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  • 97Revista de Cincias da Administrao v. 11, n. 25, p. 68-96, set/dez 2009

    Uso do Sistema de Avaliao da CAPES por Programas de Ps-Graduao em Administrao no Brasil

    Os Modelos de Administrao Pblica comoEstratgias Complementares para a Coproduo

    do Bem Pblico

    Jos Francisco Salm1

    Maria Ester Menegasso2

    Resumo

    A administrao pblica reconceituada com base na teoria da delimitao dossistemas sociais, que tem como foco de estudo a sociedade politicamentearticulada, a partir da concepo do que o ser humano, como artfice, daconstruo dessa sociedade. Considerada essa reconceituao, so discutidos osmodelos de administrao pblica, com o propsito de demonstrar a suacomplementaridade e a rede de coproduo do bem pblico de que fazem parte.A existncia humana se realiza em mltiplos espaos, cada qual com exigncias enecessidades prprias. A essa realidade social que se aplicam os modelos deadministrao pblica. Quando analisados sob essa perspectiva, tais modelosso complementares entre si, cada um com o seu espao de aplicabilidade nasociedade politicamente articulada; por via de consequencia, o bem pblico co-produzido em rede, e dessa rede, assim como as outras instncias comunitriasque compem a sociedade, fazem parte esses diversos modelos. A partir dessacomplementaridade dos modelos e da coproduo do bem pblico, algumasconsideraes so feitas sobre o estudo e a pesquisa em administrao.

    Palavras-chave: Administrao pblica. Modelos. Coproduo.Complementaridade. Multidimensionalidade.

    1 Introduo

    A administrao pblica, desde o seu incio, fez uso da organizaoburocrtica como principal estratgia para alocar recursos e produzir o bempblico. Vista dessa forma, a administrao pblica a mais evidente parte

    1 Doutorado (Ph.D.) em Administrao Pblica pela Universidade do Sul da California (USC - EUA). Professor da Universidade do Estadode Santa Catarina - UDESC. Endereo: Av. Madre Benvenuta, 2007 - Florianpolis - SC. E-mail:[email protected] Doutorado em Engenharia de Produo pela Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC. Professora da Universidade do Estado deSanta Catarina - UDESC. Endereo: Av. Madre Benvenuta, 2007 - Florianpolis - SC. E-mail: [email protected]. Artigo recebido em: 03/03/2009. Aceito em: 15/07/2009. Membro do Corpo Editorial Cientfico responsvel pelo processo editorial: Rolando Juan Soliz Estrada.

    Os Modelos de Administrao Pblica como Estratgias Complementares para a Coproduo do Bem Pblico

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    do governo; o governo em ao, o executivo, operante, o mais visvelaspecto do governo... (WILSON, 1887, p.199). Em um segundo momento,a administrao pblica passou a tratar, tambm, da formulao, daimplementao e da avaliao da poltica pblica (WALDO, 1980). Essemodelo de administrao pblica denominado, por alguns autores, admi-nistrao convencional ou velha administrao pblica (DENHARDT,DENHARDT, 2003).

    A partir das ltimas dcadas do sculo passado, os dilemas impostospelos limites fiscais tornaram o estado do bem-estar social invivel e a admi-nistrao pblica passou a ser vista apenas sob o prisma da eficincia, dareduo dos gastos pblicos e dos cortes oramentrios. Em tais condies,ela foi reduzida instrumentalidade do mercado, no compartilhando a esfe-ra ou o domnio pblico (ARENDT, 1958; GOODSELL, 2003; CAMPBELL,2005) ou, ainda, a sociedade politicamente articulada (VEGELIN, 1952).Esse modelo de administrao pblica, denominado nova gesto pblica,transformou o cidado em cliente ou consumidor a quem cabe fazer esco-lhas, como se estivesse na esfera privada (BARZELAY, 2001).

    Esses modelos de administrao pblica com exceo de propostasisoladas foram concebidos a partir de categorias epistemolgicas que con-sagram a burocracia como referncia para a produo dos servios pblicose o mercado como o melhor alocador do bem pblico. A crtica que essesmodelos vm sofrendo tambm est relacionada com essas basesepistemolgicas. Assim, a velha administrao pblica, com a suaimpessoalidade e forma de dominao, vista como ineficiente e de elevadocusto (KETLL, 2000), enquanto a nova gesto pblica, ancorada no merca-do, criticada por descaracterizar a esfera pblica e a democracia (SPICER,2004; BATTISTELLI, RICOTA, 2005; POTOSKI, PRAKASH, 2004;VENTRISS, 2002).

    Algumas propostas isoladas e emergentes de administrao pblicaestruturaram a sua base epistemolgica a partir dos princpios que caracteri-zam a esfera pblica e a democracia. Com base nesses princpios, tais pro-postas contm crticas ao modelo da velha administrao pblica e novagesto pblica (BELLONI, 1980; DENHARDT, DENHARDT, 2003). Mas es-sas propostas tambm so frgeis, porque no oferecem estratgias para tor-nar eficiente a produo e a alocao do bem pblico.

    Em suma, o modelo da velha administrao pblica ineficiente e one-roso para a sociedade, a nova gesto pblica enfatiza a esfera privada em

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    detrimento da esfera pblica e as propostas emergentes propem poucas aespara superar os problemas dos demais modelos. Quando analisados sob taisprismas, isoladamente, os modelos de administrao pblica so pouco efi-cazes para produzir e alocar o bem pblico para a sociedade. Contudo, asociedade a quem a administrao pblica serve no constituda de ummodelo puro, isolado e de um nico espao linear para a existncia humana.Pelo contrrio, a sociedade constituda de mltiplos espaos e modelos(RAMOS, 1981; SANTOS, 1988).

    Portanto, os modelos e as propostas emergentes de administrao p-blica no podem ser analisados e criticados como se cada um deles fosse umfenmeno nico, isolado, aplicado sociedade como um todo homogneo.Em outros termos, os modelos e as propostas de administrao pblica apli-cam-se realidade social em que h mltiplos espaos para a existncia hu-mana, cada qual com suas exigncias e necessidades prprias. Consideradossob esse prisma, os modelos integram a administrao pblica e so necess-rios sociedade politicamente articulada e ao cidado que dela faz parte.Cabe, agora, discutir e demonstrar a validade dessa assertiva.

    Este artigo tem como objetivo demonstrar que os modelos e as propos-tas de administrao pblica, quando analisados sob uma mesma baseepistemolgica, so complementares entre si, cada um com o seu espao deaplicabil idade na sociedade polit icamente articulada; por via deconsequncia, que o bem pblico coproduzido em rede, da qual fazemparte esses diversos modelos e propostas, assim como outras instncias quecompem a sociedade.

    Para atingir esse objetivo, necessrio, alm desta (1) introduo, (2)reconceituar a administrao pblica a partir de uma base terica que tenhacomo foco de estudo a sociedade politicamente articulada e a concepo doque o ser humano, como artfice, na construo dessa sociedade. A teoriada delimitao dos sistemas sociais, quando estudada sob o prisma de umasociedade multicntrica, oferece essa base terica. Ainda com base nessareconceituao, os (3) modelos e propostas de administrao pblica podemser rediscutidos com o propsito de demonstrar a sua complementaridade ea rede de coproduo do bem pblico da qual fazem parte. Algumas (4)consideraes acerca do estudo e da pesquisa sobre a administrao pblicae a listagem das (5) referncias encerram este artigo.

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    2 A Reconceituao da Administrao Pblica comBase na Teoria da Delimitao dos Sistemas Sociais

    Com o propsito de reconceituar administrao pblica, sero aqui dis-cutidas as principais categorias epistemolgicas da teoria da delimitao dossistemas sociais. Essas categorias sero ordenadas com base na concepode (1) ser humano; de (2) sociedade, mercado e organizaes. O fecho sefar com a (3) reconceituao de administrao pblica.

    necessrio esclarecer que, neste artigo, a teoria da delimitao dossistemas sociais no ser enfocada em toda a sua complexidade. O propsito, to somente, dela extrair as categorias epistemolgicas necessrias reconceituao da administrao pblica.

    2.1 A Concepo de Ser Humano

    O ser humano, na concepo da teoria da delimitao dos sistemas so-ciais, um ser nico e multidimensional. nico, porque s ele pode agir eanalisar as suas aes com liberdade, encontrando nelas legitimidade ou no.Portanto, s ele pode ser responsvel, perante si mesmo, pelas aes quelucidamente realizar, sob o imprio da razo. Multidimensional, porque , aomesmo tempo, um animal poltico, social e econmico (CORNFORD, 1976).Ele , por excelncia, um ser que necessita participar com os outros e daparticipao dos outros para construir a sua existncia e a dos outros(ROBERTS, 2004). Por isso o ato de participao na esfera pblica, inclusivecoproduzindo o bem pblico, pertence condio humana, ele inerenteao animal poltico. O ser humano pode viver a sua existncia integralmentegraas ao uso da razo que lhe proporciona a conscincia da realidade daprpria vida (VEGELIN, 1977). O enfoque seguinte trata da concepo desociedade, mercado e organizaes.

    2.2 Concepo de Sociedade, Mercado e Organizaes

    A teoria da delimitao dos sistemas sociais categoriza os espaos daexistncia humana em fenonomia, isonomia e economia, e foca primordial-mente esses espaos em lugar de priorizar a sociedade como um todo. Arendt(1958) faz a mesma projeo ao confrontar a esfera pblica com a esfera

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    privada. No mbito da teoria que orienta esta discusso, cabe, portanto, emvez da anlise da sociedade, a anlise dos espaos da existncia humana.

    O conceito de espao segue o pensamento de Santos (1988). Esse au-tor define espao como um fato que perpassa o mundo concreto, positivo, eo mundo das ideias. No mundo concreto, positivo, ele o espao fsico deque necessita o gegrafo para compor os seus mapas ou o arquiteto paraelaborar os seus projetos. No mundo das ideias, ele o espao da histria eda convivialidade humana, impossvel de ser medido por uma escala mtri-ca. Ele o espao da existncia humana que transcende as aparncias. Em-bora no possa ser ele medido por um aparato fsico, negar que exista ne-gar a existncia da mente e do prprio ser em sua condio humana.

    A fenonomia um espao pessoal, do ser poltico, necessrio existn-cia humana. Em um mundo sem espaos verdadeiramente pessoais, fenecea razo, a tica, a unicidade e a multidimensionalidade humana e o equil-brio da mente. Sem esse espao, o ser humano se brutaliza, se aliena de siprprio e apenas reage de acordo com a regra social (VEGELIN, 1978).

    A isonomia o espao dos iguais, da comunidade e da democraciaparticipativa ou comunal. As organizaes sociais encontram no espaoisonmico o seu habitat por excelncia. Sem espaos isonmicos, o ser hu-mano perde a sua relao de igualdade com o outro, sua capacidade de con-cretizar o seu fazer com os outros. Pior, perde a tenso existencial, necessriapara a realizao do sentido da vida (FRANKL, 1991). O espao isonmico apropriado para o desenvolvimento de organizaes sociais que, alm deproduzir bens e servios, oferecem a oportunidade para o exerccio daconvivialidade e da realizao pessoal (MASLOW, 1943; GERMINO, 1982).

    A economia um espao de desiguais, em que se legitima a domina-o (WEBER, 1978). Ela se caracteriza pela eficincia para a produo ealocao de bens e servios. um espao tambm necessrio existncia davida, pois, sem ele, no poderiam ser satisfeitas muitas das necessidades hu-manas, tanto as de natureza primria, quanto secundrias e tercirias. O es-pao econmico , pois, imprescindvel existncia humana.

    O espao da economia abrange o mercado, como alocador de bens eservios, bem como as organizaes formais. Essas organizaes foram estu-dadas exaustivamente nos ltimos anos. No se esgotou, todavia, o entendi-mento desses espaos complexos de produo de bens e servios. As ques-tes relativas ao administrativa foram estudadas por Ramos (1983) quan-do exps os problemas relacionados com a racionalidade nas organizaes,

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    a tica e as suas tenses, o poder e a alienao, o envolvimento e o consen-timento das pessoas, a superconformidade e a reificao. As questes levan-tadas pelo autor sobre as estruturas de consentimento nas organizaes dotipo participativo merecem mais estudo, principalmente quando ocorrem noespao de burocracias que produzem o bem pblico.

    Permeando a sociedade, existem algumas formas de organizao queno esto sob o predomnio da instrumentalidade do mercado. Nessa formade organizao, muitas pessoas trabalham, enquanto outras se ocupam. Otrabalho entendido como

    [...] a prtica de um esforo subordinado s necessidadesobjetivas inerentes ao processo de produo em si. A ocu-pao a prtica de esforos livremente produzidos peloindivduo em busca de sua atualizao pessoal (RAMOS,1981, p.130).

    Por ser a ocupao uma categoria essencial s organizaes sociais, hnecessidade de limitar imposies e regras desnecessrias. Tambm h ne-cessidade de fomentar as prticas participativas entre os membros da organi-zao, com o objetivo de determinar as regras mnimas da convivialidadenesses espaos predominantemente isonmicos.

    2.3 A Reconceituao da Administrao Pblica

    A administrao pblica, sob o prisma da teoria da delimitao dossistemas sociais, estrutura-se sobre algumas categorias que so essenciaisquando se concebe a pessoa humana como um ser nico, a requerer umasociedade multicntrica para exercer a sua multidimensonalidade.

    Tais categorias, no seu conjunto, compem as bases para areconceituao de administrao pblica. Antes, porm, torna-se necessrioretornar ao conceito de administrao pblica de Wilson (1887) acrescen-tando as definies de administrao pblica utilizadas por Waldo (1980).As definies de que se apropria Waldo para discutir o que a administraopblica afirmam que [] a organizao e a gesto das pessoas e dos ma-teriais necessrios para alcanar os propsitos do governo. Na continuao,ele afirma que a administrao pblica a arte e a cincia da gesto aplica-da aos negcios do estado. Enquanto Wilson foca a administrao pblica

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    como o governo ou o executivo, as duas definies apresentadas por Waldose referem administrao pblica como governo ou negcios do estado.Tanto o conceito apresentado por Wilson como as duas definies adotadaspor Waldo restringem a administrao pblica ao governo ou ao estado. Fal-ta ao conceito e s definies, a incluso do ser humano atuante na esferapblica como o provedor de servios pblicos. Falta, tambm, incluir as or-ganizaes sociais como instituies aqum do governo e do estado, capazesde produzir o bem pblico para o cidado e para a sociedade. Com base nadiscusso das categorias e na breve anlise do conceito e definies realiza-das anteriormente, cabe agora reconceituar a administrao pblica.

    Assim, a administrao pblica um conjunto de conhecimentos e deestratgias em ao para prover os servios pblicos bem comum para oser humano, considerado em suas mltiplas dimenses e como cidadopartcipe de uma sociedade multicntrica articulada politicamente.

    Nesse conceito esto includas as diversas categorias discutidas nestedocumento, extradas da teoria da delimitao dos sistemas sociais. Por exem-plo, a unicidade e a liberdade do ser humano integram o conceito de cidada-nia que se constitui na obrigao de defesa da cidade e de contribuiopara seu bem-estar geral e o direito de opinar sobre seus destinos(JAGUARIBE, 1982, p. 3). Portanto, cada cidado, por ser nico e livre, temcondies de agir e de participar, integralmente, da comunidade e, por con-seguinte, da administrao pblica (PATTAKOS, 2004).

    Consoante o conceito aqui desenvolvido, a democracia essencial paraa administrao pblica, uma vez que, sem ela, inconcebvel haver articu-lao poltica na sociedade. Da mesma forma, as dimenses do capital social(PUTNAM, 2000) so indispensveis administrao pblica e ao desen-volvimento em geral.

    A administrao pblica vista sob a perspectiva da multidimensionalidadehumana tambm requer a instrumentalidade do mercado prpria das organi-zaes econmicas. Portanto, a administrao pblica, enquanto estratgiaem ao para prover o servio pblico, tambm faz uso da organizao buro-crtica, alm de outras formas organizacionais, comunitrias e pessoais, paraa produo dos servios pblicos. Isso significa que critrios de eficincia daao administrativa na produo do bem pblico tambm so importantes.

    A discusso do conceito de administrao pblica poderia estender-seno desenrolar deste artigo; no entanto, os detalhes das categorias que o inte-

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    gram continuaro a ser elaborados ao longo do prximo tpico, que tratados modelos de administrao.

    3 Os Modelos e as Propostas de Administrao Pblicacomo Estratgias que se Complementam naCoproduo do Bem Pblico

    A tentativa de agrupar as prticas administrativas sob grandes categori-as tem sido muitas vezes frustrante. As escolas de administrao e os mode-los de gesto so dois exemplos que ilustram esse caso. Na raiz dessa frustra-o est o grau de generalidade e amplitude que alcana a administrao,bem como o fato de modelos serem incapazes de abranger toda a singulari-dade da realidade. Feita essa ressalva, para os propsitos deste artigo, adota-se a diviso dos modelos de administrao pblica desenvolvida por Ketll(2000) e complementada por Denhardt e Denhardt (2003), por ser bastantecompleta e incorporar um modelo emergente. Segundo esses autores, pos-svel listar os trs principais modelos de administrao pblica, a saber: aadministrao pblica convencional, tambm identificada como a velha ad-ministrao pblica; a nova gesto pblica; e o modelo ou proposta emer-gente denominada o novo servio pblico. A cada um desses modeloscorresponde uma srie de outras prticas ou iniciativas que sero indicadasao longo deste tpico.

    Os modelos de administrao pblica tm uma base de valores queremete a discusso ao tpico anterior. Afinal, cada modelo tem a sua baseepistemolgica e os limites que ela lhe impe. Por isso mesmo, ao apresentaros (1) modelos e as propostas de administrao pblica, necessrio que sediscuta, tambm, o paradigma que sustenta cada um deles. Feito isso, sernecessrio confrontar cada modelo com as categorias extradas da teoria dadelimitao dos sistemas sociais e com o conceito de administrao pblicaelaborado a partir dessas categorias, visando (2) demonstrar a suacomplementaridade.

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    3.1 Os Modelos e a Proposta de Administrao Pblica

    O primeiro modelo conhecido como administrao pblica conven-cional ou a velha administrao pblica. Esse modelo est presente nas gran-des burocracias do estado, tais como ministrios, secretarias de estado e fun-daes.

    O modelo convencional, sob a perspectiva da burocracia patrimonial,foi adotado no Brasil por Dom Joo VI, no incio do Sculo XIX, com ainstalao do governo (WILCKEN, 2004), dando sequncia a uma serie dereformas at nossos dias (GAETANI, 2003; MARINI, 2003). O modelo con-vencional foi e continua sendo, em larga escala, o aparato que o estado pos-sui para produzir o servio pblico. Suas origens so as da burocracia, con-forme concebida por Weber (1978). As principais vertentes desse modeloso o modelo clssico da burocracia, o modelo neoclssico, o modeloinstitucional, o modelo das relaes humanas, o modelo denominado publicchoice, cabendo tambm mencionar o modelo racional. Pode-se afirmar, coma ressalva apresentada no incio deste tpico, que o modelo convencionalde administrao pblica representado pelo conjunto dessas abordagens.Seria possvel, tambm, subdividir o modelo convencional, para que cadauma dessas vertentes se constitua em um submodelo.

    A implementao do modelo da administrao pblica convencionalimplica a criao formal da organizao, definio de objetivos, estruturao,adoo de tecnologias e desenvolvimento do processo cognitivo pelo corpofuncional a quem compete exercer as funes e papis organizacionais.As funes administrativas exercidas pelos administradores pblicos no fo-gem s clssicas funes do administrador. O envolvimento do cidado comos afazeres da organizao no considerado como uma das estratgias paraa produo do bem pblico, a menos que seja para coopt-lo para alcanarmaior eficincia e menor custo na realizao dos servios. Mesmo nesse caso,espera-se que o poder discricionrio dos administradores pblicos seja redu-zido, devendo responder pelos seus atos os agentes polticos. Aos adminis-tradores pblicos, na concepo do modelo de administrao pblica con-vencional, cabe implementar as polticas pblicas definidas pelo grupo elei-to para exercer o poder poltico, exceto no caso do modelo ou submodelo depolticas pblicas. O modelo se sustenta na premissa de que o servio pbli-co pode ser produzido por meio da busca dos interesses da burocracia e que,por si s, suficiente para a produo do bem pblico. Mas a prtica tem

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    demonstrado o contrrio, mesmo porque, em uma sociedade moldada peloparadigma do interesse prprio, as organizaes formais, entre as quais aspblicas, tambm se amoldam ao mesmo paradigma (HIRSCHMAN, 1978).Essa realidade sujeita a organizao da burocracia pblica a muitos desvirtu-amentos, uma vez que os interesses das corporaes dos seus funcionriosou os interesses de grupos privados podem prevalecer sobre o interesse p-blico ou do cidado.

    O modelo de administrao pblica convencional vem sofrendo mui-tas crticas pela sua incapacidade de produzir a contento os servios pbli-cos. Os custos e a ineficincia da administrao pblica que adota esse mo-delo so cada vez maiores, principalmente quando est sob o imperativo doslimites fiscais. No se pode deixar de citar o fato de que as pessoas buscamcada vez mais os servios pblicos, enquanto aumenta o grau de complexi-dade dessas demandas. O modelo convencional da administrao pblicatem demonstrado pouca qualificao para dar resposta ao aumento de cus-tos e ao grau de complexidade dessas demandas. Por isso mesmo, h muitafrustrao com o modelo, levando muitos governos, j na dcada de 80 dosculo passado, a buscar modelos mais eficientes e capazes de superar asdeficincias da burocracia, principal aparato do modelo de administraopblica convencional.

    O segundo modelo, denominado a nova gesto pblica, surgiu comoresposta s deficincias do modelo convencional. Esse modelo congrega tam-bm o modelo da reinveno do governo implantado nos Estados Unidos,ambos tm razes no modelo da public choice, j mencionada neste texto.Ao descrever o modelo da nova gesto pblica, Ketll (2000) e Spicer (2004)identificam as razes desse movimento com a busca pela produtividade, ouseja, pela forma como o governo pode produzir com menos gastos; adotarmecanismos de mercado para superar as deficincias da burocracia; dar fei-o de consumidor ao usurio dos servios pblicos; descentralizar os servi-os; tornar o fornecedor desses servios responsvel perante o consumidorfinal; privatizar os servios; e, finalmente, adotar a gesto por resultados. To-das elas, prticas identificadas com a gesto privada dos negcios.

    Como j foi descrito antes, as mudanas polticas que ocorreram nadcada de 80, associadas a mudanas sociais, econmicas e institucionais,tornaram o campo frtil para que esse modelo fosse adotado por diferentesnaes nas Amricas, na Europa e na sia. Os pases que mais se distingui-ram na implantao do modelo so a Nova Zelndia, a Austrlia e a Inglater-

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    ra. Os principais autores que sustentam esse modelo so Allen Schick, DavidOsborn, Ted Gaebler e Al Gore. No Brasil, Bresser Pereira um autor que seidentifica com essa corrente.

    A crtica que se faz a esse modelo est associada filosofia de mercadoque o sustenta; aos resultados que ele produziu, quando comparado a suaspromessas; frustrao causada por no ter transformado as funes essen-ciais do estado e por no conter um novo padro capaz de transformar aprtica e a teoria de administrao pblica. A crtica avana mais quando secompara a administrao pblica convencional com a nova gesto pblica ese conclui que ambas tm a mesma base paradigmtica e utilizam a burocra-cia como estratgia para produzir o bem pblico. Em sntese, o modelo danova administrao pblica utiliza as organizaes privadas e pblicas paraproduzir o bem pblico, enquanto a administrao pblica convencional uti-liza a organizao pblica com o mesmo objetivo. Na realidade, o que muda a estratgia que busca a eficincia do estado junto ao mercado. Para alcan-ar esse propsito, a esfera pblica fica merc da esfera privada, e o cida-do como ente poltico transformado em consumidor ou cliente. O modelotambm tem recebido crticas porque pode tornar frgil a democracia(deLEON, DENHARDT, 2000; BOX, MARSHALL, REED, REED, 2001;COSTA, 2000; TERRY, 2005).

    A proposta do novo servio pblico o terceiro modelo de administra-o pblica. Esse modelo constitui-se em uma proposta emergente cujoscontornos remontam s dcadas de 70 e 80. Entre os autores que contribu-ram com a proposta esto H. George Frederickson, Carl J. Bellone, Lloyd G.Nigro, Frederick C. Thayer, Ross Clayton, Michael M. Harmon, David K. Hart,Robert B. Denhardt e outros, alm do brasileiro Alberto Guerreiro Ramos.Recentemente, Denhardt e Denhardt (2003) elaboraram a base epistemolgicado modelo do novo servio pblico. Essas bases tomam por princpio que oser humano , antes de mais nada, um ser poltico que age na comunidade;que a comunidade politicamente articulada requer a participao do cida-do para a construo do bem comum; e que o bem comum precede a buscado interesse privado.

    A administrao pblica, em consonncia com a proposta dos autoresdesse modelo, caracteriza-se por: servir aos cidados, no aos consumidores;estar a servio do interesse pblico; emprestar mais valor cidadania do queao empreendedorismo; pensar estrategicamente e agir democraticamente;reconhecer que a accountability no simples; servir ao cidado, em vez de

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    controlar e dirigir a sociedade; e valorizar as pessoas, no apenas a produti-vidade. A funo principal do administrador pblico, segundo esse modelo, fomentar a democracia enquanto produz ou coproduz o servio pblico(DENHARDT, DENHARDT, 2003).

    O foco central desse modelo de administrao pblica servir ao inte-resse pblico. Os autores conceituam interesse pblico como o resultado dodilogo sobre valores compartilhados (DENHARDT, DENHARDT, 2003, p.67). Comunidade, sociedade civil e cidadania so conceitos centrais ao mo-delo. Tambm o so, a virtude cvica, a participao e o envolvimento, bemcomo, o servio pblico como extenso da cidadania.

    Embora o novo servio pblico contenha princpios merecedores deconsiderao por seu cunho democrtico, a proposta ainda requer elabora-o para que possa ser implementada. Analisada, isoladamente, a propostase recente de prticas administrativas que sejam mais consistentes do queaquelas dos demais modelos. Ela no oferece uma estratgia para tornar efi-ciente o uso da organizao burocrtica e do mercado para a produo dobem pblico. necessrio levar-se em conta que o novo servio pblico e osmodelos da administrao pblica convencional e da nova gesto pblica seestruturam sobre bases epistemolgicas diferentes. Ademais, o novo serviopblico se conforma ao espao pblico enquanto os outros dois modelosutilizam diversas estratgias que pertencem esfera privada. Evidencia-se,pois, que a proposta do novo servio pblico foi formulada a partir de princ-pios diversos daqueles dos demais modelos. Logo, quando o novo serviopblico se prope a incorporar a administrao pblica convencional e anova gesto pblica como estratgias alocativas e de produo do bem p-blico, ele o faz sem considerar as diferenas que existem nas basesepistemolgicas desses modelos.

    Em que pesem essas crticas, a proposta do novo servio pblico cre-dora de estudos exaustivos, por seu alcance, profundidade acadmica e pos-sibilidade objetiva de ser desenvolvida na prtica da administrao pblica.Para dar continuidade discusso, o prximo tpico ser dedicado complementaridade dos modelos e da proposta.

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    3.2 A Complementaridade entre a Proposta e os Modelos deAdministrao Pblica

    Ao longo deste artigo, foram apresentadas as bases epistemolgicas paraa reconceituao da administrao pblica. Os modelos e a proposta de ad-ministrao pblica tambm foram discutidos a partir dessas bases extradasda teoria da delimitao dos sistemas sociais. Essa teoria concebe a socieda-de sob a forma multicntrica, ou seja, de mltiplos enclaves, entre os quaisest o mercado. Nessa perspectiva, a sociedade politicamente articulada temcomo referncia a multidimensionalidade humana. Por isso mesmo, ela re-quer espaos mltiplos em que o ser humano possa realizar o exerccio dapoltica, da convivialidade e da economia oudo mercado.

    Muito embora seja uma concepo heurstica de sociedade, ela tem apossibilidade objetiva de se concretizar, uma vez que a realidade social seconstitui, sempre, de sistemas mistos. Mesmo nas modernas sociedades demercado, nas quais predomina o espao da economia, existem espaos ouenclaves delimitados em que h a possibilidade objetiva do exerccio damultidimensionalidade humana. Negar essa possibilidade seria admitir a exis-tncia de um sistema social puro, o que, do ponto da vista da cincia e darealidade social, inconcebvel (RAMOS, 1981).

    O conceito de administrao pblica desenvolvido neste artigo tam-bm se estrutura sob a premissa de uma sociedade multicntrica, articulada apartir da multidimensionalidade humana. De acordo com esse conceito, osconhecimentos sobre a multidimensionalidade do ser humano, a constitui-o multicntrica da sociedade e as condies objetivas de cada sociedade,no seu conjunto, so essenciais para a prtica da administrao pblica econsequente proviso dos servios pblicos.

    Assim como o ser humano e a sociedade no podem ser entendidos demaneira fragmentada ou linear, tambm a prtica da administrao pblicano pode ocorrer a partir de um modelo que privilegie apenas a burocraciapblica ou o mercado como provedores e alocadores dos servios pblicos.Tambm no pode privilegiar, de forma isolada, uma proposta de adminis-trao pblica cujo foco seja a democracia, sem estratgia objetiva para pro-duzir os demais bens e servios pblicos. A prtica da administrao pblicaem uma sociedade multicntrica requer, portanto, mltiplas prticas e mode-los, cada qual apropriado ao seu espao na sociedade. Em outros termos, osmodelos e propostas emergentes da administrao pblica, quando analisa-

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    dos isoladamente, apresentam srias restries, pois partem do pressupostode que o ser humano e a sociedade so unidimensionais. Tais modelos epropostas, contudo, quando utilizados nos espaos que lhes so prprios,em uma sociedade multicntrica, politicamente articulada, podem ser de va-lia para a administrao pblica. Logo, em termos de possibilidade objetiva,os atuais modelos e propostas de administrao pblica podem vir a ser maiseficientes e eficazes, quando vistos de forma complementar, a partir de umamesma base epistemolgica que concebe a sociedade sob a perspectivamulticntrica e politicamente articulada.

    A administrao pblica convencional utiliza a burocracia pblica paraa produo dos servios pblicos. Essa estratgia de produo pertence aoespao da economia ou do mercado, uma vez que, no seu mbito, a domina-o legtima. O modelo necessrio para a produo de servios pblicosem larga escala e em tarefas de rotina elevada; necessrio, por exemplo,para a realizao das atividades em campanhas de vacinao, na rea desade pblica; em atividades de controle e contabilidade, na rea de arreca-dao de impostos; e em policiamento ostensivo, na rea de segurana p-blica. Sua eficincia requer um modo de gesto que permita o uso de estru-turas de consentimento, j descritas em outro tpico deste artigo. Quandoutilizado em uma sociedade politicamente articulada, requer formas de con-trole social e de accountability que o tornem responsivo sociedade(VIGODA, 2002). Dessa maneira, o modelo se conforma ao espao que lhe pertinente, delimitado pelo controle que lhe impe a sociedade.

    A nova gesto pblica utiliza a burocracia pblica e privada para a pro-duo dos servios pblicos. Esse modelo pertence ao espao da economiaou do mercado, nele se utilizam estratgias e tecnologias que so prprias domercado. Ele necessrio para a produo em larga escala e para a execu-o de atividades em que o mercado eficiente alocador de bens e servios,por exemplo: para a produo de vestimentas especiais para hospitais e pos-tos de sade pblica, na rea da sade pblica; na construo de escolas, narea de educao; e na construo de estradas e usinas para a gerao deenergia, na rea de logstica, transportes e energia. Tambm esse modelorequer controle social e accountability, de maneira a tornar as suas atividadestransparentes para a sociedade (KLINGNER, NALBANDIAN, ROMZEK, 2002). necessrio lembrar que seu espao restrito ao mercado, portanto esferaprivada. Cabe sociedade politicamente articulada, nas circunstncias quelhe so prprias, definir os meios para delimit-lo dentro desse espao.

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    O novo servio pblico uma proposta de administrao pblica emer-gente que tem seu foco principal voltado para o espao democrtico da soci-edade. A base epistemolgica da proposta se coaduna com o conceito deadministrao pblica desenvolvido neste artigo. oportuno lembrar, noentanto, que essa proposta limitada quando os demais modelos so aplica-dos a partir de outra base epistemolgica. Faltam-os mecanismos de eficin-cia dos demais modelos para torn-la eficaz, para permitir que as suas pro-postas sejam exequveis. Portanto, para viabilizar a proposta do novo serviopblico, necessrio que a sociedade seja politicamente articulada, nosmoldes de uma sociedade mult icntrica, e que ela espelhe amultidimensionalidade humana. A proposta do novo servio pblico abran-ge os demais modelos e seus exemplos. So peculiares a ela, no entanto, osexemplos de articulao poltica e de liderana para envolvimento das forasdo tecido social na produo dos servios pblicos que requerem a partici-pao de mltiplas instncias sociais. O controle social e a accountability lheso inerentes (DENHARDT, DENHARDT, 2003). O foco da proposta estdelimitado ao espao poltico, em que pesem as suas estratgias de articula-o e liderana para o envolvimento de outras instncias sociais.

    Os modelos e a proposta de administrao pblica, como foi discutidoat aqui, so necessrios para a produo dos servios pblicos. Eles secomplementam como estratgias para a produo do bem pblico em umasociedade politicamente articulada. H, no entanto, espaos na esfera pbli-ca que no so contemplados por esses modelos e proposta. As comunida-des, as organizaes sociais de toda sorte e o cidado partcipes na produ-o dos servios pblicos , tambm fazem parte da sociedade politicamentearticulada. H necessidade de formular novos modelos de administraopblica que abranjam as instncias sociais como coprodutoras dos serviospblicos. Essa uma lacuna que precisa ser preenchida na administraopblica. Da mesma forma, as atividades de responsabilidade social das em-presas que produzem o bem pblico necessitam de uma proposta que asincorpore administrao pblica. O conjunto composto pelos modelos epela proposta de administrao pblica, pela rea de responsabilidade soci-al das empresas e pelas diversas instncias sociais, quando agindo de formacomplementar, pode coproduzir o bem pblico com a eficincia, a eficcia ea efetividade demandadas pela sociedade. Sob a perspectiva da administra-o pblica, a questo estratgica mais importante definir a articulao e omodelo ou os modelos necessrios a cada espao da sociedade politicamen-te articulada.

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    A complementaridade dos modelos e da proposta de administraopblica, discutida neste artigo, requer uma estratgia de implementao emque os servios pblicos sejam coproduzidos pelas diversas instncias e or-ganizaes da sociedade politicamente articulada. A coproduo em rededo bem pblico uma estratgia, por excelncia, para que os servios pbli-cos sejam produzidos de maneira eficaz. Muito se tem escrito sobre esse as-sunto, porm pouco do ponto de vista da complementaridade dos modelos eda proposta de administrao pblica. Entre os autores que discutiram acoproduo dos servios pblicos se destacam Cooper e Kathi (2005),Marschall (2004), Sundeen (1985), Levine (1984), Brudney e England (1983),Rosentraub e Sharp (1981), Kiser e Percy (1980), e Vhitaker (1980). Nesseponto importante esclarecer que a implantao da coproduo dos servi-os pblicos, quando vista sob a perspectiva da complementaridade dosmodelos e da proposta de administrao pblica, supera as dificuldades im-postas pelo fenmeno do hollow state (MILWARD, 1996; MILWARD ePROVAN, 2000) e do thinning of institutions (TERRY, 2005).

    Em suma, a coproduo dos servios pblicos a part ir dacomplementaridade dos modelos e da proposta de administrao pblicapode ocorrer (1) por meio da organizao burocrtica em que haja a gestoparticipativa obtida por meio de estruturas de consentimento; (2) por meiodas organizaes sociais com caractersticas isonmicas; (3) por meio de co-munidades engajadas com a produo do bem pblico; (4) por meio da res-ponsabilidade social das empresas, quando elas produzem um bem pblico,fato amplamente ignorado pelos estudiosos da administrao pblica; e (5)por meio do cidado, em seu papel de ser poltico, produzindo o bem pblico.Esse conjunto pode constituir-se em rede, tornando possvel acomplementaridade de modelos e da proposta discutida ao longo deste artigo.

    A estratgia de coproduo do bem pblico, a par t ir dacomplementaridade dos modelos e da proposta, requer atividades de coor-denao poltica alm da atividade usual de coordenao na organizaoburocrtica pblica. Tambm a liderana da rede que coproduz o bem pbli-co, interagindo em todos os espaos da sociedade politicamente articulada,tem atribuies mais complexas do que aquelas exercidas no mbito da bu-rocracia. Faz-se, portanto, imperativo o preparo de coordenadores e lderespara agir em sistemas de coproduo dos servios pblicos que adotem acomplementaridade dos modelos e da proposta de administrao pblicadiscutidos neste artigo. Esse , provavelmente, o mais importante desafio das

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    escolas que formam administradores pblicos, seja em nvel de graduaoou ps-graduao (NALBANDIAN, 1999). O prximo tpico contm algu-mas consideraes a esse respeito.

    4 Consideraes Finais

    Ao longo deste artigo elaborou-se a reconceituao da administraopblica baseada em categorias da teoria da delimitao dos sistemas sociais.Tambm foram descritos e discutidos os modelos de administrao pblica,a complementaridade entre os modelos e a proposta de administrao pbli-ca, alm das diversas instncias que podem produzir e coproduzir o bempblico. Ainda foram levantadas algumas consideraes sobre a necessida-de de prepararem lideranas para a coproduo do bem pblico, quando osmodelos e a proposta de administrao pblica so utilizados de forma comple-mentar. As consideraes finais deste artigo, portanto se voltam para esse assunto.

    importante ressaltar que, para a implementao da complementaridadedos modelos e da proposta discutida ao longo deste artigo, impe-se a estrat-gia da coproduo do bem pblico. Da mesma forma, o processo de articula-o poltica, essencial para a implantao da complementaridade, exige lde-res de redes de coproduo capazes de servir ao cidado e comunidadenos moldes propostos por Denhardt e Denhardt (2006), Nair (1994), Wheatley(1994) e Block (1993).

    Essas lideranas podem ser preparadas pela reflexo-na-ao e pelosmeios de educao utilizados em escolas que preparam lideranas para aadministrao pblica. A reflexo-na-ao ocorre pela aprendizagem indivi-dual experienciada (SCHN, 2000). Existem outros meios para estimular areflexo-na-ao, como, por exemplo, a pesquisa-ao e a pesquisa partici-pante. A reflexo-na-ao ocorre quando se estabelece um dilogo daqueleque pratica ou praticou a ao consigo mesmo (CUNLIFFE; JUN, 2005). Essaaprendizagem requer a ausncia de qualquer constrangimento externo e oexerccio da liberdade da mente humana. Ela se insere na discusso feita porGuimares (2003) sobre a organizao de aprendizagem no setor pblico.

    Cursos que pretendem preparar administradores pblicos para atuarem sistemas de coproduo do bem pblico, em que os modelos e a propos-ta de administrao pblica so utilizados de forma complementar, precisamoferecer uma base slida de conhecimentos das humanidades. Compreen-

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    der a questo da participao do cidado na comunidade e os meios de faci-litar esse processo de capital importncia para o preparo das lideranasdesses sistemas. Tambm a experimentao deve ser privilegiada, pois osestudantes precisam agir na vida e praticar a reflexo-na-ao para aliceraro saber. Tal intento cobra desenvolver a pesquisa no meio em que se inserea ao, para criar o saber sobre a comunidade em que se pretende agir.

    A participao do cidado em sua comunidade agrega uma varivelimportante para a formao do administrador pblico, uma vez que a res-ponsabilidade pela produo do bem pblico passa a ser, tambm, das pes-soas da comunidade. Nesse caso, insuficiente a formao do administradorcomo um generalista. Essa nova realidade requer conhecimentos sobre cin-cia poltica, sociologia, antropologia, filosofia e sobre liderana de redes paraa coproduo do bem pblico. Esses conhecimentos no descaracterizam aformao do administrador, muito pelo contrrio, a sua abrangnciamultidisciplinar permite que ele compreenda melhor a sociedade ou a co-munidade e suas complexas dimenses.

    A pesquisa nas escolas de administrao pblica tambm pode contri-buir para a implantao da proposta de coproduo do bem pblico nosmoldes em que ela foi desenvolvida neste artigo. Por exemplo, observar comoocorre a articulao poltica para a formao de redes de organizaes soci-ais ou como se realiza a liderana e a coordenao da coproduo do bempblico, entendida a liderana como um ato de servir ao cidado e comu-nidade. As questes relacionadas com o trabalho e a ocupao, as relaessimblicas na comunidade e a ao administrativa nos espaos das organiza-es sociais impem ser mais bem pesquisadas e estudadas.

    Vale relembrar, finalmente, que o conceito de administrao pblicadesenvolvido neste artigo tem como centro o ser humano, nico emultidimensional, partcipe da sociedade multicntrica articulada politica-mente. Mediante esse conceito, foi possvel demonstrar a complementaridadedos modelos de administrao pblica. Estudar e pesquisar a administraopblica, sob esse prisma, o desafio que se coloca a todos aqueles que bus-cam desenvolver e implantar um novo servio pblico para servir ao interes-se pblico.

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    Models of Public Administration asComplementary Strategies for Co-production of

    Public Good

    Abstract

    Public administration is re-conceptualized based on the Social Systems DelimitationTheory, which focuses the society politically articulated considering the concept ofthe human being, as the main actor in the construction of society. Models of publicadministration are discussed herein, considering this re-conceptualization aimingat showing it as complementary to one another and to the co-production networkof public goods from which they are a part of. Human existence fulfills itself inmultiple spaces, each of which has its own needs and exigencies. These models ofpublic administration apply to this social reality. When analyzed under thisperspective, such models are complementary to one another, each one with itsown space of applicability in a politically articulated society; consequently, publicgood is co-produced in network, and these models are a part of this network, aswell as of the other community stances, of which society consists of. In sum, someconsiderations on research and study on administration are made based on thesemodels of public administration as complementary strategies for co-production ofpublic good.

    Key-words: Public administration. Models. Co-production. ComplementaryStrategy. Multidimensionality.

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