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SEMIOLOGIA CARDIOVASCULAR: INSPE˙ˆO, PALPA˙ˆO E PERCUSSˆO CARDIOVASCULAR EXAMINATION: INSPECTION, PALPATION AND PERCUSSION Antnio Pazin-Filho; AndrØ Schmidt & Benedito Carlos Maciel Docentes. Departamento de Clnica MØdica. Faculdade de Medicina de Ribeirªo Preto - USP CORRESPOND˚NCIA: Antnio Pazin-Filho - R. Bernardino de Campus, 1000, CEP: 14015-030, Ribeirªo Preto SP. e-mail: [email protected] PAZIN-FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Semiologia cardiovascular: Inspeªo, palpaªo e percussªo. Medicina, Ribeirªo Preto, v. 37: 227-239, jul./dez. 2004. RESUMO: A importncia da avaliaªo da inspeªo e da palpaªo do sistema cardiovascular Ø ressaltada. Procurou-se demonstrar a importncia da interpretaªo dos dados obtidos na anÆli- se do ictus cordis, da perfusªo perifØrica e dos pulsos arteriais e venosos para as diversas cardiopatias, sempre com o objetivo de sistematizaªo. UNITERMOS: Sistema Cardiovascular. Semiologia. Pulso Arterial. 227 1- INTRODU˙ˆO Dentre as tØcnicas disponveis para o exame fsico do sistema cardiovascular, a ausculta cardaca, em face da complexidade que se associa s mœltiplas peculiaridades de sua adequada utilizaªo, representa um desafio para o iniciante. A complexidade aliada ao fascnio que o mØtodo exerce sobre aqueles que iniciam o treinamento em semiologia cardiovascular acaba por ofuscar, em certa medida, a valorizaªo dos demais mØtodos de investigaªo semiolgica, que podem ser empregados e que sªo extremamente valiosos. Claro estÆ que, na dependŒncia do sistema avaliado, uma ou outra das tØcnicas existentes para sua investigaªo (ins- peªo, palpaªo, percussªo ou ausculta) pode ser pre- ponderante sobre as demais. o que ocorre com a abordagem semiolgica do sistema cardiovascular, em que a tØcnica de percussªo tem valor limitado, quando comparada com as demais. Por outro lado, a inspeªo e a palpaªo oferecem informaıes extremamente relevantes, que complementam aquelas obtidas com a ausculta, para a constituiªo do conjunto de dados cl- nicos, que dªo substrato ao diagnstico das diferentes doenas cardiovasculares. Pretende-se, nesta revisªo, discutir, de modo sistemÆtico, as tØcnicas semiolgicas, consolidadas pela prÆtica clnica, para avaliaªo do sistema cardiovas- cular, com o objetivo primÆrio de oferecer, principal- mente ao estudante que inicia o treinamento em se- miologia mØdica, uma base slida e consistente, fun- damentada em correlaıes entre aspectos fisiopato- lgicos e elementos de ordem clnica. A discussªo desses conceitos serÆ dividida em cinco tpicos: ictus cordis, perfusªo perifØrica, pul- sos arteriais, pulsos venosos e percussªo do precrdio. 2- ICTUS CORDIS O ictus cordis, tambØm conhecido como im- pulso apical ou choque da ponta, traduz o contato da porªo anterior do ventrculo esquerdo com a parede torÆcica, durante a fase de contraªo isovolumØtrica, do ciclo cardaco. Embora os termos impulso apical e choque da ponta sejam comumente utilizados para Medicina, Ribeirªo Preto, Simpsio SEMIOLOGIA 37: 227-239, jul./dez. 2004 Captulo IV

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SEMIOLOGIA CARDIOVASCULAR:INSPEÇÃO, PALPAÇÃO E PERCUSSÃO

CARDIOVASCULAR EXAMINATION: INSPECTION, PALPATION AND PERCUSSION

Antônio Pazin-Filho; André Schmidt & Benedito Carlos Maciel

Docentes. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USPCORRESPONDÊNCIA: Antônio Pazin-Filho - R. Bernardino de Campus, 1000, CEP: 14015-030, Ribeirão Preto � SP. e-mail: [email protected]

PAZIN-FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão.Medicina, Ribeirão Preto, v. 37: 227-239, jul./dez. 2004.

RESUMO: A importância da avaliação da inspeção e da palpação do sistema cardiovascular éressaltada. Procurou-se demonstrar a importância da interpretação dos dados obtidos na análi-se do ictus cordis, da perfusão periférica e dos pulsos arteriais e venosos para as diversascardiopatias, sempre com o objetivo de sistematização.

UNITERMOS: Sistema Cardiovascular. Semiologia. Pulso Arterial.

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1- INTRODUÇÃO

Dentre as técnicas disponíveis para o examefísico do sistema cardiovascular, a ausculta cardíaca,em face da complexidade que se associa às múltiplaspeculiaridades de sua adequada utilização, representaum desafio para o iniciante. A complexidade aliada aofascínio que o método exerce sobre aqueles que iniciamo treinamento em semiologia cardiovascular acaba porofuscar, em certa medida, a valorização dos demaismétodos de investigação semiológica, que podem serempregados e que são extremamente valiosos. Claroestá que, na dependência do sistema avaliado, uma ououtra das técnicas existentes para sua investigação (ins-peção, palpação, percussão ou ausculta) pode ser pre-ponderante sobre as demais. É o que ocorre com aabordagem semiológica do sistema cardiovascular, emque a técnica de percussão tem valor limitado, quandocomparada com as demais. Por outro lado, a inspeçãoe a palpação oferecem informações extremamenterelevantes, que complementam aquelas obtidas com aausculta, para a constituição do conjunto de dados clí-

nicos, que dão substrato ao diagnóstico das diferentesdoenças cardiovasculares.

Pretende-se, nesta revisão, discutir, de modosistemático, as técnicas semiológicas, consolidadas pelaprática clínica, para avaliação do sistema cardiovas-cular, com o objetivo primário de oferecer, principal-mente ao estudante que inicia o treinamento em se-miologia médica, uma base sólida e consistente, fun-damentada em correlações entre aspectos fisiopato-lógicos e elementos de ordem clínica.

A discussão desses conceitos será dividida emcinco tópicos: ictus cordis, perfusão periférica, pul-sos arteriais, pulsos venosos e percussão do precórdio.

2- ICTUS CORDIS

O ictus cordis, também conhecido como im-pulso apical ou choque da ponta, traduz o contato daporção anterior do ventrículo esquerdo com a paredetorácica, durante a fase de contração isovolumétrica,do ciclo cardíaco. Embora os termos �impulso apical�e �choque da ponta� sejam comumente utilizados para

Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio SEMIOLOGIA37: 227-239, jul./dez. 2004 Capítulo IV

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denominar o ictus cordis, não se trata, realmente, daponta do coração em contato com a parede torácica.Na verdade, o ápice cardíaco encontra-se mais para ointerior do tórax e pode estar, lateralmente ao ponto ondese percebe o ictus cordis, cerca de meio centímetro.

O coração é um órgão relativamente móvel nointerior da caixa torácica. Encontra-se fixo ao me-diastino pela inserção das veias pulmonares no átrioesquerdo, sendo envolvido pelo pericárdio, que limita,parcialmente, a amplitude de sua movimentação. Es-sas características anatômicas garantem certo graude mobilidade no interior da caixa torácica, mobilida-de que é garantida pela conformação anatômica damassa muscular, ventricular, porção do coração quemenor restrição experimenta à movimentação. São re-lações anatômicas, que permitem ao coração, princi-palmente aos ventrículos, movimentos de rotação etranslação ao longo do eixo base-ápice, que são res-ponsáveis pela aproximação do coração da paredetorácica durante a sístole ventricular.

De importância fundamental para o entendimen-to da fisiologia do ictus cordis é o conhecimento deque, na primeira fase da sístole do ciclo cardíaco, quese inicia logo após o fechamento das valvas mitral etricúspide (cujo correspondente auscultatório é a pri-meira bulha cardíaca), pode-se documentar um perío-do em que o coração se contrai, aumentando a pres-são no interior do ventrículo, sem que ocorra altera-ção de volume, pois a valva aórtica ainda não se abriu.É a fase que recebe o nome de contração isovolu-métrica. Durante essa fase, o movimento de rotaçãoe translação dos ventrículos faz com que o coração seaproxime da parede torácica e logo após, inicia-se aejeção ventricular, com a abertura da valva aórtica,responsável por diminuição do volume ventricular eafastamento do coração da parede torácica.

O ictus pode ser percebido em cerca de 25%dos pacientes. Ele pode ser observado com o pacien-te em posição supina, em decúbito dorsal ou lateralesquerdo. Notadamente, em condições fisiológicas,observa-se variação das características descritas aseguir, na dependência da posição do paciente, e, por-tanto, quando se descreve o ictus no exame físico,deve-se, obrigatoriamente, anotar em qual posição foirealizada a observação. O decúbito lateral esquerdoaproxima o coração da parede torácica, tornando ascaracterísticas do ictus cordis mais pronunciadas,sendo, portanto, um recurso importante com aquelespacientes com os quais não é possível observação oupalpação em decúbito dorsal.

Independentemente da posição em que se pes-quisa o ictus, o médico deve colocar-se à direita dopaciente, com seu campo visual voltado para a localiza-ção onde ele é mais comumente detectado, tendo-se ocuidado de procurar condições ideais de iluminação.

As características do ictus cordis, que devemser examinadas são: localização, extensão, duração,intensidade, forma, ritmo e componentes acessórios.Essas características serão sempre identificadas, ini-cialmente, na posição supina e, quando sofrerem in-fluência da posição, também na posição específica,sob avaliação.

2.1- LocalizaçãoComo conseqüência da relativa mobilidade do

coração no interior da caixa torácica, a posição dopaciente pode influenciar na localização do ictus.

No decúbito dorsal, ele pode ser percebido noquarto ou no quinto espaço intercostal esquerdo, nalinha hemiclavicular ou medialmente à mesma. (Figu-ra 1 A). Já no decúbito lateral esquerdo, pode sofrerum deslocamento de cerca de dois centímetros, late-ralmente, em direção à axila. (Figura 1 B).

A percepção da mobilidade do ictus, com amudança de posição, é uma observação importante.A ausência de mobilidade do ictus, em direção à axi-la, quando o paciente é posicionado em decúbito late-ral esquerdo, pode sugerir entidades nosológicas es-pecíficas, como a pericardite constrictiva.

A determinação adequada da localização doictus pode ser extremamente dificultada em algumascondições clínicas, especialmente em doenças pulmo-nares, como o enfisema pulmonar, em que ocorrehiperexpansão do tórax e interposição de tecido pul-monar entre o coração e a parede torácica. Em paci-entes, nos quais se observa aumento da extensão doictus, como ocorre em portadores de miocardiopatia,dilatada ou de cardiopatia chagásica, crônica, a locali-zação precisa pode ser impossível.

Além da presença do ictus cordis, é possívelidentificar a presença de outras impulsividades pre-cordiais, cujas descrições também são importantes pelovalor diagnóstico que encerram. Dentre elas, desta-cam-se a pulsação epigástrica e paraesternal, esquer-da, cuja identificação está relacionada a aumento dapressão e/ou do volume do ventrículo direito. Essasregiões de impulsividade precordial ocorrem em situ-ações clínicas em que haja acometimento de cavida-des direitas, decorrentes de um processo fisiopatoló-gico, primário, do pulmão, como ocorre no cor

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pulmonale, ou secundárias a um acometimento decâmaras esquerdas, como nas miocardiopatias de pa-drão dilatado, nas valvopatias e na doença isquêmicado coração. Considerando-se a pouca expressãoauscultatória de condições clínicas, que acometemcavidades cardíacas direitas, a percepção desses si-nais pode contribuir para a adequada caracterizaçãoclínica desse envolvimento.

2.2- ExtensãoGeralmente, o ictus cordis ocupa uma exten-

são em torno de duas polpas digitais (cerca de 2 a2,5 cm), ocupando, no máximo, um ou dois espaçosintercostais. (Figura 1 C.) Trata-se, também, de umacaracterística que sofre influência postural. Ao assu-mir o decúbito lateral esquerdo, a extensão pode au-mentar para cerca de três polpas digitais ou 3 a 3,5 cm,devido à maior proximidade do ventrículo esquerdoem relação à parede torácica.

Cardiopatias que determinam dilatações impor-tantes do ventrículo esquerdo implicam em aumentoda extensão do ictus, podendo-se citar, como exem-plo, as miocardiopatias de padrão dilatado e a cardio-patia chagásica crônica.

2.3- Duração

Conforme ressaltado anteriormente, a percep-ção do ictus está relacionada ao contato da porçãoanterior do coração com a parede torácica durante afase de contração isovolumétrica do ciclo cardíaco.Com o esvaziamento dos ventrículos, durante a ejeçãoventricular, o coração se afasta da parede e o ictusdeixa de ser percebido. Depreende-se, assim, que oictus é um fenômeno que se manifesta precocementena sístole e deve ser simultâneo, ou mesmo, precedera percepção do pulso carotídeo (expressão da ejeçãoventricular ao exame físico).

Enquanto, em indivíduos normais, observa-se apresença do ictus cordis simultaneamente à palpaçãodo pulso arterial carotídeo (Figura 1 A e B), em paci-entes com comprometimento da ejeção ventricular,como ocorre em portadores de estenose valvar aórti-ca significativa ou miocardiopatias de grau avançado,a ejeção ventricular é prolongada e o esvaziamentoventricular encontra-se retardado, prolongando o con-tato do mesmo com a parede torácica. No exame físi-co, isso se expressa pela percepção do ictus muitoapós o desaparecimento do pulso arterial carotídeo.

Figura 1: Semiotécnica da avaliação do ictus cordis. A) palpação em decúbito dorsal; B) palpação em decúbito lateralesquerdo; C) localização do ictus cordis, contando-se os espaços intercostais a partir do segundo espaço (ângulo deLouis). Observe que, em A e B, a palpação do ictus é simultânea com o pulso carotídeo.

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2.4- Intensidade

A observação sistemática do ictus permite iden-tificar pacientes que apresentam impulsividade aumen-tada ou diminuída. O principiante, geralmente, associatal percepção como uma característica para determi-nar o estado contrátil cardíaco. Entretanto, a intensi-dade da impulsão do ictus não guarda relação diretacom a contratilidade miocárdica. Pacientes com mio-cardiopatias de padrão dilatado podem apresentarimpulsividade aumentada devido ao aumento da ex-tensão do ictus, sem que isso traduza aumento da for-ça contrátil do coração.

2.5- FormaDescrições do ictus cordis como globoso ou

cupuliforme são comuns na literatura. Entende-se,como forma, uma característica composta, que levaem consideração a duração e a extensão anteriormen-te descritas.

Aqueles pacientes que apresentam aumento daextensão e da duração do ictus, geralmente associa-das a deslocamento lateral e rebaixamento, apresen-tam ictus globoso. Pacientes hipertensos ou apresen-tando estenose aórtica grave, geralmente, apresentamextensão e localização preservadas, mas duração au-mentada, características que se apresentam no ictusimpulsivo.

2.6- RitmoO exame do ictus pode, também, fornecer in-

formações relativas ao ritmo cardíaco do paciente. Apalpação simultânea com o pulso arterial carotídeo deveser novamente executada para a adequada avaliaçãode tal característica.

Assim, distúrbios do ritmo, como fibrilação atrialou extrassistolia, podem ser adequadamente identifi-cados, o que pode influenciar outras característicasdescritas. Por exemplo, na fibrilação atrial, que se as-socia a enchimento variável do ventrículo esquerdo, aintensidade e a duração do ictus podem apresentarvariações, batimento a batimento.

2.7- Componentes AcessóriosAlém da percepção do componente principal do

ictus, a inspeção e a palpação cuidadosas, associadasà palpação do pulso arterial carotídeo ou à auscultacardíaca, podem identificar componentes acessórios.Dentre os componentes acessórios, os dois mais comu-mente encontrados são os correspondentes à terceira

e quarta bulhas. São de importância clínica, inequívo-ca e, algumas vezes, são palpáveis, mas não audíveis.

A correta identificação desses componentespode ser obtida, de maneira muito mais fácil, pelapalpação simultânea do pulso carotídeo. Caso o com-ponente acessório, percebido, geralmente reconheci-do por ser de menor amplitude que o ictus propria-mente dito, preceder o pulso carotídeo, trata-se do cor-respondente palpatório da quarta bulha cardíaca. Casoesse componente acessório suceda o pulso carotídeo,trata-se de uma terceira bulha cardíaca.

Em resumo, a avaliação do ictus é de suma im-portância na semiotécnica cardiológica, pois é a únicaabordagem do exame físico que oferece informaçõessobre a presença de cardiomegalia. A identificaçãode um ictus cordis, deslocado para a esquerda, rebai-xado, estendendo-se por três ou mais espaços inter-costais e com duração prolongada, é o indicativo de umprocesso fisiopatológico, determinante de cardiome-galia. A identificação de sinais de cardiomegalia re-presenta um achado importante no exame físico, pois,muitas vezes, está associada à depressão da funçãosistólica do coração, o que implica em aumento de mor-talidade e morbidade dos pacientes com tais sinais.

3- PERFUSÃO PERIFÉRICA

A avaliação da perfusão periférica, durante oexame físico, é extremamente valiosa para determi-nação da presença de débito cardíaco, adequado àsnecessidades metabólicas do organismo. O exame doleito vascular das extremidades é de fácil acesso eexecução, além de permitir reavaliações repetidasdurante intervenções terapêuticas.

A investigação clínica da perfusão periféricapode ser efetuada com base na análise de várias ca-racterísticas: temperatura, coloração e grau de enchi-mento das extremidades. Deve-se ter sempre presenteque alterações da magnitude da perfusão periféricanão são as únicas causas de modificações dessas va-riáveis, devendo-se considerar, também, a possível in-fluência de estímulos externos sobre elas. Assim, porexemplo, caso o paciente tenha tido contato com águafria ou a temperatura ambiente esteja muito reduzida,a percepção tátil de extremidades frias e a observa-ção de presença de cianose nesse local, provavelmente,pode ser explicada por reflexo de vasoconstrição pe-riférica, visando à preservação de calor, ao invés derepresentar diminuição da perfusão periférica, decor-rente de processo patológico.

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A avaliação da coloração, à inspeção, pode sermuito prejudicada em pacientes anêmicos ou de peleescura. Por outro lado, a compressão do leito vascu-lar distal pode sensibilizar a percepção da alteraçãode coloração.

O enchimento do leito vascular das extremida-des é avaliado com a compressão da polpa de um oumais dígitos, o que ocasiona um esvaziamento da mi-crovasculatura daquela região. Com a liberação dacompressão, o leito ungueal se torna esbranquiçado evai, gradativamente, readquirindo a coloração normalda pele circunvizinha, à medida que o leito microvas-cular é novamente preenchido com sangue. Em indiví-duos com perfusão periférica, normal, o enchimento érápido, da ordem de dois a três segundos. Nos casosde redução da perfusão, o enchimento se torna cadavez mais lento, mantendo uma correlação direta coma gravidade do quadro. A correta avaliação do graude redução, na velocidade de enchimento do leito vas-cular, se faz através da comparação com o enchimen-to observado no próprio examinador.

A avaliação da temperatura, coloração e en-chimento vascular das extremidades é de suma im-portância para a diferenciação das causas do com-prometimento da perfusão tecidual. Assim, por exem-plo, no contexto do choque cardiogênico, pode-seobservar extremidades frias, cianóticas e com enchi-mento lentificado, enquanto, no choque séptico, elaspodem ser quentes e coradas, ainda que apresen-tem, também, enchimento vascular, periférico, pre-judicado.

4- PULSOS ARTERIAIS

Pulso, no contexto biológico, aplicado ao siste-ma cardiovascular, é definido como qualquer flutuaçãoperiódica no sistema, causada pelo coração. Quandoo sangue é ejetado para o interior do sistema arterial,são geradas alterações no fluxo, na pressão e nas di-mensões dos vasos. Embora qualquer um dos três fa-tores apresente variações pulsáteis durante o ciclocardíaco, o pulso, tal como é avaliado no exame físi-co, é decorrente, principalmente, de alterações da pres-são intravascular. Apesar disso, a magnitude do pulsonão é diretamente correlacionada com a pressão in-travascular. A percepção da amplitude do pulso de-pende, além da magnitude de pressão intravascular,das dimensões da artéria sob avaliação e da pressãoexercida pelos dedos do examinador. A sensação deum pulso de baixa amplitude pode resultar tanto de

níveis reduzidos de pressão arterial sistêmica comorepresentar um pulso de amplitude normal, avaliado,em uma artéria muito estreita.

Um outro aspecto da fisiologia de propagaçãode pulso arterial, no sistema cardiovascular, é funda-mental para a adequada aplicação dessa técnica deinvestigação clínica. Durante a ejeção ventricular, aparede da aorta se distende e gera uma onda que sepropaga através de todo o sistema arterial até o níveldas arteríolas. Neste local, devido à acentuada redu-ção do diâmetro dos vasos, existe um aumento impor-tante da resistência oferecida à propagação do fenô-meno. É o ponto em que ocorre uma reflexão da pro-pagação do pulso, ou seja, é gerada uma onda de pulsode sentido oposto (da periferia para o centro). A pro-pagação dessa onda até as arteríolas e o retorno deseu componente retrógrado ocorrem muito rapidamen-te, sendo possível que, dentro do mesmo ciclo cardía-co, o fenômeno se propague até a periferia e retorneaos vasos mais calibrosos. Assim, um fator adicionalpassa a influenciar a nossa percepção das caracterís-ticas do pulso arterial, uma vez que ela passa a repre-sentar a somatória da onda que se propagou em dire-ção à periferia e da correspondente reflexão. Apesarde sentidos opostos de propagação do fluxo, as ondasde pulso (a original e a refletida) são percebidas nomesmo sentido pelo clínico. (Figura 2.) Assim, pode-se depreender que a percepção do pulso é influencia-da pela velocidade de propagação dessas ondas, que,por sua vez, dependem das características estruturaisdo sistema arterial. Deste modo, sistemas arteriais maisrígidos, como aqueles encontrados em idosos, permi-tem uma propagação mais rápida, enquanto que siste-mas mais complacentes, como ocorre em jovens, fa-vorecem uma propagação mais lenta dessas ondas.

Uma outra característica que influencia a per-cepção do pulso, levando em consideração o fenôme-no de reflexão, é o sítio onde o pulso é avaliado. Nadependência da distância a ser percorrida pelo pulso,pode ocorrer que a onda de reflexão interfira com aonda que é gerada durante a ejeção ventricular, demaneira diversa. Em pequenas distâncias, dependen-do do ângulo de reflexão, em relação à onda original,ela poderá reduzir a magnitude do pulso, além de mo-dificar sua forma. Entretanto, ao percorrer distânciasmaiores, como ocorre nos membros inferiores, o maiortempo para a propagação da onda retrógrada podedeterminar que ela venha a somar-se com o pulsogerado no ciclo cardíaco, subseqüente, aumentando aamplitude do pulso nos membros inferiores. Então, se

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o objetivo da avaliação do pulso for determinar seucontorno ou sua velocidade de inscrição, o exame deveser realizado em locais mais proximais do sistema ar-terial, como, por exemplo, o pulso carotídeo, cuja am-plitude e forma aproximam-se mais das característi-cas do pulso aórtico.

Frente ao exposto, as características básicas,que devem ser investigadas na avaliação dos pulsosarteriais, são as que vêm a seguir:� Freqüência � alterações da freqüência cardíaca po-

dem ser facilmente determinadas pela palpação dopulso em qualquer sítio; é importante ressaltar que,na presença de alterações do ritmo cardíaco, a fre-qüência será mais precisamente determinada, au-mentando-se o tempo de observação.

� Ritmo � deve-se avaliar se o ritmo é regular ou irre-gular. Quando irregular, é possível, com a prática,identificar algumas características que sugiram apresença de alguns distúrbios do ritmo cardíaco,específicos, como a fibrilação atrial ou extra-sístolia.É importante registrar que essa técnica tem especi-ficidade limitada para estabelecer o diagnóstico dearritmias, embora possa oferecer informações rele-vantes para isso. A avaliação concomitante, do pul-

so com a ausculta cardía-ca possibilita verificar aconcomitância entre o ba-timento cardíaco e a ocor-rência do pulso. Normal-mente, a cada batimento,deve-se detectar o pulsoarterial, correspondente. Anão ocorrência dessaconcomitância, ou seja,quando nem todo batimen-to auscultado tem seu cor-respondente palpável, indi-ca que a contração imedi-atamente precedente nãoteve intensidade suficientepara abrir a valva aórticae gerar o pulso correspon-dente.� Localização � A avalia-ção dos pulsos deve ser re-alizada em todos os locaisonde eles podem serpalpados: carotídeo, tem-poral, braquial, radial, ulnar,abdominal, femoral,

poplíteo, tibial posterior e pedioso.� Simetria � Percepção da amplitude dos pulsos pal-

páveis em comparação com o mesmo pulso contra-lateral. Tal análise oferece subsídios para o diag-nóstico de situações como obstrução arterial, crôni-ca, de membros inferiores ou de outras doenças vas-culares, periféricas.

� Formato � O formato do pulso expressa a análisedo seu contorno. Do ponto de vista clínico, emborauma grande variedade de formatos seja descrita comestudos invasivos das ondas de pulso, essas altera-ções são de difícil percepção e exigem muita práti-ca. Na Tabela I, estão exemplificados alguns pa-drões de pulsos arteriais mais freqüentes, com o ob-jetivo primário de demonstrar como a caracteriza-ção do formato do pulso pode ser útil para avaliaçãode algumas doenças. Para a distinção entre os di-versos pulsos de duplo pico, a caracterização domomento do ciclo em que as ondas ocorrem é fun-damental. É importante ressaltar que devem serpesquisados em pulsos proximais, como o pulsocarotídeo.

� Amplitude � A amplitude do pulso pode ser influen-ciada por vários fatores, como ressaltado acima. Sua

Figura 2: Pulsos ArteriaisOndas de pressão, obtidas por estudo hemodinâmico invasivo, em diversospontos do sistema cardiovascular (carótidas, radial e femoral). As setas, cheiasrepresentam a onda de pulso anterógrada (centro-periferia) e a seta tracejada,a onda de pulso retrógrada (periferia-centro). Observe que, na carótida, devidoà proximidade do coração, a onda retrógrada é muito posterior à onda anterógrada,enquanto que o inverso ocorre na artéria femoral, onde a onda anterógrada e aretrógrada são praticamente simultâneas. Tal mecanismo é responsável peloaumento da amplitude do pulso arterial nos locais mais distantes do coração.

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percepção pode ser facilitada, quando se examinampulsos de localização mais distal no sistema arterial.Quanto à amplitude, os pulsos arteriais podem serclassificados como de amplitude normal, aumenta-da ou reduzida. É implícita, nessa classificação, queo observador deverá definir, a gradação de amplitu-de segundo uma escala individual, que depende, fun-damentalmente, da experiência acumulada. Destemodo, a avaliação tem componentes bastante sub-jetivos, mas que não diminuem sua importância clí-nica. Além disso, o pulso arterial pode apresentaramplitude variável, batimento a batimento. Dois ti-

pos de pulso de amplitude variável adquirem impor-tância especial e estão ressaltados na Tabela II.

É muito importante salientar que a análise doconjunto dessas características facilita o aprendizadoe a caracterização dos diferentes tipos de pulso. As-sim, por exemplo, embora, por motivos didáticos, sejarealizada uma classificação dos pulsos de acordo comuma característica isolada, como exposto nas TabelasI e II, em algumas situações, a análise de conjuntopropicia uma melhor caracterização. Dois exemplospodem ser citados: o pulso bisferiens e o pulso tarduse parvus.

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Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

O pulso bisferiens é mostrado, na Tabela I,como um dos três tipos de pulso de duplo pico. A alte-ração de seu contorno é uma característica funda-mental para sua caracterização. Porém outras carac-terísticas devem ser ressaltadas: é um pulso de eleva-ção e descenso rápidos, decorrentes da grande quan-tidade de volume ejetado e do volume regurgitante,respectivamente, na insuficiência aórtica, grave; epossui amplitude aumentada, decorrente, também, dogrande volume ejetado. Essas alterações podem serpercebidas ao longo de todo o sistema arterial.

O pulso parvus e tardus é encontrado na este-nose aórtica e está ilustrado na Tabela II como exem-plo de pulso caracterizado por alteração de amplitude.A baixa amplitude é característica desse tipo de pul-so, mas ele também é caracterizado por uma eleva-ção lenta da sua porção ascendente, o que ocasionaque ele seja percebido tardiamente na sístole, durantea palpação. Essas modificações de amplitude (parvus)e de localização no ciclo (tardus) são característicasfundamentais dessa alteração, e são freqüentementemascaradas por perda da elasticidade do sistema ar-terial, como aquelas decorrentes do envelhecimento.Embora tais alterações dificultem sua percepção esejam um sinal tardio da estenose aórtica, implicamsempre, em severidade do quadro.

5- PULSOS VENOSOS

Devido ao fato de o sistema venoso estar sub-metido a um regime de pressão muito menor, compa-rado ao sistema arterial, a avaliação do pulso venosoé realizada quase que exclusivamente através da ins-peção. Significa dizer que o pulso venoso é visível,mas, na enorme maioria das vezes, não é palpável, oque facilita na sua distinção do pulso carotídeo, quepode ser visível normalmente. Também decorrentedessa característica é o fato de se perceber o pulsovenoso apenas próximo ao coração, na região cervi-cal. Além de habitualmente não ser palpável, o pulsovenoso pode diferenciar-se de um pulso arterial porapresentar, em cada ciclo cardíaco, mais de uma osci-lação visível à inspeção, enquanto apenas uma é iden-tificada no pulso arterial.

A avaliação clínica do pulso venoso adquireimportância, no exame físico, para dois objetivos: ca-racterização da pressão venosa central e determina-ção de algumas doenças específicas.

5.1- Estimativa da pressão venosa centralA avaliação não invasiva, da pressão venosa

central oferece informações fisiopatológicas importan-tes na investigação clínica de pacientes que apresen-

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Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão

tam doenças cardiovasculares ou pulmonares que es-tão associadas, na sua história natural, à elevação dapressão venosa central. Incluem-se, entre elas, dife-rentes entidades nosológicas, que cursam com a insu-ficiência cardíaca e as doenças pulmonares, que aca-bam por promover sobrecarga crônica, de cavidadescardíacas direitas. De modo geral, quanto maior a ele-vação da pressão venosa central, maior a gravidadedas repercussões funcionais.

A estimativa da pressão venosa central podeser realizada de um modo muito simples. Para suacompreensão é importante uma recordação das rela-ções anatômicas do sistema venoso na região cervi-cal. Observe a Figura 3. Nela, pode ser observadoque a veia jugular, interna, direita comunica-se com oátrio direito quase em linha reta através da veia cava,superior, enquanto que o mesmo não ocorre com aveia jugular, interna, esquerda, devido à interposiçãoda veia inominada. Dessa relação anatômica, pode-secompreender que as pressões venosas, centrais, ge-radas em câmaras cardíacas, direitas, serão transmi-tidas diretamente para a veia jugular, interna, direita.

A transmissão é facilitada, ainda mais, pelo fato denão existirem valvas nas veias intratorácicas.

Pelo exposto acima, a técnica para avaliaçãoda pressão venosa, central baseia-se na transmissãoda pressão através da coluna sangüínea até a veia ju-gular interna, direita. Essa transmissão de pressão gerao pulso venoso, que pode ser perceptível em todas asveias jugulares (interna e externa; direita e esquerda),porém, com melhores condições anatômicas de trans-missão e com menor atenuação, na veia jugular, inter-na, direita. A altura em que se observa o pulso, nopescoço, guarda correspondência direta com o valorda pressão; quanto maior a pressão, mais elevado onível de pulsação venosa, aproximando-se da mandí-bula (Figura 4A).

Devido à correlação direta entre a altura emque é identificado o pulso e a pressão venosa, o pulsopode ser utilizado, de maneira relativamente simples,como um �aparelho de pressão� que utiliza uma colu-na de água, e basta realizar a calibração do sistemapara que se obtenha a pressão. A calibração se baseiano conhecimento de que o átrio direito fica localizadocerca de 5 cm abaixo da junção entre o corpo do esternoe o manúbrio � Ângulo de Louis. (Figura 4 B, C e D.)Com tal conhecimento, a obtenção da pressão venosa,central pode ser realizada somando-se 5 cm à distân-cia entre o local onde o pulso é percebido e a junçãodo corpo com o manúbrio do esterno.

Do ponto de vista semiológico, deve-se colocaro paciente em posição confortável, com a cabeça re-laxada e voltada para o lado esquerdo. O uso de ilumi-nação tangencial ao pescoço pode sensibilizar a per-cepção do pulso venoso. A cama do paciente deveser colocada numa inclinação que permita perceber apulsação venosa. Em pessoas sem alterações patoló-gicas, geralmente, isso implica em um ângulo de 45o

(Figura 4C), pois ângulos menores elevam o pulso parao interior do crânio e ângulos maiores trazem o pulsopara o interior do tórax, tornando-o não perceptívelem ambas as situações. Não se pode esquecer que amedida da altura sempre deve ser realizada na verti-cal. Em situações patológicas, no entanto, mesmo como paciente sentado ou em pé, caso a pressão venosacentral esteja elevada, o pulso será perceptível e a re-gra para a aferição da pressão persiste a mesma. Deve-se lembrar, ainda, que, na maioria das situações clíni-cas, o médico não dispõe de um leito que possa seradequadamente angulado para essa avaliação. Assim,considerando que o objetivo principal dessa medida é

Figura 3 � Sistema Venoso. VCS � Veia Cava Superior;AD � Átrio Direito; VD � Ventrículo Direito; TP � Tronco daArtéria Pulmonar

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identificar situações clínicas com elevação da pres-são venosa, a avaliação realizada com o paciente sen-tado parece ser a mais adequada.

Deve-se salientar que tal técnica é uma esti-mativa da pressão venosa, central. Estudos que com-pararam as pressões obtidas dessa maneira com mé-todos mais acurados, como a Doppler ecocardiografiaou mesmo com técnicas invasivas e de mensuraçãodireta, como o estudo hemodinâmico, não encontra-ram correlação elevada. No entanto, pela facilidadede se obter o dado à beira do leito, essa técnica per-siste sendo empregada na prática clínica, diária.

A amplitude e a localização do pulso venososofrem alteração na dependência da fase do ciclo res-piratório. Durante a inspiração, devido à queda da pres-são intratorácica, observa-se diminuição da amplitude

do pulso e este tende a se aproximar da base do pes-coço, ou mesmo deixar de ser visível, por ter se deslo-cado para o interior da cavidade torácica. Em situa-ções patológicas, em que o enchimento do ventrículodireito encontra-se prejudicado, pode-se observar umasituação paradoxal, na qual, durante a inspiração, nota-se um ingurgitamento das veias cervicais, com aumen-to da amplitude do pulso e deslocamento em direção àmandíbula. Tal situação recebe o nome de Sinal deKussmaul, que pode ser encontrado em várias situa-ções, sendo a pericardite constritiva a mais caracte-rística.

Em pacientes com insuficiência cardíaca, emuso de diuréticos, a avaliação do pulso venoso podelevar à falsa impressão de que a pressão venosa cen-tral se encontra baixa ou dentro dos padrões da nor-

Figura 4 � Pulso Venoso. Vide texto.

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Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão

malidade. Então, está indicado o uso do chamado�reflexo abdominojugular�. Trata-se de uma manobraonde se realiza uma compressão abdominal, com a mãoespalmada, colocada sobre o andar superior do abdo-me. A compressão deve ser lenta e gradual, não cau-sando desconforto ao paciente. Ao se realizar a com-pressão, deve-se observar atentamente o pulso veno-so; caso se observe uma elevação de cerca de trêscentímetros em relação ao valor documentado duran-te a situação basal, persistente durante todo o períododa compressão, evidencia-se que a pressão venosa estáelevada.

Determinação de entidades nosológicas especí-ficas

A identificação de entidades nosológicas, espe-cíficas, através do pulso venoso, baseia-se no formatode sua onda. Na Figura 5, está representada a curvade pressão venosa central obtida durante cateterismocardíaco, correlacionada com o eletrocardiograma (na

parte superior da figura) e com as bulhas cardíacas(na parte inferior da figura). Imediatamente antes dasístole ventricular, na porção final da diástole, ocorre asístole atrial, ocasionando a onda A. Com a contraçãodo ventrículo, no início da sístole, ocorre a ejeção doventrículo, ocasionando o pulso carotídeo. O pulso ar-terial carotídeo, devido à sua estreita relação com osistema jugular, é transmitido para o sistema venoso,ocasionando a onda C. A contração ventricular ocasionaa descida dos átrios em direção ao ápice do ventrículoe uma queda da pressão venosa central (DescensoX�). Com o enchimento do átrio direito, a pressão ve-nosa central começa a se elevar e é transmitida paraas jugulares, sendo percebida como onda V. Com aabertura da valva tricúspide e o início do enchimentoventricular, na fase inicial da diástole, a pressão veno-sa central volta a cair, sendo expressa na curva depressão através do Descenso Y.

À beira do leito, no entanto, a percepção dastrês ondas e dos dois descensos descritos é limitada.

Figura 5 � Curva de Pressão Venosa. Vide texto

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Na grande maioria dos casos, o que se observa, comnitidez, são os dois descensos, conferindo ao pulso veno-so um formato de duplo pico. O primeiro pico, repre-sentado pela fusão das ondas A e C, é concomitanteao primeiro ruído cardíaco (B1) e o segundo pico (ondaV) é concomitante ao segundo ruído cardíaco (B2). Oformato, em duplo pico, do pulso venoso é mais umacaracterística que auxilia na sua distinção com o pulsoarterial. Em condições fisiológicas, o pulso venoso apre-senta dois componentes e não é palpável, enquanto opulso arterial tem apenas um componente e é semprepalpável, mesmo que não seja visível.

Tais características são alteradas em diferen-tes condições clínicas e permitem sugerir alguns diag-nósticos específicos. Dentre as inúmeras situaçõesclínicas, merece destaque a insuficiência tricúspide.A insuficiência tricúspide é uma valvopatia comum eque, geralmente, acompanha uma grande variedadede cardiopatias. Está, geralmente, presente em situa-ções em que há elevação da pressão arterial pulmo-nar. Suas características auscultatórias simulam aque-las da insuficiência mitral, diferenciando-se dessa con-dição por seus achados estarem mais restritos ao focotricúspide e por seu sopro apresentar uma variaçãoinspiratória de sua intensidade (Sinal de Rivero-Carvallo). No entanto, devido ao menor regime depressão nas cavidades direitas e pela concomitânciade outras lesões valvares, a identificação de insufici-ência tricúspide, exclusivamente através da ausculta,tem baixa especificidade. Alguns outros sinais, no exa-me físico, auxiliam na identificação da insuficiênciatricúspide. Entre eles, destacam-se: a presença depulsação paraesternal, esquerda, uma impulsividadeprecordial, similar à do ictus cordis, porém, com lo-calização diferente; a presença de fígado pulsátil e,ainda, mediante a observação cuidadosa do pulso ve-noso e de seu formato.

Na vigência de insuficiência tricúspide, durantea contração ventricular, a pressão gerada pelo ventrí-culo direito é transmitida para o átrio e para o sistemavenoso, proximal ao coração. Essa transmissão depressão, durante a sístole ventricular, ocorre simulta-neamente à onda V, somando-se a ela, de modo a de-terminar uma onda de maior amplitude. No exame fí-sico, observa-se que o segundo componente do pulsovenoso é mais pronunciado. A concomitância da ondaV mais pronunciada com o segundo ruído cardíacoauxilia na sua identificação.

Distúrbios do ritmo cardíaco, principalmente os

distúrbios de condução atrioventriculares, totais(BAVT), podem ser identificados pela análise do pul-so venoso. Manifesta-se, no exame físico, mediantevariação na amplitude do pulso venoso. Considerar que,nessa condição clínica, ocorre dissociação entre ascontrações atrial e a ventricular, de modo que elas nãoguardam entre si nenhuma relação temporal. Entre-tanto, em alguns momentos, pode acontecer de a con-tração atrial e a ventricular ocorrerem concomitante-mente, de tal maneira que o átrio, nessa situação, secontrai contra uma valva tricúspide, fechada pela con-tração ventricular. Essa contração atrial irá gerar ní-veis mais elevados de pressão no átrio, o que resultaem maior transmissão de pressão para as veias proxi-mais ao coração, gerando uma onda de pulsação ve-nosa, no pescoço, mais ampla e que recebe a designa-ção de onda A em canhão.

Situações clínicas em que o enchimento ventri-cular direito é comprometido também se associam asinais que evidenciam o valor semiológico do pulsovenoso. A restrição ao enchimento ventricular deter-mina velocidades de enchimento maiores, traduzidasna curva de pulso venoso através de descensos X e Ymais pronunciados. As curvas de pressão venosa, quan-do isso ocorre, adquirem o aspecto das letras W ou Mdo alfabeto e assim são descritas na literatura. Peri-cardite constritiva, tamponamento cardíaco e as mio-cardiopatias restritivas são situações clínicas em quetais alterações podem ser observadas.

6- PERCUSSÃO

A percussão da região precordial do tórax é umatécnica de limitado valor semiológico. Ela não demons-tra uma boa sensibilidade ou especificidade para esti-mar a área cardíaca, entretanto pode oferecer algu-mas informações de relevância clínica. Por um lado, apercussão do segundo espaço intercostal junto aoesterno, tanto à direita como à esquerda, permite su-gerir a presença de dilatação do tronco da artéria pul-monar, quando o som claro pulmonar, habitualmenteobservado nesse local, é substituído pela observaçãode um som submaciço à percussão. Além disso, quan-do à percussão da região paraesternal esquerda, juntoao esterno, observa-se persistência de som claro, pul-monar, junto ao terceiro, quarto e quinto espaços inter-costais, sugere-se a presença de ar, anteriormente aocoração, o que ocorre em doenças pulmonares, obs-trutivas, especialmente no enfisema pulmonar.

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PAZIN-FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Cardiovascular examination: inspection, palpation and percussion.Medicina, Ribeirão Preto, v. 37: 227-239, july/dec. 2004.

ABSTRACT: The inspection and palpation of the physical examination of the cardiovascularsystem is emphatizated. The value of the analysis of the ictus cordis, periferic perfusion andarterial and venous pulses for the systematic evaluation of the several cardiopathies is reinforced.

UNITERMS: Cardiovascular System. Semiology. Pulse.

REFERÊNCIAS

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2 - VLACHOPOULOS C & O�ROURKE M. Gênesis of the normaland abnormal arterial pulse. Curr Probl Cardiol 25: 297-368, 2000.

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