestes eram as comuns, de gaúchos ou peões.

- Pelotão da Escolta: Capitão Luna, Tenente

Valdo Crespo, Tenente Pedroso, Sargento José Maria

da Silva, Sargento David Feijó, Cabo Franciscão

Velho, Cabo Moço Peres, Cabo Macuco, Cabo Manoel

Geatha e os Soldados: Henrique Baiano, Leonel

Brandão, Reinécio Prado Antunes, Arthur Manoel de

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Lima, Francisco Xavier Braga, Zeferino Antônio

Gomes, Valeriano Gonçalves, Domingos Gonçalves

Meireles, João Agapito Dutra, Francisco da Rosa,

Manoel Antônio Fernandes, Crescêncio Abade,

Fausto Ruivo, Fausto Caboclo, Jorge José Corrêa

Toledo, Manoel Glória da Silva, Avelino Soares,

Francisco Salustiano, Pedro Fagundes, Paulino

Bruaca, Casemiro Criuva e o Corneteiro José Silveira.

A maioria dos integrantes do Pelotão da

Escolta haviam sido soldados da Brigada Militar, que

desertaram, bandeando-se para o lado federalista.

Em todas as aparições públicas, Major Candinho fazia

questão de vê-los usando a farda, para impressionar.

Apenas seis deles não usavam farda, por serem

nativos da Colônia de Três Forquilhas e Serra do

Pinto.

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GONÇALVES RECEBE PENA DE MORTE

Tenente Pedroso recebeu diversas tarefas, ao

passar-se para o Comando do Major Baiano Candinho. A

primeira era de organizar um grupamento, com a ordem

explícita de prender e logo eliminar o Sargento Gonçalves.

Assim como Major Azevedo havia sido sumariamente

executado, o matador ou assassino deste merecia a mesma

pena, pois o momento era de Revolução.

Pedroso pediu por voluntários e logo se

apresentaram Francisco Xavier Braga, Arthur Miguel de

Lima, David Feijó e Reinécio do Prado Antunes.

Pedroso repetiu as ordens de Candinho. Eles deviam

ir até a casa onde Sargento Gonçalves se hospedava

próximo da Lagoa Itapeva, na direção de Três Cachoeiras.

Deviam transmitir o aviso de que viera um estafeta de

Conceição do Arroio, com novas tarefas para a Escolta.

Orientou que, ao trazer o Sargento, deveriam abatê-lo,

antes da chegada ao território da Colônia de Três

Forquilhas. A forma de execução podia ser o fuzilamento,

para não ser a mesma que o Sargento Gonçalves aplicara

no Major Azevedo. Apenas o cavalo, as armas, os pertences

e as divisas de Sargento interessavam. O restante das

coisas, que as jogassem no mato. Quanto ao corpo, que o

deixassem insepulto para servir de pasto para os urubus.

No dia seguinte, o belo cavalo que pertencera ao

Major Azevedo estava sendo conduzido para o

aquartelamento do Esquadrão Josaphat, na Serra do Pinto.

Major Baiano Candinho afagou demoradamente o

cavalo, dizendo: - “Isto é montaria só para um

Comandante”.

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O Comando Geral do Movimento Federalista, bem

depressa tomou conhecimento dessa façanha do Major

Candinho. Mas o nome dele também passou a correr entre

os castilhistas, em Conceição do Arroio, em Torres e

particularmente na Capital da Província. Os castilhistas

roíam-se de raiva e passaram a exigir com insistência a

cabeça do bandido, que continuava a prêmio.

Baiano Candinho fez anunciar aos castilhistas de

Conceição do Arroio que o assassino do nobre Major

Azevedo, tão covardemente abatido em terras arroienses,

havia sido exemplarmente punido. Candinho mandou

também dizer que o valoroso Major Azevedo, Chefe

Maragato jamais merecera receber uma morte tão inglória,

pois reconhecidamente sempre fora um homem de bem.

Mandou acrescentar, que o aguardassem, pois estava

desejoso de vê-los algum dia, frente a frente, para

pessoalmente dizer tudo isto.

O novo Intendente castilhista de Conceição do Arroio

entendeu que existiam sérias ameaças no recado de

Candinho. Solicitou providências do Governo da Província e

comunicou que o Sargento Gonçalves sofrera uma morte

perversa, que não podia ser deixada impune.

Mas nada se falava de morte perversa do Major

Azevedo ou do tiro nas costas em Padre Fernandes ou dos

quatro homens de Candinho, que também haviam sido

eliminados de forma covarde, sem prisão e sem julgamento.

Os castilhistas entendiam que os bandidos podiam

ser mortos. Tudo o que fosse contra eles, era justo e

correto. Apenas o que os maragatos faziam, eram atos

perversos, cometidos por bandidos.

Em resposta ao apelo do Intendente de Conceição do

Arroio veio comunicado expresso, de Porto Alegre,

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comunicando que haviam sido ordenadas medidas

saneadoras, contra os bandidos da Serra do Pinto.

Brigadas no sobrado de pastor

A ordem de Major Candinho, para que o Pelotão da

Escolta ficasse por sete dias na sede de Três Forquilhas,

certamente visava impressionar a Colônia. Tenente Pedroso

levou o efetivo, com os uniformes bem limpos, e em

formação e postura militares.

Baiano estivera presente ao sepultamento do idoso

pastor Voges e sabia que o mesmo falecera, com noventa e

dois anos de idade, seguido em poucos meses pela esposa.

Esse pastor o recebera para casar na Igreja, com a Maria

Witt. O velho batizara também todos os seus filhos mesmo

aqueles que ele tivera com amantes.

Candinho estivera muitas vezes naquele sobrado,

sempre sendo bem recebido. Lembrava-se também, da

ocasião em que levou o Pelotão Protestante, de Três

Forquilhas, para receber a benção do velho. Por isto,

Candinho queria acreditar que, se o pastor ainda estivesse

em vida, certamente haveria de benzer também esses

homens.

Os vinte e quatro homens, conduzidos pelo Tenente

Pedroso, perfilaram diante do Armazém do Major Voges. O

dono da casa revelou espanto e convidou o brigadiano para

adentrar ao recinto, imaginando que ainda se tratava da

Escolta Castilhista. O escrivão Christovam Schmitt mostrou

inicialmente satisfação pela atitude cortês do comandante

do efetivo, que os visitava em atitude tão positiva.

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Tenente Pedroso fez um relato dos últimos

acontecimentos. Explicou os motivos que os levaram a

passar para o lado federalista. Comunicou que o novo chefe,

Baiano Candinho ordenara que ocupassem durante sete dias

o sobrado do pastor, como quartel.

Nem o Major Voges e nem Christovam gostaram do

pedido. Não tinham nenhuma disposição para colocar gente

estranha naquela que fora a casa pastoral, desde 1850.

Major Voges propôs então uma solução

intermediária. Os soldados poderiam ficar muito bem

alojados, nos galpões, nos fundos da casa. Apenas o

Tenente iria dormir no sobrado, já que no momento

respondia pelo comando do efetivo.

Tenente Pedroso concordou com a proposta dizendo

que esta era também a sua opinião, uma vez que não era

conveniente que soldados dormissem no mesmo alojamento

do comandante.

Major Voges chamou um peão, ordenando a

organização do galpão, para receber os soldados

brigadianos. Depois chamou uma das negras da casa,

ordenando que levasse roupa de cama limpa e preparasse o

quarto para o Tenente.

Pedroso saiu sorridente e procurou colocar ordem

nos soldados que já se mostravam impacientes. Eram

homens com escassa disciplina militar.

Os sete dias passaram rapidamente. Mesmo assim os

soldados já estavam por demais inquietos, temerosos da

vinda de alguma nova Escolta da Brigada Militar. Eles

desejavam subir a Serra logo e serem unidos ao efetivo de

Candinho, onde afinal estariam mais seguros.

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Chegou o momento da despedida. O Tenente colocou

a tropa mais uma vez em forma e ordenou que fizessem

uma continência ao Major.

A estrada estava repleta de curiosos. Ninguém

conseguia entender ao certo os acontecimentos. Uns

explicavam que a tropa castilhista invadira o sobrado do

falecido pastor. Já outros garantiam que se tratava de uma

força federalista, formada por brigadianos desertores.

Major Voges convidou o Tenente para uma breve

conversa, que aconteceu na presença do escrivão. Devia ser

bem a sós, apenas os três. Inicialmente Voges fez a entrega

de uma garrafa de vinho ao Tenente com a recomendação

para que a guardasse para algum momento muito especial.

Depois, em tom paternal, alertou que, sempre que o

Tenente quisesse tomar alguma providência em relação aos

moradores da Colônia, que primeiro consultasse o Major

Baiano Candinho. Jamais deveriam tomar nenhuma atitude

por conta própria, pois havia um entendimento para não

haver combates ou agressões a pessoas no território da

Colônia de Três Forquilhas.

Tenente Pedroso despediu-se, agradecendo pela

hospitalidade e pelas atenções e conselhos do Major. A

seguir montou seu cavalo e deu ordem de trote largo, rumo

a Serra.

Erro de Baiano Candinho

Baiano Candinho sempre escolhera com cuidado os

integrantes do seu efetivo. Desejara homens que lhe fossem

leais. Todo o espião devia ser eliminado e todo o elemento

não confiável não devia ser incorporado ao efetivo.

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Entretanto, com referência a Capitão Luna e ao

Tenente Valdo Crespo ele se descuidara. Se não foi

descuido, então foi por obedecer e aceitar a imposição do

Coronel Baptista que acolhera esses desertores e os

desejava ter em seu território.

Coronel Baptista explicou que Capitão Luna e Valdo

um belo dia, haviam chegado a sua fazenda, solicitando

refúgio. Eles haviam desertado da Brigada Militar para

escapar de punições que lhes seriam aplicadas e desejavam

servir a causa federalista.

Luna era um oficial indisciplinado, considerado cruel,

mas ninguém sabia dizer qual fora o crime dele na Brigada

Militar. Ele também não aceitava falar sobre o assunto.

Coronel Baptista o acolheu na esperança de poder contar

com os serviços do mesmo, no futuro. Certamente poderia

ser útil, para a defesa da fazenda, em caso de necessidade.

Candinho entregou a Luna todo um Pelotão dos

Brigadas. Ordenou que sempre mantivessem as fardas em

ordem, para serem trajadas em ocasiões especiais. Não era

isto uma mera vaidade, de Candinho? Será que não fora

talvez isto que o levara a entregar o Pelotão para um

desconhecido? Não tinha ele homens bem mais qualificados,

como José e João Baiano, seus companheiros do tempo da

Guerra do Paraguai?

Capitão Luna, já ao assumir o comando do Pelotão,

pediu permissão para estabelecer-se num lugar conhecido

por Grota da Onça, para ficar fora das vistas de Candinho.

Os seus argumentos pareciam corretos. Já que o Pelotão

Três Forquilhas mudara-se para a propriedade do falecido

João Patrulha e o Pelotão Serrano estava na área das

Charnecas de Labatut, ele teria também um ponto

particular, para o seu aquartelamento. Prometeu que

haveria de cuidar de munir a sua tropa com víveres, através

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do auxílio de fazendeiros e colonos maragatos de toda a

região. Seria uma preocupação a menos para o Comandante

do Esquadrão Josaphat. Estranhamente Baiano Candinho

não avaliou o risco que isso representava. Esse Pelotão teria

uma autonomia de movimentos muito grande. Mesmo

assim, com a aquiescência do Coronel Baptista, foram

aceitas as ponderações de Capitão Luna, e, este seguiu

rumo à Grota da Onça.

Luna passou imediatamente a trabalhar o espírito

dos seus subordinados. Sempre que podia, os humilhava

declarando que eles não eram homens de valor. Sempre

teriam estado em mãos de maus comandantes. Chamou-os

de pobres iludidos, pois que Candinho os havia subjugado

com artimanhas. Disse então o quanto eles estavam

servindo de motivo de riso, até para as mulheres. Na Serra

o comentário geral era que ao invés de farda, eles deveriam

usar saias coloridas e rendadas, como prendas dos peões.

A reação foi rápida e, em pouco tempo, os brigadas

ficaram totalmente sob o controle de Capitão Luna e de

Valdo Crespo, menos do Tenente Pedroso, que recebera

outra promoção de Candinho e estava integrado ao seu

Estado-Maior. Afinal Pedroso revelara ser um bom

cumpridor de ordens e Candinho garantia que, por isso,

aprendera o primeiro passo para ser um bom comandante.

Tenente Pedroso, alertou Baiano Candinho sobre a

situação dos Brigadas. Este, porém não deu grande

importância. Apenas enviou seu enteado Henrique Baiano e

o Leonel Brandão, para se juntarem ao Pelotão dos Brigadas

e o deixarem informado de qualquer problema naquele

efetivo. Imaginou que desta forma tudo haveria de ser

mantido sob o seu controle.

Capitão Luna, sempre que precisava chegar a

presença do Comandante do Esquadrão, fingia obediência e

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lealdade. Conseguia manter as aparências. A impressão de

um observador menos avisado era que Candinho tinha nas

mãos um Esquadrão bem disciplinado e coeso.

O filho Henrique, ao invés de se manter fiel ao

padrasto, passou a submeter-se à influência de Capitão

Luna. Era de opinião que Luna era bem mais arrojado e

corajoso. Era um homem de decisão. Deixou, por isto, de

levar ao conhecimento do padrasto, as manobras do

Capitão, que claramente estava montando um efetivo

particular e independente.

Diante de Henrique Baiano, Capitão Luna procurava

demonstrar franqueza e uma demonstração de confiança,

sempre elogiando o valor do jovem. Explicava que

precisavam contar com a hipótese de Major Candinho vir a

ser morto, em algum confronto, pois era caçado como

sendo um bandido. Eles então teriam que ter condições de

continuar com a Revolução, sem ele.

Capitão Luna, na verdade, tinha bem outra

preocupação. Não só ele, porém todos os desertores da

Brigada, somente podiam pensar em uma coisa: a vitória

dos federalistas. Uma derrota lhes seria fatal, pois não

teriam para onde ir. Eles só sabiam ser Brigadas.

Certamente, este era o maior motivo de Luna, para manter

para si, um espaço maior de ação e decisão e tentar

construir o seu futuro.

Major Baiano Candinho, contava com apenas dois

pelotões leais: Três Forquilhas e Serrano. Os Brigadas

estavam totalmente sob o controle de Capitão Luna.

Henrique Baiano e Leonel Brandão ficaram dominados, a tal

ponto que Tenente Pedroso passou a temê-los. Nada mais

falava com Candinho, sobre suas preocupações iniciais, pois

notou que o seu chefe colocava confiança demasiada nos

dois homens infiltrados junto ao efetivo de Luna.

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GUMERCINDO PASSA POR VACARIA

Major Voges perguntou: - “Por que Gumercindo

Saraiva e demais revoltosos maragatos estão cavalgando

rumo ao Rio de Janeiro se o destino correto deveria ter sido

Porto Alegre para derrubar Julio de Castilhos? O que Baiano

Candinho tem a ver com essa aventura da luta contra o

Governo Federal? A única justificativa que eu conseguia

aceitar para a mobilização de filhos de Três Forquilhas era a

intenção de tomar o poder do Governo Riograndense. Mas

agora a Revolução perdeu o seu rumo!”.

Major Voges estava reunido, em seu armazém, com

alguns amigos, todos antigos liberais e maragatos

convictos.

O major continuou com seus comentários: - “Para

que eu mesmo responda a minha pergunta, preciso voltar

no tempo, para vos fazer lembrar a situação que se formou

no cenário político nacional quando Marechal Deodoro da

Fonseca renunciou à Presidência da República, em 23 de

novembro de 1891. Deodoro sempre favoreceu as nossas

expectativas liberais, de maragatos riograndenses.

Desejávamos ficar livres do autoritarismo de Julio de

Castilhos. Porém, quem assumiu o Governo Federal?

Lamentavelmente esse vice Floriano assumiu e nos deixou

de lado. Esse Floriano passou a conceder apoio aos

castilhistas, mesmo que ele havia sido um liberal, no

passado. Floriano é um traidor de seus próprios ideais, pois

passou para o outro lado apenas para fortalecer a si

mesmo. Ele é hoje aquele que nos voltou as costas. Voltou

as costas aos liberais e maragatos. A última reserva de

paciência esgotou no início do ano de 1893 quando Julio de

Castilhos conseguiu retomar o Governo do Rio Grande do

Sul. Entendemos que o Governo Federal favoreceu os

castilhistas, de muitas maneiras, apesar de ser dito que a

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escolha seria feita pelo voto popular. Foi sob duras pressões

e brutalidades que Júlio de Castilhos alcançou o governo da

nossa Província e com isso provocou essa Revolução.

Através de todos os rincões gaúchos passaram a ecoar

vozes de revolta, também aqui em Conceição do Arroio e no

nosso vale do rio Três Forquilhas. Vocês sabem que sempre

fui contra a possibilidade de uma luta sangrenta,

ingenuamente acreditei que mostrando a nossa força

seríamos respeitados e aceitos, para recebermos nosso

espaço, sermos uma voz ativa na política. Hoje, nós

maragatos não vemos mais nenhuma perspectiva de

espaços para a participação política. A última gota de

esperança se desvaneceu, no momento em que Gumercindo

Saraiva seguiu na direção errada, rumando para o Rio de

Janeiro. Lá não temos nada para fazer... Agora a briga

deixou de ser com a política castilhista e daqui em diante

começará também uma luta ainda mais complicada, contra

a política e o governo florianista. Não acredito que isso foi

correto e bom. Se eu pudesse ter falado alguma coisa ao

Silveira Martins eu teria dito a ele: < você enlouqueceu de

vez? O objetivo não era apenas a derrubada do Castilhos?>.

Major Voges ao tecer tais comentários cuidava muito

e somente abordava esse assunto quando cercado de

pessoas de sua maior confiança, sem a presença de seu

filho Carlos e nem do seu genro escrivão.

Havia sido no dia 15 de fevereiro de 1893 que

Gumercindo Saraiva atravessara a fronteira, vindo do

Uruguai para o Rio Grande do Sul com cerca de quinhentos

homens. Alguns dias depois, foi seguido pelo general Joca

Tavares, que chegou com cerca de três mil homens.

Estavam adentrando o território de Santa Catarina e

apregoavam estarem a caminho da Capital Federal.

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196

FIGURA 21: Gumercindo Saraiva. Fonte: Figura colhida na Internet.

Major Baiano Candinho se apressou recrutando

voluntários serranos e da Colônia de Três Forquilhas, com o

objetivo de reforçar a ação dos revoltosos gaúchos.

Reuniu mais de cinquenta voluntários, para esse fim

específico de conceder reforços para Gumercindo Saraiva,

porém apenas 24 desses nomes são conhecidos 1) – Carlos

Girivá, 2) – Dolfo Leão, 3) – Bugre Lemes, 4) – João Rico,

5) – Rico do Pilão, 6) – José Vidal, 7) – Joca Dionísio, 8) –

Antonio Gonçalves, 9) – José Ferreira, 10) – Antonio

Ferreira, 11) – Beto Guimaria, 12) – Lula Gaspar, 13) –

Tilico Beriva, 14) - Fredo Gaspar, 15) – Mila Gâmba, 16) –

Estevam Gâmba, 17) – Paraguaio Gross Filho, 18) –

Joaquim Rescindo, 19) – Maneco Oliveira, 20) – Negro

Democa, 21) - Saturno Queromana, 22) – José Sabino, 23)

– Carlos Sabino e 24) – José Beriva.

Estes homens participariam, no Estado do Paraná,

dos combates do Cerco da Lapa, partir de 14 de fevereiro

de 1894, e depois ajudaram a tomar a cidade de Curitiba.

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197

Sabemos que o Cerco da Lapa iniciou em 14 de

janeiro de 1894 e teve a duração de 28 dias. A tomada de

Curitiba ocorreu em 19 de janeiro de 1894.

Estes voluntários da Colônia de Três Forquilhas e da

Serra que participaram das lutas em solo paranaense, a

maioria deles sobreviveram à Revolução. Porém, muitos

deles só anos mais tarde se encorajaram a pisar novamente

em suas propriedades, no vale do vale do rio Três

Forquilhas.

Os federalistas permaneceram em Curitiba por um

período de um pouco mais de três meses. Abandonaram a

cidade no dia 01 de maio de 1894. Tiveram que bater em

retirada, rumo ao solo riograndense.

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OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO

A partir de 1893 os estados do Sul do Brasil

passaram a sentir o clima de convulsão social, provocado

pela Revolução Federalista.

Em Três Forquilhas a situação confundiu a população

e diversas famílias ficaram divididas, uns aderindo ao

castilhismo em ascensão e outros se mantendo fiéis aos

ideais dos maragatos.

No passado a Colônia havia seguido, quase na

totalidade de sua população, as idéias liberais professadas

pelo General Osório e tantas lideranças insignes e de valor

patriótico.

O Major Adolfo Felipe Voges, filho do pastor, chefiara

o Partido Liberal desde o princípio. Quando, porém surgiu o

movimento federalista, ele foi se distanciando do novo

movimento encabeçado por Silveira Martins que criou o

Partido Federalista.

Bahiano Candinho, que lutara na Guerra do Paraguai

e que se refugiara em Três Forquilhas, fora acolhido pela

Comunidade. Ele assumiu inicialmente os ideais farroupilhas

inspirado pelas histórias que o combatente Miguel Barata

Eberhardt lhe contara. Integrou-se depois ao trabalho

policial sob o comando de Major Voges, chefe maragato da

Colônia. Finalmente aderiu ao movimento federalista e por

causa disso as lideranças desse partido em Conceição do

Arroio o elevaram ao posto de Major. Dali em diante ele

passara a circular em um vaivém entre a Serra e Conceição

do Arroio, fazendo o contato com as forças federalistas em

movimento nesta área22. Possivelmente Candinho alimentou

a idéia de assumir a um importante papel político nessa

região da Colônia Alemã de Três Forquilhas, uma vez que

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199

era casado com a alemã Maria Witt e se considerava bem

integrado à população local.

Nesse meio tempo surgiu uma força castilhista, da

própria Colônia. Eram os Capitães da República, os oficiais

da Guarda Nacional Carlos Frederico Voges Sobrinho, João

Carlos Pedro Strassburg, João Pedro Jacoby Neto,

Christovam Schmitt e Jacob Tietböhl. Eles passaram a se

organizar dentro dos ideais republicanos, sob a inspiração

de Julio de Castilhos.

A situação, porém tomou-se insustentável quando

em 1894, poucos dias após o falecimento de dona

Elisabetha e Mãe Maria, um grupo federalista invadiu o Vale

de Três Forquilhas. O sobrado do pastor estava em situação

de quarentena, com portas e janelas sempre abertas de

modos que os invasores facilmente se apossaram da casa.

Durante um dia e uma noite, ali fizeram seu Quartel

General. Era apenas uma tropa federalista de passagem a

caminho de Santa Catarina. Não tinham nenhuma ligação

com Baiano Candinho e certamente não o conheciam ou que

tivessem conhecimento do local onde este se fixara. Porém

eles aproveitaram a estada para exigir suprimentos,

charque, farinha e rapadura tiveram que ser entregues

espontaneamente para ficarem livres de pilhagens. Os

colonos e comerciantes se queixaram, alegando que outros

haviam passado antes deles e levado a maior parte dos

suprimentos disponíveis.

Era o chamado confisco sob a alegação da urgente

necessidade de levar ajuda e suprimentos para o Exército

Revolucionário sob o comando de Gumercindo Saraiva, que

se deslocava rumo à Capital Federal.

Candinho na ocasião se encontrava no Alto Josaphat,

também envolvido em providenciar reforços humanos para

Gumercindo Saraiva, através da formação de um Pelotão

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Avulso, integrado por jovens da Colônia de Três Forquilhas,

dentre os quais se destacavam o filho do paraguaio Gross, o

Carl Daniel Gross Filho e os irmãos Rudolf, depois

conhecidos pelo sobrenome Rodolfo.

Felizmente Carlos Frederico Voges Sobrinho havia

organizado um esconderijo em sua propriedade, no local

conhecido por Invernada dos Cavalos deixando-os livres das

visitas e da cobiça dos atacantes. Os colonos haviam levado

para aquele esconderijo seus melhores cavalos, gado e

determinados bens.

Quando não eram os castilhistas vinham os

federalistas, requisitando gêneros alimentícios, cavalos e

novilhas para suprirem suas forças.

O esconderijo na propriedade de Carlos F. Voges

Sobrinho foi então reforçado com mais homens armados e

mantido desta forma durante todo o tempo da revolução.

Foi à maneira que encontraram para preservar seus

melhores animais e bens, deixando-os longe da cobiça de

eventuais invasores que passavam pelo território da

Colônia.

A situação somente começou a se normalizar a partir

do momento em que as forças federalistas entraram em

colapso em Curitiba e vieram em fuga, rumo à fronteira com

o Uruguai.

Os Capitães da República passaram então a assumir

firmemente as rédeas da política local. Carlos Frederico

Voges Sobrinho, alcunhado de O Dictador23, rapidamente

subiu no cenário recebendo o reconhecimento de todos

pelas medidas decididas e enérgicas, em favor do bem-estar

e do patrimônio da Colônia.

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A GUILHOTINA BRASILEIRA

Quem pela primeira vez ouve sobre a crueldade da

Revolução Francesa, não imagina que no Brasil também

tivemos a nossa guilhotina em meio a uma revolução

sangrenta.

No Brasil, a guilhotina, apenas foi mais rústica. Foi

na base do facão, nas mãos destras de um degolador, foi a

guilhotina brasileira.

A prática da degola não pode ser atribuída apenas

aos maragatos. Os republicanos também eliminaram

pessoas, ou a tiros, ou, também, através da degola.

Nestas alturas, qual a diferença, se o condenado à

morte leva um tiro ou enfrenta a degola?

Eram, de qualquer forma, eliminados, tirados do rol

dos viventes.

FIGURA 22: Maragato Degolador Fonte - Acervo Casa da Memória – CURITIBA-PR.

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Lemão Galalau, o degolador

Já citamos que quatro irmãos Rodolfo integraram o

Pelotão Avulso, com talvez quarenta ou cinquenta

cavaleiros, enviado por Baiano Candinho, em 1893, para

reforçar o efetivo do General Gumercindo Saraiva.

Esse pelotão, colocado sob o comando do Capitão

Paraguaio Gross Filho contou com a presença de quatro

irmãos Rodolfo, conhecidos como: Lemão Carlos Galalau,

Dolfo Leão, Bugre Lemes, João Rico ou Rico do Pilão. Lemão

Carlos ou também conhecido como Lemão Galalau, o

degolador era o mais velho dos quatro irmãos.

Quem era Lemão Carlos, o Galalau? Ele nascera na

Colônia Alemã de Três Forquilhas em 17 de dezembro de

1863 e foi batizado pelo pastor Voges com o nome de Karl

Johann Rudolf. Era filho do mercenário prussiano August

Rudolf, (dos militares Brummer, trazidos em 1851 para

combater nas Guerras contra Oribe e Rosas), e de Catharina

dos Santos, filha do índio Manoel Santos.

Os irmãos Rodolfo foram sobrinhos de João Patrulha

- Johannes Menger - e trabalharam por longo tempo como

tropeiros, na Serra, sob a proteção do tio. Convém lembrar

que, na época, ser tropeiro era das melhores profissões,

bem remuneradas, além de permitir andar pelos caminhos,

até fora do Rio Grande do Sul, rumo a Santa Catarina,

Paraná e São Paulo.

O Pelotão Avulso, integrado pelos cavaleiros de Três

Forquilhas, Serra do Pinto e Josaphat, participou da

cavalgada e de combates através do Estado de Santa

Catarina e, depois, no Cerco da Lapa e participou da

Tomada de Curitiba, no Estado do Paraná, integrados ao

efetivo do General Gumercindo Saraiva.

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Uma gravata vermelha pro padre!

Em inícios de 1894 os federalistas chegaram a cidade

da Lapa, no Estado do Paraná. Colocaram o lugarejo sob

cerco total. Entre os atacantes encontravam-se os

integrantes do Pelotão Avulso, cedidos por Baiano Candinho

para reforçar o efetivo do General Gumercindo Saraiva.

Para relatar detalhes a respeito desse cerco à cidade

da Lapa, podemos dizer que o Comando Revolucionário ao

chegar lá, logo instalou seus canhões em dois pontos, o Alto

da Cruz e o Alto do Monge. Enviaram emissários para dar

alerta aos primeiros moradores, mais próximos, avisando

que um ataque seria iminente. Insistiram que a população

deveria sair, imediatamente, enquanto pudessem.

Gumercindo Saraiva esperava que o alerta fosse obedecido.

Ele desejava ter o caminho aberto e livre para a passagem

das tropas de assalto.

FIGURA 23: Comando Revolucionário Maragato Fonte: Acervo da Casa da Memória – Curitiba – PR.

O templo luterano da cidade da Lapa ficava

diretamente na mira dos canhões. O Pastor David Wiedmer

chamou a esposa e alguns paroquianos para organizarem

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uma saída rápida. Entretanto, mal os emissários haviam

saído já os canhões passaram a troar de forma

ensurdecedora. Um certeiro tiro atingiu o templo luterano,

danificando-o visivelmente. Houve grande confusão.

O pastor, rapidamente, escondeu a esposa no porão

da igreja, através de um alçapão, que estava disfarçado sob

o estrado do harmônio. Ele desejava buscá-la mais tarde,

depois de reunir alguns paroquianos que desejavam

acompanhá-lo.

Porém Wiedmer não foi longe. Diante de uma

barricada, foi identificado por um morador da Lapa que

aderira aos revolucionários. Este alertou: - “Eis aí o padre

alemão, do qual lhes falei!”.

O que poderiam querer dele? Certamente não era

assistência religiosa.

O pastor foi conduzido preso e apresentado ao

General Gumercindo Saraiva. Para intimidá-lo o comandante

revolucionário falou: - “Vamos dar uma gravata vermelha

pro padre?”.

Wiedmer fazia poucos anos que estava no Brasil e

não dominava tal linguagem figurada, possivelmente em

portunhol (Gumercindo Saraiva falava a língua castelhana).

Inocentemente Wiedmer concordou, dizendo: -

“Pastor gosta, sim, de < kraffátha >”.

Todos riram.

Gumercindo Saraiva simpatizou com o pastor e deu-

lhe um elogio: - ”Padre peitudo, tche!”

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Gumercindo Saraiva mandou que chamassem um

tradutor. Queria solicitar um serviço ao pastor. Trouxeram o

Lemão Galalau, o degolador, que falava a língua alemã com

toda a fluência, para servir de tradutor, com o claro

propósito de intimidar o prisioneiro.

Lemão Galalau, porém, ao ver-se diante do pastor,

ficou sob forte emoção. Entendeu que este era cura d’almas

de sua igreja protestante. Nestas paragens distantes, tão

longe da Colônia de Três Forquilhas, lembrou-se do idoso

pastor Voges, aquele que o batizara, mas, que falecera fazia

poucos meses. Diante desta saudosa lembrança da terra

natal, Lemão Galalau se dispôs a fazer de tudo, e que

estivesse ao seu alcance, para que este pastor da Lapa, aí

indefeso, fosse respeitado e mantido com vida.

Lemão explicou ao prisioneiro que o Comandante

tomara conhecimento que o pastor entendia de medicina.

Eles necessitavam de atendimento para revolucionários

doentes e feridos. O Comandante o pouparia e lhe daria

liberdade de locomoção caso concedesse a palavra de honra

de não fugir e de conceder assistência médica ao efetivo

revolucionário.

Wiedmer, imediatamente, pensou na esposa,

escondida no porão da igreja. Ela morreria de fome e sede,

caso ele não conseguisse se manter com vida. Por este

motivo nem poderia mais pensar em fugir... Aceitou a

tarefa. Pediu que Lemão negociasse com o General, a

permissão para poder ficar estabelecido no templo, onde

mantinha uma pequena farmácia e remédios, que seriam

necessários para eventuais tratamentos.

Gumercindo Saraiva não vendo nenhum

inconveniente, concordou com o pedido do pastor. Já estava

antevendo que na manhã do dia que ia nascer, toda aquela

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área em torno do templo luterano, deveria ficar sob o

controle dos revolucionários. Isto de fato aconteceu.

Desta forma, foi dado ao pastor Wiedmer, durante

aqueles longos dias de cerco, a oportunidade de passar

água e pão para a jovem e bela esposa, refugiada naquele

porão úmido e escuro.

Fim do avanço revolucionário

Lapa caiu diante das Forças Federalistas em fevereiro

de 1894.

O Pelotão Avulso cedido por Baiano Candinho, ali

tivera a primeira ação mais direta, em um combate mais

significativo e prolongado. Foi um mês de cerco.

Não encontramos nenhum registro sobre eventuais

baixas que pudessem ter ocorrido entre os homens de Três

Forquilhas. O que sabemos é que os revolucionários

maragatos perderam um tempo por demais precioso nesse

cerco demorado, num ponto aparentemente insignificante

para os propósitos da Revolução.

Eles não sabiam, mas, nós, hoje, sabemos que eles

desperdiçaram a possibilidade de avançar e chegar com

pressa a Capital Federal antes que Floriano Peixoto pudesse

se preparar para enfrentar os adversários.

Basta observar que os Revolucionários, ao deixarem

Lapa dominada, entraram em Curitiba, sem nenhuma

resistência mais significativa. Tomaram a Capital

Paranaense com a maior facilidade e ali ficariam mais uma

vez parados, gozando dos resultados dessa conquista. Eles

cobraram dos curitibanos um tributo de guerra, que o Barão

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de Cerro Azul providenciou sob a garantia de ter a cidade

preservada, sem saques e nem mortes.

Gumercindo Saraiva estabeleceu o seu Quartel

General no aquartelamento que se situava junto à Praça

Osvaldo Cruz.

O Pelotão Avulso de Três Forquilhas, incorporado à

Força principal de Gumercindo Saraiva, ali também foi

alojado.

Imaginemos aqueles rudes colonos de origem alemã,

da Colônia de Três Forquilhas, e os peões serranos do

Josaphat, deslumbrados com o brilho de Curitiba, passando

a gozar a boa vida, em aparente segurança e fartura de

provisões.

Eles, bem como toda a tropa revolucionária,

perderiam ali o resto do ímpeto de combatividade e não

tiveram mais pressa para alcançar a Capital Federal.

Na verdade, a Revolução Federalista estava perdida.

O Presidente Floriano Peixoto encontrara o tempo

necessário para respirar e organizar uma Força da República

e passar a combater os federalistas com todo o rigor.

Gumercindo Saraiva, reconhecendo a impossibilidade

de avançar, ordenou uma retirada, ou melhor, uma

verdadeira fuga, de retorno ao Rio Grande do Sul.

A situação se inverteu completamente.

Os revolucionários passaram a ser perseguidos e

caçados, implacavelmente. A ordem era para uma

eliminação sumária, sem prisioneiros.

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O Pelotão Avulso, de Três Forquilhas, ao entrar no

território de Santa Catarina, tomou rumo próprio, na fuga.

Desejavam alcançar o Litoral Norte do Rio Grande do Sul,

para se unirem de novo ao Esquadrão Josaphat, de Baiano

Candinho.

Os fugitivos se movimentaram por trilhas e

caminhos, ou pelos matos, para desviarem dos postos de

vigilância das forças federais. Passaram fome e enfrentaram

inimagináveis dificuldades e contratempos.

Quase todos eles chegaram de volta ao lar, com

disposição para manter a luta, pois não se consideravam

derrotados. Podemos imaginar os relatos que eles

apresentaram a Baiano Candinho e aos humildes

combatentes que haviam permanecido no Josaphat.

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MORREM ELISABETHA E MÃE MARIA

Três meses e dezenove dias após a morte do pastor

Carlos Leopoldo Voges, também dona Elisabetha

Diefenthaeler Voges foi colhida pela epidemia, no dia 22 de

janeiro de 1894. E alguns dias, ainda em janeiro, também

Mãe Maria foi vitimada, sendo ambas sepultadas no

Cemitério do Passo que, naquela época, era o único da

Colônia.

As pessoas mais idosas, bem como as crianças e os

negros ficaram sem resistência física para suportar a

contaminação pela cólera e tornaram-se principais vítimas

desse mal.

FIGURA 24: Elisabeth Diefenthaeler Voges Foi professora da Escola da Comunidade de

Três Forquilhas entre 1833 a 1850. Fonte: Gravura do Arquivo da Família Voges.

Ninguém consegue medir a tristeza que se abateu

sobre a Colônia com essas mortes seguidas de pessoas da

liderança comunitária. Propagou-se um clima de desamparo

geral, talvez intensificado pela ausência de um sucessor no

pastorado da Colônia.

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“Ela foi o coração da Colônia”

Somente quando a professora Elisabetha

Diefenthaler Voges, a viúva do pastor Voges faleceu, a

Comunidade despertou para refletir sobre o papel que esta

mulher desempenhara durante quase sessenta anos de sua

vida, na Colônia de Três Forquilhas. Era comum agora

escutar: - “Se foi o coração da Colônia”.

Em 1828 ela chegara recém casada com o pastor,

para uma breve estada na Colônia, retornando com o

marido para o Vale do rio dos Sinos, mais especìficamente

Campo Bom, durante alguns anos. Em 1833 o casal decidiu

radicar em definitivo em Três Forquilhas.

Elisabetha, uma mulher nascida na Europa, numa

cidade onde as mulheres costumavam receber uma boa

formação escolar e eclesiástica, tinha noções de música e

canto, de etiqueta, além da formação escolar básica, no

contato com boa literatura para tornar-se leitora regular de

livros.

Esse privilégio, naquela época, não era para muitas

mulheres, algo que no Brasil também era através de

educandários e internatos particulares, em geral, mantido

pelas Igrejas.

Com base em seu preparo intelectual e espiritual ela

conseguiu realizar um fecundo trabalho com as crianças e

com as mulheres da Colônia de Três Forquilhas. Coube a

ela, a princípio, um valioso trabalho de alfabetizadora de

crianças. No tocante às mulheres ela passou a realizar

reuniões regulares em sua casa para ensinar noções de

cuidados com recém nascidos, hoje falaríamos em

puericultura, ministrava orientação para cuidados com a

gestante, atividades de culinária, cursos de corte e costura,

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de tricô e trabalhos manuais, como a confecção de coroas

fúnebres24.

Elisabetha, portanto, dedicou-se às mulheres

imigrantes, suas filhas e netas. Ela deixou um pouco de si

mesma em várias gerações de mulheres da Colônia.

Nestas atividades Elisabetha sempre contou com o

valioso auxílio de Mãe Maria, pois que esta mulher africana

também tinha especiais conhecimentos em inúmeras áreas

da vida doméstica, inclusive no tratamento da saúde, com o

uso de ervas – folhas, raízes e cascas.

Estas duas mulheres, Elisabetha e Mãe Maria

morreram quase na mesma época, vitimadas pela epidemia

da cólera e também deixaram um grande vazio em toda a

Colônia.

Pastor Von Braken itinerante

Os dirigentes do Sínodo Riograndense conseguiram

providenciar que, em 1894, pelo menos o pastor itinerante

Rudolf August Von Braken25 fizesse uma viagem especial

para uma breve estadia em Três Forquilhas. Ele não poderia

assumir o pastorado, pois teria que visitar outras três

paróquias também sem pastor.

Na condição de pastor itinerante, a prioridade

colocada para Von Braken foi essa visita a Três Forquilhas,

em vista do horror da epidemia que estavam enfrentando.

Von Braken permaneceu por dois meses na Colônia.

Enfrentou a dolorosa missão de confortar a Comunidade

profundamente enlutada por causa dos falecimentos do

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pastor Voges e sua esposa Dona Elisabetha, além de mais

de uma dezena de pessoas vitimadas pela cólera.

A principal tarefa de Von Braken foi levar o consolo

para dezenas de lares enlutados. Fazia cultos no templo,

nos cemitérios e também em casas particulares, no interior

da Colônia.

Muitos dos falecidos haviam sido levados à sepultura

sem assistência pastoral, pois até mesmo os pastores leigos

de Três Forquilhas, entre os quais eram citados o Major

Voges, o maestro Christian Tietböhl e o agrimensor Carl

Huyer, não puderam estar em todos os enterros realizados.

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GENERAL ARTUR OSCAR EM TORRES

A Divisão do Exército, sob o comando do General

Artur Oscar de Andrade Guimarães, estivera, desde

novembro de 1893, em solo catarinense, para ajudar a dar

combate ao efetivo revolucionário de Gumercindo Saraiva.

O General Assis Brasil viera do norte e Artur Oscar

pelo litoral gaúcho, na intenção de colocar os maragatos

entre dois fogos. A manobra não dera resultados.

Gumercindo Saraiva escapara, seguindo livremente rumo ao

Paraná.

FIGURA 25: General Artur Oscar de Andrade Guimarães. Fonte: Acervo do Arquivo Histórico RGS – Porto Alegre – RS.

General Artur Oscar recebeu ordens de fechar a

passagem do litoral, caso os federalistas intentassem

retornar por este caminho. O General decidiu então localizar

sua base de ação em Torres. Entrou na cidade, com três

batalhões, totalizando em torno de dois mil homens.

As autoridades de Torres fizeram de tudo para dar ao

efetivo as melhores condições, para um acantonamento

mais demorado. Logo também pressionaram o General,

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solicitando providências contra grupos armados, de

revolucionários federalistas que estariam agindo em

diferentes locais da Serra do Mar, por exemplo, na Trilha do

Rala Coco, depois de Praia Grande – SC, os fundões de

Morro do Forno, a Trilha da Serra do Pinto, ao norte de

Três Forquilhas e mais a Trilha do Umbú, na Barra do Ouro,

Maquiné.

Explicaram que existiam diferentes grupos, agindo

naquelas áreas. As que mais preocupavam, eram as duas

primeiras, pois através dessas trilhas, poderiam descer e

atacar a população de Torres.

A preocupação, portanto, não era tanto com o Major

Baiano Candinho, do Josaphat e Serra do Pinto, mas com o

Capitão Ignácio Machado, que descia pela Trilha do Rala

Coco, na Praia Grande e requisitava suprimentos para a sua

tropa.

General Artur esclareceu que não estava disposto a

combater algum bando de insignificantes bandidos. Sua

missão devia ficar concentrada no General Gumercindo

Saraiva, que a qualquer momento poderia estar retornando

do Paraná. Caso ele resolvesse tomar o caminho do litoral,

haveria uma batalha pesada, nessa área de Torres.

O General apresentou porem uma solução. Propôs

que os moradores de Torres formassem um Regimento de

Voluntários, da Guarda Nacional, portanto, um efetivo

provisório.

As autoridades torrenses aceitaram a idéia e,

formou-se no princípio de 1894 o 16º Regimento de

Cavalaria. O comando foi conferido ao Tenente Coronel

Álvaro Capaverde.

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Formação do 16º RC em Torres

As autoridades de Torres ficaram surpresas com o

eco positivo, para a conclamação de voluntários, para

compor o 16º Regimento de Cavalaria. Vieram jovens de

todos os distritos de Torres, mas de forma mais

significativa, da própria sede. Eram homens sem grande

preparo para uma atividade militar, mas mesmo assim

receberam farda, armamento e munição, para algum

eventual combate.

O 16º RC ficou assim constituído:

Comandante: Tenente Coronel Álvaro Afonso

Pereira Capaverde.

Sub-Comandante: Major Zeferino de Macedo

Couto. Este se desentendeu com coronel Capaverde

e foi substituído, em 1895, pelo Capitão Carlos

Augusto Welhauser.

Comandante do 1º Esquadrão: Tenente José

Kras Borges.

Comandante do 2º Esquadrão: Capitão Luis

Bauer.

Comandante do 3º Esquadrão: Tenente

Manoel Teixeira Fernandes.

Comandante do 4º Esquadrão: Capitão

Florindo Moraes Azevedo.

O General Artur traçou as seguintes missões

para o efetivo do 16º RC: 1 – manter uma Escolta na

trilha que leva à Serra da Praia Grande – SC; 2 –

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guarnecer o Passo do Mampituba, próximo a Torres –

RS; 3 – manter uma Escolta em Três Forquilhas, no

lado torriense dessa antiga Colônia Alemã.

A Escolta de Três Forquilhas foi confiada ao

Alferes Boaventura Rodrigues da Silva, com mais 10

soldados, integrantes do 4º Esquadrão, do 16º RC.

Essa reduzida escolta destinada para Três Forquilhas

era um sinal evidente que o General Artur Oscar e o Coronel

Álvaro Capaverde estavam muito mal informados a respeito

do potencial de combate do efetivo de Baiano Candinho.

Eles tinham a informação que o efetivo mais forte da área

era o do Capitão Ignácio Machado que, na verdade, não

tinha nem um terço do efetivo de Candinho.

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217

A MORTE DE GUMERCINDO SARAIVA

No cenário mais amplo, os revolucionários

federalistas começavam a contabilizar as primeiras grandes

derrotas. No dia 10 de abril de 1894, em Palmeira das

Missões, na Província do Rio Grande, os maragatos sofriam

a primeira grande e dolorosa derrota. Perderam em torno

de 300 homens, que após a rendição, foram degolados

pelos castilhistas.

No dia 1º de maio Gumercindo Saraiva decidiu

abandonar Curitiba, no Estado do Paraná. Tomou

conhecimento da fragilidade de toda a sua retaguarda, em

solo riograndense. Decidiu-se por isto para um retorno às

pressas. O desânimo tomava conta do seu efetivo. Na volta,

pelos caminhos, muitos foram desistindo da Revolução,

ficando pelos matos, procurando refúgio no território de

Santa Catarina.

No dia 10 de agosto Gumercindo Saraiva, peleando

em solo riograndense, foi mortalmente ferido. Era junto ao

Arroio Caravi, no município de Santiago do Boqueirão.

Gumercindo agonizou durante três dias. Seu enterro

foi às margens do Rio Camaquã.

Os castilhistas descobriram o local da sepultura.

Desenterraram o cadáver e cortaram-lhe a cabeça.

Decidiram enviá-la para o Governador Júlio de Castilhos

como se fosse algum troféu de guerra, que pudesse trazer

algum tipo de glória ou honra para alguém.

Pelo contrário, o próprio Governador deve ter sentido

repulsa, pois este gesto bestial apenas servia para provar o

quanto o movimento castilhista também sabia ser

sanguinário, cruel e desumano.

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Quem afinal era os piores bandidos e assassinos? Os

federalistas? Os castilhistas não eram também bandidos da

mesma estirpe?

Em torno de quinhentos maragatos foram degolados,

na oportunidade da derrota total de todo o efetivo de

Gumercindo Saraiva.

“Yo me bato per la libertad”

O General Gumercindo Saraiva marcou o movimento

federalista com o seu arrojo e destemor. Na verdade, ele

não foi nenhum estrategista militar, porém, sabia lutar.

Um Oficial General dos tempos atuais, numa palestra

da qual participei, o qualificou apenas como tendo sido um

corajoso peleador. Este mesmo General diria que

Gumercindo Saraiva saíra com um considerável número de

homens para pelear contra a ditadura castilhista e contra os

republicanos brasileiros. Peleando chegara a Curitiba. Só

não fora mais bem sucedido, por nada entender de

estratégia militar. Perdera muito tempo em combates

desnecessários. Um exemplo típico teria sido a pequenina

cidadela da Lapa, no Paraná.

Gumercindo Saraiva perdeu praticamente um mês,

com o Comandante da Lapa, Gomes Carneiro, tempo que

teria sido suficiente para ir a Capital Federal e pegar o

Presidente Floriano Peixoto desprevenido.

Contaram-se muitas inverdades a respeito do

General Gumercindo Saraiva, ao longo dos anos. Logo após

a Revolução Federalista tentaram retratá-lo como um

homem insensível, bruto e sanguinário. O fato é que a

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Revolução foi uma guerra sangrenta, manchando a todos os

envolvidos com o sangue fraterno derramado. Por isto

denominamos a Revolução Federalista como Guerra

Fratricida, que envolveu os irmãos brasileiros.

Entretanto, em meio a tal ambiente, Gumercindo

Saraiva se revelou como um chefe militar equilibrado,

buscando estabelecer em torno de si, dentro do possível,

um clima de dignidade e de respeito pelos adversários.

Chamam a atenção palavras atribuídas a Gumercindo

Saraiva, quando da conquista da cidade de Curitiba:

“Ora, mis amigos, ustedes estan enganados. Yo

heque at Paraná para pelear com Floriano e no para prender

pica-paus. Yo me bato per la libertad26 y no per lo captitero

de los vencidos”

Importante é que mencionemos aqui as

circunstâncias em que tais palavras teriam sido

pronunciadas. Gumercindo Saraiva teria sido rodeado por

alguns paranaenses, bajuladores do poder, que tentando

agradá-lo, teriam vindo delatar pessoas da cidade de

Curitiba, como sendo lideranças republicanas. Pensavam

que o General haveria de prender ou eliminar tais pessoas.

A reação de Gumercindo Saraiva, portanto, foi de repulsa a

tal ato indigno, reagindo com vigor. Neste sentido podemos

dizer que o General Gumercindo Saraiva procurou

estabelecer em torno de si, dentro do possível, a dignidade

e o respeito pelos adversários e, particularmente, pelos

vencidos.

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O TESOURO DE FREDO VOGES

Fredo Voges viúvo, perdera a esposa Bárbara

Schmitt no dia 02 de agosto de 1893 quando fizera trinta e

um anos de idade. Grande foi o abalo sofrido por ele, mais

intenso por causa dos filhos ainda pequenos.

As notícias vindas de Taquari onde a pequena Anna

Emília fora acolhida por Carlos Leopoldo Voges Neto

informavam muitas coisas boas, da alegria que ela dera

para o casal sem filhos.

Já a outra menina, a Irmelina, e os meninos Antonio

e Marcelino não estavam ligados ao pai assim como ele

desejava. Morar em casa estranha, mesmo que seja na casa

do irmão, não permite a formação de um pleno lar. Ele

sonhava poder encontrar uma nova companheira, para dar

uma nova mãe para eles.

A vida no Sítio da Figueira era agradável, pois a

cunhada Bininha se desdobrava em atenções também para

esses três orfãozinhos.

No princípio de 1894 Fredo pediu ao irmão para ser

integrado à guarnição armada que cuidava do refúgio da

Invernada dos Cavalos27, onde ele também guardara os

seus melhores cavalos e algumas cabeças de gado.

Prontamente Carlos Frederico lhe entregou uma arma de

guerra e falou: - “Se é isso que você quer, nada me impede

para também te transformar em soldado guardião, da nossa

Invernada”.

Frederico passava às vezes um ou dois dias lá, no

revezamento de guardas que eles haviam estabelecido. E

quando retornava, ficava contando sobre as experiências

que aquele ambiente lhe oferecia. Ele explicava: - “Eu passo

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horas e horas, sentado num ponto de onde posso observar

todo o vale. Vejo as casas pequeninas onde moram os meus

amigos e parentes. As pessoas parecem formigas, de tão

pequenas, quase imperceptíveis. Vejo as lavouras e

novamente olho para as casas. Fico imaginando o que se

passa em cada uma dessas moradas. Sei que existem

problemas na casa de cada família, mas lá do alto eles me

dão a impressão que devem ser bem pequenos, pois

pequenas parecem as pessoas, as casas e as árvores e

pequenos se tornam os problemas deles.

Carlos Frederico olhou para o irmão e perguntou: -

“Você está virando monge ou filósofo? É melhor que fiques

aqui no meio das pessoas, pois senão como irá encontrar

uma nova companheira?”

Bininha discordou e falou, sorrindo: - “Carlos, tu não

deves falar assim senão o Fredo poderá pensar que nós não

estamos dando conta dele e das crianças dele. Da minha

parte, já me acostumei com todos eles e Fredo não precisa

se apressar para encontrar uma mulher. Afinal, aqui na

Colônia, muitos casamentos são simplesmente arranjados

num acerto entre as famílias. Esses dias ainda alguém

esteve aqui querendo saber de mim se o Fredo não estaria

interessado em casar com a filha deles”.

Todos riram das palavras de Bininha e Fredo nem

quis saber quem teria sido o casal que estivera aí no Sítio

para propor um casamento para ele.

Em janeiro de 1895 ocorreu algo novo e inesperado e

que quebrou a rotina dos guardas do esconderijo da

Invernada. Carlos Frederico apareceu lá trazendo mais uma

pessoa e foi explicando: - “Trago a Leopolina Justin que terá

que ser guardada entre os nossos bens e tesouros,

escondidos na Invernada”.

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Carlos Frederico continuou explicando que essa

jovem viúva sofrera uma tentativa de rapto. O fato é que

um revolucionário federalista se apaixonara por ela e

sempre que conseguia, quando não havia escolta castilhista

na área, propunha levá-la para a Serra, para dela fazer sua

mulher.

FIGURA 26: Frederico Voges e Leopoldina Justin em elevada idade. Fonte: Arquivo fotográfico da Família Voges.

O serrano rondava a propriedade de Leopoldina e às

vezes mandava recados verbais pelos vizinhos, avisando

que viria raptá-la. Por este motivo Carlos Frederico

aconselhou a família para que Leopoldina fosse por algum

tempo para o esconderijo da Invernada onde seria mais fácil

dar-lhe a devida proteção.

Os pais a princípio recusaram, alegando que a filha

jamais aceitaria sair do aconchego e conforto do lar para ir

se esconder no meio dos morros e matos. Porém eles

estavam enganados, pois ela falou: - “Eu tenho medo de ir

dormir à noite, e sofro com muitos pesadelos. Sempre vejo

um homem mau de olhos vermelhos espiando pelas frestas,

dizendo que terei que ir com ele, para morar lá na Serra”.

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Com a concordância de Leopoldina tudo foi fácil.

Aprontaram um cargueiro com bruacas - malas de couro -

para acondicionar roupas e utensílios que poderiam ser

necessários naqueles fundões.

Com a chegada de Lepoldina Justin a vida na

Invernada dos Cavalos mudou completamente. Quem

pareceu mais animado foi o Fredo Voges que agora

aumentava o seu tempo de permanência no local, para

realizar o serviço de guarda e vigilância. Quando Fredo

descia a morada do Sítio da Figueira voltava com alimentos

e agrados para Leopoldina.

Bininha observou a mudança no jeito do cunhado e

comentou: - “O Fredo parece agora mais preocupado, com

algum tesouro que ele precisa guardar. O que poderia ser?”.

Ele sorria, dava um beijinho na sua menina e nos

dois meninos e lá seguia pela trilha rumo à Invernada, lá no

meio dos morros. Ele pensou: < Parece mesmo que

encontrei o meu tesouro e preciso guardá-lo bem.

O que ele tanto queria nestes últimos tempos era de

encontrar uma nova companheira e uma nova mãe para os

seus filhos.

Fredo e Leopoldina se enamoraram e um dia

noivaram ali mesmo, em meio aos peões.

No dia 16 de abril de 1895 já ocorreu o casamento

de Frederico Voges e Leopoldina Justin. Uniram-se pelos

sagrados laços do matrimônio.

O casal passou a planejar o futuro e concluíram que

no primeiro momento não poderiam morar na sede da

Colônia, pois que aquele revolucionário ainda fora visto e

perguntando por ela.

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Na intenção de acabar com os temores foram morar

em Três Pinheiros, onde Frederico procurou se estabelecer-

se com uma Olaria de Telhas. O que mais importava para

ele, porém, era a possibilidade de novamente conseguir

organizar o seu lar. Leopoldina era extremamente carinhosa

e conquistou logo o carinho das crianças de Fredo.

Fredo e Leopoldina, porém não se adaptaram com a

atividade da Olaria e só falavam em voltar para perto dos

familiares.

Fredo tinha um engenho que estava parado por

causa da agitação promovida pela revolução. Assim que

tudo acabasse ele queria reativar aquele engenho e voltar

àquela atividade que ele conhecia tão bem e com certeza

daria a renda suficiente para sustentar a família.

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A ÚLTIMA VIAGEM DO MAESTRO

No dia 18 de maio de 1894 o maestro e professor

Christian Tietböhl preparou os dois melhores cavalos e

seguiram, ele e Catharina sua esposa, rumo ao ancoradouro

dos Diehl que se situava junto à Lagoa dos Quadros,

próximo à Casa das Telhas, nas terras de areia.

A Casa de Telhas e o ancoradouro pertenciam a

Adolfo Diehl e sua esposa Dona Nuquinha Voges.

Ali o professor e esposa esperaram pela embarcação

do jovem Gustavo Adolfo Voges, irmão de Nuquinha, pois

era o único que aceitava o transporte de montarias, naquela

época.

O casal seguiu rumo à Capital para uma visita ao

filho professor Leopoldo. Entretanto, Christian Tietböhl

estava também com o plano traçado de aproveitar para

sozinho também fazer uma visita aos dirigentes do Sínodo

Riograndense, em São Leopoldo.

Após a morte do patriarca Voges, a preocupação pela

falta de um pastor para a Colônia de Três Forquilhas estava

tomando proporções cada vez maiores, com demonstrações

de descontentamento e de desânimo, diante dos inúmeros

falecimentos de pessoas vitimadas pela epidemia. A procura

por conforto espiritual avolumara.

Major Voges, na condição de dirigente – Vorsteher –

da Comunidade, com a ajuda do professor Tietböhl faziam o

melhor que podiam, mas nada parecia ser o suficiente.

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O apelo ao Sínodo

Professor Tietböhl e esposa haviam ido com o

principal objetivo de participar da festa promovida pelo filho

Leopoldo, que além de concluir o serviço militar, também se

formara professor, tendo assumido o seu primeiro emprego

para o exercício do magistério, em Porto Alegre.

FIGURA 27: Alferes Leopoldo Tietböhl, 1994. Dezenove anos de idade.

Fonte: Acervo do Arquivo da Família Voges.

O pai quando viu o filho vestindo a farda declarou: -

“Você, meu caçula, é o filho que mais se parece comigo,

pelo exercício do magistério e pela farda. É um orgulho

muito grande para a tua mãe e para mim de podermos

estar aqui contigo nesta conquista tão grande que acabas

de alcançar”.

Nos dias subsequentes Christian Tietböhl resolveu

ainda visitar alguns amigos da Capital, para somente então

fazer a planejada viagem a São Leopoldo, para um novo

contato com os dirigentes do Sínodo Riograndense.

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227

O resultado desse contato foi longe das expectativas

que o haviam enchido de grandes esperanças, pois contava

receber a boa notícia da indicação de um novo pastor, para

Três Forquilhas

Encontrou os dirigentes do Sínodo cheios de

precauções, alegando que a dupla epidemia de cólera e de

tifo que grassava na Colônia de Três Forquilhas assustava

qualquer pretendente àquele pastorado. Além disso, havia

também a Revolução em andamento e pelas notícias que

corriam, a região do Litoral Norte estava constando como

bastante insegura e com probabilidade de combates

iminentes. Por este motivo nenhum pastor, com esposa e

crianças, haveria de se dispor a levar a família para o meio

de tal situação.

Para o professor Tietböhl não poderia haver notícia

mais desanimadora e manteve a insistência, para saber se

não existiam pastores ainda solteiros?

A resposta foi pelo menos alentadora com a

informação que jovens pastores recém formados haveriam

de chegar em breve ao Brasil e talvez em meio a estes

pudessem encontrar um candidato disposto para assumir

essa difícil missão.

Ficou então acertado que a Comunidade de Três

Forquilhas seria colocada no topo da lista, para ser

contemplada com o primeiro pastor jovem e solteiro que

aportasse em São Leopoldo, mas que o suprimento da vaga

certamente se daria após o arrefecimento da Revolução

Federalista, pois, de sã consciência, não poderiam enviar

um obreiro para o meio de um conflito sangrento.

Os dirigentes do Sínodo procuraram motivar o

professor Tietböhl para que ele e o filho do falecido pastor

Voges continuassem, na prestação dos serviços de

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emergência, tais como batismos e sepultamentos.

Escutaram com satisfação que os dois líderes leigos de Três

Forquilhas estiveram oficiando a benção matrimonial para

noivos, que casavam pelo civil. Entregaram-lhe dois

manuais de ofícios, de uso atual para pastores do Sínodo

Riograndense.

Quando o professor Christian Tietböhl retornou a

Porto Alegre estava em um estado de um misto de

desânimo e de esperança. Reunido com a esposa e o filho

Leopoldo, queixou-se: - “Nunca em toda minha vida tive

sentimentos tão estranhos, como estes que agora afloram

no meu íntimo. A minha alma está inquieta e um temor pelo

desconhecido assalta o meu coração”.

Dona Catharina, esposa de Christian, uma mulher de

família extremamente dedicada à Igreja, abraçou o marido

e recomendou: - “Precisamos ter mais fé, meu amado, pois

estamos nas mãos de nosso Criador e Senhor. Ele não nos

desampara diante do infortúnio, de doenças, perigos ou

mesmo diante da nossa morte”

Christian agradeceu e correspondeu ao abraço,

dizendo: - “Tu disseste tudo, minha amada”.

O filho Leopoldo sorriu e comentou: - “Que quadro

mais belo, poder ver os meus pais com tanta ternura, se

admoestando para a vida na fé em nosso Senhor”.

Em seguida, o filho procurou animar o pai dizendo: -

“O pior para vocês não é a falta de pastor, pois você e o

major Voges, bem ou mal, estão assistindo aquele povo.

Fiquei tão feliz quando soube que vocês dois até benção

matrimonial estão celebrando para noivos que casam pelo

civil, para logo deixá-los quites seja diante da lei dos

homens ou diante da lei divina”.

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Christian o interrompeu, colocando muita ênfase, ao

dizer: - “O que me preocupa é a de nos enviarem um pastor

sem a devida experiência no Brasil, pois bem sabes que

somos uma Comunidade incomum, pelo mosaico de cores e

de costumes presentes em nosso templo. A nossa cultura se

mesclou faz muitos anos e agora temos adeptos que não

entendem uma só palavra da língua alemã. Felizmente o

pastor Gustav Geisler era bilíngue e se acertara tão bem

conosco. Mas, ele não vingou e saiu às pressas diante do

pavor causado pela epidemia e da insegurança diante de um

iminente conflito político, que se tornou sangrento. Penso

que o pastor Geisler era a pessoa ideal para nós e não

poderíamos querer ninguém melhor... Mas a epidemia

assustou a, tão jovem, mulher dele”.

O velho professor fez uma pausa em postura de

reflexão, com a mão cobrindo o rosto e continuou: - “Na

minha conversa com os dirigentes do Sínodo Riograndense

percebi que eles vão querer mexer bastante na estrutura da

nossa Comunidade, pois alegam que ela precisa se

enquadrar totalmente dentro das normas estabelecidas, que

precisam ser aplicadas e seguidas. Isso não me soou como

algo positivo, pois não aceito imposições unilaterais venham

de onde vierem, mesmo que supostamente emanadas das

leis da Igreja.

Leopoldo arrematou: - “Então, pai, não há outro jeito

do que esperar com fé, conforme mamãe o aconselhou a

pouco, e vamos aguardar para ver o que acontece”.

- “E eu sou homem de ficar esperando para ver o

que acontece?”, disse Christian. – “Eu sou um homem de

ação, que procura se antecipar aos acontecimentos para

não ser arrastado por eles, desprevenido. Penso que não

podemos deixar desmoronar o importante trabalho que o

velho pastor Voges desenvolveu nestes mais de sessenta

anos de pastorado. O legado que ele nos deixou, inseridos

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na terra brasileira, pode e deve ser mantido, custe o que

custar. Ele nos guiou com muita paciência reunindo gente

das mais diferentes procedências, costumes e idéias e

conseguiu estabelecer uma Comunidade que acolhe todas

as pessoas, não só os bons, mas também os considerados

maus. Isso, conforme eu soube, veio desde a chegada dos

colonos, quando ele acolheu inúmeros homens saídos de

prisões de Meckelmeburgo e Rostock e que ele costumava

dizer: < Não se falará mais em prisão ou delito, mas aqui

falaremos de nova oportunidade de vida para todos, nesta

nova terra que nos acolheu> Outra coisa que precisa ser

observada é que a miscigenação cultural e étnica hoje é

algo irreversível na Colônia de Três Forquilhas e, por isto,

não mais aceito que se fale de Colônia Alemã”.

Leopoldo quis saber: - “Mas papai, você explicou

tudo isso aos dirigentes do Sínodo? O que eles pensam

disso? Devias ter falado para eles que, pelo tipo de

Comunidade que nós somos, em Três Forquilhas,

certamente nos adaptaríamos melhor é na Igreja Episcopal

Brasileira, que existe aqui em Porto Alegre28. Será que

esses dirigentes do Sínodo Riograndense não observam

como os episcopais sabem se entrosar em nossa sociedade

brasileira? Eu ainda penso que o nosso povo da Colônia de

Três Forquilhas teria se dado melhor com pregadores

episcopais. E, afinal, quantas de nossas famílias nem eram

da tradição luterana, mas alguns eram calvinistas e outros

de diferentes ramos do protestantismo europeu, antes de

emigrarem para o Brasil...

O velho se queixou: - “Claro que não falei uma coisa

dessas! Eu nem sabia do trabalho desses protestantes

episcopais em nossa Província. Consigo imaginar o quanto

que eu teria magoado os dirigentes do Sínodo, pois desde o

princípio nós mesmos é que optamos em nos declarar como

sendo luteranos. O próprio pastor Voges sempre se

autodenominou como sendo um servidor da Igreja

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Evangélica. Descobri, com o passar dos anos que, sempre

que o velho Voges falava em Igreja Evangélica, na verdade

referia-se à Igreja Luterana. Ele sempre foi uma simples

extensão da vida eclesiástica, que ele iniciou em São

Leopoldo e transferiu para Três Forquilhas”.

Depois de uma breve pausa, o velho professor

continuou: - “Com as poucas coisas que eu tentei transmitir

aos dirigentes do Sínodo, a respeito da nossa comunidade

abrasileirada, eles só ficaram se entreolhando e um deles,

peremptoriamente, declarou: < A vossa Comunidade terá

que se adaptar às normas da Igreja Luterana da Alemanha,

para o desenvolvimento das atividades da Comunidade, em

Três Forquilhas e para receber um pastor >”.

Essa foi a última conversa que pai e filho tiveram a

respeito da Igreja na Colônia de Três Forquilhas, pois

Christian queixando-se de cansaço foi se recolher para o

descanso da noite.

Bem cedo, de manhã, o casal se preparou e saíram

de volta ao lar, no distante vale do rio Três Forquilhas.

Gustavo Voges dá alerta de temporal

Em Conceição do Arroio quando o professor Christian

Tietböhl e esposa foram até o ancoradouro, ali encontraram

o barqueiro Gustavo Adolfo Voges. Eles haviam combinado

dia e hora. A viagem correra de acordo com o plano

preestabelecido. Estavam no amanhecer do dia 1° de junho

de 1894.

O professor, erguendo os braços, falou: -

“Gustavinho, os nossos cavalos já estão sendo trazidos pelo

estalajadeiro, prontos para o embarque”

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Gustavo Voges reclamou: - “Hoje não será possível

levar os cavalos, pois o vento está soprando com muita

força e o tempo tende a ficar ainda pior. Temos que sair

rapidamente desta área da lagoa, que é de risco maior.

Temo que ainda hoje tenhamos temporal e chuva”.

O barqueiro estendeu o braço na direção das águas

da lagoa e explicou: - “Veja as fortes ondas, que o vento

consegue formar. Isso me faz lembrar das lições que um

velho barqueiro me concedeu me alertando que em mau

tempo e dia de muito vento não se deve levar animais na

embarcação. Animais são muito imprevisíveis e podem

transformar uma viagem em tragédia”.

O professor chegou ainda mais perto e, sorrindo,

disse: - “Meu aluno Gustavinho, eu não estou lhe pedindo

nada. Eu estou como seu antigo professor, ordenando que

nos leve a todos, eu, minha esposa e os dois cavalos, pois

temos pressa de chegar em nosso lar”.

Gustavo retribuiu o sorriso e voltou a insistir: - “Meu

antigo e querido professor, eu sei de uma solução muito

boa. Sugiro que pegue dois cavalos emprestados da sua

antiga aluna Nuquinha, minha irmã. Ela terá o maior prazer

de fazer isso”.

O professor, no entanto, desconsiderou a proposta

dizendo: - “Mesmo tendo a certeza de que a sua irmã

Nuquinha nos emprestaria dois cavalos, pois que eles tem

uma manada perto do ancoradouro, o fato é que eu não

quero deixar meus cavalos para trás”.

Nisto veio chegando o dono da estalagem puxando

os dois cavalos pelas cordas. Atrás vinham mais três

empregados da estalagem trazendo as encilhas dos animais

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e os pezuelos29 recheados de roupas, presentes comprados

na Capital e pertences do casal Tietböhl.

O professor como que declarando uma vitória disse:

- “Agora já está decidido, pois os cavalos me foram

entregues e tudo está pronto para o nosso embarque”.

Muito a contragosto Gustavo Voges pegou as duas

cordas e levou os cavalos pela rampa, deixando-os presos

no cubículo destinado para esse fim.

O casal também embarcou e a viagem teve início.

O naufrágio na Lagoa da Pinguela

Quando eles se aproximaram de uma área da lagoa

conhecida por Pinguela, o vento começou a aumentar,

intensificando a ação das ondas contra o costado da

embarcação. Fortes respingos começaram a cair sobre os

cavalos que assustados, batiam com os cascos contra as

tábuas do cubículo. Um deles com um coice certeiro

arrebentou a portinhola que voou longe. Os dois animais

agora estavam soltos, correndo um para cá e outro para lá,

fazendo a embarcação pender perigosamente para um e

outro lado. Em dado momento ocorreu o pior, pois os dois

animais foram para o mesmo lado fazendo a embarcação

adernar e começar a pegar água.

Gustavo muito atento viu o perigo que se formara e

não encontrou nenhum modo de tirar os animais dali, pois

que ele com o seu corpo faria um peso ainda maior. E os

dois animais não tinham mais como sair dali por causa da

inclinação da embarcação que começou a fazer água,

rapidamente.

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234

O barqueiro girando a cabeça para o professor

perguntou: - “O senhor sabe nadar?”.

- “Sei sim!”, respondeu ele. – “Mas a minha esposa

não sabe nadar. Cuide dela que eu cuido de mim”.

Havia uma prancha de cortiça na guarita de comando

e ele foi buscá-la rapidamente. Colocou-se diante de dona

Catharina e orientou: - “A senhora irá se agarrar

firmemente nestas argolas para que a tábua de cortiça fique

colada rente ao seu corpo. Desta forma poderei puxá-la a

margem, em segurança”.

A mulher obedeceu às instruções e já era hora, pois

a água se aproximava do local onde eles se encontravam e

em breve teriam que sair, pois a embarcação iria ao fundo,

com a força de arrastar tudo que estivesse nas

proximidades.

Os cavalos foram os primeiros a se colocarem à nado

e já também o foguista Teodoro se jogou na água,

segurando-se numa tábua qualquer que se desprendera do

barco.

Gustavo colocou a prancha de cortiça com dona

Catharina presa a ela, sobre o espelho d’água e

recomendou: - “Agora a senhora por nada largue essas

argolas”.

As ondas eram fortes e dificultavam a respiração.

Gustavo notou que a mulher engolia água e dava sinais de

engasgo, mas ela não largava as argolas. Ela certamente

não sabia que quando as ondas se elevam convinha

também erguer a cabeça para respirar, para depois descer

de novo e ser praticamente engolido pela água. Esse vai

vem é muito complicado para quem nunca foi orientado

sobre salvamentos em caso de naufrágio.

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235

Gustavo olhou em torno e não viu o professor que,

aparentemente, havia sido tragado junto com a embarcação

quando esta foi ao fundo, sugando tudo consigo. Apenas o

foguista estava, lá longe, um tanto sem direção, porém

conseguindo ir rumo à margem.

O barqueiro Gustavo notou que aquela senhora

agarrada nas argolas da prancha de cortiça, segurando

firme como se os dedos fossem pinças de ferro, estava

inerte, rígida. Mesmo assim continuou a arrastá-la

alcançando finalmente a margem. Empurrou a tábua de

cortiça com o corpo da mulher para fora do alcance da

água. Voltou então para as águas da lagoa para dar atenção

para o professor, mas nada havia para fazer, pois o homem

não estava à vista.

Os dois cavalos já estavam na margem há algum

tempo e arrastando as cordas soltas, corriam na direção

norte. Ali havia o rancho de um peão de uma fazenda das

redondezas. Esse peão viu quando os dois cavalos passaram

e, curioso foi ver onde poderiam estar os donos dos

mesmos, pois que cavalo com corda sempre é considerado

cavalo fugido.

O peão encilhou seu animal e rumou ao sul, pela

margem. Não tardou chegou ao ponto onde estavam

estirados dois corpos, fora da água, mas sem vida. Olhou

para as águas da lagoa revolta para ver se não estaria ali

alguém precisando de socorro, mas nada viu, nem sinais de

barco e nem sinais de algum náufrago em perigo. Logo

imaginou o que devia ter acontecido.

A única providência cabível diante desse quadro

aterrador, era à busca da autoridade policial de Conceição

do Arroio e foi isso que ele fez.

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236

O próprio delegado, mais dois policiais e um médico

vieram ver a situação, para saber se existiam vítimas que

necessitassem de cuidados. Nada, porém havia para fazer,

pois os dois corpos ali estendidos estavam sem vida.

O médico fez a autópsia ali mesmo e declarou que a

mulher havia perecido por afogamento. Entretanto o jovem

não apresentava sinais de afogamento e devia ter perecido

de algum mal súbito pelo esforço despendido, pois era

presumível que ele havia arrastado aquela mulher, a

margem. Ela continuava com os dedos aferrados nas

argolas e que precisaram ser quebrados para desprendê-la

O delegado procurou por papéis ou documentos nos

bolsos do homem morto, mas nada encontrou. Lembrou-se

de solicitar uma busca nos bolsos do casaco que a falecida

trajava e ali foi encontrada uma carteira de couro contendo

certa quantia em dinheiro e alguns papéis. Eram

documentos que permitiram a identidade da mulher como

sendo Catharina Eigenbrodt Tietböhl, casada com Christian

Tietböhl, residente em Três Forquilhas, distrito de Torres.

Um dos policiais ali presentes chamou o delegado

dizendo reconhecer o corpo do homem e declarou: - “Esse é

o valente barqueiro Gustavo Voges que nasceu em Três

Forquilhas e lá possui morada. A irmã dele é dona do

ancoradouro na margem norte da Lagoa dos Quadros, junto

à tal da Casa de Telhas, nas terras de areia”. Agora já havia

duas indicações preciosas para notificar os familiares a

respeito do ocorrido e de providências para o sepultamento.

Imediatamente um dos policiais foi enviado a

Conceição do Arroio para solicitar a vinda de uma

embarcação e mergulhadores para ajudarem a vasculhar as

águas da Lagoa, em busca de sinais da embarcação ou de

outras vítimas.

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Em pouco tempo reuniram-se curiosos também

peões da fazenda mais próxima. Eles receberam ordens da

autoridade policial para ajudarem em buscas na margem da

lagoa, em ambas as direções para verificar se não existiam

outros cadáveres.

As buscas foram providenciais, pois eles encontraram

a uma distância de talvez quinhentos metros, o foguista

Teodoro, que ainda respirava, mas parecia desmaiado.

O médico e o delegado seguiram ao local para

ministrar cuidados ao homem. Aos poucos ele foi sendo

reanimado e finalmente ele conseguiu fazer um breve relato

do ocorrido.

Disse ser Teodoro, o foguista do vapor Itapeva e que

o seu patrão se chamava Gustavo Adolfo Voges com vinte e

dois anos de idade, residente em Três Forquilhas, distrito de

Conceição do Arroio e que podia ser considerado um

verdadeiro herói, pois que ao invés de salvar-se a si

mesmo, tudo fizera para tentar salvar aquela senhora.

O foguista informou que eles levavam apenas dois

passageiros, o professor Christian Tietböhl e sua mulher, de

Três Forquilhas, do distrito de Torres.

Diante dessas informações foram intensificadas as

buscas com a ajuda da embarcação que já viera de

Conceição do Arroio, trazendo mergulhadores, mas nada

conseguiram encontrar30.

Vieram mais tarde outras embarcações e uma delas

foi enviada para o ancoradouro da Lagoa dos Quadros, junto

à Casa das Telhas onde residia dona Nuquinha, a irmã do

barqueiro morto.

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Nuquinha desmaia

Quando aquela embarcação estranha aportou no

ancoradouro, Nuquinha teve um mau pressentimento,

aumentado pela presença de dois policiais fardados.

Um dos brigadianos veio e falou: - “A senhora deve

ser a dona Nuquinha irmã do barqueiro Gustavo. Eu sou um

amigo dele...”.

Ele parou de falar sem concluir o assunto,

demonstrando dificuldade para se expressar.

Nuquinha, aflita, perguntou: - “O que aconteceu com

o Gustavo? Fale logo, pois que a aflição me deixa com falta

de ar...”.

O soldado respondeu: - “A senhora precisa ser

forte!".

Quando Nuquinha soube da morte do irmão e do

casal Tietböehl, deu mais alguns passos e de repente

desabou, caindo desmaiada.

Infelizmente o marido de Nuquinha não se

encontrava no ancoradouro naquela hora, pois que ele

tivera que ir ao ancoradouro do rio Três Forquilhas para

cuidar de interesses da sua empresa, a Diehl de Navegação.

Não havia a quem chamar, além das serviçais da casa e que

vinham correndo, se aproximando aflitas. Os demais

empregados e peões estavam em um dos depósitos,

acondicionando cereais e encomendas, em barricas.

O dono do barco buscou uma padiola sobre a qual

repousaram a mulher desmaiada para conduzi-la de volta à

sua casa.

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Aguardavam enquanto as serviçais procuravam

reanimar dona Nuquinha, para saber dela as providências a

serem tomadas.

Passados alguns minutos as serviçais conseguiram

reanimar a mulher desmaiada com o uso de sais especiais

que elas sabiam serem bons para devolver a lucidez de uma

pessoa.

Dona Nuquinha repentinamente abriu os olhos e

vendo os policiais aí plantados, na sala de sua casa, teve a

certeza definitiva que seu irmão estava morto. Ela ordenou:

- “Chamem os empregados e peões da nossa empresa que

se encontram no depósito dos fundos e solicitem que

venham aqui”.

Nuquinha passou a explicar que eles tinham no

depósito alguns caixões especiais trazidos da Capital, para

atender eventuais solicitações dos fazendeiros das

redondezas e de moradores da Colônia e desejava que a

embarcação levasse por precaução, três caixões, pois que o

corpo do professor Tietböhl deveria ainda ser encontrado.

Um dos empregados recebeu ordens expressas para

seguir direto à casa do Major Adolfo Felipe Voges, tio de

Nuquinha, que com toda a certeza saberia bem melhor do

que ela, dos procedimentos que se fariam necessários,

inclusive o aviso do naufrágio para a sua mãe e para os

familiares Tietböhl e as providências para os sepultamentos.

Nuquinha ordenou que os três melhores caixões

fossem imediatamente preparados para receberem os

corpos.

De um momento para outro aquela frágil senhora

que no primeiro momento caíra desmaiada agora se

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240

desdobrava cheia de energia e decisão. Ela mandou

preparar sua charrete para conduzi-la primeiro ao

ancoradouro do rio Três Forquilhas e depois até a casa da

mãe, cujo armazém se situava a aproximadamente

duzentos metros do Sítio da Figueira. Dali também podia ser

vista a morada do casal Tietböhl, apenas no outro lado do

rio.

A comoção na Colônia

A notícia dessas três mortes trágicas, do professor

Christian Tietböhl e esposa Catharina e do barqueiro

Gustavo Adolfo Voges correu rapidamente través de toda a

Colônia. Formou-se um clima de comoção coletiva jamais

observada, nem pelas mortes causadas pela epidemia onde

em algumas casas desapareceram de um momento para

outros diversos integrantes de uma mesma família, ceifados

pela cólera e tifo. Do mesmo modo, nem as mortes

recentes, de vidas ceifadas pelo conflito sangrento dessa

revolução haviam atingido os moradores com tanta

intensidade.

Major Voges reuniu-se com alguns integrantes do

Coral da Comunidade e com músicos da Banda de Música da

Colônia de Três Forquilhas, para saber se poderia contar

com a presença deles, apesar da falta tão repentina do

regente e maestro Christian Tietböhl, caso os corpos

pudessem ser trazidos, para dar-lhes sepultamento no

Cemitério do Passo. Os cantores e os músicos foram

unânimes e apresentaram recusa alegando que não teriam

a mínima possibilidade de executar músicas ou apresentar

cânticos, pela prostração de que haviam sido tomados.

O major reuniu-se com Bina Rosina e explicou: -

“Também não terei condições de fazer qualquer ofício

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fúnebre e muito menos de dirigir a palavra aos

enlutados...”.

Enquanto ele assim falava, ouviu palmas do lado de

fora. Os músicos e cantores haviam retornado e com um ar

de resolução no rosto comunicaram: - “Pensamos melhor e

não podemos nos deixar derrubar agora. O nosso coral sem

regente e a nossa banda sem maestro estará lá nas casas

dos enlutados e depois no cemitério para atuar nessas

despedidas derradeiras. Grande será o risco de nos

apresentarmos mal, porém, faremos o melhor de que

somos capazes para homenagearmos o nosso regente e o

eterno maestro da Banda de Música de Três Forquilhas”.

Major Voges que também decidira nada fazer

durante o serviço fúnebre agradeceu e se despediu dos

visitantes, solicitando que fossem fazer seus ensaios,

imediatamente. Ele retornou para dentro da residência,

segurou Bina Rosina pela mão e sentaram-se no sofá da

sala. Inicialmente ficaram em silêncio, derramando lágrimas

de tristeza e dor, algo que ele não fizera nem por ocasião

da morte do seu idoso pai e nem na recente e derradeira

despedida de sua mãe. Agora, porém, essas três mortes

trágicas, não trazidas pela epidemia e nem ocasionadas em

confrontos armados da revolução, vinham como se lhe

trouxessem um recado de Deus. Ele explicou: - “Bina, é

como se eu ouvisse Deus falando comigo: < Uma era está

acabando, em definitivo. É preciso preparar de que um novo

tempo está batendo às vossas portas. Será um tempo que

parecerá ser, mas não será... Será um tempo que jamais

será de paz... Virá um tempo que será denominado de

tempo da liberdade, mas que não trará a liberdade que vos

é apregoada”.

Adolfo apertou a mão da esposa com mais força e

continuou: - “Minha amada Bina Rosina, temos que nos

preparar espiritualmente para estarmos prontos a carregar

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a cruz que nos será colocada sobre os ombros, um peso que

jamais desejamos ou sequer nós imaginamos. Pressinto que

hoje será talvez a minha última oportunidade, o momento

derradeiro, para atuar livremente e concluir o meu papel,

que Deus deixou sobre meus ombros. Em breve nós dois

ficaremos sós, em nosso modo de pensar e de ser. O mundo

muda, as pessoas passam e nós também passaremos.

Teremos que deixar o palco, pois outros já estão se

preparando para comandar o espetáculo...”.

Bina Rosina respondeu: - “Adolfo, eu entendi muito

bem o que queres dizer. Sei que o meu sobrinho

Christovam e o teu filho Carlos Frederico estão nesse meio,

com as casacas causando-lhes comichão e as mãos suando,

apenas esperando para tomar de vez o bastão de

comando”.

O casal se levantou e saindo da casa encontraram a

charrete pronta para se dirigirem às duas casas onde,

conforme imaginavam deveriam ser realizados velórios. No

antigo armazém do falecido Jacob Voges, agora dirigido pela

viúva Elisabetha König Voges foram direto para os fundos

da casa, local onde o velório do jovem barqueiro Gustavo

Adolfo Voges deveria ser realizado. Ali permaneceram

durante breve momento para fazer a oração do Pai Nosso

com os enlutados, na tentativa de confortar aquela mãe e

filhos desolados e afundados na dor.

Major Voges em breves palavras lembrou então de

uma cena que ocorrera naquele local, há quase dez anos

atrás, durante o velório de seu irmão Jacob. Naquele dia,

esse jovem barqueiro Gustavo, ainda criança, em dado

momento saíra para o interior da casa e retornara com um

trompete para alcançá-lo ao pai morto, deitado no caixão.

Afinal o pai dele fora o dono do trompete, da Banda, e ficara

conhecido como Jacob Trompeteiro31.

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Em seguida Adolfo Felipe e Bina Rosina seguiram

para o outro lado do rio, onde o casal Tietböhl residira e

onde os corpos seriam velados. Viram ali uma situação

deprimente de desamparo momentâneo, longe do retrato

que todos faziam daquele lar, que sempre estivera marcado

pela hospitalidade, pela alegria e pela felicidade, onde as

pessoas tinham a acolhida e a compreensão de um

professor e esposa exemplares.

Major Voges vendo um grupo de líderes da

Comunidade reunidos em um canto em conversa, pediu: -

“Consigam para mim um voluntário que se disponha a me

auxiliar durante o serviço fúnebre, quando tivermos que

atender a família Tietböhl”.

Momentos mais tarde alguém chegou diante do

major e sussurrou: - “Encontramos apenas um voluntário e

que aqui está ao meu lado. É o agrimensor e carpinteiro

Carl Huyer que está pronto para assumir qualquer tarefa

que a ele quiserem atribuir, pois que ele já teve que

sepultar vítimas da epidemia, nas ausências do senhor e

desse nosso professor que pereceu no naufrágio”.

Major Voges vendo aquela multidão que ali já

passava a se concentrar, conduziu todos na oração do Pai

Nosso.

Sem enterros na Colônia

Nuquinha chegou em companhia do marido e um dos

policiais que estivera na Pinguela e que reconhecera o corpo

de Gustavo Voges.

Adolfo Diehl explicou que viera pelo telégrafo um

aviso de Conceição do Arroio, de que não convinha trazer os

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corpos dos afogados para Três Forquilhas, conforme

orientação do delegado e recomendação do médico. Os

corpos simplesmente não poderiam aguardar por muito

tempo, havendo pressa para sepultá-los. Talvez o corpo do

professor Christian Tietböhl ainda viesse a ser localizado, de

modos que assim os três seriam levados à cova. O local

sugerido era um pequeno cemitério nas margens da Lagoa

da Pinguela, na direção de Morro Alto.

Diante dessas informações, todos os planos de

velórios e sepultamentos tiveram que ser deixados de lado.

Major Voges dispensou o Coral e a Banda e solicitou que os

familiares enlutados e vizinhos interessados, o

acompanhassem nesta viagem.

FIGURA 28: Adolfo Felipe Voges. Fonte: Acervo Fotográfico da Família Voges.

O plano exposto pelo policial era de conduzí-los na

embarcação ancorada nas proximidades da Casa das

Telhas, já que o mau tempo passara e as águas não

representavam mais riscos de naufrágio.

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Chegando ao local do naufrágio, a família Tietböhl

ficou desolada, pois souberam que o corpo do pai deles não

havia sido encontrado.

Estavam ali em dois caixões os corpos de Catharina

Eigenbrodt Tietböhl e do jovem Gustavo Adolfo Voges. O

terceiro caixão estava, vazio e seria deixado na fazenda

próxima para o caso de ainda terem sucesso nas buscas.

O enterro de Catharina e Gustavo foi rápido, sem

muitas palavras. Major Voges conduziu os presentes para a

oração do Pai Nosso e depois fez um singelo ato, como de

praxe, para baixarem os ataúdes à cova e cobrí-los com

terra.

No ponto onde os corpos de Catharina e Gustavo

foram encontrados, foram colocadas tres cruzes.

Enquanto isso o vento minuano soprava forte,

criando um ambiente que parecia ser mais gelado do que

era na realidade.

Culto para os enlutados

No domingo posterior ao naufrágio, Major Voges

realizou uma cerimônia fúnebre no templo, para as famílias

enlutadas. Os integrantes do Coral e os músicos da Banda

acorreram prontamente, apesar da falta que fazia o regente

e o maestro.

O major descreveu o importante papel

desempenhado por Christian Tietböhl e esposa, na Colônia

de Três Forquilhas, na Igreja, na Escola e na Colônia toda.

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Em certa altura enfatizou: - No dia 1º de junho, na Lagoa

da Pinguela perdemos o nosso fiel da balança32.

Voges continuou explicando: - “Deus nos chacoalhou

duramente com a morte do professor Christian. Como

funcionará agora a balança sem o seu fiel? Quem poderá ser

agora, para nós, a pessoa de visão e coragem, com

sabedoria para falar e ensinar, capaz de intervir em meio a

diferenças de opinião ou de conflitos, para levar as pessoas

a refletir, para conciliar ou reconciliar, para apoiar e para

admoestar. Ele sabia fazer tudo isso e o fazia com

competência, em nossas reuniões e encontros, quer na

Igreja, quer na Política, quer na Sociedade. Talvez alguém

dirá <nossos filhos estão aí, para entrar em cena, para

tomar decisões, para trazer boas idéias e mostrar seus bons

propósitos. Se eles pensam que são capazes de entrar em

cena, por favor, recordem do saudoso regente, maestro,

professor, pai e amigo para guardarem na memória o seu

exemplo de vida, para poderem se espelhar em suas

atitudes e virtudes. Seus atos sempre foram bem

moderados e, acima de tudo, foi acolhedor para com todos.

Importa que procurem aplicar os tantos ensinamentos que

ele semeou com tanta ênfase, ao longo de sua existência.

Olhem em volta e verão ali tantos que foram seus alunos,

olhem acolá e verão outros tantos que como cantores foram

por ele regidos, e mais ali vemos os músicos que o tiveram

como maestro e, aqui diante de nós os seus filhos e filhas,

genros e noras, netos e netas, que o tiveram como pai e

avô prestimoso. Acredito que os cantores não me levarão a

mal se agora vou contar o que com eles ocorreu naquele dia

quando ainda pensávamos que os enterros seriam aqui

realizados. Eles vieram à minha casa e não se sentiam em

condições para entoarem alguns hinos, pois alegaram < não

temos mais regente >. O mesmo fato aconteceu com os

músicos que também queriam desistir alegando < não

temos mais maestro >. Confesso que eu mesmo quis

desistir e não falar nada, pensando que teríamos um corpo

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para ser aqui velado. Eu tencionara vos dizer apenas: <

perdi o parceiro que me apoiava no serviço que

prestávamos na nossa Igreja, para batisar, para dar a

benção para noivos, para sepultar os mortos ou para reunir

a Comunidade nos cultos divinos. Decidi enfrentar a difícil

missão e com alívio constato a presença dos cantores e dos

músicos da Banda, para este culto de consolo para os

enlutados, para fazermos a nossa homenagem a alguem

que tanto e tão bem nos serviu. Christian Tietböhl sempre

teve tempo e sempre fez surgir o tempo necessário para

estar em nosso meio na Escola, na Igreja e em todos os

momentos mais importantes da vida da nossa Colônia. Que

nosso Senhor esteja agora com ele e com a finada

companheira dele, ela que jaz às margens e ele no fundo

das águas da Lagoa da Pinguela. Que nosso Senhor console

os filhas e filhos, os netos e familiares do casal falecido para

que se conservem firmes na fé que alimentamos da

ressurreição em Cristo. Que nosso Senhor ajude o povo do

nosso lugar, sendo Ele mesmo o nosso fiel da balança. Que

nosso Senhor tenha recebido Christian e Catharina e

Gustavo Adolfo Voges nas moradas celestiais.

Major Voges conseguiu manter-se tranquilo durante

a sua fala e, na sequência, anunciou um cântico do Coral e

para finalizar, a execução de uma marcha militar prussiana

executada pelos músicos da Banda.

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NOVA ESCOLTA PARA A COLÔNIA

O General Artur Oscar saíra de Torres, rumo a Porto

Alegre, com seus três Batalhões, já no dia 6 de abril de

1894. Deixara, porém, farto armamento para o 16º RC.

Coronel Capaverde recebeu desta maneira, melhores

condições, para enfrentar as tarefas confiadas ao seu

Regimento. Os soldados pareciam mais confiantes, só pelo

fato de poderem manusear armas mais modernas.

Coronel Capaverde decidiu enfrentar, com mais rigor,

o chamado bando do Baiano Candinho, refugiado na Serra.

Entretanto, ele devia estar muito mal informado,

sobre a realidade existente na Serra. Ali não se encontrava

nenhum bando de assaltantes e bandidos. Era um

Esquadrão com um valor militar. Apenas um dos Pelotões,

seria suficiente para dar um fim na ridícula escolta policial,

composta por apenas 10 homens, colocada nas

proximidades da área do Ancoradouro de Três Forquilhas

O Alferes Boaventura, comandante da nova escolta,

felizmente foi um pouco mais discreto, do que o Sargento

Gonçalves. Chegou sem alarde. Instalar-se-ia inicialmente

na propriedade de Pacífico Cardoso, à margem da Colônia.

Ele desejava sondar a situação.

Quando, porém soube que a Escolta anterior, após a

deserção, tivera a petulância de se hospedar, por alguns

dias, no sobrado do falecido pastor Voges, ele reagiu com

raiva. Então ele também teria o direito de ter ali o seu

Quartel General, pois era uma tropa oficial da Província,

para proteger a Colônia contra os bandidos.

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Seguiu com os seus 10 homens e os enfileirou diante

do Armazém do Major Voges. Quem apareceu foi o escrivão

Christovam Schmitt.

Boaventura já conhecia esse escrivão que era

Capitão da Guarda Nacional, e por isso deu voz de sentido e

fez uma continência. Apeou do cavalo e logo foi

esclarecendo os motivos que o haviam trazido até aquele

local.

Nisto também chegou o Major Voges e ouviu a

solicitação do Tenente. Não encontrou argumentos para

negar o pedido, porém aplicou a mesma recomendação que

concedera ao então Sargento Pedroso: - “O comandante

dorme na casa e os soldados fazem alojamento no galpão”.

Alferes Boaventura considerou que a proposta era

justa e instalou-se no quarto que antes já servira ao

Tenente Pedroso.

Alferes Boaventura reuniu-se com as lideranças

castilhistas da Colônia: Carlos F. Voges, Manoel Antônio

Alves, Christovam Schmitt e João Pedro Jacoby Neto, pois

desejava subir a Serra e ali prender Candinho.

Boaventura ficou espantado com as informações que

estas lideranças tinham para oferecer. Os castilhistas

sabiam que Candinho contava com quase mais de cem

integrantes e seria um suicídio tentar enfrentá-lo com

apenas dez policiais.

Propuseram que nestas circunstâncias a Escolta

permanecesse apenas na Vila, ajudando a manter a

segurança local. Não viam a necessidade de ser

estabelecido qualquer tipo de combate ou de provocação

aos revolucionários da Serra.

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Alferes Boaventura agradeceu pelas informações e

conselhos. Decidiu, porém, assim mesmo, montar algumas

emboscadas, em pontos estratégicos, ao pé da Serra.

Escolheu as proximidades do Passo do Pinto. Ele esperava

poder abater pelo menos alguns maragatos, que se

arriscassem a descer a Serra.

Boaventura desejava dar satisfações aos superiores

do 16º RC, que haviam exigido a cabeça de Baiano

Candinho. Contratou um peão serrano, castilhista, para

servir de guia e olheiro. Queria ter a garantia de estar

eliminando, de fato, algum dos bandidos da Serra.

Alguns dos integrantes do Pelotão Três Forquilhas,

iam e vinham, imaginando que as trilhas ainda estivessem

seguras. Além disso, esperavam fazer-se passar por pacatos

colonos ou peões. Colonos e peões eles eram, porém não

tão pacatos assim, pois agora andavam armados.

Todos eles tinham familiares - esposa e filhos -

residindo na Pedra Branca, no Arroio Carvalho, no Josaphat

ou redondezas. Eles nada sabiam do olheiro serrano que

Alferes Boaventura contratara.

Morte de um Sargento Maragato

Certo dia, o Sargento Miguel Gralha, acompanhado

por Pedro Bruxa, Mano Jorge, Jesus Crioulo, Alemão Juarte

e João Franco tinham descido para visitar os familiares.

Aproveitaram para logo levar alguns cavalos e algumas

poucas reses, dos seus próprios pastos, para dar

suprimento ao efetivo.

Haviam descido bem cedo, ainda de madrugada.

Queriam aproveitar bem o dia. Os homens do Alferes

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Boaventura ainda nem haviam saído da sede da Colônia. Os

policiais foram somente pela metade da manhã, na

disposição de armar uma emboscada, esperando que algum

bandido se aventurasse a descer.

Os soldados foram procurando o melhor ponto e ali

permaneceram na espreita. Quase foram surpreendidos pela

retaguarda. Esperavam os bandidos de um lado e estes

vieram era do lado oposto, da banda da Colônia. O olheiro

os alertou. Nervosos procuraram esconder-se da melhor

forma possível.

Miguel Gralha e companheiros já haviam apontando

na curva da trilha mas não notaram a movimentação dos

soldados. Assim vinham tranquilos, fumando palheiros e

proseando, tangendo os poucos animais com certo desleixo.

O olheiro avisou que estes eram do grupo mais

chegado do Baiano, dos mais fiéis. O nervosismo tomou

conta dos soldados. Eram jovens e inexperientes. Apesar de

estarem emboscados e serem dez contra seis, parecia que

um Batalhão inteiro os viesse enfrentar. Tinham a vantagem

da surpresa e a desperdiçaram. Um soldado mais nervoso

se antecipou. Com um disparo certeiro abateu Miguel Gralha

que vinha à frente.

Iniciou um tiroteio e os demais maragatos, mesmo

alguns gravemente feridos, conseguiram fugir por uma

trilha lateral, que levava a uma propriedade particular, pois

imaginavam que estavam sendo atacados por um efetivo

maior de policiais. Alferes Boaventura retornou à Colônia

alardeando o suposto grande feito de ter dado a primeira

lição nos bandidos. Certamente agora ninguém mais haveria

de descer a Serra, pois os seus homens já deviam estar

sendo vistos como gente de coragem e valor.

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Quanto ao sepultamento do corpo de Miguel Gralha,

aconteceram diversos problemas. O pior era o aviso de que

no Cemitério do Passo não haveria mais lugar para

sepultamentos.

Os novos dirigentes da Comunidade mostravam má

vontade, para atender a família do revolucionário morto,

pois eram agora todos castilhistas ferrenhos, com destaque

para Carlos Frederico Voges Sobrinho, Christovam Schmitt,

João Pedro Jacoby Neto e os irmãos Tietböhl: José Jacob,

Carl Wilhelm e Peter Anton.

Os federalistas haviam sido declarados como sendo

bandidos. Por isso, a família de Gralha foi orientada que

convinha que o defunto fosse, quem sabe, sepultado, lá no

Josaphat. Seria a melhor maneira para resolver a situação.

Na verdade, Baiano já contara com tal eventualidade, fazia

algum tempo. Desconfiava que lhe seria negada a

permissão de sepultar eventuais revolucionários mortos, no

Cemitério Protestante, da sede da Colônia de Três

Forquilhas. Por esse motivo, ele já deixara demarcado um

espaço de terreno, a aproximadamente cem metros do seu

rancho, numa faixa estreita entre a estrada e o rio.

Quando os familiares do Sargento Gralha receberam

o aviso da negativa para o sepultamento no Cemitério

Protestante, imediatamente procuraram Maria Witt, mulher

de Baiano Candinho, que permanecera no seu rancho com

as crianças, enquanto o marido conduzia a Revolução,

aquartelado no Alto Josaphat. Ele não poderia descer da

Serra, em hipótese alguma. As mulheres, portanto, viam-

se obrigadas a solucionar o problema.

Maria Witt prontamente indicou o local para a

sepultura de Gralha. Iniciara desta forma, o Cemitério do

Candinho, ou Cemitério dos Maragatos, do Esquadrão

Josaphat.

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CANDINHO REVELA CORAGEM

A morte de Miguel Gralha chocou o Pelotão Três

Forquilhas, além dos dois outros companheiros que foram

trazidos gravemente feridos, correndo risco de morrer.

O desejo geral dos integrantes do Pelotão era de

uma descida de todo o efetivo para dar o merecido castigo

ao Alferes.

Baiano Candinho reuniu o Pelotão Três Forquilhas e

justificou que eles seriam os únicos a tomar as dores,

causadas por essa morte lastimosa de Miguel Gralha. Os

demais integrantes do esquadrão Josaphat que se

acalmassem. Não podia haver nenhuma precipitação. Além

disso, ele dera a palavra de honra, já para o pastor Voges e

mais tarde para o Major Voges, de que jamais entraria em

combate, na Colônia. Além disso, o que os moradores de

Três Forquilhas tinham a ver com aquela Escolta? Era o

Governo castilhista quem caçava os maragatos e

federalistas. As autoridades castilhistas é que haviam

colocado a sua cabeça a prêmio.

Candinho ordenou que alguém que não fosse

conhecido na área, seguisse até a Colônia para fazer um

serviço de espionagem. Queria saber mais detalhes sobre a

movimentação do Alferes Boaventura. A Escolta Policial

tinha que ser posta a correr, de volta a Torres, porém sem

matar ninguém.

A iniciativa de Candinho deu resultados, pois em

poucos dias o espião retornou com importantes

informações:

1 – A Escolta Policial está, no momento,

aquartelada no sobrado do falecido pastor Voges.

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2 – A Escolta foi convocada pelo Juiz da Paz

para lhe conceder segurança na celebração de um

casamento a se realizar na localidade de “Chapéo”.

Os policiais aceitaram a tarefa e o alferes haverá de

ir pessoalmente acompanhado de quatro soldados.

3 – Os integrantes da Escolta são apenas dez

homens, todos uns meninos alguns com menos de

vinte anos de idade.

Candinho aproveitou para explicar como uma descida

em massa, de todo o Esquadrão Josaphat teria sido

estúpida. Seria um combate com um grupo de meninos.

Apenas seriam feitas vítimas, de forma inútil. Em Porto

Alegre o assunto seria utilizado para comprovar que na

Serra do Pinto estariam escondidos apenas bandidos

sanguinários.

A morte de um revolucionário federalista, como fora

o caso do Sargento Gralha, com certeza havia sido

aplaudida, pelo Governo, como sendo um ato em nome da

Justiça. Entretanto a morte de Sargento Gonçalves

continuava sendo explorada como um crime perverso

praticado contra um militar enviado pelo Governador.

Candinho reuniu apenas quinze dos seus melhores

homens, integrantes do Pelotão Protestante, de Três

Forquilhas. Eles o acompanhariam até localidade do

“Chapéo”.

Alferes Boaventura na sua inexperiência, nem queria

pensar em alguma iniciativa de Baiano Candinho. Convidou

quatro soldados, para o acompanharem ao local, da festa do

casamento. Os outros cinco deviam ficar, de serviço, em

prontidão no aquartelamento do sobrado dos Voges.

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A fuga do Alferes Boaventura

Ao anoitecer, o Juiz da Paz José Jacob Tietboehl

conduziu um ato solene para a união dos noivos, na casa de

Antônio Nunes, no Chapéo. Em seguida, o dono da casa

anunciou o início da festa.

Candinho nestas alturas já se encontrava no local,

protegido pela escuridão, em meio a um arvoredo próximo.

Desceu do cavalo, tirou as duas pistolas e as colocou no

bornal junto à sela e prendeu a espada e a arma de cano

longo junto à sela. Recomendou que Luis da Conceição

fosse aos fundos da moradia, junto aos galpões para

providenciar o recolhimento de armas e cavalos do alferes e

dos soldados. Lá já encontraria uma pessoa anteriormente

designada, que saberia indicar o local onde as armas e

cavalos estariam guardados.

Baiano Candinho, desarmado, foi então caminhando

tranquilamente na direção da casa. Bateu palmas e, o

próprio dono da casa Antonio Nunes veio a porta para saber

quem era. Logo reconheceu Candinho, pois haviam vivido

em boa vizinhança em tempos antigos, quando o nordestino

trabalhara como capataz na propriedade do quase vizinho

Paraguaio Gross. O dono da casa vendo Candinho

desarmado abriu os braços, revelando satisfação e logo foi

dizendo: - “Vem chegando Candinho, que aqui sempre há

lugar para um amigo, mais ainda em dia de casamento e de

festa”.

Os dois entraram, e o senhor Nunes foi indicando

uma cadeira livre, numa das extremidades onde se

encontravam os noivos e familiares. Na ponta oposta estava

o Juiz da Paz, castilhista ferrenho, que cerrou o semblante,

ao reconhecer o recém chegado.

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O Juiz da Paz, em dado momento, levantou-se

discretamente e foi conversar com o alferes Boaventura.

Explicou: - “Candinho está aqui, desarmado... não podemos

perder essa oportunidade para agarrá-lo, assim que ele sair

dessa casa. Providencie para que os soldados saiam e se

posicionem, junto da porteira, à margem da estrada, pois

ele terá que sair por lá...”.

Enquanto o Juiz da Paz voltava ao seu lugar, o

alferes orientou os soldados sobre a ação. Em primeiro

lugar um deles deveria ir ao galpão para verificar as armas

e selar os cavalos, para, em seguida, se posicionar junto à

porteira, aguardando a sua chegada em companhia dos

outros três militares.

O soldado levantou-se e discretamente, buscou a

saída para os fundos da casa, através da cozinha.

Filho de Candinho pede benção

Em certo momento, no transcorrer da festa, um

menino entrou na sala e dirigiu-se a Candinho, dizendo: -

“A benção, pai!”.

Candinho sorriu e respondeu: - “Deus o abençoe,

meu filho Manoel Candinho”.

O fato não despertou nenhuma curiosidade das

pessoas presentes à mesa, pois sabiam que a criança era

um dos filhos de Candinho, que ele tivera com a amante

Maria Gaspar. Essa mulher era viúva do ex-militar Brummer

Luis Stahlbaum falecido fazia mais de dez anos. A

propriedade da viúva ficava próximo da Ferraria de Wilhelm

Brehm, no núcleo sudeste da Colônia, portanto não muito

longe da localidade do Chapéu. A viúva estava na cozinha e

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liderara os preparativos da festa e agora comandava um

grupo de serviçais que serviam as mesas. Ela não aparecera

no recinto, porém enviou o menino para levar uma

mensagem para Candinho. Por isso o menino, depois de

pedir a benção ainda falou: - “Trago-lhe o recado de que o

serviço solicitado já foi feito...”.

Candinho sorriu fez um afago no pequeno, que saiu

do recinto. Enquanto isso, o soldado enviado para preparar

armas e cavalos retornou com ares de grande aflição e

segredou no ouvido do alferes: - “Comandante, as nossas

armas e os nossos cavalos sumiram... Além disso, observei

que há um movimento estranho em meio de um arvoredo,

com resfolegar de cavalos e pessoas pitando palheiros.

Devem ser os bandidos do Candinho”.

O alferes levantou-se e foi falar com o Juiz da Paz, e

aos sussurros, mas aflito, foi explicando que armas e

cavalos deles haviam sumido do galpão. Em seguida voltou

para junto de seus soldados e orientou: - “Três de nós saem

pela cozinha, pegam o milharal e vão para a sede da

Colônia buscar o reforço de nossos cinco companheiros.

Enquanto isso eu e meu ajudante de ordens sairemos pela

porta da frente. Buscaremos a estrada para seguir ao porto,

onde iremos aguardar a chegada de vocês”.

O tenente e seu ajudante saíram do recinto, pela

porta da frente, sem se despedirem, para dar a impressão

de normalidade, como se apenas estivessem buscando o

ambiente externo da casa. Os dois caminhando

vagarosamente rumo à porteira e, alcançando a estrada

saíram em desabalada corrida, tomando rumos diferentes.

Luis da Conceição, no comando do grupamento

maragato, identificando o Alferes Boaventura, ordenou: -

“Todos atrás do militar que está correndo para o sul.

Precisamos agarrá-lo, pois que Candinho quer ter uma

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conversa com ele. Porém, lembrem que ninguém saia

ferido, muito menos causar a morte desse alferes”.

Os cavaleiros saíram do meio do arvoredo onde

estavam escondidos e iniciaram a perseguição ao alferes. O

fugitivo estava com uma boa dianteira e em seguida decidiu

sair da estrada, tomando o rumo de um matagal próximo.

Um dos perseguidores, já bem próximo do fugitivo, vendo

que o mesmo estava prestes a se embrenhar no matagal

decidiu desferir um tiro nas pernas do mesmo. O homem

não era bom de pontaria, pois errou o disparo que foi um

pouco mais alto atingindo o braço do alferes. Porém o

ferimento não impediu que ele se embrenhasse no matagal,

ficando logo fora do alcance dos cavaleiros.

O outro soldado tomou rumo oposto e não foi

perseguido. Entretanto assim mesmo entrou através de um

potreiro, procurando se encaminhar ao destino fixado, ou

seja, o porto do rio Três Forquilhas.

Constatando a fuga do alferes, Luis da Conceição

repreendeu o atirador e avisou: - “Faça votos que os tiros

não tenham ferido o alferes, pois isso deixará o Candinho

muito incomodado”.

Na morada de Antonio Nunes o disparo feito por

arma de fogo foi ouvido por algumas pessoas. O Juiz da Paz

que estava muito atento para qualquer ruído foi o primeiro

a se levantar e tomou a dianteira para sair e se encaminhar

até a porteira. Os archotes acesos lançavam uma pálida luz,

iluminando o gramado e as imediações. Mas o silêncio agora

era intenso e nada se anormal podia ser percebido. Apenas

o dono da casa comentou com Candinho: - “Estou notando

a ausência dos soldados da escolta...”. Depois,

aproximando-se do Juiz da Paz repetiu o mesmo

comentário.

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Tietböhl explicou: - “Com certeza eles desconfiaram

de alguma presença indesejada e foram verificar se a

bandidagem anda solta por aí”.

Os três retornaram para o recinto da festa e a quase

maioria dos convidados não demonstrou a menor

preocupação com os tiros distantes que alguém dissera ter

ouvido. As danças seguiram animadas, noite adentro.

Candinho foi o primeiro a se despedir, dizendo aos

noivos e ao dono da casa: - “Já é hora de buscar o caminho

para o local que escolhi para passar a noite”.

O cavalo do nordestino continuava amarrado no

mesmo local onde o deixara, em meio ao arvoredo. Não

havia mais viva alma por ali e tranquilamente saiu porteira

a fora. Não longe dali, talvez a um quilômetro e meio

reencontrou-se com o seu grupamento Ficou muito

contrariado ao tomar conhecimento que os homens não

haviam agarrado o alferes e que um dos seus desferira um

tiro na direção do fugitivo. Diante disso, com severidade,

alertou: - “Só espero que tenha sido bem ruim na pontaria,

pois o que menos serve neste momento da Revolução é o

derramamento de sangue dos nossos adversários”.

O Juiz da Paz revelava uma grande preocupação com

a situação estranha, do sumiço de sua escolta. Decidiu

permanecer na festa com a desculpa: - “Os policiais devem

retornar a qualquer momento e por isso, vou aguardar por

eles neste lugar ao qual me escoltaram”.

O Juiz saiu somente ao amanhecer, ao clarear de

outro dia, acompanhando um grupo de convidados

retardatários que iam para a direção que ele também

precisava tomar.

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260

Enquanto isso, os outros três soldados aproveitaram

a confusão, e fugiram através de um milharal, nos fundos

da casa. Desta forma não mais puderam ser vistos pelos

homens de Candinho. Os três fugitivos nada mais

desejavam saber, de realizar o serviço policial. Ao invés de

procurar os companheiros na sede da Colônia, aquartelados

na antiga casa pastoral, decidiram rumar, de retorno a

Torres, sem cavalos e sem armas. Formavam, sem dúvida,

uma triste figura e não souberam conceder explicações

satisfatórias a respeito dos acontecimentos.

Quanto ao Alferes Boaventura, ele fora ferido, pois o

tiro acertara o seu braço, quebrando um osso. Estava

perdendo sangue. Com grande dificuldade alcançou o Porto

dos Diehl, na margem do rio.

O Alferes recebeu socorro de um dos funcionários da

Empresa de Navegação de José Adolfo Diehl que entendia

de enfermagem. Constataram que o Alferes necessitava de

cuidados médicos por causa do osso quebrado. Por isto

prepararam uma embarcação e o conduziram até Torres,

para ali receber melhores cuidados.

Já noite, Baiano Candinho depois de sair da festa,

seguiu até a sede da Colônia, da forma mais silenciosa

possível. Não desejavam acordar os moradores.

Chegaram diante do sobrado, do falecido pastor. Não

havia nenhuma luz de pixirica, que pudesse revelar a

presença de algum polícia de plantão.

Alguns homens entraram na casa, pois a porta não

estava chaveada. Não havia viva alma ali. Não havia nem

armamento e nem utensílios dos soldados.

A tropa de Candinho não sabia que o alojamento do

Alferes, na verdade não tinha ligação com a parte principal

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do sobrado. Era apenas um quarto, com porta para os

fundos e que antigamente servira como alojamento, do

professor da Escola Protestante.

Quanto aos outros cinco soldados, eles estavam

dormindo no galpão, certamente em sono firme. Não

ouviram nada e escaparam assim da humilhação de serem

postos a correr, sem farda, sem cavalos e sem armas.

Baiano Candinho reuniu o efetivo e com o mesmo

silencio como haviam chegado, se retirou, seguindo rumo a

Serra do Pinto. Candinho sabia muito bem o que era uma

guerra. Porém insistia em dizer que uma Revolução era

ainda pior. Por isto era preciso manter a cabeça fria. Era

preciso evitar que inocentes viessem a pagar pelo ódio dos

insanos.

Ele retornou satisfeito, pois o Pelotão Três Forquilhas

tivera a desejada oportunidade para aplicar uma lição em

represália à morte do Sargento Gralha E, o mais

importante, o trabalho havia sido realizado sem tirar a vida

de ninguém. Quando o dia amanheceu, a notícia da fuga de

Alferes Boaventura foi trazida a sede da Colônia de Três

Forquilhas. Além de Boaventura, também os seus quatro

integrantes da escolta ao Juiz da Paz, não retornariam mais.

Surgiu um grave dilema para os outros cinco.

Estavam amedrontados e sem comando. Em virtude disso,

não quiseram mais permanecer no local. Reuniram seus

pertences e armas, montaram os cavalos, e rumaram de

retorno para Torres.

Uma grande calmaria se projetou sobre toda a

Colônia. Não se viu mais nenhum movimento de gente

armada, que pudesse denotar ser tempo de Revolução.

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HERMENEGILDO NA BOA UNIÃO

Certo dia apareceu na Boa União um jovem professor

com um pezuelo recheado de livros e roupas, no lombo do

cavalo. Ele vinha com a tarefa de reativar a escola dessa

localidade. O professor logo foi avisando: - “O Governo me

contratou para novamente fazer funcionar a escola da Boa

União”.

Por diversos anos aquela escola ficara abandonada,

pois não aparecera professor disposto a trabalhar naquele

ermo ou fundão como outros diziam, além do receio da

epidemia e da presença de bandidos.

Ninguém entendia como é que um jovem promissor

vinha assumir uma escola tão precária. O fato é que

ninguém sabia que o Coronel Álvaro Capaverde do 16º RC

de Torres se empenhara para colocar um professor na Boa

União, porém com um serviço duplo. Capaverde necessitava

de alguém em condições de realizar um discreto serviço de

espionagem ou de coleta de informações sobre a presença e

de ações planejadas pelos revolucionários federalistas que

ali haviam recrutado combatentes para a formação do

bando do Candinho. Eles não sabiam da existência de um

esquadrão completo e continuavam falando em bando de

bandidos.

Professor Hermenegildo Prudêncio Torres, formado

em magistério na Capital da Província, era também um

alferes do 16º RC. Porém o nome dele não ficara

relacionado no efetivo militar. Havia sido preparado para

exercer um serviço de espionagem e, para tanto,

frequentara um curso militar rápido, ministrado por oficiais

do serviço de informações do General Artur Oscar, enquanto

este esteve acantonado na cidade de Torres.

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263

Antes do envio do professor Hermenegildo para Boa

União, aconteceu uma reunião secreta no quartel do 16º

RC, para oficializar o envio. O encontro contou com a

presença de Carlos Frederico Voges Sobrinho e Christovam

Schmitt.

Professor Hermenegilgo foi apresentado para ser

conhecido pelos chefes republicanos de Três Forquilhas. O

jovem professor estava descaracterizado, ou seja, sem

uniforme militar, mas vestindo um simples traje civil, com

um cabelo basto e cavanhaque.

Coronel Capaverde explicou ao professor: -

“Apresento-lhe o chefe republicano de Três Forquilhas e o

escrivão da sede de Três Forquilhas, do lado arroiense. A

eles você somente poderá recorrer em última hipótese.

Melhor será fazer de conta que nunca os viu e nem sabe

quem eles são. O seu contato sempre será através de um

homem de ligação que nós colocamos para transitar

naquela área, regularmente e se apresentará como sendo

um caixeiro viajante especializado na venda de material

escolar. Ele oferecerá material a baixo custo dizendo que o

mesmo é patrocinado parcialmente pela Intendência de

Torres. Os relatórios a serem elaborados serão cifrados

conforme as instruções recebidas e serão entregues a esse

homem de ligação. Para quem olhar o relatório parecerá

uma simples descrição da situação escolar na Boa União.

Professor Hermenegildo estava muito tranquilo, pois

se sentia bem preparado para a dupla tarefa. Ele sabia que

teria que colher informações com a maior naturalidade,

prestando atenção nas conversas das crianças ou nos

diálogos que viesse a estabelecer com os pais de alunos,

para resolver eventuais problemas nos estudos, com

doenças e ou eventuais dificuldades das famílias.

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AÇÃO DO 16° RC É REFORÇADA

Em novembro de 1894 o 5º Esquadrão do 16º RC,

sob o comando do major João José de Barros foi deslocado

para a Colônia de Três Forquilhas com o objetivo de

demonstrar força e mostrar a presença castilhista na área,

pois agora já sabiam que a força de Candinho era muito

superior ao que imaginavam.

O 5º Esquadrão acampou no sobrado que fora do

pastor Voges e agora propriedade do escrivão Capitão

Christovam Schmitt. O escrivão ainda se mantinha instalado

na casa do sogro, pois desejava fazer algumas reformas na

casa antes de voltar a ocupá-la.

Em dezembro do mesmo ano o Coronel Capaverde

ordenou que mais dois esquadrões fossem se juntar ao 5º

Esquadrão. Vieram o 3° e o 4° Esquadrões, ficando o

efetivo todo sob o comando do major Zeferino de Macedo

Couto que fixaram mais dois pontos de base para

acantonamento. O major Zeferino acampou nas

proximidades do Sítio da Figueira, montando barracas à

margem do rio. Outro efetivo seguiu até a Boa União

acantonando nas proximidades do sobrado de João Pedro

Jacoby Júnior.

Jacoby havia sido maragato e estranhou essa

presença maciça de castilhistas junto à sua propriedade.

Em fevereiro de 1895, Coronel Capaverde depois de

agitar a Colônia com esse maciço movimento de soldados,

num vaivém pelos diferentes recantos, chamou o efetivo de

volta a Torres, pois se desentendera com o major Zeferino e

desejava que o mesmo buscasse transferência para outra

cidade onde houvesse um aquartelamento militar.

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265

Para guarnecer o vale do rio Três Forquilhas

permaneceu o 3° Esquadrão, deixado sob o comando do

jovem Tenente Frederico Maximiliano Tietböhl, conhecido

pela alcunha de Max Tiba. Este era filho do professor,

regente e maestro Christian Tietböhl que perecera nas

águas da Lagoa Pinguela em 1° de junho de 1894.

O Coronel Capaverde desejava valorizar o jovem

oficial e dar-lhe destaque diante da população de sua terra

natal

Federalistas torrienses espionam

O capitão federalista Ignácio Machado fixara a sua

base num ponto ermo entre a Serra do Faxinal e o Morro do

Forno. Ele sofrera ultimamente diversos reveses através de

ataques surpresa efetuados por piquetes do 16º RC. Por

este motivo desejava uma desforra para vingar seus

companheiros mortos. Ele passou a colocar espiões para

espionar todos os movimentos do 16º RC e soube da

intensa movimentação de tropas em Três Forquilhas.

Ignácio Machado contava com talvez trinta homens,

menos que um terço da numerosa tropa comandada por

Baiano Candinho. Mesmo assim ele conseguia levar sustos e

intranquilidade por onde quer que passasse, sempre

buscando o fator surpresa para o seu lado.

Quando o major Zeferino, do 16º RC voltou a Torres,

permanecendo apenas um pequeno efetivo de trinta

homens, colocados sob o comando do Tenente Max

Tietböhl, estava surgindo a oportunidade aguardada.

Capitão Ignácio Machado soube que os trinta homens

comandados pelo Tenente Tietböhl ficavam divididos em

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dois postos distintos, com 10 homens fixos nas imediações

do sobrado da Boa União e outros 10 fixos no ancoradouro

do rio Três Forquilhas, e os outros 10 homens para fazer o

serviço de patrulha móvel. O propósito de Ignácio Machado

era de causar o maior número possível de baixas aos

castilhistas.

Max Tietböhl, pego de surpresa

Era o dia 2 de março de 1895. O Tenente Max

Tietböhl estava ali, na casa paterna, muito feliz pelo fato de

poder guarnecer a sua terra natal.

Ele ocupara a casa dos pais, por estar ainda

desabitada, mas toda mobiliada, assim como ficara quando

os velhos haviam partido para a última viagem deles. A

casa se situava no lado torriense, próximo ao Sítio da

Figueira, apenas no lado oposto do rio.

Max Tietböhl passava o maior tempo possível na

casa, pois a considerava seu lar, ainda nem casara e não

tinha namorada em vista. Essa residência ficava a meio

caminho entre os dois postos fixos de sua tropa, entre Boa

União e o Ancoradouro.

Quando a patrulha móvel subia ou descia,

observavam para ver se o comandante deles ali se

encontrava e iam se apresentar a ele. Capitão Ignacio

Machado tomou conhecimento dessa situação e assim veio

chegando com seus homens através de uma trilha que

vinha do Morro do Forno e dava para os fundões do Morro

do Chapéu. Ele contornou o Chapéu e desceu pela trilha que

desemboca na estrada principal a talvez 400 metros da casa

de Max Tietböhl. A intenção agora era muito mais de abater

o comandante do Esquadrão que seria pego de surpresa e

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talvez desprevenido. De fato, Tenente Max estava bem

despreocupado, bem à vontade, sem seu dólmã e trajando

apenas a calça do uniforme. Decidiu fazer a manutenção de

sua arma de cano longo. Desmontou-a com a intenção de

lubrificá-la.

Ele estava entretido nessa atividade quando escutou

o trotear de diversos cavalos e imaginou, a princípio, que

eram os homens da patrulha móvel retornando da Boa

União. Vestiu a jaqueta militar e foi até a porta, visando

facilitar as coisas para os homens que desejavam se

apresentar e dizer que tudo estava em ordem. Surpreso

constatou que ali chegavam revolucionários federalistas, em

número elevado, talvez um pelotão completo.

Max volveu-se entrando na casa e trancando aquela

porta, enquanto buscava suas pistolas e afivelava a espada

embainhada na cintura. Capitão Machado deu ordens para

que a casa fosse cercada e invadida. Ele mesmo desejava

abater o tenente e por isso rebentou a porta e foi entrando.

O primeiro tiro desferido por Max foi direto na testa

do invasor que caiu, estrebuchando. Já os demais foram

entrando por janelas e pela porta dos fundos. Max ficou de

costas contra a parede da sala, esperando pelos inimigos.

Nesse meio tempo, pelo outro lado do rio, vinha a

patrulha móvel descendo da Boa União. Tinham tomado

naquele dia a estrada do outro lado do rio por considerá-la

melhor e já se encontravam na altura do Sítio da Figueira

quando escutaram aquele tiro. Eles apressaram os cavalos e

a galope se movimentaram até o passo do rio, quando

foram notados. Iniciou um tiroteio e os integrantes da

patrulha se viram em número bem inferior aos atacantes e

decidiram retornar, na decisão de buscar reforços no posto

fixo do Ancoradouro, para somente então enfrentar os

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revolucionários. Alguém do efetivo falou: - “E o nosso

Comandante, estará ele na casa?”.

Outro respondeu: - “Certamente que não, pois ele

ficou de ir ao Ancoradouro, nesta tarde”. E saíram todos em

galope disparado, rumo ao posto do Ancoradouro.

Tenente Max ficou em situação insustentável. Se no

primeiro momento ele respirou aliviado ao ouvir a troca de

tiros, pensando que a patrulha móvel iria conceder-lhe

apoio, enganou-se. O tiroteio parou e os atacantes voltaram

a se ocupar com ele, retornando de novo pela janela e pela

porta dos fundos, invadindo a casa.

Agora eram de novo em torno de quase 30 contra

um. De pistola em punho e a espada na outra mão foi agora

avançando na direção dos revolucionários mais próximos.

Com outro tiro certeiro ele abateu Agapito Ramos, o

ajudante de ordens do Capitão Machado, agora ali estirado,

morto.

Max passou a espada para a mão direita e desferiu

um golpe sobre a mão de outro agressor. O revolver e

alguns dedos deste voaram para um canto da sala e o

sangue passou a jorrar. Agora havia somente uma saída

para Max. Seria o corpo a corpo. Ele puxou da faca que ele

trazia na cintura e foi acertando agressores à sua volta,

ferindo seriamente diversos deles.

Tenente Max estava agora bastante vulnerável e logo

passou a receber disparos de tiro de pistola, quase à

queima roupa. Foram inúmeros os tiros e ele tombou sobre

o soalho de sua residência, inerte.

Os inimigos cercaram o seu corpo e deram-lhe

alguns chutes para se certificaram que ele de fato morrera.

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Os revolucionários, de repente, foram em busca do

corpo do Capitão Machado e se certificaram que morrera.

Também Agapito estava ali sem vida e diversos homens

gravemente feridos. Olharam agora com respeito para o

corpo do Tenente Max e alguém falou: - “Este foi um

valente!”.

Os atacantes amedrontados, temerosos pela

possibilidade da vinda de reforços dos castilhistas, bateram

em retirada, a galope, deixando para trás os cadáveres de

Machado e de Agapito. Levaram somente os feridos e

tomaram novamente o mesmo caminho, para encetarem a

fuga através da trilha do Chapéu.

Companheiros chegam tarde

Somente quarenta minutos mais tarde voltavam os

cavalarianos castilhistas, já tomados de profunda

ansiedade, pois constataram que o Comandante não

estivera no posto militar do Ancoradouro.

Triste foi o quadro que eles encontraram na velha

casa dos Tietböhl O Tenente estava morto, deitado numa

poça do seu próprio sangue. Mas na porta de entrada viram

e reconheceram o Capitão Ignacio Machado, morto. Num

ponto da sala viram o cadáver do Agapito Ramos e

disseram: - “O nosso comandante foi um valente, pois

acabou com as duas cabeças desse bando de facínoras”.

Eles depararam com muito sangue espalhado em

diversos pontos como sinal evidente que diversos outros

revolucionários saíram com graves ferimentos. Num canto

da sala viram uma pistola com um dedo no encaixe do

gatilho e outros dois dedos, caídos ao lado da arma. Alguém

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saíra com os principais dedos da mão direita decepados e

nunca mais voltaria a empunhar uma pistola.

A providência imediata foi de levar ao conhecimento

do Comandante de Torres a terrível tragédia, da morte do

Comandante do 3º Esquadrão do 16° RC, tenente Frederico

Maximiliano Tietböhl. Notificaram também a respeito dos

dois cadáveres, de chefes do bando revolucionário.

O herói de Três Forquilhas

Os curiosos foram chegando até a casa que fora

morada do professor Christian Tieböhl. Também os irmãos e

vizinhos e moradores do outro lado do rio vieram para

buscar informações, assim que o tiroteio e o barulho da

refrega haviam terminado.

FIGURA 29: Tenente Frederico Maximiliano Tietböhl, o Max Tiba, com trinta anos de idade. Filho de Três Forquilhas e Herói Republicano. Recebeu

o comando do 3° Esquadrão do 16° RC. Fonte: Gravura do Arquivo da Família Voges.

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Carlos Frederico Voges e José Jacob Tietböhl ficaram

trocando impressões sobre os possíveis procedimentos para

o sepultamento do tenente Max.

De uma coisa eles tinham certeza, que o Coronel

Álvaro Capaverde jamais admitiria que o ofício fúnebre

viesse a ser dirigido pelo Major Adolfo Felipe Voges, um

líder maragato. Seria temerário colocar o major Voges

nessa situação, pois poderia acontecer dele receber voz de

prisão, diante da revolta da qual o comandante militar

deveria estar acometido.

Carlos Voges opinou: - “Eu não me sinto em

condições de conduzir um ofício fúnebre e não conheço

ninguém além do meu pai, aqui na Colônia, em condições

de assumir essa tarefa”.

José Jacob Tietböhl respondeu: - “Eu igualmente não

tenho e nunca tive aptidão para essa esfera da atividade

religiosa. Acompanhei o meu pai tantas vezes e ficava

admirado com a desenvoltura dele, para falar com o povo.

Mas, afinal ele era um mestre e dos melhores. Quanto ao

que disseste a respeito do teu pai, também acho que o

Major Voges nem deveria aparecer no velório e nem ao

sepultamento. Temos que aguardar a vinda do Comandante

do 16º RC. Por enquanto ninguém poderá mexer no corpo,

pois eles querem efetuar a autópsia de praxe e sei que

trarão um médico para fazer isso”.

Carlos Voges finalizou: - “Temos agora o nosso herói

republicano de Três Forquilhas!”.

Depois, colocando a mão sobre o ombro do amigo,

corrigiu: - “Peço desculpas, pois pode dar a impressão que

eu fico satisfeito com essa morte do teu querido irmão”.

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272

José Jacob Tieböhl ficou com lágrimas nos olhos e

falou: - “Não há necessidade de me pedir desculpas, pois

sei o que o amigo está pensando. Eu fico orgulhoso por este

meu irmão, tão valente e que vendeu bem caro a pele

dele”...

O velório de um bravo

Grande foi mais uma vez a consternação entre a

população do vale do rio Três Forquilhas, com tantas mortes

chocantes, ocorridas nos últimos tempos.

A morte do Tenente Frederico Maximiliano Tietböhl

dentro de sua própria casa, numa área nobre da Colônia

despertou grande revolta e posições exacerbadas contra os

revolucionários federalistas. Os federalistas foram todos

colocados sob severa condenação, declarados como sendo

meros bandidos desqualificados.

Carlos Voges procurou os oficiais do Estado Maior do

16º RC assim que eles chegaram ao local e sugeriu: -

“Considero que aqui não será um bom lugar para velarmos

esse filho da nossa terra que tombou no cumprimento de

sua tarefa militar. Por isso venho oferecer o Sítio da

Figueira que fica bem ali, no outro lado do rio. Sugiro que

levantem uma tenda grande, dessas que se encontram no

ancoradouro, para ali ser colocado o ataúde do oficial e

permitir que façam a guarda solene, com velório aberto

para todo o povo”.

Os oficiais confabularam por alguns instantes e em

seguida confirmaram o procedimento como adequado para

a finalidade prevista.

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Os militares buscaram a tenda ou uma espécie de

barraca grande e a levantaram sob a figueira maior. Foi

constituída uma guarda de honra fúnebre. Jovens soldados

trajando suas fardas de gala e munidos de arma, se

revezavam na vigília noturna, ao lado do caixão.

Carlos Voges colocou o seu grande galpão ao dispor

onde estavam armados estrados que normalmente serviam

de catre para os peões, que ali pernoitavam e mostrou o

lugar onde se encontravam cuias, bombas, chaleiras e erva

mate.

Grande foi o movimento de integrantes do 16° RC

que vieram de Torres para o último adeus. Também muitos

moradores de diferentes pontos do vale iam e vinham,

trazendo palavras de conforto para a numerosa família

Tietböhl, muito benquista na localidade.

Na grande sala de visitas da casa de Voges foi

armada uma enorme mesa onde era servido café,

acompanhado de rosca de polvilho e charque cozido, em

pequenas fatias. Ali se reuniram os oficias do efetivo.

Durante a noite chegou o comandante do 16º RC,

coronel Álvaro Capaverde que se uniu ao seu Estado-Maior.

A sua primeira orientação foi para com o dono do Sítio da

Figueira, dizendo: - “Em primeiro lugar agradeço pela

acolhida em sua propriedade para realizarmos o velório do

nosso bravo Tenente Frederico Maximiliano Tietböhl. Em

segundo lugar quero solicitar que não se faça nenhuma

cerimônia fúnebre em língua alemã devido ao fato de nós

estarmos em época de revolução e é importante que

possamos saber e entender tudo o que for feito e falado.

Para evitar problemas neste sentido sugiro que seja feita

uma cerimônia militar que, é evidente, meus oficiais

haverão de conduzir. Como é de praxe em nosso meio

militar nós sempre optamos pelas cerimônias simples e

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274

rápidas. Espero que isto seja compreendido pela sua

congregação protestante, cujos adeptos também aqui estão

em grande número, para prestar suas homenagens”,

Carlos Voges tranquilizou o Coronel Capaverde,

explicando: - “Os dirigentes gerais da minha igreja

protestante, em São Leopoldo, enviaram um novo pastor

para nós, porém ele deve estar, nesta hora, na Capital da

Província de onde irá despachar o seu baú de livros que

chegou da Alemanha e mais suas malas e pertences. Sei

que esse nosso novo pastor nada entende da nossa língua

nacional, e teria dificuldade de atender a sua exigência.

Portanto, nesta hora não teremos nenhum clérigo presente,

em condições de realizar o ofício fúnebre. Concordo de bom

grado que se faça um sepultamento simples com a presença

da nossa Banda de Música da nossa Colônia que estava sob

a regência do saudoso maestro e regente professor

Christian Tietböhl, aliás, que era pai do jovem tenente

morto. Também nós integrantes da Sociedade dos

Cavaleiros do Vale pretendemos fazer uma singela

homenagem. Falarei com os dirigentes da minha

Comunidade de Fé na qual o meu pai atua como principal

condutor desde a morte do meu avô. Tenho certeza que a

minha gente haverá de entender muito bem esta situação

extraordinária que acontece nestes tempos tumultuados da

Revolução”.

Cerimônia fúnebre sob a figueira

No dia seguinte, bem cedo, os integrantes do 16º RC

organizaram uma singela cerimônia fúnebre, momento em

que o Coronel Capaverde usou a palavra, dizendo: -

“Estamos todos chocados com este ato covarde praticado

contra um dos mais bravos oficiais do efetivo sob o meu

comando. Um jovem promissor, inteligente e dedicado aos

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estudos e ao cumprimento da missão militar. Filho de uma

família ilustre deste vale, aqui nasceu em 1865. Ele deve

ser visto por nós como um verdadeiro herói, pois sozinho

enfrentou 30 bandidos federalistas e soube mostrar para

eles o valor do nosso soldado republicano. Para encerrar

ordeno que o oficial encarregado leia a Ordem do Dia

contendo o meu elogio que escrevi para o Tenente Frederico

Maximiliano Tietböhl que serviu no 3º Esquadrão do 16º

Regimento de Cavalaria, de Torres, sob o meu comando”.

Depois da leitura do elogio foi também lido um

telegrama enviado pelo Comando Militar do Rio Grande do

Sul, recebido no quartel de Torres, através do serviço de

telégrafo.

Aproximou-se um grupamento de militares que sob

voz de comando perfilaram diante do caixão e depois

fizeram uma salva com tiro de festim.

Foi trazida uma carroça militar, enfeitada com flores

e puxada por quatro cavalos brancos, para nela ser

colocado o caixão, coberto pela Bandeira do Brasil.

O féretro saiu rumo ao Cemitério do Passo. Logo

atrás da carroça ia o Comandante do 16° RC e seu Estado

Maior seguidos de diversos esquadrões, de cavalarianos. Em

seguida juntaram-se cavaleiros do vale, em particular o

Ritterverein, tendo a testa Carlos Voges e ao seu lado o

cunhado Christovam Schmitt.

Um sepultamento singelo

Conforme já foi dito, a Comunidade Evangélica de

Três Forquilhas estava ainda sem pastor e nenhum líder da

Comunidade teria condições de tomar alguma iniciativa para

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um momento de fé. O único líder com a desenvoltura

adequada teria sido o major Adolfo Felipe Voges, mas o

nome dele nem podia ser pronunciado nesta ocasião, pois

era tido como um adversário dos republicanos e castilhistas,

conhecido como o chefe liberal e maragato de Três

Forquilhas a mais de três dezenas de anos. Deste modo o

sepultamento do Tenente Maximiliano Tietböhl foi muito

singelo.

Felizmente a Banda de Música de Três Forquilhas

compareceu ao local, mesmo sem seu maestro que morrera

afogado fazia nove meses, no naufrágio da Lagoa Pinguela.

Esse maestro que fora o pai do Tenente Max Tietböhl e que

certamente teria passado enorme dificuldade para reger os

músicos se vivo ainda estivesse. A Banda de música

aproximou-se e passaram a executar uma marcha militar

prussiana.

Chegando diante da cova, o comandante Álvaro

Capaverde ordenou: - “Eu gostaria muito que alguém

rezasse um Padre Nosso em favor do nosso Tenente morto.

Peço que um dos oficiais aqui presentes que tenha afinidade

com as coisas da fé e da religião venha até aqui e nos

conduza nessa prece”.

Certamente muitos moradores de Três Forquilhas

lembraram-se dos serviços prestados nos últimos tempos

pelo Major Voges e antes contando com a ajuda do

professor Christian Tietböhl. Este último estava morto,

porém Voges estava no refúgio sagrado de seu lar, ao lado

de Bina Rosina, sem poder aparecer em público. Ele

recebera de seu filho Carlos e do genro Christovam Schmitt

a recomendação rigorosa, com a proibição de sair de casa,

para não se deixar ver.

O filho do major Voges dissera: - “Pai, quem não é

visto, não é lembrado. E eu temo pela sua integridade física

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e pela sua vida, pois neste momento todos os republicanos

estão por demais revoltados com os revolucionários

federalistas que estão sendo tachados de bandidos e de

covardes. Sei que você, pai, não é federalista, porém foi por

dezenas de anos o chefe liberal e maragato em nosso lugar.

Todos sabem disso, o Coronel Capaverde e seus oficiais. Por

favor, fique no refúgio do seu lar, que isso é pela sua

segurança”.

Major Voges com toda a certeza devia estar

desconsolado e triste, por ser impedido de livremente ir ao

velório e ao enterro de pessoa falecida que era integrante

da comunidade. Era muito triste estar impedido de levar

uma palavra de conforto espiritual, em nome da

Comunidade, para a família enlutada.

Um jovem oficial do 16° RC que não era filho desse

vale e era do credo católico, adiantou-se e falou: - “Fui

coroinha e sei rezar bem um Padre Nosso!”. Em seguida

passou a realizar a prece.

No momento em que o caixão foi baixado à sepultura

Carlos Frederico Voges Sobrinho aproximou-se com a

bandeira do Ritterverein e procedeu como de praxe quando

algum dos cavaleiros da sociedade era sepultado.

Na verdade, o jovem Maximiliano sempre participara

das atividades e torneios da Sociedade, desde jovem, em

companhia de seu pai e de seus irmãos. Portanto ele fazia

jus à homenagem.

Carlos Voges inclinou três vezes a bandeira sobre o

caixão e exclamou: - “Que a vitória seja da lealdade de

todos nós!”.

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Os cavaleiros perfilados na lateral do cemitério

agitaram as lanças que eles portavam e responderam: - “À

vitória da lealdade, vivaaa!”.

Coronel Álvaro Capaverde veio e estendeu a mão

para cumprimentar Carlos Voges e o escrivão Christovam

Schmitt, líderes republicanos que ele já conhecia e os

elogiou, dizendo: - “Apreciei muito este vosso cerimonial de

homenagem e de despedida, ao cavaleiro que morre fiel ao

seu ideal. Agradeço, pois por esta justa homenagem que

acabaram de fazer para este nosso herói de Três Forquilhas,

que foi um oficial valoroso do nosso 16º Regimento de

Cavalaria, de Torres”.

Os esquadrões do 16º RC saíram um após o outro,

rumo ao aquartelamento de Torres. Ficaram para trás

apenas dez homens, designados para fazer a segurança do

ancoradouro do rio Três Forquilhas.

A tristeza de Baiano Candinho

A notícia da morte de Max Tietböhl chegou bem

depressa as Charnecas de Labatut, em Cima da Serra, onde

Baiano Candinho estava acampado com dois pelotões do

Esquadrão Josaphat. Apenas o capitão Luna com os

Brigadas teimava ficar em outro ponto da Serra, fora das

vistas de Candinho.

Candinho lamentou a morte de Max, dizendo: - “Essa

morte é uma grande desgraça para nós, pois que esse filho

do mestre Cristiano da Banda de Música, cresceu em nosso

meio. Eu vi esse menino tornar-se homem e mostrar suas

qualidades de cavaleiro, em nossos torneios de tiro de laço

e campeiradas. O finado Capitão Machado não podia ter

tomado pior decisão do que essa, de atacar e matar um

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homem solito, que estava no aconchego da casa que havia

sido de seus pais. Não havia necessidade para esse

absurdo, pois que é certo que apenas trouxe morte e dor

para uma família que todos aprendemos a querer bem. E o

pior de tudo que nada de bom acrescentou para o

movimento revolucionário. Ainda bem que Max Tietböhl deu

um tiro na testa do Capitão Machado, pois senão eu teria

que ir lá tomar-lhe satisfações e dar-lhe a lição que passara

a merecer”.

E Candinho finalizou, declarando: - “O finado Capitão

Machado se meteu em meu território, sem ser convidado.

Comprometeu a nossa justa causa que é contra a ditadura

castilhista e teve o justo castigo que ele passou a merecer”.

A maioria dos integrantes dos Pelotões Três

Forquilhas e dos Serranos haviam convivido com a família

Tietböhl em festas, casamentos e enterros onde o velho

mestre da banda sempre deixara seu toque musical e de

alegria para todo o povo. Todos compartilharam da tristeza

de Candinho e bem sabiam da severa ordem que o chefe

lhes concedera, pois volta e meia dizia: - “Jamais

atacaremos o povo da Colônia de Três Forquilhas porque

nós somos parte desse povo. Fiz a minha promessa para o

Santo Padre Voges e para o filho dele, de que seríamos

sempre uma defesa e um amparo para a população de Três

Forquilhas”.

Família Tietböhl traumatizada

Enquanto isso na Colônia de Três Forquilhas não só a

numerosa família Tietböhl, mas os amigos e povo em geral

também compartilhavam dos sentimentos de tristeza e de

revolta com essa morte injustificada do Tenente Maximiliano

Frederico Tietböhl.

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Dali para frente apenas utilizavam o termo bandidos

para se referir aos revolucionários federalistas. Todos

sabiam muito bem que Capitão Machado viera dos fundões

de Morro do Forno apenas para infligir danos físicos aos

castilhistas torrienses. Ele escolheu uma força torriense

para se vingar de derrotas que sofrera em embates

anteriores, onde integrantes do 16º RC haviam abatido

revolucionários federalistas seus. Ódio gera ódio e vingança

amplia sentimentos de vingança e, uma revolução sempre é

um ambiente propício para que aflorem e se projetem tais

sentimentos que levam à destruição de vidas.

Quem ficou no caminho dessa sanha de vingança

logo teve que ser o tenente Max Tietböhl, um filho querido

da Colônia de Três Forquilhas. Ele na verdade não foi

nenhuma vítima inocente e se encontrava nesta revolução

de farda e de arma em punho, consciente do que lhe

poderia acontecer, de ter que dar a vida pela causa que ele

defendia.

Tenente Max teve uma percepção muito clara da

situação, pois procurou cortar a cabeça pensante desses

atacantes, ou seja, eliminar o chefe deles. Max escolheu

muito bem os seus alvos, pois o seu primeiro tiro foi na

testa do Capitão Machado e o segundo no peito do ajudante

de ordens deste, o Agapito.

Mesmo morrendo no combate de um homem contra

mais de trinta ele fez um verdadeiro justiçamento contra

seus atacantes. Ele deixou esse grupamento de

revolucionários sem chefe e sem subchefe de tal forma que

depois eles nem souberam ao certo para onde ir e onde se

esconder. Certamente tentaram se juntar com outros focos

federalistas da região sul de Santa Catarina e dos fundões

de Torres. Entretanto, não apareceram na presença de

Baiano Candinho e certamente nem teriam sido recebidos,

nem acolhidos.

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Entre os castilhistas a morte de Max Tietböhl foi

qualificada como tendo sido apenas um vil e infame

assassinato e não foi visto como um ato em meio ao

confronto revolucionário.

Nada pior poderia ter acontecido a Baiano Candinho

do que o falatório que se espalhou em seguida. Surgiram

aqueles que procuravam responsabilizar Candinho pelo

ocorrido. Era um modo de tentar colocar a população contra

ele e seu efetivo. Todos sabiam muito bem que Candinho

contava com a estima e a admiração de muitos e a quase

totalidade dos integrantes do Pelotão Três Forquilhas eram

filhos de pioneiros imigrantes que colonizaram o vale.

O Tenente Maximiliano Frederico Tietböhl foi um

bravo. Ele revelou a coragem do soldado que não foge da

luta mesmo diante do risco iminente para a própria vida. Ele

não ensaiou nenhuma fuga, pois que isto não era de seu

feitio. Ele também não se acovardou para pedir piedade ou

qualquer coisa destas. A morte de Max ficou dali em diante

como um exemplo de bravura para todo o efetivo do 16º RC

e, enquanto existiu esse efetivo militar, o seu quadro estava

na parede do Comandante, em destaque, contendo o seu

nome e a data de sua morte em combate e em letras

douradas, constava: < Ele deu a vida pela causa

republicana >.

Os castilhistas procuraram explorar ao máximo a

morte do Tenente Max, falando do confronto de um contra

mais de trinta adversários. Eles procuraram também atribuir

o sangue derramado como um ato inglório praticado pelos

seguidores de Baiano Candinho mesmo que eles bem

sabiam que ele nada tivera com o ocorrido. Num folheto

distribuído na Colônia de Três Forquilhas se destacava a

frase: < Os bandidos federalistas lutam contra um governo

legítimo de nossa Província e esperamos que o sangue do

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bravo Tenente Maximiliano Tietböhl sirva par unir a todos

em torno da nossa causa republicana, em busca da plena

vitória >.

Baiano Candinho era um líder inteligente e bom

observador e constatou bem depressa o quanto a ação do

Capitão Machado trouxera danos à imagem do movimento

revolucionário federalista. Mesmo que não foram os homens

do Esquadrão Josaphat os causadores dessa morte, a

responsabilidade por esse infortúnio que atingiu a família

Tietböhl passou a ser colocado sobre Baiano Candinho, que

dali em diante passou a ser descrito como sendo o chefe de

um Bando de Bandidos, que se escondem na Serra.

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SUCESSOR PARA O PASTOR VOGES

FIGURA 30: Pastor Gottfried Schlegtendal. Fonte: Arquivo fotográfico da Família Voges.

Pastor Schlegtendal nasceu no dia 14 de julho de

1866 na cidade de Bremen. Foi enviado ao Brasil em 1894

pela Evangelische Gesellschaft. Seguiu para Três Forquilhas

em março de 1895, no final da Revolução Federalista,

quando Gumercindo já era morto fazia um bom tempo.

Porém o pastor viera para ter um primeiro contato

com a Comunidade, e novamente retornar a São Leopoldo

para receber documentos, diretrizes e regulamentos do

Sínodo Riograndense que não estiveram disponíveis quando

do seu envio para a nova Paróquia.

Em São Leopoldo, o pastor teve que participar de

encontros de estudo e o debate de questões práticas com

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base nas novas diretrizes do Sínodo, visando uniformizar

toda a prática pastoral.

De São Leopoldo Schlegtendal seguiu a Porto Alegre

onde retirou seus baús contendo livros, outros contendo

roupas e objetos pessoais que seus familiares haviam

despachado da Alemanha.

Quando retornou a Três Forquilhas, encontrou a

população traumatizada com as recentes mortes, do

naufrágio do professor Tietböhl, esposa e o barqueiro

Gustavo Voges. O povo também lamentava as mortes em

confrontos revolucionários e as famílias se moviam em meio

a muitos sofrimentos, assolados pela epidemia de cólera

que vitimava principalmente crianças, velhos e negros.

A pretensão de salvar a Comunidade

Schlegtendal veio cheio de vontade para trabalhar,

dizendo que o seu papel seria o de salvar uma Comunidade,

que, conforme alegava, estava quase de todo perdida, pela

falta de zelo do pastor anterior. Lastimava constantemente

o desleixo para com a língua alemã.

Ele não foi feliz neste propósito, pois não encontrou o

eco esperado33 para as suas expectativas e exigências

pastorais.

Apresentação do novo pastor

Em março de 1895 correu por toda a Colônia uma

notícia de alento: a chegada do novo pastor enviado pelo

Sínodo Riograndense. A Comunidade, cheia de expectativas

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e esperanças, acorreu em massa, ao templo, para assistir

seu primeiro culto.

O que para a Comunidade foi festa e barulho, para o

jovem pastor foi decepção, conforme ele mesmo diria, ao

descrever esse primeiro culto, marcado por choradeira de

crianças, de pessoas apinhadas ocupando todo o espaço em

cada canto do templo.

Schlegtendal era um acadêmico com uma

aprimorada formação teológica e vinha com uma grande

ânsia por reformas e por atividades de renovação nessa

antiga Paróquia.

Ele não escondeu o seu desagrado com a

Comunidade. Já na primeira reunião, ao ser eleito o

primeiro Presbitério da Comunidade, ele se declarou

indignado com o comportamento dos membros da

Comunidade por ocasião do seu culto de apresentação.

Avisou que estava decidido e pronto para enfrentar

enèrgicamente este estado deplorável da vida comunitária,

alegando ser necessário devolver ao templo o status de

casa de oração, de lugar sagrado, lugar de silêncio e de

adoração a Deus, lugar de pregação da Palavra Divina, para

nutrir o rebanho com alimento espiritual.

O pastor resolveu acabar definitivamente com a

estrutura Colônia Paróquia que ainda se fazia presente,

depois de quase setenta anos. Considerava como muito

grave a situação da Comunidade abrasileirada e envolvida

com o meio católico. No seu entender, Três Forquilhas já

era um quase caso perdido.

Decidiu imprimir na Comunidade, com a maior

rapidez, todas as regras vigorantes na Igreja da Alemanha.

Mostrou-se, em constantes pronunciamentos, seriamente

preocupado com o abandono da língua alemã e com os

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costumes da Igreja Alemã, que deviam ser trazidos de

volta.

Por um lado, a iniciativa de Schlegtendal teve

aspectos positivos: a) firmou o vínculo com o Sínodo

Riograndense; b) garantiu a sucessão pastoral para o

futuro; c) buscou a base confessional claramente luterana

para a Comunidade.

Por outro lado, porém, em nenhum momento se

verificou em Schlegtendal um interesse maior pela longa

história da Comunidade e pela realidade em que ela foi

Igreja de Cristo. Ele não reconheceu a vivência comunitária

diferente e já firmada na realidade brasileira. Não

reconheceu a liderança temperada e amadurecida por

sofrimentos, privações e lutas, que conheciam melhor do

que ninguém as chances de se viver e participar da vida

sócio-política do Brasil. Ele estava diante de uma pequena

comunidade de diáspora que congregava diferentes raças,

em relativa harmonia com os católicos, e mesmo assim,

levando sua influência ao cenário nacional.

O Professor Serafim Agostinho do Nascimento, na

época já professor aposentado do Estado, também se

desligou da atuação que viera tendo como professor de

português na Escola Comunitária, mas não apenas por

causa desse pastor intolerante. O professor Serafim era,

antes de tudo, um perseguido político, sob ameaças

constantes de ser conduzido preso, e existia o risco de ser

sumariamente eliminado.

Convém ainda lembrar que a Escola Comunitária

deixara de funcionar por quase dois anos, pois o sobrado de

Voges fora deixado em quarentena por causa do

falecimento do pastor, sua esposa e Mãe Maria. Por estar

desocupado o sobrado foi tomado, primeiro pelos

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federalistas e depois pelos republicanos. A Escola

Comunitária não voltou mais a funcionar naquele local.

Schlegtendal decidiu organizar uma nova escola da

Comunidade, estabelecida em sua casa pastoral. Pelo fato

de ser solteiro, ele tinha espaço para instalar a sala de aula

naquele local. Mas esta escola não chegou nem perto do

que fora em outros tempos, com Voges e esposa, com Saul,

Sonntag e Nascimento.

A escola passou a servir apenas como uma espécie

de curso de língua alemã, para ministrar o ensino

confirmatório. O pastor era o único professor, mas com suas

constantes viagens, não teve a possibilidade de oferecer,

aos alunos, uma formação escolar que permitisse ao jovem

seguir seus estudos em centros maiores.

O Primeiro Presidente da Comunidade

A Comunidade foi orientada por Schlegtendal para a

eleição de um Presidente da mesma, em 1895. Era o

primeiro Presbitério da Paróquia, neste vínculo com o

Sínodo Riograndense.

Foi eleito o jovem João Pedro Jacoby Neto, nascido

em 13.10.1853, filho de João Pedro Jocoby Júnior e

Magdalena Schmitt. Jacoby Neto era casado com Luisa

Henrieta Voges, filha de Adolfo Felipe Voges. Para seu

eventual substituto foi colocado o Sr. João Becker Sobrinho.

Um Presbitério com apenas dois integrantes. Eles

receberam a difícil tarefa de absorver a disposição do jovem

e dinâmico teólogo, desejoso de salvar a Comunidade.

O relacionamento do novo Presbitério foi marcado

por constante e infindável tensão. O pastor não aceitava a

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Comunidade. Queria vê-la mudar e radicalmente. Queria

fazê-la de novo alemã. Por outro lado a Comunidade

resistia, desejavam permanecer um espaço acolhedor e livre

para todos que a procurassem, também para os brasileiros

ou abrasileirados. Queriam um espaço para o profano no

templo e nos cultos, tratar também dos seus problemas

terrenos como acontecera no tempo do pastor Voges e

esposa, quando podiam falar também de doença das vacas,

porcos e de galinhas.

Lideranças como Schmitt, Jacoby, Voges, Erling,

Tietböhl e outros, defendiam a importância que

representara a antiga Escola da Comunidade, que formara

jovens bilingues em condições de estudar em centros

maiores e assim se integrar na realidade brasileira.

Consideravam a nova escola insuficiente, pois ficara

direcionada somente para o ensino da língua alemã e quase

restrita ao simples ensino confirmatório.

Medidas administrativas

Não era fácil para o pastor encontrar um caminho

capaz de prover a Comunidade de recursos financeiros

suficientes para a manutenção do serviço pastoral. Voges se

auto-sustentara e agora a Comunidade devia prover os

recursos para garantir o sustento do pastor.

Foram trazidas de volta as taxas de serviços

eclesiásticos que Voges também utilizara há quase trinta

anos atrás. Depois, ele transformara os pagamentos de

serviços pastorais em gorjetas eventuais.

Ficou aprovada seguinte relação de taxas: Batismo

no templo 2$000, Batismo no lar 5$000, Casamento no

templo 2$500, Casamento no lar 5$000, Sepultamento sem

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ofício 2$000, Sepultamento com ofício fúnebre 5$000,

Sepultamento de crianças 2$500, Confirmações de criança

4$000, Atestados (sem selos) 2$000. Ficou acertado que a

Comunidade receberia 20% do valor de taxas de

casamentos e batismos e os outros 80% do valor seriam do

pastor.

Em 24.07.1895 o pastor trouxe novas exigências

para a Comunidade. Suprimiu a possibilidade da realização

de batismos em lares. Com esta medida o pastor desejava

melhorar a frequência aos cultos. A frequência passara a

diminuir visivelmente, deixando-o às vezes com apenas

uma dúzia de pessoas na participação aos cultos.

Apresentou como argumento que o batismo deveria ocorrer

durante o culto regular, com a Comunidade reunida. Ele,

porém não levou em conta que, em parte, a frequência aos

cultos passara a se reduzir em vista da epidemia e da

revolução, que intranquilizavam a colônia.

Voges visitava também os lares, no interior da

Colônia, para realizar ofícios, pois muitas vezes era mais

fácil o pastor viajar, indo ao encontro dos membros, que

colocar a família e vizinhança na estrada, deixando as

propriedades desguarnecidas. Posteriormente, outros

pastores voltaram a fazer novamente cultos, batismos e

casamentos em casas, no interior da Colônia, indo de novo

ao encontro dos membros.

Neste meio tempo João Pedro Jacoby Neto enfrentou

o flagelo da epidemia em seu lar. Perdeu diversas crianças e

passou a ficar com sua atenção voltada a Vacaria, onde ele

e outros moradores de Três Forquilhas haviam adquirido

fazendas. Passou a falar sobre eventual mudança de

domicílio. Sugeriu que fosse feita uma recomposição do

Presbitério. Por decisão da Comunidade, João Pedro Jacoby

Neto e João Becker Sobrinho foram mantidos na Diretoria,

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290

porém incluíram ainda Cristiano Eberhardt, Pedro Bobsin,

João Jacob Mauer Senior, João Schwartzhaupt e Carlos

Frederico Voges Sobrinho.

Quem eram os Presbíteros?

Já fizemos uma breve identificação de João Pedro

Jacoby Neto. Queremos, entretanto identificar também os

demais integrantes:

JOÃO BECKER SOBRINHO - Nasceu em 22.10.1861,

filho de Jacob Becker Senior e Elisabeta Bárbara Klein.

Mudou-se depois para Bom Jesus (na Serra).

PEDRO BOBSIN SENIOR - Nasceu em 12.04.1838,

filho do imigrante João Bobsin e Charlota Marlow. Casou em

1861 com Dorotea Jacoby. Mudou-se para

Cachoeira/Maquiné entre 1896 a 1898.

JOÃO MAUER (João Jacob Mauer Senior). Nasceu em

21.09.1845, filho do imigrante Cristiano Mauer e Cristina

Helbig. Em 1881 casara com Carolina Kellermann.

JOÃO SCHWARTZHAUPT - Nasceu em 15.10.1863,

filho de Carlos Schwartzhaupt e Anna Maria Beck. Casara

em 1889 com Maria Luisa Sparremberger.

CARLOS FREDERICO VOGES SOBRINHO - Nasceu em

04.02.1862, filho de Adolfo Felipe Voges e Guilhermina

Wetter. Casara com Felisbina Schmitt herdeira do Sitio da

Figueira que pertencera a Bina Rosina Schmitt que a criara

Bininha como filha.

Estes homens eleitos pela Comunidade para compor

o Presbitério eram pessoas experientes, porém diretamente

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291

marcados pela liderança que o pastor Voges exercera. Eles

estranharam o comportamento do novo pastor, que

sistematicamente combatia tudo que existira antes em Três

Forquilhas.

Com certeza várias questões passaram pela cabeça

desses homens. Possivelmente eles se perguntavam: < Que

comunidade nós fomos até hoje? São erradas nossas

expectativas quanto ao trabalho pastoral, para termos

serviços bilíngues, quando for conveniente? Que forma de

Comunidade o novo pastor pretende estabelecer? >.

Schlegtendal não fez nada de melhor do que Voges.

Se Voges se envolveu demais com o profano, ele por sua

vez se jogou em muitas exigências referentes à língua

alemã e costumes da Igreja Alemã e esqueceu que este

povo necessitava do anúncio da Graça de Deus em Cristo.

Importava trazer-lhes o Evangelho ao invés de

regras severas importadas de um meio diferente ou pior, de

uma mera condenação da vida e história anterior da

Comunidade.

A primeira e santa tarefa

Em fins de 1895 o Sr. Carlos Frederico Voges

Sobrinho sucedeu ao seu cunhado Jacoby Neto, na liderança

comunitária, pois este desejava transferir residência para

Cima da Serra e sair do meio do pesado luto que ele e sua

esposa carregavam com o recente falecimento de filhos.

Temiam perder mais crianças e julgavam ser sábio mudar

de ares.

Na primeira reunião do presbitério, em 17.11.1895,

o pastor voltou ao seu tema predileto: < a língua alemã >.

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292

Alertou que a mesma não devia ficar restrita ao uso no lar,

na igreja ou escola alemã. Ela deveria ser estendida

também para o relacionamento público. Enfatizou que a

primeira e santa tarefa de todo o evangélico é o zelo pela

língua alemã. Argumentou que a existência da própria

Comunidade Evangélica de Três Forquilhas estava em

perigo, em virtude da assimilação dos costumes e da língua

dos brasileiros.

Nesse encontro o pastor tocou em um ponto muito

delicado, pois a Comunidade se compunha de um elevado

número de membros miscigenados com pessoas de origem

portuguesa e de negros. Além disso, a maior parte dos

descendentes de alemães, residentes nos fundões da

Colônia, já haviam desde cedo assimilado o linguajar do

caboclo da região. O que haveria de ser de toda essa gente?

Teriam eles agora a obrigação de aprender a língua alemã,

para serem plenamente acolhidos?

O pastor não conseguia enxergavar, que além dele

não havia mais nenhum outro professor de língua alemã na

Colônia, e, de que forma haveriam de desencadear um

ensino intensivo da língua alemã nos diferentes e distantes

núcleos de colonos, residentes no vale? Além disso, a única

escola alemã passara praticamente a lidar apenas com uma

dúzia de confirmados a cada ano.

Carlos Frederico Voges Sobrinho levantou-se e falou

energicamente: - “Desta forma, com um punhadinho de

crianças recebendo aulas do pastor, com toda a certeza

essa primeira e santa tarefa de todo evangélico, imposta

pelo pastor, está fatalmente fadada ao fracasso”.

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O Problema do Banditismo

A Comunidade sofreu com os efeitos da Revolução

Federalista nos diferentes momentos, dos altos e baixos da

presença ora dos revolucionários e ora dos policiais

castilhistas, no controle da Colônia.

O templo praticamente esvaziou, quanto a frequência

aos cultos dominicais. O pastor pregava, às vezes, para

meia dúzia de pessoas. Os colonos evitavam deixar suas

propriedades sem proteção. Inúmeros eram os casos de

famílias que haviam colhido a amarga experiência de

retomar do culto e encontrar os currais vazios ou a casa e

galpões saqueados.

A culpa pelos saques passou a ser cada vez mais

atribuída aos homens comandados por Baiano Candinho, o

que não era correto. Entretanto, os líderes castilhistas locais

desejando assumir um controle absoluto na vida política e

administrativa, aceitaram tais insinuações. Esperavam com

isto conseguir afastar Candinho definitivamente da região e

propunham que ele virasse fazendeiro no Alto Josaphat,

quando a revolução acabasse. < Será melhor para a saúde

dele, > brincavam eles.

Assim é possível compreender o motivo que levou os

líderes da Colônia a aceitar a idéia de ser necessário

erradicar o banditismo para devolver a paz para a Colônia.

Desejavam cortar o mal pela raiz, no sentido de eliminar

qualquer tipo de oposição política.

Porém não lembravam que ainda estavam em plena

Revolução Federalista, pois com a morte de Gumercindo

Saraiva as hostilizações e confrontos e choques entre

ambos os lados não cessara.

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CANDINHO REVELA SUA FORÇA

Apesar da morte de Gumercindo Saraiva, a

Revolução continuou em andamento.

Um armistício seria assinado somente mais tarde, no

dia 23 de agosto de 1895. Por isto, o que a seguir é

relatado ainda está dentro do período revolucionário.

Baiano Candinho tomou conhecimento da morte de

Gumercindo Saraiva e das diversas derrotas federalistas,

subsequentes. Porém, ele não desejava acreditar que tudo

já pudesse estar perdido. Com certeza a grande maioria do

povo riograndense haveria de aproveitar o momento, que se

tornara tão propício, para pegar em armas. Finalmente

poderiam ficar livres da ditadura castilhista.

Mas Candinho não prestara atenção no vaticínio do

Major Voges que quando soube que Gumercindo Saraiva

seguira rumo ao Rio de Janeiro ao invés de atacar Júlio de

Castilhos, dissera: - “Gumercindo Saraiva errou o rumo,

pois cabia só derrubar Júlio de Castilhos, que então Floriano

Peixoto teria validado o novo governo, para ter seu apoio”.

Candinho não teve essa visão de estratégia política

e, só lhe sobrara uma coisa em mente. Tratava-se de um

plano arrojado e, para executá-lo, ele necessitaria do apoio

de outros chefes revolucionários da região.

Ele desejava tomar a cidade de Conceição do Arroio

e, pessoalmente, dizer àquele Intendente Castilhista, o que

até agora apenas mandara dizer, em forma de recados,

através de terceiros: - “A morte tanto do Major Azevedo

bem como do Padre Fernandes, foram crimes covardes, e o

povo arroiense nem se incomodou com tamanha covardia”.

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295

Até aquele momento, o Intendente de Conceição do

Arroio e muito menos o Governo da Província haviam se

apercebido do verdadeiro potencial militar de Baiano

Candinho. Trataram o assunto como um mero problema de

banditismo, da Serra do Pinto, alardeando que um bando de

ladrões estaria à solta na Serra.

As forças policiais castilhistas, enviadas para dar

combate aos chamados bandidos apenas souberam somar

vexame após vexame. Verificara-se uma total

incompetência das escoltas, as quais haviam ido em busca

desse nordestino.

Baiano Candinho, entretanto, desejava aproveitar o

momento, para mostrar a todo o povo riograndense e para

o Brasil, que o seu problema não era uma mera questão

policial. Eles eram revolucionários de uma causa justa, que

ele não admitia que já estivesse perdida, apesar dos

reveses, recentemente enfrentados por importantes chefes

maragatos.

Desta forma, o Major Baiano Candinho procurou dar

a sua cartada derradeira. Para ele não interessavam

combates ou matanças. Ele desejava algo que pudesse ter

um alcance maior.

Ele manteve o seu Esquadrão sob constante controle,

evitando gastar a força com escaramuças insignificantes.

Não desejava enfrentamentos com essas fracas Escoltas

Policiais que haviam sido encaminhadas à Colônia de Três

Forquilhas, para prendê-lo. Esses eram apenas uns paus

mandados, sem conhecimento da realidade dos fatos.

Candinho reuniu todo o “Esquadrão Josaphat” na

fazenda de Coronel Baptista, em Contendas. Eram em torno

de cento e vinte homens. Estavam em perfeitas condições

de combate, com boas armas, com farta munição e bons

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cavalos. Além disso, o elemento humano é que contava

ainda mais. Os integrantes dos três Pelotões estavam

motivados para alguma ação mais arrojada.

Candinho planejou algo que pudesse mexer

profundamente com os castilhistas de Conceição do Arroio,

e por extensão com o Governo de Júlio de Castilhos, que ele

denominava de maléfica ditadura castilhista.

Um plano ousado

Candinho fez contatos com os chefes maragatos de

São Francisco de Paula, Santo Antonio da Patrulha e outros

locais da região, solicitando apoio para a execução do seu,

plano bastante pessoal: - era a tomada simbólica da cidade

de Conceição do Arroio.

Desde o assassinato de Major Azevedo, ele fora

tomado por essa idéia, uma verdadeira idéia fixa, que

ninguém mais conseguiria tirar. Ele falava como se todos os

moradores de Conceição do Arroio fossem responsáveis pelo

crime, como se fosse uma espécie de culpa coletiva dos

arroienses.

Os entendimentos de Baiano Candinho apresentaram

bons resultados. Foi possível marcar uma ação conjunta,

visando entrar em Conceição do Arroio, com mais de

quatrocentos homens armados, porém não deveria haver

mortes.

No dia 11 de abril de 1895, pela manhã, Candinho

colocou o Esquadrão Josaphat em movimento. Inicialmente

desceu o Pelotão Serrano, sob o comando de Baiano Tonho,

para fazer um trabalho de vanguarda. Não queria ser

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297

surpreendido por eventual força castilhista, que pudesse ter

se deslocado para a área, sem que o soubesse.

Em seguida, desceu ele, na qualidade de

Comandante Geral, unindo-se ao Pelotão Três Forquilhas

que estava sob o comando de Luiz da Conceição. Esse

efetivo vinha reforçado com a presença de diversos jovens

entre doze a dezoito anos de idade, dentre os quais se

mencionam seus sobrinhos Jovêncio Baiano e Martim

Baiano, filhos do falecido Pedro Baiano, seu irmão, e o

pequeno Mano Jorge, filho do compadre França Gross.

O Pelotão da Escolta, sob o comando do Capitão

Luna ficara encarregado de cobrir a retaguarda e por isso

estes desceriam da Serra apenas por volta do meio dia.

Tudo teria transcorrido sem problemas, não fosse a

desobediência de Capitão Luna. Ele sabia da ordem de

Candinho, de não causar aborrecimentos à população da

Colônia de Três Forquilhas. Os dois primeiros pelotões

passaram, de forma cordial, pois ainda contavam com a

estima da maioria dos colonos.

Capitão Luna, porém, quando entrou no vale, iniciou

um verdadeiro assalto a propriedades rurais. Com os

primeiros colonos, exigiu diversas mulas e cavalos. Na

sequência, foi escolhendo outras propriedades. Enviava

grupos de homens armados, com a ordem expressa de

solicitar contribuições para a Revolução. Os colonos tiveram

que entregar charque, farinha, rapadura, cachaça e outros

gêneros alimentícios. Em duas propriedades praticamente

esvaziaram as cozinhas, levando panelas, chaleiras e

trempes. Foram, na verdade, assaltos a mão armada. Qual

dos colonos poderia arriscar-se, e negar o solicitado?

Foram onze propriedades coloniais e dois armazéns

que sofreram prejuízos. Entre os assaltados constam: duas

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famílias Sparremberger, duas famílias Knewitz, família Beck.

família Gehrmann, família Klippel, família Triesch, duas

famílias Klein, família Justin e mais os armazéns de João

Pedro Jacoby Júnior, sobrado da Boa União, e Carlos

Eberhardt, na sede. Dos comerciantes, também pediram

dinheiro emprestado, com a promessa de devolvê-lo na

hora do regresso. Alguns dos assaltados haviam sido

maragatos, e, por este motivo revelavam maior

inconformidade.

A revolta entre os moradores da Colônia foi

generalizada. A notícia espalhou-se como rastilho de

pólvora.

Os colonos assaltados procuraram inicialmente o

Major Voges. Solicitaram alguma providência. O Major

aconselhou que aguardassem o retorno de Baiano

Candinho. Com certeza ele haveria de oferecer uma

solução, no sentido de providenciar alguma indenização aos

prejudicados.

Os colonos, não satisfeitos com a proposta, foram

até a presença da Diretoria Castilhista da Igreja. Estes se

mostraram escandalizados. Recriminaram com veemência

mais esse ato de tão claro banditismo. Rapidamente,

formaram uma Comissão de Auxílio aos Assaltados,

concedendo uma ajuda que foi imediata. Aos que tiveram as

cozinhas saqueadas, foram distribuídas panelas e chaleiras

novas. Apenas havia uma condição: nenhum colono haveria

de receber auxílio em moeda, em dinheiro. Somente objetos

ou utensílios, fossem para a cozinha ou lavoura seriam

doados. As lideranças castilhistas foram aplaudidas, por

este gesto solidário e generoso.

Ainda no caminho, Tenente Pedroso abandonou a

retaguarda, desligando-se do seu Pelotão dos Brigadas

Sozinho, foi à procura de Baiano Candinho, pois entendia

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que o Comandante precisava tomar conhecimento, com

urgência, a respeito desse mau procedimento de Capitão

Luna. Além de relatar o acontecido, pediu para ser

desligado daquele Pelotão. Desejava ser integrado aos

Serranos. Entendia que não mais teria ambiente, para ficar

com Capitão Luna com medo de sofrer alguma violência, ou

mesmo ser morto.

Candinho escutou o relato, aborrecido. Deixou claro

que já não necessitava mais de nenhum confronto com os

inimigos castilhistas, pois bastavam os inimigos que ele

carregava, dentro de suas próprias fileiras.

Candinho autorizou que Tenente Pedroso se

integrasse aos Serranos. Quanto ao problema de Capitão

Luna, teria que deixar o assunto para mais tarde, para

depois da tomada de Conceição do Arroio. No retorno, na

passagem pela Colônia de Três Forquilhas, haveria de

oferecer alguns cavalos, no objetivo de indenizar os

colonos, que haviam sido assaltados, sob a ordem de

Capitão Luna.

Sem dúvida, o ato de Luna, ferira frontalmente, a

palavra que Candinho empenhara junto ao Major Voges. A

promessa fora, não só de jamais entrar em combate na

área da Colônia, mas também de evitar causar danos aos

moradores, através da ação da sua força revolucionária.

Agora o mal já estava feito. Mesmo assim, desejava

assumir toda a responsabilidade, sobre os seus ombros.

Desejava arcar com as consequências, pagando todos os

danos causados, da melhor forma possível.

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TOMADA DE CONCEIÇÃO DO ARROIO

No dia 12 de abril de 1895, as tropas revolucionárias

federalistas marcharam sobre a cidade de Conceição do

Arroio. Eram mais de quatrocentos homens, vindos

simultaneamente de Palmares, Santo Antonio da Patrulha,

São Francisco de Paula e Serra do Pinto - via Colônia de

Três Forquilhas.

Baiano Candinho vinha à testa do Esquadrão

Josaphat, com mais de cento e vinte homens. Contava com

o reforço dos sobreviventes do Pelotão Avulso que

acompanhara Gumercindo Saraiva na jornada até Curitiba e

que haviam retornado em fuga. Eram combatentes

experientes que haviam tomado parte do Cerco da Lapa e

da tomada da Capital do Paraná conforme segue: Paraguaio

Gross, Carlos Girivá, Dolfo Leão, Bugre Lemes, João Rico,

José Vidal, Rico do Pilão, Joca Dionísio, Antonio Gonçalves,

Beto Guimaria, Tilico Beriva, Lula Gaspar, Mila Gâmba,

Estevam Gâmba, Joaquim Rescindo, Maneco Oliveira, Negro

Democa, Saturno Queromana, José Sabino, Carlos Sabino e

José Beriva.

A cidade de Conceição do Arroio, não estava

preparada para tal invasão. As lideranças castilhistas se

apavoraram, procurando refúgio no prédio da Câmara

Municipal. Pareciam querer ensaiar algum tipo de

resistência.

Major Baiano Candinho passou a comandar as

negociações, exigindo a rendição da cidade. Ele desejava

somente ocupar simbolicamente a Intendência e a Câmara

Municipal. Ele haveria de poupar a vida de todos.

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Grande foi o abatimento da população quando viram

as horas transcorrendo sem que os revolucionários se

dispusessem a sair da cidade.

No período em que as negociações com as lideranças

castilhistas pareciam não progredir, Candinho autorizou os

integrantes do Pelotão Serrano a buscar suprimentos junto

ao comércio local. Interessavam apenas alimentos, armas e

munições.

Quando a visita aos estabelecimentos iniciou, os

comerciantes se apavoraram, mas não tinham como evitar

o saque.

Candinho decidira cobrar esse tributo que, no seu

entender, a cidade devia para o movimento federalista. Ele

levava em conta, que a morte de Major Azevedo e de Padre

Fernandes precisava custar alguma coisa aos arroienses,

que eles não pudessem esquecer jamais. As vidas daqueles

dois chefes revolucionários não poderiam jamais ser

devolvidas, é lógico. Porém, a cidade teria que ter

recordação, por muito tempo que, ele Baiano Candinho,

viera reclamar da atrocidade, cometida contra aqueles

homens de bem.

Diversos peões rudes e analfabetos do Pelotão

Serrano, que não havia, até então, conhecido botas ou

bombachas decentes, aproveitaram para também se

vestirem melhor. Além disso, duas carretas ficaram cheias

de suprimentos, com charque, farinha e rapadura,

munições, armas e cavalos.

Major Candinho proibira Capitão Luna e Brigadas, de

participarem dessa requisição de suprimentos. O motivo era

claro: < eles haviam desobedecido à ordem de poupar os

moradores da Colônia de Três Forquilhas >.

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Conforme a ordem dada por ocasião da saída, ainda

em Contendas, os Pelotões buscariam o que lhes fosse

necessário, em matéria de suprimentos, em Conceição do

Arroio. Capitão Luna ali estava com seis mulas, carregadas

com charque, farinha e outros víveres. Ele alegava ter

apenas confiscado suprimentos junto aos colonos de Três

Forquilhas.

Luna chamou os integrantes do seu Pelotão, e foi

postar-se à margem da cidade. Estava desgostoso, ficando

durante um longo tempo, confabulando com os Brigadas.

Em sua opinião, deviam desligar-se de imediato, do

Esquadrão Josaphat, para terem uma plena autonomia de

ação. Luna insistia em dizer que Candinho poupava em

demasia o inimigo castilhista. Desta forma jamais haveriam

de alcançar a vitória, nessa Revolução.

Depois de muita discussão, a decisão foi deixar a

questão, para quando estivesse de volta a Serra. Até lá, as

ordens de Candinho ainda seriam cumpridas.

Enquanto isto, as lideranças castilhistas procuravam

ganhar tempo, na esperança da vinda de algum socorro de

fora. Insistiam sempre numa mesma e única resposta: os

termos de rendição eram inaceitáveis. Jamais haveriam de

entregar o prédio da Intendência Municipal aos maragatos.

Finalmente o Capitão Estevão Brandão, comandante

das Forças Republicanas de Conceição do Arroio, mandou

atear fogo ao prédio. Enquanto o fogo ardia, eles fugiam

pelos fundos, através dos matos, em busca do refúgio nos

morros próximos.

Na oportunidade, as lideranças castilhistas

queimaram não apenas um prédio. Foi destruído todo o

acervo histórico da cidade. Preciosos documentos e arquivos

perderam-se desta maneira.

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Esse prejuízo poderia ter sido evitado. Os maragatos

não desejavam se apossar de nada disto. Apenas

desejavam a tomada simbólica do Governo Municipal, com

garantias de vida, para todos.

Deixando Conceição do Arroio

O Governo da Província encaminhou medidas

urgentes com o objetivo de socorrer Conceição do Arroio.

Foram convocados o 6º Corpo do Exército, de Porto Alegre,

sob o comando do Major Bráulio de Oliveira, o Esquadrão de

Cavalaria de Viamão, sob o comando do Tenente Coronel

Firmino Martins e o 18º Batalhão de Infantaria, da própria

cidade de Conceição do Arroio, sob o comando do Tenente

Coronel Pedro Mendonça Rodrigues, que, entretanto, se

encontrava na fronteira, realizando missões de combate aos

revolucionários federalistas.

Baiano Candinho tomou conhecimento da

movimentação dessas forças castilhistas, pois contava com

um bem montado serviço de espias e estafetas e de escutas

nos telégrafos. Tudo o que estes descobriam, levavam ao

conhecimento do chefe. Assim, avisado da vinda de tropas

castilhistas, decidiu que devia deixar a cidade.

Antes, porém, pediu uma sessão de fotos, algo que a

maioria dos serranos não sabia que existia. Foi chamado

um fotógrafo e alguns integrantes isoladamente, bem como

os efetivos dos pelotões Três Forquilhas e Serrano,

posaram.

Baiano Candinho teve que se posicionar diversas

vezes, para aparecer junto a cada efetivo e ao lado de

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determinados grupos de revolucionários. Afinal, ele era o

Comandante Geral do Esquadrão.

Estas fotos jamais foram recebidas por Candinho e

demais companheiros. Eles não puderam esperar pela

revelação das mesmas. Na necessidade de deixar a cidade

de Conceição do Arroio, apenas pagaram o fotógrafo, na

esperança de algum dia, poder ver o resultado desse

trabalho fotográfico.

Mais tarde, estas mesmas fotos, foram utilizadas

pelas autoridades castilhistas de Conceição do Arroio,

visando identificar os revolucionários do Esquadrão

Josaphat, para eliminá-los.

A cópia de uma das fotos, onde apareciam apenas os

principais homens do Esquadrão Josaphat, em torno de

trinta revolucionários, foi, mais tarde, entregue ao

Subdelegado Tenente Cardoso, e outra cópia ao coronel

Carlos Voges, líder castilhista da Colônia de Três Forquilhas.

Na mesma apareciam Major Baiano Candinho, Capitão Luis

da Conceição, Capitão Tonho Baiano, Tenente França Gross,

Tenente Pedroso, José e João Baiano e até o pequeno Mano

Jorge e os principais revolucionários do Esquadrão Josaphat.

Capitão Luna e seu Pelotão dos Brigadas não

participaram destas sessões de fotos, por terem se retirado

para as margens da cidade, talvez nem tendo tomado

conhecimento desta movimentação com o fotógrafo da

cidade.

Estavam em Conceição do Arroio, efetivos de

diversos municípios próximos. Cada efetivo tomou o rumo,

a seu destino de origem. Candinho seguiu em direção da

Colônia de Três Forquilhas. Parecia não ter nenhuma

pressa. Ele sabia que os efetivos do governo demorariam

um bom tempo para alcançar Conceição do Arroio.

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Um efetivo revolucionário de São Francisco de Paula,

sob o comando do Major Alípio, pensou em atrapalhar o

sossego das autoridades de Torres. Seguiram na

retaguarda do Esquadrão Josaphat, até próximo de Sanga

Funda, para, dali seguir até o sangradouro de Cornélios.

Ocuparam posição naquele ponto em sinal de flagrante

provocação.

Major Alípio procurou Candinho, solicitando-lhe apoio

para as ações que seriam levadas a efeito no Passo dos

Cornélios. De imediato Capitão Luna se antecipou,

oferecendo não apenas a sua colaboração bem como se

integrou com todo o Pelotão dos Brigadas à força desse

chefe revolucionário de São Francisco de Paula.

Capitão Luna fazia questão de mostrar a sua

insubordinação. Ele já fizera isso em Conceição do Arroio, e

desde então revelava o desejo de abandonar o Esquadrão

Josaphat.

Era, sem dúvida, um problema delicado que

Candinho ainda teria que tratar. Ele decidiu fazer isso na

presença de Coronel Baptista, assim que amainassem as

movimentações revolucionárias e estivessem de retorno a

Serra.

Major Alípio aceitou de bom grado o reforço oferecido

por Capitão Luna sem desconfiar dessa situação e deu

ordens para fixarem o acantonamento junto ao Passo dos

Cornélios, com mais de duzentos homens.

Não é de aceitar a idéia de que Alípio, de fato,

quisesse avançar sobre Torres, pois era sabido que naquela

cidade estava, em prontidão, o 16º Esquadrão de Cavalaria,

da Guarda Nacional, com aproximadamente trezentos

homens, os quais haviam recebido moderno armamento,

quando da passagem do General Arthur Oscar.

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306

Baiano Candinho, com os dois Pelotões restantes do

Esquadrão, buscou abrigo na estância do Sr. José Adolpho

Diehl, ainda curtindo ressentimento contra a atitude de

Capitão Luna.

Candinho resolveu fazer essa parada não só para

descanso do seu efetivo, mas com o propósito de

acompanhar de longe, o que aconteceria no sangradouro de

Cornélios, com essa provocação inútil que Major Alípio

planejara efetuar.

Candinho revelava ter aprendido muitas coisas

valiosas sobre combates armados, durante a Guerra do

Paraguai. Ele continuou com o seu amplo serviço de espias

e estafetas que agora foram distribuídos desde o Morro Alto,

entrada de Maquiné, Sanga Funda, Pântano do Espinho,

Ancoradouro do Rio Três Forquilhas e na sede de Três

Forquilhas.

Candinho na Casa das Telhas

Baiano Candinho conhecia muito bem a chamada

pousada, da Estância da Casa das Telhas que naquele

tempo havia sido preparada para hospedar viajantes. Ele

não queria luxo e nem lugar em casas e ranchos de

pousada. Ele ficaria satisfeito em se acomodar nos galpões

e depósitos, quase vazios, por causa da dificuldade de

comercialização de produtos, diante da intranquilidade

trazida pela revolução. Para os cavalos existiam enormes

currais vazios, que foram prontamente colocados à

disposição por Dona Nuquinha Voges Diehl.

O dono da casa, José Adolfo Diehl não se encontrava,

pois seguira às pressas, de barco, para Conceição do Arroio,

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307

preocupado com possíveis danos nas instalações de sua

Empresa de Navegação. Ele fora avisado da entrada dos

revolucionários, em Conceição do Arroio.

Na estância, encontrava-se Dona Nuquinha com os

funcionários e peões da empresa. Ela era sobrinha do Major

Voges.

Dona Nuquinha conhecia Baiano Candinho desde

criança e não o temia. Muitas vezes ele passara nessa

pousada, conduzindo mercadorias para serem

transportadas. Por isto, ela não se assustou, com a

presença desse chefe revolucionário. Pelo contrário acolheu-

o, autorizando a utilização das instalações, apenas com uma

exigência, que Candinho garantisse a integridade da

propriedade. Não deveriam ocorrer estragos nas instalações

e nem haver o abate de reses, a não ser que devidamente

adquiridos e pagos à vista.

Candinho aceitou a exigência, de bom grado, pois

traziam viveres suficientes, de confiscos feitos em

Conceição do Arroio, e que poderiam supri-los por um bom

tempo. E se precisasse de alguma novilha para abate tinha

recursos disponíveis para comprar um animal.

A estância de José Adolfo Diehl estava bem

localizada. Era um lugar relativamente seguro, oferecendo

diferentes opções de saída para Três Forquilhas, tanto pelas

trilhas da Sanga Funda como pela trilha do Pântano do

Espinho, próximo do rio Três Forquilhas.

Dispensa do Pelotão Três Forquilhas

Os dias passaram e nada de notícias sobre alguma

movimentação de tropas castilhistas, nem de Tôrres e nem

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de Conceição do Arroio. Mesmo assim, por precaução,

Baiano Candinho decidiu abandonar a área. Considerou que

as ações de Major Alípio não tinham nenhuma serventia

para a Revolução, além de deixarem os homens expostos

numa planície, onde facilmente poderiam ser cercados e

destruídos.

Caso houvesse a remota chance de invadir a cidade

de Tôrres, porém isso não o interessava. Pois, não tinha

nada contra as autoridades castilhistas ou contra a

população de Torres. E caso tivesse uma questão para ser

cobrada então seria ele, Candinho, que haveria de fazer

isso, a frente do seu Esquadrão, como fora na tomada de

Conceição do Arroio.

Candinho lutara na Guerra do Paraguai com um

inimigo muito aguerrido, cheio de manhas e emboscadas.

Por isto sabia que num campo de luta, sempre é preciso

pensar nos planos do inimigo. Além disso, também, é

sempre importante escolher o terreno onde deseja que

aconteça um enfrentamento.

Candinho sabia que era preciso buscar logo uma área

mais segura. Por este motivo decidiu seguir com os seus

homens em direção das Charnecas de Labatut. Decidiu

aproveitar o momento para fazer uma passagem de

vitorioso pela sede da Colônia de Três Forquilhas com o

maior número possível de homens e mantendo uma

formação militar.

Ordenou que fosse improvisada uma Banda,

composta por gaiteiros e violeiros. Era uma banda pouco

marcial e até estranha para um efetivo militar. O gaiteiro

Lauser e seus músicos tocavam modinhas e músicas

gauchescas da época.

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Mesmo assim a passagem do efetivo chamou a

atenção dos moradores. Curiosos iam até a margem da

estrada para observar o movimento. Os revolucionários

aproveitaram para fazer relatos sobre a façanha da invasão

da cidade de Conceição do Arroio.

Informaram também sobre a provocação que nesta

hora Major Alípio estava aprontando para as autoridades de

Tôrres e de Conceição do Arroio, com apenas duzentos

homens, fechando a passagem de Passo dos Cornélios.

Os espias de Candinho se mantinham atentos, em

particular, cortando as linhas telegráficas, assim que eram

refeitas. O quartel do 16º RC de Torres estava, portanto

sem comunicação telegráfica não sabendo o que se passava

em Conceição do Arroio ou na Capital.

Tendo passado pela sede da Colônia, Candinho

cumpriu a promessa que ele fizera ao seu efetivo. Ele

dispensou todos os integrantes do Pelotão Três Forquilhas e

ficou com apenas vinte homens do Pelotão Serrano. Esse

Pelotão estava com o número assim reduzido, pois quinze

homens haviam sido deixados para trás, para dar

sustentação ao serviço de espias e estafetas e impedir um

cerco e massacre do Major Alípio.

Candinho planejou fazer uma parada no Armazém do

Major Voges, para pedir desculpas pelos prejuízos que

Capitão Luna causara a diversos colonos da Boa União.

Candinho escolheu doze dos melhores cavalos, que ele

havia confiscado dos castilhistas, em Conceição do Arroio.

Pediu que Major Voges fizesse chegar um cavalo a cada

colono que estivesse reclamando prejuízos, atribuídos à

passagem do efetivo do Esquadrão Josaphat através da

Colônia.

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310

Major Voges, entretanto não se encontrava, pois

passava mais tempo na sua Fazenda de Capão Alto.

Os empregados do major, porém informaram

Candinho que a situação, na Colônia, ficara desfavorável

para os maragatos, por causa das tropelias que Capitão

Luna praticara com o Pelotão dos Brigadas quando da

recente passagem. Explicaram que os castilhistas haviam

socorrido os assaltados, através de campanhas de auxílio

feitas na igreja. Mesmo assim, os empregados do major

consideraram que a oferta dos cavalos, seria um atenuante

para muitas pessoas desgostosas, que tiveram propriedades

saqueadas e ainda faziam a soma dos prejuízos sofridos.

Confronto em Passo dos Cornélios

Coronel Capaverde foi avisado pelos seus estafetas

sobre a movimentação de efetivos revolucionários, junto ao

sangradouro de Cornélios. No dia 16 de maio, enviou o 3º

Esquadrão, do 16° Regimento de Cavalaria, sob o comando

do Capitão Boaventura, aquele mesmo Boaventura, que

Baiano Candinho havia colocado em fuga, na localidade de

Chapéo.

Desta vez Boaventura, estava ali com um efetivo de

trinta e dois homens, com a missão de fazer o

reconhecimento do terreno e localizar o inimigo. Não sabia o

Coronel Capaverde que tal efetivo era insuficiente para

enfrentar os duzentos homens do Major Alípio e mais os

vinte e oito homens do Capitão Luna.

Boaventura ocupou as instalações do Ancoradouro,

nas margens do Arroio do Chapéo, próximo da confluência

ao rio Três Forquilhas. O Ancoradouro pertencia à empresa

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da Viúva Elisabeth Luiza Voges, mãe de Dona Nuquinha

Diehl e administrado pelo genro José Adolfo Diehl.

O ponto do ancoradouro era considerado local

estratégico, pois dali podia se movimentar tanto por terra

ou através de uma embarcação ancorada. E, quase sempre

havia alguma barcaça ou algum barco a vapor.

Daquele local Boaventura conseguiu enviar seus

espiões, para que tentassem localizar as posições e o

número de revolucionários. Estes trouxeram a informação

de que os homens de Baiano Candinho haviam saído da

estância da Casa das Telhas e, certamente estavam subindo

para o Alto Josaphat. Havia, porém o efetivo revolucionário

do Major Alípio, de São Francisco de Paula, com duzentos

homens, acantonado nas imediações do Passo dos

Cornélios. Eram iguais a uma lebre perdida no descampado

e poderiam ser facilmente cercados.

Boaventura não sabia que alguns dos peões que

transitavam pelos caminhos, ou conduzindo espigas de

milho acondicionadas em bruacas, colocadas no lombo de

mulas, ou peões tangendo algumas cabeças de gado, como

quem vai de uma fazenda para outra, em negócios

particulares entre fazendeiros eram homens de Candinho.

Esses espias do Esquadrão Josaphat logo

constataram a vinda do efetivo do 3° Esquadrão do 16° RC.

Foram enviando informações para Major Alípio para deixá-lo

prevenido, que a retaguarda na trilha para a Serra estava

sendo tomada e fechada pelo Capitão Boaventura.

Enquanto isto, Coronel Capaverde ganhou tempo,

para organizar uma estratégia para a sua força principal, do

efetivo republicano de Torres, visando enfrentar os

revolucionários estacionados no Passo dos Cornélios, pois

havia agora o contato entre Boaventura e seu quartel.

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Somente no dia 05 de junho de 1895, a tropa de

Torres se colocou em movimento através do caminho da

praia e, no dia 07, aconteceu o primeiro confronto no Passo

dos Cornélios.

Os revolucionários estavam entrincheirados e

rechaçaram o ataque, causando baixas ao 16º RC. Houve a

morte de um Soldado e graves ferimentos no Cabo Pedro

Pinto, que diziam ser natural da Serra do Pinto.

O efetivo de Torres foi obrigado a retrair, pois o

inimigo era em número superior ao deles. Tiveram que

refazer os planos de combate e decidiram contatar, de

barco, o efetivo de Boaventura, pedindo que ele começasse

a estabelecer um cerco através do Pântano do Espinho.

Os efetivos de Torres estavam prejudicados pela

falta de notícias de Conceição do Arroio e da Capital. As

linhas telegráficas eram imediatamente cortadas pelos

revolucionários, mesmo antes de o serviço poder ser

utilizado. Os homens de comunicações saiam em busca do

local, onde supostamente estaria a avaria, mas já outros

dois ou três pontos eram cortados pelos espias de

Candinho.

O 18° Regimento de Infantaria, com duas

Companhias, tendo a testa o próprio Coronel, Comandante

do efetivo estava finalmente se aproximando da área.

Porém os espias e estafetas de Candinho logo constataram

essa presença e avisaram Major Alípio, alertando que em

breve ele estaria cercado e o efetivo poderia ser totalmente

dizimado.

O primeiro ataque mais organizado contra os

revolucionários, aconteceu no dia 08 de junho, um dia após

o insucesso do 16º RC. Porém Major Alípio, avisado

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modificou rapidamente a sua posição e quem ficou em

situação complicada foi o 18° RI.

O próprio Comandante do 18º RI pensando estar

contando com o fator da surpresa, avançou de peito aberto

e recebeu um tiro, já por ocasião da primeira investida.

Rapidamente foi chamado o Tenente Coronel Firmino

Prates, que no momento cuidava da retaguarda. Quando ele

verificou a situação tão desfavorável para manter o

combate, ordenou uma retirada acelerada dos infantes, para

ser feita uma avaliação da situação e um contato com

outras forças republicanas que pudessem auxiliar para

estabelecer um cerco total aos revolucionários.

Tudo indica que estes dois efetivos da Guarda

Nacional, o 16° RC e o 18º RI, eram integrados por

militares apaisanados, sem a devida instrução militar.

Agora os republicanos já estavam ali com mais de

quatrocentos homens, porém continuavam sem a devida

comunicação entre si. A Cavalaria, desnorteada e a

Infantaria com o Comandante gravemente ferido e também

desnorteada.

Quando o Major Alípio foi informado de que esse

efetivo de quatrocentos homens daria início a um cerco

total, ele entendeu que não havia mais nenhum sentido

para ficar exposto de tal forma, pois que fatalmente sofreria

um massacre completo de sua força.

Quando a situação já se apresentava quase

insustentável, veio ainda a informação trazida por estafetas

de Candinho, comunicando que o efetivo da Cavalaria, de

Viamão, também chegara para as proximidades da área,

com o intuito de se unirem ao 16º Regimento de Cavalaria

de Torres.

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Agora haveriam de ser em torno de oitocentos

homens contra os duzentos e trinta e dois do efetivo do

Major Alípio. É de se entender de que ele não tinha mais a

menor intenção de manter o combate com uma força tão

desproporcional e numerosa. Bastava que eles o cercassem,

mesmo sem contar com a efetiva e desejada comunicação

entre si.

Os estafetas e espias do Pelotão Serrano que Major

Candinho havia deixado para trás salvaram o Major Alípio

de uma total destruição. Assim que ele soube da situação

ordenou uma retirada estratégica.

Capitão Boaventura vinha com seus trinta e dois

homens, com ordem de impedir a passagem dos

revolucionários, caso tentassem uma fuga, rumo à Serra.

Porém isso foi constatado pelos estafetas de Candinho que

rapidamente alertaram Alípio. Desta forma, Capitão

Boaventura perdeu o elemento surpresa.

Quando o capitão se aproximou da estrada principal

que dava para Três Forquilhas, foi hostilizado pelos

estafetas e espias do Pelotão Serrano, que haviam ainda

permanecido na área, atentos a toda e qualquer

movimentação.

Diante do insucesso de surpreender o inimigo e

imaginando que já estava em contato com a força de Major

Alípio composta de mais de duzentos homens, isto levou

Boaventura a dar a ordem inusitada para retrair de novo.

Isso foi um erro lastimável, pois, na verdade, era apenas

meia dúzia de estafetas e espias do Pelotão Serrano que

haviam promovido todo o alarde.

O 3° Esquadrão sob o comando do capitão

Boaventura passou a noite, nas proximidades do Pântano do

Espinho, no caminho que leva ao ancoradouro. Eles

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desejavam ter esse caminho livre para escapar de um

ataque maciço dos revolucionários. No ponto onde se

esconderam, existia um estreito passo, que dava passagem,

rumo ao ancoradouro, bem como, se necessário também

para a Colônia de Três Forquilhas. Era o local perfeito para,

com poucos homens, causar grandes estragos, numa força

inimiga que tentasse transpor aquele passo. Porém jamais

Major Alípio haveria de querer tomar esse caminho estreito

rumo ao Ancoradouro. O caminho para seus mais de

duzentos homens teria que ser a estrada principal, rumo a

Serra.

Boaventura estava receoso para aventurar-se, em

qualquer tipo de ação, naquela situação. Ele não queria

colocar seu efetivo num terreno que lhe fosse desfavorável.

Ele sabia que os revolucionários eram os soberanos daquela

área geográfica, pois conheciam cada palmo do vale do rio

Três Forquilhas e muito mais ainda da área serrana. Ele

sabia também, que se os revolucionários alcançassem a

Serra do Pinto, e chegassem as Charnecas de Labatut,

poderiam vir dois ou três Regimentos, que todos eles

seriam derrotados

Confronto no Pântano do Espinho

Major Alípio ficou devendo muito ao Baiano Candinho

por lhe proporcionar um tão eficiente serviço de espias, hoje

diríamos, bom serviço de informações. Eles ainda se

encontravam e o alertaram sobre o local onde Capitão

Boaventura estabelecera a sua tocaia. Novamente os

republicanos perderam o elemento surpresa e estavam

expostos às manobras do Major Alípio que contava com

mais de duzentos e trinta homens enquanto Boaventura

contava com apenas trinta e dois, muitos deles jovens,

assustados e inexperientes.

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Major Alípio entendeu que era o momento propício

para uma retirada rápida, para fugir de um massacre,

diante de outro efetivo republicano, numeroso, contando

com mais de oitocentos homens, que estavam em vias de

chegarem àquela área.

Major Alípio entrou pelo caminho do Pântano do

Espinho, rumo a Colônia de Três Forquilhas, no dia 09 de

junho de 1895, bem cedo, quando ainda a escuridão

dominava e apenas as primeiras réstias de luz permitiam a

locomoção dos cavaleiros.

Sabendo do local exato da tocaia montada pelo

Capitão Boaventura, Alípio ordenou o rompimento da

barreira feita por apenas seis homens de Boaventura, a

qualquer custo.

A vanguarda devia aproximar-se com o maior

silêncio possível, para estabelecer um tiroteio e levar os

soldados republicanos a retrair, para a trilha que conduzia

ao Ancoradouro, desta forma a estrada principal que

conduzia rumo a Três Forquilhas ficaria novamente liberada

em sua totalidade e todo o efetivo revolucionário passaria

em bloco e a galope, para tomar o rumo da Serra.

Capitão Boaventura, sendo avisado que sua meia

dúzia de homens não conseguiria sustentar aquela posição

estratégica e imaginando que mais de duzentos e trinta

maragatos bem treinados poderiam vir a atacá-lo em sua

posição principal, ordenou uma nova retração insólita.

Após um breve tiroteio em que perdeu alguns

homens e matou três maragatos, o Capitão ordenou a

retirada rumo ao passo de um dos braços do rio Três

Forquilhas, que ficava nas proximidades. Ele queria manter

o caminho aberto a qualquer custo e que lhe permitisse

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uma eventual fuga e o retorno garantido, para Torres.

Entretanto Major Alípio não tinha o menor interesse de se

aventurar numa perseguição ao reduzido esquadrão de

Boaventura. Os espias de Candinho já o haviam alertado de

um perigo bem maior que estava para chegar.

Porém Boaventura nada sabia das duas Companhias

do 18° RI, que se aproximavam, tendo na vanguarda um

Esquadrão do 16° RC, e que melhor conheciam o terreno.

Uma vez que Capitão Boaventura não tinha

informação sobre a posição da força republicana e como já

sofrera baixas, de três mortos e alguns feridos, ficou com

receio de ser esmagado pelos maragatos. Simplesmente

não reforçou aquela posição estratégica junto à estrada

principal e o caminho ficou totalmente livre para os

revolucionários.

Major Alípio, com isto, não pagou um preço elevado

que ele já imaginara ter que contabilizar. Deixou para trás

apenas três mortos e levou consigo uma dezena de feridos,

mas ficou agora com o caminho livre, rumo à Serra.

Os revolucionários saíram no momento adequado,

pois a vanguarda do 18° RI já vinha lá despontando numa

curva da estrada principal, tiroteando com alguns

maragatos retardatários. Mas para a Infantaria,

evidentemente a pé, não havia a menor possibilidade para

estabelecer uma perseguição. Na verdade, a estratégia

montada por Baiano Candinho salvara Major Alípio de uma

derrota ou de um cerco total e o aniquilamento completo.

O comando republicano frustrou-se com a malograda

missão, de cercar e destruir os revolucionários. Apenas

sobraram alguns cadáveres de maragatos, que tiveram que

ser recolhidos e levados a uma sepultura. O enterro

aconteceu naquela mesma tarde, sendo os corpos colocados

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em vala comum, no Cemitério do Pântano do Espinho em

terras que pertenciam ao Sr. Carlos Becker Filho.

Quanto aos três soldados mortos, do 16° RC, os

mesmos foram conduzidos a Torres, para serem sepultados,

com honras militares e com a presença de um padre

católico.

Baiano Candinho não chegou a participar

diretamente de nenhum desses confrontos, do Passo do

Cornélios e do Pântano do Espinho. Porém nos relatórios

feitos pelo Coronel Capaverde e pelo Comandante do 18°

RI, todo este confronto foi creditado como tendo sido obra

de Candinho. Cada qual queria ter a honra de ter enfrentado

Candinho e de tê-lo enxotado de volta para a Serra.

Nos relatos enviados a Porto Alegre, o nome do

Major Baiano Candinho foi intencionalmente mencionado

como o comandante da tropa que teria sido combatido em

Cornélios e no Pântano do Espinho, quando na verdade

haviam enfrentado somente o Major Alípio e o Capitão Luna.

Pelo simples fato de que esta área de Três Forquilhas

e Serra do Pinto eram consideradas como sendo território

de Candinho, mencionaram que os combates também

teriam sido em confronto direto com ele.

Naquelas alturas Candinho estava descansando,

tranquilamente, ou na propriedade do sogro, no Barreiro ou

então na Serra do Pinto.

Os efetivos republicanos não tiveram disposição para

perseguir os revolucionários, pois desconheciam por

completo aquela área da Serra onde um dia o General

francês Labatut, quando, em 1839, no enfrentamento com

os Farrapos, esse militar a serviço da coroa imperial

brasileira, se perdera em meio às charnecas serranas.

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Depois desses confrontos, todos os efetivos

republicanos regressaram para seus aquartelamentos.

Sobreveio para todo o Litoral Norte do Rio Grande do Sul

um período de grande calmaria. Os moradores da Colônia

de Três Forquilhas passavam a comentar entre si: - “Nem

mais parece que ainda estamos em tempo de Revolução”.

Capitão Luna segue rumo próprio

Um problema não resolvido incomodava Candinho,

por isso ele tinha pressa de retornar a Contendas.

Assim que o Major Alípio foi embora com sua tropa,

seguindo rumo ao interior de São Francisco de Paula, a

primeira providência de Candinho foi a de reunir os

comandantes dos pelotões, na presença de Coronel

Baptista. Desejava disciplinar Capitão Luna, por desacato

às ordens superiores.

A reunião, porém foi frustrante, pois Capitão Luna

decidiu fazer afrontas diretas e abertas contra Candinho.

Explicou que em tempos de Revolução os métodos mudam,

sendo permitido o saque aos moradores de determinado

lugar.

Luna utilizou como exemplo, o fato de Candinho ter

autorizado o saque ao comércio de Conceição do Arroio.

Explicou que não via nenhuma diferença com o que ele,

Capitão Luna e demais Brigadas haviam feito com os

moradores da Colônia de Três Forquilhas. Apenas haviam

exigido contribuições do povo, para a causa federalista,

visando prover o efetivo da subsistência necessária.

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Luna utilizou mais outro exemplo, invocando a

conduta de Major Alípio, argumentando que o mesmo

também saqueara, nos caminhos por onde passara. Este

sim era um verdadeiro revolucionário, pois soubera

provocar os castilhistas, entrando em confronto com eles

enquanto Candinho evitava combates.

Capitão Luna solicitou em seguida uma total

autonomia de ação. Autorizou que, caso alguns dos

Brigadas quisessem ficar com Candinho, teriam plena

liberdade para fazê-lo.

Coronel Baptista aceitou as ponderações de Capitão

Luna. Apenas ordenou que os Brigadas teriam que

abandonar o refúgio da Grota da Onça, bem como as

imediações de Contendas. Deveriam ir para longe da

presença de Candinho, na direção da divisa do município de

São Francisco de Paula com o município de Rolante. Ali

também existiam bons refúgios.

Capitão Luna esclareceu que este já fora o seu plano.

Ele e os demais Brigadas haviam feito amizade com Major

Alípio e outros líderes revolucionários de São Francisco de

Paula. Estes teriam informado sobre confiscos, feitos no

passado, em Rio da Ilha, Rolante e outras localidades,

sempre com bons resultados. Ali, portanto haveria amplo

espaço para as ações revolucionárias.

Para Major Candinho essa solução, a princípio,

poderia parecer satisfatória. Ele, no entanto, sabia que a

indisciplina de Capitão Luna, não punida, apenas protelaria

o surgimento de novos problemas. Mas não tinha escolha.

Afinal, Coronel Baptista dera sua decisão, concordando com

as ponderações de Capitão Luna. Pelo visto, o Coronel

desejava garantir a presença de Luna, na área de São

Francisco de Paula.

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Na hora da saída dos Brigadas, um novo fato

incomodou Candinho. O seu enteado Henrique e mais o

Leonel Brandão desejavam, de livre e espontânea vontade,

permanecer com Luna.

Baiano Candinho sabia que isto representava a perda

deste que ele sempre considerara como sendo um dos seus

filhos, e que ele prometera para Maria Witt de tratar o

menino com se filho fosse.

Nestas alturas já ficara bem evidente que Capitão

Luna só trouxera prejuízos para o Esquadrão Josaphat,

desde o primeiro instante. Candinho temia que outros

danos, ainda piores, podessem acontecer à causa

revolucionária, por conta desse espírito indisciplinado, de

Luna.

Com uma enorme ponta de insatisfação, Candinho

reuniu os homens que lhe haviam permanecido fiéis.

Desceram a propriedade do falecido João Patrulha.

Desejavam aumentar ainda mais a distância de Contendas e

da Fazenda do Coronel Baptista, e mais ainda de Capitão

Luna.

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REVOLUCIONÁRIOS CASAM NA COLÔNIA

Ainda no tempo da Revolução Federalista, quatro

soldados do Esquadrão Josaphat procuraram Candinho e

avisaram que desejavam casar. Queriam casar na Colônia

de Três Forquilhas.

Os três soldados pertenciam ao Pelotão Três

Forquilhas, ou também conhecido como Pelotão Protestante,

liderado pelo Capitão Luiz da Conceição e sob o Comando

Geral do Major Baiano Candinho.

Eram jovens, agora cheios de sonhos e de esperança

por um mundo mais feliz, sem revoluções e sem guerra,

para organizarem uma vida familiar e cuidando de suas

lavouras e criação.

O primeiro deles, conhecido como João Franco, era

filho do Capitão Luiz da Conceição, portanto um sobrinho de

Major Baiano Candinho. João nascera na Colônia de Três

Forquilhas em 13.12.1874. O pai o levara para o batismo

em 21.02.1875, diante do pastor Voges. Entre os padrinhos

de batismo constaram, o avô João Francisco e o tio-avô

França Gross. Era, também um afilhado do Tenente França

Gross. João Franco fizera vinte e um anos e era considerado

um dos soldados mais leais e aguerridos do Pelotão, um

espia de grande esperteza e um soldado versátil, pronto

para as missões mais difíceis. Ele disse para Candinho: -

“Agora a missão que eu quero é de ser permitida a união

com a minha amada...”.

O soldado Naldo da Hora era nada menos que o

Soldado Reginaldo, da Escolta desertora. Ele recebera esse

apelido, na época em que guarneceriam o posto de caça aos

bandidos, ao pé da Serra do Pinto. Naquela época ele vivia

disputando o plantão da porteira, sendo alcunhado com o

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nome de plantão da hora e passou a ser o Naldo da Hora.

Todos sabiam que ele disputara aquele serviço de plantão,

só para poder ver o movimento da estrada, talvez na

esperança de ver a sua amada Poldia, chegando para uma

visita. Quando todos eles passaram para o lado de Baiano

Candinho, Naldo da Hora pediu para servir no Pelotão Três

Forquilhas. Era a única maneira de ficar mais próximo da

menina Poldia. Ele também devia ter em torno de vinte e

um anos de idade.

O terceiro, Filipe Ofes, nascera na Colônia de Três

Forquilhas em 17.12. 1872. Fora batizado pelo pastor Voges

em 18.05.1873, tendo entre os padrinhos uma cunhada de

Baiano Candinho. Ele era também muito leal ao Pelotão.

Podemos imaginar da importância, para todo o

efetivo, do casamento desses três soldados maragatos. E o

Comandante Geral Major Baiano Candinho insistia, que se

aproveitasse o momento de calmaria, nesse andamento da

Revolução. Alertou que tal calmaria bem podia ser um

prenúncio de dias bem mais difíceis para todos. O barulho

poderia vir mais adiante, de forma redobrada.

Foram feitos os contatos com o Pastor Lemão, da

Colônia Protestante. Esse pastor era um jovem estrangeiro,

difícil de lidar. Não falava o português e andava cheio de

exigências novas, para qualquer coisa que tivesse que fazer.

Passaram a chamá-lo de Lemão Azedo, por causa disto.

Foi necessária a intermediação de Major Voges e do

escrivão Christovam Schmitt para que os casamentos

finalmente pudessem ser marcados e realizados.

No dia 09 de agosto de 1895, o Esquadrão Josaphtat,

agora integrado apenas por dois pelotões, veio acantonar

nas terras que Carlos Witt, sogro de Baiano Candinho e avô

do noivo João Franco

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Carl Witt possuía uma faixa de terra herdada do pai,

próximo da entrada do Arroio do Padre, na chamada

Baixada dos Witt. É importante mencionar que, outra

morada e o engenho de Carlos Witt, situavam-se na

Limeira, em direção do caminho para o arroio do Pinto.

O efetivo veio armado e com todas as precauções de

segurança. Foi estabelecido um cinturão de defesa, ao

encargo do Pelotão Serrano, para manter sentinelas e

espias, junto à entrada para Três Forquilhas. Já o Pelotão

Três Forquilhas ficou totalmente liberado para participar da

cerimônia religiosa e da festança desses casórios.

Quando os noivos chegaram diante do templo, foram

rodeados pelos integrantes do Estado–Maior do Esquadrão.

O Pastor Lemão vendo a cena, ficou bastante nervoso, uma

vez que alguns desses homens estavam armados. Ele

estava a pouco tempo no Brasil e ainda não entendia direito

o que estava acontecendo, em matéria de disputas políticas

riograndenses. Ele ouvira dizer que esses maragatos eram

bandidos, e exatamente isto é que devia enchê-lo de

desconfianças.

Difícil imaginar, o que podia estar passando pela

cabeça do pastor, naquela estranha situação. Ele que

possivelmente sonhou trabalhar em uma Comunidade

Germânica, de língua alemã e, naquela hora, quanto mais

olhasse em torno de si e afinasse o ouvido, certamente

pouco conseguia ouvir de língua alemã e de rostos brancos.

Era a face morena, da Comunidade, com toda a sua força e

presença, na vida da Igreja local.

Os pares de noivos posicionaram-se diante do altar:

João Franco e Maria Rosalinda, Filipe Ofes e Maria Luisa,

Naldo da Hora e Poldia.

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As duas primeiras noivas eram irmãs, netas do

falecido João Patrulha. Deviam estar muito emocionadas,

lembrando do querido irmão que, entre os maragatos, fora

conhecido por Pedro Juarte, e covardemente assassinado,

em 1893, pelas forças castilhistas.

Elas quiseram ter Baiano Candinho e França Gross

como padrinhos de casamento, pois ambos haviam se

revelado muito solidários com a família, no tempo de luto.

Já o Naldo da Hora que conseguira conquistar o coração de

Poldia, pediu como padrinho o próprio Comandante do

Esquadrão, o Baiano Candinho e mais o Capitão Luiz da

Conceição, seu Comandante de Pelotão.

Quando a benção matrimonial foi concluída, Baiano

Candinho expressou insatisfação com o trabalho do Pastor

Lemão: - “O que esse infeliz ficou conversando, já que

ninguém de nós entende a língua que ele fala”.

É bem possível que quase três quartos dos presentes

não entendessem absolutamente nada da língua alemã.

França Gross pediu: - “Compadre Candinho, tenha

um pouco de paciência, pois os bons tempos do velho

pastor Voges não voltarão mais”. Ele muito bem sabia que

só restava adaptar-se a essa nova situação.

Candinho, no entanto, desabafou, salientando: - “Se

o velho pastor, até meio caduco fazia questão de sempre

falar alguma coisa em português, porque esse jovem não

pode fazer o mesmo”.

O velho pastor sempre procurara cativar todos os

brasileiros. Fora, com certeza, por causa disso, que o velho

Voges tivera interesse em também usar a língua nacional,

unicamente para estabelecer comunicação.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

326

Apesar dos apesares, foi um dia de festa, como a

Colônia, há muito tempo não mais vira, três casamentos em

uma só festa.

O churrasco foi servido debaixo de um grande

arvoredo, na propriedade de Carlos Witt, não longe das

margens do arroio do Padre. Houve música, conduzida pelo

gaiteiro Lauser, acompanhada por brincadeiras e folguedos.

As viúvas, de diversos maragatos mortos nos últimos

anos, estavam em um canto, olhando com grande tristeza,

para o cenário. Esperavam que essa Revolução acabasse de

uma vez, para que essas noivas não ficassem, quem sabe,

diante da mesma infelicidade em que elas viviam. Ficar com

filhos pequenos, sozinha, para também fazer o papel de pai,

era missão por demais difícil.

Os homens, no entanto, estavam em grupos,

tagarelando, falando dos rumos da vida política nacional.

Estavam desejosos de continuar a luta, até que o povo

riograndense pudesse encontrar um regime de Governo

mais adequado. Essa ditadura castilhista precisava ser

derrubada, nem que para isso, mais uma porção de

maragatos tivessem que sacrificar suas vidas.

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327

PASTOR LEMÃO LEVANTA MUROS

Depois da morte de Pastor Voges, ocorrida em

03.10.1893, a Comunidade passou por um período de

vacância pastoral.

O atendimento aos membros passou a ser ministrado

pelo major Voges com a ajuda do professor Christian

Tietböhl.

Finalmente, em março de 1895, chegou da

Alemanha, o recém formado Pastor Gottfried Schlegtendal

que, por causa do nome difícil de ser pronunciado, passou a

ser denominado pelo apelido de Pastor Lemão. Ele recebeu

a tarefa de reorganizar a Comunidade, em pleno período da

Revolução Federalista.

Não transcorreu mais de um mês da chegada do

novo pastor, quando ocorreu a passagem do Esquadrão

Josaphat, pela Colônia, rumo a Conceição do Arroio.

Descrevemos anteriormente, a atitude de Capitão Luna,

que, desobedecendo às ordens do Major Baiano Candinho,

promoveu saques a moradas de colonos e comerciantes, a

título de arrecadar contribuições para a causa

revolucionária.

A partir desses saques de Luna, de uma vez por

todas, os federalistas passaram a ser descritos como

bandidos da Serra. E foi também desta forma, que Pastor

Lemão provavelmente só conseguiu ver o lado negativo do

movimento federalista. Prontamente, ele apoiou as medidas

propostas pela Diretoria Castilhista da Igreja, e, ao mesmo

tempo foi aplicando as suas próprias exigências pastorais,

no desejo de reorganizar a vida eclesiástica, na Colônia e

tentar colocar ordem ao caos social que se estabelecera.

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328

Pastor Lemão conseguiu que fossem aprovadas

medidas administrativas visando a manutenção do serviço

pastoral, através de cobrança de taxas de serviço. Essa

cobrança tornou-se necessária, no sentido de prover o

sustento do pastor.

Em 24.07.1895, ele trouxe outra exigência, para

ordenar o trabalho eclesiástico. Ao mesmo tempo, procurou,

com a nova medida, melhorar a frequência aos cultos, que

havia decrescido muito. Ele suprimiu a possibilidade de

realizar batismos em lares. Todos os batismos teriam que

ocorrer no templo, durante o culto regular. Convém lembrar

que pastor Voges sempre procurou ir, até as diferentes

localidades, para oficiar cultos e realizar batismos. Ele fora

sempre ao encontro dos membros. O novo pastor teve a

intenção de trazer os membros para o templo.

Em fins de 1895 veio a questão mais polêmica,

levantada pelo Pastor Schlegtendal. Em 17.11.1895, ele

apresentou para a Diretoria a questão do uso da língua

alemã, na Igreja e na sociedade local. Enfatizou que: < A

primeira e santa tarefa de todo o evangélico, é a de zelar

pela língua alemã >. Esta medida não devia ficar restrita ao

uso no lar, mas também deveria ser utilizada na Igreja, na

Escola, bem como para o relacionamento público, em geral.

Ele insistia de que disto é que dependeria a existência da

Comunidade Luterana no Brasil.

Começaram discussões entre os próprios integrantes

da Diretoria e uma discussão que passou a se estender para

os lares e aos encontros de famílias e de vizinhos.

Não bastava a questão política, do choque das idéias

castilhistas e federalistas? Tinha que surgir outra briga, para

dividir, ainda mais, as pessoas, dentro dos próprios lares e

no templo? Uns consideravam que o uso da língua alemã

era uma simples questão de honra? Outros alegavam que a

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língua alemã não podia ser colocada, como sendo uma peça

sagrada.

Essa situação me faz voltar até o ano de 1453.

Observemos o que aconteceu com os moradores da cidade

de Constantinopla. Uma discussão passara a dividir aquela

capital do Império do Oriente: < O que veio primeiro, o ovo

ou a galinha? >.

Ficaram em confronto, irmãos contra irmãos e

famílias contra famílias. Enquanto os bizantinos se dividiam

em torno de suas discussões, os turcos estavam acampados

do lado de fora dos muros.

Acreditavam os bizantinos, que os muçulmanos

jamais haveriam de romper a solidez de suas defesas.

Haviam levantado muros bem altos.

Entretanto, os esquadrões de engenheiros do sultão

encontraram uma maneira de entrar na cidade. Furaram um

túnel por baixo dos muros e, durante a noite, homens

conseguiram entrar e abrir os portões. Constantinopla virou

Istambul. Os moradores da cidade, na maioria tornaram-se

muçulmanos, para ter melhores chances de ali permanecer

e continuar em suas profissões e trabalho.

Voltemos à questão do novo pastor. O nome dele

Gottfried e o sobrenome Schlegtendal eram, de fato, muito

complicados para a maioria das pessoas. Passaram a

simplesmente dizer: - o Pastor Lemão.

O pastor e a Diretoria da Igreja, bem como as

famílias da até então Colônia Protestante, não prestaram

muita atenção para a investida dos padres jesuítas, que

passaram a fazer túneis por baixo dos muros, da ação

pastoral. Eles notaram que havia muita gente insatisfeita

com a recente taxação do serviço pastoral e das medidas

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rígidas em torno de serviços pastorais e, particularmente,

pela língua alemã, que devia ser utilizada, com

exclusividade, por todos os membros da Comunidade

Evangélica.

Os jesuítas, a princípio, ofereceram serviços

gratuitos, para cativar o público. Depois, passaram a

espalhar a informação, que casamento ou batismo

ministrado pelo pastor, era considerado como sendo nulos.

Só tinham validade os sacramentos ministrados pela Santa

Madre Igreja.

Os padres jesuítas mostravam-se impiedosos, em

relação aos evangélicos tratando-os como meros inimigos

da fé verdadeira.

Transpareceu a clara intenção, nesta área de Três

Forquilhas, de que os padres desejavam estrangular a

Comunidade Protestante, lentamente. O plano foi bem

simples: - aos poucos, estabelecer locais para Missas e

depois levantar capelas.

O único problema, é que os jesuítas não conseguiam

manter uma adequada regularidade, nas visitas e missas.

Apareciam esporadicamente, nesta área da Colônia de Três

Forquilhas.

Pastor Lemão, sem imaginar e sem querer, ajudou os

padres jesuítas. Ao levantar muros entre os próprios

integrantes da Comunidade Protestante, na tentativa de

salvaguardar a doutrina luterana, através do uso da língua

alemã, ele, na verdade, passou a dividi-los. Os que

entendiam e dominavam a língua alemã passaram a ser a

nata da Comunidade. Os demais eram vistos como um mero

refugo eclesial.

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Os muros construídos basearam-se, pois, nas pedras

das rígidas exigências introduzidas. E, em particular, o

plano de impor uma língua estrangeira, como se a mesma

pudesse ser colocada acima da língua nacional, veio tornar-

se a pedra mais deslocada para a construção.

É preciso acentuar que muitas famílias nada

entendiam de alemão. Outros, como, por exemplo, nos

lares dos serranos, ou eram marcados pela miscigenação ou

eram totalmente de gente nativa. Eles simplesmente

passaram a ser discriminados, ficando, praticamente fora do

convívio normal, da Comunidade.

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O FIM DA REVOLUÇÃO FEDERALISTA

No ano de 1895. Baiano Candinho estava com os

seus dois pelotões, na Serra do Pinto. Tudo parecia bem

tranquilo. O Governo ainda não enviara nenhuma outra

Escolta da Brigada, para caçá-los. Estavam assim, na

expectativa dos acontecimentos.

Eis que no dia 23 de agosto de 1895, na cidade de

Pelotas, foi assinado o armistício, dando um fim à Revolução

Federalista. Foi depois de trinta e um meses de lutas e um

saldo de mais de doze mil mortos, sendo talvez a metade

pelo método da degola, praticada por ambos os lados.

Três dias após o armistício apareceu um estafeta na

Serra, com um comunicado urgente destinado ao Major

Baiano Candinho. Todos os oficiais rodearam o chefe. Eles

estavam curiosos, para saber qual seria a nova missão para

eles.

Baiano Candinho leu o comunicado. Era apenas um

lacônico aviso: < O armistício foi assinado, em Pelotas, no

dia 23 de agosto de 1895. A Revolução acabou. Deponham

as armas e cada qual retorne para a sua família e

propriedade. A ordem é de paz para todos >.

O efetivo do Esquadrão Josaphat não queria acreditar

na ordem. Devia ser algum engano. Eles estavam ali com a

força plena, em condições de continuar a Revolução. E como

haveriam de terminar com o movimento revolucionário se a

ditadura castilhista não fora derrubada?

Candinho teve que falar energicamente. Explicou que

não existia mais nenhuma possibilidade de continuar a

Revolução, pois em muitos lugares, os efetivos maragatos

haviam sido totalmente destroçados. Ordenou que todos

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retornassem para as suas casas e lavouras ou ao trabalho

tropeiro

Candinho decidiu retornar para Contendas, onde

seria capataz de uma fazenda, seguindo uma sugestão que

Major Voges lhe dera.

Candinho desejava dedicar-se mais à família e de

maneira especial à sua esposa Maria Witt, que muito sofrera

com a vida errante no Baixo Josaphat e na Serra. A família

merecia receber agora uma atenção especial.

Todos aceitaram a dispensa, ficando definitivamente

extinto o Esquadrão Josaphat e, em consequência os

Pelotões Três Forquilhas e Serrano.

Revolucionários Federalistas de

Três Forquilhas - Dados Biográficos:

1 – BAIANO CANDINHO. Nome verdadeiro: Martim

Pereira dos Santos. Nomes falsos: Cândido Alves da Silveira

e Manoel Alves da Silva. Data nascimento: por volta de

1846. Local de nascimento: Província do Ceará. Filiação:

José Pereira dos Santos e Rosa Maria dos Santos. Época da

chegada a Três Forquilhas: 1871. Profissão: Construtor de

atafonas, mister aprendido no Ceará. Ele aperfeiçoou a

atafona do pastor Voges, conquistando um alto conceito

profissional, em toda a região. Tropeiro. Construtor de

Taipas de Pedra. Capataz de Fazenda. Pequeno criador de

gado, na Serra, em parceria com Johann Hoffmann.

Religião: Tornou-se Protestante, membro da Comunidade

Evangélica de e Três Forquilhas. Casamento: Uniu-se com

Maria Witt, pelo religioso em 15 de abril de 1879, sendo

padrinhos o Major Adolfo Felipe Voges e o professor Serafim

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Agostinho do Nascimento. No dia 18 de maio daquele

mesmo ano Candinho procurou o escrivão para fazer

registrar a ocorrência deste casamento. Alegou ser

analfabeto e ter apenas vinte e cinco anos de idade e

apresentou o nome falso de Cândido Alves da Silveira,

conforme o Livro de Casamentos, número 01, folha 07, do

Registro Civil, hoje de Itati. Maria Witt morreu acidentada

em 1896. Filhos e descendência, tida com Maria Witt: F1 -

Ambrosina (16.12.1881) casou com Johann Nascimento

Hoffmann, em 27.07.1896 e tiveram os seguintes filhos:

N1 – José Hoffmann; N2 – João Cândido Hoffmann; N3 –

Fernando Hoffmann; N4 – Alzerino Hoffmann; N5 – Pedro

Hoffmann; N6 – Olávio Hoffmann; N7 – Ivo Hoffmann e N8

– Dorvalina Hoffmann. A família fixou residência em Caxias

do Sul – RS. F2 - Angelina (1883) casou com Luis Jorge

Hoffmann em 16.12.1897 e tiveram os seguintes filhos: N1

– Luisa Hoffmann; N2 – Virgínia Hoffmann; N3 – “Negra”

Hoffmann; N4 – Rosalina Hoffmann; N5 – João Hoffmann;

N6 – Santilino Hoffmann (“Santo”); N7 – Alzemiro

Hoffmann (“Miroca”); N8 – Andrade Hoffmann; N9 –

Edmundo Hoffmann. A família mudou-se para Caxias do Sul

– RS. F3 - Pasqualino (08.10.1886) casou com Maria Brando

e tiveram diversos filhos. A família fixou residência na Vila

Joá, no município de São Francisco de Paula. F4 - Avelino

(1888) casou com “Biluca” Hoffmann e tiveram apenas

filhas: N1 – Docelíria; N2 - Belmira; N3 - Elvira e N4 -

Zulmira. F5 – Julia (03.04.1890) os descendentes nada

souberam informar, sobre a vida desta filha. F6 - Realina

(10.10.1892) casou com Aldino de Oliveira Melo, em

Tainhas – São Francisco de Paula, e teve os filhos: N1 -

José Ivo de Oliveira Melo (13.09.1925) que casou com

Jovelina Klein, dando os seguintes bisnetos a Baiano

Candinho: BN1 – Eliseu Klein de Oliveira (22.06.1954); BN2

– Elisete Klein de Oliveira (02.08.1955) e que faleceu com 4

meses de idade; BN3 – Eleusa Klein de Oliveira

(12.08.1956) e BN4 – Eliane Klein de Oliveira (12.07.1960).

Retomando os filhos de Realina: N2 – Atalíbio de Oliveira

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Melo (26.10.1927); N3 – Maria Leonida de Oliveira Melo e

N4 – Julio de Oliveira Melo. F7 – Ernestina (1893) casou

com Avelino Brando, tendo três filhos. A família mudou-se

para Caxias do Sul – RS. Maria Witt, antes da união com

Baiano Candinho, tivera dois filhos, (pai ignorado): F1 –

Henrique, em 19.05.1875 e que casou com Caquita “Bicudo”

Rodrigues, e F2 – Geraldino, no final de 1876 e que faleceu

em 1883, aos sete anos de idade. Baiano Candinho teve

três filhos extraconjugais: F1 - Constâncio Alves da Silva,

(Constâncio Candinho) com Maria Luisa da Silva, em

04.01.1876. F2 – Candio Beca, “João Candinho”, Johann

Candea Becker, em 29.10.1879, filho de Maria Dorothea

Becker (prima de França Gross). Cândio Beca casou com

Geraldina Preta e tiveram diversos filhos. Residiu por algum

tempo onde hoje mora o Júlio Baiano. Os descendentes

foram para Gravataí – RS. F3 - Manoel Alves da Silva

Júnior, (Candinho Gaspar) com a viúva Maria Stahlbaum

nascida Dresbach, em 16.09.1882. Em 1897, depois da

morte de Maria Witt, Baiano Candinho voltou a casar com

uma viúva das bandas da Lagoa Itapeva. Devia ser “Marieta

da Silva”, a viúva Maria Dresbach Stahlbaum, com quem já

tivera um filho em 1882. Ele levou a viúva para a sua casa

no Arroio Carvalho. Residência: no lado direito, da estrada

que margeia o arroio Carvalho, a aproximadamente 1,5

quilômetros do início da subida da Serra do Pinto. Posto ou

graduação na Revolução: Major. Função: Comandante do

Esquadrão Josaphat. Morte: 06.01.1898, assassinado, aos

cinquenta e dois anos de idade. Observações: Integrou o

26º Corpo de Voluntários da Pátria, da Província do Ceará,

na Guerra do Paraguai. Desertara quase no final da Guerra.

2 – BAIANO TONHO. Nome: Jorge João Antonio. Data

de nascimento: por volta de 1844. Local do nascimento:

Província do Ceará. Filiação: desconhecida. Época da

chegada a Três Forquilhas: 1871. Profissão: Criador de gado

e Tropeiro. Religião: Tornou-se Protestante, membro da

Comunidade Evangélica de Três Forquilhas. Casamento: Em

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1871, uniu-se com a viúva Maria Catharina Becker prima de

França Gross. Filhos: F1 – Johann Louis Antonio,

(07.01.1872). F2 – Johann Peter Antonio (07.01.1872). F3 -

Johann Jacinto Antonio (06.08.1875). Residência: no Platô

do Patrulha, de João Menger, no Josaphat. Posto ou

graduação na Revolução: Capitão. Função: Comandante do

Pelotão Serrano, do Esquadrão Josaphat. Morte: 1898,

assassinado, aos cinquenta e quatro anos de idade.

Observações: Integrou o 26º Corpo de Voluntários da

Pátria, da Província do Ceará, na Guerra do Paraguai.

Desertara quase no final da Guerra.

3 – LUIZ DA CONCEIÇÃO. Nome: Luiz Brandão Feijó.

Data de nascimento: 1839. Local de nascimento: Província

de Santa Catarina. Filiação: filho natural de Maria Rosário

da Conceição, por isto recebendo o apelido de Luiz da

Conceição. Época da chegada a Três Forquilhas: em 1871

entrou na mesma época dos cinco Baianos. Profissão:

Fabricante de rapadura e cachaça. Lavrador. Religião:

Tornou-se Protestante, membro da Comunidade Evangélica

de Três Forquilhas. Casamento: uniu-se com Catharina Witt,

cunhada de Baiano Candinho. Filhos: F1 - Rosália

(04.02.1872). F2 - Johann Francisco (13.12.1874). F3 -

Branderiga ( 30.10.1878). F4 - Maria Antonia (05.09.1879).

F5 - Paulino (03.06.1882). Residência: na Limeira, em

terras cedidas pelo sogro Carlos Witt. Posto ou graduação

na Revolução: Capitão. Função: Comandante do Pelotão

Três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat. Morte: 1898,

assassinado, aos quarenta e nove anos de idade.

4 – MANOEL CÂNDIDO. Nome: Manoel Francisco da

Cunha. Data de nascimento: por volta de 1839. Local do

nascimento: desconhecido. Época da chegada a Três

Forquilhas: por volta de 1854. Profissão: Tropeiro, voltado

às lides com cavalos e gado. Religião: tornou-se

Protestante, membro da Comunidade Evangélica de Três

Forquilhas. Casamento: uniu-se com Maria Menger, em

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1863, filha de João Patrulha Menger. Foi homem de total

confiança do sogro. Filhos: F1 - Jacob Cândido Menger

(06.05.1856). F2 - Carl Peter Cândido Menger

(12.09.1862). F3 - Miguel Cândido Menger (10.11.1865).

Residência: Era tropeiro a serviço de João Menger – “João

Patrulha”, no Josaphat. Residia no Platô do Patrulha. Posto

ou graduação na Revolução: Tenente. Função: Oficial do

Pelotão Três Forquilhas do Esquadrão Josaphat. Morte:

desaparecido em 1898, aos cinquenta e nove anos de idade.

O seu cunhado Michel Menger consta da relação dos mortos

na Guerra do Paraguai.

5 – JOÃO BAIANO. Nome: João Rosa dos Santos.

Talvez tivesse sido um primo de Baiano Candinho. Data de

nascimento: por volta de 1842. Local do nascimento:

Província do Ceará. Época da chegada a Três Forquilhas:

1871. Profissão: Criador de gado e especialista na castração

de animais. Tropeiro. Religião: Tornou-se Protestante, em

Três Forquilhas. Casamento: Uniu-se com Maria Dorothea

Triesch (Téia Treis). Filhos: F1 – Joseph (23.06.1885). F2 –

Carl Johann (01.09.1889). Residência: residiam no Platô do

Patrulha. Posto ou graduação na Revolução: Tenente.

Função: Oficial do Pelotão Serrano, do Esquadrão Josaphat.

Morte: 1898, assassinado, aos cinquenta e sete anos de

idade. Observação: Integrou o 26º Corpo de Voluntários da

Pátria, da Província do Ceará, na Guerra do Paraguai.

Desertara quase no final da Guerra.

6 – JOSÉ BAIANO. Nome: José Rosa dos Santos.

Talvez tivesse sido primo de Baiano Candinho. Data de

nascimento: por volta de 1844. Local do nascimento:

Província do Ceará. Época da chegada a Três Forquilhas:

1871. Profissão: Criador de gado, especialista em castração

de animais. Tropeiro. Religião: Tornou-se Protestante, em

Três Forquilhas. Casamento: Uniu-se com Felisbina Triesch

(Bina Treis). Filhos: F1 – Bersalina (08.10.1884). F2 –

Johannes (17.10.1885). F3 – Idalina (12.02.1888).

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Residência: residiam no Platô do Patrulha. Posto ou

graduação na Revolução: Tenente. Função: Oficial do

Pelotão Serrano, do Esquadrão Josaphat. Morte: 1898,

assassinado aos cinquenta e quatro anos de idade.

Observação: Integrou o 26º Corpo de Voluntários da Pátria,

da Província do Ceará, na Guerra do Paraguai. Desertara

quase no final da Guerra.

7 – PEDRO BAIANO. Nome verdadeiro: Pedro Pereira

dos Santos. Nome falso: Pedro Jovêncio Maria. Era irmão

de Baiano Candinho. Data de nascimento: por volta de

1844. Local do nascimento: Província do Ceará. Filiação:

José Pereira dos Santos e Rosa Maria dos Santos. Época da

chegada em Três Forquilhas: 1871. Profissão: Criador de

gado e Tropeiro. Religião: Tornou-se Protestante, membro

da Comunidade Evangélica de Três Forquilhas. Casamento:

Uniu-se com Margaretha Menger, filha de João Menger.

Filhos: F1 - Pedro Jovêncio (19.06.1876. F2 - Catharina

Juliana (08.11.1879). F3 - Martin Jovêncio (04.08.1881).

Posto ou graduação na Revolução: faleceu antes. Morte:

1885, assassinado através de emboscada, armada no Passo

do Cemitério, em virtude de uma rixa com Felipe Serrano,

que fugiu da região. Observação: Integrou o 26º Corpo de

Voluntários da Pátria, da Província do Ceará, na Guerra do

Paraguai. Desertara quase no final da Guerra.

8 – FRANÇA GROSS. Nome: Franz Philipp Gross.

Data de nascimento: 1845. Local do nascimento: São

Leopoldo - Lomba Grande. Filiação: Jacob Gross e Charlotta

Philippina Hubert, (imigrantes). França era neto do

carpinteiro Philipp Peter Gross. Profissão: Criador de gado,

moleiro, lavrador, curtidor e vendeiro. Religião: Protestante,

membro da Comunidade Evangélica de Três Forquilhas.

Casamento: Uniu-se com Elisabetha Luise Hoffmann em

06.06.1870. Filhos: F1 – Christian (1871). F2 – Maria

Gertrude (1873). F3 – Leopoldina (1875). F4 – Joventino

(1878). F5 – José Augusto (1879). F6 – Manoel Jorge

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(1884). F7– Jacob (1887). F8 – Luise (1889). Posto ou

graduação na Revolução Federalista: Tenente. Função:

Oficial do Pelotão três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat.

Morte: 1898, aos cinquenta e quatro anos de idade,

assassinado pelos integrantes da Escolta Policial.

9 – FIRMINO CÂNDIDO. Nome: Firmino da Cunha,

irmão de Manoel Cândido. Data de nascimento: por volta de

1840. Naturalidade: desconhecida. Época da chegada a Três

Forquilhas: por volta de 1854. Profissão: Tropeiro voltado

as lide com cavalos e gado. Religião: Tornou-se Protestante,

em Três Forquilhas. Casamento: uniu-se com uma mulher

serrana. Filhos: quatro (04), nomes desconhecidos.

Residência: Era tropeiro a serviço de João Patrulha, no

Josaphat. Posto ou graduação na Revolução: Sargento do

Pelotão Três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat. Morte:

1898, assassinado, aos cinquenta e oito anos de idade.

10 – TENENTE PEDROSO. Nome: João Pedroso dos

Santos. Dados Pessoais: Chegou a Três Forquilhas em

1894, como integrante da Escolta Policial, enviada pelo

Comando da Brigada Militar. Na época era Cabo,

substituindo Sargento Gonçalves, em diversas ocasiões.

Liderou a deserção, quando todos eles passaram para o

efetivo do Major Baiano Candinho. Na condição de

revolucionário foi promovido a Sargento e, em seguida, a

Tenente, integrado ao Pelotão dos Brigadas. Insatisfeito

com Capitão Luna solicitou transferência para o Pelotão

Serrano, tendo sido atendido. Quando ocorreu a morte de

Baiano Candinho, Tenente Pedroso decidiu buscar refúgio

na cidade de Viamão, onde residiam sua mãe e seus

irmãos.

11 – HENRIQUE BAIANO. Nome: Heinrich Peter Witt,

nome constante no Livro do Registro de Batismos, anotado

pelo Pastor Voges. Data de nascimento: 19.05.1875. No

registro do batismo não consta o nome do pai; apenas

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Maria Witt. Baiano Candinho teria sido padrasto de Henrique

e daí a revolta deste contra o pretenso e não verdadeiro

pai. Naturalidade: nasceu na Colônia de Três Forquilhas.

Profissão: ajudante de Baiano Candinho, no trabalho

campeiro. Religião: Protestante, batizado pelo pastor Voges,

membro da Comunidade Evangélica de Três Forquilhas.

Casamento: Uniu-se com Caquita Bicudo Rodrigues. Filhos:

três. Posto ou graduação na Revolução: Soldado do Pelotão

dos Brigadas, do Esquadrão Josaphat. Morte: 1898,

assassinado pelo sogro Bicudo, aos vinte e três anos de

idade.

12 – JOVÊNCIO BAIANO. Nome: Pedro Jovêncio

Maria. Data de nascimento: 19.06.1896. Naturalidade:

Colônia de Três Forquilhas. Filiação: Pedro Jovêncio Maria e

Margaretha Menger. Religião: Protestante batizado pelo

pastor Voges. Participou da Revolução Federalista, apesar

da pouca idade. Fazia questão de acompanhar o tio Baiano

Candinho, nas andanças do Esquadrão Josaphat. Morte:

1895, vitimado pela febre tifóide, aos dezenove anos de

idade.

13 – MARTIM BAIANO. Nome: Martim Jovêncio

Maria. Data de nascimento: 04.08.1881. Naturalidade:

nasceu na Colônia de Três Forquilhas. Filiação: Pedro

Jovêncio Maria e Margaretha Menger. Religião: Protestante,

batizado pelo pastor Voges. Apesar de ser uma criança,

vivia com a tropa de tio Candinho. Morte: 1895, vitimado

pela febre tifóide, aos catorze anos de idade.

14 – JOAQUIM BAIANO. Nome: desconhecido. Nada

se sabe sobre a época de sua chegada a Três Forquilhas. A

senhora Dindinha Pereira, tivera conhecimento que o

Joaquim Baiano teria vivido, por muitos anos, com Maria

Thereza Pereira de Souza, na Serra do Pinto. Ela tivera

cinco filhos, todos batizados pelo pastor Voges, porém, não

atribuídos à paternidade de Joaquim Baiano: F1 – Elia

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(1873). F2 – Johann Peter (1878) e que casou com Isaura

Bernardes. F3 – Christoph (1880). F4 – Ereno (1882). F5 –

Heinrich Carl (1889). Joaquim Baiano integrou

temporariamente o Esquadrão Josaphat. Talvez por motivo

de saúde, permaneceu na sua propriedade, na Serra do

Pinto, sem ser molestado pelos castilhistas. Não

encontramos registro sobre sua morte que pode ter sido por

volta de 1910, conforme a tradição oral

15 – JACÓ CÂNDIDO. Nome: Philipp Jacob Menger.

Data de nascimento: 06.05.1856. Naturalidade: nasceu na

Colônia de Três Forquilhas (na área do Josaphat). Filiação:

Manoel Francisco da Cunha - Manoel Cândido e Maria

Menger. Profissão: Tropeiro e lavrador. Religião:

Protestante, batizado pelo pastor Voges. Casamento: uniu-

se com Maria Luisa Witt, em 04.11.1880. Religião:

Protestante, batizado pelo pastor Voges. Tinha a sua

primeira propriedade às margens do arroio Carvalho,

trocando as terras com Baiano Candinho. Desta forma, Jacó

Cândido passou a morar na Colônia de Três Forquilhas, no

lado de Tôrres, a um quilômetro do passo principal do rio.

Posto ou graduação na Revolução: Soldado do Pelotão Três

Forquilhas, do Esquadrão Josaphat.

16 – PEDRO CÂNDIDO. Nome: Carl Peter Menger.

Data de nascimento: 12.09.1862. Naturalidade: nasceu na

Colônia de Três Forquilhas na área do Josaphat. Filiação:

Manoel Francisco da Cunha - Manoel Cândido e Maria

Menger. Profissão: Tropeiro e lavrador. Religião:

Protestante, batizado pelo pastor Voges. Casamento: uniu-

se com Catharina Ettere, em 1881. Posto ou graduação na

Revolução: Soldado do Pelotão Três Forquilhas do

Esquadrão Josaphat.

17 – MIGUEL CÂNDIDO. Nome: Michael Menger

Cândido. Data de nascimento: 15.02.1866. Naturalidade:

nasceu na Colônia de Três Forquilhas. Filiação: Manoel

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Francisco da Cunha - Manoel Cândido e Maria Menger.

Profissão: Tropeiro. Religião: Protestante, batizado pelo

pastor Voges. Casamento: uniu-se com Felisbina Rosina

Menger, em 19.12.1885. Esta Felisbina Rosina era irmã da

Charlotte, a qual geraria gêmeas, numa relação com Cala

Becker. Posto ou graduação na Revolução: Soldado,

integrante do Pelotão Protestante. Morte: 1893,

assassinado pela Escolta Republicana, aos vinte e sete anos

de idade.

18 – PATRULHA FILHO. Nome: Johannes Menger.

Data de nascimento: 12.08.1851. Naturalidade: nasceu na

Colônia de Três Forquilhas na área do Josaphat. Filiação:

Johannes Menger e Maria Catharina Gross. Profissão:

Tropeiro e Criador de gado. Religião: Protestante, batizado

pelo pastor Voges. Casamento: uniu-se com Maria Luisa

Witt. Posto ou graduação na Revolução: Soldado do Pelotão

Três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat. Consta como

desaparecido, em 1898.

19 – MIGUEL GRALHA. Nome: Miguel Luiz da Silva.

O apelido Gralha tinha algo a ver com o pássaro existente

nos pinheirais paranaenses. Talvez os irmãos Gralha fossem

originários do Estado do Paraná. Sabe-se apenas que ele

fora um tropeiro, a serviço de França Gross. Naquele tempo

a profissão de tropeiro, era das mais importantes. Posto ou

graduação na Revolução: Sargento do Pelotão Três

Forquilhas, do Esquadrão Josaphat. Morte: 1894, durante a

Revolução Federalista.

20 – BOM MARTIM. Nome falso: Martinho dos

Santos. Sabe-se apenas que ele foi um tropeiro, a serviço

de criadores de gado, nesta região da Serra. Era vizinho de

Baiano Candinho, próximo ao arroio Carvalho. Posto ou

graduação na Revolução: Sargento do Pelotão Serrano, do

Esquadrão Josaphat. Era uma espécie de guarda-costas, ou

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ajudante de Baiano Candinho. Morte: 1897, assassinado

pela Escolta Policial da Colônia de Três Forquilhas.

21 – DOINHO GAITEIRO. Nome: Luis Antonio dos

Santos. O apelido Gaiteiro tinha algo a ver com a afinidade

de Doinho com a gaita de foles. Sabe-se apenas que ele

trabalhava como tropeiro, na Serra. Posto ou graduação na

Revolução: Sargento do Pelotão Serrano, do Esquadrão

Josaphat. Não se teve mais notícias dele, após 1898.

22 – JOAQUIM BICUDO. Nome: Joaquim Rodrigues.

O apelido Bicudo tinha algo a ver com o seu nariz

avantajado. Hoje talvez fosse Narigudo. Sabe-se que foi

tropeiro e peão de fazenda, na Serra. Na condição de viúvo,

casou com Carolina Pereira de Souza em 20.05.1890, aos

quarenta anos de idade. Tornou-se, pois cunhado de Rico

Marques. Foi sogro de Henrique Baiano. Protestante. Posto

ou graduação na Revolução: Cabo do Pelotão Três

Forquilhas, do Esquadrão Josaphat. Evadiu-se para o Estado

de Santa Catarina, em 1898.

23 – JOÃO GORDO. Nome: João José Brandão. O

apelido Gordo tinha algo a ver com seu aspecto corporal.

Parente do Capitão Luis da Conceição - Luiz Brandão Feijó.

Trabalhava em propriedades de colonos, em Três

Forquilhas. Era protestante. Residia no Barreiro. Posto ou

graduação na Revolução: Cabo do Pelotão Serrano, do

Esquadrão Josaphat. Morte: 1898, assassinado pelos

policiais castilhistas.

24 – FRANCISCÃO VELHO. Nome: Francisco Peres.

O apelido Velho servia para diferenciá-lo do filho que era

chamado de Moço. Tinha uma pequena propriedade, na

Chapada da Trilha das Mulas, onde plantava e criava

algumas cabeças de gado. Protestante. Posto ou graduação

na Revolução: Cabo do Pelotão dos Brigadas, do Esquadrão

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Josaphat. Morte: 1898, assassinado pelos policiais

castilhistas.

25 – MOÇO PERES. Nome: Francisco Peres Filho.

Trabalhava com o pai, na Chapada da Trilha das Mulas.

Protestante. Posto ou graduação na Revolução: Cabo do

Pelotão dos Brigadas, do Esquadrão Josaphat. Morte: 1898,

assassinado pelos policiais castilhistas.

26 – MACUCO LARA. Nome: Augusto Lara. O apelido

tinha algo a ver com a ave serrana conhecida por Macuco

que o Lara sabia imitar muito bem. Natural da cidade de

Taquary. Tropeiro serrano. Cabo no Pelotão dos Brigadas,

do Esquadrão Josaphat. Morte: 1898, assassinado pelos

policiais castilhistas.

27 – MANOEL GEATHA. Nome: Manoel Geatha.

Tropeiro serrano. Cabo no Pelotão dos Brigadas, do

Esquadrão Josaphat. Morte: 1898, assassinado pelos

policiais castilhistas.

28 – PEDRO ARIBÚ. Nome: desconhecido. O apelido

Aribú tinha algo a ver com a ave de rapina conhecida como

urubú. De origem germânica. Sobrinho e peão de França

Gross. Religião: Protestante. Uniu-se com Jacobina Triesch.

Tiveram a filha Bárbara (12.08.1880). Soldado do Pelotão

Três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat. Morte: 1898,

assassinado pelos policiais castilhistas.

29 – JORGE MANO. Nome: Manoel Jorge Gross. O

apelido Mano era na verdade o oposto de seu sentido.

Falava-se na Serra em burro mano, quando o animal era

manso. Nesse caso Jorge devia ser chamado de Jorge

Xucro. Data de nascimento: 18.05.1884. Naturalidade:

nasceu na Colônia de Três Forquilhas na área do Josaphat.

Filiação: Franz Philipp Gross - França Gross e Elisabetha

Hoffmann. Religião: Protestante, batizado pelo pastor

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Voges. Entrou na Revolução Federalista com apenas treze

anos de idade, sendo visto como uma espécie de mascote,

do Pelotão Três Forquilhas. Participou da tomada de

Conceição do Arroio. Morte: 1898, assassinado pelos

policiais castilhistas, aos quinze anos de idade.

30 – NALDO DA HORA. Nome: Reginaldo Carneiro da

Fontoura. Recebeu o apelido de Da Hora pelo fato de fazer

questão de tirar o serviço de guarda, na porteira do

aquartelamento. Data de nascimento: 1873, na fronteira

com o Uruguai. Entrou em Três Forquilhas, em 1894,

integrando uma Escolta da Brigada Militar do Estado, com a

missão da caçar os revolucionários federalistas da Serra.

Naldo e demais integrantes da Escolta passaram para o lado

dos maragatos. Naldo tornou-se soldado do Pelotão Três

Forquilhas, do Esquadrão Josaphat. Casou com Leopoldina

Gross, filha de França, em 09.08.1895. Morte: 1898,

assassinado pelos policiais castilhistas.

31 – LUCIANO AGUIAR. Nome: Luciano Cardoso de

Aguiar. Data de nascimento: 1846, Cima da Serra. Filiação:

José Cardoso de Aguiar e Maria de Aguiar. Profissão:

Criador de gado e Tropeiro. Religião: tornou-se protestante,

ao casar com Felisbina Charlotta Gross, em 20.10.1870.

Felisbina era tia do França Gross. Filhos: F1 – Maria

Magdalena (04.09.1871) e que casou com Pedro de Oliveira

Melo. F2 – Luciano (22.07.1873). F3 – Rosa Candinha

(08.06.1875) e que casou com Generoso de Oliveira Melo.

F4 – Johannes (27.02.1870). F5 – Maria Luisa

(20.03.1883). F6 – Joseph (08.01.1886). F7 – Castorina

(21.08.1888). Luciano Cardoso de Aguiar entrou na

Revolução como Sargento do Pelotão Protestante. Foi morto

durante a Revolução Federalista, em 08.05.1893, aos

quarenta e sete anos de idade.

32 – PEDRO JUARTE. Nome: Wilhelm Peter

Schwartzhaupt. O apelido Juarte era uma corruptela de seu

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sobrenome. Data de nascimento: 1856. Naturalidade:

nasceu na Colônia de Três Forquilhas na área do Josaphat.

Filiação: Peter Schwartzhaupt e Margaretha Menger.

Protestante, batizado pelo pastor Voges. Profissão:

Lavrador, Curtidor e Criador de gado. Casou com Maria

Luisa Gross (irmã de França Gross). Filhos: F1 – Maria Rosa

ou Rosalinda (28.03.1886). F2 – Johannes Wilhelm

(24.06.1887). F3 – Francisca Virgolina (03.12.1889). F4 –

Paulina (21.05.1890). F5 – José Leopoldo (29.12.1891).

Pedro Juarte integrou o Pelotão Protestante, sob o comando

de Baiano Candinho. Foi morto durante a Revolução

Federalista, em 1893, aos trinta e oito anos de idade.

33 – INÁCIO GROSS (INACINHO). Nome: Manoel

Ignácio Gross. Data de nascimento: 19.10.1859.

Naturalidade: nasceu na Colônia de Três Forquilhas, na área

do Josaphat. Filiação: Jacob Gross e Margaretha Hubert

(portanto, irmão de França Gross). Profissão: Lavrador e

Tropeiro. Religião: Protestante, batizado pelo pastor Voges.

Casou com Catharina Schwartzhaupt. Filhos: F1 – Manoel

Sipriano (28.11.1883). F2 – Joseph (28.01.1886). F3 Maria

Luisa (28.01.1888). Integrou o Pelotão Protestante sob o

comando de Baiano Candinho. Foi morto durante a

Revolução Federalista, em 1893, aos trinta e oito anos de

idade.

34 – FELIPE BRUXA. Nome: Philipp Peter Brusch. O

apelido Bruxa era apenas uma corruptela do sobrenome.

Data de nascimento: 27.05.1854. Naturalidade: nasceu na

Colônia de Três Forquilhas, na área da Bananeira. Filiação:

Joaquim Brusch e Sofia Gross. Profissão: Criador de gado e

Lavrador. Religião: Protestante, batizado pelo pastor Voges.

Casamento: uniu-se com Carolina Hoffmann, em

22.06.1875. Filhos: F1 – Maria Catharina (11.04.1876). F2

– Heinrich Justino (16.09.1877). F3 – Chritian Luis

(19.11.1879). F4 – João Manoel (08.01.1880). F5 – Maria

Bertolina (22.08.1882). F6 – Eliziário (28.09.1881). Posto

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ou graduação na Revolução: Integrou o Pelotão Protestante,

sob o comando de Baiano Candinho. Morte: Foi morto em

1893, durante a Revolução Federalista, aos trinta e nove

anos de idade.

35 – LULU FANDANGO. Nome: Louis Triesch. O

jovem Lulu gostava de bailar e dançar, por isto era o

fandango. Data de nascimento: 04.11.1871. Naturalidade:

nasceu na Colônia de Três Forquilhas, na área do Josaphat.

Filho de Bárbara Triesch. Protestante, batizado pelo pastor

Voges. Peão foi soldado do Pelotão Três Forquilhas, do

Esquadrão Josaphat. Desapareceu da área em 1898.

36 – LEONEL BRANDÃO. Nome: Leonel Brandão.

Parente do Capitão Luiz da Conceição - Luiz Brandão Feijó.

Integrou o Pelotão dos Brigadas, do Esquadrão Josaphat.

Foi morto em 1898, por Henrique Baiano, no esconderijo,

do grupo de Capitão Luna.

37 – CHICO DA ONÇA. Nome: Francisco Mendonça. O

apelido era apenas troça ligado ao sobrenome Mendonça.

Era peão de João Menger, no Josaphat. Uniu-se com Maria

Sophia Menger. Integrou o Pelotão três Forquilhas, do

Esquadrão Josaphat. Morreu vitimado pela febre tifóide, em

1896.

38 – FIRMINO VELHO. Nome: Firmino Machado.

Tropeiro já idoso com cabelos brancos. Uniu-se com Maria

Margaretha Menger, viúva de Pedro Baiano. Tiveram os

gêmeos F1 – Carl e F2 – Luise, nascidos em 12.07.1891.

Firmino Velho tornou-se Protestante, batizando as crianças

com o pastor Voges. Integrou o Pelotão Três Forquilhas, do

Esquadrão Josaphat.

39 – JESUS CRIOULO. Nome: Bernardo de Jesus.

Tropeiro. Uniu-se com Maria Catharina Menger, filha de João

Menger. Tiveram a filha Maria Felisbina Cristina

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(21.09.1881). Jesus Crioulo tornou-se Protestante.

Integrou o Pelotão Três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat.

40 – JACOBE FUERO. Nome: Jacob Brusch. Fuero era

uma haste de madeira que servia para deixar a carreta

levantada, ao desencangar os bois. Dali o apelido. Data de

nascimento: 11.12.1870. Naturalidade: nasceu na Colônia

de Três Forquilhas, na área da Bananeira. Filiação: Joaquim

Brusch e Sofia Gross. Profissão: Lavrador. Religião:

Protestante, batizado pelo pastor Voges. Posto ou

graduação na Revolução: Soldado do Pelotão Três

Forquilhas, do Esquadrão Josaphat.

41 – JOVEM FRANÇA. Nome: Joventino Gross. Data

de nascimento: 18.10.1878. Naturalidade: nasceu na

Colônia de Três Forquilhas na área do Josaphat. Filiação:

Franz Philipp Gross - França e Elisabetha Hoffmann.

Profissão: ajudava o pai, cuidando da criação de gado e

outras tarefas. Religião: Protestante, batizado pelo pastor

Voges. Integrou o Pelotão Três Forquilhas, do Esquadrão

Josaphat. Fugiu, em 1898, para escapar da caçada que lhe

fora movida pela polícia castilhista.

42 – CRISPIM FRANÇA. Nome: Christian Gross. Data

de nascimento: 11.09.1871. Naturalidade: nasceu na

Colônia de Três Forquilhas na área do Josaphat. Filiação:

Franz Philipp Gross (França Gross) e Elisabetha Hoffmann.

Profissão: Lavrador. Religião: Protestante, batizado pelo

pastor Voges. Casamento: uniu-se com Dorothea Pereira de

Souza, em 06.09.1891. Integrou o Pelotão Três Forquilhas,

do Esquadrão Josaphat. Fugiu para Rio do Peixe, em 1898,

para escapar da caçada que lhe fora movida pelos policiais

castilhistas.

43 – CARLOS GIRIVÁ. Nome: Karl Johann Rudolf.

Girivá é o nome dado a uma árvore muito alta. Carlos devia

ser de estatura elevada. Nascido em 17.12.1863, filho do

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militar prussiano – militar Brummer, August Rudolf, natural

de Berlim e de Catharina dos Santos, filha do índio Manoel

dos Santos. Os Irmãos Rodolfo eram, portanto, sobrinhos

de João Patrulha e passaram a trabalhar como tropeiros, da

Serra, sob a proteção desse tio. Convém lembrar

novamente que, na época, o trabalho tropeiro, era das

melhores profissões, permitindo inclusive andar pelos

caminhos, rumo a Santa Catarina e Paraná. Integrou a força

de Baiano Candinho, no Pelotão Três Forquilhas, do

Esquadrão Josaphat, em companhia dos irmãos. Conforme a

tradição oral, eles acompanharam Gumercindo Saraiva na

conquista de Lapa e Curitiba, no Paraná. Na fuga, de

retorno, ao Rio Grande do Sul, refugiaram-se na Vila dos

Bugres, hoje Caravagio, não longe de Três Forquilhas, à

margem da BR – 101.

44 – DOLFO LEÃO. Nome: Leopold Rudolf. O apelido

Dolfo é corruptela do sobrenome. Dolfo nasceu em

22.04.1866, filho de August Rudolf e Catharina dos Santos.

Ver dados do irmão, nr. 43.

45 – BUGRE LEMES. Nome: Wilhelm Rudolf, Wilhelm

puxara pela mãe, filha do índio Manoel Santos. Por isto era

chamado de bugre. Nasceu em 14.06.1868, filho de August

Rudolf e Catharina dos Santos. Ver outros dados com

personagem nr. 43.

46 – JOÃO RICO. Nome: Johann Friedrich Rudolf. O

apelido Rico era uma corruptela bem comum para Frederico.

Nasceu em 01.06.1870, filho de August Rudolf e Catharina

dos Santos. Ver outros dados com personagem nr. 43.

47 – RICO DO PILÃO. Nome: Friedrich Wilhelm

Rudolf. Certamente ele moía grãos no pilão de madeira.

Nasceu em 18.01.1873, filho de August Rudolf e Catharina

dos Santos. Ver outros dados com personagem nr. 43.

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48 – CHICO PINTO. Nome: August Christian

Hoffmann. O apelido tornou-se sinônimo de mentiroso.

Chico Pinto gostava de contar histórias absurdas a respeito

de caçadas e pescarias. Ficou também conhecido com Chico

Ventana. Nasceu em 18.05.1845 em Três Forquilhas como

filho de Andreas Hoffmann e Anna Maria Strach. Chico Pinto

era tio da mulher do Baiano Candinho. Profissão: tropeiro e

criador de gado, na Serra do Pinto. Religião: Protestante,

batizado pelo pastor Voges. Casou com Dorothea Klippel.

Filhos: Integrou o Pelotão Três Forquilhas, do Esquadrão

Josaphat.

49 – MARTINHO CANJO. Nome: Martin Klein. A

origem do apelido é desconhecida, nasceu em 1854, filho de

Carl Klein e de Maria Margaretha Jacoby. Casou com

Carolina Strassburg em 10.07.1875. Filhos: F1 – Cristiano

(12.08.1876). F2 – Luisa (29.05.1879). F3 – Carlos Pedro

(06.12.1880). F4 – Carolina (14.07.1883). F5 – Martin

(05.01.1885). Integrou o Pelotão Três Forquilhas, do

Esquadrão Josaphat.

50 – JORGE CANJO. Nome: Jorge Klein, nasceu a

13.10.1855, filho de Carl Klein e Maria Margaretha Jacoby.

Casou com Catharina Strassburg. Filhos: F1 - Johann Carl

(03.10.1877). F2 – Johann Leopold (06.07.1880). F3 –

Johann Georg (26.10.1884). F4 – Maria Luisa (15.12.1887).

Residiu por algum tempo no Lageado em Contendas e

depois veio morar no Carvalho no Vale do Três Forquilhas.

Integrou o Pelotão Três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat.

51 – LEO CANJO. Nome: Leopold Klein, nasceu em

21.06.1858, filho de Carl Klein e Maria Margaretha Jacoby.

Casou com Maria Elisabetha Grassmann em 31.12.1880.

Teve residência no Lageado, em Contendas. Integrou o

Pelotão Três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat.

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52 – CALA BARATA. Nome: Carl Eberhardt, nascido

06.09.1851, filho de Michel Eberhardt e Magdalena Geb.

Estabeleceu-se no Josaphat, não longe dos Irmãos Canjo.

Casou com Dorothea Klein em 16.01.1870. Filhos: F1 –

Jacob (16.12.1870). F2 – Johann Georg Christian

(31.01.1872) e que casou com Maria Magdalena Gross. F3 –

Luisa (16.07.1873) e que casou com Henrique Witt. F4 –

Catharina Margaretha (20.03.1876) e que casou com

Cristiano Eberhardt. F5 – Carl Johann (28.08.1878). F6 –

Maria Felisbina (17.09.1880). F7 – Johann Friedrich

(31.08.1882). F8 – Leopold (02.09.1884). F9 – José Avelino

(10.11.1886). F10 - Realia (02.09.1889). Morava no

Josaphat. Integrou o Pelotão Três Forquilhas, do Esquadrão

Josaphat.

53 – JONAS BARATA. Nome verdadeiro: Johann

Eberhardt. O apelido é uma corruptela do sobrenome.

Nasceu em 1841, filho de Michel Eberhardt e Magdalena

Geb. Casou com Felisbina Pereira de Souza. Estabeleceu-se

na Serra do Pinto e após a Revolução fugiu para Barra do

Ouro, no Maquiné. Filhos: F1 – Cristiano (20.04.1876) e que

casou com Catharina Margaretha Eberhardt. F2 – Maria

Dorothea (30.08.1878). F3 – Johann Carl (14.04.1881). F4

– Luisa (27.11.1883). F5 – Johann Modesto (26.04.1886 e

que faleceu em 01.01.1902, aos dezesseis anos de idade).

F6 – Matilda (05.11.1889). F7 – Jacó Marcílio (07.04.1891).

Integrou o Pelotão Três Forquilhas, do Esquadrão Josaphat.

54 – FELIPE OFES. Nome: Philipp August Hoffmann.

O apelido é uma corruptela do sobrenome. Nasceu em

17.12.1872, em Cima da Serra, filho de Jacob Hoffmann e

Dorothea Kramer. Foi batizado pelo pastor Voges. Casou

com Maria Luiza Schwartzhaupt em 09.08.1895, tendo por

padrinhos Baiano Candinho e França Gross. Esse último era

tio da noiva. Morava a quatro quilômetros da casa de

Baiano Candinho, em direção de Bananeiras.

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55 – LEMÃO JUARTE. Nome: Jacob Schwartzhaupt,

nascido em 27.04. 1861, filho de Peter Schwartzhaupt e

Margaretha Menger. Foi batizado pelo pastor Voges. Casou

com Sofia Gross em 10.04.1875. Era cunhado de Felipe

Ofes.

56 – LEMÃO CASCUDO. Nome: Christian

Schwartzhaupt. Christian não usava botas. Colocava as

esporas no calcanhar nu. Certamente tinha a sola dos pés

bastante dura, pelo fato de não usar calçados. Nasceu em

01.12.1871, filho de Peter Schwartzhaupt e Margaretha

Menger. Batizado pelo pastor Voges. Casou com Maria Luiza

Klein em 09.08.1895. Era irmão do Lemão Juarte e cunhado

do Felipe Ofes.

57 – CALA BECA. Nome: Carl Becker. O apelido é

uma corruptela do seu nome. Nascido em 25.06.1846, filho

de Carl Becker e Eva Helbig e batizado pelo pastor Voges.

Casou com Maria Dorothea Brehm em 01.10.1872. O casal

teve em 17.09.1873 a filha F1 – Catharina Margaretha, e

que, mais tarde, casaria com Guilherme Jacoby. O casal

adotou F2 – Constâncio Alves da Silva, o Constâncio

Candinho, em 04.01.1876. O pai desta criança fora o

vizinho Baiano Candinho, numa relação com Maria Luisa da

Silva. Já o Cala Becker, também teve relações

extraconjugais, com a jovem Charlote Menger, filha de

Catharina Menger e tiveram as gêmeas: F3 – Maria Sophia

Cristina. F4 – Maria Francisca, em 03.11.1878. A última

casaria com Johann Carl Westphalen, em 02.05.1893. Estas

gêmeas seriam também assumidas por sua esposa, como se

fossem suas filhas uma vez que Charlote Menger falecera,

por ocasião do parto, que fora muito difícil. Cala Beca e

esposa Dorothea teria depois mais um filho: F5 – Friedrich

Leopoldo, em 19.01.1881.

58 – GERALDO GRALHA. Nome: Geraldo Luiz da

Silva, um irmão do Sargento Miguel Gralha (19). Casou com

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353

Maria Gertrud Gross em 1875. Tiveram a filha Carolina em

31.05.1876 e batizada pelo pastor Voges.

59 – SOLDADO ZEFERINO. Nome: Zeferino Antonio

Gomes. Soldado da Brigada Militar, componente da Escolta

Policial comandada pelo Sgt Gonçalves, enviada a Colônia

de Três Forquilhas, em 1893. Passou-se para o lado de

Baiano Candinho com os demais companheiros, passando a

integrar o Pelotão dos Brigadas, do Esquadrão Josaphat. Em

1898, fugiu para Barra do Ouro, Maquiné.

60 – CORNETEIRO SILVA. Nome: Antonio da Silva.

Casou com Maria Hoffmann, tornando-se Protestante. O

casal teve as filhas: F1 - Maria Elina (26.12.1887). F2 -

Maria Jacinta (1890) batizadas pelo pastor Voges. Integrou

o Pelotão Três Forquilhas do Esquadrão Josaphat.

61 – NAZÁRIO SANTOS. Nome: Nazário Santos.

Integrou o Pelotão dos Brigadas, do Esquadrão Josaphat.

Foi assassinado em 1898, pela Escolta Policial.

62 – SOLDADO JOSÉ MARIA. Nome: José Maria da

Silva. Soldado da Brigada Militar, componente da Escolta

Policial comandada pelo Sargento Gonçalves, enviada a

Colônia de Três Forquilhas em 1893. Ao passar para o lado

de Baiano Candinho, foi promovido a Sargento e integrou o

Pelotão dos Brigadas, do Esquadrão Josaphat. Foi morto

pela Escolta Policial em 1898.

63 – NICO FLOR. Nome verdadeiro: Adriano Flor da

Silva, nascido em 1874, filho do alfaiate Serafim Flor da

Silva e de Carolina Feck. Integrou o Pelotão Três Forquilhas,

na fase inicial, antes da Revolução Federalista,

acompanhando Baiano Candinho, nas andanças de 1891.

Nico Flor foi assassinado em 28.12.1892, junto a Trilha das

Mulas, no Arroio do Padre. Não há registro de quaisquer

conflitos, naquela época.

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64 – JOÃO FRANCO. Nome: João Francisco Feijó,

filho do Capitão Luiz Brandão Feijó e de Catharina Witt. Foi

batizado pelo pastor Voges. Casou em 09.08.1895 com

Maria Rosalinda Schwartzhaupt, portanto um cunhado de

Alemão Cascudo e de Felipe Ofes. Integrou o Pelotão Três

Forquilhas do Esquadrão Josaphat.

65 – SERAFIM JOSÉ. Nome: Serafim José dos

Santos. Genro do Capitão Luiz da Conceição. Casou com a

negra Maria Antonia Feijó em 10.09.1895.

66 – RICO MARQUES. Nome: Friedrich Marques

Pereira de Souza. Nasceu em 12.09.1854, filho de José

Pereira de Souza e Maria Cristina Gross. Casou com Bárbara

Schwartzhaupt em 06.12.1873. Tornou-se vizinho de Baiano

Candinho, apenas separados pelo arroio Carvalho. Rico e

Bárbara tiveram os seguintes filhos: F1 – Carl Friedrich

(27.03.1875). F2 – Joseph (30.08.1876). F3 – Maria

Carolina (12.12.1872). F4 – Maria Catharina (12.11.1882).

F5 – Reduzina (02.05.1885). F6 – Marsilton (16.08.1887).

F7 – Vicente. F8 – Francisco. F9 – Adolfina.

67 – JOÃO CABELEIRA. Nome: João Sabino. Os

Sabino tornaram-se conhecidos por Os Cabeleiras por

usarem cabelo comprido, amarrado com um lenço. Até hoje

existe a Trilha dos Cabeleiras, no fundo de Rio Carvalho.

Cunhado de Rico Marques. Uniu-se com Bárbara Pereira de

Souza. Tiveram os filhos: F1 - José (02.01.1880). F2 - Maria

(01.02.1878). Moravam na Serra dois Cabeleiras, no fundo

do Carvalho.

68 – TATU SERRANO. Nome: Valentim Pereira. Nome

verdadeiro: Ferdinand Pereira de Souza. Casou com Balbina

Maria Menger. Filhos: F1 – Ortensio (15.07.1886). F2 –

Luisa (07.12.1889). Batizados pelo pastor Voges. Tropeiro.

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69 – JOÃO DA MULA. Nome: João Firmino. Ele

jamais deixara de utilizar uma mula, durante todos os

tempos da revolução. Uniu-se com a preta Maria da Silva

Tiveram o filho: F1 - Manoel em 28.05.1884. F2 Rosalina.

Tropeiro Serrano.

70 – TATU VIOLA. Nome: André Espíndola. Exímio

tocador de viola. Atuava em Ternos de Reis fazendo o

repique da viola. Filho de José Antonio Espíndola e Doralina

Espíndola. Genro de João Firmino, pois casou com a filha do

mesmo: Rosalina Firmino (04.07.1891).

71 – PEDRO SABINO. Nome: Pedro Rodrigues Sábria.

Os irmãos Sábria ficaram conhecidos como Sabinos. Genro

de João Patrulha. Casou com Maria Margaretha Menger em

1876. Tiveram os gêmeos: F1 - Carl Johannes. F2 - Carl

Joseph Johannes em 20.12.1877. Batizados pelo pastor

Voges.

72 – JOSÉ SABINO. Nome: José Rodrigues Sábria.

Tropeiro Serrano. Integrou a Força Revolucionária de

Gumercindo Saraiva.

73 – CARLOS SABINO. Nome: Carlos Rodrigues

Sábria. Tropeiro Serrano. Integrou a Força Revolucionária

de Gumercindo Saraiva.

74 – JOAQUIM DEZOITO. Nome: Joaquim Rodrigues

Sábria. Não houve referência a respeito desse apelido. Ele

deveria ter sido também um Sabino. Nascido em 1850.

Cunhado de Rico Marques. Casou com Carolina Pereira de

Souza em 20.05.1890.

75 – BETO GUIMARIA. Nome: Alberto Cardoso de

Aguiar. Não recebemos explicação que definisse o apelido

Guimaria. Criador de gado, no Cima da Serra. Integrou a

Força Revolucionária de Gumercindo Saraiva.

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76 – CHICO BRAZ. Nome: Francisco Braz. Casou com

Carolina Pereira de Souza. Tiveram o filho Alcino em 1889,

batizado pelo pastor Voges. Cunhado de Rico Marques.

Residia no Josaphat, hoje Rio do Pinto.

77 – FRANÇA BRAZ. Nome: Francelino Braz. Tio de

Francisco Braz. Residia no Josaphat, hoje Rio do Pinto.

78 – JOSÉ NASCIMENTO. Nome: José Nascimento,

nascido em 1859, filho de Maurício José de Barros e de

Cristina Maria da Conceição. Cunhado de Rico Marques, pois

casou com Luisa Pereira de Souza em 27.05.1879. Tiveram

o filho Johann Peter em 05.05.1878, batizado pelo pastor

Voges.

79 – AGOSTINHO BICUDO. Nome: Agostinho

Rodrigues. Narigudo. Irmão de Henrique Bicudo. Foi morto

pelos Valim, em 1898.

80 – HENRIQUE BICUDO. Nome: Henrique

Rodrigues. Narigudo. Casou com Maria Candinha Cardoso.

Criador de gado em Cima da Serra. Tiveram o filho Osório

(13.08.1871). Batizado pelo pastor Voges. Cunhado de

Luciano Cardoso de Aguiar.

81 – CHICO REATA. Nome: desconhecido. Apelido

sem explicação. Era negro liberto, algo raro na tropa de

Baiano Candinho. Perece que a maioria de negros fugia

dele. Espião infiltrado no efetivo de Baiano Candinho, pelos

castilhistas. Morto pelos revolucionários federalistas em

1893.

82 – NEGRO CAMPOLINO. Nome: desconhecido.

Apelido sem explicação. Era um negro liberto, da Colônia de

Três Forquilhas. Os castilhistas o infiltraram no efetivo de

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Baiano Candinho. Foi descoberto e morto pelos

revolucionários federalistas em 1892.

83 – NECO SERRANO. Nome: João José do

Nascimento. Era um negro liberto. Casou com a preta

Virgínia Maria José. Tiveram a filha Maria Rosa em

01.01.1879. Batizada pelo pastor Voges.

84 – SOLDADO DUTRA. Nome: João Agapito Dutra.

Soldado da Brigada Militar, componente da Escolta Policial

comandada pelo Sargento Gonçalves, enviada a Três

Forquilhas em 1893. Quando passaram para o lado de

Baiano Candinho, Dutra integrou o Pelotão dos Brigadas, do

Esquadrão Josaphat. Permaneceu na Colônia de Três

Forquilhas, após 1898, colocando-se sob a proteção do

Coronel Carlos Voges.

85 – MARTIM PISTOLA. Nome: Guedes Martins

Espíndola. O Apelido deve ter sido uma corruptela de

Espíndola. Nasceu em 1855, filho de José Martins Espíndola

e Doralina Espíndola. Foi um solteirão.

86 – MARTIM PIEDADE. Nome: Porfírio Martins

Espíndola. Origem do apelido é desconhecida. Nasceu em

1852, filho de José Martins Espíndola e Maria Joaquina -

mãe natural. Casou com Belarminda Witt em 08.11.1879,

tornando-se cunhado de Baiano Candinho. Filhos: F1 –

Artírio (08.11.1879). F2 – Artírio (26.07.1883). F3 – Albert

(06.09.1886). F4 – Berlon (28.09.1888), todos batizados

pelo pastor Voges.

87 – MANO JOSÉ. Nome: Manoel José do

Nascimento. O apelido Mano era corruptela do nome

Manoel. Filho de Maurício José de Barros e Cristina Maria da

Conceição. Casou com Merencia Fraga Santos, a Dona

Merenciana. Filhos: F1 – Carlos (17.03.1872). F2 –

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Francisca Maria (16.07.1874). F3 – Idalina (20.12.1872). F4

– Isclarea (26.07.1879), todos batizados pelo pastor Voges.

88 – ANTONIO SILISTRIO. Nome: Anton Schlitzer.

Nasceu na Colônia Católica de São Pedro de Alcântara,

próximo de Tôrres. Casou com Maria Joaquina da Silva

Becker, tornando-se protestante. Filho: F1 – João Silistrio

(04.06.1891), batizado pelo pastor Voges.

89 – JOSÉ VIDAL. Nome: José Vidal. Tropeiro

Serrano. Integrou a Força Revolucionária de Gumercindo

Saraiva. Paradeiro desconhecido.

90 – JOCA DIONÍSIO. Nome: desconhecido. Tropeiro

Serrano. Integrou a Força Revolucionária de Gumercindo

Saraiva. Paradeiro desconhecido.

91 – ANTONIO GONÇALVES. Nome: Antonio

Gonçalves de Souza. Foi peão de Luiz Brandão Feijó. Casou

com uma jovem de família alemã, de nome Catharina.

Tiveram o filho: F1 - Manoel Tibúrcio (02.04.1881), batizado

pelo pastor Voges. Integrou a Força Revolucionária de

Gumercindo Saraiva.

92 – JOSÉ FERREIRA. Nome: José Ferreira. Tropeiro

Serrano. Integrou a Força Revolucionária de Gumercindo

Saraiva. Paradeiro desconhecido.

93 – ANTONIO FERREIRA. Nome: Antonio Ferreira.

Devia ser irmão de José Ferreira. Tropeiro Serrano. Integrou

a Força Revolucionária de Gumercindo Saraiva. Paradeiro

desconhecido.

94 – JOAQUIM RESCINDO. Nome: Joaquim Rescindo.

Tropeiro Serrano. Integrou a Força Revolucionária de

Gumercindo Saraiva. Após a fuga de Curitiba retornou para

a Serra do Pinto.

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95 - MANECO OLIVEIRA. Nome: pode ter sido o

Maurício de Oliveira que casou com Maria Eberhardt. Filhos:

F1 – Athegirdo (12.11.1874). F2 – Albert (28.03.1877),

batizados pelo pastor Voges. Integrou a Força

Revolucionária de Gumercindo Saraiva. Retornou para Três

Forquilhas após a saída de Curitiba.

96 – SATURNO QUEROMANA. Nome: Francisco

Benício de Azevedo. O apelido tinha algo a ver com um tipo

de dança que ele praticava. Uniu-se com Carolina Pereira de

Souza. Cunhado de Rico Marques. Filhos: F1 – Maria

Ludovina (16.08.1885). F2 – Bernardino (07.10.1886),

batizados pelo pastor Voges. Integrou a Força

Revolucionária de Gumercindo Saraiva e depois retornou

para a Serra do Pinto.

97 – NEGRO DEMOCA. Nome: Pedro José dos

Santos. Uniu-se com Maria Margarida Menger. Filhos: F1 –

Martim (04.08.1881). Batizado pelo pastor Voges. Integrou

a Força Revolucionária de Gumercindo Saraiva. Após a

derrota no Paraná, retornou ao Josaphat, onde se escondeu.

98 – MILA GAMBA. Nome: Emílio Cambará. Tropeiro

Serrano. Integrou a Força Revolucionária de Gumercindo

Saraiva. Paradeiro desconhecido.

99 – ESTEVAM GAMBA. Nome: Estevão Cambará.

Tropeiro Serrano. Integrou a Força Revolucionária de

Gumercindo Saraiva. Paradeiro desconhecido.

100 – CONSTÂNCIO CANDINHO. Nome: Constâncio

Alves da Silva. Nasceu em 04.01.1876, filho de Manoel

Alves da Silva - Baiano Candinho e de Maria Luisa da Silva,

filha do negro José Custódio da Silva. O menino foi batizado

pelo pastor Voges em 10.02.1877 e adotado por Cala Beca

e esposa.

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101 – CHICO SOVÉU. Nome: Francisco Vieira. Era

Beriva, natural de São Paulo. Tropeiro e peão de João

Patrulha, no Josaphat no Rio do Pinto.

102 – DOLFO BECA. Nome: Adolf Becker. O apelido é

apenas uma corruptela do nome. Nasceu em 01.11.1871,

filho de Christian Johann Becker e Christina Hoffmann.

Casou com Florinda Velasques em 30.05.1893. Tornou-se

cunhado do Fessô Negirdo. Abandonou o efetivo federalista

em 1894.

103 – CANDIO BECA. Nome: Johann Candea Becker,

também conhecido como João Candinho, nascido em

29.10.1879, filho natural de Maria Dorothea Becker -

cunhada de Baiano Tonho. Candio Beca era filho de Baiano

Candinho e tomara conhecimento disso desde pequenino.

Por isto, quando o seu pai foi assassinado, em 1898, seguiu

imediatamente para estar presente ao velório e ao

sepultamento. Confeccionou, na oportunidade, uma cruz de

madeira, muito resistente, feita com madeira de cerne e a

colocou na cabeceira da sepultura de seu pai. Por este

motivo, a única sepultura que ficou claramente identificada,

ao longo dos anos, foi a de Baiano Candinho. Enquanto, em

torno, as demais cruzes decaíram apodrecidas, a de

Candinho se manteve intacta, até os nossos dias. Cândio

tornou-se auxiliar de Rico Marques para zelar pelo

Cemitério, assumindo depois a tarefa sozinho. Casou com

Geraldina Preta, passando a residir na Bananeira, onde hoje

mora Júlio Baiano. Tiveram diversos filhos, que se mudaram

para Gravataí – RS.

104 – JOSÉ VITORINO. Nome: José Victorino de

Oliveira. Tropeiro Serrano. Uniu-se com a Viúva Catharina

Bárbara Becker (do falecido Jacob Klein), em 1879.

Tiveram, em 02.11.1877, as filhas gêmeas: F1 – Maria

Felisbina, que casaria com Johann Manoel Siso, em

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21.01.1893. F2 – Maria Luisa. José Vitorino tornara-se

cunhado de “Cala Becker”. A viúva Becker tivera com Jacó

Klein, o filho Carlos Klein, em 1863. Este filho casaria com

Maria Magdalena Sparremberger em 11.12.1883.

105 – ANTONIO GRALHA. Nome: Antonio Luis da

Silva. Irmão do Sargento Gralha. Uniu-se com Maria

Hoffmann. Filhos: F1 – Maria Elina (26.12.1886). F2 – Maria

Jacintha (1890). Em relação extraconjugal com Catharina

Moraes, Antonio teve ainda o filho F3 - Bernardino Frederico

em 04.05.1887, batizado pelo pastor Voges.

106 – MANOEL FIRMINO. Nome: Manoel Firmino.

Tropeiro serrano, irmão de João Firmino.

107 – CANDINHO GASPAR. Nome: Manoel Alves da

Silva Júnior. Nasceu em 16.09.1882, filho de Manoel Alves

da Silva (Baiano Candinho) e da viúva Maria Stahlbaum, a

Gaspar, nascida Dresbach. Residia no Chapéu.

108 – CRIOULO ALVES. Nome: João Antonio Alves.

Nasceu em 1860, filho de Manoel Antonio Alves e Amaria da

Silva. Uniu-se com a preta Maria Feijó, filha de Francisco de

Paula Feijó e Juvência Feijó. Tiveram a filha Josefa

(06.10.1887), batizada pelo pastor Voges.

109 – CRIOULO TONHO. Nome: José Antonio Alves.

Negro liberto Nasceu em 1862, filho do escravo Manoel

Antonio Alves e Maria da Silva. Criado no Engenho do velho

Manoel Antonio Alves, luso, estabelecido na Limeira.

110 – MANO ALVES. Nome: Manoel Antonio Alves

Júnior, nascido em 1857, filho do escravo Manoel Antonio

Alves e de Maria da Silva. Criado no Engenho do velho

Manoel Antonio Alves, luso, estabelecido na Limeira.

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111 – ALVES VELHO. Nome: Manoel Antonio Alves.

Escravo liberto Casado com Maria da Silva. Não confundir

com o seu dono, cujo nome ele adotara. Baiano Candinho

usou parte desse nome, quando escolheu o nome falso de

Manoel Alves da Silva. Dava a impressão de que Candinho

manteve relacionamento com essa gente, que trabalhava no

Engenho do Velho Manoel Antonio Alves.

112 – LULA GASPAR. Nome: Johann Loudwich

Stahlbaum. Nasceu na Colônia de Três Forquilhas em

26.06.1861, filho de Luis Stahlbaum e Maria Dresbach.

Seguiu como voluntário para reforçar a tropa de

Gumercindo Saraiva. Não há notícias sobre o seu paradeiro,

após a Revolução.

113 – FREDO GASPAR. Nome: Friedrich Stahlbaum.

Nasceu na Colônia de Três Forquilhas em 09.09.1866, filho

de Luis Stahlbaum e Maria Dresbach. Seguiu como

voluntário para reforçar a tropa de Gumercindo Saraiva.

Paradeiro ignorado.

114 – FILI BECA. Nome: Philipp Becker. Nasceu na

Colônia de Três Forquilhas em 20.06.1863, filho de Jacob

Becker e Elisabetha Bárbara Klein. Casou com Felisbina

Gehrmann em 1889. Refugiou-se em Amola Faca, Santa

Catarina.

115 – GORGIO BECA. Nome: Jorge Becker. Nasceu

na Colônia de Três Forquilhas em 11.04.1858 filho de Jacob

Becker e Elisabetha Bárbara Klein. Fugiu para Cima da Serra

onde mais tarde casaria com Anna Domásio da Silva, em

07.08.1896, aos trinta e oito anos de idade. Passou a residir

em São Francisco de Paula.

116 – JOÃO GUANO. Nome: Johann Heinrich Leopold

Gehrmann. O seu apelido de Guano tinha algo a ver com

cheiro ou fedor, pois ele fumava muitos palheiros por dia.

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Nasceu na Colônia de Três Forquilhas em 28.05.1861 filho

de Johann Anton Gehrmann e Carolina Rosa. Casou com

Catharina Elisabetha Becker em 11.09.1886. Filhos: F1 –

Carolina (07.06.1887). F2 – Johann Christian (01.09.1888).

F3 – Johann Albert (09.01.1890). F4– Paulina (18.06.1892).

Foi residir no Rio do Terra.

117 – ROSA BAIANO. Nome: Michel Rosa, nascido na

Colônia de Três Forquilhas por volta de 1845. O seu pai fora

soldado imperial, durante a Revolução Farroupilha e que

permaneceu na área de Torres. Rosa Baiano casou com

Catharina Gehrmann em 1855.

118 – LUIS BAIANO. Nome: Luis da Rosa. Devia ser

um irmão de Michel Baiano. Uniu-se com Luisa Engel, uma

filha de Johannes Engel e Dorothea Menger.

119 – TILICO BERIVA. Nome não identificado.

Beriva, natural de São Paulo. Tropeiro seguiu como

voluntário para reforçar o efetivo de Gumercindo Saraiva.

Paradeiro desconhecido.

120 – JOSÉ BERIVA. Nome não identificado. Beriva –

natural de São Paulo. Tropeiro seguiu para reforçar o efetivo

de Gumercindo Saraiva. Paradeiro ignorado.

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Os Peleadores 2ª Parte

AS LIÇÕES DE BETO ESCRIVÃO

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O Sr.Alberto Schmitt, alcunhado Beto Escrivão,

quando o conheci em janeiro de 1970, em Itati – RS era um

intelectual, silencioso, bastante retraído e quase solitário

feito um ermitão. Vivia rodeado apenas pela esposa, filhos e

netos que eram o maior chodó dele, conforme ele mesmo

dizia.

FIGURA 31: Alberto Schmitt, escrivão de Três Forquilhas. Na Comarca de Conceição do Arroio – Osório – RS.

Fonte: Arquivo da Família Voges.

Pela formação recebida no lar e durante seus estudos

na Capital, ele fora formado para ser um castilhista

fervoroso, semelhante ao tio Carlos Frederico Voges

Sobrinho e ao pai Christovam Schmitt.

Sua formação foi, portanto, lapidada nos bancos

escolares em Porto Alegre, durante a ditadura borgista. Foi

doutrinado para ser um bom cidadão da República,

conforme os ideais castilhistas, borgistas e getulistas.

Mesmo assim, ele se revelou um pensador sóbrio e

jamais perdeu as lições transmitidas pelo seu bisavô, um

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366

líder fraterno, o pastor Carlos Leopoldo Voges e, em menor

escala, pelo avô paterno Wilhelm Schmitt, e avô materno

Major Adolfo Felipe Voges, que haviam sido expoentes na

condução dos interesses maiores da Colônia Alemã de Três

Forquilhas, na área do Litoral Norte do Rio Grande do Sul.

Beto Escrivão sabia contar muitas histórias

interessantes sobre os tempos antigos da Colônia de Três

Forquilhas. É lastimável que não dedicávamos mais tempo

para ouvi-lo e para registrar o vasto cabedal de informações

que ele tinha para oferecer.

Pelo menos eu fiz a minha parte, pois dele fiz uma

das minhas mais valiosas fontes da tradição oral, o que me

permitiu dar início, em 1970, para as minhas pesquisas que

redundaram na redação dos livros desta Coleção Memórias

da Figueira.

Beto, ao me falar sobre a fase anterior à Revolução

Federalista, costumava enfatizar que o seu avô, Major

Voges insistira com ambos os lados, dizendo: - “O sangue

de Abel clamará aos céus. Ninguém derrama impunemente

o sangue de um irmão. Todo o sangue derramado, sempre,

haverá de clamar por justiça”.

Major Voges dizia tais palavras se referindo ao

possível choque entre castilhistas e maragatos, insistindo

que é o ódio que se acumula que gera os homicídios.

O acervo do antigo cartório

O fato que mais me chamou a atenção foi quando

Alberto Schmitt me conduziu até uma sala grande que

servira de Cartório Distrital de Três Forquilhas, da Comarca

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367

de Conceição do Arroio e, me mostrou o acervo que vinha

desde a data em que Christovam Schmitt assumira o cargo.

Alberto explicou: - “Ainda bem que, no dia de

casamento de Major Voges com a Bina Rosina, lá no Sítio da

Figueira, o pastor Voges decidiu ceder este espaço para o

meu pai”.

Fiquei encantado com este acervo de documentos ali

guardados em prateleiras, armários e cômodas com

gavetas. Era um acervo completo de quase sessenta anos

de funcionamento desse Cartório Distrital, primeiro com

Christovam Schmitt e que depois passou para o filho.

Alberto, depois de aposentado, apenas entregou os livros

oficiais de registro e os documentos que por lei deviam

passar para o novo escrivão. O restante do material,

considerado de propriedade particular do escrivão, ali

estava bem organizado e fácil de ser consultado.

Parei diante de uma prateleira aberta, não

envidraçada e ele explicou: - “Este é o arquivo de

inventários que vem desde que meu pai, em 1886, assumiu

o Cartório”.

Alberto explicou: - “Aqui só temos inventários...”

Deviam ser centenas de inventários, que estavam

transformados em rolos, amarrados com um barbante e

empilhados, soltos, ocupando assim bastante espaço.

Perguntei: - “Esses papéis transformados em rolinhos

ocupam bem maior espaço do que se os mesmos tivessem

sido simplesmente empilhados, abertos, uns sobre os

outros?”.

Alberto explicou: - “É verdade, esse procedimento

aumenta o volume, ou ocupa maior espaço... Mas isso é

importante para a conservação desses documentos. Os

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368

papéis em rolos permitem maior ventilação e uma ação da

naftalina, para espantar eventuais traças”.

Em outro armário estavam guardados livros da

Justiça Eleitoral e processos para a inscrição de novos

eleitores, que vinham desde o ano em que os moradores de

Três Forquilhas puderam ser eleitores. Do acervo constavam

também algumas segundas vias de títulos eleitorais, todas

enroladas, uma por uma, amarrados com barbante.

Em outro armário estavam guardados processos de

casamento que vinham desde o tempo de Christovam

Schmiitt.

Ele mostrou mais duas simples prateleiras abertas,

sem porta envidraçada. Ali não eram rolos, mas pilhas de

processos. Ele explicou: - “Aqui são somente documentos

de intenção de venda de terras e algumas segundas vias de

escrituras de compra e venda de propriedades. Estes papéis

precisam ser guardados com muita responsabilidade, pois

poderiam servir para a prática de fraudes e vendas ilícitas

de terras”.

Estavam ali algumas cômodas altas, só de gavetas e,

ele apontou para uma delas, dizendo: - “Aqui estão

somente documentos pessoais do meu pai, também do

período em que ele foi secretário da nossa Igreja no vale do

rio Três Forquilhas”.

Em outra gaveta as cômodas guardavam poesias de

Alberto, cartas pessoais, documentos da família,

presentinhos e mimos que ele deu à sua amada, desde o

tempo de solteiro, de namoro, noivado e depois casamento

com Lúcia Jacoby que, quando ouviu seu nome, veio

prestimosa para nos servir um cafezinho.

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369

Na terceira cômoda de gavetas ele mostrou

documentos de valor histórico. Ele explicou: - O documento

mais antigo em meu poder é de 1853, assinado pelo meu

avô Comandante Philipp Peter Schmitt onde ele declara

inaugurado o templo de pedra. Mostrou outro documento

onde Philipp Peter Schmitt transferia a sua casa comercial

para Wilhelm Schmitt assim que ele viesse para casar com a

filha do Comandante. Era uma espécie de testamento ou

talvez um simples dote para o noivo

Havia mais outro documento onde o Comandante

definia os bens que caberiam a cada uma das outras filhas,

também em formato de testamento, pois começava assim:

< De posse plena de minha faculdade mental e com a fé

firme em nosso Senhor Jesus Cristo, transmito os seguintes

bens para as minhas filhas... >.

Finalmente fomos até um armário menor,

envernizado, fechado com portas envidraçadas. Eram quem

sabe quatro prateleiras. Alberto abriu o armário, pegou uma

pasta e mostrou: - “Aqui tenho guardadas cartas com o

envelope incluso. Sempre sonhei fazer algum dia uma

coleção de selos e pensei ser esta a melhor maneira de

conservá-los”.

Ele pegou uma pasta e explicou: - “Não abrirei esta

pasta, pois nela estão conservados documentos e cartas de

meu pai referentes à Maçonaria. Aqui constam os nomes

das pessoas do vale que se ligaram à Maçonaria e iam para

as reuniões da loja em Osório”.

Depois ele pegou outra pasta, abriu e explicou: -

“Aqui tenho só cartas endereçadas para o Coronel Carlos

Frederico Voges Sobrinho, o nosso Chefe do Partido

Republicano no vale do Três Forquilhas, eu servi de

secretário do partido em nossa localidade”.

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370

Alberto pegou um envelope e o mostrou para mim,

dizendo: - “Veja aqui, uma carta enviada por Fernandes

Bastos remetida, para o Carlos Voges alertando para graves

problemas da esfera político administrativa, da época da

ditadura do Borges de Medeiros”.

Onde foi parar todo esse rico acervo? Em 1990

alguém me segredou: - “Foi feita uma faxina e os papéis

velhos foram queimados, numa enorme fogueira, feita nos

fundos da casa, na direção do taquaral”.

Importa conhecer a história

Alberto Schmitt era considerado, em 1970, a pessoa

com maior conhecimento a respeito do povo do vale do rio

Três Forquilhas, da história local. Foi um homem que lia

muito. Descobri que ele era um dos poucos assinantes do

Correio do Povo e ele me levou a também ser assinante

desse jornal. Além disso, Alberto recebia revistas editadas

no Brasil e na Alemanha. Ele mostrou-me, um dia, uma

revista Der Spiegel, onde destacava uma matéria

interessante sobre os horrores praticados pelo nazismo, em

campos de concentração, na Alemanha.

Alberto Schmitt era pessoa de pensamento aberto e

não receava criticar a sua própria ideologia política,

mostrando que o erro não mora apenas na casa dos

opositores, mas tende a se instalar também na própria

casa, daquele que se acha cheio de razões.

Certo dia ele simplesmente disparou palavras, me

alertando: - “Não cometa o mesmo erro em que pastor

Schlegtendal, caiu em 1895”.

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371

Fiquei não só curioso, mas na defensiva, pois soava

um tom que servia como uma espécie de crítica ou de alerta

e perguntei: - “Qual teria sido o erro desse pastor e no que

devo cuidar para não incorrer nele?”.

- “Ele não deu valor para a história da Comunidade”,

explicou Alberto.

Depois ele continuou: - “Schlegtendal veio e logo se

comportou como aquele que sabe tudo, melhor que todos

juntos. Apregoava sobre a boa universidade que ele

frequentara e da formação na teologia da Igreja Luterana

da Alemanha. Isso era verdade, pois que de fato recebera

uma fina formação acadêmica. Mas ele não devia ter vindo

para impor de uma só vez as normas de crença e de

conduta, para um povo que vinha de uma história própria e

bem diferente e muito longa. Afinal foram mais de sessenta

anos de pastorado do Voges. E, eis que vem o Schlegtendal

querer que, de um momento para o outro, todos passassem

a rezar pela cartilha dele”.

O assunto relatado por Alberto tornou-se

extremamente interessante e eu só tinha mesmo a

aprender com o que ele queria me contar. Ele continuou,

explicando: - “A época de 1895 que Schlegtendal enfrentou

tem algumas semelhanças com o que você terá pela frente,

agora, em 1970”.

- “Isso me interessa”. - Falei. – “Que situações

Schlegtendal e eu temos em comum?”.

Alberto falou: - “Tem em comum o fato de serem

inexperientes e sem conhecimento da história e da situação

da Comunidade de Três Forquilhas. Ele enfrentou este

mesmo tipo de dificuldades, também em uma época de

transição. Schlegtendal entrou no vazio deixado pela morte

de importantes lideranças locais, como pastor Voges e

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esposa, mais o maestro e regente Christian Tietböhl e a

morte de Mãe Maria que era a líder dos negros. Em 1895 a

nossa Comunidade enfrentou um vazio gritante. Explico isso

melhor, pois é preciso ver como um homem, o major Adolfo

Felipe Voges, que tinha o melhor conhecimento da situação

na Comunidade foi simplesmente derrubado, assim como

fazem com a bananeira que já deu o seu cacho. Os jovens

políticos, do partido oposto, disputavam o espaço e queriam

ter o poder político. Você vive algo parecido neste tempo da

revolução dos militares. As lideranças de Osório

aproveitaram o regime militar para tirar os opositores do

poder. Por exemplo, o Eugenio Bobsin que ara nosso

subprefeito de Itati, perdeu o cargo. Ainda este mesmo

Eugenio Bobsin perdeu também a liderança comunitária,

havendo quem lembrasse que ele era bananeira que já deu

seu cacho”.

Fiquei escutando em silêncio, pois as explicações

eram consistentes e me interessavam muito. Alberto

Schmitt logo prosseguiu contando um pouco de história: -

“Schlegtendal e você tem em comum um momento de uma

Revolução, algo que mexe com todo o povo”.

Eu queria ouvir o pensamento desse homem, a

respeito de duas revoluções tão distintas, ocorridas em

épocas diferentes, mas que ele insistia em dizer que

ofereciam situações semelhantes para a atividade pastoral,

no caso, de um pastor jovem, inexperiente e solteiro, pois

esse era também o meu caso.

Alberto Schmitt explicou: - “Sou de opinião de que

os federalistas, entre 1893 a 1895 não souberam ao certo

para o que eles haviam se colocado em armas. A princípio

parecia que era para mostrar apenas força e se fazer

respeitar. Mas em seguida partiram para as vias de fato. O

que eu nunca entendi é que os federalistas, ao invés de

apenas derrubar Júlio de Castilhos, enquanto isso ainda era

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possível, para implantarem as idéias políticas que eles

defendiam, de repente eles saíram numa corrida

tresloucada tomando o rumo ao Rio de Janeiro. O que eles

conseguiram com isso? Deram a Julio de Castilhos um

refresco, pois a luta deixou de ser contra ele e ajudaram a

transformar esse caudilho num grande paladino

riograndense, que ajudou a socorrer Floriano Peixoto, a

manter o Governo da República do Brasil em andamento”.

Comecei a ficar cansado, pois a minha mente não

conseguia continuar recebendo tantas informações,

certamente interessantes, mas muito amplas e complexas.

Diante disso pedi: - “Seu Alberto, o dever da atividade

pastoral me chama. Peço licença e gostaria que esse

assunto pudesse ser retomado, em outra ocasião”.

Na verdade, eu só tinha a agradecer pela

disponibilidade demonstrada pelo antigo escrivão, em sua

admirável boa vontade, para me orientar e me ajudar,

contando histórias reais do passado, para não cometer os

mesmos erros já cometidos por outros, em outros tempos

da história local.

A Escola da Comunidade

Em outra visita que fiz a Alberto Schmitt perguntei

desejoso de saber: - “Como foi a Escola da Comunidade, na

sua infância, já que conheceu a mesma, já bem no final do

tempo do pastor Voges?”.

Ele explicou: - “Realmente, eu comecei a ser

alfabetizado quando o meu bisavô pastor Voges ainda era

vivo, mas já estava com quase noventa e dois anos de

idade. Pouco ainda existia da escola que ele um dia

organizara e desenvolvera nos bons tempos de sua

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atividade pastoral. Quando comecei a frequentar a escola já

haviam começado os tempos difíceis da revolução

federalista. Mas a escola do pastor ainda funcionava no

sobrado, no piso superior, onde existiam bancos escolares,

a mesinha do professor, mapas na parede e livros escolares.

Eu gostava de subir até ali só para olhar os mapas e tentar

entendê-los. Você sabe o que significava a oportunidade de

poder olhar um mapa do Rio Grande do Sul ou do Brasil

para ali procurar o nosso litoral e ver as lagoas e os rios

desenhados, com os nomes deles marcados?”.

Alberto observou por instantes a minha reação e

depois, satisfeito em ver o meu integral interesse,

continuou: - “Todas as escolas da Colônia haviam

estagnado, sem atividade pela falta de professores e pela

falta de uma segurança pública que era bastante instável. É

preciso explicar que a maioria dos professores foram

perseguidos por serem liberais indicados pelo meu avô

major Voges. Um exemplo para isso foi o caso do nosso

professor Serafim Agostinho do Nascimento que era o nosso

professor de língua nacional e que havia alfabetizado tantos

alunos na nossa escola da comunidade, que ele até já

perdera a conta. Eu felizmente ainda recebi a possibilidade

de ser alfabetizado pelo professor Serafim e isto fez depois

toda a diferença para a continuação dos meus estudos,

quando fui para a Capital da nossa Província”.

Fiz alguns apontamentos e Alberto ficou me

observando por um instante e depois continuou: - “Quando

o pastor Geisler chegou, pretendeu assumir aulas na escola

para oferecer também a possibilidade de uma alfabetização

na língua alemã. Tive, talvez dois meses de aulas com ele,

mas o pastor cancelava muitas dessas aulas e nós

esquecíamos a sequência das lições. O número de alunos foi

caindo muito e no final éramos menos de dez. Ficamos

muito tristes quando um dia o pastor Geisler avisou que

teria que viajar por algum tempo para cuidar da saúde da

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375

mulher dele. Ela estava muito atemorizada com as mortes

em nossa Colônia, trazidas pela câimbra de sangue – a rote

Ruhr”.

Pedi licença e solicitei mais explicações sobre essa tal

de câimbra de sangue e ele explicou: - “Era uma epidemia

que apresentava todos os sintomas da cólera, conforme

descobri mais tarde”...

Alberto só falou isso a respeito da epidemia e

continuou com o assunto da sua escolarização, dizendo: -

“Em 1894 não tivemos um dia de aula, pois o sobrado do

pastor ficou em estado de quarentena por causa da morte

de minha bisavó Elisabetha e mais de Mãe Maria. Quando

vinham tropas republicanas ou federalistas pediam para

ocupar o sobrado e meu avô major Voges permitia,

dizendo: < Eles vão ajudar a desinfetar a casa e que levem

embora, com eles, essa câimbra de sangue... >“.

Alberto sorriu, como para revelar que estava

exagerando no conto e que aumentara alguns pontos.

Depois continuou: - “Quando chegou da Alemanha o novo

pastor Gottfried Schlegtendal ele resolveu transferir a escola

para a casa dele, alegando que era mais prático. Ele

dispensou o professor Serafim que, mesmo aposentado

desejava oferecer a possibilidade de alfabetizar crianças na

nossa língua nacional. Nunca esquecerei o dia em que o

meu pai e o novo pastor discutiram aqui diante da porta do

sobrado, pois que aqui também era nossa morada e

cartório. O meu pai insistiu que era importante contratar um

professor de língua nacional, para possibilitar aos filhos dos

colonos, mais adiante pudessem enviar os filhos para

continuar os estudos. Depois eu soube que meu pai e o

pastor não discutiram apenas uma vez, mas diversas vezes.

O novo pastor teimava e dizia que na escola da comunidade

haveria apenas ensino na língua alemã e seria denominada

de Escola Alemã, da Comunidade, pois que escola de língua

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nacional deveria ser oferecida pelo Governo e não pela

Igreja. Essa decisão do pastor não foi boa para nós... Esses

tempos do pastor Schlegtendal depois pesaram sobre nós,

pela falta do domínio da língua nacional, por parte das

crianças que ingressavam na vida escolar.”

Esse assunto despertou o meu total interesse, pois

que eu estava com a atenção voltada para a situação atual,

de 1970, desejoso de movimentar a Comunidade em favor

da ampliação da atividade educacional em nossa localidade.

Considerei que era pouco o que se oferecia para alunos e

professores e que muita coisa poderia ser melhorada e

aperfeiçoada no vale do rio Três Forquilhas.

O Plano de Educação 70

Saindo da residência do Sr. Alberto Schmitt eu me

senti altamente motivado para priorizar as ações pastorais,

e colocar a educação como a opção preferencial, diante dos

inúmeros projetos que eu havia elaborado por sugestão dos

militares da Operação ACISO, que estivera durante quase

duas semanas em Itati.

Busquei os depoimentos de Eugenio Bobsin, Arthur

Gottlieb Erling, José Osvaldo Brusch e Octavio Becker para

saber algo mais sobre a atividade escolar desenvolvida

pelos meus antecessores, os pastores brasileiros Augusto

Ernesto Kunert, Oscar Hennig e Ernesto Fischer. As histórias

que consegui coletar foram muito interessantes.

Constam em meu registro os relatos a respeito do

tempo do pastor Augusto Ernesto Kunert – 1948 - 1954, um

líder que veio para uma comunidade quase desintegrada

pelos efeitos da II Guerra Mundial e de quase seis anos de

vacância pastoral.

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O pastor Kunert lançara o programa DESPERTAR

VOCAÇÕES, depois mantido pelos pastores Hennig, Fischer

e por mim.

Conforme esse programa, até bem simples, a

comunidade toda era convidada a participar em um

empenho coletivo para localizar e despertar vocações em

particular de jovens para serem enviados a Escolas Normais

da Igreja de São Leopoldo e Novo Hamburgo, para uma

formação e qualificação no exercício do magistério.

A primeira pessoa a atender ao apelo da campanha

de vocações encetada pelo pastor Kunert, foi alguém do

sexo feminino. As jovens Noely Becker e Nilza Huyer

responderam ao apelo e foram enviadas a São Leopoldo

para cursar a Escola Normal Evangélica, mantida pelo

Sínodo Riograndense.

Essas duas jovens depois de formadas retornaram ao

vale e receberam vaga na Escola Evangélica José de Alencar

que passou a funcionar no salão comunitário em Itati. Mais

tarde o pastor Kunert diria: - “A Noely Becker e a Nilza

Huyer são as meninas dos meus olhos e representam a

primeira conquista em nosso programa do Despertar

Vocações”.

Pastor Fischer, após 1960, concedeu um novo

impulso para este programa de vocações para o magistério

e diversos jovens saíram para São Leopoldo e Novo

Hamburgo. Para a Fundação Evangélica seguiram Doris

Voges Bobsin e Neli Brusch Erling. Para o Colégio Sinodal

em São Leopoldo foram Luis Carlos Voges Bobsin, Carlos

Jacó Bobsin, Odilon Becker Bobsin e Lizete Maria Voges

Bobsin.

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Outros jovens seguiram para continuar os estudos,

mas que escolheram caminhos menos onerosos. São

mencionados Lucia Maria Schmitt, filha do escrivão Alberto

Schmitt, o Pedro Osmar Schütt, a Maria Zeni Voges de

Oliveira, a Nerene Brusch Erling, a Marina Brusch e a Nelene

Gross.

Para a Base Aérea de Canoas seguiram os filhos de

Dona China Bobsin, que era vizinha da casa pastoral. Foram

os jovens Oscar e Edgar Bobsin que foram para seguir a

carreira militar.

Nos depoimentos coletados é muito interessante o

que o Sr. José Osvaldo Brusch dizia com orgulho: - “Eu

ajudei a alfabetizar as minhas filhas Marina e Maria Regina.

A Marina34 teve que ir fazer o ginásio em Osório no Colégio

Conceição. Depois fez Escola Normal, também em Osório e

veio lecionar em nossa Escola da Comunidade. Já a

Regina35, depois de também fazer o primário em Itati, fez

um ano no Ginásio Conceição em Osório, três anos no

Ginásio Evangélico Alberto Torres em Lajeado, depois a

Escola Normal La Salle em Osório. Ela fez estágio na Feitoria

Velha, pelo Colégio São José de São Leopoldo. Isso mesmo,

ela deu aula lá naquele prédio histórico onde os nossos

antepassados foram acolhidos, no tempo da imigração

desde 1824. Paralelamente a Regina começou a cursar

Letras, na Faculdade de Ciências e Letras de São Leopoldo.

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FIGURA 32: Na residência de Osvaldo e Elohy Brusch.

Maria Regina na espreguiçadeira, a direita Doris, de preto, a esquerda a professora Nelene Gross, e na cadeira ao centro Eva Maria Bobsin.

Na porta da residência Dona Lóia Brusch, dona da casa. Fonte: Acervo fotográfico do autor, 1970.

O Sr. Arthur Gotlieb Erling sempre insistia em

recordar das enormes dificuldades financeiras que eram

enfrentadas por colonos que desejavam proporcionar aos

filhos a possibilidade de viajar e continuar os estudos fora

de Itati. Ele lembrou: - “O meu filho Nilon36 trabalhava no

hotel do Osvaldo e da Lóia Brusch, ali na praia de Bom

Jesus para ganhar seu dinheirinho. Certo dia lá se hospedou

um militar da Base Aérea de Canoas, que perguntou: < Meu

caro jovem, você não gostaria de servir na nossa Base

Aérea? >. Para o Nilon pareceu ser um sonho, mas que se

concretizou. Quando já trabalhava na Base Aérea decidiu

que não podia se contentar apenas com isso. Desejava ter

um curso de nível superior Fez então o vestibular para

Medicina em Pelotas, passou e frequentou essa faculdade

com grande sacrifício, porque tinha de fazer trocas de

plantões da base e inclusive remunerar eventuais trocas”.

O Sr. Erling continuou explicando: - “O meu outro

filho, o Nei37, incentivado pelo irmão Nilon foi para Canoas

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para a conclusão do curso secundário. Lá ele foi selecionado

e conseguiu fazer o Curso Superior de Cartografia”.

O Sr. Octavio Becker comentou: - “E eu consegui

enviar a minha filha Cenira para a cidade serrana de Canela

onde ela teve a possibilidade de ficar hospedada na casa do

meu irmão. Ali ela realizou seus estudos numa Escola

Normal e, agora em 1969, formou-se para o magistério”.

Deste modo descobri que existiam professoras que

haviam se formado nesse final de 1969 e que deveriam ser

trazidas, de volta, para o vale do rio Três Forquilhas.

Eram as professoras Doris e Cenira e que passaram a

receber uma motivação e apoio permanente da

Comunidade, para serem contempladas com uma vaga em

Itati, para o exercício do magistério. Em outro momento

esse assunto voltará à baila para maiores detalhes sobre

esse trabalho de apoio para professores recém formados.

Escola Nacional na Figueira

Retornando aos acontecimentos de 1895, conforme

Alberto Schmitt, as discussões acaloradas com o pastor

Schlegtendal, não foram apenas com Christovam Schmitt. O

chefe castilhista da Colônia Carlos Frederico Voges também

tinha filhos em idade de alfabetização e insistia que a Escola

da Comunidade se mantivesse bilíngue. Entretanto não

havia argumento que convencesse o novo pastor, a dar

espaço para a língua nacional, sempre insistindo: < O

sagrado dever de todo o evangélico é de zelar pela língua

alemã, pois disto é que depende o futuro da nossa Igreja

em terras brasileiras >.

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Carlos Frederico Voges negociou um espaço ocioso

no Armazém da tia dele, que distava a duzentos metros do

Sítio da Figueira. A viúva Elisabetha König Voges diminuiria

consideravelmente as atividades comerciais de modos que o

salão dos fundos estava sem ocupação prática. Em 1895 ela

cedeu aquele espaço para a instalação de uma sala de aula

para a Escola Nacional para ali serem alfabetizadas crianças

que tencionassem continuar os estudos fora da Colônia.

Em 1899 Carlos Voges adquiriu toda a propriedade

comercial da tia e transformou a casa principal em escola de

língua nacional.

Enquanto isso a Escola da Comunidade permaneceu

atrofiada, na condição de Escola Alemã com um ensino para

dois anos. O primeiro ano era dedicado à alfabetização na

língua alemã. O segundo ano era dedicado para noções de

aritmética e conhecimentos gerais da cultura alemã. Havia

ainda um terceiro ano voltado exclusivamente para o ensino

confirmatório ou ensino da doutrina luterana.

Esta situação se manteve durante todo o período do

chamado tempo dos pastores alemães de 1895 até 1943,

quando, durante a II Guerra Mundial o pastor Schreiner foi

preso e conduzido para Novo Hamburgo. Durante esse

longo período a Escola Alemã de Três Forquilhas ajudou a

isolar uma grande camada da população evangélica desta

antiga Colônia Alemã, particularmente as famílias de

colonos mais humildes que não tinham recursos para

oferecer uma continuação nos estudos para os filhos.

Vieram gerações de pessoas isoladas, vivendo em seus

guetos de língua e cultura, bastante alienadas e divorciadas

de uma participação mais efetiva na vida social e política da

localidade e da região. Pessoalmente nunca consegui me

afinar com a corrente germanista38, às vezes exacerbada,

que dominou a Igreja à qual pertenço e sirvo.

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A Guerra foi o sinal definitivo, quando as Escolas

Alemãs foram proibidas de funcionar, em todo o território

brasileiro, a Igreja havia tomado a carruagem errada, pois

de repente a língua alemã foi proibida e muitas famílias

passaram dificuldades desnecessárias, pelo simples fato de

não terem recebido as noções mais elementares da língua

nacional. Estiveram certas as lideranças que desejavam um

ensino bilíngue na escola mantida pela Igreja.

Com a prisão do idoso pastor Gustav Schreiner, já

alquebrado, doente, quase sem condições de andar a

cavalo, foi que a Comunidade ainda teve que amargar

diversos anos de vacância pastoral

Com a vinda do primeiro pastor brasileiro para a

Comunidade Evangélica de Três Forquilhas surgiram as

medidas necessárias para situar o ensino escolar dentro das

exigências governamentais.

O pastor Augusto Ernesto Kunert, como medida

imediata, criou a Escola Evangélica José de Alencar,

sucessora da Escola de Voges e da Escola Alemã. As aulas

passaram a ser integralmente na língua nacional. Pastor

Kunert lançou então o programa Despertar Vocações com o

objetivo prioritário de formar filhos desta localidade, para

assumirem o magistério em escolas mantidas pelo Sínodo

Riograndense.

Pastor Fischer, a partir de 1960 procurou reativar

esse programa, mas constatou que a maioria das famílias

sofria de dificuldades financeiras e, a princípio, enviaram os

filhos para Osório, onde havia uma Escola Normal. Apenas o

presidente da Comunidade, Arthur Gottlieb Erling e o

industrialista Emilio Bobsin39 corresponderam ao apelo e

enviaram filhas para a Fundação Evangélica de Hamburgo

Velho.

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Doris Voges Bobsin foi, em 1961, aos oito anos de

idade, para realizar o então chamado ensino ginasial, para

somente depois poder ingressar no Colégio Normal, no nível

secundário. Ela permaneceu durante oito anos fora de casa,

confinada no internato da Fundação Evangélica, em

Hamburgo Velho.

Doris concluiu o curso como professora do nível de

2º grau, em 1969, quando sua mãe veio a falecer. Talvez

este fato a motivou a permanecer em Itati, pois ficara o

irmãozinho dela, de apenas quatro anos de idade, agora

órfão de mãe e decidiu tomar o encargo desse cuidado por

ser madrinha de batismo do pequenino. Parecia até que a

mãe previra algum problema ao escolher a filha para ser

madrinha desse caçula.

O pupilo dos meus olhos

Entre 1970 a 1975 me foi dada a satisfação de

localizar diversos jovens que responderam ao programa de

Despertar Vocações, que eu havia reativado imediatamente

após a minha chegada em Itati, considerando isso como

medida de suma importância para a Comunidade.

A primeira vocação foi do jovem Oneide Bobsin40 que

estava se formando no Curso Ginasial de Osório. Sem

querer plagiar o pastor Kunert, que chamou Noely Becker e

Nilza Huyer de meninas dos olhos dele, eu escrevi: <

Oneide é o pupilo41, iris ou o preto dos meus olhos que veio

coroar o reinício desse fecundo trabalho de despertar

vocações na Comunidade de Itati >.

Oneide Bobsin foi o primeiro, depois do ano de 1970,

que decidiu seguir os estudos em uma escola eclesiástica,

para receber uma aprimorada formação em um educandário

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do mais alto nível para se tornar um obreiro cristão e

luterano.

Oneide foi em seguida para a Faculdade de Teologia

da IECLB.

Depois dele muitos jovens desejaram seguir-lhe os

passos e continuar os estudos.

Puderam ainda ser enviados para escolas da IECLB

os jovens: Carlos Henrique Mauer, Gilson Dahl, Eneu Voges

e Genésio Bobsin.

FIGURA 33: Jovens da Comunidade do vale do Três Forquilhas, prontos para a apresentação do Presépio ao Vivo. O jovem Oneide fez o papel do carpinteiro José. À direita: Oneide, em detalhe de zoom. Essa

Cantata de Natal foi ensaiada pela professora Doris Voges Bobsin. Fonte: Arquivo fotográfico do autor, 1972.

Mais adiante seguiram Gilmar Nascimento e suas

irmãs e primas, descendentes do dedicado professor

Serafim Agostinho do Nascimento.

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Seguiu também um jovem católico, o José Carlos

Torres42 apresentou-se desejoso de seguir os passos de

Oneide Bobsin.

Porém a Escola Normal Evangélica de Ivoti exigiu

que, para ser matriculado na Escola Normal Evangélica de

Ivoti, o jovem teria que tornar-se luterano, pois que o

educandário era de cunho confessional, voltado para a

preparação de obreiros eclesiásticos.

Lançando o PADICAMI

Às vezes alguém inventa uma sigla que não pega.

Isso aconteceu comigo em 1970, no vale do rio Três

Forquilhas quando lancei a idéia do PADICAMI.

Isto ocorreu durante um encontro de planejamento,

realizado na casa pastoral. Desde estudante sempre gastei

tempo com planos, projetos e criação de uma respectiva

sigla que melhor pudesse identificar o propósito.

O PADICAMI nada mais era do que simplesmente:

Plano de Ação Diaconal Catequético Missionário. Um plano

que visava implementar, maior amplitude e consistência

para o Projeto de Educação 70.

Os líderes reunidos simplesmente não se animaram

para repetirem o nome da sigla, e passaram a falar somente

em Projeto de Educação 70, como um termo certamente

bem mais agradável para os ouvidos deles, e, que definia

muito bem o que estava em jogo. Já que a nossa opção

prioritária havia sido pela educação, o que importava

mesmo era de, também, priorizar ações neste sentido.

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A etapa inicial foi de uma tomada de conhecimento

da situação. Para tanto foram reunidos diversos professores

com destaque para Pedro Osmar Schütt e, algumas

lideranças antigas da comunidade tais como Eugenio

Bobsin, Arthur Gottlieb Erling, José Osvaldo Brusch e

Octavio Becker.

Um entrave ao pastorado

De modo inesperado, em 1970 surgiu uma oposição

não imaginada ao meu trabalho pastoral. Eu muito bem

soubera quando do meu envio emergencial para servir a

Comunidade de Três Forquilhas, que o melhor para mim,

teria sido o caminho da Faculdade de Teologia, em São

Leopoldo e não a ida prematura para exercer o pastorado

em Itati onde eu deveria ter sido somente um auxiliar do

pastor local, para um estágio prático de aprendizagem.

Tanto o diretor Hans Günther Naumann bem como o

Pastor Augusto Ernesto Kunert, no entanto, haviam feito um

veemente apelo para que eu protelasse o ingresso na

Faculdade de Teologia, lembrando que um rebanho estava

mal assistido, com um pastor que desejava ter um pouco

mais de descanso.

Fui enviado para assumir funções pastorais e para

isso, eu e diversos de meus colegas, havíamos sido

previamente preparados, pois a Igreja estava consciente da

falta momentânea de obreiros, do ministério pastoral, em

diversas Comunidades da IECLB.

Os dirigentes da Igreja, no entanto, esperavam que,

mesmo aposentado, o pastor Ernesto Fischer pudesse ainda

aguentar pelo menos mais meio ano, para me dar tempo de

aprender, de conhecer e de saber um pouco mais a respeito

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da realidade social e espiritual, bem como das exigências

pastorais para uma Comunidade em situação de quase

diáspora.

No dia 1º de janeiro de 1970 o meu antecessor

pastor Ernesto Fischer que se aposentara demonstrou um

forte grau de aflição e insistia em dizer: - “Eu e a Hanna

decidimos que chegou a hora de concedermos mais atenção

para o nosso filho Franz. Ele irá estudar em Taquara e lá

queremos organizar um lar e um aconchego para ele...

Portanto, sem tardar, até o mês de fevereiro quero ter a

minha morada definida, em Taquara”.

Naquele dia 1º de janeiro de 1970, em Assembléia

Geral Ordinária, o pastor Fischer falou: - “Apresento para a

Comunidade o seu novo pastor. O meu colega Elio Müller

aqui está, diante do altar, para receber a responsabilidade

pastoral pela Paróquia”.

Pela manhã, bem cedo. Eu já havia o alertado: - “Eu

não tenho nem batina, pastor Fischer!”.

Fischer emprestou-me então uma velha batina, toda

surrada e desbotada que ele tinha guardado num guarda

roupa. O pior não era o fato de ser já um pano velho e

surrado, mas sim o tamanho dessa batina. Ela era

demasiadamente curta, pois mal chegava até os meus

joelhos, como se fosse uma minissaia. Em tom de humor

comentei: - “Eu não sabia que o uso da minissaia, ou

melhor, de minibatina, chegou para esse interiorzão e aqui

já é permitida...”.

Pastor Fischer não achou graça no meu comentário e

me encarou com seriedade, dando sinal que esse tipo de

humor não era do seu agrado.

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Só para explicar, duas semanas mais tarde viajei até

São Leopoldo e mandei fazer uma batina nova, enorme, que

cobria até os meus sapatos.

Parecia que aquela minibatina me traumatizara um

pouco. O preço dessa nova veste foi bem alto. Felizmente a

costureira oficial da IECLB ficou penalizada por causa de

minha extrema pobreza e me fez o preço à vista em cinco

vezes sem juros. Falo em extrema pobreza, pois eu recebia

quatrocentos cruzeiros por mês, insuficiente para pagar

uma batina, à vista.

Expliquei à costureira que além dessa batina eu

também precisava comprar, com urgência, alguns livros

essenciais para o desenvolvimento da tarefa de pregação e

orientação pastoral de crianças, jovens, adultos e idosos. Os

livros em português eram quase inexistentes... Os livros de

língua alemã eram importados, e o preço calculado na base

da conversão do marco alemão para o nosso cruzeiro.

Preciso confessar que em dezembro de 1969, quando

segui para o vale do rio Três Forquilhas, eu tinha poucas

coisas. Na verdade eu trouxera comigo apenas uma mala de

tamanho médio com minhas roupas e mais a minha Bíblia, o

meu hinário, um livro de doutrina e escassos cadernos para

a elaboração de aulas de catequese que a nossa Equipe de

Catequese elaborara recentemente. Eu não tinha

absolutamente nenhum livro teológico e nenhum material

de auxílio homilético.

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FIGURA 34: Em 1970, já com a minha nova batina.

Escrevi atrás desta foto: COM TEMOR E TREMOR ASSUMI O PÚLPITO E O ALTAR.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor, 1970.

Com tremor e temor recebi o pesado encargo desta

tarefa pastoral que, como já comentei em outro ponto, ia

bem além da minha capacidade. Mas só sobrou uma

possibilidade para mim, naquelas circunstâncias: < Fazer o

melhor possível, com fé e confiança de que Aquele que me

enviara, também haveria de me conceder forças e

inspiração para realizar a missão >.

Meses depois o pastor Fischer apareceu

repentinamente em companhia dos pastores Augusto

Ernesto Kunert e Martin Reusch, avisando: - “Convoquei

uma reunião do Presbitério da Comunidade para revisarmos

a tua permanência no exercício do pastorado”.

Levei um susto, pois eu não havia sido notificado

dessa reunião e depois constatei que nem os presbíteros o

haviam sido e tiveram que ser avisados, às pressas, um a

um, para uma reunião emergencial. Nem todos vieram, pois

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sempre há quem viaja ou quem não está em casa, mesmo

que seja um agricultor.

Pastor Fischer confidenciou para mim: - “Irmão Elio,

você não imagina as reclamações severas que recebi da

parte de alguns pastores ordenados da nossa IECLB que

alegam que cometi um grave erro ao entregar toda uma

Paróquia para um jovem despreparado e, além disso,

também inexperiente, para saber conduzir com

responsabilidade esse ministério principal da Igreja. Por isso

eu apelei para o pastor Kunert, que ele viesse com

urgência, para dar uma solução oficial para o problema que

eu criei, ao te entregar a responsabilidade pastoral por esta

Paróquia. Não precisas te preocupar, pois em caso de

necessidade, me sujeitarei a visitar Itati, duas vezes por

mês, para realizar batismos e cultos. Você ficará com

somente dois cultos por mês e atenderá somente enterros e

batismos de emergência”.

Quando a reunião iniciou, eu estava ali, afundado em

minha cadeira, assustado e sem entender nada do que

acontecia, pois afinal, não pedira para ser enviado e não

tinha ido por mim mesmo, para realizar essa tarefa

pastoral.

Fato que me surpreendeu foi a atitude firme,

tranquila e segura do pastor Kunert que conhecia muito

bem esta comunidade, pois a erguera quase do nada,

depois da II Guerra Mundial, após ela ter permanecido

durante quase seis anos em vacância pastoral.

Pastor Kunert, como primeira providência, pediu o

livro de Atas para fazer a leitura, em voz alta, da ata da

Assembléia Geral Ordinária do dia 1º de janeiro de 1970, e

falou: - “Aqui estamos para ajudar a resolver este impasse

que o meu colega Fischer nos comunicou, alegando que

colegas pastores ordenados da Igreja reclamam que o

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colega Elio Müller, aqui estaria em situação irregular.

Felizmente verifico que tudo está claramente definido,

através desta ata. Aqui consta que o pastor Ernesto Fischer

entregou a responsabilidade pastoral da Comunidade

Evangélica de Três Forquilhas para o meu colega pastor Elio

Müller. A ata está assinada por um grande número de

Presbíteros e membros e até pelo próprio pastor que se

aposentou naquele dia. Fica, pois bem claro de que o pastor

Elio Müller é de fato e de direito, o vosso pastor e

continuará a executar todos os serviços, como, aliás, já vem

fazendo desde o dia em que assumiu esta Paróquia de Três

Forquilhas. Além do mais fiz também as minhas consultas

prévias aos presbíteros aqui presentes, antes do início desta

reunião e, nenhum deles revelou ter conhecimento de

qualquer reclamação que seja no tocante aos serviços

pastorais prestados pelo novo pastor desta Comunidade”.

Pastor Kunert chamou-me até a mesa que havia sido

armada diante do altar e me concedeu um forte aperto de

mão, conclamando: - “Não te abales e nem esmoreças, pois

sei que o teu trabalho é árduo e vai muito além das tuas

forças. Também passei um dia por isto, que você hoje

precisa suportar e muitos nesta hora, em outros lugares não

estão em situação melhor que a tua. Felizmente você está

acompanhado por uma Comunidade que pega firme no

serviço da Igreja”.

Em nenhum momento houve a necessidade para que

eu falasse qualquer palavra. Nada me foi perguntado e nem

me foi concedida a palavra.

Pastor Kunert conduziu a questão de tal forma que

eu estava ali quase como um mero espectador. Com esse

procedimento ele me poupou e me deixou numa situação

cômoda diante do Presbitério. Afinal todos eles estavam ali

para decidir e para definir o meu futuro pastoral que havia

sido colocado em dúvida.

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Entendi que tudo precisava ficar perfeitamente

esclarecido, mas se tratava de algo que não dependia de

qualquer ato ou palavra que viesse da minha parte. Acredito

que saí fortalecido e apoiado para continuar me

empenhando na missão, com fé em Cristo e confiando na

Providência Divina.

Depois, pastor Kunert, voltando-se aos presbíteros

pediu: - “Estejam com o pastor Elio não só com palavras,

mas com gestos concretos, todos unidos, para bem

servirem o Povo de Deus deste vale do rio Três Forquilhas”.

Os pastores Kunert e Reusch despediram-se e

entraram no veículo da Região Eclesiástica IV apressados,

alegando que precisavam retornar logo a São Leopoldo.

Aliviado e cheio de admiração e de gratidão pela

firmeza demonstrada pelo pastor Kunert que não deixara

incertezas para trás, pensei: < Agora estou de vez com

toda a carga pastoral sobre os meus ombros, Mas bem sei

que não fui eu quem pediu esta missão. Esta missão me foi

entregue por vontade de Deus, expressa através do envio

feito pelos dirigentes da IECLB >.

Não fui por minha decisão

- “Não fui por minha decisão, porém foi a Igreja que

me enviou”, expliquei ao Sr. Alberto.

Alberto Schmitt, ex-escrivão distrital de Itati,

mostrou-se satisfeito com o relato dessas minhas memórias

bem recentes. Ele explicou que, há anos, também vinha

escrevendo um diário que algum dia bem poderia ser

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transformado em livro. Empolgado foi até uma escrivaninha,

que ele alegou ter pertencido ao seu bisavô pastor Voges.

Abriu um tampo falso e retirou um volumoso

compendio, confeccionado com papel almaço e costurado

com barbante.

Com olhos cobiçosos olhei para aquele material

precioso. Mas, apenas consegui olhar à distância.

Rapidamente, ele recolocou aquele manuscrito, de volta ao

esconderijo.

Entretanto, Alberto voltou ao diálogo interrompido. -

“Você ainda não esclareceu, qual foi a sua real motivação ao

escolher a nossa isolada e pobre Paróquia de Três

Forquilhas, para o exercício do seu serviço eclesiástico?”,

reclamou ele.

Respondi: - “Seu Alberto, a questão não esteve

apenas sob a minha escolha. Em primeiro lugar, eu não

sabia que existia o vale do rio Três Forquilhas no mapa do

Brasil. E depois, eu não cheguei aqui por minha decisão

pessoal. Se fosse apenas conforme a minha vontade, digo-

lhe, com certeza, eu não teria vindo. Eu resisti contra o meu

envio. E o considerei prematuro. Aleguei, por diversas

vezes, ao Diretor Naumann e, por tabela, ao pastor regional

Kunert, de não estar ainda preparado e nem pronto para

esta missão. Foi a Igreja quem me chamou e decidiu me

enviar nestas condições, para estar a serviço do povo de

Deus, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul”.

Alberto revelou surpresa: - “Não consigo entender!

Você simplesmente se sujeitou, sabendo não estar pronto,

para ir onde esses homens bem entendessem te enviar?”.

- “Não foram apenas, aqueles, homens que me

enviaram. A Igreja de Cristo funciona de maneira diferente.

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Não é como uma empresa comercial... Na verdade é Ele, o

Senhor da Igreja quem chama, prepara e envia os seus

mensageiros43, para o lugar onde deles necessita. Eu sou

um enviado de Deus. Depois que aceitei o chamado, eu não

consegui negar-me ao envio, apesar do meu temor e tremor

íntimo. Por este motivo estou aqui, em obediência ao nosso

Senhor!”.

Alberto olhou-me com ar de espanto. Ficou silencioso

e pensativo. Concluímos a conversa, naquele dia, com este

assunto. Despedi-me respeitosamente. Ele, com ares de

autoridade, concluiu: - “Não demore, para voltar. Tenho

assuntos que preciso te contar...“

Um Dom Quixote maluco

Semanas mais tarde, voltei, para continuar a

conversa com meu vizinho Alberto Schmitt, a Fonte da

História Oral – FHO - mais preciosa do lugar e que eu

jamais pensara existir.

Alberto começou a conversa pedindo explicações

sobre rumores que ele ouvira a respeito da linha de ação do

Projeto de Educação 70, que eu começara a desenvolver na

localidade, visando envolver e levar a população à

participação.

- “Porque esse alvoroço de alguma gente com o teu

serviço pastoral?”. Quis saber Alberto.

Questionei logo: - “Não entendi que alvoroço seria

esse! O senhor poderia explicar melhor o assunto?”.

Alberto continuou: - “Tem pessoas, entre elas até o

meu vizinho Octavio Becker, que alegam que o pastor é um

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Dom Quixote maluco, Ele falou que agora o pastor pensa

em promover entre os nossos agricultores, o uso da pá de

cami. Que ferramenta é essa?

Pensei um pouco e tive então um lampejo de luz,

recordando de recente reunião onde eu lançara a sigla

PADICAMI, para a execução do Projeto de Educação 70.

Expliquei que de fato eu abraçara, com paixão, esse

ideal diaconal catequético e missionário, ou que seja apenas

de visionário.

Perguntei então: - “Será loucura, ou quixotismo,

viver por um ideal? Será quixotismo, servir os pobres e os

mais fracos? Ou seria maluquice, lutar com os gigantes e

convertê-los em moinhos de vento? Creio que todos juntos

podemos e devemos lutar, apaixonadamente sim, por um

mundo novo, mais humano e mais fraterno?”. - Mostrei uma

fotografia que eu tirara lá no fundo do Morro do Chapéu,

numa localidade na época pertencente ao município de

Torres – RS. Na foto aparecia um homem pobre, analfabeto

e descalço, com o corpo coberto com trapos de roupa,

posando para a minha máquina, com sua família e uma

carrocinha, puxada por cabras. Expliquei: - “Casualmente

tenho aqui em minha pasta esta fotografia que tirei do

Tonho das Cabras, há poucos dias. Se esse Tonho Das

Cabras, do Morro do Chapéu, no vale do Rio Três

Forquilhas, tem a coragem de atrelar cabras numa

minúscula carreta e tem a coragem de sair com a família

para buscar pasto na lavoura ou ir fazer compras no boteco,

por que haveria eu de ter vergonha de ser visto como

algum Quixote, pelo fato de lutar com o que parece

impossível de ser modificado na nossa sociedade desumana

e egoísta?”.

Fiz uma pequena pausa e continuei: - “Posso lhe

citar mais alguns fatos bem concretos, por exemplo, que

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quase 90% dos membros, nas filiais, no vale do rio Três

Forquilhas comparecem aos cultos calçando chinelos de

dedo e tenho verificado alguns chegando sem calçado

algum nos pés. Já constatei que muitos adultos não sabem

ler e nem escrever. Li também textos escritos que o pastor

Kunert deixou para os sucessores dele, onde ele lastima a

precariedade da vida de muita gente, como que esquecidos

pelas nossas autoridades, vivendo ou vegetando em meio a

esses morros do vale do rio Três Forquilhas. Foi por isto que

eu propus uma intervenção bem prática e vigorosa, nesta

realidade. Foi nessa idéia que propus o PADICAMI e,

conforme constato parece que virou jacota, pois acredito

que todos os presentes entenderam que eu estava

colocando uma sigla, pois logo expliquei que se tratava de

um Plano de Ação Diaconal Catequético Missionário ou

então, de modo mais simples, o Plano de Educação 70”.

FIGURA 35: Tonho das Cabras do Morro do Chapéu.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor, 1970.

Alberto riu e ele não era muito de rir. Porém ele

achou graça que a tal pá de cami, era uma simples sigla.

Ele revelou grande interesse no assunto e confirmou que

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era da mesma opinião, de que algo deveria e poderia ser

feito para mudar tal realidade em que tanta gente sofrida

do vale do rio Três Forquilhas vivia.

O ex-escrivão pegou mais uma vez a fotografia do

Tonho das Cabras e comentou: - “Estou perplexo com esta

fotografia do Tonho das Cabras e família. Nunca imaginei

que pudesse existir tal coisa em nosso lugar. Qual é mesmo

o plano que você arquitetou para enfrentar isso? O que você

espera que a Comunidade assuma?”, quis saber Alberto.

Expliquei então: - “Um Plano de Ação só pode ser

executado quando todos aceitam a idéia e se dispõe a unir

forças para a realização do projeto. Eu já expliquei para as

lideranças reunidas de que precisamos, em primeiro lugar,

descobrir quais são as possibilidades, a capacidade, os

limites e as oportunidades das lideranças locais, para uma

participação neste plano de promover essa transformação

sócio-econômica e cultural no Vale do Rio Três Forquilhas.

Estou pensando, se os Presbíteros concordarem, em

organizar uma Associação para o Desenvolvimento de Itati

– ADITA. Eis outra sigla para aqueles que não gostam

delas...”.

Alberto Schmitt sorriu outra vez, mostrando que ele

se divertia um pouco com esse meu gosto em criar siglas.

Continuei explicando: - “A ADITA seria um bom

instrumento para mobilizarmos todas as forças vivas que

temos aqui na Colônia. Mostrei a idéia para o Prefeito

Coronel Azambuja e ele me deu a maior força e prometeu

que estaria nos concedendo assessoria de técnicos da

Secretaria da Agricultura, caso necessitássemos de algum

tipo de apoio. Ele citou o nome do engenheiro agrônomo Dr.

Wilson Castro, dizendo que se trata de uma pessoa de mais

alta qualificação e que já vem apoiando o distrito de Terra

de Areia. O prefeito contou que o Dr. Wilson Castro,

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juntamente com Quirino Guazzelli, introduziram o cultivo do

abacaxi naquela localidade e, que é exatamente esse tal de

Quirino quem levou as primeiras mudas de abacaxi para

Terra de Areia e, lá as plantou...”.

Alberto Schmitt mexeu com a cabeça

afirmativamente e logo falou: - “Esse Dr. Wilson Castro é

muito competente e podes confiar na orientação dele. Esse

engenheiro tem feito um trabalho muito bom em favor de

nosso povo de Osório. Quando ao Quirino Guazzelli eu

acredito que isso seja mesmo verdade, pois esse homem

veio aqui em Itati, há uns dois anos atrás e promoveu o

cultivo de cenoura. Parecia que seria a solução para a

situação precária em que se encontrava, e ainda se

encontra, a nossa agricultura. E veja só que no primeiro ano

foi, tudo, muito bom de ver. A produção estava toda bem

amarrada para a venda e o lucro foi positivo. Mas no ano

seguinte, muita gente que não se ligou ao projeto do cultivo

de cenoura foi comprar sementes por conta própria e de

repente parecia que aqui estávamos no Vale das Cenouras.

Foi um drama para muitos agricultores, pois a produção em

excesso não tinha colocação. Faltou o contrato de uma

venda amarrada, feita de antemão. Contaram-me que muita

gente simplesmente passou o arado nas lavouras de

cenoura, pois não tinha para quem vender o produto... E,

então culparam o Quirino Guazzelli quando na verdade o

erro foi daqueles que saíram, por conta própria, enchendo

todas as lavouras com cenoura, sem estar incluídos em

contrato de venda da produção”

Naquele dia, antes de voltar para casa, ainda falei

para o Sr. Alberto: - “Decidi conhecer cada pessoa pelo

nome e, ainda, saber um pouco da história pessoal e

coletiva deles. Eu preciso diagnosticar a realidade social, na

qual vive o povo desta localidade”.

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Ele concordou, dizendo: - “Você é semelhante a um

escrivão, pois que eu, nestes meus trinta anos de atividade,

passei a conhecer praticamente todas as pessoas que vivem

em cada casa, neste nosso distrito...”.

Contando com tal incentivo, do Sr. Alberto Schmitt,

tomei ainda maior ânimo confiando que havia um caminho

aberto que podia ser restabelecido e atividades para serem

colocadas em andamento.

Dias depois, por casualidade, encontrei-me, com o

engenheiro agrônomo Wilson Castro, em Maquiné. Ele se

dispôs a nos apoiar no que fosse necessário. Os elos

estavam começando a se unir e uma corrente estava se

formando. Isso era muito gratificante, como experiência

num campo de trabalho recentemente assumido.

Procurei, também, o Sr. Quirino Guazzelli e fiquei

encantado com o tamanho do idealismo desse homem e da

vontade dele, em ver a nossa região florescendo e se

desenvolvendo. Tive a impressão que ele desejava ver,

logo, Terra de Areia emancipada, como um município e, ele

como primeiro prefeito do mesmo.

Em Itati e Três Forquilhas despertou um interesse

acentuado da parte das principais lideranças, citando:

Eugenio Bobsin, Arthur Gottlieb Erling, Olício Bobsin, Nestor

Becker, José Osvaldo Brusch, Vital Bobsin, Balduino

Mittmann, Lidurino Menger, Osvaldo Schmitt do

Nascimento, Ady Brehm, Avelino Menger, Clarestina Justin

Brehm, entre outros, cujos nomes não me recordo.

Até o escrivão Alcides Marques da Silva, vendo que

eu passava diante do Cartório, chamou-me e prontificou-se:

- “Pastor, caso eu puder ser útil, não me esqueça das

reuniões que vocês vierem a fazer. Eu posso servir de

escriba, caso necessitarem de um secretário”.

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Encontrei também uma análise que o meu

antecessor pastor Ernesto Fischer escrevera a respeito da

realidade em que se debatem os nossos pequenos

agricultores. E ele concluía o artigo: - “Assim como está não

pode ficar!“.

Junto às Fontes da História Oral – FHO -, procurei,

nas horas de folga, fazer uma identificação do contexto

sócio-histórico e cultural, em que eles vivem. Eu senti falta

de uma maior compreensão das relações institucionais

existentes no vale do rio Três Forquilhas, das relações de

grupo e das relações comunitárias. Eu desejava e até

precisava observar a situação da população, desde os

primórdios da colonização, que vinha desde o ano de 1826.

Só que isso seria um trabalho que poderia levar muitos

anos... E, eu tinha pressa, pois muito bem entendia que o

tempo se vai e, se nada se faz agora, certamente nada

acontece!

Indústria de Conservas Brehm

Uma realidade animadora surgiu para o vale do rio

Três Forquilhas no dia 13 de agosto de 1970. Passando na

Vila Brehm era possível ver um movimento diferente,

acontecendo no terreno que se situava atrás do armazém

de Antonio Clarestino Brehm.

Havia um ajuntamento de pessoas mostrando que

algum evento importante estava acontecendo. Chegando

perto foi possível ver o início de uma obra e o momento do

lançamento da pedra fundamental de uma nova construção.

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FIGURA 36: O jovem Enildo dos Santos Brehm. Diante do Armazém do seu pai Antonio Clarestino Brehm.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor, 1972.

Darci Brehm, parado ao lado do irmão Helio,

explicava aos presentes: - “Aqui lançamos agora o começo

da nossa Indústria de Doces e Conservas Três Forquilhas. O

contrato social de formação da empresa foi assinado no dia

30 de junho. Se tudo correr conforme esperamos, no

máximo dentro de meio ano nós estaremos apresentando a

primeira lata de conserva produzida aqui no vale, para levar

a marca Brehm e Três Forquilhas para todo o nosso grande

Brasil”.

A família Brehm sonhava e sonhava grande e isso

era um bom sinal. Despedi-me deles desejando a benção de

Deus para esta valiosa obra. E acentuei: - “Este é um

momento propício para rendermos ações de graças ao

nosso Criador e Senhor, pelas coisas boas que ele nos

concede”.

O sonho de podermos ver fábricas surgindo no vale

estava se concretizando. Quando eu transmiti essa novidade

do surgimento de uma fábrica de conservas no vale, nas

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reuniões da igreja, foi notório como muitos não queriam

crer nessa possibilidade da construção de uma Indústria de

Conservas.

Talvez tivesse sido a tradição de engenhos de cana,

com a produção artesanal de açúcar mascavo, que colocara

viseiras em muita gente, fazendo-os pensar que a melhor

alternativa seria uma Usina Açucareira, para o vale. Um

agricultor, estendendo o braço na direção da planície

explicou: - “Imagine o nosso vale, se tornando um verde

mar de canaviais. Eu sonho, dia e noite, com isso!”.

Tal idéia fugia da verdadeira vocação de uma região

como a do vale do rio Três Forquilhas, onde o verde mar de

canaviais seria um desastre para todos os pequenos

agricultores, pois todos sabem que cana-de-açúcar pede

propriedades maiores, para serem rentáveis. O mais próprio

para um vale estreito baseado no minifúndio só poderia ser

a produção de hortifrutigranjeiros.

Eu fiquei pensando e concluí: - “Felizmente surgiu

este arrojado empreendimento de Brehm & Filhos e a

mudança para a produção intensiva de hortifrutigranjeiros

chegará ao natural, pelo mercado que eles estão oferecendo

aos nossos agricultores”.

No entanto um trabalho de conscientização teria que

ser desencadeado, pois encontrei ainda fumicultores se

lamentando e dizendo: - “Porque os Brehm não tentaram

trazer uma filial da Souza & Cruz para nós, para que o

tabaco que produzimos pudesse ser beneficiado e

industrializado aqui no vale?”.

A minha resposta foi espontânea, porém chocou,

quando falei: - “O que importa? Importa produzir alimentos

ou alimentar um vício?”.

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Constatei uma reação forte de desagrado e bem

sabia que os fumicultores eram numerosos, com suas

lavouras de fumo e estufas. Por questão de tática decidi não

mais entrar em choque direto com eles, pois acreditei que

um processo de mudança na produção agrícola, desta hora

em diante, haveria de chegar de modo natural, como

consequência da fábrica de conservas.

Seria a Indústria de Conservas em funcionamento

que representaria um convite direto a todos para a adoção

sistemática da produção de hortifrutigranjeiros e não

convinha estabelecer focos de desentendimento com

fumicultores ou devotos da produção de álcool.

INALTA em Terra de Areia

O Sr. Quirino Guazzelli soube com antecedência do

lançamento da pedra fundamental da Indústria de

Conservas dos Brehm. Ele procurou acelerar os planos para

as obras de uma Indústria de Conservas em Terra de Areia

que eles também haviam idealizado, mas, não conseguiram

vencer a data deles.

O amigo Quirino enviou um convite especial, para

todas as lideranças de Itati desejando presença maciça de

agricultores, no ato do lançamento da pedra fundamental

para a construção da Indústria Alimentícia Terra de Areia

S.A. – INALTA, < uma indústria de agricultores para

agricultores >, conforme foi anunciado no folheto.

O ato de lançamento da pedra fundamental teve

lugar no dia 22 de agosto de 1970 e contou com a presença

do Coronel Carlos Fernando Dorneles de Azambuja,

interventor federal responsável pela Prefeitura de Osório.

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Foi apregoado que a indústria pertenceria ao povo,

sendo todos conclamados a comprarem ações e assim

ajudar a levantar o capital social da empresa.

Também comprei 100 ações, quantia mínima para

aquisição apesar de que representava um gasto pesado na

situação financeira em que eu vivia. O amigo Quirino

Guazzelli notando o meu constrangimento, sorriu e falou: -

“Os melhores padres sempre são os pobres. Por isso não se

constranja, pegue as suas cem ações e as pague em dez

vezes, dez cruzeiros”.

A INALTA contratou o engenheiro agrônomo Dr. José

Büttow para ficar à disposição dos agricultores da região,

visando o incremento da produção de hortifrutigranjeiros. O

engenheiro Büttow era membro da Igreja Luterana de

Pelotas, IECLB, e logo buscou estabelecer um estreito

contato com a nossa Comunidade, em Itati.

Na primeira reunião em que Büttow compareceu,

anunciou: - “Um novo tempo está chegando para a

agricultura no vale do rio Três Forquilhas. O produtor terá

um mercado certo para a sua produção e também a

garantia de um preço justo, pois quase não mais haverá

intermediários. No início iremos propor a implantação de

culturas de curto ciclo evolutivo, fato que trará uma renda

imediata para o agricultor. No segundo passo virá a

implantação do cultivo de frutíferas, com um rigoroso

planejamento, onde estaremos fornecendo mudas e

acompanhamento técnico, sem custo para os nossos

agricultores acionistas ou cadastrados”.

Agora já era duas Indústrias novas em instalação e

voltadas para a produção de hortifrutigranjeiros, fato que

era muito animador.

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405

Isto nos serviu de incentivo para promover o plano

de criação de um Centro de Assistência Rural em Itati.

Em Pirataba localizamos o jovem Frederico Walter

Trein Lothammer, que viera de um estágio agrícola na

Alemanha, e na condição de técnico, se dispôs a assumir o

trabalho de assistência agrícola no vale do rio Três

Forquilhas.

Se vires alguém caído...

Alberto Schmitt (1886 – 1971)

Tranqueira que nos sobrevêm

não é somente coisa ruim.

Quando a gente leva tombo

ou fica jogado na lama

deve ser examinado

se existe possibilidade

de recuperação.

É pra transformar

tranqueira em trampolim;

a para buscar vida melhor

até neste nosso confim.

Se vires alguém caído,

ao teu lado, na lama, no desliz.

Pensa que poderia ser tu...

Pensa em ajudar para erguer o infeliz.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

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Amanhã poderás estar, tu,

a depender de mão amiga

Amanhã poderás estar, tu,

a querer sair de uma caída.

Na esperança podemos seguir

de encontrar um novo rumo.

Seguir nos caminhos desta vida

de cabeça erguida, no prumo.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

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HOMENAGEM A OLÍCIO E OLÍVIA BOBSIN

Existem pessoas que, de repente, tornam-se

especiais na vida dos outros. Também para mim inúmeras

pessoas se tornaram importantes e valiosas e, vieram

aquelas que se tornaram especiais.

Neste 6º volume, em OS PELEADORES, eu quero

mencionar os compadres Olício e Olívia Bobsin, de Itati –

RS.

Quando assumi o pastorado, em 1969, ainda

solteiro, fui morar naquela enorme casa pastoral antiga, que

havia sido construída para ser a residência dos pastores

alemães. Eu tive diante de mim, além da casa, diversos

hectares de terra. Era uma terra muito boa e quase toda ela

cultivável. Eu não tinha a mínima possibilidade de dar

atenção para a instalação de lavouras, pois além de estar

iniciando uma atividade nova, no exercício do pastorado,

tinha que dar atenção, além da igreja na sede, para mais

vinte e uma comunidades filiais e pontos de pregação.

Arrendei então as terras de lavoura que estavam à

minha disposição para Olício Bobsin. Ele plantou soja,

milho, aipim, feijão, arroz sequeiro, batata doce e cana de

açúcar.

Em junho de 1970 ele veio e quis entregar a terça

parte de produtos por ele colhidos, dizendo que isso era de

praxe, numa parceria agrícola. Respondi que eu não tinha

como utilizar tais produtos e nem disposição para sair e

colocá-los à venda.

Quando em dezembro de 1970 casei com Doris ele

retornou e falou: - “Agora você terá uma família e irá

necessitar de alimentos”.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

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Ele me deixou um saco de arroz e uma lata de feijão,

talvez ¼ de saco. A Doris ficou espantada, porém feliz de

podermos contar, na dispensa, de arroz e feijão para muito

tempo, meus alimentos prediletos, pois sem feijão com

arroz, para mim, um almoço não está completo.

Falando sobre Olício e Olívia, quando nasceu o nosso

primeiro filho, decidimos que esse casal seria nossos

compadres, como padrinhos do Carlos Augusto. Vejo nesse

fato um exemplo de relações que vão se estreitando e que

unem pessoas num caminhar comum e de apoio mútuo.

Quando do falecimento da mãe da Doris que ocorreu

antes de minha chegada a Itati, pois ela foi sepultada na

manhã do dia 17 de dezembro de 1969 e eu cheguei às

quatro horas da tarde daquele dia. Encontrei uma

comunidade enlutada, pois a falecida Celina havia sido a 1ª

presidente do grupo de senhoras, OASE, e ficou nesta

função durante dez anos. Havia a necessidade de uma

senhora que assumisse essa liderança do grupo. E a

escolhida para se candidatar foi Olívia Bobsin que, eleita por

unanimidade de votos, passou a conduzir este valioso

trabalho em nossa Comunidade.

Olívia, semelhante a Lídia Porto Bobsin, mãe dela,

era uma mulher firme e muito humana, firmada na fé em

Cristo e corajosa para dizer e fazer, diante das tarefas e

serviços que precisavam ser realizados. Olívia revelava um

grande amor à Igreja e pelas pessoas e serviu assim de elo

firme e muito confiável para que a renovação da liderança

comunitária se concretizasse de forma segura e tranquila.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

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FIGURA 37: Olício e Olívia Bobsin, diante do templo da IECLB em Itati. Fonte: Acervo do autor, 1970.

Olício e Olívia desempenharam, assim, um

importante papel ao meu lado e de Doris para que o

desempenho da tarefa pastoral tivesse uma boa

continuidade, numa época bastante difícil. Poderá alguém

dizer: < Todos os tempos são difíceis, pois cada tempo vem

com suas dores e problemas >.

Diante disso devo esclarecer que existem momentos

que são mais difíceis do que outros, principalmente quando

ocorre uma transição, seja na esfera pessoal, familiar,

comunitária ou mais ampla no cenário sócio político.

E para mim, em 1969, todas estas áreas estavam

apresentando uma conjunção de inúmeras dificuldades: a) -

Na área pessoal, eu vinha inexperiente, jovem e

despreparado para a enorme missão que estava além das

minhas forças e capacidade e, eu tinha que dar conta da

tarefa. b) - Na área familiar, eu era um homem solteiro,

longe dos familiares, vivendo num meio desconhecido.

Afinal, eu nem sabia da existência do vale do rio Três

Forquilhas até o dia em que o pastor Augusto Ernesto

Kunert me avisou: - “Você irá para Três Forquilhas”. c) – Na

área comunitária estava de saída o pastor Ernesto Fischer

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que aposentado iria me entregar o cargo pastoral no dia 1º

de janeiro de 1970. A OASE estava acéfala pelo falecimento

de Celina Voges Bobsin. O Presbitério iria receber novos

presbíteros no dia 1° de janeiro de 1970. d) – Na área

sócio-política o município de Osório, em outubro de 1968,

foi declarado Área de Segurança Nacional e recebera um

Interventor para exercer o cargo de Prefeito. No distrito de

Itati, também foi substituído o Sr. Eugenio Bobsin que

durante inúmeros anos atuara como Sub-Prefeito e foi

sucedido pelo Sr. Nestor Becker.

Enumero estes itens para mostrar essa conjunção

tão ampla de dificuldades que somadas traziam um

verdadeiro óbice44 que, para muitos incrédulos era visto

como intransponível, e sem condições de ser enfrentado por

um líder jovem e inexperiente, como era o meu caso.

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CASAMENTO DE CANDINHO COM MARIA WITT

Interessante foi um encontro que aconteceu entre

Alberto Schmitt e Ivo Baiano, em 1970. Os dois passaram a

rememorar assuntos da história antiga do vale do rio Três

Forquilhas e revelaram dados bem interessantes a respeito

de Maria Witt e do próprio Baiano Candinho. Aproveitei a

ocasião para fazer apontamentos, coletando os casos e

causos que eles contaram. O meu amigo Ivo Baiano,

residente na região conhecida como Bananeiras, neto de

Baiano Candinho, tornou-se assim numa valiosa fonte da

tradição oral.

Dessas relembranças dos dois recolhi a seguinte

história que fala do casamento de Baiano Candinho com

Maria Witt. Para Ivo Baiano esse assunto era revestido de

especial importância, pois se tratava da avó dele, a Maria

Witt. Ele acentuou o modo como essa mulher amarrou o

Candinho, para a vida de um casamento. Afinal, Candinho

era visto como um inveterado mulherengo que ia deixando

filhos espalhados por toda a Colônia.

FIGURA 38: Ivo Mello de Oliveira, o Ivo Baiano. Em foto por ele sonhada45. Fonte: Foto do arquivo do autor, 1999.

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Conforme Ivo Baiano a avó dele. Maria Witt

conseguiu transformar Baiano Candinho, para fazer dele um

homem casado e um pai de família.

A história foi a seguinte: - “Entre 1877 a 1878,

Baiano Candinho conheceu a Maria Witt, numa festa do

Kerb dos protestantes, na sede de Três Forquilhas. Ela viera

do Josaphat, em companhia dos pais e das irmãs. Ela só

tinha irmãs e todas elas desde cedo tiveram que aprender a

lida do campo, ao lado do pai, na fazenda que eles

possuíam no Alto Josaphat.

Quando Maria Witt conheceu Candinho, ela era

viúva, mãe de dois meninos, o Henrique e o Geraldino, o

fruto de uma relação com um tropeiro, o tal de Beriva46

Athaíde, nascido em São Paulo.

De passagem pelo Josaphat o beriva conheceu Maria

Witt. Mas não casaram, fato que contrariou muito os pais

dela. Apenas se amasiaram ou simplesmente se juntaram.

O velho Carl Witt autorizou que Maria e Athaíde,

viessem morar na propriedade do Barreiro, na Colônia de

Três Forquilhas, junto da trilha que leva ao Alto Josaphat.

A relação de Athaíde com Maria Witt foi boa, pois se

entendiam muito bem. No final do ano de 1876 ele aceitou

um serviço muito difícil, como tropeiro. Acompanhou na

condução de uma boiada até São Paulo. Lá ele ouviu falar

de um modo de fazer fortuna rápida, com o tal de ouro

negro que estaria sendo extraído em Minas Gerais.

Os tropeiros que depois de alguns meses retornaram

trouxeram uma triste notícia. O Beriva havia sido morto no

caminho às minas do ouro negro, em meio a uma luta com

alguns baianos.

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Maria Witt tornou-se viúva muito cedo, sem ter

conseguido, conforme seu sonho, casar pelo civil e diante

do pastor Voges.

Quando Maria Witt se apaixonou pelo Candinho

ambos enfrentavam uma mesma situação: a viuvez47.

Maria, de luto, porém sem trajar luto, com duas

crianças penduradas na saia, era uma mulher loira, de

cabelos quase da cor do trigo maduro, de olhos azuis e uma

pele muito branca. Ela despertou a atenção do Candinho,

pois ele não tirava os olhos dela. Mostrava-se fascinado com

a beleza e energia dela.

Candinho não esteve errado, pois Maria sempre foi

uma mulher corajosa e dedicada ao trabalho, na lida com

tropas e no cuidado com a criação. Ela, apesar de viúva,

continuou residindo na antiga propriedade da família, no

Barreiro, com as duas crianças, dando conta de sua

pequena criação de gado.

Na hora do baile, Candinho conseguiu tirá-la para a

dança, enquanto as crianças ficaram ao lado do avô Carl e

da avó Catharina Witt.

Conversaram muito... Ele se dispôs, caso ela

quisesse, de ajudá-la fosse na lida com a criação ou até

mesmo, no corte de cana e no fabrico de rapadura e açúcar

mascavo ou para construir alguma taipa.

Maria divertia-se com a idéia, porém deixou claro: -

“Podemos viver juntos, mas terá que ser com a benção do

pastor Voges e com papel passado pelo escrivão”. Ela sabia

da fama de Candinho com as mulheres, em particular com

viúvas.

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No final da tarde Candinho deu a resposta: - “Aceito

casar contigo, diante do padre Voges e diante do escrivão

Ximiti”.

Candinho mostrou-se disposto propondo já levar

Maria Witt e as duas crianças para viverem no seu rancho,

no Arroio Carvalho. Ela, entretanto insistiu: - “Eu disse,

somente com benção da igreja e com papel do escrivão”.

Era o seu sonho, desde menina! Sempre sonhara casar na

igreja!

Finalmente Candinho cedeu e já no dia 15 de abril de

1879 foi realizada a benção matrimonial oficiada pelo pastor

Voges. Não foi na igreja, mas na propriedade da noiva, no

Barreiro. Uma festa com muitos convidados, contando com

a presença de serranos e de gente do vale.

Dias depois, Candinho foi procurar o escrivão, e

marcou o dia da união civil. Escolheu duas testemunhas que

ele admirava muito, o Major Adolfo Felipe Voges e o

professor Serafim Agostinho do Nascimento. Fez registrar a

união, celebrada pelo pastor no registro no Cartório. Isto

aconteceu no dia 18 de maio de 1879. Até aí o relato de

Ivo Baiano.

Pode-se constatar, através desse registro existente

no cartório, que, na época, Candinho continuava fazendo

uso do nome falso de Manoel Alves da Silva.

Candinho casou no Cartório, foi sob a pressão de

Maria Witt. Ele evitava situações onde tivesse que se

identificar em público. Fato que chama a atenção é que o

escrivão da época, Christovam Schmitt, pai de Alberto,

sabia que o nordestino estava fornecendo nome falso e

mesmo assim aceitou a informação e a registrou.

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Maria Witt que antes estivera temerosa de um dia

perder Candinho para uma das antigas namoradas ficou

satisfeita e realizada. Ela, por exemplo, sabia da relação

que Candinho vinha tendo com a Tedéia Beca que alardeava

pela Colônia, estar grávida do Baiano. E era verdadeiro, pois

nasceu um menino que foi batizado pelo pastor Voges com

o nome de Cândio Becker48.

Quem era Maria Witt?

Maria Witt nasceu em 11 de julho de 1855 filha de

Carl Witt e Catharina Hoffmann. Ela consta no Livro do

Registro de Batismos, de Pastor Voges, como Anna Maria

Witt, batizada em 09 de setembro de 1855.

Maria Witt era uma neta do pioneiro Carl Johann

Witt, um meclemburguês, que entrara na Colônia de Três

Forquilhas no princípio do ano de 1827, radicado a um

quilômetro acima das terras do pastor Voges, nas

adjacências do Passo do Cemitério. Aquela área até hoje é

conhecida como baixada dos Witt, nas proximidades onde

hoje existe o Cemitério dos Witt.

O filho do pioneiro imigrante, também Carl Witt, pai

de Maria Witt, ao casar, mudou-se ao Barreiro, e ali o casal

tivera somente filhas, como segue: F1 - Catharina Witt,

nascida em 20.11.1853 e que casou com o depois capitão

maragato “Luis da Conceição” (Luis Brandão Feijó). F2.

Anna Maria Witt, nascida em 11.07.1855 e que casou com o

depois major maragato “Baiano Candinho”. F3 - Catharina

Bárbara Witt, nascida em 09 de julho de 1857 e que casou

com o depois soldado maragato Joaquim Brusch. F4 -

Belarminda Witt, nascida em 1858 e que casou com o

soldado Porfírio Martins Espíndola. F5 - Felisbina Witt,

nascida em 04.01.1860 (faleceu solteira). F6 - Maria Luisa

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Witt, nascida em 12.05.1862 e que casou com o depois

soldado maragato Jacó Cândido (Philipp Jacob Menger).

As seis mulheres da casa de Carl e Catharina Witt

bem cedo tiveram que aprender a montar a cavalo e lidar

com gado xucro. Tornaram-se mulheres bastante

independentes e decididas.

Os pais de Maria Witt, Carl e Catharina, residiram

inicialmente, como já dissemos, na localidade do Barreiro,

no fundo da Boa União. Depois compraram terras no Alto

Josaphat, na Serra, para então se dedicarem, com

exclusividade, à criação de gado.

O lema de Maria Witt

Ivo Baiano explicou que Maria Witt quando se unira

ao tropeiro Beriva Athaíde, nem vinte anos fizera. Mesmo

assim recebera a permissão do pai, para ir residir, ao pé da

Serra, nas terras do Barreiro. Teve dois filhos e, ficou viúva

com apenas vinte e dois anos de idade.

Quando Candinho conheceu Maria Witt, ela, apesar

de viúva, era ainda bem jovem. Era uma mulher forte,

sofrida e muito decidida, que gostava da vida no campo,

das tropeadas, das cavalhadas e da aventura.

Baiano Candinho a apelidou de Maria Parvilha ou

Maria Pórvola, pois que ela era de um gênio explosivo, de

muita disposição para a luta, corajosa, e pronta para

enfrentar toda e qualquer dificuldade.

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CANDINHO ERA CEARENSE

MARTIM PEREIRA DOS SANTOS, que passou a ser

conhecido por BAIANO CANDINHO, nasceu na

verdade, conforme minhas pesquisas no Estado do Ceará

no ano de 1846. Era filho de José Pereira dos Santos e Rosa

Maria dos Santos.

Integrou o 26º Corpo de Voluntários da Pátria, da

Província do Ceará, para ir combater na Guerra do Paraguai.

Este efetivo cearense sofreu muito com as diferenças

climáticas do Sul, além de estranhar com a alimentação.

Grande parte do efetivo pereceu, sem condições para entrar

em combate. Quase no final da Guerra muitos desertaram,

constando entre eles Baiano Candinho, seu irmão e mais

três outros parentes, também cearenses.

Buscaram refúgio no vale do rio Três Forquilhas, em

1871, sendo acolhidos pelo Major Adolpo Felipe Voges.

Baiano Candinho assumiu nomes falsos por não ter

tomado conhecimento de uma anistia, que teria sido dada

para os desertores cearenses, sobreviventes do flagelo das

epidemias. Normalmente ele alegava ser o Cândido Alves da

Silveira e, outras vezes Manoel Alves da Silva.

Baiano Candinho teve várias profissões sendo o seu

destaque maior o de construtor de atafonas, mister

aprendido no Ceará. Ele aperfeiçoou a atafona de pastor

Voges e por causa disto conquistou alto conceito na Colônia.

Era também perito construtor de taipas de pedra. Durante

alguns anos, comandou um grupo de peões, para fazer

taipas em propriedades de muitos colonos. Muitas destas

taipas resistem até os dias de hoje.

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Logo depois do término da Revolução Federalista,

chegou a trabalhar como capataz de fazenda, na Serra.

Na verdade ele deveria ser considerado como um

pequeno criador de gado e de cavalos, atividade que ele

desenvolveu desde cedo, em parceria com o seu compadre

Johann Hoffmann.

Candinho teve muitas mulheres na Colônia. A

princípio viveu com a jovem viúva Anna Carolina Kratz,

nascida Müller. Ela não podia ter filhos e, além disso, ela

faleceu cedo. Candinho teria herdado a propriedade da

viúva.

Em 1879 ao se unir com a viúva Maria Witt ele

tornou-se protestante. Casou no dia 15 de abril de 1879 no

templo, diante do pastor Carlos Leopoldo Voges. Um mês

depois, foi ao Cartório, registrando essa união, no dia 18 de

maio. Na oportunidade alegou ser analfabeto e ter apenas

vinte e cinco anos de idade, apresentando o nome falso de

Cândido Alves da Silveira.

O assentamento do registro civil pode ser encontrado

no Livro de Casamentos nº 01, folha 07 do Cartório do

Registro Civil, de Itati. Foram testemunhas o Major Adolfo

Felipe Voges e o Professor Serafim Agostinho do

Nascimento.

Maria Witt trazia da união anterior, com o falecido

tropeiro Beriva Athaíde, paulista, os filhos Henrique

(19.05.1875) e Geraldino (1876 - falecido em 1883).

Filhos de Baiano Candinho com Maria Witt: F1 -

Ambrosina (16.12.1881), casou com Johann Nascimento

Hoffmann. F2 - Angelina (1883), casou com Luiz Jorge

Hoffmann. F3 - Pasqualino (08.10.1886), casou com Maria

Brando. F4 - Avelino (1888), casou com "Biluca" Hoffmann.

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F5 - Julia (03.04.1890), sem notícias sobre o que possa ter

acontecido com ela. F6 - Realina (10.10.1892) casou com

Aldino de Oliveira Mello. F7 - Ernestina (1893) casou com

Avelino Brando.

Sabe-se que Baiano Candinho teve, pelo menos, três

filhos extraconjugais: F1 - Constâncio Alves da Silva, tido

com Maria Luisa da Silva em 04.01.1876. F2 - Johann

Candea Becker, o Cândio Beca tido com Maria Dorothea

Becker em 29.10.1879. Cândio Beca casou com Geraldina

Preta, uma afrodescendente criada por Philipp Westphalen,

o Felipe Girivá. F3 - Manoel Alves da Silva Júnior, o

Candinho Gaspar tido com a viúva Maria Stahlbaum nascida

Dresbach, em 16.09.1882.

Conforme depoimento do neto Ivo Baiano, o seu avô

Baiano Candinho teve diversas propriedades, na Serra do

Pinto e no vale do rio Três Forquilhas. Ele era um homem

abastado, se comparado com a situação em que vivia a

maioria dos colonos, de descendência alemã, no vale do rio

Três Forquilhas.

No final, Candinho veio residir na propriedade que

mais lhe agradava, às margens do Arroio Carvalho, ao lado

da estrada rumo a Serra, aproximadamente a quase dois

quilômetros antes da subida da Serra do Pinto.

Seu posto e graduação na Revolução Federalista:

Major de Cavalaria e Comandante do Esquadrão Josaphat.

Foi assassinado aos cinquenta e dois anos de idade,

no dia 06 de janeiro de 1898, diante do seu rancho, numa

noite dos Reis Magos. O estratagema utilizado foi o de

incluir entre os cantores uma escolta armada. Ele estivera

marcado para morrer, por decisão das autoridades

castilhistas de Conceição do Arroio e da Capital do Estado,

sendo um dos motivos, que Candinho tivera o desplante de

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invadir a cidade arroiense, em 1895, causando uma dura

humilhação às autoridades castilhistas daquela cidade.

Foi degolado por um integrante da Escolta Policial da

Colônia de Três Forquilhas.

Assim era Baiano Candinho

Conforme depoimentos de Ivo Baiano e de Alberto

Schmitt, o Baiano Candinho era um tipo incomum. Era

esperto e o mais inteligente dos cinco baianos.

Candinho observava tudo e todos atentamente.

Escutava com atenção e curiosidade. Sabia reconhecer as

pessoas, distinguindo quais eram confiáveis e quais não.

Quando ele dizia: - “Este não é confiável”, podia estar certo

que mais adiante isso ficaria revelado.

Na Colônia, em particular duas pessoas haviam

chamado a atenção de Candinho. A primeira, que ele

venerava, como se fosse o seu pai, era o idoso pastor

Voges. Considerava-o um verdadeiro santo homem.

Entendia que se tratava de um pastor caridoso.

Observara o velho, constatando o interesse especial

que o mesmo concedia a todas as pessoas que o buscavam,

fosse gente estudada ou um rude peão, fosse um capitalista

ou um humilde colono, fosse liberto ou escravo.

Não só o velho pastor, mas admirava também a

velha Dona Lisbeta, e dizia: - “Esta é uma mulher

admirável”.

Pastor Voges e professora Elisabeth era um casal que

acolhia a todos com uma grande hospitalidade, e por isto

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dizia: - “Jamais vi em qualquer outro lugar, por onde já

andei um casal desses”.

Sempre que Candinho chegara à casa do pastor,

para tratar de algum assunto, jamais o deixaram sair sem

uma refeição ou pelo menos um café acompanhado com

mistura, ou até guloseimas de polvilho ou farinha,

preparadas pela Mãe Maria.

A mesa de refeição, no grande salão dos fundos, que

um dia já fora igreja, sempre estava com uma grande mesa

posta, como a esperar por algum eventual hóspede.

Outra pessoa que Candinho admirava era o Major

Voges, filho do velho pastor. Era o chefe político da Colônia,

mas que nada fazia sem consultar o pai.

Isso era tão bom de ser visto e Candinho dizia que

assim devia ser em todos os lugares e o mundo seria bem

melhor. Candinho propunha: - “Filho para se tornar em

homem correto e de palavra, precisa ter aprendido a dar

obediência aos bons conselhos dos pais”.

Candinho lembrava que o Major era desses homens

raros que colocam a palavra empenhada e a honra acima de

tudo. Era um chefe político que praticava também a Justiça,

na Colônia.

Sempre o vira agir com muita humanidade, cada vez

que o incumbiam do cargo de subdelegado de Três

Forquilhas. E ele, Candinho, se tornara homem de confiança

desse líder maragato e cavaleiro de valor.

Candinho, no que lhe fosse possível, queria espelhar-

se nesses dois líderes. Dizia para quem quisesse ouvir: -

“Dou a minha própria vida, se preciso fosse, para proteger a

vida do velho pastor e de seu filho”.

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Candinho também era um homem de palavra e

colocava a honra acima da fortuna. A liberdade acima de

tudo. Apenas por este motivo entrara nessa revolução,

desejando ajudar a combater a maligna ditadura castilhista

que estava fazendo vítimas em muitos lugares do solo

riograndense.

Lembrava da morte cruel de padre Fernandes e de

Major Azevedo, em Conceição do Arroio. Lembrava também

da morte de Luciano, Ignacinho, Pedro Juarte e Miguel

Cândido, que não haviam ameaçado a ninguém.

Candinho desejava ajudar ao povo do Rio Grande

para ter um Governo que soubesse fazer o bem para todo o

povo, onde a liberdade se tornasse boa para todos.

FIGURA 39: Eliseu Klein de Oliveira. Sentado diante da mesa de Prefeito do município de Itati – RS. Pelo fato de temporariamente ter

assumido o exercício desse cargo. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

Candinho era natural do Estado do Ceará. Jamais

revelara o nome de sua cidade natal. Dizia que, para lá,

nunca mais poderia voltar, pois deviam ter espalhado a

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notícia, que ele e seus quatro amigos haviam decidido

abandonar aquela tão horrenda Guerra, no território do

Paraguai.

O seu rosto arredondado, um olhar tranquilo, o

sorriso fácil, os cabelos pretos e bastos e um grande bigode,

davam-lhe um ar bonachão. Sua cor era de um moreno

claro. Era levemente gordo e forte como um touro, capaz de

enfrentar três a quatro adversários de uma só vez.

Candinho era o mais forte dos cinco baianos e o

volume do seu corpo recebia ainda maior realce quando

usava bombachas, confeccionadas com bom tecido e

enfeitadas com botões de chifre. O seu chapéu de abas

largas, de cor marrom era o maior que já fora visto na

Colônia. Ninguém sabia dizer onde ele conseguira essa

interessante cobertura, que o protegia do sol e do frio.

A figura de Candinho, quando cavalgava a testa da

tropa, logo chamava a atenção. Devia ter 1,80 metros de

altura, algo incomum entre os nordestinos. Como cearense

ele podia ser considerado um homem bastante alto. Porém

na Colônia de Três Forquilhas havia muito colono alemão,

bem mais alto do que ele.

Candinho era um homem alegre e muito

comunicativo. Facilmente conquistava a estima das pessoas.

Onde aparecia, logo era cercado por crianças que se

penduravam em sua bombacha larga e faziam festa. Ele

tinha algo mais, talvez provindo do misticismo, tão peculiar

no povo nordestino, na busca de forças e amparo para

enfrentar as agruras da vida. Por isto, talvez, ele se

envolvera com tanta intensidade com o velho pastor Voges,

procurando nele as bênçãos e a proteção de Deus.

Beto Escrivão lembrava da figura de Candinho.

Também brincara com ele, diante do sobrado. Não vira nele

jamais a figura de um bandido.

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Era antes uma pessoa contemplativa, mas de muita

coragem, de decisão e de ação, mas amoroso e caridoso,

pronto a ajudar os mais desvalidos.

Foram os castilhistas que espalharam a imagem

negativa a respeito do adversário. Tinham colocado a

cabeça dele a prêmio, junto com as cabeças de padre

Fernandes e de Major Azevedo.

Estes dois últimos já haviam sido assassinados.

Sobrara o Baiano que mais parecia um gato, com sete

vidas.

História sobre Fredo Sapateiro

Conforme depoimentos do Sr. Vicente Pereira de

Souza, de Bananeiras, em Itati – RS o seu bisavô

revolucionário conhecido pelo apelido de Rico Marques foi do

efetivo de Baiano Candinho e amigo do Fredo Sapateiro,

com o qual comprava botas, encilhas e laços de couro

trançado.

Rico Marques havia sido batizado pelo pastor Voges

em 1854, com o nome de Friedrich Marques Pereira de

Souza e era filho do pedreiro açoriano José Pereira de Souza

e Maria Gross.

Rico Marques, em 1873 quando tinha dezenove anos

de idade, casou com Bárbara Schwartzhaupt que tinha

apenas quinze anos de idade. O padrinho dele foi o tropeiro

Bento Rodrigues de Azevedo e da noiva foi o João Patrulha

Menger.

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Rico Marques sempre foi um protegido de João

Patrulha Menger e com ele começou a atividade de tropeiro

FIGURA 40: Vicente Pereira de Souza e o autor Fonte: Acervo fotográfico do autor.

Vicentinho explicou: - “Já o Fredo Sapateiro e meu

pai se criaram quase juntos, pois foram vizinhos, na

mocidade. Fredo foi dos Ludovicos, filho de Christian Ludwig

e de Margaretha Eberhardt que tinham um grande cultivo

de bananeiras e exportavam o produto para Conceição do

Arroio e até para Porto Alegre. Eram gente rica e com

condições de vida muito boas. Mas Fredo não quis seguir na

profissão do pai, que era de plantador de bananeiras.

Quando jovem, antes de casar, Fredo passou um bom

tempo em São Leopoldo e lá aprendeu a profissão de

sapateiro e de mestre de couro.

Fredo foi convidado pelo Baiano Candinho para ser o

sapateiro e seleiro do Esquadrão Josaphat com uma Oficina

de Couros, que foi instalada no Alto Josaphat. A tropa

precisava de artigos de couro a todo o momento, quando

não era apenas para consertar alguma coisa.

Vicente Pereira explicou que em torno de Fredo

Sapateiro foi criado o personagem fictício que passou a ser

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conhecido pelo apelido de Carniceiro, como sendo um

personagem ávido pelo sangue de espiões. E com poderes

sinistros. Diziam que era capaz de ler nos olhos ou no rosto

do indivíduo, se ele tivesse a falsidade escondida no coração

e na mente. Mas era só história, pois Fredo era um homem

de paz que nunca entrou num combate e não queria saber

de derramamento de sangue.

Vicente Pereira lembra também que Fredo Sapateiro

tornou-se depois um fugitivo, quando nesta região, em

1898, todos os antigos revolucionários federalistas

passaram a ser, sistematicamente, eliminados, apesar do

fim da guerra e da anistia total.

- “Fredo Sapateiro, ninguém soube por que, mas

constou da relação de revolucionários que estavam

marcados para morrer, conforme a decisão dos líderes

castilhistas de Conceição do Arroio e da Capital do Estado.

Diziam que ele estivera presente na invasão e da tomada de

Conceição do Arroio em abril de 1895 e que aparecia numa

das fotografias tiradas naquela ocasião. Quem aparecia

nessa foto era Rico Marques, porém ele deixou de ser

perseguido, pois em 1898 procurou o Carlos Frederico

Voges e se colocou sob a proteção dele, tornando-se

castilhista”.

Colhemos este depoimento de Vicente Pereira de

Souza, quando ele estava com noventa e três anos de

idade. Ele ficou entre os contadores de história confiáveis

por ser descendente de um revolucionário maragato.

Vicentinho exerceu durante muitos anos o trabalho de

zelador do cemitério onde Baiano Candinho estava

sepultado, no Carvalho. Ele informou: - “O meu antecessor

como zelador do Cemitério de Candinho foi o Cândio Becker,

um filho que o chefe maragato teve com a Tedéia Beca”.

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FIGURA 41: ADAIR KÖNIG, tropeiro e vaqueano Que me serviu de guia em muitas andanças pelo vale do Três

Forquilhas, em busca de depoimentos dos mais idosos. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

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A REVOLTA CONTRA OS CASTILHISTAS

Inúmeras foram as vezes que me encontrei com

Alberto Schmitt para escutar as histórias que ele tinha para

contar, a respeito de uma época bem mais difícil do que

essa que eu enfrentava em 1970.

O assunto era muito amplo e não havia maneira de

resolver as tantas perguntas e dúvidas que afloravam ao

longo dos relatos. Porém importava escutar e sempre de

novo escutar mais um pouco, fazendo apontamentos, para

avaliação futura.

Numa dessas visitas eu quis saber: - “Por que

Gumercindo Saraiva e outros revoltosos maragatos

iniciaram a cavalgada rumo ao Rio de Janeiro, no princípio

de 1893 e por que não derrubaram simplesmente Júlio de

Castilhos?” Eu perguntei.

Ele não quis responder, pois certamente ninguém

saberia dizer o que se passou na cabeça de Gumercindo

Saraiva. Porém o escrivão colocou outra pergunta: - “O que

Baiano Candinho teve a ver com a Revolução Federalista e,

da luta contra o Governo Federal?”.

Somente então Alberto Schmitt explicou: - “Para

responder volto no tempo, para lembrar da situação que se

formou no cenário político nacional quando Marechal

Deodoro da Fonseca renunciou à Presidência da República,

em 23 de novembro de 1891. Recordamos que Deodoro

favorecera expectativas dos liberais e maragatos

riograndenses, que desejavam livrar-se do poder autoritário

de Julio de Castilhos. Assumiu o Governo Federal o vice

Floriano Peixoto. Este, porém reiteradas vezes, passou a

conceder apoio aos castilhistas. Mesmo tendo sido um

liberal, Floriano Peixoto passou a ser visto como aquele que

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voltou as costas aos liberais e maragatos. A última reserva

de paciência esgotou-se no início do ano de 1893 quando

Julio de Castilhos conseguiu retomar o Governo do Rio

Grande do Sul. Entenderam que o Governo Federal

favorecera os castilhistas, de muitas maneiras, apesar de

não ter sido, a princípio, esta escolha feita pelo voto

popular. Julio de Catilhos somente voltou ao poder através

do uso da força e de intimidação e que depois se refletiu

nas eleições de 1892”.

Alberto Schmitt continuou: - “Passaram a ecoar

vozes de revolta através de todos os rincões gaúchos.

Finalmente os maragatos não vendo nenhuma perspectiva

de mudanças, pois a última gota de esperança se

desvanecera, tomaram as armas, procurando aliar-se a

outros focos de revolta, surgidos em outros pontos da

Nação insatisfeitos com a política florianista”.

Realmente, em nossas pesquisas e leituras

verificamos que no dia 15 de fevereiro de 1893 Gumercindo

Saraiva atravessou a fronteira, vindo do Uruguai para o Rio

Grande do Sul com cerca de quinhentos homens, seguido,

alguns dias depois, pelo general Joca Tavares, com cerca de

três mil homens. O efetivo federalista era formado, na

maioria, por perseguidos pelo poder castilhista, refugiados

no Uruguai. A notícia espalhou-se por todo o território

riograndense.

Era líder dos maragatos no Litoral Norte do Rio

Grande do Sul o Major Azevedo, que vivia na ocasião,

escondido nas imediações da Serra do Pinto, um reduto do

Major Baiano Candinho. É de se supor que Major Azevedo

incumbiu de imediato, Baiano Candinho para recrutar

voluntários maragatos dessa área, com o objetivo de

reforçar a ação dos revoltosos gaúchos.

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Baiano Candinho então reuniu mais de cinquenta

voluntários, oriundos da antiga Colônia Alemã de Três

Forquilhas e redondezas, para o fim específico de conceder

reforços para o efetivo de Gumercindo Saraiva, porém, ele

mesmo, não desejava saber de ir rumo a Capital Federal.

Os depoimentos de Alberto Schmitt eram muito

interessantes, pois transcendiam ao âmbito local, colocando

o enfoque da questão para um âmbito amplo de província e

de nível nacional. Eu quis saber: - “O senhor tem alguma

relação de nomes dos integrantes do efetivo de Candinho e

daqueles que por ele foram enviados a Gumercindo Saraiva,

para seguirem rumo à Capital Federal?”.

Alberto Schmitt foi até a escrivaninha e trouxe um

calhamaço de folhas com apontamentos. Ele falou: - “Tenho

o nome de muitos dos voluntários, que se apresentaram

para reforçar o efetivo de Gumercindo Saraiva. Apresento

aqui nomes de voluntários maragatos da Serra do Pinto e

Três Forquilhas, que se juntaram ao efetivo de Gumercindo

Saraiva quando este cruzava a Serra, para adentrar com o

seu exército o Estado de Santa Catarina em 2 de novembro

de 1893: São eles: < Paraguaio Gross, Carlos Girivá Dolfo

Leão, Bugre Lemes, João Rico, José Vidal, Rico do Pilão,

Joca Dionísio, Antonio Gonçalves, Beto Guimaria, Tilico

Beriva, Lula Gaspar, Mila Gâmba, Estevam Gâmba, Joaquim

Rescindo, Maneco Oliveira, Negro Democa, Saturno

Queromana, José Sabino, Carlos Sabino e José Beriva >“.

Estes homens, portanto, participaram, mais tarde, no

Estado do Paraná, dos combates do Cerco da Lapa, a partir

de 14 de fevereiro de 1894 e, ajudaram a tomar a cidade de

Curitiba.

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A CASA DO SOUZA NETO

Casa de pedra ou Casa de Santo Antonio

Por Jussiê Bittencourt Hahn

(Professor de Geografia e História da rede estadual

do RS, formado em geografia licenciatura pela FACOS e

mestrando na área do ensino de Geografia pela UFRGS).

Localizada as margens da rodovia Rota do Sol,

próxima a divisa os municípios de Itati e Terra de Areia, a

casa de pedra ou de Santo Antonio (como ela é conhecida)

por populares, guarda em meio as suas paredes de rocha

basalto talhadas a mão, revestidas de barro no estilo pau-a-

pique, madeiramento “farquejado” a machado e suas

enormes janelas, muitas histórias. Algumas transmitidas

pela história oral, outras desconhecidas, e até algumas

“lendas” assustadoras.

Segundo o escritor Elio Eugenio Müller, o primeiro

proprietário dessa casa foi um senhor conhecido por Antonio

de Souza Netto, proprietário de uma boa área de terra na

região conhecida como Pântano (próxima ao Cemitério do

Espinho na localidade de Costa do Morro).

Acredita-se que sua construção tenha ocorrido no

inicio do século XIX onde os escravos carregavam pedras de

basalto do próprio terreno para erguer as paredes, segundo

Elio Müller, os escravos, na parte da manhã antes de sair

para o trabalho ganhavam um gole de cachaça para meio

que anestesiar em caso de batidas nas pedras e farinha

como alimento.

A fachada da casa está voltada para o Rio Três

Forquilhas onde antigamente existia o caminho dos

tropeiros, que seguia o curso do rio e estabelecia a ligação

com os Campos de Cima da Serra.

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FIGURA 42: Foto da parte frontal da casa. Fonte: Arquivo Fotográfico do prof. Jussiê Bittencourt Hahn

O proprietário recebeu o nome de Antonio por que

sua família era devota deste santo, o que fez dele também

um grande devoto de Santo Antonio e em homenagem

construiu um pequeno altar na parte interna da casa onde o

santo ficava exposto, além disso, a casa tinha dentre seus

cômodos o quarto reprodutor e o quarto do castigo.

Conta-se por pessoas mais antigas que o proprietário

tinha e também comercializava escravos, e em uma de suas

viagens enfrentou uma tempestade na lagoa Itapeva e fez

uma promessa a seu santo protetor que se escapasse com

vida e salvasse a mercadoria (os escravos) construiria uma

casa em sua homenagem.

Quanto a Antonio de Souza Netto perdeu-se o

contato com a descendência dele.

Mais tarde o pai de três irmãos; Marco Pinheiro

Prestes, Carlos Pinheiro Prestes e Artur Pinheiro Prestes

recebeu uma sesmaria de herança, qual tinha a casa de

pedra construída, após seu falecimento, foi feita a divisão

entre os três filhos e a casa passou a ser a propriedade de

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Marco Pinheiro Prestes este se casou com Carlota Alves

Prestes.

Segundo relatos de Carlota Nunes Hahn, filha de

Marco Pinheiro Prestes, a casa era famosa e recebia fiéis

que vinham rezar e pagar promessas para Santo Antônio.

Disse ainda que seu avô, qual não lembrava o nome, tirou

madeira de lei para fazer um caixão e pediu para ser

enterrado ali.

Após o falecimento de Marco Pinheiro Prestes e

passado alguns anos a casa se tornou encontro para as

domingueiras (bailes que ocorriam no domingo à tardinha)

sobre o comando de Manoel Adário de Souza, onde a sala,

local da dança, era dividido em duas partes, uma de

assoalho onde os brancos dançavam e outra de chão batido

onde os negros dançavam.

Segundo Antonio João Hahn, genro de Marco Prestes,

a casa tinha um forro que era pintado e o desenho formava

a bandeira do Brasil.

Atualmente a casa pertence à Izabel Prestes, viúva

de Neri Prestes (filho de Marco). A casa ainda preserva as

janelas e as paredes originais, bem como parte do

madeiramento superior, o quarto reprodutor e o quarto do

castigo, e um pequeno pedaço de uma divisória interna de

pau a pique. Infelizmente não apresenta as melhores

condições de conservação, parte do telhado já foi reformada

pelos atuais proprietários, e a outra está cedendo, uma

parede lateral cedeu, e as aberturas estão sendo corroídas

pela ação do tempo. Janelas e paredes que se falassem

teriam com certeza muitas coisas para nos revelar sobre a

nossa história.

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OS MENGER PATRULHA E OS CÂNDIDO

Era o mês de novembro de 1970. Uma terça-feira de

muito calor e muita poeira na estrada. Já fazia onze meses

que eu residia em Itati. Eu não possuía carro. Fazia uso da

linha de ônibus ou do meu cavalo baio, para as andanças

pela Colônia. Terça-feira era dia de ir até a localidade

conhecida por Três Pinheiros, para ministrar aulas de ensino

religioso para os alunos da Escola Rural dirigida pelo

professor Osmar.

Tornara-se quase que um ritual. Depois de ministrar

as aulas, dirigia-me, por volta das dezessete horas até o

Armazém do Barroso, para ali esperar pelo ônibus, com o

objetivo de voltar para casa. Naquela tarde saí bem mais

cedo da Escola. Os alunos estavam envolvidos em um

torneio esportivo. Seu Barroso, o dono do Armazém,

procedia sempre do mesmo modo, ao ver-me. Buscava uma

espiriteira - fogareiro a álcool - a chaleira, a cuia e a erva-

mate para fazer ou para renovar o chimarrão.

FIGURA 43: Barroso Menger, a esposa Olinda, a filha Neila e o autor.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor, 1999.

Naquele dia estavam ali, também o Janguinha e o

Lema, dispostos para uma prosa. Lembrei-me do dito de

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Jesus: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu

nome, ali eu estarei com eles”.

Sobre o balcão, um jornal da Capital chamava a

atenção. O título falava de presos políticos e de

desaparecidos. Tal matéria não era comum. A censura ainda

era feita, de forma velada, em todo o País. Essa matéria

jornalística levou-nos a falar sobre presos políticos e sobre

desaparecidos.

O velho Lema parecia querer contar um segredo.

Chegou mais perto e falou quase aos sussurros: “Presos e

desaparecidos, os há e os houve em muitos lugares, mesmo

aqui na Colônia.”

Janguinha e Barroso se entreolharam. Pareciam

querer censurar o velho Lema. Ele não se importou com o

nervosismo dos dois.

Pessoalmente me vi tomado pela curiosidade. Uma

pergunta crucial aflorou em meus lábios: - “Alguém da

Colônia foi preso por questões políticas e que eu não

saiba?”.

A minha preocupação tinha lógica. O município de

Osório fora declarado Área de Segurança Nacional, não fazia

dois anos, por volta de 1968. Mas jamais eu ouvira falar a

respeito de algum político que tivesse sido preso nesta área.

O velho Lema corrigiu imediatamente a dúvida que

se formara em minha mente. Nada de problema político.

Fora um problema por suspeita de delito banal, de

latrocínio. O homem conhecido como “Motinho” fora preso

por volta de 1965 e levado preso de Terra de Areia para um

galpão localizado em direção aos fundos do Três Pinheiros.

A intenção fora de forçá-lo a confessar um delito, através de

uma leve sessão de tortura. Para isto amarraram uma corda

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nos tornozelos do infeliz, jogando a corda por sobre uma

travessa de madeira, do galpão.

O homem fora simplesmente dependurado, de

cabeça para baixo. No chão, de terra batida, haviam feito

fogo. O preso era então baixado até bem próximo das

chamas, que lhe sapecavam o cabelo. O homem chorava e

contorcia-se, com o rosto marcado pelo pavor. O vaivém

parecia não ter fim.

Inesperadamente, o suplício foi interrompido. O

preso deixara pender os braços, inertes. Procuraram

reanimá-lo. Alguém trouxe um balde com água, jogando-a

sobre o seu corpo. Ficou encharcado. Não ocorreu, porém

nenhuma reação. Pegaram-lhe o pulso: - “O homem

morreu!”.

O velho Lema interrompeu o relato. O silêncio ficou

tão profundo que nos assustamos com a nossa própria

respiração.

Lema voltou-se ao Barroso, reclamando: “Já contei o

que eu vi. Agora, você Barroso, diga alguma coisa. Você viu

o cadáver do homem, quando eles passaram aqui e

pararam por um momento diante deste Armazém”.

Barroso parecia estar congelado sobre a cadeira.

Estava com a cuia na mão e mudo. Como que acordado por

um raio, ele saiu finalmente do mutismo em que se fechara:

“Não quero esconder a verdade. Realmente, ele foi morto”.

Barroso explicou que quatro homens, apinhados na

cabina de uma “camioneta” amarela, pararam diante do

Armazém. Estavam muito nervosos. Pediram que Barroso

lhes cedesse cinquenta ou sessenta litros de gasolina.

Surgira-lhes uma viagem inesperada.

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Enquanto um empregado do Armazém providenciava

o combustível, Barroso, por curiosidade fora verificar se

havia carga na “camioneta”. Levantou a lona e ficou

horrorizado. Um homem morto, boca aberta e olhos

vidrados, parecia fitá-lo.

Barroso olhou em volta, para verificar se o seu ato

fora notado. Os homens estavam por demais nervosos e

apressados, procurando ajudar a encher um tambor com

gasolina, a ponto de nem terem se lembrado de deixar

alguém, para guardar a macabra carga que levavam.

Interrompi a narrativa do Barroso. Desejava saber

duas coisas: 1.) – Quem era o morto? 2.) – Quem eram os

assassinos?

Os três entreolharam-se. Finalmente Barroso

retomou a palavra. O nome do morto era Motinho. Porém

não soubera do nome completo dele.

Janguinha e Lema confirmaram, movimentando a

cabeça de forma afirmativa. Também desconheciam o nome

completo do Motinho. Quanto à segunda pergunta, Barroso

pediu que o desculpasse. Ele não poderia dar o nome dos

assassinos. Talvez algum outro dia...

Janguinha também pediu desculpas. Se o Barroso

não se dispunha a dar os nomes, então ele também teria

que manter silêncio.

Lema olhou para os dois amigos com ar de

reprovação: “É gente por demais conhecida. Pegaram a

mania de assumir papel de polícia, por aqui. Há anos que

eles vem figurando como ajudantes de subdelegado,

querendo fazer a lei, aqui na Colônia.”

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Barroso interveio, dizendo que renovaria o

chimarrão. Enquanto ele foi limpar a cuia, passei a preparar

o fogareiro, para voltar a esquentar a água da chaleira.

Histórias de pessoas desaparecidas

Barroso retornou com o chimarrão renovado. Ele

desejava conversar mais um pouco. Mostrava-se tenso.

Explicou que tinha outro assunto para comentar.

Barroso passou a contar um pouco da história de

João Patrulha Menger, seu trisavô, e do Manoel Cândido,

seu bisavô que residiram na Serra do Pinto. Lamentava não

saber o nome verdadeiro, deste seu antepassado.

Barroso, quando ainda menino, ouvira comentar que

houvera gente lá na Serra jurando que Manoel Cândido fora

um dos cinco desertores baianos, da Guerra do Paraguai,

que em 1871 se refugiaram na Colônia.

Porém, se o primeiro filho de Manoel Cândido já

nascera no princípio da Guerra do Paraguai, então ele não

poderia ter sido um desses baianos.

Barroso explicou que por volta de 1892 este seu

bisavô se tornara revolucionário federalista, juntamente

com seus dois filhos e um cunhado. Eles integraram o

famoso esquadrão de combate do Baiano Candinho. Eles

entraram nessa luta na idéia de poderem libertar o Rio

Grande do Sul da maléfica ditadura castilhista.

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FIGURA 44: Fontes da Tradição Oral – FTO. Da esquerda para a direita, Arquimimo König – Boa União, Osvaldo Schmitt do Nascimento – Três Pinheiros, Lidurino Barroso Menger – Três Pinheiros, Ady Brehm – Três

Forquilhas, José Idílio Jacoby – Três Forquilhas e o autor, reunidos na Boa União, na residência de Arquimimo e Nair König.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

Mas eis que eles perderam a revolução. Foram

declarados como sendo bandidos. Talvez em torno de vinte

outros companheiros de Manoel Cândido também foram

assassinados, depois de terminada a Revolução.

Quanto ao Manoel Cândido ele fora declarado como

evadido da área. A relação dos declarados evadidos era

grande, talvez uns cinquenta homens.

Entretanto surgira uma dúvida, exatamente a

respeito de Manoel Cândido. Se ele realmente tivesse fugido

da região, por que motivo teria deixado de dar notícias para

os familiares? Ele tinha esposa, filhos e netos. Todos esses

familiares moravam lá na Serra. Por esse motivo a família

sempre teve o pressentimento que Manoel Cândido havia

sido morto. Em algum lugar, nas trilhas da Serra, ele talvez

virara alimento de urubu, sem sepultura e sem nome.

Quantos outros desses ex-revolucionários, que foram

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contados na lista de evadidos, na verdade foram

eliminados?

Ser preso, naqueles tempos da Revolução

Federalista, para a maioria deles era sinônimo de eliminação

sumária, sem chance para receber um julgamento correto.

Essa havia sido a justiça castilhista para os adversários

revolucionários, considerados como sendo meros bandidos.

O que Barroso relatou foi uma história que se pode

escutar em qualquer parte do mundo, onde acontece uma

revolução. O vitorioso é o bom (mocinho) e o perdedor

passa a ser o mau (bandido).

Barroso contou que o seu avô tivera mais sorte. Ele

conseguira se refugiar nuns matos, lá na Serra, nas terras

da pousada que pertencera ao João Patrulha e somente

voltou para a família, quando as coisas acalmaram.

Seu avô fora conhecido pelo apelido de Jacó Cândido

Menger e que depois passaria a levar uma vida bem pacata,

primeiro como serrano, dedicado ao tropeirismo e à criação

de gado e depois veio residir em Três Forquilhas, não longe

da estradinha que leva ao Chapéu e que passava diante do

antigo Piquete, do falecido Paraguaio Gross.

Jacob Menger ou Jacó Cândido Menger, ao voltar

para a sua família, conseguiu contar as coisas que

aconteceram aos revolucionários derrotados. Porém, isso

deixamos, para o último volume da Coleção Memórias da

Figueira, no livro intitulado: E A VIDA CONTINUA.

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HERMENEGILDO PRUDÊNCIO TORRES

Hermenegildo Prudêncio Torres nasceu no dia 30 de

fevereiro de 1865 na Vila de Torres, filho de Prudência

Torres, uma serviçal morena, do Hospital local. Seu pai que

se manteve anônimo foi o Coronel Álvaro Capaverde mais

tarde Comandante do 16° Regimento de Cavalaria, de

Torres.

Hermenegildo conseguiu contar com a atenção

paterna, pois foi enviado a Porto Alegre para aprimorar seus

estudos. Formou-se para o exercício do magistério,

regressando a Torres aos vinte e dois anos de idade.

Durante a Revolução Federalista tornou-se Alferes do

16º Regimento de Cavalaria e foi enviado para exercer o

magistério na área da Boa União, em Três Forquilhas e para

prestar ao Governo, um serviço de informações, sigiloso, na

espionagem do movimento dos federalistas. Ninguém sabia

que ele era filho do Coronel Capaverde. Ele também jamais

usou farda, pois não podia aparecer como sendo um militar.

Por causa dos relevantes serviços prestados à causa

castilhista, durante a revolução federalista, ele foi lembrado

para designações importantes. Carlos Frederico Voges

Sobrinho o trouxe para se radicar no lado torriense de Três

Forquilhas onde fazia falta professor que conhecesse a

língua nacional.

Em 1901, recebeu o título de Capitão da Guarda

Nacional.

Hermenegildo casou com Reginalda de Souza e com

ela teve os seguintes filhos: F1 – Dolores que faleceu aos

dezenove anos de idade. F2 – Mário, que faleceu aos vinte e

quatro anos de idade. F3 – Élio que ingressou nas fileiras do

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Exército Brasileiro e casou em Pelotas – RS, onde passou a

residir. F4 – Maria que casou com Johann Feck.

Quando Reginalda faleceu, o professor pediu que ela

fosse sepultada no Cemitério da Comunidade Evangélica de

Três Forquilhas - hoje Itati. Plantou um cipreste sobre a

sepultura. Esta árvore, ainda hoje, está ali no cemitério,

como sinal do local onde Reginalda de Souza Torres foi

sepultada.

Em 1906, professor Hermenegildo voltou a casar.

Uniu-se com Idalina Becker, uma filha do serrano Christian

Johann Becker e de Christina Hoffmann. Neste segundo

matrimonio teve os seguintes filhos: F5 – Luis Torres que

casou com Guilhermina Jacoby. F6 – Miguelina, que casou

com Balduino Jacoby. F7 – Dalmira que casou com Lindolfo

Voges. F8 – Edemar que casou com Laurentina Jacoby. F9 –

José, que casou com Ema do Nascimento. F10 – Hilda que

casou com Oscar Becker. F11 – Hernande que casou com

Ionita Müller. F12 – Orlando que casou com Maria Boeira.

Quando faleceu foi, a seu pedido, sepultado ao lado

da primeira esposa, no Cemitério Evangélico de Itati.

Artigo do Professor Jussiê Hahn

O professor Jussiê Bittencourt Hahn escreveu:

Hermenegildo Prudêncio Torres era filho de uma mulher que

trabalhava em uma espécie de hospital que existia em São

Domingos das Torres, onde ela lavava roupas e cuidava do

vestuário dos médicos.

De descendência indígena, Pordencia, apesar de

nunca ter se casado concebeu e deu a luz a quatro filhos,

dois meninos: Amândio e Hermenegildo, e duas filhas

Minelvina e Alexandrina.

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443

Por não ter se casado seus filhos não tiveram

paternidade reconhecida e por ela não ter sobrenome

devido a ser de origem indígena, quando foi até ao cartório

para registrá-los, o escrivão então lhe sugeriu: - Dona

Pordencia, para registrar seus filhos é necessário um

sobrenome. Como a senhora não tem um sobrenome

registrado sugiro-lhe que lhe dê como principal sobrenome

o nome do morro de pedra que existe ali na beira da praia,

ou seja, Torres. Como outro sobrenome a senhora pode

colocar o seu nome, Pordência. Assim seus filhos ficarão

registrados com o nome escolhido pela senhora, o

sobrenome Pordêncio Torres. Pordência concordou, e assim

surgiu o sobrenome de uma família Torres no Litoral Norte.

Segundo conversas do povo, o pai de Hermenegildo

era o Coronel Álvaro Capaverde, que lhe bancou estudos e

assim lhe deu a formação de Professor.

Quando enviado para a colônia de Três Forquilhas,

Professor Hermenegildo assumiu uma pequena escola na

localidade de Boa União, para começar a lecionar.

Além de professor Hermenegildo tinha outra tarefa

que era secreta, ou seja, de vigiar o movimento dos

federalistas e estar por dentro das idéias dos que estavam

acampados na Serra do Pinto.

Hermenegildo tornou-se depois em líder muito ativo,

quando foi trazido para lecionar no núcleo torriense da

Colônia de Três Forquilhas. Ele passou a ter palavra ativa

nas questões políticas e militares. Estava sempre

informado, pois com frequência recebia notícias através de

jornais e de seu irmão Amandio, este seguira carreira

militar e ficou por muito tempo morando em Porto Alegre,

seu filho Alberto Torres, que hoje dá nome a escola em

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

444

Lajeado teve uma filha por nome de Sueli que faleceu

quando pequena.

Hermenegildo casou-se com Reginalda de Souza e

teve os seguintes filhos: Hélio que seguiu carreira militar

em Pelotas teve um filho médico chamado Emeri Torres e

uma filha Alba que seguiu carreira de enfermagem.

Mário que também ficou conhecido como Xirú e

exerceu por muito tempo o ofício de contador - guarda livro

em Osório - falecendo em 1977 de tuberculose.

Olinto que faleceu ainda solteiro e foi sepultado no

cemitério evangélico de Itati.

Teve ainda três meninas, Maria que casou com João

Feck e tiveram os seguintes filhos: Diva, Glória e Emilio.

Albertina foi embora para Taquara não deixando

informações.

Dolores faleceu ainda solteira, sofria de tuberculose

e foi sepultada no cemitério evangélico de Itati.

Após a morte de Reginalda, Hermenegildo, sentindo-

se solitário, buscou uma nova companheira e casou-se com

Idalina Becker, filha do Cristhiano Becker e com esta teve

os seguintes filhos: Edemar, Luiz, Minelvina, José, Ernandi,

Orlanda, Ilda e Dalmira:

Na sua infância tinha como grande amigo Carlos

Frederico Voges Sobrinho, filho do major Adolfo Felipe

Voges e bisneto de Carlos Leopoldo Voges ou Pastor Voges.

Quando fez sua casa construiu uma peça maior que

designou para servir de sala de aula onde começou a

exercer a profissão de professor, sendo então o primeiro

professor de língua nacional, do núcleo torriense de Três

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

445

Forquilhas. Entre seus alunos destacam Alberto Schmitt que

se tornaria escrivão do cartório da colônia, Justino Tietbohl,

que seguiu o ofício de professor e Balduíno Jacoby que foi

juiz de paz na colônia.

Devido às dificuldades de transporte, Hermenegildo

ia no lombo de seu cavalo até o distrito de Torres de dois

em dois meses para receber seu pagamento. Sua residência

ficava aos fundos de onde é hoje a Fábrica de Conservas

Brehm, de Três Forquilhas.

Além de professor juntamente com o escrivão Luiz

Gonzaga Capaverde lançaram em 1912 a pedra

fundamental da Igreja Católica de São Sebastião no

município de Três Forquilhas, foi integrante da Banda do

seu Dunga, tocando por diversos lugares na redondeza da

colônia.

Com idade já avançada Hermenegildo entregou suas

cadernetas ao professor Justino Alberto Tietbohl que seguiu

seus passos. Onde funcionava sua escola passou a funcionar

um comércio de secos e molhados e a escola foi transferida

para a área depois conhecida por Barragem, em terras da

Família Tietböhl.

Hermenegildo faleceu vítima de tuberculose e Idalina

sofria de angina e faleceu de infarto. Hermenegildo foi

sepultado com sua primeira esposa no cemitério evangélico

protestante de Itati e Idalina foi sepultada no cemitério dos

pobres na entrada do Morro do Chapéu em Três Forquilhas,

pois era católica e dizia em vida que não queria ser

enterrada no cemitério dos alemães protestantes.

Seus filhos não seguiram seu caminho educacional,

mas a partir de seus netos a vocação aflorou novamente

nas veias. De sua descendência são professores: netos:

Cerlene, Marlei, Gilmar Torres filhas de Edemar. Zulma,

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Noeli, Lenir filhas de Hilda, Claúdia Jacoby filha de

Minelvina. Já seus bisnetos, Nara filha de Suely, Marilete,

Fátima filha de Maria, José Carlos e André filhos de

Lindomar Torres. Nara e Jussara filhas de Nelcy Torres, de

seus tataranetos: Jussiê bisneto de Luiz Becker.

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447

MILITARES SERRANOS ILUSTRES

O assunto sobre militares serranos ilustres foi

abordado em FACE MORENA, volume anterior, na página

68, ao verificar que o General Rubem Ludwig nascera em

Lagoa Vermelha – RS. Dentre os leitores daquele volume,

um amigo fez um gentil contato enviando comentários

esclarecedores a respeito do General Ludwig e que

merecem registro. São informações que contribuem para a

exatidão dos dados históricos.

Aquele amigo escreveu:- “Quanto ao General Rubem

Ludwig, o Rubão, eu creio haver um pequeno equivoco no

breve curriculum em FACE MORENA, pois não me consta

que ele tenha sido do magistério. Quando promovido, a

general, Ludwig foi designado para comandar a Academia

Militar das Agulhas Negras - AMAN, cargo exclusivo de

general combatente. Em seguida, ele foi nomeado ministro

da Educação, sendo muito bem aceito por toda a

comunidade acadêmica que, inclusive, não queriam que

voltasse para a tropa e permanecesse no ministério. Foi um

excepcional militar”.

Ainda com referência a militares serranos ilustres eu

recebi dados a respeito de outro general serrano, nascido

em Vacaria – RS. Trata-se do General Nelson Borges

Molinari49, aliás, amigo meu de longa data, que em 1983,

no Comando da 5ª RM/5ª DE, foi chefe do meu estágio para

o ingresso no Serviço de Assistência Religiosa do Exército –

SAREx. Em contato com o General Molinari eu recebi

algumas informações básicas a respeito de suas origens

que recebem espaço nesta Coleção Memórias da Figueira.

Conforme o depoente a Família Molinari é oriunda da Itália.

Vieram ao Brasil pela metade do século XIX. Eram quatro

irmãos que se localizaram um em cada estado a partir de

São Paulo para o Sul. Estes quatro irmãos nunca mais

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tiveram contato entre si. Para o Rio Grande do Sul seguiu

Bepo Molinari, fixando morada em Santa Maria.

General Molinari explica: - “Meu pai servia em Santa

Maria e foi transferido para Vacaria, mais ou menos em

1935. Ali encontrou minha mãe, da família Borges, e

casaram. A família Borges era tradicional na região

pertencente à estirpe de fazendeiros da região de Vacaria. O

bisavô Borges teve dezesseis filhos e filhas”.

FIGURA 45: General de Divisão NELSON BORGES MOLINARI. Nasceu a 27 de outubro de 1937, em Vacaria – RS

Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

General Molinari explicou ainda: “Quando eu

tinha entre três a quatro anos de idade o batalhão no qual o

meu pai servia foi transferido para Lagoa Vermelha. Em

1950, quando ele se aposentou, voltamos para Vacaria e ali

terminei o ginásio. Em 1953 consegui ingresso na Escola

Preparatória de Porto Alegre para depois seguir para a

Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN”.

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CONCLUSÃO

Nesta obra vimos um pouco do que ocorreu em

nossa sociedade, nos tempos de revolução sangrenta e

bélica entre 1893 e 1895. Os embates revolucionários

afetaram a tranquilidade da sociedade, afetaram a atividade

produtiva e a atividade escolar das crianças.

Os embates revolucionários interromperam as

atividades das caravanas que exportavam os seus produtos

e assim afetaram o comércio que foi enfraquecido.

A população sentiu-se pressionada, pois cada lado

queria que o indivíduo viesse a aderir na luta. A

neutralidade era mal vista, como sendo o pendor para o

lado do inimigo e, no mínimo, tornava o indivíduo, um

suspeito.

Constatamos que o movimento guerrilheiro afetou

exatamente as regiões menos habitadas, onde vivia a

população mais sofrida, mais humilde e mais desprotegida.

O movimento dos guerrilheiros afetou o trabalho nas

lavouras e a criação de animais – cavalos e gado.

O movimento guerrilheiro deixou atrás de si paióis

saqueados, casas reviradas e muitos depósitos de

agricultores, vazios.

Quando falo em movimento guerrilheiro, falo tanto

de federalistas bem como de castilhistas, pois ambos os

lados praticaram confiscos.

Precisamos conhecer esse nosso passado, mesmo

que não possamos mais reescrevê-lo, pois, o que aconteceu

já se foi e virou história.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

450

Quando digo que precisamos conhecer esse nosso

passado é mais no propósito de conseguirmos fazer as

pazes com ele. Poderá alguém querer me dizer: - “Aquele

não foi meu passado. Foi o passado de avós, que

vivenciaram aqueles acontecimentos ou deles participaram”.

É verdade, foi o passado deles, porém, por extensão,

transformou-se em nosso passado, pois somos herdeiros de

nossos antepassados e podemos estar carregando tantas

coisas que deles recebemos, desde os nossos gens ou quem

sabe até ideais, crenças e o modo de lidar conosco, com os

outros e com toda a natureza que nos cerca.

Fazer as pazes com o passado significa conhecê-lo,

entendê-lo, para compreender um pouco mais das

motivações que levaram estes e aqueles a fazer o que

fizeram e evitar que venhamos a repetir em nossa vida,

hoje, o que eles fizeram no passado, seja como indivíduo,

como família ou na situação coletiva de comunidade ou

sociedade.

Não quero ser o dono da verdade e nem ter a

pretensão de estar relatando toda a realidade e toda a

verdade daqueles acontecimentos que ocorreram entre

1893 a 1895. Porém quero legar às novas gerações o meu

trabalho de pesquisa, como um contador de histórias que

relata casos e causos, recebidos dos mais velhos, dos

antecessores na nossa existência.

Talvez aquela experiência dolorosa tenha levado as

lideranças castilhistas e federalistas locais, bem depressa,

para o estabelecimento de um acordo de não agressão, que

vigorasse para o território geográfico da Colônia de Três

Forquilhas.

Sabemos, através dos relatos recolhidos, que Baiano

Candinho prometeu e cumpriu o acordo de jamais entrar em

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combate na área do vale do rio Três Forquilhas. Ele que

chegou a ter sob o seu comando todo o Esquadrão Josaphat

e poderia ter descido da Serra para eliminar e varrer da

existência terrena as principais lideranças castilhistas locais,

pois ele sabia quem eles eram e onde eles residiam, mas

não o fez.

Do mesmo modo os castilhistas locais poderiam ter

entregue Baiano Candinho e lideranças liberais às Escoltas

Castilhistas quando aqui apareciam. Um exemplo para isto

foi quando da chegada à Colônia da primeira escolta policial

castilhista e que tinham ordens de prender Major Voges,

Professor Serafim Nascimento, Pastor Voges e Baiano

Candinho. Os líderes castilhistas Carlos Frederico Voges

Sobrinho e Christovam Schmitt procuraram despistar os

policiais, para conceder proteção aos adversários que eram

procurados pelas autoridades da Província.

Por que os protegeram? É que entre os supostos

inimigos constava o nome paterno e até o avô paterno do

líder máximo dos castilhistas da Colônia, além de dois

outros amigos. Eles sabiam muito bem que estas quatro

pessoas não haviam cometido nenhum ato criminoso. Era

simples perseguição política movida contra os adversários.

O objetivo desta obra é, tão somente, a intenção de

trazer à luz depoimentos dos antigos, dos mais velhos, para

saber o que eles tinham para contar a respeito da

Revolução Federalista, que ocorreu entre 1893 a 1895.

Alberto Schmitt explicou que a sua intenção era

meramente de ajudar o autor para não cometer os mesmos

erros do passado, cometido por um pastor, antecessor

neste pastorado. O foco principal desta obra continuou, pois

sendo a Revolução Federalista, do começo até o final.

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Finalmente, uma palavra sobre a escolha de OS

PELEADORES para título, desta obra.

O título OS PELEADORES serviu para colocar um fio

vermelho, para que na obra ficasse em destaque a

importância e a necessidade de se manter o espírito de luta,

para ir em busca da realização dos ideais mais nobres,

baseados em nossos princípios mais sagrados. Porém, de

preferência, conquistados por meios pacíficos,

primordialmente através da Educação.

Peleador é um termo bem gaúcho e que indica para a

importância e da disposição de lutar, mesmo que

inexperiente, mesmo que despreparado, mesmo ainda não

pronto, mesmo sem ser um lutador profissional, para ir e

fazer o trabalho que precisa ser feito, visando arregimentar

gente com o mesmo ideal na busca de um movimento

transformador da sociedade na qual vivemos. Importam

sim, os meios, mesmo que em tempos revolucionários se

ouça dizer: - “Não importam os meios, pois vale é

conquistar o alvo proposto, de qualquer modo”.

Não vale qualquer meio em nossa luta, não vale

sequestrar e cometer atos de terrorismo, não vale matar e

destruir vidas humanas, seja de que lado for.

Não será através de uma desestabilização social que

um bom peleador buscará a transformação da sociedade,

mas será através da educação, de leis mais justas e mais

humanas e de garantias e de direitos iguais para todos,

porém preservando valores maiores da sociedade, com

destaque para a família, pai e mãe unidos e dedicados na

formação de seus filhos, como base de uma Nação onde

governam a paz e a justiça.

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_________________________________________________________ “Os Peleadores” – Elio Eugenio Müller

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OS PELEADORES quer ser um relato despretensioso

através de histórias e estórias, através de casos e causos,

num simples convite para a reflexão.

OS PELEADORES também vem para estabelecer um

elo entre FACE MORENA com E A VIDA CONTINUA, títulos

anterior e posterior, nesta Coleção Memórias da Figueira.

Assim, afirmamos E A VIDA CONTINUA na esperança

de revê-los em breve, com este título final.

Elio Eugenio Müller.

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NOTAS EXPLICATIVAS

(1) Leopoldo Rassier: Leopoldo Souza Soares Rassier

era bisneto do Visconde de Sousa Soares. Rassier nasceu e

se educou em Pelotas. Nascido e criado em estância, era

campeiro sem bravatas, mas homem de pé no estribo. Não

por acaso, era um dos Cavaleiros da Paz, e os companheiros

recordam sempre suas façanhas e causos na 1ª Cavalgada

Internacional da Paz, cabresteando três ou quatro cavalos,

desafiando a feroz enchente no braço e na raça para salvar

o chapéu novo de um companheiro. O músico e advogado

Leopoldo Rassier, faleceu aos sessenta e três anos, no dia

06 de fevereiro de 2000 no Hospital de Clínicas, em Porto

Alegre. O cantor foi enterrado, num final de tarde, no

Cemitério Jardim da Paz.

(2) O barco está fazendo água: Termo

da terminologia náutica, utilizado para dizer que um barco

tem furos no casco e a água passa a invadir seu interior,

colocando os passageiros em risco.

(3) Eram apenas bons peleadores: Peleadores, termo

gauchesco derivado de peleia ou briga.

(4) Partido Liberal, partido que tivera, em suas

fileiras, entre outros, o ilustre General Osório: Conforme

Helga Iracema Landgraf Piccolo, em Anais do 5º Simpósio

da Imigração Alemã, p. 23.

(5) Discursos de Silveira Martins: MARTINS, José

Mariano – Gaspar Silveira Martins – Tipografia do Jornal do

Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 1891, Página 104.

(6) Fredo Sapateiro jamais se afastou da base do

acampamento: Vicente Pereira, hoje com 93 anos de idade

garante que o dia-a-dia de Fredo foi todo na Serra, ao norte

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da Colônia de Três Forquilhas. Explica que em torno de

“Fredo Sapateiro” foi criado o personagem fictício do

Carniceiro, ávido pelo sangue de espiões. Seria um homem

com poderes sinistros, capaz de ler nos olhos ou rosto do

indivíduo, se alguém viesse com falsidade escondida no

coração e na mente. Vicente Pereira lembra também que

Fredo Sapateiro ficou depois incluído na relação de

evadidos, como fugitivo, quando, em 1898, nesta região,

todos os antigos revolucionários federalistas passaram a

ser, sistematicamente, eliminados, apesar do fim da guerra

e de uma anistia total. Fredo Sapateiro constara da relação

de revolucionários que ficaram marcados para morrer, por

decisão dos líderes castilhistas de Conceição do Arroio e da

Capital do Estado e por isso evadiu-se da região.

(7) Cameleira: Arbusto floral que produz a conhecida

flor da camélia.

(8) Pastor Gustav Geisler: Nasceu em Schmiegel.

Posen, em 13.12.1857, filho de Ferdinad Geisler e Joana

Kresse, conforme o Registro Eclesiástico de Três

Forquilhas. Formou-se em Teologia nos Estados Unidos da

América do Norte e dominava fluentemente a língua inglesa.

Veio ao Brasil em tomo de 1884. Ocupou o cargo de

professor da Escola Alemã de Curitiba, no Paraná durante

dois anos. Em 1886 seguiu para Ponta Grossa, com a

missão de assistir os alemães russos do Volga que ali

formavam uma área de colonização. Com a proclamação da

República, no Brasil, surgiram dificuldades para esses

colonos no tocante à posse de terras. Um grupo decidiu

então emigrar para a Argentina e Geisler assumiu a

liderança dos mesmos, dando-lhes assistência espiritual.

Geisler, porém não desejava permanecer na Argentina, e

em 1892 retornou ao Brasil.

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(9) Compêndios de meditações e de sermões: Esses

compêndios ainda existem e estão em mãos de

descendentes do pastor, que os guardam como lembrança.

(10) Cargueiros: Consistiam de mulas de carga com

bruácas ou balaios no lombo, visando o transporte de

mercadorias e utensílios durante uma viagem.

(11) A esposa do pastor entrou em pânico: Conforme

depoimento de Dona Saturnina Eberhardt, bisneta de Miguel

Barata, a jovem esposa do pastor Geisler, com apenas

dezesete anos de idade, não teve estrutura psicológica para

manter um relacionamento normal e pleno com a

Comunidade, onde a cólera passara a vitimar pessoas em

muitos lares, até na vizinhança da casa pastoral.

(12) Fraupfarrer: Termo da língua alemã que significa

“esposa de pastor”.

(13) Café com mistura: O termo mistura era uma

designação para a presença de carne, charque ou salame,

além do pão, rosca, rosquete ou pão de ló. O café podia

tanto ser preto ou misturado com leite. Entretanto não era

descartada a possibilidade de tomar chá caso assim alguém

o quisesse. Pessoalmente, passei problemas iniciais com

esse termo mistura, pois cheguei a entender mal o termo

numa ocasião em que almocei na casa de uma família.

Diante da insistência do dono da casa comecei a mexer e

misturar feijão e arroz, com o garfo. O dono da casa,

achando graça pegou o garfo dele e puxou um bom pedaço

de carne para colocá-lo em meu prato dizendo: - “Agora,

sim, pode começar a comer, pois a mistura está no seu

prato”.

(14) Anna Emília Schmitt Voges: Filha de Frederico

Voges e Bárbara Schmitt Voges, nascida em 02.08.1893.

Ela foi adotada pelos tios Carlos Leopoldo Voges Neto e

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Anna Emília Ribeiro Voges, que não podiam ter filhos, e a

levaram para Taquari onde foi criada. Anna Emilia Schmitt

Voges casou depois, em Taquari, com Homero Canabarro

Cunha e tiveram os seguintes filhos: F1 – Maria Voges

Cunha que casou com Victor Pereira Agra e tiveram os filhos

Angela Beatriz, Alba Marília, Homero, Maria Aparecida e

Anna Cristina. F2 – João Carlos Voges da Cunha que casou

com Maria de Lourdes Álvares e não tiveram filhos. João

Carlos foi Prefeito em Taquari. F3 – Homero Voges da

Cunha que casou com Lizete Schilling e tiveram os filhos

Homero Canabarro Cunha Neto e Maria Elisa Schilling da

Cunha. F4 – Anna Voges Cunha que casou com Carlos

Modesto Motta Dornelles e tiveram os filhos Anna Lúcia,

Maria Inês, Oscar e Marília.

FIGURA 46: João Carlos Voges da Cunha, ex Prefeito de Taquari, seu tio Fernando Voges e o autor, num encontro promovido em Itati, em 1986.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

(15) Livre para concorrer nas eleições: Julio de

Castilhos saiu vitorioso, reeleito, assumindo o Governo

Estadual em janeiro de 1893.

(16) Professor Serafim fora libertado da prisão:

Contou-nos o Sr. Hernando do Nascimento, morador em

Três Pinheiros, no município de Itati – RS, que seu bisavô

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realmente estivera preso em Conceição do Arroio, talvez

duas ou até três vezes, porém, sempre conseguiu sair logo

de detrás das grades. Numa destas circunstâncias, o

Professor Serafim, salvara tanto a vida da mulher e bem

como de uma criança, do Intendente Municipal. A história

teria se desenrolado da seguinte forma: < A mulher do

Intendente estava em processo de parto. Já passara do

tempo, mas a mulher não conseguia parir. A notícia chegou

até a cadeia. Professor Nascimento pediu que os guardas

levassem recado ao Intendente. Que dissessem a ele de que

na cadeia se encontrava um professor da Colônia de Três

Forquilhas, perito em assuntos de parto, que teria como

salvar tanto a mãe bem como a criança. O Intendente teria

vindo pessoalmente abrir a porta da sela. Aceitara os

serviços do professor, já que ninguém mais sabia o que

fazer >. A verdade é que Serafim Agostinho do Nascimento

realmente trazia, há muitos anos, a fama de bom parteiro.

Ali, apenas recebeu a oportunidade para aumentar sua

fama. Com extrema perícia conduziu mais aquele parto,

fazendo a criança vir ao mundo. Quando Professor

Nascimento foi libertado da prisão, teve uma surpresa. O

Intendente estava ali oferecendo ao professor um cavalo,

com uma bela encilha revestida de prata. O professor não

aceitara pagamento pelo serviço do parto. O Intendente,

entretanto, viera até ali para afirmar, em alto e bom som, a

sua eterna gratidão e imorredoura amizade pelo homem

que salvara a sua esposa, na hora do parto.

(17) Bisopastor: O menino queria dizer bisavô pastor.

(18) Bandeira da Colônia: Conforme Alberto Schmitt

esta havia sido a última vez que a bandeira da colônia foi

vista, pois houve quem dissesse que a mesma depois de

colocada sobre o ataúde, ali ficou esquecida na hora de

baixar o caixão à sepultura, coberta por coroas e flores.

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(19) O vento da amada liberdade que está soprando

sobre nós: Conforme Alberto Schmitt, sobrinho de Carlos

Frederico, este apenas fez um desabafo de algo que saiu do

fundo da sua alma e do seu coração, no desejo de ver o fim

rápido para a revolução, que rompera no início de 1893.

(20) Brigada Militar do Rio Grande do Sul: “A guerra

civil de 1893 dotara o Rio Grande do Sul da necessidade de

constituir e armar uma poderosa milícia, a Brigada Militar,

que tornaria sangrenta qualquer medida capaz de perturbar

a autonomia estadual”. (Raymundo Faoro, Os Donos do

Poder, p. 583). A Brigada ficou desta forma, aparelhada

para cuidar dos interesses da ideologia do Estado. Podia ser

simplesmente designada como Brigada Castilhista.

(21) A degola do líder maragato: Essa morte inglória

de Major Azevedo talvez tenha acontecido um mês após o

golpe castilhista, de 17.06.1892, quando Júlio de Castilhos

reassumiu o Governo da Província. Não chegamos a fazer

uma pesquisa minuciosa que nos pudesse oferecer uma

exatidão cronológica dos acontecimentos. Recebemos

depoimentos que abrangem um tempo muito amplo.

Simplesmente reunimos os diferentes relatos e histórias

colhidas, os casos e causos que nos foram contados, para

transmiti-los aos leitores e pesquisadores. Permaneceu um

problema que não conseguimos resolver, ou seja, a tarefa

de estabelecer uma cronologia dos fatos, que teria sido

desejável, para esta obra.

(22) Federalistas em Movimento nesta área: Para

saber mais sobre essa fase de convulsão social, eu sugiro a

leitura de Terra de Areia, Idéias, Sonho e Realidade, onde o

autor Dr. Generi M. Lipert abordou esta fase, nas páginas

72 até 78, e a obra Noite de Reis, de Femandes Bastos -

Editora Globo, 1935.

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(23) O Dictador: Carlos Frederico Voges Sobrinho

passou a se vestir à semelhança de Julio de Castilhos e

diziam que até o corte do cabelo era idêntico. Era portanto

um republicano fervoroso. No Século XX, Carlos Frederico

Voges, contudo, seguiria os passos de Borges de Medeiros,

imprimindo uma política ainda mais rígida, de mão de ferro,

dominando toda a área do Vale do Rio Três Forquilhas como

se fosse um território republicano exclusivo. A alcunha de O

Dictador se firmou ainda mais em virtude desse estilo de

chefia política. Olhando para o passado e fazendo

comparações verifica-se que, no tempo do Pastor Voges, o

Partido Liberal, que dominara a vida e atividade política de

Três Forquilhas sob a liderança do major Adolfo Felipe

Voges, filho do pastor, o fizera à sombra da autoridade

pastoral. Já com Carlos F. Voges a situação se inverteu, e a

atividade pastoral foi relegada a um plano secundário, à

sombra da autoridade política.

(24) Coroas Fúnebres: A Sra. Luiza Virgínia

Maschmann Pereira de Souza costumava dizer que a avó

dela aprendera a confeccionar coroas fúnebres com a

professora Elisabetha Diefenthaeller Voges e que ela,

Virgínia, aprendera essa atividade através da avó. Ainda

conheci o trabalho de Luiza Virgínia na confecção de coroas,

entre 1970 a 1975.

(25) Pastor itinerante Rudolf August Von Braken: Ler

em Estudos Teológicos nº 2/3, de 1966, pag. 105 e 106 em

"Die Anfannge der Reisepredigt und Diáspora-Arbeit in der

Riograndenser Synode", Von Dr. Joachim Fischer.

(26) Yo me bato per la libertad: Dicionário Histórico

e Geográfico do Paraná, Volume II, Fascículo III, p. 820.

(27) Invernada dos Cavalos: No fundo do Sítio da

Figueira, além do sopé do morro existia um terreno mais

plano, onde foi feita uma Invernada, fazia já diversos anos.

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O local passou a ser conhecido por Invernada dos Cavalos.

Tratava-se de um local escondido, de difícil acesso e fácil

para ser defendido. Carlos Frederico ali mandara construir

currais, um grande galpão e diversos ranchos de moradia,

destinado para os peões. Quando rompeu a Revolução

Carlos Frederico dizia: - “Ali é um local perfeito para

escondermos os nossos animais. Se algum dos amigos

quiser fazer uso do local me avise para conduzirmos os

cavalos ou novilhas para lá. Somente haverá uma paga a

fazer, pois terão que fornecer forragem: aipim, milho e

cana, principalmente no inverno, pois os animais precisam

de alimento”.

(28) Igreja Episcopal Brasileira, que existe aqui em

Porto Alegre: Leopoldo Tietböhl fazia referência ao fato que

em 1º de junho de 1890, pastores episcopais haviam

realizado na cidade de Porto Alegre, o primeiro culto da

Igreja Protestante Episcopal no Sul dos Estados Unidos do

Brasil, que foi o primitivo nome da Igreja Anglicana em

terras brasileiras. Esse acontecimento despertara a atenção

de muitos intelectuais protestantes residentes na capital

gaúcha que, talvez por mera curiosidade, iam assistir o

trabalho dos clérigos ingleses.

(29) Pezuelos: Alforges que consistem em dois sacos

ou malas de couro, unidos ao centro em que, em viagem a

cavalo, são levados à garupa do animal, atrás da sela.

(30) Nada conseguiram encontrar: mesmo nos dias

seguintes, as buscas foram infrutíferas de modos que

Christian Tietböhl teve que ser declarado como

desaparecido, no trágico naufrágio, sem haver corpo para

ser sepultado.

(31) Jacob Trompeteiro: Livro FACE MORENA, volume

5° da Coleção Memórias da Figueira, página.

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(32) Fiel da balança: a) haste situada no meio do

braço da balança, perpendicular a ele, e destinada a regular

a exatidão do peso; b) figurado: tudo o que nos serve de

guia em nossas decisões, pela confiança que nos merece.

Ser o fiel da balança: ser aquele de quem depende decisões

importantes e bons conselhos.

(33) Não encontrou o eco esperado: As lideranças da

Comunidade começaram a discutir com o pastor pleiteando

que a Escola da Comunidade voltasse a ser bilíngue.

Quando a Colônia, em 1897, foi assolada por uma enchente

de proporções jamais vistas, que destruiu lavouras e até o

cemitério da Comunidade, deixando muitos colonos

arruinados, sobreveio o auge da insatisfação. A enchente

nada tinha a ver com língua ou diretrizes do Sínodo, mas

levou o pastor a sair, em busca de outro campo de trabalho

que estivesse firmado na Germanidade.

(34) Marina: Marina Brusch, filha de José Osvaldo

Brusch e Elohy de Souza Neto Brusch, nascida em Itati, fez

mais tarde Educação Física no IPA em Porto Alegre.

(35) Regina: Maria Regina Winterle, nasc. Brusch,

concluiu seu curso superior, depois de casada em Santa

Cruz do Sul - RS. Ela conta: - “Lecionei durante algum

tempo. Depois Oscar Winterle, o meu marido, ficou

envolvido intensamente com a criação da

Faculdade/Universidade da ULBRA em Santa Cruz do Sul, e

quando tivemos o feliz advento de meninas gêmeas, optei

pela família”. Regina também gosta de frisar: - “Quanto ao

sair para estudar o meu grande incentivador sempre foi

meu querido pai. Ele me ensinou a ler e sempre falava da

importância da gente saber bem de tudo o que se passa em

volta de nós e no mundo”.

(36) Nilon: Nilon Erling conseguiu ser transferido

para a Faculdade Católica, em Porto Alegre, onde concluiu o

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curso de medicina. Fez especialização em Anestesiologia.

Hoje é o Chefe do Departamento de Anestesiologia da Santa

Casa de Misericórdia em Porto Alegre e militar aposentado

da Aeronáutica.

(37) Nei: Nei Erling é hoje um dos poucos cartógrafos

que existem no Brasil. Ele trabalhou na Ponte Rio Niterói, na

Holanda, no Canal do Panamá, mas principalmente em solo

brasileiro. Reside com a família no Rio de Janeiro e dedica-

se a divulgar o trabalho e a arregimentar novos

interessados em Cartografia.

(38) Corrente Germanista: O meu bisavô Johann

Müller que chegou ao Brasil em 1877 era católico,

proveniente da Boêmia, do Império Austro Húngaro.

Inicialmente o bisavô residiu por breve tempo em

Candelária – RS, depois ele mudou-se para a Picada Pfeiffer,

da Comarca de Cachoeira do Sul. Por ser católico o meu avô

Ernesto Leopoldo Guilherme Müller, quando foi alfabetizado,

em 1884, ele frequentou uma escola que oferecia formação

bilíngue. Deste modo ele passou a dominar bem as duas

línguas, alemã e nacional. Isto certamente contribuiu para

que o meu avô não ficasse preso ao espírito germanista que

foi incutido nos imigrantes evangélicos e que dominou o

meio eclesiástico dos imigrantes evangélicos – protestantes.

De modo especial, quando o avô casou a protestante Luise

Schumann, ao mudar-se para Neu Württemberg, hoje

Panambi – RS, ele servia, com muita satisfação, de

intérprete para colonos que não conheciam a língua

nacional. Convém explicar que, quando casou, ele não

assumiu a Igreja Luterana por convicção, mas apenas por

conveniência.

(39) Industrialista Emilio Bobsin: Emílio Bobsin

instalou um moderno Curtume para beneficiamento de

couros. Além disso, aperfeiçoou a Selaria Bobsin herdada

dos antepassados imigrantes, passando a contar com mais

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de uma dezena de empregados, um caminhão e

equipamentos trazidos de São Leopoldo, para a atividade do

curtume.

(40) Oneide Bobsin: Oneide Bobsin filho de Olício e

Olívia Bobsin, neto de Eugenio e Lidia Bobsin e descendente

do colono mais forte que um touro, nascido em Itati e que

saiu para estudar e nunca mais deixou de ser um estudante,

pois cursou a Escola Superior de Teologia da IECLB, em São

Leopoldo, fez doutorado e hoje ele exerce o cargo de Reitor

da Escola Superior de Teologia, da IECLB, guiando as novas

gerações de obreiros eclesiásticos que são despertadas e

vão à busca de uma boa formação. Apenas para ilustrar um

pouco a respeito da vocação de Oneide, quando ele era

ainda menino e quando com os pais ia aos cultos, sempre

insistia: - “Também quero ir lá no altar fazer aleluia”!

Portanto, desde criança ele mostrou predileção pelo serviço

do altar de Deus e um forte pendor pelo púlpito.

(41) Pupilo: Aqui se trata de um mero jogo de

palavras, referenciando a abertura do centro da Iris dos

olhos. Pupila serve, pois como sinônimo popular para

menina dos olhos. Porém, direcionei o termo também para

o sentido de pupilo – aluno. Conforme o dicionário, pupila

ou pupilo também pode servir de sinônimo para educando,

aluno, protegido ou afilhado.

(42) José Carlos Torres: É um descendente do

dedicado professor Hermenegildo Prudêncio Torres. O jovem

José Carlos era muito promissor, porém teve que buscar

outro caminho para a sua formação e para conseguir

abraçar o exercício do magistério. Hoje ele é formado

inclusive em nível superior e durante diversos anos lecionou

na Escola Estadual Pastor Voges, em Itati – RS. José Carlos

casou com a professora Elisete Mauer, que foi minha

confirmanda e é descendente de uma tradicional família

evangélico protestante, chegados ao vale em 1826.

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(43) O Senhor da Igreja quem chama, prepara e

envia os seus mensageiros: A IECLB não se esqueceu

desses obreiros, enviados em caráter emergencial, pois lhes

concedeu a oportunidade de concluir a devida formação, em

nível superior.

FIGURA 47: O autor e seu colega Clóvis Nähr, após a formação concluída, são ordenados em 03 de novembrro de 1981, em Ivoti – RS.

(44) Óbice: Fato ou circunstância que pode impedir a

realização de um ato ou a consecução de um objetivo.

Sinônimos de óbice: empecilho, obstáculo; dificuldade,

impedimento.

(45) Em foto por ele sonhada: Ivo Baiano sofria de

bócio conhecido popularmente como papo, e que é um

aumento do volume da tiróide ou tireóide, em virtude da

falta de iodo no organismo. Em virtude disso temos hoje sal

de cozinha, iodado, para evitar o surgimento desse

problema. Ivo Baiano sempre desejara fazer uma cirurgia.

Ele dizia: - “O preço de uma cirurgia é proibitivo. E, quando

fiquei velho não deu mais para fazer essa tal plástica”.

Prometi então que eu faria uma foto em meu Photoshop,

para que pelo menos pudesse visualizar como seria a

aparência livre do bócio. Mas quando eu ia levar a

reprodução para que a visse, ele faleceu, sem poder ver

esta imagem.

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(46) Beriva: O termo beriva identificava pessoas

nascidas ou vindas do Estado de São Paulo. No caso do

Beriva Athaíde, ele passara a trabalhar no Alto do Josaphat,

primeiro como peão de fazenda e depois como tropeiro,

passando a levar gado para o Paraná e até Sorocaba, no

Estado de São Paulo.

(47) Enfrentavam uma mesma situação, a viuvez: A

viuvez de Candinho foi algo totalmente novo e que, no final,

não ficou devidamente esclarecida. O nome dessa mulher

teria sido Catharina Kras, nascida Müller. Não encontrei

esse nome nos registros do pastor Voges. Porém sabendo

que muitas folhas tanto do registro de batismos bem como

do registro de casamentos se perderam, é possível que

tenha existido essa pessoa. Porém fica a pergunta: - < Ela

era filha de qual dos Müller que viveram na Colônia e depois

saíram? Quem era o Kras com o qual ela se casara e com o

qual não tivera filhos? >

(48) Cândio Becker: No Livro do Registro de

Batismos do pastor Voges se encontra o assentamento de

que no 29.10.1879 Dotothea Becker deu à luz um menino,

que foi batizado com o nome de Johann Candea Becker, ou,

em português, João Candinho Becker, como nascido de mãe

solteira. Este menino cresceu, ouvindo da mãe, ser ele um

filho do Baiano Candinho. Ele passou a ter um grande

orgulho disso. Na vizinhança passou a ser chamado de

Cândio Beca ou João Candinho. O apelido que vingou foi de

Cândio Beca e quando em 1898 o seu pai foi assassinado foi

ele que colocou na sepultura uma cruz cerne de madeira. O

autor conheceu esta cruz e por ocasião do centenário da

morte de Candinho o autor e Ivo Baiano a substituíram por

uma cruz de concreto.

(49) General Nelson Borges Molinari: General de

Divisão Nelson Borges Molinari, da Arma de Engenharia,

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nascido em Vacaria - RS. Chegou ao posto de general de

divisão. Comandou a 15ª Brigada de Infantaria em

Cascavel, depois a 7ª RM/DE no Recife, a 2ª DE em São

Paulo e finalmente foi Sub Chefe do Estado Maior do

Exército e Sub Secretário de Economia e Finanças do

Exército, onde passou para a reserva.

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FIGURAS em OS PELEADORES.

FIGURA 01: Página 11 - O autor também é um aluno da

Escola do Meio Ambiente, e o vemos sentado aos pés da

mestra, a Figueira que Fala. Fonte: Ilustração feita pelo

autor.

FIGURA 02: Página 22 - O autor e a noiva, em 1970,

quando ainda existia a 2ª figueira, cujos galhos aparecem à

esquerda. Essa árvore havia sido podada em demasia, pela

CEEE e não resistiu, desaparecendo em 1971. Fonte:

Arquivo fotográfico do autor.

FIGURA 03: Página 27 - O idoso Pastor Voges abençoa

Baiano Candinho. Fonte: Gravura feita pelo autor.

FIGURA 04: Página 28 - Sobrado do Pastor Carlos L.

Voges. Fonte: Arquivo de fotos e gravuras do autor.

FIGURA 05: Página 32 - Major Adolfo Felipe Voges. Fonte:

Arquivo da Família Voges.

FIGURA 06: Página 34 - Johann Peter Jacoby Neto e

esposa Luisa Henrietha Voges. Ela era filha do major Adolfo

Felipe Voges. Fonte: Acervo fotográfico da Família Voges.

FIGURA 07: Página 36 - Efetivo de peleadores federalistas.

Fonte: Arquivo fotográfico de Alberto Schmitt.

FIGURA 08: Página 47 - Professor Serafim Agostinho do

Nascimento. Fonte: Arquivo fotográfico de Alberto Schmitt.

FIGURA 09: Página 51 - Peleador, pé descalço. Fonte:

Gravura feita pelo autor, com base em imagem da Internet.

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FIGURA 10: Página 53 - Baiano Candinho promovido a

major. Fonte: Arquivo fotográfico de Alberto Schmitt.

FIGURA 11: Página 64 - Carlos Frederico Voges Sobrinho,

comerciante, tropeiro e líder castilhistas da Colônia de Três

Forquilhas. Fonte: Arquivo fotográfico da família Voges.

FIGURA 12: Página 66 - Cameleiras plantadas por

CFVoges. Ainda existem no Sítio da Figueira, em Itati – RS.

Fonte: Foto batida pelo autor, 2010.

FIGURA 13: Página 70 - Residência e casa comercial do

Major Adolfo Felipe Voges, situada diante do templo. Fonte:

Arquivo fotográfico do autor.

FIGURA 14: Página 72 - Adolfo e Bina Rosina Voges.

Fonte: Álbum fotográfico da Família Voges.

FIGURA 15: Página 80 - Pastor Gustav Geisler atuou em

Curitiba, Ponta Grossa, Argentina, Três Forquilhas,

Montenegro e Monte Alverne. Faleceu em 22.10.1925, em

Joinville-SC, onde foi sepultado. Fonte: Arquivo fotográfico

do autor.

FIGURA 16: Página 88 - Nova casa Pastoral construída em

1892. A mesma foi ampliada em 1912 com a construção de

salas de aula. Fonte: Gravura do autor

FIGURA 17: Página 113 - Christovam Schmitt, esposa e o

filho Alberto. Fonte: Arquivo fotográfico de Alberto Schmitt.

FIGURA 18: Página 116 - Anna Emília Schmitt Voges,

1893. Filha de Frederico Voges e Bárbara Schmitt. A

pequenina perdeu a mãe no parto. Fonte: Foto do Arquivo

da Família Voges.

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FIGURA 19: Página 130 - Professor Nascimento escondeu-

se numa barrica vazia. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

FIGURA 20: Página 135 - “Vou tirar o intrujão do meu

templo”. O idoso pastor munido de um bastão se dirigiu ao

templo. Fonte: Gravura do autor, 1980.

FIGURA 21: Página 195 - Gumercindo Saraiva. Fonte:

Figura colhida na Internet.

FIGURA 22: Página 200 - Maragato Degolador. Fonte -

Acervo Casa da Memória – CURITIBA-PR.

FIGURA 23: Página 202 - Comando Revolucionário

Maragato. Fonte: Acervo da Casa da Memória – Curitiba –

PR.

FIGURA 24: Página 208 - Elisabeth Diefenthaeler Voges.

Foi professora da Escola da Comunidade de Três Forquilhas

entre 1833 a 1850. Fonte: Gravura do Arquivo da Família

Voges.

FIGURA 25: Página 212 - General Artur Oscar de Andrade

Guimarães. Fonte: Acervo do Arquivo Histórico RGS – Porto

Alegre – RS.

FIGURA 26: Página 221 - Frederico Voges e Leopoldina

Justin em elevada idade. Fonte: Arquivo fotográfico da

Família Voges.

FIGURA 27: Página 225 - Alferes Leopoldo Tietböhl, 1994.

Dezenove anos de idade. Fonte: Acervo do Arquivo da

Família Voges.

FIGURA 28: Página 243 - Adolfo Felipe Voges. Fonte:

Acervo Fotográfico da Família Voges.

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FIGURA 29: Página 269 - Tenente Frederico Maximiliano

Tietböhl, o Max Tiba, com trinta anos de idade. Filho de Três

Forquilhas e Herói Republicano. Recebeu o comando do 3°

Esquadrão do 16° RC. Fonte: Gravura do Arquivo da Família

Voges.

FIGURA 30: Página 282 - Pastor Gottfried Schlegtendal.

Fonte: Arquivo fotográfico da Família Voges.

FIGURA 31: Página 365 - Alberto Schmitt, escrivão de Três

Forquilhas. Na Comarca de Conceição do Arroio – Osório –

RS. Fonte: Arquivo da Família Voges.

FIGURA 32: Página 378 - Na residência de Osvaldo e Elohy

Brusch. Maria Regina na espreguiçadeira, à direita Doris, de

preto, à esquerda a professora Nelene Gross, e na cadeira

ao centro Eva Maria Bobsin. Na porta da residência Dona

Lóia Brusch, dona da casa. Fonte: Acervo fotográfico do

autor, 1970.

FIGURA 33: Página 384 - Jovens da Comunidade do vale

do Três Forquilhas, prontos para a apresentação do

Presépio ao Vivo. O jovem Oneide fez o papel do carpinteiro

José. À direita: Oneide, em detalhe de zoom. Essa Cantata

de Natal foi ensaiada pela professora Doris Voges Bobsin.

Fonte: Arquivo fotográfico do autor, 1972.

FIGURA 34: Página 388 - Em 1970, já com a minha nova

batina. Escrevi atrás desta foto: COM TEMOR E TREMOR

ASSUMI O PÚLPITO E O ALTAR. Fonte: Arquivo fotográfico

do autor, 1970.

FIGURA 35: Página 396 - Tonho das Cabras do Morro do

Chapéu. Fonte: Arquivo fotográfico do autor, 1970.

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FIGURA 36: Página 400 - O jovem Enildo dos Santos

Brehm. Diante do Armazém do seu pai Antonio Clarestino

Brehm. Fonte: Arquivo fotográfico do autor, 1972.

FIGURA 37: Página 408 - Olício e Olívia Bobsin, diante do

templo da IECLB em Itati. Fonte: Acervo do autor, 1970.

FIGURA 38: Página 410 - Ivo Mello de Oliveira, o Ivo

Baiano. Em foto por ele sonhada44. Fonte: Foto do arquivo

do autor, 1999.

FIGURA 39: Página 421 - Eliseu Klein de Oliveira. Sentado

diante da mesa de Prefeito do município de Itati – RS. Pelo

fato de temporariamente ter assumido o exercício desse

cargo. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

FIGURA 40: Página 424 - Vicente Pereira de Souza e o

autor. Fonte: Acervo fotográfico do autor.

FIGURA 41: Página 426 - ADAIR KÖNIG, tropeiro e

vaqueano. Que me serviu de guia em muitas andanças pelo

vale do Três Forquilhas, em busca de depoimentos dos mais

idosos. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

FIGURA 42: Página 431 - Foto da parte frontal da casa.

Fonte: Arquivo Fotográfico do prof. Jussiê Bittencourt Hahn.

FIGURA 43: Página 433 - Barroso Menger, a esposa

Olinda, a filha Neila e o autor. Fonte: Arquivo fotográfico do

autor, 1999.

FIGURA 44: Página 438 - Fontes da Tradição Oral – FTO.

Da esquerda para a direita, Arquimimo König – Boa União,

Osvaldo Schmitt do Nascimento – Três Pinheiros, Lidurino

Barroso Menger – Três Pinheiros, Ady Brehm – Três

Forquilhas, José Idílio Jacoby – Três Forquilhas e o autor,

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reunidos na Boa União, na residência de Arquimimo e Nair

König. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

FIGURA 45: Página 447 - General de Divisão NELSON

BORGES MOLINARI. Nasceu a 27 de outubro de 1937, em

Vacaria – RS. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.

FIGURA 46– Página 456 - João Carlos Voges da Cunha, ex

Prefeito de Taquari, seu tio Fernando Voges e o autor, num

encontro promovido em Itati, em 1986. Fonte: Arquivo

fotográfico do autor.

FIGURA 47: Página 464 - O autor e seu colega Clóvis Nähr,

após a formação concluída, são ordenados em 03 de

novembrro de 1981, em Ivoti – RS.

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FONTES DE CONSULTA

Livros do Registro Eclesiástico da COMUNIDADE

EVANGÉLICA DE TRÊS FORQUILHAS, em Itati – RS.

(Registro de Batismos, Casamentos e Óbitos).

Elio E. Müller, em TRÊS FORQUILHAS 1826 – 1899,

Fonte: Gráfica e Editora Ltda, Curitiba, 1992.

Acervo documental do Pastor CARLOS LEOPOLDO

VOGES. Pastas de documentos, livros, relatórios, fotografias

e papéis avulsos.

Depoimentos e arquivo pessoal do escrivão ALBERTO

SCHMITT e de seu pai, o escrivão CHRISTOVAM SCHMITT.

Depoimentos de Alberto Schmitt vindos da tradição oral.

Depoimentos de ARTUR DANIEL GROSS, um homem

irrequieto, de espírito errante, conhecido como Paraguaio

Gross, descendente do veterano da Guerra do Paraguai,

Carl Daniel Gross. Nasceu em Três Forquilhas - RS em

28.07.1910, filho de Carlos Daniel Gross Júnior e de

Carolina Bobsin Gross. Faleceu em Curitiba – PR, no

Instituto de Medicina em 25.08.1986. Foi sepultado no dia

26 de agosto, no Cemitério de Santa Cândida. O falecido

não tinha vínculo eclesiástico por isso a família solicitou a

assistência do Capelão Militar Protestante. No entanto o

mesmo estava ausente de Curitiba participando de

manobras militares. Em consequência a esposa do capelão

militar, Doris Bobsin Müller oficiou a cerimônia fúnebre.

Artur Daniel Gross ficou durante três meses em tratamento

médico, na cidade de Curitiba. Isso permitiu que ele

recebesse inúmeras visitas do capelão, que aproveitou para

escutá-lo, já que o enfermo desejava contar a sua história,

bem como dos antepassados. Foram tocantes histórias

sobre o avô Carl Daniel Gross, veterano da Guerra do

Paraguai, sobre o pai Carlos Daniel Gross Júnior, um

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revolucionário que aos dezenove anos ingressou nas fileiras

maragatas para lutar na Revolução Federalista, tendo

acompanhado Gumercindo Saraiva no Cerco da Lapa e na

tomada de Curitiba.

Depoimentos de IVO DE OLIVEIRA MELLO, o IVO

BAIANO, neto de Baiano Candinho, um bom conhecedor da

história do legendário avô Baiano Candinho.

Depoimentos de VICENTE PEREIRA DE SOUZA, o

Vicentinho Pereira, descendente de Friedrich Marques

Pereira de Souza, revolucionário federalista que foi vizinho

de Baiano Candinho e integrante do esquadrão Josaphat.

Depoimentos de LIDURINO BARROSO MENGER,

bisneto de João Patrulha Menger e que guardou a tradição

oral da família.

Depoimentos de EUGENIO BOBSIN, com memórias

sobre os seus antepassados Eberhardt e Bobsin. Eugenio

Bobsin foi criado pelo avô Cristiano Eberhardt, com o qual

colheu memórias valiosas sobre a história da Colônia de

Três Forquilhas.

Depoimentos de CLARESTINA JUSTIN BREHM, sobre

a numerosa Família Justin e Brehm. Dona Clara, como era

chamada, guardou muitas histórias interessantes sobre os

antepassados e sobre a vida na Colônia.

Depoimentos de ADY BREHM, descendente do

ferreiro Wilhelm Brehm, um conhecedor profundo do

passado da família e das relações de famílias e grupos na

vida da Colônia De Três Forquilhas.

GENERI MÁXIMO LIPPERT, natural de Sanga Funda,

em Terra de Areia-RS, advogado, político e escritor, que

incentiva a realização de Saraus de História, para a permuta

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de conhecimentos na pesquisa sobre a história do vale do

Rio Três Forquilhas.

RODRIGO TRESPACH, natural de Osório - RS,

historiador e pesquisador que já lançou diversos livros sobre

a pesquisa histórica da colonização de Três Forquilhas e

participa regularmente do Encontro de História sob a

Figueira, para a troca de idéias a respeito de casos e causos

da história de Três Forquilhas.

JUSSIÊ BITTENCOURT HAHN, professor de geografia

na Escola Estadual de Ensino Médio Pastor Voges, e na

Escola Estadual Guilherme Schmitt, ambas no município de

Itati – RS. Professor Jussiê passou a trabalhar com alunos

sobre conteúdos dos livros da Coleção Memórias e da

Figueira. Enviou sugestões para serem incluídas neste

volume OS PELEADORES com matéria sobre a CASA DE

SOUZA NETO e dados biográficos sobre o Professor

HERMENEGILDO PRUDÊNCIO TORRES.

MARINA RAYMUNDO DA SILVA, em Navegação

Lacustre Osório – Tôrres – D.C. Luzzato Editores – Porto

Alegre – RS, 1985.

FERNADES BASTOS, em Noite de Reis. Editora Globo,

Porto Alegre - RS, 1935. Trata-se de uma obra de ficção

histórica, onde Baiano Candinho é colocado, desde a sua

chegada ao vale do rio Três Forquilhas, num meio onde ele

não viveu e com relacionamentos que ele não teve. Com

isto a figura de Candinho, a partir desta obra, ficou

distorcida diante de leitores mais desavisados.

GESMAR BORGES, Historiador de Cambará do Sul –

RS nos presenteou com o livro RAÍZES DE CAMBARÁ DO

SUL, 2006, onde escreveu a dedicatória: < Ao amigo Elio

Müller, escritor socorrista de pesquisadores da história

serrana do Rio Grande do Sul >.

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COLEÇÃO MEMÓRIAS DA FIGUEIRA

Autor: Elio Eugenio Müller

Volume: I

De Pés e a Ferros

O nascer da Colônia de Três Forquilhas.

Volume: II

Sangue de Inocentes

Episódio da Revolução Farroupilha.

Volume: III

Dos bugres aos pretos

A tragédia de duas raças.

Volume: IV

Amores da Guerra

Histórias da Guerra do Paraguai.

Volume: V

Face Morena

A miscigenação na Colônia de Três Forquilhas.

Volume: VI

Os Peleadores

Um episódio da Revolução Federalista.

Volume: VII

E a vida continua...

O drama humano diante do flagelo da epidemia.

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