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Sucessões e Funções Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 133 6 Sucessões e Funções 6.1 O número e como limite de uma sucessão No âmbito do programa actual de Matemática A do Ensino Secundário ([15]), surgem diversos limites que sugerem uma abordagem numérica. Um destes limites é o da sucessão definida pelo termo geral n n n u + = 1 1 . Assim, o número e (número de Neper) é apresentado aos alunos como sendo o limite desta sucessão. O estudo da sua convergência ultrapassa o âmbito do actual programa de Matemática A do Ensino Secundário. No entanto, alguns manuais ([8], [29] e [38]) referem que esta sucessão é monótona (crescente) e limitada (o conjunto dos termos está contido no intervalo [ [ 3 , 2 ) e, por conseguinte, a sucessão de termo geral n n n u + = 1 1 é convergente e o seu limite é um número maior do que dois e não superior a três (a demonstração deste resultado encontra-se em [66] pp. 48-50). A partir daqui o aluno poderá utilizar a calculadora gráfica para estimar o valor de e com um determinado número de casas decimais correctas. Vejamos as actividades propostas em dois manuais do 11º ano ([29] p. 271 e [38] p. 55):

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

133

6 Sucessões e Funções

6.1 O número e como limite de uma sucessão

No âmbito do programa actual de Matemática A do Ensino Secundário

([15]), surgem diversos limites que sugerem uma abordagem numérica. Um

destes limites é o da sucessão definida pelo termo geral

n

nn

u

+=1

1 .

Assim, o número e (número de Neper) é apresentado aos alunos como sendo

o limite desta sucessão. O estudo da sua convergência ultrapassa o âmbito do

actual programa de Matemática A do Ensino Secundário. No entanto, alguns

manuais ([8], [29] e [38]) referem que esta sucessão é monótona (crescente) e

limitada (o conjunto dos termos está contido no intervalo [ [3,2 ) e, por

conseguinte, a sucessão de termo geral n

nn

u

+=1

1 é convergente e o seu

limite é um número maior do que dois e não superior a três (a demonstração

deste resultado encontra-se em [66] pp. 48-50). A partir daqui o aluno poderá

utilizar a calculadora gráfica para estimar o valor de e com um determinado

número de casas decimais correctas.

Vejamos as actividades propostas em dois manuais do 11º ano

([29] p. 271 e [38] p. 55):

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134

Actividade 29 – Com o número e

1º Obtém com a calculadora vários termos da sucessão n

n

+1

1 de modo a

confirmares que é uma sucessão crescente, majorada e de modo a fazeres uma

estimativa do valor de e.

2º Compara o valor que estimaste para e com o que podes obter na calculadora,

usando a função xe .

(...)

Calculadora

Calculemos alguns termos da sucessão n

n

+1

1 usando a calculadora gráfica do

modo seguinte (procedimentos para a Texas TI-83):

���� Tecle MODE e escolha Seq e Dot.

���� Em y= , vem =nu , e introduz-se a sucessão (1+1÷n)^n definindo em

WINDOW 100,1 == nMaxnMin e o rectângulo de visualização [ ] [ ]3,010,0 × .

���� Teclando GRAPH vê-se um gráfico sobre o qual estão representados os

pontos isolados do gráfico da sucessão, ou seja, os pontos de abcissa natural.

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

135

���� Com a tecla TRACE podemos percorrer, quanto queiramos, o gráfico,

verificando-se que não se encontram valores de nu inferiores a 2 nem

superiores a 3.

���� Pode também, simplesmente, editar em y= a função x

xY

+=1

11 , teclar 2ND

TBLSET e escolher 1=TblMin e 1=Tbl para fazer nx = , variável natural do

gráfico de Y1. Tecle 2ND TABLE e verá uma tabela como a apresentada a

seguir:

���� Volte a teclar 2ND TBLSET e mude para 100=Tbl 200=TblMin e teclando

de novo 2ND TABLE obterá nova tabela, como a apresentada a seguir:

O objectivo destas duas actividades consiste em obter uma

aproximação para o limite de ( )nn11+ , partindo do facto de que uma sucessão

toma valores tão próximos do seu limite quanto se queira, desde que se tome

um termo de uma ordem suficientemente elevada. No entanto, uma vez que se

utiliza uma calculadora que tem uma precisão finita, aquele facto não

corresponde à verdade. Para determinadas ordens, os valores apresentados

pela calculadora afastam-se muito do número e . Uma vez que o aluno não

está familiarizado com este tipo de sucessões e desconhece o valor exacto do

número e , ele poderá ser induzido em erro pelos resultados que obtém com a

calculadora gráfica. Assim, o aluno deverá ser consciencializado pelo professor

de que, embora a calculadora possa permitir ter uma ideia do limite de uma

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

136

sucessão, nalguns casos, devido aos erros de arredondamento, ela poderá

apresentar um valor que pouco ou nada tem a ver com a realidade.

Em [12] e [66] (p. 52) sugere-se a utilização de diferentes valores de n

que são todos potências de 10. A tabela 6.1 mostra as aproximações dos

termos da sucessão obtidos pela calculadora gráfica Texas TI – 83, para

alguns destes valores (a negrito encontram-se os dígitos correctos de

5904523547182818284.2≈e ).

n n

n

+1

1

10 2.59374246

210 2.704813829

310 2.716923932

410 2.718145927

510 2.718268237

610 2.718280469

710 2.718281693

810 2.718281815

910 2.718281827

1010 2.718281828

1110 2.718281828

1210 2.718281828

1310 2.760577856

1410 1

1510 1

1610 1

1710 1

... ...

Tabela 6.1 – Valores obtidos pela Texas TI-83

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137

Como se pode apreciar as aproximações obtidas vão melhorando à

medida que n cresce; de facto, para kn 10= , com k desde 1 até 10, as

aproximações obtidas apresentam k algarismos correctos. Como a máquina

apresenta os resultados com 10 algarismos, atingimos de facto com 1010=n o

limite da precisão proporcionada pela máquina. Na verdade, se usarmos

1110=n , obtemos no visor da máquina a mesma aproximação já obtida com

1010=n . Uma vez que internamente os cálculos são efectuados com 14 dígitos

é possível extrair mais um algarismo correcto para o valor de e (ver secção

3.6.3), tendo-se

2.7182818284.

Da mesma maneira, com 1210=n podemos, procedendo de maneira análoga,

obter mais um algarismo e, o número assim construído é

2.71828182845.

Para kn 10= com 14≥k ( k inteiro), obtém-se sempre o valor 1 na máquina.

Isto deve-se ao facto de, para estes valores de k , ter-se 110

11 =+

k por ser

k10

1 menor do que o epsilon da máquina. Para 1310=n obtém-se a

aproximação 2.760577856. Como se explica este resultado? Para calcular o

valor de k

k

10

10

11

+

a máquina usa as funções logaritmo natural e exponencial: primeiro determina

o valor de

+=

ky

10

11ln , sendo o resultado final dado por yk

e ×10 .

A partir do conhecido desenvolvimento em série de potências de θ

( ) ...432

1ln432

−θ

−θ=θ+

e considerando k−=θ 10 , temos

...3

10

2

1010

32

++−=−−

−kk

ky

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

138

o que mostra que para k suficientemente grande tem-se

ky −≈ 10

com um erro absoluto ( )kO 210− 21, a que corresponde um erro relativo da ordem

de k−10 . Em particular, para 13=k o logaritmo natural de 13101 −+ é igual a

1310− com um erro absoluto da ordem de 2610− . Porém, na Texas TI – 83

obtém-se

com um erro relativo aproximadamente igual a 01544.0 . Este erro relativo será

extraordinariamente ampliado no cálculo do produto yk ×10 e finalmente

propagar-se-á ao valor calculado da exponencial.

Se usarmos valores de n que não sejam potências de 10, podemos ter

algumas surpresas. Por exemplo, com 352=n obtemos na Texas TI – 83

717924089.21

1 =

+

n

n.

Tendo em conta que

113510 10210 <<

seria de esperar que a aproximação obtida seria tão boa quanto a aproximação

obtida com 1010=n que proporciona, como já se disse, 10 algarismos

correctos. Para além disto, o aluno ficará surpreendido por verificar que,

relativamente aos valores calculados pela máquina, tem-se 1035 10

10

2

35 10

11

2

11

+<

+

o que contradiz a informação que lhe foi dada antes sobre o crescimento da

sucessão! Por outro lado, com 13102×=n obtém-se na Texas TI – 83

6207901.71

1 =

+

n

n,

resultado que não está de acordo com a informação fornecida anteriormente

ao aluno de que todos os termos da sucessão estão no intervalo [ [3,2 !

21 O erro é da ordem de grandeza de

k210−.

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139

Quais as razões que explicam estes resultados? Ou seja, por que é que

a partir de uma certa ordem, as aproximações obtidas para os termos da

sucessão ( )nn11+ não convergem para o número de Neper, apesar da

sucessão ser monótona crescente e limitada? Por outro lado, por que existem

valores de n (como por exemplo 352=n ) para os quais as aproximações

obtidas são muito más? Para respondermos a estas questões, é necessário

recorrer ao conceito de condicionamento de uma função já referido na secção

4.4. Para isso, generalizemos o problema e consideremos a função real de

variável real h de domínio +ℜ definida por

x

xxh

+=1

1)( . (6.1)

Temos que

ex

x

x=

+

+∞→

11lim .

Vejamos que a função h é bem condicionada. Escrevendo (6.1) na forma

( )

+

+

== xx

x eexh

x1

1ln1

1ln

obtém-se que

( ) ( ) ( )

+−

+=

+

−+

+=

1

111ln.

1

1

.1

1ln.'2

xxxh

x

xxx

xxhxh , para 0>x .

Então

( ) ( )( ) 1

11ln

)(

1

111ln).(.

'.

+−

+=

+−

+

==x

x

xxh

xxxhx

xh

xhxxk

x

h .

Portanto, temos

( ) 01lnlim =−=+∞→

exkhx

.

E, por conseguinte, podemos concluir que para valores de x grandes, a função

h é muito bem condicionada.

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

140

Assim sendo, como se podem explicar os resultados obtidos

anteriormente? Ou seja, se a função é bem condicionada, por que razão para

alguns valores de x os resultados produzidos nada têm a ver com o número

de Neper?

Para se conseguir encontrar uma justificação para esta situação,

necessitamos de estudar o condicionamento da função g de duas variáveis

reais definida por

( ) xyyxg =, , onde ( )xfx

y =+=1

1 , com +ℜ∈yx, .

Temos que

11

1lim =

+

+∞→ xx.

Vejamos que a função f é bem condicionada para valores grandes de x .

Tem-se que

( )2

1'

xxf −=

e, portanto,

( ) ( )( ) 1

1

11

1

'. 2

+=

+

−⋅

==x

x

xx

xf

xfxxk f .

Então,

( ) 0lim =+∞→

xk fx

.

Estudemos agora o condicionamento da função g . Como já foi referido na

secção 4.4.4, o erro absoluto da função g é dado por (ver 4.9)

( ) ( ) ( ) ( )yxy

gyyx

x

gxyxgyyxxg ,,,,

∂⋅δ+

∂⋅δ≈−δ+δ+ .

Referimos também na secção já mencionada que para estudar o erro relativo

no valor da função é mais fácil analisar o efeito do erro relativo em cada uma

das variáveis separadamente. Assim temos:

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

141

• Erro relativo no valor da função na variável x

( ) ( )( )

( )

( )xy

x

x

y

yyx

x

x

yxg

yxx

gx

yxg

yxgyxxgx

x

δ⋅≈δ

⋅≈δ∂

∂⋅

≈−δ+

lnln..

.,

,

,

,,.

Então, se 1→y , tem-se que o erro relativo da função tende para zero,

mesmo que xδ seja grande.

• Erro relativo no valor da função na variável y

( ) ( )( )

( )

( ) y

yx

y

y

y

yxy

y

y

yxg

yxy

gx

yxg

yxgyyxgx

x δ⋅≈

δ⋅≈

δ∂

∂⋅

≈−δ+ −1..

.,

,

,

,,

Para o mesmo erro relativo na variável y , o erro relativo no valor da função

cresce na mesma proporção de x . Logo para valores de x grandes, o erro

relativo da função é enorme.

Consideremos, por exemplo, 910=x e 9101 −+=y . Então tem-se

( ) 999 107.2101,10 −− ×≈+∂

x

g

( ) 999 101,1101,10 ×≈+∂

∂ −

y

g

e, por conseguinte, pequenas perturbações xδ produzem um erro pequeno,

enquanto que pequenas perturbações yδ provocam enormes erros nos

resultados.

Este facto explica os resultados que se obtém, por exemplo, no cálculo

do valor da função para 9105.1 ×=x e 9103

21 −×+=y . De facto, neste caso

tem-se que 0=δx , enquanto que 1010333.3 −×=δy (note-se 3

2 não possui

representação exacta neste sistema). Neste caso, o valor exacto, com 16

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

142

algarismos significativos correctos22 de ),( yxg é 2.718282052464607. No caso

da máquina Texas TI – 83, obtemos o valor 2.718417745, que possui apenas 4

algarismos significativos correctos e cujo erro relativo é aproximadamente

5105 −× . E portanto, um erro yδ da ordem de 1010− na variável y , provocou um

erro relativo da ordem de 510− .

No caso extremo de 1410=x , na máquina Texas TI – 83, por exemplo,

tem-se que 11

1 =+x

e 1)( =xh com um erro relativo de 100%, ou seja, nenhum

algarismo significativo correcto.

Em síntese, o cálculo de valores da função ( ) xyyxg =, , onde x

y1

1+= ,

para valores de x grandes produz um erro relativo enorme no valor da função.

Uma vez que a função x

xxh

+=1

1)( é bem condicionada, podemos concluir

que o cálculo do número de Neper através desta expressão é instável. Assim

sendo, torna-se necessário procurar uma fórmula que seja estável.

Consideremos a função x

xxh

+=1

1)( , com +ℜ∈x . Então tem-se

+=⇔

+=

xxy

xy

x1

1ln.ln1

1 .

A partir do conhecido desenvolvimento em série de potências de θ

( ) ...432

1ln432

−θ

−θ=θ+

temos que

...4

1

3

1

2

11...

4

1

3

1

2

1111ln.

32432+−+−=

+−+−⋅=

+

xxxxxxxx

xx

22 Valor obtido com o software Mathematica.

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

143

Por exemplo, para 1410=x , temos que

233

1

2

11

111ln.

xxxT

xx +−≈

+

com um erro de truncatura

( )4342

3143105.21025.0

104

1

4

1 −− ×=×=×

=x

.

Então obtemos a aproximação

1103

1

102

11

10

12814143 ≈

×+

×−=

T .

Logo eey == 1 .

Com a Texas TI – 83 é possível obter uma aproximação com 14 dígitos

correctos:

É claro que todo o estudo efectuado anteriormente, poderia ter sido

realizado utilizando a máquina Casio CFX – 9850. Neste caso, as

aproximações obtidas para os termos da sucessão de termo geral ( )nn11+ ,

para alguns valores de n tal que kn 10= , com 17,...0=k (ver tabela 6.2), são

iguais aos resultados obtidos na Texas TI – 83, diferindo somente para

1310=n . Esta diferença deve-se ao facto da Casio CFX - 9850 possuir mais um

algarismo na mantissa e, por conseguinte, o logaritmo natural de 13101 −+ é

igual a 1310− com um erro absoluto da ordem de 2610− . É claro que era de

esperar que os resultados obtidos na determinação de um valor aproximado

para o número de Neper fossem diferentes em cada uma das máquinas, uma

vez que o epsilon é diferente.

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

144

n n

n

+1

1

10 2.59374246

210 2.704813829

310 2.716923932

410 2.718145927

510 2.718268237

610 2.718280469

710 2.718281693

810 2.718281815

910 2.718281827

1010 2.718281828

1110 2.718281828

1210 2.718281828

1310 2.718281828

1410 1

1510 1

1610 1

1710 1

... ...

Tabela 6.2 – Valores obtidos pela Casio CFX - 9850

À semelhança do que se passava com a Texas TI – 83, a Casio CFX -

9850 permite obter uma aproximação para o valor de e com dez dígitos

correctos, podendo de modo análogo ao descrito para a Texas TI – 83, ser

possível “extrair” mais dois dígitos correctos. Para 1410≥n os termos da

sucessão são todos iguais a 1. Na verdade nesta máquina, para 131025.1 ×>n ,

tem-se que 111 =+n

, uma vez que 14108 −×=ε . Note-se que

1313

141025.110125.0

108

11×=×=

×=

ε −.

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

145

Por outro lado, analogamente ao que se passa na Texas TI – 83,

valores de n para os quais n1 não possuem representação exacta produzem,

em virtude dos erros de arredondamento, aproximações más para o número de

Neper. ‡

6.2 Limites de funções

Como vimos na secção anterior, a calculadora pode ser usada para

estudar, do ponto de vista experimental, o limite de uma função.

Vejamos dois exemplos em que o uso da calculadora poderá levar a

conclusões erradas.

Exemplo 1

Consideremos a função real de variável real definida por ([65])

( ) ( )12

+= senxx

xf .

Para começar a ter uma ideia do ( )xfx +∞→lim , podemos calcular o valor da

função para valores de x tão grandes quanto queiramos. Nas tabelas

seguintes encontram-se os valores da função para kx 10= , com 11:0=k .

Com base nestes resultados, os alunos poderiam ser levados a concluir

que a função é monótona crescente e que ( ) +∞=+∞→

xfxlim . Na verdade, a função

f não converge para ∞+ quando +∞→x , embora tome valores tão grandes

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

146

quanto queiramos, possuindo infinitos zeros, como podemos constatar pela

observação do gráfico obtido na Casio CFX – 9850 (figura 6.1).

Fig. 6.1 - Gráfico da função f na janela de visualização [ ] [ ]50,050,0 ×

Assim sendo, a escolha dos valores de x é de extrema importância no

estudo do limite de uma função. Neste exemplo o problema é facilmente

ultrapassado quando se considera o gráfico da função.‡

Exemplo 2

Estudemos agora a função ( )xxe

xg310

1−

= , relativamente ao seu limite

quando ±→ 0x através da observação do seu gráfico (este exemplo é dado

em [1]; no presente trabalho apresentamos uma análise mais detalhada). O

gráfico desta função é muito semelhante ao da função ( )x

xh1

= se forem

usados os rectângulos de visualização pré-definidos Init e Standard (os

gráficos foram obtidos na Casio CFX – 9850)23.

Fig. 6.2 - Gráfico de g com a janela Init Fig. 6.3 - Gráfico de g com a janela Standard

23 Os gráficos obtidos na Texas TI – 83 são semelhantes.

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

147

Fig. 6.4 - Gráfico de h com a janela Init Fig. 6.5 - Gráfico de h com a janela Standard

Por que razão os valores destas duas funções são muito semelhantes?

Pelo conhecido desenvolvimento em série de potências tem-se

...!32

132

+θ+=θe

e, por conseguinte, para x

310−

=θ , tem-se

...6

10

2

10101

3

9

2

6310 3

++++=−−−

xxxe x

Portanto

++++=

−−−

32

963

101

6

10

2

1010

3

xO

xxxxe x

Então

( )x

xO

xxxxe

xg

x

1

1

6

10

2

1010

11

32

963

10 3≈

++++

==−−

Através da observação do gráfico da função g , poderíamos concluir que

( ) +∞=+→xg

x 0lim e ( ) −∞=

−→xg

x 0lim

No entanto, uma das conclusões não está correcta. De facto, considerando a

mudança de variável x

y310

1= , tem-se

( ) 0010lim101

limlim 33

10

100

3

=×===+∞→→→ ++ yy

xxx e

y

xe

xg .

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

148

É claro que só com a observação do gráfico e sem a ajuda da análise

matemática, dificilmente se concluía este limite. Será que se consegue

encontrar um rectângulo de visualização adequado? Estudemos a monotonia

da função g . Tem-se que

( )xgx

xxg ⋅

−=

2

310)(' .

Mostra-se que a função g admite um máximo para 310−=x e tem-se

( ) 879441171.36710 3 ≈−g . Então, utilizando uma janela de visualização mais

apropriada, é possível ter uma ideia mais correcta sobre o que se passa na

vizinhança do ponto zero (figura 6.6).

Fig. 6.6 - Gráfico de g com a janela [ ] [ ]370,0105;0 3 ×× −

Este problema ficaria também solucionado se considerássemos uma

tabela dos valores da função g para valores de kx −= 10 , com 6:1=k .

A mensagem ERROR que surge no cálculo de g para 610−=x deve-se

ao facto de que a máquina não produz o valor de 1000e , uma vez que este é

muito superior ao maior número que pode ser representado nesta máquina24.

Esta limitação leva a que não se possa considerar valores de x mais próximos

do ponto zero e superiores ao épsilon da máquina.‡

24 A máquina só determina o valor de

xe para 2585092.23010100 ≤<− x (ver anexo C).

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

149

No exemplo seguinte consideramos um exercício da Prova Modelo do

Exame Nacional do 12º ano de 2001 ([25]).

Exemplo 3

Considere a função f , de domínio ℜ , definida por ( )( )4ln

2sin3

+

+=

xe

xx

xf .

a. Sabe-se que existe ( )xfx +∞→lim e que o seu valor é um número inteiro.

Recorrendo à sua calculadora, conjecture-o. Explique como procedeu.

b. Será conclusivo, para a determinação do valor de ( )xfx +∞→lim , um método

que se baseie exclusivamente na utilização da calculadora? Justifique a

sua resposta.

Relativamente à primeira parte da questão, esta poderia ser resolvida

por dois processos: através do gráfico ou de uma tabela. Vejamos somente o

processo através do gráfico (utilizando a Texas TI - 83):

Fig. 6.7 - Gráfico de f usando a janela [ ] [ ]3,1100,0 −×

Ao observar o gráfico, podemos conjecturar que existe uma assimptota de

equação 1=y . Para confirmar esta conjectura podemos traçar esta recta:

Fig. 6.8 - Gráfico de f e da recta 1=y usando a janela [ ] [ ]3,1100,0 −×

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150

Assim podemos dizer que é plausível prever que ( ) 1lim =+∞→

xfx

.

Em relação à outra questão, é claro que a resposta é não. A

determinação de um limite não pode ser baseado exclusivamente na

visualização do gráfico na calculadora, ou pelos valores encontrados na tabela,

pois estas imagens mostram-nos uma sequência finita de valores e não uma

sucessão de valores de x que tendem para ∞+ , não se aplicando assim um

pressuposto fundamental, presente na definição de limite de uma função num

ponto, segundo Heine.

A resolução proposta em [25] refere que “o comportamento de uma

função até um certo valor de x , por muito grande que seja, não permite

garantir o comportamento dessa função, desse valor em diante. Assim, a

simples utilização da calculadora não permite garantir o valor do limite, porque

qualquer janela de visualização reporta-se a um intervalo limitado.”

Embora neste caso, o valor do limite sugerido pelo gráfico esteja

correcto, noutros casos, como fica ilustrado em outros exemplos apresentados,

o gráfico pode sugerir um valor diferente do valor correcto.‡

6.3 Estudo de pontos críticos e assimptotas

Um dos aspectos a que o programa de Matemática A do Ensino

Secundário dá muita importância é ao estudo dos pontos críticos e

assimptotas. Vejamos dois exemplos ilustrativos dos problemas que podem

ocorrer na utilização das calculadoras gráficas neste contexto.

Exemplo 1

Consideremos a função real de variável real definida por

( ) 43log800

11 2 −++= xxxf ,

cuja representação gráfica na janela pré-definida Standard (com a máquina

Casio CFX - 9850) não difere muito do gráfico da função 21)( xxg += (exemplo

apresentado em [1]; no presente trabalho apresentamos uma análise mais

detalhada).

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151

Fig. 6.9 - Gráfico de f Fig. 6.10 - Gráfico de g

Serão os pontos críticos das duas funções os mesmos? Algum dos

gráficos tem assimptotas? Uma vez mais, a representação gráfica induz em

erro. De facto, o domínio da função g é ℜ e como a função é contínua em

todo o seu domínio, o gráfico não admite assimptotas verticais. Por outro lado,

o domínio da função f é

ℜ3

4\ , sendo de facto

3

4=x uma assimptota

vertical do gráfico de f , uma vez que ( ) −∞=→

xfx

3

4lim . No entanto, nenhum

rectângulo de visualização poderá ilustrar esta situação, uma vez que quando

x tende para 0 (por valores positivos) xlog tende muito lentamente para ∞− .

De facto, se considerarmos valores de x próximos de 3

4 tais que δ−=

3

4minX

e δ+=3

4maxX , para 0>δ pequeno mas necessariamente maior do que o

épsilon da máquina, tem-se

( )δ+

δ−+=

δ− 3log

800

1

3

41

3

42

f e ( )δ+

δ++=

δ+ 3log

800

1

3

41

3

42

f .

Portanto considerando, por exemplo 3

10 9−

=δ , obtemos

7665.2800

9

9

1010

9

8

9

161

3

4 189 ≈−+×−+=

δ−

−−f

e

7773.2800

9

9

1010

9

8

9

161

3

4 189 ≈−+×++=

δ+

−−f .

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Sucessões e Funções

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152

Por aqui se vê que, para ser

δ±

3

4f grande terá de ser δ muito mais

pequeno do que 910− . Porém, não é possível representar o gráfico com

δ−=3

4minX e δ+=

3

4maxX com δ inferior a 810− .‡

Exemplo 2

Consideremos agora a função real de variável real definida por

( ) ( )29ln xxh −= , cuja representação gráfica na Casio CFX – 9850 encontra-se

na figura 6.11 ([66] p. 135).

Fig. 6.11 - Gráfico de h na janela Init

A escolha de outros rectângulos de visualização não nos permite retirar

conclusões acerca do comportamento da função na proximidade de 3− e 3 ,

pelas mesmas razões apontadas no exemplo anterior. Assim para

conhecermos o comportamento da função é necessário calcular os limites,

quando +−→ 3x e −→ 3x , para se poder concluir que as rectas 3−=x e 3=x

são assimptotas verticais do gráfico. ‡

6.4 Estudo de zeros e resolução de equações

Um dos temas muitas vezes abordado ao longo de todo o Ensino

Secundário é o da resolução de equações através da calculadora. Vejamos o

seguinte exemplo.

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153

Exemplo 1

Pretende-se resolver a equação xx =sin (este exemplo surge em [1]

onde o autor efectua um estudo da equação recorrendo somente a uma

máquina, a Texas Instruments TI – 81). Existem dois métodos diferentes para

resolver este problema25:

1º introduzimos as funções xy sin= e xy = na calculadora gráfica e

determinamos o ponto de intersecção;

2º Introduzimos a função xxy −= sin e determinamos os seus zeros.

Analisemos os dois processos em ambas as máquinas uma vez que os

resultados obtidos são distintos.

Em relação ao primeiro processo, a Casio CFX – 9850 efectua

automaticamente a intersecção dos dois gráficos, através do comando

G – Solv (ISCT). Na figura 6.12 encontram-se os gráficos das duas funções

obtidos utilizando a janela trigonométrica.

Fig. 6.12 - Gráficos obtidos pela Casio CFX – 9850 com a janela Trig

Como se explica que seja diferente de zero o valor encontrado? O valor

da abcissa do ponto de intersecção é dado pela função G – Solv

(desconhecemos se o método utilizado é o da bissecção ou outro) e depende

da janela de visualização considerada e também do critério de paragem

implementado em G – Solv. De facto, considerando a janela de visualização

Init já é possível obter o resultado exacto (figura 6.13).

25 No exame nacional do 12º ano surgem frequentemente questões onde é necessário resolver, através da calculadora gráfica, uma equação não algébrica.

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154

Fig. 6.13 - Gráficos obtidos pela Casio CFX – 9850 com a janela Init

Na Texas TI – 83 o procedimento é algo diferente. De facto nesta

máquina, para efectuar a intersecção dos gráficos de duas funções utiliza-se o

comando CALCULATE (5: intersect), onde há necessidade de indicar quais as

“curvas” para as quais queremos obter os pontos de intersecção (figura 6.14)

e, por último, é preciso indicar o ponto que pensamos estar próximo da

intersecção dos dois gráficos (figura 6.15). Assim com a Texas TI – 83

obtemos o ponto de intersecção correcto (figura 6.16)26.

Fig. 6.14 - Gráficos obtidos na Texas TI – 83 Fig. 6.15 - Gráficos obtidos na Texas TI – 83

Fig. 6.16 - Gráficos obtidos na Texas TI - 83

No que concerne ao segundo processo as duas calculadoras procedem

de forma semelhante ao primeiro processo. Assim na Casio CFX – 9850 é

26 Os gráficos das figuras 6.14, 6.15 e 6.16 foram obtidos na janela trigonométrica.

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155

somente necessário efectuar o comando G – Solv (ROOT) e a máquina calcula

automaticamente todos os zeros da função (figura 6.17).

Fig. 6.17 - Gráfico obtido pela Casio CFX – 9850 na janela Trig

No caso da Texas TI – 83 é necessário indicar um intervalo que

contenha o zero (figuras 6.18 e 6.19), assim como uma aproximação inicial,

digamos 0x , que pertença a este intervalo e que se encontre o mais próximo

possível do zero que queremos calcular (figura 6.20), obtendo o valor correcto

(figura 6.21).

Fig. 6.18 – Escolha do “limite esquerdo” Fig. 6.19 – Escolha do “limite direito”

Fig. 6.20 – Escolha de 00 =x Fig. 6.21 – Zero da função xsenxy −=

Na figura 6.22 encontra-se a aproximação obtida para o zero da função,

com o intervalo que surge nas figuras 6.18 e 6.19 e com 131.0 ≈x .

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156

Fig. 6. 22 – Aproximação para o zero de xsenxy −=

Se considerássemos outros valores de 0x obteríamos outras

aproximações para o zero da função todas da ordem de 610− (certamente o

“critério de paragem” implementado na calculadora envolve uma tolerância

desta ordem de grandeza). ‡

6.5 Resolução de inequações

A apresentação do conjunto de valores que são a solução de uma

inequação coloca alguns problemas que se ilustram a seguir.

Exemplo 1

Suponhamos que se pretendia resolver a inequação ( ) 0≤xf , onde f é

definida por ([14]):

( ) 9101552 234 ++−−= xxxxxf .

Usando a calculadora Casio CFX – 9850, obtém-se a representação gráfica

que se encontra na figura 6.23.

Fig. 6.23 - Gráfico de f na janela [ ] [ ]15,755,5 −×−

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157

Para determinarmos os zeros da função usa-se a opção G-solv (ROOT),

obtendo os valores:

9810658647.1−≈a , 5489037994.0−≈b , 0361702313.1≈c e 9937994329.3≈d .

Portanto, o conjunto solução da inequação dada é [ ] [ ]dcbaS ,, ∪= .

Porém, não sendo possível representar exactamente os valores de cba ,, e d

há que tomar cuidado com a forma de apresentação do conjunto solução da

inequação ([53]). Se, por exemplo, quisermos usar aproximações com apenas

dois algarismos significativos, podemos escrever o conjunto S da seguinte

forma, usando as regras usuais de arredondamento,

[ ] [ ]0.4,0.155.0,21 ∪−−=S .

Todavia este conjunto não contém todas as soluções da inequação,

uma vez que as soluções do conjunto ] ]b,55.0− não pertencem a 1S . Pior do

que isto é 1S conter números que não são solução da inequação, por exemplo

2−=x .

A melhor forma de “resolver” este problema seria apresentar um

subconjunto das soluções na forma [ ] [ ]9.3,1.155.0,9.12 ∪−−=S , que é na

verdade o maior subconjunto de soluções que se pode representar usando

números com apenas dois algarismos significativos. ‡

Uma maneira, que nos parece correcta, de abordar o problema de

resolução de inequações é ilustrada pelo seguinte exercício que foi colocado

aos alunos num exame do 12º ano ([25] p. 183):

Exemplo 2

Considere as funções ℜ→ℜ+:f e ℜ→ℜ:g , definidas por:

( ) xxf ln= e ( ) 32 −= xxg .

Utilizando as capacidades gráficas da calculadora, investigue se todo o

número x do intervalo [ ]8.1,1.0 é solução da inequação ( ) ( )xgxf > . Indique a

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

158

conclusão a que chegou e explique como procedeu. Deverá incluir na sua

explicação os gráficos obtidos na calculadora.

Um dos processos de resolução seria, por exemplo, determinar os

valores de x para os quais ( )( ) 0>− xgf . Consideremos o gráfico da função

gf − , obtido na Casio CFX – 9850 (figura 6.24).

Fig. 6.24 - Gráfico de gf − na janela [ ] [ ]1.3,1.34,0 −×

A calculadora obtém os zeros 0499112491.≈a e 9096975943.1≈b . O

conjunto que contém todas as soluções da condição seria ] [ba, , sendo o

intervalo [ ]8.1,1.0 um seu subconjunto.‡

6.6 Continuidade de uma função

Uma das grandes limitações da calculadora, diz respeito à continuidade

de uma função. De facto, parece impossível estudar a continuidade de uma

função com base apenas em gráficos gerados por uma calculadora. O melhor

que se pode fazer é usar a calculadora para confirmar o que já se sabe (e

mesmo isto nem sempre é possível).

Além do exemplo da função ( ) 43log800

11 2 −++= xxxg , já referido

anteriormente, existem outros exemplos já apresentados no capítulo 5. ‡

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159

6.7 Derivadas

6.7.1 Introdução

Uma das potencialidades das calculadoras gráficas prende-se com a

possibilidade de calcular uma aproximação numérica da derivada da função

num ponto, assim como representar graficamente a função derivada. Por

exemplo, é possível representar num mesmo ecrã os gráficos de uma função e

da sua derivada, o que permite ilustrar as conhecidas relações entre o sinal da

derivada e a monotonia da função. Ambas as calculadoras utilizadas neste

trabalho fazem isto com facilidade. Consideremos, por exemplo, o gráfico da

função 2xy = e da sua derivada xy 2'= :

Fig. 6.25 – Gráficos obtidos na Casio CFX - 9850

Fig. 6.26 – Gráficos obtidos na Texas TI - 83

Todavia, como advertem os manuais de ambas as máquinas, podemos

obter resultados erróneos em pontos em que a função dada não é contínua ou

não é diferenciável. Estas situações são perfeitamente “normais” se tivermos

presente que a generalidade das calculadoras gráficas são máquinas

essencialmente numéricas e incapazes de realizar a análise de uma função.

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

160

O objectivo desta secção é, portanto, tentar explicar as razões que

provocam estes resultados errados, nomeadamente o que está na base deste

cálculo numérico de derivadas, reforçando a ideia de que o estudo gráfico das

funções deve ser sempre acompanhado de um tratamento analítico cuidadoso.

Para a elaboração desta secção teve-se em especial atenção o artigo escrito

por A. P. Rosa ([56]).

6.7.2 Derivada simétrica e Derivação numérica

No manual da Texas TI – 83 ([67] p. 63) é mencionado que a aplicação

Nderiv (expressão, variável, valor, ε), designada por derivada numérica,

devolve uma derivada aproximada da expressão relativamente à variável, para

um determinado valor. Se nada for especificado 310−=ε . O manual refere

ainda que a aplicação Nderiv utiliza a derivação simétrica (que aproxima o

valor da derivada numérica como a inclinação da recta secante através da

fórmula das diferenças centradas ( )( ) ( )

ε

ε−−ε+=

2' 00

0

xfxfxf ) e que à medida

que ε diminui, normalmente a aproximação torna-se mais precisa. No manual

da Casio CFX – 9850 ([11] pp. 62-63) surge igualmente a referência a este

método numérico para o cálculo de derivadas. Comecemos então por

introduzir o conceito de derivada simétrica ([33] p. 12).

Definição 1

Seja f uma função definida num intervalo aberto I e I∈α . O limite

( ) ( )h

hfhf

h 2lim

0

−α−+α→

, quando existe e é finito, chama-se derivada simétrica

de f no ponto α.

Exemplo 1

Seja ( ) 2xxf = . Então a sua derivada simétrica é:

( ) ( ) ( ) ( ) ( )( )x

h

xh

h

hxhx

h

hfhf

hhh2

2

22lim

2lim

2lim

0

22

00==

−−+=

−α−+α→→→

.‡

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Sucessões e Funções

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161

Definição 2

Se f tiver derivada simétrica em todos os pontos do intervalo I , f

diz-se s – diferenciável em I e define-se a função derivada simétrica

ℜ→If s :' pondo ( ) ( ) ( )h

hxfhxfxf

hs

2lim'

0

−−+=

→, Ix∈∀ .

Observando esta definição conclui-se que o método numérico usado

pelas calculadoras para aproximar valores de derivadas, é uma discretização

da derivação simétrica. Se f for diferenciável (no sentido usual), isto é, se

existir ( ) ( )

h

xfhxf

h

−+→0lim então pode verificar-se que

( ) ( ) ( ) ( )h

xfhxf

h

hxfhxf

hh

−+=

−−+→→ 00lim

2lim .

Porém, existem funções que não são deriváveis mas admitem derivada

simétrica.

Proposição 1 ([56])

Seja I um intervalo aberto e ℜ→If : uma função. Se f tem derivadas

laterais finitas em Ia∈ , então f é s-diferenciável em a e

( )( ) ( )2

'''

afafaf de

s

+= , onde ( )af e' e ( )af d' são as derivadas laterais usuais

de f no ponto a , à esquerda e à direita, respectivamente.

Demonstração

Calculemos os limites laterais, quando 0→h , de ( ) ( )

h

hafhaf

2

−−+. Tem-se:

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )

−−+

−+⋅=

−−+++ →→ h

hafaf

h

afhaf

h

hafhaf

hh 2

1lim

2lim

00.

Em relação ao ( ) ( ) ( )af

h

afhafd

h'lim

0=

−++→

. Por outro lado, através da mudança

de variável hk −= , tem-se que:

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Sucessões e Funções

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162

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )afk

afkaf

k

kafaf

h

hafafe

kkh'limlimlim

000 .=

−+=

+−=

−−−−+ →→→

.

Portanto

( ) ( ) ( ) ( )2

''

2lim0

afaf

h

hafhaf ed

h

+=

−−++→

.

De modo análogo se prova que

( ) ( ) ( ) ( )2

''

2lim0

afaf

h

hafhaf ed

h

+=

−−+−→

.

Logo, o resultado pretendido decorre da igualdade destes dois limites.‡

Note-se que esta proposição mostra que a existência de derivadas

laterais finitas é condição suficiente para a existência de derivada simétrica,

não sendo, como é sabido, condição suficiente para a existência da derivada

usual.

Corolário 1 ([56])

Se f é diferenciável em Ia∈ , então f também é s-diferenciável em a

e ( )afaf s')(' = .

Demonstração

Se f é diferenciável em a , as derivadas laterais em a são finitas e

iguais. Logo, o resultado decorre imediatamente da proposição anterior.‡

A partir da proposição 1, conclui-se que a derivação simétrica é uma

extensão própria da derivação usual, ou seja, a classe das funções

simetricamente diferenciáveis inclui estritamente a das funções diferenciáveis.

Assim, não é de admirar que as máquinas gráficas obtenham resultados

erróneos no cálculo numérico de derivadas, uma vez que o algoritmo utilizado

pelas máquinas produz uma aproximação da derivada simétrica e não da

derivada usual. Vejamos o que acontece com a função módulo, que não é

diferenciável para 0=x , mas que admite derivadas laterais finitas.

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

163

Exemplo 2 ([56])

Seja ℜ→ℜ:f , definida por ( ) xxf = . Então f é diferenciável em

{ }0\ℜ , s-diferenciável em ℜ , tendo-se

( )

<−

>=

01

01'

xse

xsexf

e ( )

<−=

>

=

01

00

01

'

xse

xse

xse

xf s

.

Assim sendo, a derivada simétrica da função módulo na origem terá de

ser zero. De facto, nas duas máquinas utilizadas neste estudo, a derivada para

0=x é zero (figuras 6.27 e 6.28).

Fig. 6.27 - Gráfico de f obtido na Casio CFX – 9850 Fig. 6.28 - Gráfico de f obtido na Texas TI -83

As máquinas gráficas também permitem representar graficamente a

função derivada. Assim neste caso tínhamos que:

Fig. 6.29 - Gráfico de 'f obtido na Casio CFX – 9850 Fig. 6.30 - Gráfico de 'f obtido na Texas TI -83

ou seja, em ambas as calculadoras, a função f é diferenciável na origem.

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164

Note-se que, contrariamente ao que se passa com a derivada usual, a

derivada simétrica não verifica o Teorema de Darboux27 ([33]), ou seja, pode

passar de um valor a outro sem passar por todos os valores intermédios. Este

teorema é semelhante ao Teorema de Bolzano das funções contínuas. Note-

se, porém, que a derivada duma função diferenciável não é necessariamente

contínua, como acontece, por exemplo, com a função ℜ→ℜ:f , definida por

( )

=

≠=

00

01

sin2

xse

xsex

xxf

. ‡

Um aspecto no qual a derivada simétrica é muito diferente da derivada

usual está relacionado com a continuidade. Sabe-se que uma função

diferenciável é contínua. No entanto, um resultado análogo não é verdadeiro

para derivadas simétricas. Basta por exemplo considerar a função

( )

<−

≥=

0

0

xsex

xsexxf .

Proposição 2 ([56])

Seja ℜ→ℜ:f uma função par. Então f é s-diferenciável na origem e

( ) 00' =sf .

Demonstração

Por definição tem-se que:

( ) ( ) ( ) ( ) ( )0

2lim

2

00lim0'

00=

−−=

−−+=

→→ h

hfhf

h

hfhff

hhs ,

uma vez que ( ) ( )hfhf −= , ℜ∈∀h .‡

27 Seja f uma função diferenciável num intervalo (aberto) I , a e b dois pontos de I tais que

( ) ( )bfaf '' ≠ . Então, qualquer que seja o número k compreendido entre ( )af ' e ( )bf ' , existe pelo menos

um ponto c compreendido entre a e b tal que ( ) kcf =' .

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

165

A função módulo que referimos no exemplo anterior verifica a

proposição anterior, uma vez que é uma função par. Um outro exemplo de uma

função que verifica a proposição anterior é a função ℜ→ℜ:g , definida por

( )

∉−

∈=

Qxse

Qxsexg

1

1.

Esta função é par e, portanto, s-diferenciável na origem, não sendo todavia aí

contínua (como sucede com qualquer ponto do seu domínio).

Assim sendo, podemos concluir que uma função par s-diferenciável na

origem não é necessariamente contínua neste ponto. Relativamente às

funções ímpares, a situação é diferente. De facto, verifica-se que a

s-diferenciabilidade na origem implica a diferenciabilidade na origem.

Proposição 3 ([56])

Seja ℜ→ℜ:f uma função ímpar e s-diferenciável na origem. Então, f

é diferenciável na origem e ( ) ( )0'0' sff = .

Demonstração

Uma vez que f é ímpar, tem-se que ( ) 00 =f e portanto,

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )

( ) ( ) ( ) ( ) ( )0'2

00lim

2lim

2limlim

00lim0'

00

000

shh

hhh

fh

hfhf

h

hfhf

h

hfhf

h

hf

h

fhff

=−−+

=−−

=

=+

==−+

=

→→

→→→

.‡

A proposição seguinte é uma generalização da proposição 2:

Proposição 4 ([56])

Seja ℜ→ℜ:f uma função tal que para um certo número k se

tem ( ) ( )xkfxkf +=− , ℜ∈∀x (ou seja, o gráfico de f é simétrico em relação

à recta vertical de equação kx = ). Então f é s-diferenciável no ponto k e

( ) 0' =kf s .

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

166

Demonstração

Por definição tem-se:

( ) ( ) ( )0

2lim'

0=

−−+=

→ h

hkfhkfkf

hs ,

uma vez que por hipótese ( ) ( )xkfxkf +=− , ℜ∈∀x .‡

Proposição 5 ([56])

Seja ℜ→ℜ:f uma função diferenciável e a um número real qualquer.

Dado ℜ∈k , com ( )afk ≠ , defina-se uma função ℜ→ℜ:~f pondo

( )( )

=

≠=

axsek

axsexfxf

~.

Então f~

, embora não sendo diferenciável em a , é s-diferenciável nesse ponto

e ( ) ( )afaf s ''~

= .

Demonstração

É certo que f~

não é diferenciável em a porque não é contínua nesse

ponto. Relativamente à s-diferenciabilidade, tem-se que

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )afafh

hafhaf

h

hafhafaf s

hhs ''

2lim

2

~~

lim'~

00==

−−+=

−−+=

→→.‡

Estas duas últimas proposições permitem construir uma grande

diversidade de exemplos em que o processo de derivação numérica usando a

discretização da derivada simétrica conduz a resultados erróneos.

Vejamos um outro exemplo cujo resultado é surpreendente.

Exemplo 3 ([56])

Consideremos a função ℜ→ℜ:g , definida por

( )

=

≠=

00

01

xse

xsexxg

.

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

167

Como a função não é contínua na origem, ela não admite aí derivada. Vejamos

se g é s-diferenciável na origem:

( ) ( ) ( ) ( ) ( )+∞===

−−=

−−+=

→→→→ 20000

1lim

2

2

lim2

lim2

00lim0'

hh

h

h

hghg

h

hghgg

hhhhs .

Determinemos agora nas duas máquinas a derivada para 0=x (figuras 6.31 e

6.32).

Fig. 6.31 - Gráfico de 'g obtido na Casio CFX – 9850 Fig. 6.32 - Gráfico de 'g obtido na Texas TI - 83

Qual a razão do resultado obtido pela máquina Texas TI - 83? Dado um

número positivo ε , ( )( ) ( )

2

111

1

2

00,0,,

ε=

ε

ε−−ε+=ε

YYXYnDeriv , o que nos leva

ao valor 610 para a derivada se tivermos em conta que o valor pré-fixado de ε

é 310− ([65] p. 63).‡

Exemplo 4 ([56])

Consideremos agora a função ℜ→ℜ+0:h , definida por ( ) xxxh = .

Sabemos, através do estudo analítico, que a função admite derivada lateral à

direita. Será que podíamos retirar esta conclusão a partir da calculadora?

Fig. 6.33 - Gráfico de 'h obtido na Texas TI - 83

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168

Por que razão a máquina não determina a derivada na origem?

Recordando a definição 1, a função necessita estar definida num intervalo

aberto I e I∈0 . Neste caso, ambas as condições não são satisfeitas e, por

conseguinte, não é possível definir a derivada simétrica para 0=x .‡

Exemplo 5

Do ponto de vista gráfico, é também possível verificar se uma dada

função admite derivada num determinado ponto. Assim, se uma função f é

diferenciável em 0x , fazendo ampliações sucessivas na vizinhança do ponto

0x , o gráfico de f torna-se cada vez mais próximo da recta de equação

( ) ( )( )000 ')( xxxfxfxt −+= :

Se ampliarmos um gráfico de uma função junto a um ponto onde ela

está definida mas não é diferenciável, esse gráfico não se parece com uma

recta. Este critério gráfico, poderá falhar em alguns casos, já que a calculadora

poderá mostrar como linha recta um gráfico que na realidade não o é.

Um exemplo desta situação é a função ( ) 1110 4 +−= − xxf ([65] p. 33).

Se considerarmos o rectângulo de visualização, na Texas TI – 83, ZStandard e

fizermos sucessivas ampliações, o gráfico parece sempre uma recta (figuras

6.34 e 6.35).

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Sucessões e Funções

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169

Fig. 6.34 - Gráfico de f na janela ZStandard Fig. 6.35 - Gráfico de f na janela ZDecimal

embora a função não seja diferenciável para 1=x . Neste caso, no entanto, é

possível obter uma representação gráfica mais adequada a esta função

utilizando o ZoomFit28 (figura 6.36).

Fig. 6.36 - Gráfico de f na janela ZoomFit

No entanto, este processo não funciona se ultrapassarmos, por exemplo,

os limites da representação de números na máquina. Assim, se considerarmos

a função ( ) 1110 20 +−= − xxg , o gráfico apresentado será sempre a recta de

equação 1=y , uma vez que 110 20 −− x é calculado como zero a não ser que

x seja muito grande.‡

6.7.3 Razões da utilização da derivada simétrica

Tendo em consideração os exemplos anteriores, porque se utiliza a

derivada simétrica (também designada fórmula das diferenças centradas) em

vez da derivada usual? A proposição seguinte permite perceber que a

utilização da derivada simétrica, de um modo geral, permite obter melhores

aproximações.

28 No caso da Casio CFX – 9850, Zoom Auto.

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170

Proposição 6

Seja I um intervalo aberto, ℜ→If : uma função de classe 3C e Ia∈ .

Seja ainda h um número positivo tal que Ihaha ∈+− , . Então:

1. ( ) ( ) ( ) ( )hfh

h

afhafaf ξ−

−+= ''

2' , para um certo [ ]hahak +−∈ξ , .

2. ( ) ( ) ( ) ( )hfh

h

hafhafaf ξ−

−−+= '''

62'

2

, para um certo [ ]hahak +−∈ξ , .

Estas fórmulas são clássicas e deduzem-se a partir da fórmula de Taylor.

A regra de derivação numérica correspondente à expressão 1 é exacta se

f for um polinómio de grau não superior a 1 e a regra de derivação numérica

correspondente à expressão 2 é exacta para polinómios de grau não

superior a 2.

De um modo geral, a proposição 6 significa que, cada vez que se reduz,

por exemplo, para metade o valor de h , é de esperar que o erro da primeira

aproximação seja cerca de metade do anterior, enquanto o erro da segunda

aproximação se deverá reduzir a 41 do que era. Em contrapartida a segunda

fórmula não utiliza o valor de ( )xf , o que pode conduzir, como já vimos, a

situações absurdas de se obter um valor numérico para a derivada de uma

função num ponto onde essa função não é sequer contínua.

Um outro problema que surge aquando da derivação numérica na

calculadora são os erros de arredondamento que podem surgir no cálculo de

ha + , ha − , ( )haf + e ( )haf − . Vejamos o que se passa no caso da fórmula

( ) ( )h

hafhaf

2

−−+. Quando se efectuam os cálculos, a calculadora não

determina ( )haf + e ( )haf − mas sim as aproximações ( ) 1δ++ haf e

( ) 2δ+− haf . Então, aquilo que é efectivamente calculado é

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171

( )( ) ( ) ( ) ( )

hh

hafhaf

h

hafhafaf

222'~ 2121 δ−δ

+−−+

=δ−−−δ++

= ,

substituindo na segunda expressão obtemos

( ) ( ) ( )hfh

hafaf ξ−

δ−δ−= '''

62'~

'2

21 .

Assim, quando 0→h , a última parcela converge para zero, mas tal não

acontece, em geral, com a segunda parcela. O problema dos erros de

arredondamento assume particular importância neste contexto porque ocorre

cancelamento subtractivo já que ( ) ( )hafhaf −≈+ para h pequeno.

Na prática, verifica-se que em cada caso concreto, existe um valor óptimo

de h abaixo do qual a aproximação começa a piorar, até se atingir um ponto

em que, do ponto de visto numérico, aha =± e então a aproximação da

derivada é sempre calculada como zero. Esta situação pode ser ilustrada pelo

exemplo seguinte ([65] p. 50):

Exemplo 6

Consideremos a função ℜ→ℜ:f definida por

( ) 1125 3 +π+= xxxf .

Sabemos que ( ) π=0'f . Calculemos, para diversos valores de h , os valores

de ( )hd , aproximação da derivada de f em zero e ( )he , o módulo do erro

dessa aproximação, através das expressões:

( ) ( ) ( )h

hfhfhd

2

00 −−+= e ( ) ( ) ( ) ( )0'

2

00f

h

hfhfhe −

−−+= .

Os resultados obtidos (através da Texas TI - 83) encontram-se na tabela

6.3 (note-se que 8981415926535.3≈π , estando a negrito os algarismos

correctos).

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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h ( )hd ( )he 110− 4.391592654 1.25

210− 3.154092654 21025.1 −×

310− 3.141717654 410250000052.1 −×

410− 3.141593904 6102502102.1 −×

510− 3.141592668 81044102.1 −×

610− 3.141592675 81014102.2 −×

710− 3.1415928 710464102.1 −×

810− 3.1415915 6101535898.1 −×

910− 3.141595 6103464102.2 −×

1010− 3.1418 410073464102.2 −×

1110− 3.1405 3100926536.1 −×

1210− 3.12 21015926536.2 −×

1310− 0 3.141592654

1410− 0 3.141592654

1510− 0 3.141592654

1610− 0 3.141592654

Tabela 6.3 - Alguns valores de ( )hd e ( )he

Uma outra forma de calcular ( )hd , podia ser através da função nDeriv,

fazendo variar o valor de h (figura 6.37).

Fig. 6.37 – Gráfico obtido na Texas TI - 83

Como podemos observar na tabela, para os valores de h tabelados, até

510− , o erro da derivação numérica diminui (a melhor aproximação que se

obtém tem 8 algarismos significativos), mas depois começa a aumentar, até

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Sucessões e Funções

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

173

que se obtém sempre o valor de 0, a partir de ε≤= −1310h como aproximação

da derivada. É conveniente alertar os alunos para o facto de que a derivação

incorporada na calculadora é apenas aproximada e que o valor obtido com

310−=h é suficiente para a maioria da utilizações práticas. Neste caso,

obtínhamos

Fig. 6.38 – Gráfico obtido na Texas TI - 83

ou seja, uma aproximação apenas com 4 algarismos.‡

6.8 Convergência de séries

Já referimos anteriormente que em ambas as calculadoras utilizadas

neste trabalho tem-se que 99

min 10−=N . Perante este facto, o valor da sucessão

nun

1= , para 9910>n , é sempre igual a zero. Assim sendo, a série harmónica

divergente ∑∞

=1

1

n n ([65] p. 15), seria convergente uma vez que tem os termos

todos nulos a partir de uma certa ordem. Então, como na calculadora toda a

série ∑∞

=1nnu com 0→nu é convergente, poderemos afirmar que a calculadora

“transforma” a condição necessária para uma série ser convergente, numa

condição suficiente. ‡

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