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    17Ius Gentium - Curitiba, ano 7, n. 13, p. 17- 30, jan/jun 2013

    NOV HERMENUTIC CONSTITUCION L E OS

    POTENCI IS TORES SOCI IS

    THE NEW CONSTITUTIONAL HERMENEUTICS AND THE POTENTIAL SOCIALACTORS

    Karoline Mafra Sarmento Beserra

    Mestranda em Fundamentos Constitucionais dos Direitos pela Universidade Federal de Alagoas. Ps-graduada em Direito Processual. Atualmente Coordena o Curso de Direito da Faculdade IntegradaTiradentes. Professora de Direito Processual Civil da Faculdade Integrada Tiradentes. Advogada.

    RESUMO

    O presente artigo busca uma reflexo sobre a hermenutica constitucional, demonstrando a importnciada hermenutica na cincia jurdica para a aplicabilidade do direito. Assim, partiremos de um estudosinttico da hermenutica tradicional, na qual a interpretao vista sob a perspectiva normativo-metodolgica. Ou seja, um conjunto de mtodos e tcnicas destinado a interpretar a essncia da norma.Seguiremos analisando a importncia da interpretao constitucional para a consolidao e aprimoramentodo Estado Democrtico de Direito. Ao final, traremos a viso de Peter Hberle sobre a hermenuticaconstitucional. Segundo Hberle, o processo hermenutico visto como parte integrante no momento deinterpretar a norma - a sociedade aberta dos intrpretes da constituio - como forma de aproximar anorma da realidade.

    Palavras-chave: Hermenutica. Hermenutica Constitucional. Interpretao Constitucional. Sociedadeaberta. Peter Hberle.

    ABSTRACT

    The present article proposes a reflection on the constitutional hermeneutics, demonstrating theimportance of hermeneutics in juridical science for the applicability of the law. Thus, the starting point willbe a concise study of traditional hermeneutics, in which the interpretation is seen under the normative andmethodological perspective. In other words, a set of methods and techniques intended to interpret theessence of the standard. It will be reviewed the importance of constitutional interpretation for theconsolidation and enhancement of the Democratic State under Rule of Law. At the end, Peter Hberlesvision on hermeneutics constitutional will be introduced. According to Hberle, the hermeneutic process is

    regarded as an integral part of the interpretation of the norm - the open society of constitution interpreters- as a way of bringing the norm closer to reality.

    Key words: Hermeneutics. Constitutional hermeneutics. Constitutional interpretation. Open Society. PeterHberle.

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    INTRODUO

    A palavra tem um contedo semntico que deve, pois, ser respeitado.

    partindo dele que se pode extrair a essncia de um direito. Antes de se dizer o que odireito significa, preciso deixar primeiramente que a palavra nos diga algo. Assim,

    independentemente de qual teoria seja adotada, a palavra definir um contedo, e a

    restrio que se opere no poder esvaziar o significado da palavra.

    Assim, utilizando-se a hermenutica possvel fazer uma leitura do texto

    dentro de um contexto, de um sujeito situado na histria, na vida, em diversas situaes e

    momentos. Obviamente, no se pode ensejar uma interpretao promscua, extraindo

    qualquer significado do texto. Assim tambm, no se podem desprezar as leituras feitas

    pelo sujeito inserido no mundo. Tem-se que dialogar com as tradies, em uma dinmica

    argumentativa visando estabilizao, mas no se pode ficar adstrito a uma

    interpretao fechada, que priorize somente os procedimentos formalizados pelos

    operadores oficiais das normas.

    Dessa forma, em que pese as peculiaridades de cada caso em busca da

    interpretao mais adequada, possvel ver razo nos pensamentos de Peter Hberle.

    Esse filsofo defende que todo aquele que vive num contexto regulado por uma norma e

    que vive indireta ou at mesmo diretamente esse contexto um intrprete dessa norma.

    Hberle1defende que quanto mais aberta sociedade, maior a participao dos

    cidados na hermenutica constitucional.

    A ideia de Hberle sustenta que o processo hermenutico que permite a

    participao da sociedade aberta, sociedade esta, que admite que os atores

    (destinatrio) da norma direta ou indiretamente possam contribuir para a formao do

    convencimento do magistrado, constri um sentido mais justo da norma.

    nesse contexto, que se passar a discorrer sobre a nova hermenutica

    constitucional, trazendo a ideia de Peter Hberle. Assim, neste artigo far-se- uma breve

    anlise na hermenutica tradicional, reportar-se- a importncia hodierna da

    interpretao constitucional das normas e, por fim, mostrar-se- o novo paradigma da

    1HBELE, Peter. Hermenutica Constitucional A Sociedade aberta dos interpretes da constituio:Contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da constituio. Traduo de Gilmar FerreiraMendes. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antnio Fabris Editor, 2002, p.15.

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    nova hermenutica constitucional, que contempla todos os potenciais atores sociais no

    processo hermenutico em busca de aproximar a norma da realidade, tornando-a mais

    adequada e justa.

    UMA VISO DA HERMENUTICA TRADICIONAL

    A insero do homem na sociedade exige do ser humano permanente e

    efetiva percepo do mundo, o que se torna realizvel por intermdio, primeiramente, da

    interpretao das palavras.

    Sendo assim, viver estar condenado a interpretar constantemente. estar

    submetido a tirar sentido de tudo a cada instante, captar sentido e, ao mesmo tempo,

    ensejar sentido a ser captado pelos outros. Eis a teia da comunicao, que se instaura

    atravs das palavras e dos seus significados.

    Desse modo, se a palavra ou o simples ato de captao do seu sentido se d

    atravs da interpretao, as regras pelas quais ela se opera e o entendimento de suas

    estruturas e do seu funcionamento, enfim, o entendimento dos seus contedos atua

    atravs da hermenutica.

    Hermenutica uma palavra de origem grega, estando vinculada a Hermes.

    Hermes era tradutor da linguagem dos Deuses, era intrprete da vontade divina,

    tornando-a acessvel aos homens2.

    No obstante, a palavra hermenutica pode ser conceituada como campo doconhecimento humano, pode ser definida como Teoria ou Filosofia da interpretao do

    sentido 3 . Pode-se, portanto, conceitu-la como a pesquisa ou o conhecimento

    referentes s estruturas e ao funcionamento de interpretao.

    Quando nos referimos hermenutica jurdica, podemos defini-la como a

    teoria que se dirige a compreenso do ordenamento jurdico. Assim nos ensina Carlos

    2NADER, Paulo. Introduo ao Estudo do Direito. 23. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2003. p. 255.3LIXA, Ivone Fernandes Morcilo. Hermenutica e Direito: uma possibilidade crtica. Curitiba : Juru, 2003,p. 17.

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    Maximiliano 4 , a hermenutica jurdica tem como objeto o estudo, a anlise e a

    sistematizao dos processos aplicveis para determinar o sentido e o alcance das

    expresses do direito.

    Por sua vez, a hermenutica jurdica tradicional tem sua matriz terica alocada

    no positivismo jurdico, onde a viso tradicional da hermenutica considerada como um

    conjunto de mtodos e tcnicas destinados a interpretar a essncia da norma, isto , um

    problema normativo e metodolgico.

    Destarte, para o positivismo jurdico, o Direito um fato e no um valor. O

    jurista deve estudar o direito, do mesmo modo que o cientista estuda a realidade natural,

    vale dizer, abstendo-se de formular juzos de valor. Deste comportamento deriva uma

    teoria formalista da validade do direito. A busca de objetividade cientfica apartou o

    Direito da moral, concebendo o fenmeno jurdico como uma emanao imperativa e

    coativa do Estado. O sistema jurdico passou a ser entendido como um sistema fechado,

    axiomatizado e hierarquizado de normas.

    Nesse sentido, a hermenutica jurdica tradicional vista como uma atividade

    tcnico-operacional, em que o parmetro de Direito exatamente igual Regra e assim,

    portanto, a hermenutica tradicional a mera adaptao do fato norma.Corroborando com entendimento acima, encontramos nos ensinamentos de

    Kelsen5que se baseiam no positivismo jurdico, a fundamentao de uma teoria cientfica

    do direito positivo, relacionada a dois tipos de interpretaes: autntica do rgo

    julgador e no-autntica formulada pela cincia jurdica, onde podemos vislumbrar

    que o deverde Kelsen coaduna com a ideia de Direito Posto, ou de relacionar-se Direito

    exclusivamente com Regra. Nesse diapaso, sinteticamente, podemos dizer que a

    hermenutica jurdica tradicional a interpretao vista sob a perspectiva normativo-

    metodolgica, isto , um conjunto de mtodos e tcnicas destinado a interpretar a

    essncia da norma baseada no Direito posto pelo legislador. O direito seria concebido

    como lei e as relaes entre elas, extraindo-se disso, que tudo o que no for lei estaria

    fora da cincia jurdica. A cincia do Direito passou a fundar-se em juzos de fato e no em

    4MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2011, p.1.5KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, trad. Joo Batista Machado. 6 Ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998,p. 387-395.

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    juzos de valor, que representam uma tomada de posio diante da realidade, esvaziando

    o debate sobre a legitimidade e a justia.

    Ocorre que, o positivismo jurdico, em suas mais diversas manifestaes,

    revela propostas limitadas e insatisfatrias. Dessa forma, a constatao de que o direito

    no se resume a um sistema fechado de regras legais abriu margem para que fossem

    oferecidos novos tratamentos cognitivos ao fenmeno jurdico. Buscou-se, ento,

    conceber-se a ordem jurdica como um sistema plural, dinmico e aberto aos fatos e

    valores sociais. A proposta de uma nova grade de compreenso das relaes entre

    direito, moral e poltica.

    Assim, a hermenutica tradicional vem sofrendo crticas pelos operados do

    direito que defendem o ps-positivismo jurdico, como tambm o neoconstitucionalismo .

    O ps-positivismo jurdico afirma que a hermenutica jurdica no deva restringir-se a lei e

    aplicao de leis, havendo de se almejar uma razo prtica, imbuda de incessante busca

    da deciso justa. Deciso esta carreada de instrumentos jurdicos como

    proporcionalidade, ponderao de valores e razoabilidade, fazendo-se prevalecer

    efetiva operabilidade do sistema jurdico, levando em considerao os princpios. Assim

    afirma Barroso6

    :

    O ps-positivismo a designao provisria e genrica de umiderio difuso, no qual se incluem a definio das relaes entrevalores, princpios e regras, aspectos da chamada novahermenutica e a teoria dos direitos fundamentais.

    J o neoconstitucionalismo, por sua vez, interpreta a norma diante da

    hermenutica constitucional, que se fundamenta na ordem democrtica da Constituio,

    estando abalizada na sua fora normativa, no desenvolvimento da teoria dos direitos

    fundamentais e no desenvolvimento da jurisdio constitucional.

    6BARROSO, Lus Roberto. Fundamentos Tericos e Filosficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro(Ps-modernidade, Teoria Crtica e Ps-Positivismo). In ANova Interpretao Constitucional: Ponderao,Direitos Fundamentais e Relaes Privadas. Lus Roberto Barroso (organizador). 2 Edio. Rio de Janeiro :Renovar, 2006, p. 27-28.

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    Assim, surge uma nova hermenutica para a compreenso do ordenamento

    jurdico, que passaremos a analisar neste artigo diante da interpretao constitucional,

    bem como diante dos ensinamentos de Peter Hberle.

    INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    O Direito nasceu para regular as relaes humanas na sociedade, isso ponto

    pacfico, e, portanto, suas normas no so produtos de um mero capricho do soberano

    (legislativo), mas para atender aos interesses dos indivduos, buscando estabilidade e

    segurana jurdica nas relaes. Sendo assim, interpretar uma norma no simplesmente

    esclarecer seus termos de forma abstrata, mas, sobretudo, revelar o sentido apropriado

    para vida real e capaz de conduzir a uma aplicao justa.

    Dessa forma, as leis so formuladas em termos gerais e abstratos, para que se

    possam estender a todos os casos da mesma espcie. Passar do texto abstrato ao

    concreto, da norma jurdica ao fato real, tarefa do aplicador do direito. Nessa tarefa, o

    primeiro trabalho consiste em fixar o verdadeiro sentido da norma jurdica e, em seguida,

    determinar o seu alcance ou extenso7. Surge assim a interpretao. Interpretar no

    ordenamento jurdico fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma jurdica. Por

    sua vez, hermenutica a teoria cientfica da interpretao.

    Como a lei no se destina a um corpo social qualquer, mas a uma sociedade

    viva, em mobilidade, tendo pocas de crise, outras de estabilidade e de desenvolvimento, pela interpretao, que se deve adaptar a velha lei aos novos tempos, sem, entretanto,

    abandon-la.

    Da a necessidade de interpretao de todas as normas jurdicas, buscando

    adaptar aos anseios da sociedade.

    7 MONTORO, Andr Franco. Introduo cincia do direito. 28. Ed. So Paulo: Editora Revistas dosTribunais, 2009, p. 419.

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    Sendo assim, a interpretao pode ser classificada em diferentes critrios e

    mtodos, mas neste artigo vamos apenas no reservar a tratar da interpretao

    constitucional que serve de alicerce para a interpretao das demais normas jurdicas. A

    interpretao constitucional busca compreender, investigar e revelar o contedo, o

    significado e o alcance das normas que integram a Constituio. uma atividade de

    mediao que torna possvel concretizar, realizar e aplicar as normas constitucionais.

    Nos ensinamentos de Canotilho8, interpretao constitucional significa (como

    toda a interpretao de normas jurdicas) compreender, investigar e mediatizar o

    contedo semntico dos enunciados lingusticos que formam o texto constitucional.

    Registra-se que a Constituio no se resume apenas ao conjunto de normas,

    mas sim, representa um conjunto de fatores sociais, polticos, econmicos e outros. Por

    isso, analisar a Constituio de um pas, bem como sua formao e evoluo, significa a

    anlise do desenvolvimento do prprio Estado. E, retratar a possibilidade de evoluo

    reconhecer que o texto constitucional ptrio deve ser modificado, a fim de que se atenda

    aos anseios sociais, dentre outros.

    Paulo Bonavides9assinala que "a moderna interpretao da Constituio

    deriva de um estado de inconformismo de alguns juristas com o positivismo lgico-formalque tanto prosperou na poca do Estado liberal". Assim, dessa moderna interpretao da

    Constituio que nasceu o constitucionalismo10, buscando a segurana das relaes e

    proteo do indivduo por ser a essncia do Estado Democrtico de Direito, que est

    marcado pela proteo dos direito fundamentais contra a interferncia do Estado.

    E, em busca de interpretar a norma, com todas essas referncias acima,

    observamos que a interpretao constitucional vem ganhando fora dentro do processo

    hermenutico, uma vez que a Constituio o documento normativo mais importante de

    um Estado. Todo o ordenamento jurdico dever nela buscar sua validade, pois ocupa o

    8CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra, Almedina, 1993, p. 208.9BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo, Malheiros, 1994, p. 424.10A memria do constitucionalismo est atrelada ao movimento arrebatado de positivao dos direitos egarantias aptos a salvaguardar os indivduos contra arbtrio do Estado. Ele se caracteriza peloaperfeioamento de tcnicas de interpretao que limita o poder poltico, por universalizar e privilegiar osdireitos e liberdades, com suas respectivas garantias constitucionais.

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    topo da pirmide normativa11, sendo reconhecida atravs da doutrina pela supremacia de

    suas normas.

    Nesse contexto, observa-se que a interpretao do Direito Constitucional

    evoluiu com grande velocidade nesses anos, e essa evoluo, consequncia de um mundo

    dinmico e complexo, trouxe um novo constitucionalismo hoje vivenciado. Ao Direito foi

    assimilada forte carga axiolgica e os princpios constitucionais assumiram papel de

    grande relevncia, os quais incidem sobre toda a ordem jurdica, em sua compreenso e

    aplicao em busca de concretizar os direitos fundamentais.

    Desse modo, a viso contempornea do Direito, concebida pela estrutura do

    constitucionalismo atual, no admite seu isolamento em face da sociedade, pois, o

    Direito, ao absorver valores sociais fundamentais, saiu da redoma onde permanecera

    intangvel por longas dcadas, impregnando-se como ideal de justia e da certeza de que

    somente existe para realizar um bem maior, que de servir proteo de todo corpo

    social.

    Assim, por a Constituio possuir normas de carter aberto que permitem a

    atualizao na sua interpretao e por serem capazes de renovar constantemente a

    ordem jurdica, para comportar dentro dos limites por ela traados s mudanas operadasna sociedade, que os modernos mtodos de interpretao constitucional caracterizam-

    se, pois, pelo abandono do formalismo clssico e pela construo de uma hermenutica

    material da Constituio.

    E, em razo dessa hermenutica material da Constituio, com uma nova

    abordagem em relao aos mtodos hermenuticos, construindo uma nova

    hermenutica direcionada a dar resposta a aspectos da realidade social, atravs da

    participao da sociedade no momento da interpretao - como intrpretes latos12- para

    que se possa construir o verdadeiro significado da norma, que vem surgindo nova

    hermenutica constitucional defendida por festejados autores alemes13, que constatam

    limitaes na hermenutica tradicional para concretizao dos direitos.

    11Denominao dada por Hans Kelsen.12So os atores sociais, os intrpretes leigos, envolvidos no problema em questo, conceito atribudo porPeter Hberle.13Konrad Hesse, Friedrich Mller e Peter Hberle.

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    Nesse diapaso, a interpretao constitucional vem ganhando um novo

    enfoque atribudo pela doutrina alem, que neste artigo nos restringiremos a analisar

    diante da viso de Peter Hberle.

    A NOVA HERMENUTICA CONSTITUCIONAL POR PETER HBERLE

    Durante algum tempo, a premissa Direito lei gozou de especial prestgio e

    assim foi interpretada pelos positivistas, mas, pela nova tendncia constitucional, essa

    definio no supre as implicaes e necessidades que a palavra Direito reclama. Isso

    porque a sociedade moderna pluralista cria uma infinita constelao de relaes

    intersubjetivas que extrapolam o individualismo, como o reconhecimento dos direitos

    fundamentais e a ateno dada aos princpios que so verdadeiras fontes do Direito, com

    verdadeiro carter dirigista para responder s questes sociais, que precisamos estar

    atendo aos novos tipos de interpretao.

    Assim, em busca de interpretar o Direito para adequar a realidade social,permitindo que o julgador profira decises mais justas e adequadas para a concretizao

    dos direitos fundamentais, que o processo hermenutico vem sofrendo influncia da

    nova hermenutica constitucional.

    A nova hermenutica constitucional afirma que a interpretao constitucional

    no pode ficar adstrita a uma interpretao fechada, que priorize somente os

    procedimentos formalizados pelos operadores oficiais das normas - Juzes e Legisladores

    mas que considere todos os potenciais atores sociais, participantes materiais do

    fenmeno social, como os cidados e grupos de interesse, rgos estatais, o sistema

    pblico, dentre outros. Esses constituem foras produtivas de interpretao, atuando

    como pr-intrpretes do complexo normativo constitucional, ou intrpretes

    constitucionais em sentido lato14.

    14 HBELE, Peter. Hermenutica Constitucional A Sociedade aberta dos interpretes da constituio:Contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da constituio. Traduo de Gilmar FerreiraMendes. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antnio Fabris Editor, 2002, p. 9.

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    Afirma Hberle, a interpretao h de ser to mais aberta quanto mais

    pluralista e complexa for a sociedade15. Isso significa que a teoria da interpretao

    constitucional deve ser garantida sob a influncia da teoria democrtica. Portanto,

    impensvel uma interpretao da Constituio sem o cidado ativo e sem as potncias

    pblicas mencionadas.

    Para a nova hermenutica constitucional, que defende a participao da

    sociedade aberta no processo hermenutico, no tocante a interpretao constitucional,

    busca superar o modelo lgico-dedutivo da hermenutica tradicional, propondo um

    abandono ao modelo de interpretao da sociedade fechada, que reduz seu mbito de

    investigao na interpretao constitucional dos Juzes e nos procedimentosformalizados.

    Assim, a nova hermenutica considera que a teoria da interpretao

    constitucional deva considerar seriamente o tema Constituio e realidade

    constitucional16- possibilitando que nova maneira de interpretar aproxime a norma da

    realidade, e nesse contexto, permita uma boa preparao do magistrado para considerar

    todos os pontos e opinies presentes na sociedade antes de formar o seu

    convencimento17.

    Preleciona Hberle18, que a interpretao um processo aberto, uma vez que

    a norma no uma deciso prvia, simples e acabada. No , pois, um processo de

    passiva submisso, nem se confunde com a recepo de uma ordem. A interpretao

    conhece possibilidades e alternativas diversas. A ampliao do crculo dos intrpretes

    apenas a consequncia da necessidade de integrao da realidade no processo de

    interpretao. que os intrpretes em sentido lato compem a realidade pluralista, umavez que os magistrados no decidem de forma isolada, pois so influenciados pelos

    15HBERLE, Peter. Op. cit., p. 13.16HBERLE, Peter. Op. cit., p. 13.17SILVA JNIOR, Antnio Soares. A hermenutica constitucional de Peter Hberle : a mudana doparadigma jurdico de participao popular no fenmeno de criao/interpretao normativa segundo ateoria concretista. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n 1208, out. 2006, p. 6. Disponvel emhttp://jus.uol.com.br.Acesso em 13/08/2011.18HBERLE, Peter. Op. cit., p. 30.

    http://jus.uol.com.br/http://jus.uol.com.br/http://jus.uol.com.br/
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    potenciais atores sociais que propiciaro um contato maior com realidade, possibilitando

    decises mais razoveis e justas.

    Nesse contexto, a interpretao da Constituio no de competnciaexclusiva do Estado. Hberle no coaduna com a limitao de competncia para a

    interpretao. Defende ser interpretao constitucional toda aquela realizada pelos que

    vivem a norma - sociedade aberta -, independente de serem estes capazes de levar a cabo

    a uma anlise interpretativa sem paixes ou tendncias e com observncia de todos os

    preceitos e processos hermenuticos e, ainda, se so legitimados ou no para aplic-la ao

    fato. Assim, todos os cidados tm o direito de interpret-la. Para Hberle, aumentar esse

    crculo de intrpretes dar fora a nao. Assim, no existe norma jurdica seno normajurdica interpretada19.

    Ensina ainda o autor, que afastar o povo da competncia de elaborar um texto

    constitucional e ainda negar legitimidade para que seja um exegeta constitucional, seja

    por meio das aes constitucionais, seja por meio da participao no processo de

    interpretao, seria mitigao da soberania popular.

    Sobre o assunto afirma Paulo Bonavides

    20

    : A democracia de Hberle, sensvela uma espcie de metodologia tpica e concretista, a que serve de escudo, no a do

    povo-massa, absoluto, possuidor de um gnero de Direito divino, mas a do povo cidado,

    artfice de uma democracia de cidados. Assim, o povo um elemento pluralista para

    interpretao que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional, ou

    seja, na democracia liberal, o cidado intrprete da Constituio.

    Enfim, a nova hermenutica constitucional afirma que h incontveis

    intrpretes das normas constitucionais, permitindo a participao da sociedade aberta no

    momento da interpretao, para aproximar o magistrado da realidade, na busca de

    solues capazes de ensejar a harmonia social e o aperfeioamento da ordem jurdica na

    concretizao dos direitos. E, assim, que se mostram as potencialidades do processo

    hermenutico, em que a nova hermenutica constitucional insere os reais atores sociais

    19HBERLE, Peter. Op. cit., p. 9.20BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24. Ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 515.

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    para a construo da interpretao da norma, buscando adaptar as leis concretude dos

    fatos advindas da realidade social.

    CONSIDERAES FINAIS

    Vivemos hoje um Estado garantidor e efetivador de direitos, que tem levado

    em considerao o processo hermenutico constitucional para a concretizao dos

    direitos, em busca de resguardar os direitos fundamentais.

    certo que, em um Estado Democrtico de Direito, a Constituio se encontra

    no centro do ordenamento jurdico, concentrando nela os principais valores sociais para a

    garantia dos direitos fundamentais aos cidados. Assim, a norma constitucional quer

    considerada isoladamente, quer em combinao com outras, tem sua carga semntica,

    que assume no tempo, na cultura e no espao, formas e significados especficos, mas que

    sempre remetem a um significado unvoco.

    Dessa forma, o Direito estabelece as normas jurdicas para salvaguardarem e

    ampararem o convcio social. Ocorre que, para aplicao do Direito existem no

    ordenamento jurdico vrios mtodos e critrios de interpretao estabelecido pelo

    processo hermenutico.

    Mas, luz de um patamar constitucional, que a hermenutica com suas

    tcnicas de interpretao busca aproximar o Direito do seu real sentido, fazendo nascer a

    interpretao constitucional.

    A interpretao constitucional tem relevncia dentro do processo

    hermenutico, uma vez que a Constituio o documento normativo mais importante de

    um Estado, mas vem sofrendo uma nova explanao atravs da viso de alguns

    doutrinadores, como Peter Hberle, que defendem a nova hermenutica constitucional,

    que busca aproximar a norma da realidade, permitindo que os reais atores sociais

    participem do processo de interpretao, para viabilizar a formao do convencimento

    do magistrado.

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    A NOVA HERMENUTICA CONSTITUCIONAL E OS POTENCIAIS ATORES SOCIAIS

    Ius Gentium - Curitiba, ano 7, n. 13, p. 17- 30, jan/jun 2013

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    Ocorre que, a interpretao constitucional tem sido, at agora,

    conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os

    intrpretes jurdicos vinculados corporaes e aqueles participantes formais do

    processo constitucional. Mas na viso de Peter Hberle, a interpretao constitucional ,

    em realidade, mais um elemento da sociedade aberta.

    O que se busca atravs da nova hermenutica constitucional que a

    interpretao constitucional no se reserve aos mtodos fechados de interpretao, no

    se enclausure nos autos, esquecendo o mundo exterior. No se forma o Estado e as

    garantias das pessoas com bases nas leis criadas, mas dada a responsabilidade aos

    legisladores, juzes e a sociedade aberta a adequar as leis a realidade da comunidade acada poca. Por isso, no se espera que a sociedade se molde em razo das leis, mas que

    as leis sejam prticas e aplicveis realidade social, concretizando os direitos

    fundamentais, sob pena de serem: vlidas por terem cumprido o processo legislativo -,

    legtimas por serem concebidas pelos agentes pblicos responsveis por sua

    composio, e ineficazes pois seus contedos destoam da realidade e consagram letra

    morta, sem valor.

    Por fim, todo juiz tem o dever de obedincia lei, norma geral. Mas esse

    dever, no pode mais compreender a tarefa de individualizao de uma interpretao

    fechada ao formalismo procedimental da interpretao da norma jurdica. Ao juiz

    incumbe a misso de individualizar de modo apropriado a lei ao caso concreto. Para isso,

    tem o magistrado que abrir-se ao mundo ao invs de fechar-se no cdigo e no mtodo de

    interpretao lgico-formal. preciso que se compreenda que os cdigos e os conceitos

    jurdicos esto no mundo, mas no so o mundo. Deve o magistrado para formar o seuconvencimento interessar-se pelo que se passa ao seu redor. Precisa antes de mais nada

    permitir que sociedade participe do processo de interpretao, auxiliando a formao do

    seu convencimento. Esta a interpretao condizente com a sociedade aberta de

    Hberle.

    Embora este artigo tenha apresentado um breve relato sobre a nova

    hermenutica constitucional por Peter Hberle, no tem ele, o objetivo de aprofundar-se

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    Karoline Mafra Sarmento Beserra

    Ius Gentium - Curitiba, ano 7, n. 13, p. 17- 30, jan/jun 2013

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    nesse estudo, mas sim de instigar o leitor ao pensamento crtico, colocando ciente da

    influncia da nova hermenutica diante da interpretao constitucional.

    REFERNCIAS

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