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O que é Calatonia? CALATONIA: é uma metodologia de trabalho de abordagem psicossomática, que traz uma contribuição ao uso do corpo em psicoterapia, conciliando a noção de equilíbrio de mente e corpo. Surgiu da proposta de Pethö Sándor (1969), visa obter a descontração muscular e, paralelamente, fazer a pessoa alcançar um estado de tranqüilidade e introspeção. O termo deriva do verbo grego "Khalaó" e significa: relaxamento, afastar-se do estado de ira, fúria, violência, abrir uma porta, desatar amarras, deixar ir, perdoar os pais, retirar o véu dos olhos. DESCRIÇÃO DO MÉTODO: o relaxamento do paciente é alcançado pelo terapeuta através de estímulos monótonos, oferecidos por meio de toques suaves e seqüenciais nos dedos dos pés, no calcanhar, na convergência tendinosa do tríceps sural da região posterior da perna (barriga da perna). O paciente fica deitado em decúbito dorsal, com os braços estendidos ao longo do corpo e de olhos fechados, de preferência. Maria Rosa Spinelli é Psicóloga Clínica e Diretora Cientifica da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática - Regional São Paulo. A CALATONIA COMO RELACIONAMENTO Paulo Machado Um importante e significativo aspecto subjacente ao método calatônico é o relacionamento que se estabelece entre o terapeuta e o paciente. Como em todo processo terapêutico, a relação que ocorre entre ambas as partes possui duas dimensões, uma consciente e outra inconsciente. Juntamente com a percepção objetiva que tem do paciente, o terapeuta traz consigo uma imagem interior que corresponde à sua própria experiência interna como paciente e que é projetada no paciente, e ocorrendo ainda, reciprocamente, por parte do paciente, a "projeção" na pessoa do terapeuta, de sua configuração interna de "curador". Esta configuração, embora inconsciente, certamente é decisiva na orientação de seu processo, o que provavelmente começou a ocorrer inclusive no momento de escolher a pessoa que lhe auxilia (o terapeuta). No processo da Calatonia, observa-se ainda a vinculação corporal do terapeuta ao paciente durante todo o período de aplicação dos toques, período este em que um amplo envolvimento bi- pessoal se estabelece, produzindo um conjunto peculiar de ressonâncias psico-físicas, com a evocação de sensações e sentimentos e com o "constelar" de imagens internas. Devido à multidimensionalidade do processo que ocorre entre os dois pólos, durante a aplicação da Calatonia, a atitude do terapeuta representa um aspecto importante no decorrer do

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O que é Calatonia?

CALATONIA: é uma metodologia de trabalho de abordagem psicossomática, que traz uma contribuição ao uso do corpo em psicoterapia, conciliando a noção de equilíbrio de mente e corpo. Surgiu da proposta de Pethö Sándor (1969), visa obter a descontração muscular e, paralelamente, fazer a pessoa alcançar um estado de tranqüilidade e introspeção. O termo deriva do verbo grego "Khalaó" e significa: relaxamento, afastar-se do estado de ira, fúria, violência, abrir uma porta, desatar amarras, deixar ir, perdoar os pais, retirar o véu dos olhos.

DESCRIÇÃO DO MÉTODO: o relaxamento do paciente é alcançado pelo terapeuta através de estímulos monótonos, oferecidos por meio de toques suaves e seqüenciais nos dedos dos pés, no

calcanhar, na convergência tendinosa do tríceps sural da região posterior da perna (barriga da perna). O paciente fica deitado em decúbito dorsal, com os braços estendidos ao longo do corpo e

de olhos fechados, de preferência.

Maria Rosa Spinelli é Psicóloga Clínica e Diretora Cientifica da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática - Regional São Paulo.

A CALATONIA COMO RELACIONAMENTO

Paulo Machado

Um importante e significativo aspecto subjacente ao método calatônico é o relacionamento que

se estabelece entre o terapeuta e o paciente.

Como em todo processo terapêutico, a relação que ocorre entre ambas as partes possui duas dimensões, uma consciente e outra inconsciente. Juntamente com a percepção objetiva que tem do paciente, o terapeuta traz consigo uma imagem interior que corresponde à sua própria

experiência interna como paciente e que é projetada no paciente, e ocorrendo ainda, reciprocamente, por parte do paciente, a "projeção" na pessoa do terapeuta, de sua configuração

interna de "curador". Esta configuração, embora inconsciente, certamente é decisiva na orientação de seu processo, o que provavelmente começou a ocorrer inclusive no momento de

escolher a pessoa que lhe auxilia (o terapeuta).

No processo da Calatonia, observa-se ainda a vinculação corporal do terapeuta ao paciente durante todo o período de aplicação dos toques, período este em que um amplo envolvimento bi-

pessoal se estabelece, produzindo um conjunto peculiar de ressonâncias psico-físicas, com a evocação de sensações e sentimentos e com o "constelar" de imagens internas.

Devido à multidimensionalidade do processo que ocorre entre os dois pólos, durante a aplicação da Calatonia, a atitude do terapeuta representa um aspecto importante no decorrer do

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treinamento do método proposto por Pethö Sándor. Para evitar interferências diretivas ou parciais durante a execução dos toques, recomenda-se que se evite a intenção pessoal ou a

mobilização através do EGO durante este período. Pethö Sándor sugeria a evocação de um "terceiro ponto", como um SELF projetado, para onde se direcionaria a atenção psíquica do

terapeuta e de onde proviria o "comando" da relação.

Justamente por esta multidimensionalidade, a relação bipessoal que se estabelece através da Calatonia é muito rica e pode constituir-se numa experiência peculiar se realizada entre casais, ou

mesmo entre amigos ou familiares, surgindo como uma "modalidade" no ato de relacionar-se, evidentemente que após o treinamento e preparo devidos. Neste caso, esta possibilidade apresenta-se também como uma alternativa ao psicoterapeuta, nos enfoques de terapias familiares ou de casais ou ainda nos locais onde os toques não são bem aceitos como procedimento na relação terapeuta – paciente.

CINESIOLOGIA PSICOLÓGICA

INTEGRAÇÃO FISIOPSÍQUICA

FERNANDO NOBRE CORTESE

INTRODUÇÃO

Nossa abordagem, criada e desenvolvida pelo Dr. Petho Sandor (1916-1992), médico e psicólogo

húngaro radicado no Brasil desde 1949, fundamenta-se em uma visão do ser humano como um todo integrado corpo/mente, aproximando-se do que hoje se denomina visão holística. Tenta-se

ainda superar a falsa dicotomia herdada do cientificismo mecanicista que dominou a ciência e cultura ocidentais após o renascimento. Nossa postura filosoficamente encontra fundamentos na

Antigüidade Clássica, e na filosofia oriental.(1) Modernamente, a Física ocidental realizou um enorme salto qualitativo na teoria do conhecimento, ao provar que a redutiva dualidade matéria/energia, ou corpo/mente, ou tempo/espaço, ou sujeito/universo é nada mais do que uma abordagem oriunda da percepção do observador e, portanto, condicionada e limitada pelos seus sentidos e sua consciência.(2)

Esses fundamentos filosóficos e epistemológicos estão presentes na obra teórica e prática de

C.G.Jung. O conceito de inconsciente coletivo universaliza o homem e liberta-o das limitações dos parâmetros da consciência egóica, abrindo novas dimensões espaciais e temporais. A postura de

Jung, calcada também na Fenomenologia, busca escapar dos condicionamentos mentais pré-estabelecidos, numa relação mais integral com paciente e com o conhecimento. "Tento, tanto

quanto possa, não ter idéias pré-concebidas e não usar métodos já prontos e ter a idéia de que, eu mesmo, determinarei meu método; procederei da forma como sou."(CGJ)

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Podemos citar: Sócrates - "Conhece-te a ti mesmo"; Platão - "A idéia origina o ser"; Heráclito - "Tudo flui...Tudo provm do Logos"; entre os egípcios, Hermes Trimegistros - "Sob as aparências do

Universo, do Tempo, do Espaço, e da Mobilidade, está sempre encoberta a Realidade Substancial: a Verdade Fundamental"- "O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo

é como o que está em cima"; para os orientais "A unidade de vida e consciência é o Tao" como mostra Jung em "O segredo da Flor de Ouro" (2)Veja indicações bibliográficas no final.

Sándor assumia a visão de homem e postura de Jung. Ao já conhecido trabalho verbal com os

conteúdos psíquicos, acrescentou o trabalho corporal. Jung, embora não trabalhasse corporalmente os pacientes, utilizava com liberdade técnicas como pintura, música, extrapolando padrões fixos, "setting", e horários.

Encontramos, porém, em Jung muitas citações que mostram como em sua observação da

dinâmica psicológica, o dinamismo corporal está presente, e desafia nossa ciência atual a integrá-los. "Corpo e psique são os dois aspectos do ser vivo, isso é tudo o que sabemos. Assim prefiro

afirmar que os dois agem simultaneamente, de forma milagrosa, e é melhor deixar as coisas assim, pois não podemos imaginá-las juntas. Para meu próprio uso cunhei um termo que ilustra

essa existência simultânea; penso que existe um princípio particular de sincronicidade ativa no mundo, fazendo com que os fatos de certa maneira aconteçam juntos como se fossem um só,

apesar de não captarmos essa integração".(1)

Wilhem Reich, de onde provém também parâmetros para nossa abordagem, localizava o psíquico no corpóreo, sendo o toque corporal fundamental em seu trabalho de diluição das couraças musculares e de caráter e liberação da energia reprimida.

Em J.H.Schultz e seu Treinamento Autógeno, Sandor resgatou a idéia da "psicoterapia organísmica" e do "recondicionamento físio-psíquico". Como Sandor, Schultz desenvolveu com pacientes de um hospital durante a guerra formas práticas de atuar sobre o organismo

fisiopsíquico facilitando o reequilíbrio e reorganização desse organismo em um ritmo mais integrado. Enquanto Schultz utilizou estímulos sonoros verbais para conseguir essa "comutação" de estado fisiopsíquico, Sandor desenvolveu estímulos cutâneos para o mesmo fim - a Calatonia.(2)

Nosso trabalho corporal visa, em várias dimensões, reintegrar o paciente consigo mesmo. Em primeiro lugar, o trabalho corporal reconecta o homem com sua natureza mais imediata , o corpo

físico, origem do eu corporal, fornecendo sensações e informações que orientam o indivíduo se eles as observa adequadamente. Nesse sentido, o trabalho corporal atua como um instrumento

de profilaxia da saúde, permitindo a reorientação do cuidado consigo.

(1)Jung, "Fundamentos da Psic. Analítica" - Vozes - parágrafo 69

(2)Sándor, "Técnicas de Relaxamento"- Vetor

Nas formas em que atuamos - calatonia, reajustamento dos pontos de apoio, toques sutis - o

trabalho proporciona uma peculiar comutação fisiopsíquica que conduz a um estado alterado de consciência, uma espécie de mudança na faixa de funcionamento do ego na vigília cotidiana, com sensações e imagens próprias desta outra faixa. Isto permite o experienciar de conteúdos

distintos dos habituais. Essa vivência ajuda no descondicionamento do ego, no ultrapassar

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aquelas categorias de pensamentos, sentimentos e sensações padronizados e inculcados pela cultura de massa em que estamos envolvidos. Há aqui uma possibilidade de contato mais

profundo e autêntico com aspectos do nosso Eu inconsciente, o centro da personalidade chamado Self por Jung. Essa reconexão é fundamental para que o homem possa orientar seu trajeto de

individuação no sentido de realizar o potencial presente no Self, no Si Mesmo, encoberto e distorcido em nossa cultura pelos condicionados e desequilibrados desejos e aspirações do ego. O

ego quer realizar-se mas o Self quer realizar-SE, isto é, cumprir a destinação daquele organismo individual de participar harmoniosa e integradamente dAquele Organismo maior de que faz parte. A psique consciente do homem atual padece de uma deformação característica de nossa cultura - a inflação do ego - que exorbitando sua função original almeja controlar e determinar o processo do Ser.

Essa é uma grave ilusão - o homem não pode controlar a Natureza, física ou psíquica - nem

mesmo pode compreendê-la totalmente - ele é parte dela e funciona de acordo com suas leis - como disse Jung, o inconsciente é que determina se vou conseguir pronunciar(ou escrever) a

próxima palavra. Essa ilusão do homem atual tem sérias conseqüências - a Natureza física e psíquica ressente-se de sua ação unilateral e predatória, e mostra os desequilíbrios resultantes.

Essa reaproximação do paciente com sua Natureza é propiciada por vários elementos. Deitar-se,

despojar-se das roupas, fechar os olhos, já configura simbólica e fisiológicamente uma alteração do ritmo de funcionamento corpóreo e psíquico. Entregar-se ao toque proposto e deixar as

percepções serem vivenciadas permite a experiência dos conteúdos das camadas mais interiores. E o estímulo do toque, ao trazer descontração muscular, reequilibro das funções respiratória,

circulatória e outras, complementa a criação do campo fisiopsíquico propiciador dessa experiência.

O tipo de toque que utilizamos busca essa característica não condicionada, não habitual, mais arcaica - por exemplo, toques nas plantas dos pés ou ao longo do coluna vertebral - bem como configurações grupais primitivas, que evocam o arquétipo - o círculo, as mãos dadas, a dança, a emissão de sons primordiais(A).

O campo fenomenal onde se dá o trabalho corporal é criado pela interação terapeuta/paciente, constelando o arquétipo de cura e configurando um "vaso hermético" onde a energia

fisiopsíquica mobilizada operará as transmutações e transformações em ambos.

A terapia organísmica necessita de uma atitude interna do terapeuta de entrega ao processo e soltura em relação a idéias e intenções pré-concebidas. Também ele tem que dar-SE. O que ocorre

é um processo que confronta, intercambia, integra e transcende os dois, terapeuta e paciente, ao constelar o terceiro ponto, aquela energia de síntese que provem do Eu inconsciente - Self.

O terapeuta move-se mais no eixo sensação/intuição, ao observar seu paciente, ouvi-lo com a ponta dos dedos e deixar que as impressões vindas do inconsciente através da função intuitiva configurem o trabalho a ser realizado. Pensamentos e sentimentos, demais condicionados socialmente, participam menos nesse momento e mais na elaboração posterior.

O corpo revela e desvela o universo interior através do toque. Atua o sistema nervoso vegetativo, ou autônomo(isto é, independente da consciência). "Há evidências singulares a respeito da participação dos diversos segmentos do sistema vegetativo na formação de imagens, e da

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importância do cerebelo na coordenação dos fragmentos delas. Parece que cada viscerótomo, neurótomo, miótomo, ou dermátomo condiciona certas qualidade ou certa intensidade de

dinamismo psíquico que tende a se manifestar como imagem em certas etapas do trabalho aferente ou eferente."(Sandor).

"Experimentando o emergir das imagens calatônicas, suas transformações, sobreposições ou

fusões entre si, percebe-se o seu dinamismo integrador e ainda outro fato bastante peculiar: a finalidade inerente, isto é, elas surgem com aquele conteúdo que para os problemas

momentâneos do paciente é o mais indicado, abrangendo as áreas necessárias e - como Jung diria - "constelam" as respectivas esferas vivenciadas, as potencialidades". (Sandor).

Observar atentamente esse processo que ocorre através do trabalho corporal é muito importante para o desenvolvimento psicológico. Na verdade essa observação atenta de si é a função religiosa

da psique (religião=relegere) na acepção de Otto que Jung incorporou para descrever a religião como um instinto psicológico e o seu não atendimento como origem dos desequilíbrios físicos e

psíquicos da segunda metade da vida. Religião é observar-SE e trabalho corporal cria condições para isso.

Este texto é usado como material didático no I ano do curso de Cinesiologia do Instituto Sedes

Sapientiae.

Indicações Bibliográficas Básicas

Sobre Integração Fisiopsíquica:

Sandor, Petho - "Técnicas de Relaxamento"- Vetor

Farah, Rosa - "Integração Psicofísica - Cia, Ilimitada

Delmanto, Suzana - "Toques sutis" - Summus

Sobre Psicologia Analítica:

Jung - "Fundamentos da Psicologia Analítica"- "A Natureza da Psique"- " Práticas da Psicoterapia" - "Psicologia e Religião Oriental"- Vozes

"Memórias, Sonhos, Reflexões"- Nova Fronteira

Silveira, Nise - "Jung: Vida e Obra"- José Álvaro Ed.

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Sobre Trabalho Corporal e Psicologia:

Schultz, J.H. - "Treinamento Autógeno"-

Reich, Wilhem - "A Função do orgasmo"- Martins Fontes

Gaiarsa, J. - "Reich-1980"- Agora

Mindell, A .- "O Corpo Onírico"- Brasiliense

Brennan, Bárbara - "Mãos de Luz"- Pensamento

Montagu, A .- "Tocar: o Significado Humano da Pele"- Summus

Sobre os novos paradigmas da Ciência:

Sousa, W. - "O Novo Paradigma" - Cultrix

Capra, Fritjof - "O Tao da Física" - Cultrix

Toben e Wolf - "Espaço-Tempo e Além" - Cultrix

Von Franz,M.L. - "O Homem e seus Símbolos" - Aguilar

Brennan, B.- "Mãos de Luz" - Pensamento

Sobre Anatomia e Fisiologia

Jacob e Francone: "Anatomia e Fisiologia Humana" - Guanabara

Calais-Germain,B. - "Anatomia para o movimento" - Manole

Sobre Filosofia:

Vita, Luís W. - "Pequena História da Filosofia - Saraiva

Gaarder, J. - "O Mundo de Sofia" - Cia das Letras

AS IMAGENS CALATÔNICAS

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Paulo Machado

Uma importante e comum observação que decorre da vivência da Calatonia corresponde às imagens, que surgem espontaneamente durante o processo.

Estas imagens, que também podem emergir em outros exercícios, num estágio intermediário entre a vigília e o sono, e que na Calatonia se acrescenta, conforme a referência de PETHÖ (1974), na "mobilização de componentes epicríticos e protopáticos" através da sucessão "sutil e monótona" de estímulos nas extremidades inferiores ou superiores, correspondem a condensações projetivas, inclusive aquelas cujos conteúdos ainda não podem ser descritos ou que não atingiram a amplitude para uma descrição simples através de palavras e que, na medida em que não forem intencionalmente provocadas, direcionadas ou reduzidas a procedimentos interpretativos, possuem o mesmo valor simbólico que as imagens oníricas.

Tais imagens, embora referindo-se a uma expressão subjetiva que emerge durante o processo de relaxação, correspondem, conforme a observação de PETHÖ, a uma realidade psíquica, e assim constituem-se de imenso valor e ajuda para a compreensão do inconsciente e no

desenvolvimento da psicoterapia.

PETHÖ chama a atenção, ainda, para o dinamismo integrador das imagens calatônicas e refere-se à "finalidade inerente" das mesmas, ou seja, à extraordinária correspondência de tais imagens

com a necessidade momentânea do paciente.

A observação sistemática das referidas imagens pelo psicoterapeuta, acrescentadas ao processo da análise juntamente com as correspondências corporais (recondicionamento psicofísico) que se verificam, constituem-se numa composição integrativa que, apoiados na base da Psicologia Junguiana, delimitam um novo método terapêutico e certamente constituindo-se, o referido conjunto, numa importante contribuição para o próprio desenvolvimento da psicologia profunda.

O Corpo em Jung (1)

Rosa Maria Farah

(Revista "Hermes" no. 1)

Ainda hoje, mesmo entre terapeutas junguianos, podemos por vezes observar algumas reações de surpresa ao mencionarmos a aplicação das técnicas de trabalho corporal associadas à

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Psicologia Analítica de C.G. Jung. Tal fato deve-se apenas em parte à maior divulgação em nosso meio das abordagens corporais derivadas do trabalho de Reich e seus seguidores (a

Bioenergética, por exemplo), ou mesmo das chamadas formas "alternativas" de intervenção terapêutica.

Embora existam razões históricas mais complexas para que os processos corporais

permanecessem até então aparentemente à parte das considerações dos psicoterapeutas não é nosso objetivo aqui detalhar tais razões(2). Vamos mencionar apenas como ilustração destes

fatores a polêmica estabelecida - dentro do próprio meio psicanalítico - pelas contestações apresentadas por Reich: Conforme sabemos, suas críticas foram dirigidas não apenas a alguns dos postulados teóricos e metodológicos da Psicanálise. As próprias estruturas de poder subjacentes às instituições acadêmico-científicas também foram alvo direto de sua análise. A partir daí, o posicionamento científico de Reich passou a ser conhecido de forma inseparavelmente associada

à sua atitude contestadora.

A polêmica resultante da repercussão de suas propostas contribuiu em grande parte para Reich passar à História da Psicologia como sendo um contestador pioneiro, especialmente no assunto

referente à consideração dos processos corporais na busca de compreensão dos dinamismos psicológicos.

Não se pretende aqui entrar em detalhes sobre os aspectos inovadores de sua obra, embora o

tema seja de extremo interesse e valia para uma maior compreensão da evolução da Psicologia ocidental. Nossa intenção inicial é chamar a atenção para o fato de a polêmica envolvendo a história do corpo na Psicologia não ter se originado com as proposições de Reich e seus seguidores.

Em "Tocar, Terapia do Corpo e Psicologia Profunda", McNeely(3), terapeuta junguiana, apresenta um esclarecedor apanhado histórico sobre aqueles que considera como pioneiros da

somatoterapia(4).

"Considero pioneiros da somatoterapia Freud, Sandor Ferenczi, Alfred Adler, Groddeck, Wilhelm

Reich e Jung. Eles foram naturalmente influenciados por outros: Nietzsche, Kretschmer, Krafft -Ebing, Schiller, antropólogos, etc.

Começo por estes seis terapeutas porque sua principal preocupação com relação ao corpo foi a

distribuição da energia (conforme se vê principalmente na teoria dos impulsos). Descobre-se que nesta matéria eles estiveram juntos, discordaram e, por fim, se separaram." (5)

Estamos destacando aqui um elemento fundamental para a compreensão sobre a evolução da atenção dada ao corpo na história da Psicologia ocidental: as dificuldades para o equacionamento da relação corpo-mente não provêm apenas da complexidade inerente aos processos psicofísicos envolvidos. Se mesmo em nossos dias nos defrontamos ainda com muitos obstáculos - fruto de preconceitos determinados ainda pelo espírito de nossa época - para o desenvolvimento de certos níveis do nosso trabalho, o que não estaria então ocorrendo naqueles tempos e lugares, no

âmbito acadêmico onde viveram e trabalharam os pioneiros da Psicologia Profunda? Vejamos o pensamento de McNeely a respeito.

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"A resistência da sociedade para com aquilo que se revelava foi impressionante. Freud e seus colegas estavam descobrindo que a moralidade e a neurose relacionavam-se. De algum modo, a

energia da unidade mente-corpo era capaz de direcionar-se mal, transformando-se em sintomas físicos, dizendo realmente que um corpo doente ou perturbado indica uma psique perturbada

que necessita de cura. Esta não era uma mensagem popular." (6)

Não nos parece necessário detalhar neste momento a apresentação de elementos demonstrativos do aspecto polêmico da consideração do corpo na Psicologia.

Esses breves comentários têm por finalidade apenas situar e destacar o fato que, em época idêntica à mencionada por McNeely - e portanto em meio ao mesmo clima descrito -, C. G. Jung

ter sido um dos pioneiros a abrir caminhos para uma nova forma de abordagem da questão da integração corpo-mente. Cada pesquisador de então, de forma pessoal, desenvolvia não apenas

uma teoria, pois, conforme palavras do próprio Jung,

"Todo psicoterapeuta não só tem o seu método: ele próprio é esse método." (7)

A maneira escolhida por Jung para expressar suas considerações sobre a questão do paralelismo psicofísico, parece-nos, foi intencionalmente parcimoniosa. Talvez mesmo cautelosa, especialmente quando perguntado diretamente a respeito, tal como consta nos relatos da

primeira e segunda conferências que proferiu em Londres, 1935, transcritas em Fundamentos de Psicologia Analítica (8).

Tal atitude, embora possa parecer contraditória com outros momentos ousados de sua obra, devia-se muito mais ao fato de ser ele um homem consciente do risco representado pela atitude de pôr-se em confronto direto com a forma de pensar da época. Em suas memórias, a certa altura, diz textualmente:

"Percebi que é inútil falar aos outros sobre coisas que não sabem. Compreendi que uma idéia

nova, isto é, um aspecto inusitado das coisas só se afirma pelos fatos." (9)

Parece-nos ter Jung escolhido um outro caminho, em lugar de participar da polêmica reinante a respeito do tema corpo: a observação e registro dos fatos tal como se lhes apresentavam. E

então, quando assim lhe foi possível apresentar suas idéias - isto é, corroboradas por demonstrações fatuais - não deixou de apresentá-las de modo assertivo.

A obra de Jung poderá surpreender o leitor disposto a localizar suas inúmeras menções à correlações psicofísicas. Porém mais esclarecedor do que qualquer argumento aqui apresentado será a própria constatação desse fato, por meio de uma consulta direta à fonte.

Sobre o material escolhido para a pesquisa

Para realizar esta pequena pesquisa procuramos selecionar, na obra de Jung, algum material

adequado ao objetivo expresso no título deste artigo: ilustrar a maneira direta e explícita com que este autor faz referências a processos corporais, mencionando-os como componentes

intrinsecamente interligados aos dinamismos psíquicos.

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Localizar e destacar tais referências parece-nos uma maneira bastante clara e objetiva de ilustrar um aspecto de fundamental interesse na Psicologia junguiana: o fato de que a maneira utilizada

por Jung para mencionar o dado corporal, já deixava implícita a possibilidade de vir a se desenvolver uma

forma "junguiana" de abordagem do corpo em Psicologia. Um texto em especial foi então

escolhido: Trata-se da edição das conhecidas "Conferências de Tavistock", uma espécie de introdução, didaticamente organizada, ao pensamento de Jung.

Esta obra, conforme já mencionamos, compõe-se do relato de cinco conferências proferidas por Jung em Londres em 1935. Na edição brasileira, aparece sob o título Fundamentos de Psicologia

Analítica (10).

Uma das razões motivadoras de nossa escolha por esse texto é o fato de, mesmo sendo dirigida a psicoterapeutas, a apresentação da Psicologia Analítica ser ali realizada em termos introdutórios.

Assim, os principais conceitos e idéias de Jung são expressos de forma abrangente e clara, sem perder a autenticidade garantida pelo fato ser o próprio autor quem os expõe.

Procedimento utilizado

A prática adotada em nossa pesquisa foi a seguinte: elaboramos um esquema referente a cada conferência, para ser utilizado como uma espécie de roteiro de leitura. Esse esquema colocou em destaque os principais conceitos e idéias apresentados e/ou comentados por Jung ao longo de suas falas. Na seqüência, destacamos os trechos correspondentes, em cada parágrafo do texto, aos momentos em que o autor expressou algum tipo de relação ou paralelo entre os processos psicofísicos.

Foi possível assim observar diferentes níveis ou tipos de menções ao corpo (e/ou seus processos) sendo expressas nas falas de Jung: em alguns momentos trata-se literalmente de uma relação

formulada pelo autor, no real sentido do termo. Em outros, consiste numa hipótese, uma simples menção ao corpo ou,

ainda, uma exemplificação de algum processo ou fenômeno corporal. Optamos por incluir todos

os tópicos voltados a nossa finalidade - destacar menções ao dado corporal -, sem nos preocuparmos em discriminar, generalizar ou classificar o tipo de consideração feita em cada

momento.

Citações ilustrativas sobre os dados coletados

Antes de passarmos às citações desejamos deixar clara a idéia de que estas ilustrações não

pretendem tornar prescindível a leitura (ou releitura) do texto integral. Ao contrário, esperamos que esta apresentação sirva de estímulo à sua consulta do original. Porém existe uma razão para adotarmos

esta forma - a citação - e não apenas a menção aos parágrafos e trechos pertinentes: a visão

conjunta dos textos selecionados fornecerá ao leitor, em nossa forma de entender, uma percepção diferenciada dos elementos assim destacados no pensamento de Jung.

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1. Falando sobre a relação consciente <--> inconsciente (11):

"A consciência é sobretudo o produto da percepção e orientação no mundo externo, que provavelmente se localiza no cérebro e sua origem seria ectodérmica. No tempo de nossos

ancestrais essa mesma consciência derivaria de um relacionamento sensorial da pele com o mundo exterior. É bem possível

que a consciência, derivada dessa localização cerebral, retenha tais qualidades de sensação e

orientação." (12) # 14

2. Ao falar sobre o ego e sua relação com a consciência:

"E o que seria o ego?

É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória.(...) Esses dois fatores são os principais componentes do ego, que nos possibilitam considerá-lo como um complexo de fatos psíquicos. A força de atração desse

complexo é poderosa como a de um imã: é ele que atrai os conteúdos do inconsciente, daquela região obscura sobre a qual nada se conhece. Ele também chama a si impressões do exterior que se tornam conscientes ao seu contato. Caso não haja este contato, tais impressões permanecerão

inconscientes." # 18

3. Diferenciando afeto e sentimento:

"O problema está apenas numa questão de grau. Se houver um valor obsessivamente forte, sua tendência é tornar-se uma emoção num dado momento, ou seja, quando atingir a intensidade suficiente para causar uma enervação fisiológica. Todo processo mental provavelmente causa ligeiras enervações

deste tipo, e são realmente tão pequenas que não há meios de demonstrá-las(13).

Existe, entretanto, um método bastante sensível de registrar as emoções em suas manifestações

fisiológicas; trata-se do efeito psicogalvânico(14). Baseia-se na diminuição da resistência elétrica da pele sob influência emocional, o que não se dá sob influência do sentimento." (15) # 48

4. Falando a respeito da relação corpo-mente:

"A relação corpo-mente constitui um problema extremamente difícil. Pela teoria de James-Lange,

o afeto é resultado de alteração fisiológica. A pergunta: Corpo ou psique é fator preponderante? sempre será respondida segundo diferenças temperamentais. Aqueles que por temperamento preferem a

teoria da supremacia do corpo afirmarão que os processos mentais são epifenômenos da química fisiológica. Os que acreditam mais no espírito adotarão a tese contrária: o corpo é apêndice da mente e a causalidade reside no espírito. A questão tem aspectos filosóficos e por não ser filósofo

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não posso arrogar a mim a decisão. Tudo o que se pode observar empiricamente é que processos do corpo e processos mentais desenrolam-se simultaneamente e de maneira totalmente

misteriosa para nós. É por causa de nossa cabeça lamentável que não podemos conceber corpo e psique como sendo uma única coisa. A Física moderna está sujeita à mesma dificuldade:

atentemos para o que acontece com a luz! Comporta-se como se fosse composta de oscilações e ainda formada por corpúsculos. Foi necessário uma fórmula matemática muito complexa, cujo

autor é M. de Broglie, para auxiliar a mente humana a conceber a possibilidade de corpúsculos e oscilações serem dois fenômenos que formam uma única e mesma realidade(16). É impossível pensar isso, mas somos obrigados a admiti-lo como postulado.

"Do mesmo modo o chamado paralelismo psicofísico forma um outro problema insolúvel. Tome-se por exemplo o caso da febre tifóide e suas contaminações psíquicas; se os fatores psíquicos forem confundidos com uma causalidade atingiríamos conclusões absurdas. O máximo que se

pode afirmar é a

existência de certas condições fisiológicas que são claramente produzidas por doenças mentais, e outras que não são causadas, porém meramente acompanhadas de processos psíquicos. Corpo e

psique são os dois aspectos do ser vivo, e isso é tudo o que sabemos. Assim prefiro afirmar que os dois

elementos agem simultaneamente, de forma milagrosa, e é melhor deixarmos as coisas assim,

pois não podemos imaginá-las juntas. Para meu próprio uso cunhei um termo que ilustra essa existência simultânea; penso que existe um princípio particular de sincronicidade(17) ativa no mundo, fazendo com que fatos de certa maneira aconteçam juntos como se fossem um só, apesar de não captarmos essa integração. Talvez um dia possamos descobrir um novo tipo de método matemático, através do qual fiquem provadas essas identidades. Mas atualmente sinto-me totalmente incapaz de afirmar se é o corpo ou a psique que prevalece." # 69/70

5. Ao final da segunda conferência, um dos presentes retoma, na forma de novo questionamento, a discussão do paralelo psicofísico (# 135). Pode-se perceber, na colocação da pergunta a tentativa de cobrar de Jung a retomada da análise de um sonho por ele realizada em outro contexto. A partir da

interpretação do mencionado sonho, Jung teria identificado a base orgânica da doença do sonhador, conforme é relatado na nota 33, pág. 60 do texto original. Dr. Bion pergunta, então, se

Jung coloca apenas como uma analogia os paralelos entre as formas arcaicas do corpo e da mente ou se ele percebe uma relação mais profunda entre elas. A íntegra das respostas de Jung abrange

várias páginas, motivo pelo qual novamente recomendamos uma consulta ao texto original(# 135 a 144). Como ilustração da cautela adotada por Jung frente à questão citaremos aqui alguns

trechos dessa sua fala.

"O senhor voltou novamente ao problema do paralelo psicofísico, ponto extremamente controvertido, sem resposta, pois está fora do conhecimento humano. Como tentei explicar ontem, as duas coisas acontecem juntas, de maneira peculiar, e são, creio, dois aspectos

diferentes apenas para a nossa

inteligência, e não na realidade. Nós as concebemos como duas formas devido a nossa total incapacidade de concebê-las juntas." # 136

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"O caso mencionado pelo senhor foi o do pequeno mastodonte. Explicar o que o mastodonte significa de orgânico e por que devo tomar tal sonho como sintoma fisiológico desencadearia uma

tal polêmica que os senhores acabariam por me acusar de obscurantismo. Tais coisas são realmente obscuras, e eu teria de falar da mente básica, que pensa por meio de padrões

arquetípicos. Quando falo de tais padrões, aqueles que têm consciência deles entendem, mas os outros podem acabar pensando assim: 'Esse sujeito é completamente louco, pois se preocupa

com diferenças entre mastodontes, cobras e cavalos'. Eu deveria dar-lhes um curso de aproximadamente quatro semestres sobre simbologia para que os senhores conseguissem seguir o que eu digo." # 138

"Quando ouvem o que digo, costumam dizer: é passe de mágica. Também se pensava assim na Idade média e se perguntava: Como se pode afirmar que Júpiter tem satélites? Se a gente responder que é pelo telescópio, o que representará isso para um público medieval?." # 139

"Não quero me superestimar por isso; fico sempre perplexo quando meus colegas perguntam:

Como você estabelece um diagnóstico desses ou chega a tal conclusão? Respondo normalmente: Explico, se você me permitir dizer o que você deve fazer a fim de entendê-lo." # 140

6. Ao discorrer sobre os complexos:

"...provavelmente os senhores já observaram que, ao me fazerem perguntas difíceis, não consigo respondê-las imediatamente porque o assunto é importante, e o meu tempo de reação, muito longo. Começo a gaguejar e a memória não fornece o material desejado. Tais distúrbios são devidos a complexos - mesmo que o assunto tratado não se refira a um complexo meu. Trata-se simplesmente de um assunto importante, tudo o que é acentuadamente sentido torna-se difícil de ser abordado, porque esses conteúdos encontram-se, de uma forma ou de outra, ligados com reações fisiológicas, com processos cardíacos, com o tônus dos vasos sangüíneos, a condição dos intestinos, a enervação da pele, a respiração. Quando houver um tônus alto, será como se esse

complexo particular tivesse um corpo próprio e até certo ponto localizado em meu corpo, o que o tornará incontrolável por estar

arraigado, acabando por irritar meus nervos. Aquilo que é dotado de pouco tônus e pouco valor emocional pode facilmente ser posto de lado porque não tem raízes. Não é aderente." # 148

"...O complexo, por ser dotado de tensão ou energia própria, tem a tendência de formar, também

por conta própria, uma pequena personalidade. Apresenta uma espécie de corpo e uma determinada quantidade de fisiologia própria, podendo perturbar o coração, o estômago, a

pele.(...) Quando se fala em força de vontade, naturalmente se pensa em um ego. Onde, pois, está o ego, ao qual pertence a força dos complexos? O que conhecemos é o nosso próprio

complexo do ego, que supomos ter o domínio pleno do nosso corpo. Não é bem isso, mas vamos

considerar que ele seja um centro que está de posse do corpo, que exista um foco denominado ego, dotado de vontade e que possa fazer alguma coisa por meio de seus componentes." # 149.

7. Comentando um sonho, Jung estabelece relações entre imagens oníricas e estruturas orgânicas

do sonhador. Novamente reproduziremos aqui apenas as correlações estabelecidas. O contexto global poderá ser localizado nos parágrafos 180 a 201 do texto original.

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"...Afirmo - e quando digo isso tenho algumas razões para fazê-lo - que representações de fatos psíquicos através de imagens como cobra, lagarto, caranguejo, mastodonte ou animais

semelhantes também representam fatos orgânicos. A serpente, via de regra, representa o sistema raquidiano

(cérebro espinhal), particularmente o bulbo e a medula. O caranguejo, por outro lado, sendo

dotado apenas de um sistema simpático, representa as funções relativas a esse sistema nervoso, mais o parassimpático, ambos localizados no abdômen. O caranguejo é uma coisa abdominal.

Então, se

traduzirmos o texto do sonho, poderemos ler: se você continuar assim, seu sistema simpático e

raquidiano voltar-se-á contra você, e aí não haverá como fugir. E é bem isso o que está acontecendo. Os sintomas de sua neurose expressam a rebelião das funções simpáticas e do

sistema raquidiano contra a

sua atitude consciente." # 194(...)

"Eis como se comportam as pessoas que só têm cabeça. Usam o intelecto, a fim de afastarem as coisas por meio de um raciocínio qualquer. Dizem: Isso é insensato, portanto, não pode ser, portanto, não é. É assim que faz o nosso amigo. Ele simplesmente abole o monstro através do

raciocínio." # 199

8. Comentando um sonho de criança Jung menciona outras relações entre símbolos presentes no conteúdo onírico e estruturas orgânicas da sonhadora. Os conteúdos envolvidos são: a) uma roda de fogo despencando morro abaixo ameaçando queimar a sonhadora; b) uma barata picando a sonhadora.

"A barata segundo penso, relaciona-se ao sistema simpático. Daí ser possível calcular que haja certos processos psicológicos estranhos desenrolando-se na criança, que afetam esse sistema, o

que poderá provocar-lhe alguma desordem abdominal ou intestinal. A afirmação mais cautelosa que nos podemos permitir é a de que pode ter havido um certo acúmulo de energia no sistema

simpático, causando ligeiros distúrbios. O que também é expresso pela simbologia da roda de fogo, que em seu sonho parece surgir como um símbolo solar, correspondendo o fogo, na filosofia

tântrica, ao chamado manipura chacra,

que se localiza no abdômen. Nos sintomas prodrômicos da epilepsia, às vezes encontramos a idéia de uma roda que gira no interior da pessoa. Isto também expressa uma manifestação duma natureza simpática. A imagem da roda que gira lembra a crucifixão de Ixion. O sonho da garotinha é um sonho arquetípico, um desses estranhos sonhos que as crianças costumam ter." # 203

9. Ao falar sobre o caráter emocional da transferência:

(...)"As emoções não são manejáveis como as idéias ou os pensamentos, pois são idênticas a

certas condições físicas, sendo, portanto, profundamente enraizadas na matéria pesada do corpo.(...)" # 317

10. Ao falar sobre o caráter contagioso das emoções:

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"A projeção de conteúdos emocionais sempre tem uma influência particular. As emoções são contagiosas, estando profundamente enraizadas no sistema simpático, que tem o mesmo sentido

que a palavra 'sympathicus'.(...)" # 318

11. Mais adiante, ainda tratando do tema transferência, Jung comenta as somatizações possíveis de acometer os terapeutas, causadas pela infeção psíquica decorrente das contínuas projeções a

que estão expostos durante seu trabalho:

"São espinhos do ofício do terapeuta tornar-se psiquicamente infectado e envenenado pelas

projeções às quais se expõe. Tem de estar continuamente em guarda contra a auto-estima excessiva. Mas o veneno não afeta apenas a sua psique. Pode ser que perturbe finalmente o seu

sistema simpático.

Tenho observado um número extraordinário de doenças físicas entre os psicoterapeutas; doenças que não se ajustam à sintomatologia médica conhecida, e que eu atribuo à contínua onda de

projeções da qual o analista não discrimina a sua própria psicologia. A condição emocional particular do paciente exerce um efeito contagioso. Pode-se dizer que ela provoca as mesmas

vibrações no sistema nervoso do paciente e, conseqüentemente, como os alienistas, os psicoterapeutas também são passíveis de tornarem-se um pouco esquisitos. Não deve-mos nunca

esquecer esse fato, pois liga-se profundamente com o problema da transferência." # 356

12. Comentando a eclosão do nazismo na Alemanha - como resultante da ativação de conteúdos arquetípicos -, Jung enfatiza a possibilidade de atuação das forças do inconsciente sobre as estruturas orgânicas. Mais uma vez, devemos ressaltar a recomendação da leitura integral do texto original

para a real compreensão das idéias do autor. Vale lembrar a época destas conferências: entre as duas guerras mundiais (1935).

(...) "Eu já pressentira esse fato em 1918, quando disse que a 'besta loura está se mexendo em seu sono' e alguma coisa vai acontecer na Alemanha(18).

Naquela época, nenhum psicólogo entendeu o que eu queria dizer, pois não entendiam que nossa

Psicologia individual não passa de uma pele bem fina, uma pequena onda sobre um oceano de Psicologia coletiva. O fator poderoso, aquele que muda a vida por completo, que muda a

superfície do mundo conhecido, que faz a História, é a Psicologia coletiva que se move de acordo com leis totalmente diferentes daquelas que regem nossa consciência. # 371(...)

(...)"Não se pode resistir a tal poder. Os acontecimentos escapam a todas as medidas e fogem à capacidade de raciocinar. O cérebro acaba não valendo nada e o sistema simpático é tomado. Ê uma força que simplesmente fascina as pessoas de dentro para fora, é o inconsciente coletivo que está sendo

ativado, um arquétipo comum a todos os que vêm à vida. # 372(...)

13. A platéia apreende, a partir de novos comentários acrescidos sobre a questão anterior, a posição de Jung sobre a neurose enquanto tentativa de autocura e solicita sua confirmação de tal

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entendimento. Em resposta a essa solicitação, Jung apresenta sua percepção dos aspectos positivos das patologias às doenças físicas:

"Participante: Posso dizer então que a irrupção de uma doença neurótica, do ponto de vista do

desenvolvimento humano, é um fator favorável?

Jung: É isso mesmo, e fico contente que esse ponto tenha sido levantado. Meu ponto de vista é realmente este. Não sou totalmente pessimista em relação a uma neurose. Em muitos casos

deveríamos dizer: 'Graças a Deus ele decidiu ficar neurótico'. Essa é uma tentativa de autocura,

bem como qualquer doença física também o é. Não se pode mais entender a doença como um <ens per se>, como uma coisa desenraizada, como há algum tempo se julgava que fosse. A

Medicina moderna, a clínica, por exemplo, concebe a doença como um sistema composto de fatores prejudiciais e de elementos que levam à cura. O mesmo se dá com a neurose, que é uma

tentativa do sistema psíquico auto-regulador de restaurar o equilíbrio, que em nada difere da função dos sonhos, sendo apenas mais drástica e pressionadora." # 388 e 389

Comentário final

Apresentamos neste artigo apenas uma pequena seleção ilustrativa dos dados coletados em nossa pesquisa. O levantamento feito ao longo de todo o livro permitiu-nos, inicialmente, a

constatação de alguns aspectos quantitativos interessantes, não tanto pelos números em si mesmos, mas pelo que podem nos mostrar a respeito da relação estabelecida entre Jung e sua platéia.

Essa mesma releitura implicou ainda numa espécie de imersão nas entrelinhas das cinco conferências. E durante esse mergulho na atmosfera provavelmente dominante durante a apresentação e discussão das idéias de Jung, nossa atenção se voltou para algumas observações e impressões a serem comentadas a seguir. Do ponto de vista mais objetivo, temos já um aspecto quantitativo a destacar. Realizando uma rápida contagem, dispomos dos seguintes números: De

um total de 415 parágrafos, constituintes das cinco conferências relatadas, nosso levantamento aponta uma soma de 97 parágrafos selecionados por conterem algum tipo de menção ao corpo

e/ou suas estruturas componentes (dos quais apenas 13 foram reproduzidos aqui(19)). Esses números já nos dizem alguma coisa, especialmente se tivermos em conta o fato de essa não ser, a

princípio, uma obra sobre a questão do corpo na Psicologia!

Mas, se formos um pouco além e observarmos a distribuição dos parágrafos selecionados ao longo das cinco conferências, um dado a mais chamará nossa atenção. Esses 97 parágrafos estão

distribuídos da seguinte maneira:

* "Primeira conferência": 13 parágrafos;

* "Segunda conferência": 25 parágrafos;

* "Terceira conferência": 28 parágrafos;

* "Quarta conferência": 11 parágrafos;

* "Quinta conferência": 20 parágrafos.

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Percebemos, então, o fato de a freqüência no uso de algum tipo de menção ao dado corporal ter aumentado, progressivamente, desde a primeira até a terceira noite. Em seguida caiu, durante a

quarta conferência, para voltar a aumentar numericamente na última apresentação. Esses números não parecem apenas casuais. Acompanhando a apresentação das idéias de Jung, o leitor

atento certamente poderá perceber os movimentos - tanto do próprio Jung quanto por parte da platéia - frente às colocações mais diretamente relacionadas ao tema dos paralelos psicofísicos,

tornando bastante

significativa a distribuição dos números acima apontada.

Durante as duas primeiras conferências, Jung introduz de maneira fluente, tranqüila, quase

casual, sua visão integradora de tais processos. Expressa-se de forma bastante direta e enfática, ao estabelecer as primeiras correlações psicofísicas, sem com isso parecer ter intenção de explicar

tais paralelismos. Esta "tonalidade" de suas falas podem ser observadas, por exemplo, nos momentos em que aborda: a origem da consciência (#14); o ego (#18), ou ainda quando

diferencia afeto e sentimento (# 48).

Ao final da primeira conferência, um dos presentes coloca uma pergunta mais direta a respeito - # 68. A questão, no entanto, é formulada em termos do dualismo causa-efeito: os afetos seriam

causados por condições fisiológicas ou o processo se daria de modo inverso?

Em resposta, Jung expõe com bastante clareza a posição por ele adotada: ressalta a complexidade do problema, bem como os aspectos filosóficos envolvidos. Mais uma vez ressalta ainda, enfatizando seu procedimento, a importância da observação empírica dos fatos. E, nessa medida, apresenta a constatação a respeito da simultaneidade dos eventos psicofísicos. Sublinhando não pretender esgotar sua explicação, propõe o princípio da sincronicidade como um recurso para ampliar parcial e temporariamente a compreensão a respeito. Percebe-se já nesse momento que, embora Jung coloque

sua posição de forma clara e aberta a futuras ampliações, não se dispõe a entrar em discussões meramente teóricas a respeito da questão, como lhe foi proposto por alguns dos ouvintes. Mas a

platéia não parece dar-se por satisfeita com sua resposta (ou seria com sua não adesão à polêmica?) ao tema. Vejamos como evolui esse ponto do diálogo entre Jung e os presentes às

conferências.

Ao final da terceira exposição e de forma quase provocativa (# 135 a 137), mais uma vez alguém retoma a mesma questão. Jung de início responde atenciosamente ao participante proponente da

questão (# 136). Diante, porém, de nova insistência da platéia, Jung inclui, numa consideração amplificadora, uma observação ao estilo dos sábios orientais frente a discípulos mais jovens e

imaturos: intercala um sutil, mas certeiro, "puxão de orelhas", ao explicar a condição necessária

para o fornecimento da resposta solicitada.

"Eu deveria dar-lhes um curso de aproximadamente quatro semestres sobre simbologia para que os senhores conseguissem seguir o que eu digo." #138

Poderíamos presumir essa observação de Jung como encerramento da questão. Essa impressão poderia até ser reforçada pelo fato de, na noite seguinte, Jung reduzir suas menções ao tema

causador de tanta inquietação. Porém não foi isso o que ocorreu, visto ao final da quarta

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exposição, mais uma insistência no mesmo ponto ser apresentada por um dos participantes (# 299 a 302).

Dessa vez, porém, a resposta de Jung é menos paciente: mostra-se realmente decidido a

considerar definida a questão. Entenda-se bem: encerrada apenas enquanto discussão, pois, ao longo da próxima conferência, Jung volta a estabelecer novos paralelos entre os processos

psicofísicos, tal como fizera nas apresentações das três primeiras noites.

Outro aspecto a ser destacado é a própria maneira com que tais correlações são expressas pelo

autor: fica muito claro o fato de, ao traçar esses paralelos, Jung não expressar-se de forma a estabelecer relações causais entre os eventos psicofísicos. Em lugar disto, menciona-os como

simultâneos, ou, melhor dizendo, sincrônicos. Descreve os processos globais tal como os observa, de acordo com sua perspectiva integradora, em lugar de estabelecer dicotomias analíticas. Agindo

assim, sua forma de expressão antecipa, em sentido mais prático do que teórico, proposições só agora presentes no âmbito da Psicologia acadêmica. Essas considerações começam a explicitar o

emergir coletivo de um certo enfoque da consciência, tido como novo para nossos padrões ocidentais.

Ainda de acordo com o pensamento junguiano expresso na atualidade, o movimento acima

apontado corresponde a um passo importante e previsível do processo de desenvolvimento da consciência em termos coletivos. Embora fundamental para a compreensão de algumas das

proposições de Jung, a exploração deste tema, por sua amplitude, escapa ao alcance dos limites desse nosso trabalho.

Remetemos, então, o leitor interessado a autores como Neumann(20) e Whitmont(21), entre outros(22), que ocupam-se amplamente dessa questão: o emergir ou, melhor dizendo, o ressurgir da consciência matriarcal. A título apenas de ilustração, faremos uma breve citação de Whitmont a respeito.

"O caráter divisível e, posteriormente analítico da consciência patriarcal é de natureza masculina. Essa maneira particular de experimentar os acontecimentos é, evidentemente, apenas uma entre

outras.

Não é uma qualidade necessária ou intrínseca à consciência enquanto tal. Acostumados que estamos ao funcionamento patriarcal, ela acabou nos parecendo a única alternativa possível. No

entanto, uma consciência de natureza mais Yin, que está começando a fazer-se presente na atualidade, não funciona por meio de separações e divisões, mas através da percepção intuitiva

de processos inteiros e de padrões inclusivos." (23)

Levando em conta os pontos acima levantados, parece-nos, efetivamente, ter Jung razões de sobra para não se mostrar interessado em "discutir" a questão do paralelismo psicofísico, tão insistentemente incitada durante a realização das Conferências de Tavistock. Não, ao menos, nos termos da discussão proposta por aquela platéia. Nem poderia ser de outra forma, visto sua apreensão desses processos estar, já então, alguns passos além de sua época. Nesse aspecto,

como aliás em muitos outros, Jung, em seu tempo, já estava caminhando em direções somente agora apontadas por investigadores tidos, na atualidade, como portadores de proposições inovadoras.

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Por outro lado, registros datados da mesma época das conferências de Tavistock nos apresentam colocações bastante explícitas, feitas por Jung no âmbito de círculos mais restritos, onde

podemos encontrar interessantes exemplos do ponto de vista amplificado com que verdadeiramente buscava compreender tais processos.. A título de ilustração apresentaremos a

seguir alguns pequenos trechos de comentários feitos por ele durante os "Seminários sobre Assim falou Zarathustra" a respeito da alternância do predomínio "carne/espírito" ao longo da evolução

ocidental.

"A Filosofia e a Religião são como a Psicologia quanto ao fato de que não se pode nunca colocar um princípio definitivo: é impossível, pois algo que é verdade para um estágio de desenvolvimento é bastante inadequado para outro. Então é sempre uma questão de desenvolvimento, de tempo; a melhor verdade

para certo estágio é talvez veneno para outro." (...)

"O espírito pode ser qualquer coisa, mas somente a terra pode ser algo definido. Então manter-se fiel à terra significa manter-se em relacionamento consciente com o corpo. Não fujamos e nãos

nos tornemos inconscientes dos fatos corporais, pois eles nos mantém na vida real e ajudam-nos a não perder nosso caminho no mundo das meras possibilidades, onde estamos simplesmente de

olhos vendados." (....)

"Mas é perfeitamente lógico que depois de uma época que esgotou a importância do espírito, a carne deva ter sua vingança e conquistar o espírito talvez mesmo sobrepujá-lo por algum tempo. É claro que expressemos essas coisas usando os termos espírito e matéria, sem saber exatamente o que designamos através dessas palavras.

Na filosofia clássica chinesa usar-se-iam os termos Yang e Yin, e dir-se-ia que está de acordo com as regras do céu que eles invertam suas posições. Yang devora o Yin, e do Yang o Yin renasce; ele emerge de novo, e então o Yin envolve o Yang, e assim por diante. Este é o curso da natureza. Os

chineses não ficam tão aborrecidos, porque eles tem observado este processo natural por muito mais tempo. Mas a nossa história não é velha o suficiente, então ficamos atônitos ao observar

que o espírito devora a matéria, e então a matéria devora o espírito. É exatamente o mesmo processo. Nós fomos ensinados que Deus enviou seu filho para sobrepor o espírito à carne como

um evento único na história; e agora nós aprendemos a verdade reversa, que a carne devora o espírito. E nós ainda não conseguimos acreditar nisso, embora tenha se tornado ainda mais óbvio

do que quando apareceu pela primeira vez, no tempo da Reforma."(24)

A pequena pesquisa apresentada neste capítulo nem de longe pretende esgotar o tema levantado, ou seja, o tratamento dado à questão do corpo em Jung. Ao contrário, o leitor atento

poderá ampliar fartamente essa observação, ao percorrer sua vasta obra.

Nossa intenção aqui foi demonstrar de maneira breve, porém fundamentada, as formas mais ou menos sutis com que colocava sua posição essencial a respeito dessa questão. Já ao final da vida, Jung podia se permitir ser mais explícito ao colocar suas posições sobre essa questão, como

exemplifica esse pequeno trecho de entrevista concedida por ele a G. Duplain em 1959. A temática geral dessa entrevista era as mudanças e adaptações necessárias para a Humanidade na entrada do terceiro milênio. Em dado momento, Duplain pergunta à Jung:

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"Duplain - Mas que recomendações pode fazer para a passagem que está prestes a ocorrer e cujas dificuldades o senhor teme?

"Jung: Um espírito de maior abertura em relação ao inconsciente, uma atenção maior aos sonhos,

um sentido mais agudo da totalidade do físico e do psíquico, de sua indissolubilidade; um gosto mais ativo pelo autoconhecimento. Uma higiene mental melhor estabelecida, se quisermos ver as

coisas por esse prisma." (25)

O pensamento junguiano plantou sementes férteis, e muitas já começaram a germinar, há algum

tempo, na direção apontada acima. Ao longo deste nosso relato foram mencionados vários autores cujas pensamento mostra o florescimento de idéias concordantes com a recomendação

presente na última citação de Jung.

Recentemente têm surgido publicações ilustrativas do movimento já muito ativo no sentido da solidificação dessa visão integradora frente à estrutura psicofísica. Um desses trabalhos soaria

talvez como uma heresia aos ouvidos acadêmicos, caso tivesse surgido alguns anos antes. Trata-se da recente

publicação, em português, do livro de J. P. Conger "Jung e Reich - O Corpo como Sombra"(26). Mais do que o próprio conteúdo dessa obra, destacamos aqui o aspecto no mínimo inusitado do

paralelo estabelecido pelo autor já em sua apresentação. Soa-nos como se o espírito de nosso tempo já reclamasse com veemência aquela disposição antecipada por Jung: a reabilitação do corpo do exílio a que foi lançado em nossa civilização ao longo dos últimos séculos.

Ou ainda, dizendo de outro modo, a necessidade da reconciliação do ser humano com a (sua) própria natureza, como condição essencial para atingir a transcendência.

Porém, mesmo estando ainda o homem tão longe de elucidar os mistérios da união de seu ser terreno com sua alma, alguns pensadores, seguindo a trilha deixada por Jung, nos ajudam a

refletir com maior inteireza sobre essa questão. É o caso de Kreinheder, ao dizer, citando Plotino: "na doença, o corpo perde contato com a alma, e não se parece com ela."(27)

Notas e referências bibliográficas

1. Este artigo contem a síntese do material apresentado pela autora no capítulo homônimo do livro "Integração Psicofísica - O Trabalho Corporal e a Psicologia de C.G. Jung", (Ed. Robe/C.I. - São Paulo, 1995). Este capítulo, por sua vez, foi elaborado com base no trabalho apresentado sob o mesmo

título no "Encontro do Sedes" realizado em 1991.

2. Mais elementos sobre estes aspectos históricos são apresentados no capítulo 1 do mesmo livro citado no item anterior.

3. McNeely, D. A., Tocar, Terapia do Corpo e Psicologia Profunda. Ed. Cultrix, 1a. edição, São

Paulo, 1987.

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4. Definição do termo "somatoterapia", segundo a autora: "Uso o termo somatoterapia para expressar um processo que ocorre entre o indivíduo e o terapeuta que emprega o movimento e

centros físicos para alcançar seu objetivo mútuo: a descoberta dos aspectos da psique antes desconhecidos. O terapeuta usa o centro físico além da atenção tradicional aos processos

psíquicos, a fim de incrementar o diálogo entre o consciente e o inconsciente." Ib, pág. 17.

5. Ib., pág. 36.

6. Ib., pág. 37.

7. Jung, C. G., A Prática da Psicoterapia, Ed. Vozes, 2a. Edição, Petrópolis, 1985, pág. 84, parágrafo

198.

8. Jung, C. G., Fundamentos de Psicologia Analítica, Ed. Vozes, 5a. Edição, Petrópolis, 1989, perguntas e respostas relatadas ao final da primeira e segunda conferências, conforme será

destacado na seqüência deste capítulo.

9. Jung, C. G., Memórias, Sonhos, Reflexões, compilação e prefácio de Aniela Jaffé, Ed. Nova Fronteira, 4a. Edição, Rio de Janeiro, 1981, pág. 100.

10. Jung, C. G., op. cit. em 8, pág. 84, parágrafo 194.

11. A partir desse ponto, em nome da praticidade, a indicação das localizações referentes ao

relato das conferências será inserida no próprio texto. O sinal "#" indicará o número do parágrafo de "Fundamentos de Psicologia Analítica" transcrito.

12. A origem embrionária comum (ectodérmica) da pele e do sistema nervoso central é

comentada por vários autores, conforme foi relatado no capítulo 9 - "A Calatonia" - do livro citado na referência 1.

13. Recentemente observamos o surgimento de novas áreas de pesquisa científica, peculiarmente constituídas pela integração de disciplinas até então tidas como campos independentes e

específicos de investigação. Um exemplo é a Psiconeuroimunologia, um novo campo - os primeiros trabalhos

datam do início da década de 80 - em que já se investiga, a nível laboratorial, aspectos bastante acurados das correlações psicofísicas. Nos Estados Unidos o Institute of Noetic Sciences (2658, Bridgeway, Sausalito, California 94965) publica o boletim Investigations com informações a respeito do andamento de tais pesquisas.

14. Ver nota no 16, no texto original, à pág. 22.

15. Na seqüência do texto original Jung relata um exemplo e ilustra o que acaba de citar.

16. Ver nota no 19, no texto original, pág. 29.

17. Ver nota no 20, no texto original, pág. 30.

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18. Ver nota no 74, no texto original, pág. 151.

19. No capítulo homônimo deste artigo, componente do livro citado na nota de número 1, é apresentada a reprodução integral dos 97 parágrafos selecionados em nossa pesquisa.

20. Neumann, E., História da Origem da Consciência, Ed. Cultrix, 1a. Edição, São Paulo, 1990.

21. Whitmont, E. C., Retorno da Deusa, Summus Editorial, 1a. Edição, São Paulo, 1991.

22. Essa questão, relativa ao ressurgimento da consciência matriarcal, e suas implicações em diferentes níveis dos processos coletivos, vem recebendo nos últimos tempos a atenção de autores junguianos. Não apenas a importância da consideração do corpo para a mais completa compreensão dos dinamismos

psíquicos, mas toda uma nova postura diante de questões básicas humanas decorre desta perspectiva. Uma mostra dessa bibliografia pode ser encontrada, por exemplo, nas matérias publicadas na revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica: Junguiana. Ou, ainda, em publicações mais recentes da área, onde toda uma ênfase sobre as questões relativas ao tema pode ser constatada.

23. Ob. cit. no item 21, pág. 78.

24. Jung, C.G., Seminário sobre: Assim falou Zarathustra, Clube Psicológico de Zurique,

1934/1939, tradução do prof. Pethö Sándor para estudos em grupo, págs. 51 e 52.

25. Em McGuire, W., e R. F. C. Hull, C.G. Jung: Entrevistas e Encontros; Ed. Cultrix, São Paulo, 1982 cap.: "Nas fronteiras do conhecimento", pág. 364.

26. Conger, J. P., Jung e Reich - O Corpo como Sombra, Ed. Summus, 1a. Edição, São Paulo, 1993. A edição original inglesa data de 1988.

27. Kreinheder, A., Conversando com a Doença - Um diálogo de Corpo e Alma, Summus Editorial, 1a. Edição, São Paulo, 1993, pág. 32.

A VERSÃO DO PACIENTE

Este é um relato de uma pessoa tratada por profissionais com postura psicossomática, aplicando o método da Calatonia. Ainda que todos tenham permitido sua publicação, nem a paciente nem os profissionais implicados no caso foram identificados. Verifique os resultados.

Maria Rosa Spinelli - Terapeuta

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"Procurei um trabalho corporal, a Calatonia, por indicação de amigos. Sentia na época muita resistência em fazer uma terapia na qual precisasse falar muito, embora eu seja considerada uma

pessoa falastrona. E devo confessar que, a princípio, imaginei que a técnica me ofereceria apenas relaxamento. Ainda assim, nas primeiras sessões não conseguia relaxar. Observei então que,

certo dia, passei a ter umas sensações diferentes. Nos momentos de relaxamento me vinham à mente imagens estranhas e, às vezes, cores que flutuavam.

Cheguei a experimentar aquelas ‘sensações estranhas’, mesmo após a sessão, no momento em

que estava num jardim. Senti a súbita necessidade de aconchego, ao mesmo tempo em que parecia estar cheia de energia e que não precisaria nem dormir. No dia seguinte, apesar de pálida, estava me sentindo bem, sem tristeza, sem sono, carregando a sensação de que algum fato que eu agora ignorava tinha se passado.

Também costumo voltar alegre das sessões, mas com a impressão de ter uma ‘carga elétrica’ acumulada. Nessas ocasiões, desejo fazer coisas e falar muito sobre o que aconteceu. Por outro

lado, sinto que preciso ser ninada e a frustração por isso não acontecer. Vem-me à cabeça a palavra mãe e sinto o coração explodindo, batendo mais rápido, com ansiedade. Levanto-me e

sinto vontade de sair, andar, chorar, rir, enfim, de viver.

Numa espécie de associação de idéias, me vêm outras palavras: mãe... perda... preciso... ternura... me acaricie... traição. Fantasio a imagem de alguém me cobrindo. Interessante notar

que nunca tive dificuldades para dormir. Agora durmo e logo depois acordo, com a certeza de que sonhei, mas não me lembro com quê. A única lembrança é de uma figura masculina que poderia ser meu pai, não sei.

O mais interessante é que não tenho tido vontade de conversar sobre tais sensações mas fico horas pensando a respeito, ou melhor, sentindo essas coisas e começo a observar que minha autopercepção é melhor agora.

"Como um bebê, que ridículo!"

O meu joelho esquerdo dói, o meu braço dói e não sei por que abraço o travesseiro para me aconchegar. Adormeço e acordo fria, como se precisasse de muito carinho para me aquecer. Sinto falta de ser mimada mesmo, feito um bebê. Que ridículo! Já tenho mais de 30 anos.

Sinto um vazio, provocado por algo inacabado. No escuro, como numa espécie de lamento tenho

vontade de ‘não apague a luz, fique comigo até eu dormir; espere eu acordar e saber que realmente você existe’. Mas quem? Preciso saber que você existe e nunca vai me deixar, que você me ama. Acho que poderia dizer isto a alguém, que não sei quem é. Essas sensações são demais

angustiantes mas não quero deixar de tê-las, sei que preciso delas. Penso que estou ficando deprimida ou masoquista.

Agora só me vêm muita tristeza e vontade de estar só, vendo a natureza, olhando o verde,

ouvindo o som da água cair, como em um riacho, e chorar (mas por que?- a minha vida é boa,

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tenho vários amigos, me sinto amada e, na verdade, não estou só, tenho meu namorado, a minha família). Não consigo entender por que esses sentimentos aparecem.

A sensação é de abandono, de não ter com quem contar. Voltam-me à lembrança cenas da

infância: o tombo, o pesadelo, o medo, o dia da injeção que recebi nos braços de meu pai, a fuga para a escola, a visão de espancamento, o meu pavor, o meu sofrimento, a cadeira diferente, o

primeiro livro que ganhei, o café da manhã, minha mãe preparando minha sopa de pão, a hora da escola, meu pulôver vermelho, a briga, a febre, a faca. O abandono de meus irmãos - eu era

pequena, chata e doente.

Lembro-me também das três cirurgias por que passei. Até quando vou continuar escapando de

outras? Por que não tenho sensibilidade para dores, o que me falta para sentir o começo de uma doença? Quando percebo estão avançadas. A única certeza é da morte, mas como contestar isto?

Vômitos. Tenho horror a eles, mas são constantes e sangrentos. Vários exames - tenho a

sensação de frio e é um frio úmido, que vem dos pés para as pernas, como se tivesse feito xixi e batesse um vento.

Bem vou parar. Estou ficando triste demais."

Após esse período de anotações, a paciente relata que deixou de escrever, porque se sentia triste demais e com vontade imensa de deixar tudo:

"Não era vontade de morrer nem de sumir, mas de ter um lugar de muito sossego e paz. Mas a minha vida, fui eu que a escolhi assim". (sic)

Importante descobrir-se

Ela disse ainda que, por mais que sofresse, tinha de estar mais consigo mesma, tentando buscar a si própria dentro de "alguma coisa nebulosa". Observem que, durante todo este processo, esta pessoa não solicita de sua terapeuta nenhuma interpretação, por acreditar que seria mais importante descobrir-se através das sensações e imagens que sobrevinham a cada sessão e a cada noite.

Por fim, relata que se sentiu muito bem, que cessaram as imagens, e por isso deixou a terapia,

não voltou a fazer Calatonia.

"Tudo realmente parecia estar muito bem, mas andava mais quieta. Os amigos percebiam isto. Eu não. Comecei a ter um certo nojo dos cheiros de comida. Primeiro, foi com relação à comida

japonesa, apesar de sempre ter adorado comê-la, até então. Depois, passei a ter aversão por carne, chocolate, doce e, gradativamente, deixei de querer comer tudo. Quando forçava, sentia-

me muito mal e vomitava tudo. O mal-estar se generalizava e aí não mais conseguia identificar as sensações.

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Mas nunca negligenciei minhas responsabilidades. Fui percebendo que deixava de comer, só isso.

Um dia, precisei ser levada ao Pronto Socorro. Parecia ser uma labirintite, mas os exames não comprovaram nada. Foi então que voltei a procurar a terapeuta. Senti ainda que precisava

daquele abraço por mais tempo.

Minha terapeuta me orientou a procurar um gastroenterologista, mas isto eu já estava fazendo há dois anos. Tomava doses diárias de um medicamento, sem grandes resultados pois

continuavam os regurgitamento, vômitos e azia.

Nesse período comecei a piorar também emocionalmente. Comecei a experimentar uma

sensação fria no centro de meu peito e de afastamento das pessoas. Parei quase totalmente de comer e me sentia fraca. Estar com anorexia era o meu medo. Conhecia o quadro através das

revistas, mas não tinha muito mais informação a respeito.

Não sentia mais fome nem o sabor dos alimentos. Eles inchavam em minha boca. Daí, passei a deixar de beber até mesmo água. Fiquei preocupada e a minha terapeuta começou a ligar para minha casa nos horários em que, ela sabia, deveria estar comendo ou tentando comer. Interessante, comecei a me alimentar só com coisas muito leves enquanto falava com ela.

Foi quando mudei de gastroenterologista. Procurei, por indicação, um médico que também seguisse a postura psicossomática (devo confessar que para mim psicossomática era uma especialidade).

Exame não-invasivo

Três meses depois, cheguei ao consultório dez quilos mais magra, cheia de medos com mil e uma fantasias, associando meu estado à possibilidade de ter Aids ou até câncer. O médico ouviu tudo,

olhou todos os exames que já havia feito e, pacientemente, me deixou relatar todo o meu histórico de doenças, desde a infância até o momento atual.

Só então, calmamente, relacionou as doenças às dificuldades da vida atual, das relações familiares e de nossos envolvimentos sociais e pessoais. Examinou-me clinicamente e sugeriu que eu fizesse mais um único exame, não-invasivo, para verificar a deglutição. Receitou-me um medicamento e eu saí dali bastante aliviada. Ainda com medo, mas me sentindo mais confiante,

querendo acreditar que sua confiança e minhas queixas estavam dentro de uma sintonia, e que agora eu poderia realmente melhorar".

Nessa ocasião a paciente começa a perceber que, ao sair de São Paulo e conseguir ficar relaxada,

seu estado geral melhorava. Porém, se comesse algum alimento mais forte ou condimentado, sentia novamente as tonturas, tinha a micção aumentada e os vômitos repetidos. Descobriu

também que seu organismo agora só aceitava alimentos leves mas que, ainda assim, não podia pensar que estava comendo, para conseguir se alimentar.

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Outras vezes o que a ajudava a alimentar-se melhor era pensar na sua terapeuta. A luta para comer era uma coisa absurda e dolorosa. Ora ela se sentia forte e capaz, ora se sentia necessitada

de colo e muito fragilizada. O mais inaceitável, porém, segundo ela, era a consciência de sua dependência com relação à figura da terapeuta.

Aceitar a mamadeira

Um dia, sem pensar, disse à terapeuta ao final de uma sessão de Calatonia: "Já aceitei a mamadeira". Depois prosseguiu: "Senti vergonha pelo que havia dito, pois sempre imaginara ser

uma pessoa racional. Mas ter dito aquela frase me fez bem. Não sabia bem o porquê, mas tinha a certeza que estava começando a aceitar alguma coisa de que precisava muito. Mais tarde percebi

que o que precisava era de ternura e do amor que essa terapeuta me transmitia. Depois disso, passei a me sentir mais feliz, a voltar a ser quem eu sentia que era.

Meus vômitos diminuíram. Numa das consultas com o gastroenterologista falei-lhe sobre a percepção de minha própria ansiedade. Ele me ouviu atentamente, demonstrando valorizar minhas palavras e me explicando o quanto era importante essa minha percepção. Disse-me também ter percebido em mim essa ansiedade e que meus sintomas não tinham classificação específica. Na verdade, eles eram mais funcionais e, por isso, teria que permanecer com os medicamentos e com seu acompanhamento médico até que me sentisse realmente bem e voltasse a comer de tudo de forma moderada. Orientou-me para não deixar a terapia enquanto isso não ocorresse. Senti-me cuidada, muito bem cuidada, crescendo novamente, agora com mais tranqüilidade.

O que me aconteceu em termos técnicos, não me importa. O mais importante para mim foi a

confiança que tive nesses dois profissionais, o enfrentamento do medo da dependência e a percepção de minha carência afetiva, que gerava em mim a sensação de estar desprotegida

diante do mundo.

Vejo-me hoje muito bem, a ponto de permitir essa entrevista. E agradeço isso a esses profissionais, por não temerem manifestar seu carinho aos pacientes. Foram eles que me deram

tempo para que eu descobrisse minhas necessidades e descobrisse, à medida em que fosse vencendo meus medos, do que precisava e tinha buscado ao longo de anos acumulados de histórias, até perceber que queria mudar minha forma de amar e me permitir ser amada por outras pessoas além de meus pais. Espero que isto ajude outras pessoas".

***

Calatonia, Toques Sutis e Terapia Junguiana

Se aceitarmos que a principal meta da Psicoterapia é a expansão da consciência do paciente, incluindo a consciência de si mesmo, e se aceitarmos ainda que cada pessoa é um todo indivisível e que seu corpo e seu psiquismo são apenas diferentes formas de expressão desta mesma unidade sincrônica, então entenderemos a necessidade de incluir o corpo

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no contexto do atendimento psicoterápico.

Dentro da perspectiva Junguiana, o corpo é parte inalienável do processo de "vir a ser um todo", que é a Individuação.

A Calatonia é um instrumento de acesso à memória psicológica "gravada" no corpo físico, através da mobilização espontânea de conteúdos internos do paciente. Ela atua potencialmente em vários níveis da co mplexa estrutura psicofísica de cada indivíduo, trazendo à tona a evocação de vivências que podem ser elaboradas depois, em psicoterapia verbal.

Para alguns, tais vivências podem surgir sob a forma de reações ao nível fisiológico e/ou motor (como sensaçõ es ou movimentos mais ou menos sutis por todo o corpo); para outros, em termos afetivo/emocionais, (na forma de

recordações, associações, etc.); para outros ainda, podem ocorrer alterações do estado de consciência análogos àqueles promovidos pela meditação, com a eventual recordação de imagens. Estas imagens, do ponto de vista psicoterapêutico, têm um valor semelhante ao valor dos sonhos, e podem ser

elaboradas em terapia como vivências simbólicas, metáforas, etc. Por sua atuação global, a Calatonia em ger al mobiliza conteúdos que têm uma prioridade ou premência psicológica de se manifestarem, da mesma forma como ocorre com sonhos. São conteúdos que estão "maduros" para aflorarem à consciência e que têm total pertinência ao processo psicodinâmico que o paciente está vivendo.

É aí que observamos o caráter "auto-regulador" deste tipo de abordagem corporal, que não tem a intenção de mobilizar um determinado aspecto específicos, mas de promover uma vivência que mobilize espontaneamente o que for mais

adequado para equilibrar o paciente naquele momento. Essa capacidade de auto-regulação é também conhecida como a "sabedoria do corpo", que pode por si só, se lhe for permitido, expressar suas necessidades e se reorganizar na direção da homeostase (equilíbrio), dentro do ritmo e

intensidade peculiar a cada indivíduo. Conforme podemos perceber no parágrafo acima, a forma de trabalho terapêutico que Sándor desenvolveu traz implícita uma determinada maneira de entender tanto a natureza do ser humano, quanto a função d a psicoterapia.

A Calatonia, mais do que uma simples técnica (que se define pelos seus procedimentos práticos), é um método de trabalho terapêutico, método este que integra elementos da Psicologia Profunda (em especial as idéias de Jung) ao

trabalho corporal, para promover a integração psicofísica do indivíduo. Pesquisa - Dra. Elaine Marini - fonte: Pethö Sandhor

O QUE É PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA

PSICOLOGIA: É a ciência que estuda o comportamento humano enfatizando o estudo do indivíduo através da observação

objetiva, trabalhando mais com a personalidade e o lado emocional do indivíduo.

PSICOTERAPIA: É a aplicação de técnicas especializadas no tratamento dos distúrbios mentais ou problemas de ajustamento ao

cotidiano; portanto, um psicoterapeuta é um profissional especializado em uma formação teórica especifica . Dentro

da psicoterapia existem várias formações teóricas ou especialidades conhecidas como abordagens ou linhas de

trabalho; cada psicólogo se especializa na abordagem com a qual mais se identifica. Não existe uma abordagem dentro da

psicologia considerada a melhor; todas são eficazes desde que aplicadas adequadamente por profissionais

especializados.

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PSICOTERAPIA TRANSPESSOAL:

"SER PSICOTERAPEUTA TRANSPESSOAL É UM ATO QUE SE RENOVA A CADA INSTANTE EM CADA ATENDIMENTO. É O

CAMINHO QUE SE FAZ AO CAMINHAR". Vera Saldanha Garcia A Psicologia Transpessoal tem como objetivo expandir o campo da pesquisa psicológica, incluindo áreas da experiência e do comportamento humano associadas com a saúde e o bem-estar como um todo; está inserida dentro de um contexto de mudanças e ampliações de conceitos na ciência que fazem parte da linha de base, teoria-técnica. Na Transpessoal, o mundo interior e exterior do homem e da natureza estão sujeitos aos princípios dessa matriz, dando subsídios aos conceitos do corpo teórico da psicologia Transpessoal, o conceito de unidade, a não separatividade. Somos todos constituídos da mesma matéria, vida psíquica, programação, informação, consciência e conhecimento.

No processo psicoterapêutico numa abordagem Transpessoal, todo e qualquer conteúdo trazido pelo

paciente, seja ele de qualquer categoria ou classificação, deve ser acolhido no setting terapêutico, inclusive questões

parapsicológicas; porém tais conteúdos devem estar sempre a serviço de uma integração, transformação, elaboração e

síntese, realizados pelo próprio paciente com ajuda do terapeuta. Ë importante que fique claro que o Psicoterapêuta

Transpessoal é apenas um facilitador, um catalisador, não um guia, instrutor, mestre, guru, ou orientador.

O elemento diferenciador deve ser o nível superior da

consciência, ou ordem mental superior do próprio paciente. O Psicoterapêuta deve facilitar esse acesso e usar os recursos

da Psicoterapia Transpessoal para que o cliente alcance a libertação, evitando que ele Terapeuta, ou os fenômenos de ordem parapsicológica se tornem outro nível externo de poder, cura ou resolução, gerando novos apegos para o paciente; e aí existem uma lista infinita de recursos ou

elementos de ação terapêutica, que fazem parte do caminho de crescimento, evolução e transformação do homem,

porém não são objeto da psicoterapia e essa é a grande questão, pois é necessário delimitar a ação do terapeuta,

este que deverá usar recursos fundamentados.

É importante preservar, determinar, clarear o que é realmente a parte da psicoterapia de orientação

Transpessoal, para não cairmos na onipotência de envolver

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tudo o que passe por outros estados de consciência, como sendo do domínio da psicoterapia Transpessoal.

Por essa razão, a Psicologia Transpessoal se apoia tanto na ciência ocidental como na sabedoria oriental, com o intuito de integrar o conhecimento vinculado com a realização do potencial humano proveniente de ambas as tradições. Um outro aspecto importante da Psicologia Transpessoal é diferenciá-la de tradições cristãs, ou as orientais, da própria Psicologia Transpessoal. O fato de se reconhecer a contribuição dessas disciplinas aos estudos dos diferentes estados de consciência não significa o exercício de suas práticas, seus rituais na psicoterapia, nem a adoção dos dogmas religiosos que culturalmente as mantém há séculos. A Psicologia Transpessoal deve ser uma Psicologia livre de

todo pré estabelecido ou dogmas e verdades incontestáveis, aberta a todos os seres humanos sem apegos ou

identificações parciais. Essas capas densas de identificação nos impedem de

conectar o sutil. Percebê-lo, senti-lo, compreendê-lo, no referencial terapêutico, aprisionando a mente humana.

A Psicologia Tanspessoal está realmente dentro de um

contexto planetário de transformação, na emergência de um novo paradigma.

É um movimento que já saiu da fase inicial, da novidade, modismo e que hoje se mostra em fase de maior maturidade.

Basear-se sempre na pesquisa e na experiência, valendo-se

dos conhecimentos obtidos na psicologia tradicional, nos estados modificados de consciência, nos levará a outras regiões da mente, possibilitando uma ampliação do conhecimento desse fenômeno mágico, ainda tão desconhecido sob certos aspectos, que é a mente humana

em sua plena potencialidade. É com o estudo e a pesquisa dessa mente, as observações

que dela favoreçam o ser integral em seu desenvolvimento e evolução da consciência, que deve ser o compromisso dessa

psicologia ainda jovem, mas tão promissora.

Tudo é válido em qualquer trabalho em benefício do desenvolvimento e ajuda do ser humano. Devemos levar em

consideração as diferenças individuais, os momentos de vida

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de cada um. Em um manancial de técnicas propriamente Transpessoais, que possibilitam a libertação do indivíduo e a

evolução da própria psicologia, de como e quais as estruturas envolvidas no desenvolvimento psíquico do ser integral e na evolução de sua consciência. ESSE É O ENFOQUE DA PSICOTERAPIA TRANSPESSOAL ! Texto: Dra.Vera Saldanha - Pesquisa:Dra. Elaine Marini Bibliografia encontra-se no menu em Livros indicados.

O Psicólogo/Psicoterapeuta é um profissional com formação em Psicologia Clínica, que trabalha com a aplicação de técnicas psicoterapêuticas em consultório. A função de uma psicóloga, no atendimento clínico, é ouvir com cuidado tudo o que seu paciente tem a dizer, observar o jeito que ele se manifesta e guardar os pontos importantes de sua história para que com a técnica psicoterapeutica possa ajudar o paciente elaborar e integrar sua história refletindo sobre a mesma, de uma forma

diferente, facilitando seu crescimento pessoal.

O QUE FAZ UM PSICÓLOGO ALÉM DO TRABALHO EM CLÍNICA PARTICULAR?

O Psicólogo pode trabalhar em escolas com orientação à pais e professores, além de

participar do planejamento do ensino e sugerir idéias que melhorem o aprendizado. Pode selecionar, treinar, avaliar e motivar funcionários de uma empresa na área de

Recursos Humanos. Trabalhar em órgãos públicos, como penitenciárias, creches e abrigos de menores, dando assistência às pessoas que vivem nesses lugares.

Pode trabalhar em Associações esportivas: como clubes de futebol, volei e outros trabalhando o estado emocional individual e em equipe.

PROBLEMAS TRATADOS PELA PSICOLOGIA ATRAVÉS DA PSICOTERAPIA:

» Dificuldades de relacionamento em geral: afetivo, interpessoal, social;

» Auto-estima; » Desvios de comportamento: Drogadictos (dependentes

químicos), Alcoolismo; » Desvios de personalidade;

» Depressão; » Distúrbios de ordem emocional e Ansiedade em Geral;

- Síndrome do Pânico, fobias em geral, stress, procrastinação (ato de adiar as coisas);

- Transtorno Obsessivo compulsivo - TOC;

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- Transtornos alimentares: Obesidade, bulimia, anorexia;

- Outros transtornos psicológicos; » Problemas de aprendizagem no geral.

Automassagem para aliviar as dores - aprenda!

A auto massagem consiste na técnica da acupuntura por pressão, ou seja, uma compressão por pontos estratégicos.

Ao chegar em casa cansada depois de um dia longo de trabalho e sem ninguém para fazer uma massagem, essa técnica pode ser feita sozinha, em qualquer horário e tem efeito imediato.

Cabeça (enxaqueca) - Pressione a região da mandíbula com o dedo polegar. Faça esse movimento até aliviar a dor.

Pescoço - Com a mão esquerda, puxe o pescoço para o lado esquerdo e, ao mesmo tempo, leve a cabeça para o lado oposto (direita). Sempre olhando para frente. Permaneça nessa posição até aliviar a dor.

Ombros - Leve o braço direito para trás e, com a mão esquerda, segure o ombro direito e puxe para frente. Faça o movimento repetidas vezes.

Braços - Pressione com a mão esquerda sobre a região peitoral. Pressione e pare, repetidamente por 10 a 15 vezes. Repita do outro lado.

Mãos - Pressione o polegar esquerdo sobre a mão direita na região entre o dedo indicador e o polegar. Pressione e friccione, repita esse movimento até a dor passar. Repita o processo com a outra mão.

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Região lombar - Sentada, com a mão esquerda, pressione a região lateral interna da palma do pé esquerdo. Pressione e friccione até que a dor passe.

Quadril - Também sentada, com a mão direita, pressione a região lateral interna do calcanhar esquerdo. Pressione e friccione até a dor passar.

Reflexologia Podal ? Bem-Estar Físico e Emocional

Reflexologia é uma técnica específica de massagem aplicada a determinadas áreas dos pés que permite a recuperação gradativa do bem-estar.

Embora seja às vezes erroneamente confundida com massagem nos pés, a Reflexologia é capaz de avaliar e tratar distúrbios físicos e emocionais por meio de estímulos em plexos nervosos relacionados aos órgãos ou à característica emocional.

Os pés, as orelhas e a coluna são regiões com alta concentração de plexos nervosos que têm ligação com órgãos, sistemas e estados emocionais. Nos pés há uma representação fiel de todo o organismo e quando estimulados corretamente restabelecem o funcionamento e a saúde global do

organismo.

A Reflexologia aplicada na Tanggüh trás diversos benefícios, tanto quando aplicada isoladamente como em conjunto de outras técnicas potenciando o bem-estar físico e emocional. Esta terapia tem-

se mostrado também uma forma muito eficiente de desenvolver o autoconhecimento.

Os benefícios da técnica são inúmeros variando desde alivio de dores musculares, enxaquecas,

problemas alérgicos e digestivos, menopausa a até distúrbios por desordem emocional como depressão, ansiedade entre outros, prevenindo doenças e estabelecendo o equilíbrio.

A massagem ativa o mecanismo de cura que existe no interior de cada um de nós e seus efeitos são

cumulativos, ou seja, a cada nova sessão reforça-se a sensação de bem-estar físico e de paz interior, comprovando assim a sua eficácia.

A CALATONIA A "pele" e o "contato", suave e atento como parte integrante da Psicoterapia

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.

Rosa Maria Farah

Psicóloga- CRP 06/1315

Professora da Faculdade de Psicologia da PUCSP, onde Coordena o Núcleo: "Integração Psicofísica".

Observação: Este texto foi originalmente elaborado com o objetivo de apresentar aos nossos alunos uma visão sintética sobre a Calatonia e o trabalho desenvolvido por Pethö Sándor, criador desse método de trabalho psicoterapeutico.

Tento encontrar um bom modo de contar ao leitor, um pouco s obre esta forma de trabalho em psicoterapia. Se possível um modo claro e simples, como aquele util izado por seu autor - Prof. Pethö Sándor - quando falava a respeito de seu método. Penso que uma boa maneira de iniciar nossa conversa possa ser através de um breve histórico sobre sua origem.

O Dr. Sándor era um médico - nascido na Hungria - que na época da segunda grande guerra mundial trabalhava no atendimento de feridos e refugiados em deslocamento pela Europa. Naquele período, dadas as precárias condições geradas pela guerra, com freqüência via -se diante de situações onde os recursos médicos, além de precários, eram de pouca ajuda no atendimento de seus pacientes. Embora sua especialidade fosse a Ginecologia/Obstetrícia, foi

designado para o cuidado de pes soas portadoras dos mais variados traumatismos, conforme ele mesmo relatou, ao falar sobre o surgimento de seu método:

"Idealizou-se este método durante a segunda guerra mundial, com base nas observações feitas em casos de readaptação de feridos e congelados, no período posterior à grande retirada da Rússia. Num hospital da Cruz Vermelha

foram atendidas as mais diferentes queixas na fase pós operatória, desde membros fantasma e abalamento nervoso, até depressões e reações compulsivas" (1) .

Era praticamente impossível, frente à estas pessoas, estabelecer um limite entre o traumatismo físico e o sofrimento psicológico que os atingia. Mas Sándor já estava atento às estreitas relações existentes entre nossos processos corporais e nosso funcionamento psicoemocional. Foi portanto nestas condições algo dramáticas de trabalho, que ele

tentou util izar, sem sucesso, os 'métodos de relaxamento' usuais na época, como por exemplo o método de Shultz. Porém, a gravidade das condições destes pacientes não lhes permitiam a c oncentração e a colaboração necessárias para a aplicação deste método. Foi quando Sándor observou o seguinte:

"Percebeu-se então, que além da medicação costumeira e dos cuidados de rotina, o contato bipessoal, juntamente com a manipulação suave nas extremidades e na nuca, com certas modificações leves quanto à posição das partes

manipuladas, produzia descontração muscular, comutações vasomotoras e recondicionamento do ânimo dos operados, numa escala pouco esperada."(2)

As duas citações acima foram extraídas de um texto dirigido à profissionais. Mas, se traduzirmos sua observação para uma linguagem do cotidiano, podemos dizer que, em síntese, ele está nos contando como e quando começou a perceber "a atuação terapeutica propiciada pelo contato suave atento e cuidadoso", ajudando na recuperação daqueles pacientes.

Quem conhece um pouco da história pessoal do Dr. Sándor sabe o quanto ele mesmo, bem como sua família, foram duramente atingidos pelos horrores da guerra. No entanto, podemos perceber, nas entrelinhas da sua descrição, o tipo de conduta que o levou à estas observações: a atitude compassiva e amorosa que assumia diante do sofrimento de seus pacientes...!

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Por mais três anos Sándor trabalhou na Alemanha, cuidando de pacientes com queixas psicológicas ou neuropsiquiátricas. Neste período já começava a sistematizar e fundamentar sua técnica - a primeira sequência dos toques sutis da Calatonia - com base nos conhecimentos da Psicologia e da Neurologia. Em 1949 emigrou para o Brasil, onde prosseguiu seu trabalho, atuando principalmente na área da Psicologia.

Vivendo já em São Paulo, como terapeuta e professor, passou a aplicar e ensinar a Calatonia, que passou a ser conhecida por seus alunos, como um "método de relaxamento". E, como tal, passou a ser util izada no atendimento psicoterapêutico.

Já sabemos como a Calatonia surgiu, e como chegou até nós. Mas, afinal, no que consiste? Como atua? No que ela difere de outros métodos de relaxamento? Qual sua util idade? No significado do próprio termo encontramos algu ns elementos para responder à estas questões:

Segundo o próprio Prof. Sándor, Calatonia é uma expressão que

"... indica um tônus descontraído, solto, mas não apenas do ponto de vista estático e muscular. No original grego o

verbo khalaó indica relaxação e também alimentação, afastar-se do estado de ira, fúria, violência, abrir uma porta, desatar as amarras de um odre, deixar ir, perdoar aos pais, retirar todos os véus dos olhos, etc." (3)

Portanto, podemos dizer que a Calatonia, enquanto método de relaxamento visa, evidentemente, promover efeitos de soltura e/ou distensão muscular, ou seja a "regulação" do tônus. Mas sua atuação vai além do nível apenas muscular, promovendo também "reorganizações psico-fisiológicas" em vários níveis.

Vejamos como isto acontece: o procedimento básico da Calatonia consiste em uma série de "toques", que o terapeuta realiza em vários pontos do corpo do cliente; A sequência de toques mais conhecida - pois foi a primeira ensinada por Sándor - é realizada em nove pontos da área dos pés, acrescida de um toque na nuca (região occipital). Estes toques são feitos em silêncio, de forma simples e suave, durante 1 a 2 minutos em cada um dos pontos citados. Portanto os estímulos realizados pelo terapeuta vão atuar, em princípio, sobre a pele da pessoa que os recebe.

Vale aqui pararmos um momento para mencionar algumas características muito especiais da nossa pele. Esta espécie de "envelope" que estabelece os l imites do nosso corpo é, na verdade, altamente provida de minúsculas estruturas: os receptores nervosos. Estudos mais recentes sobre as particularidades e funções dos receptores nervosos da pele já

fazem com que autores como Montagu (4) considerem a pele como um "órgão", e não apenas um tecido que nos protege das intempéries...

Assim, segundo este enfoque, a pele é considerada como o nosso principal aparato sensorial. Não apenas porque os nossos órgãos dos sentidos sejam, na verdade, tecido cutâneo que se diferenciou (como acontece com as mucosas da

boca, na percepção do paladar); Mas principalmente porque cada milímetro de nossa pele é provido de numerosos "receptores nervosos", ou seja, estruturas neurológicas capazes de captar e conduzir os variados tipos de estímulos: calor, frio, pressão, etc. Como se fossem minúsculos radares, nos mantêm informados sobre a infinidade de estímulos à que somos submetidos à cada instante.

Mas existe ainda uma outra característica importante da pele, que diz respeito à sua própria origem e formação durante nosso desenvolvimento ainda no útero materno: As células que lhe dão origem provêm da mesma camada embrionária da qual se forma nosso sistema nervoso central, ou seja, a ectoderme. A descrição deste fato levou o pesquisador

Montagu a escrever esta curiosa observação: "Portanto, o sistema nervoso é uma parte escondida da pele, ou ao contrário, a pele pode ser considerada como a porção exposta do sistema nervoso". (5)

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As implicações deste fato podem ser observadas na própria estrutura da nossa pele. Para i lustrar este comentário vamos apresentar no quadro a seguir uma síntese das descrições feitas pelo mesmo autor Montagu (6) sobre a constituição da estrutura da nossa pele. Vejamos como essa estrutura é altamente complexa e potencialmente "sensível" aos estímulos táteis:

Algumas Características da Estrutura da Pele

a. O sentido do tato é o primeiro a ser desenvolvido no feto, podendo ser observado ainda no período embrionário, a partir da 6a. semana de vida intra-uterina. b. Média de Corpúsculos de Meissmer presentes na epiderme por milímetro quadra do:

- Cerca de 80 em crianças. - Cerca de 20 em adultos. - Cerca de 4 em idosos.

c. Média de receptores nervosos presentes a cada 100mm2. de pele: Cerca de 640.000. d. Pontos táteis por cm2 de pele: Cerca de 7 a 135. e. Número de fibras nervosas oriundas da pele que entram na medula espinal, conduzindo estímulos aferentes: Superior a meio milhão.

f. Outras estruturas presentes em um pedaço de pele com 3 cm de diâmetro: - 3 milhões de células. - Entre 100 e 340 glândulas sudoríparas. - 50 terminações nervosas. - 90 cm de vasos sanguíneos.

Falando agora do ponto de vista da Psicologia, encontramos hoje em vários autores o reconhecimento da importância do contato - no sentido literal do termo - tanto para o adequado desenvolvimento de uma criança, quanto para a

manutenção do equilíbrio psicofísico do adulto. Aliás, se olharmos um pouquinho para trás, vamos perceber que este nem é um achado tão recente da Psicologia: Jung já dizia, em 1935, que no tempo de nossos ancestrais a "consciência" humana formou-se a partir do "relacionamento sensorial da nossa pele com o mundo exterior" (7).

Pesquisadores como Neumann (8) ao estudarem o desenvolvimento infantil, expressaram uma idéia semelhante, ao

afirmar que no recém nascido "noção de eu" forma -se gradativamente, a partir do contato que se estabelece entre a criança e sua mãe.

Voltando agora à forma de atuação da Calatonia: Já dissemos que os toques são realizados na pele. Estes estímulos vão portanto atuar sobre os inúmeros receptores nervosos ali existentes. E, mais ainda: vão se propagar naturalmente (9)

(através das vias neurológicas aos quais estão conectados) para o sistema nervoso como um todo. Daí percebermos, na prática, que tal atuação se expressa de forma muito particular para cada pessoa com quem trabalhamo s.

Para alguns, podem surgir, predominantemente, reações ao nível fisiológico e/ou motor (como "sensações", ou movimentos mais ou menos sutis); Para outros em termos afetivo/emocionais, (na forma de recordações, associações,

etc.); Para outros ainda podem ocorrer alterações do estado de consciência análogos àqueles promovidos pela 'meditação', com a eventual recordação de imagens. Imagens estas que, do ponto de vista psicoterapeutico, têm um valor semelhante ao valor dos sonhos.

Assim, a Calatonia atua potencialmente em vários níveis sobre a complexa estrutura psicofísica de cada indivíduo,

trazendo à tona elementos, que podem ser elaborados dentro do contexto da psicoterapia. Além disso, pode atuar também promovendo "reequilibrações" do sistema psicofísico, através de processos mais sutís, e um tanto complexos

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para que os abordemos aqui. Para os leitores interessados neste aspecto, sugerimos a leitura dos casos clínicos relatados no livro "Técnicas de Relaxamento" (10), indicado ao final.

Mas, se aceitarmos que a principal meta da psicoterapia é criar condições para que a pessoa amplie a consciência que tem de si própria, a ponto de poder expressar tão plenamente quanto possível suas potencialidades individuais com

equilíbrio e criatividade; Se aceitarmos ainda que cada pessoa é um todo indivisível e que seu corpo e seu psiquismo são apenas diferentes formas de expressão desta mesma unidade sincrônica, então podemos entender a função da Calatonia, como um importante recurso na facil itação do nosso acesso ao mundo interno do ser humano.

Conforme podemos perceber no parágrafo acima, a forma de trabalho terapêutico que Sándor desenvolveu trás

implícita uma determinada maneira de entender tanto a natureza do ser humano, quanto a função da psicoterapia. De fato, a Calatonia, mais do que uma simples técnica, (que se define pelos seus procedimentos práticos) constitui -se hoje em um método de trabalho terapêutico. Método este que integra elementos da Psicologia Profunda (em especial as idéias de Jung) visando promover a integração psicofísica do indivíduo.

Pode ser importante ainda acrescentar aqui algo a respeito dos desenvolvimentos mais atuais deste método. Com relação aos toques descritos no início desta nossa conversa, cabe dizer que aquela foi a forma inicial da Calatonia. Ao longo de mais de quarenta anos de trabalho o Prof. Sándor foi acrescentando inúmeros outros procedimentos àquela sequência inicial, conhecida como "toques nos pés": Mantendo sempre as características básicas da atuação (ou seja os

estímulos táteis, realizados de forma suave) idealizou muitas novas formas de toques, além de realizar e transmitir aos seus alunos farta pesquisa sobre os processos anátamo/fisiológicos envolvidos na aplicação destes toques.

Finalmente, cabe dizer ainda que este método, embora tão estreitamente baseado em fundamentos psicológicos, não se constitui em um recurso de uso estritamente psicoterapêutico. Vários colegas, de áreas afins têm já relatado a sua efetiva util idade em campos variados, tais como na Fonoaudiologia, na Fisioterapia, na Odontologia, na Pedagogia, etc.

O Prof. Sándor veio a falecer, de forma inesperada para nós, a 28 de Janeiro de 1992, ainda em plena atividade criativa. Seu trabalho no entanto continua através das atividades de vários grupos de es tudos, conduzidos por seus ex-alunos.

Prosseguem também, no Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo, as atividades do curso de "Cinesiologia Psicológica", ao qual Sándor vinha se dedicando com especial empenho nos últimos anos, promovendo a formação de nov os terapeutas.

Referências Bibliográficas:

1. Em "Técnicas de Relaxamento", Pethö Sándor e outros, Ed. Vetor; São Paulo: Capítulo sobre a Calatonia.

2. Ib.

3. Ib.

4. "Tocar: o Significado Humano da Pele", A. Montagu, Ed. Summus; São Paulo.

5. Ib. Pág. 23.

6. Ib.

7. Em "Fundamentos de Psicologia Analítica", C.G. Jung, Ed. Vozes; Petrópolis, pág. 5, parágrafo 14.

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8. Neumann, E. : "A Criança - Estruturas e Dinâmica da Personalidade em Desenvolvimento desde o Início de sua Formação", Ed. Cultrix; São Paulo.

9. Destacamos a forma "suave", bem como a "propagação natural" dos estímulos táteis util izados na Calatonia, porque estas características nos permitirão distinguí-la de outros métodos de relaxamento. Cada uma das demais técnicas já conhecidas util iza-se de outros estímulos preferenciais. Mas em geral pressupõem, através de determinadas

'instruções', que o terapeuta dirija verbalmente o comportamento que deve ser realizado pelo cliente. Existe portanto, nestas formas de trabalho, algum padrão pre-estabelecido, acerca dos resultados que se pretende atingir com aquele procedimento, padrão este que é definido, obviamente, pelo terapeuta. Mesmo na maioria das formas de massagens util izadas para fins de relaxamento, a atuação do terapeuta, visa "diluir a tensão" dos grupos musculares que manipula.

Não se trata aqui de fazermos uma comparação avaliativa. Cada uma destas técnicas têm suas indicações úteis. Estamos apenas estabelecendo uma diferenciação importante quando se trata do trabalho corporal util izado dentro d a psicoterapia. No caso do uso psicoterapêutico a Calatonia é um método de relaxamento em que a direção e a medida do ritmo dos procedimentos são definidos e determinados individualmente pela própria estrutura psicofísica da pessoa que passa pelo processo.

10. Obra citada em 1, capítulos elaborados pelas terapeutas Beatriz Helena Marques Mauro e Maria Isabella de Santis. Além destes, poderão ainda ser consultados (nas bibliotecas universitárias da USP e PUC-SP) trabalhos de pesquisa para obtenção de títulos de mestrado e doutoramento, de vários ex-alunos de Sándor.