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308 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará A AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO FGTS Samara Cavalcante Fernandes Aluna do Curso de Especialização em Direito Constitucional, pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará – ESMEC e Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Francisco Luciano Lima Professor doutor do Curso de Especialização em Direito Constitucional, pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará – ESMEC e Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA; 2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA; A AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO FGTS; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS. RESUMO A ação civil pública tem como objetivo a tutela dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, tendo como legitimado principal o Ministério Público. Dessa forma tornou-se mais eficaz a tutela coletiva desses direitos do que de forma individual, permitindo a efetividade do princípio constitucional do acesso à justiça para todos. O Poder Público, através da ação civil pública, não age na defesa dos seus direitos, mas dos direitos de toda a coletividade. O presente artigo trata da restrição imposta pelo Poder Executivo Federal, através de medida provisória, a atuação da ação civil pública, proibindo a tutela do FGTS por este instituto, colocando o interesse de poucos acima do interesse de toda a coletividade, tendo em vista ser o FGTS um direito constitucional reconhecidamente social e relevante, destinando-se a proteção do trabalhador contra a v. 6, n. 1, jan/jun 2008

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308 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

A AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARATUTELA DO FGTS

Samara Cavalcante FernandesAluna do Curso de Especialização em Direito Constitucional, pelaEscola Superior da Magistratura do Estado do Ceará – ESMEC e

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.

Francisco Luciano LimaProfessor doutor do Curso de Especialização em Direito

Constitucional, pela Escola Superior da Magistratura do Estado doCeará – ESMEC e Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA; 2AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA; A AÇÃO CIVILPÚBLICA PARA TUTELA DO FGTS; CONSIDERAÇÕESFINAIS; REFERÊNCIAS.

RESUMO

A ação civil pública tem como objetivo a tutela dos interessese direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, tendocomo legitimado principal o Ministério Público. Dessa formatornou-se mais eficaz a tutela coletiva desses direitos do quede forma individual, permitindo a efetividade do princípioconstitucional do acesso à justiça para todos. O PoderPúblico, através da ação civil pública, não age na defesados seus direitos, mas dos direitos de toda a coletividade.O presente artigo trata da restrição imposta pelo PoderExecutivo Federal, através de medida provisória, a atuaçãoda ação civil pública, proibindo a tutela do FGTS por esteinstituto, colocando o interesse de poucos acima dointeresse de toda a coletividade, tendo em vista ser o FGTSum direito constitucional reconhecidamente social erelevante, destinando-se a proteção do trabalhador contra a

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despedida arbitrária e sem justa causa por parte doempregador, além da destinação do seu saldo parahabitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana, o queressalta seu caráter social.

Palavras-chave: Ação civil pública. FGTS. Legitimidade doMinistério Público do Trabalho.

INTRODUÇÃO

A tutela coletiva vem ganhando importância ao longodo tempo. Em 1985, criou-se a Lei de Ação Civil Públicacom o objetivo de tutelar os interesses difusos e coletivos,trazendo como principal legitimado o Ministério Público, quenão tinha forças suficientes para enfrentar o Poder Judiciário.

O FGTS, como um direito social que é, de acordo comseu art. 7º, III, no capítulo II – Dos Direitos Sociais, encontra-se nessa categoria dos interesses transindividuais,pertencendo, portanto, ao alvo de atuação da ação civilpública em busca da defesa dos direitos daqueles quetiveram essa garantia cerceada.

Acontece que no ano de 2001, o Poder ExecutivoFederal editou uma medida provisória acrescendo umparágrafo único ao artigo 1º da Lei de Ação Civil Públicarestringindo a utilização desse instituto para demandas queenvolva, além de outras matérias, o FGTS. Essa proibiçãovem causando transtornos à coletividade, que encontrabarreiras no Poder Judiciário ao tentar, de forma coletiva, aproteção, através do Estado, de um direito social relevante.

Como vimos é a própria Constituição que enquadra oFGTS como de interesse social do trabalhador. O FGTStambém é considerado de suma importância pela suadestinação, pois encontra previsão na lei nº 8.036/90 quedispõe sobre FGTS, de aplicação dos recursos resultantes

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deste fundo em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana, ressaltando seu caráter social.

Baseado neste pensamento é que no decorrer destetrabalho científico, respondemos a determinadosquestionamentos, tais como: O que é ação civil pública nodireito trabalhista? Quais os casos de legitimidade doMinistério Público do Trabalho? Qual a justificativa para seestabelecer a legitimidade do Ministério Público do Trabalhotutelar o FGTS? Esse acréscimo implantado na Lei de AçãoCivil Pública é legal?

A justificativa para esse trabalho encontra-se na faltade coerência do Poder Executivo em limitar o campo deatuação da ação civil pública, considerada um instrumentobastante importante nas mãos de toda a coletividade que,enfim, encontrou forças na batalha em defesa dos seusinteresses frente à máquina judiciária. Por ser o FGTS umdireito social do trabalhador de relevante importância, deacordo com previsão constitucional, é que tal restrição deveser reconhecidamente ilegal, deixando de ser aplicada pelosrepresentantes do Poder Judiciário.

O objetivo geral do presente artigo é demonstrar ainconstitucionalidade e ilegalidade da restrição aposta nalei de ação civil pública através de medida provisória querestringe a atuação do Ministério Público na defesa dosdireitos e interesses relativos ao FGTS, tudo com base naprópria Constituição e em leis esparsas, mostrando que àépoca da edição dessa medida provisória limitativa, overdadeiro interesse do Governo Federal era outro e não aproteção do interesse da coletividade.

Na primeira parte, buscamos inicialmente conceituaração civil pública abordando seus objetivos, bem como alegitimação do Ministério Público para tutela dos interessesmetaindividuais, fazendo a distinção entre a ação civil públicae a ação civil coletiva, visando diferenciá-las quanto ao seu

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destino e objeto, concluindo que ambas fazem parte dogênero ação coletiva.

Na segunda parte, abordamos os direitos trabalhistasprevistos na Constituição Federal de 1988, enfocando oFGTS como direito social de relevante valor social, buscandodefinir as características do Ministério Público do Trabalho,justificando sua legitimidade para tutela dos interessestransindividuais referentes aos direitos trabalhistas,enquadrando o FGTS nessa categoria, e finalmente,definindo um a um os direitos coletivos, difusos e individuaishomogêneos, mostrando suas peculiaridades e ascaracterísticas comuns que os enquadram como interessesmetaindividuais.

Na terceira parte, capítulo define FGTS como um direitosocial do trabalhador aos depósitos fundiários depositadosem conta própria pelo empregador, formando um patrimôniosocial e visando à proteção do trabalhador em face dadespedida arbitrária e sem justa causa, constituindo um dosmais importantes instrumentos nas mãos do administradorpúblico, visando a proteção do trabalhador.

Concluímos que esse trabalho visa justificar alegitimidade do Ministério Público do Trabalho em tutelar osinteresses dos trabalhadores decorrentes da falta dedepósitos do FGTS, enquadrando-o como interesseindividual homogêneo, mostrando a inconstitucionalidade damedida provisória que restringiu a atuação da ação civilpública, tanto em relação ao seu aspecto formal quanto aomaterial.

1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A ação civil pública é um instrumento processualadequado para proteger danos causados ao meio ambiente,ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,

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histórico, turístico e paisagístico e qualquer outro interessedifuso ou coletivo, atendendo a todos os interesses coletivosda sociedade, de acordo com a Lei nº 7.347/85, quedisciplina a ação civil pública.

Esta é uma lei processual, que contém regrasprocessuais objetivando a regulação do processo coletivona defesa dos interesses sociais face ao seudescumprimento. Como norma de direito processual,pressupõe norma de direito substancial que trate dadelimitação desses direitos coletivos, a fim de detectar seforam ou não violados (ABELHA, 2004). No mesmo sentido,encontramos o ensino de Hely Lopes Meirelles (2000, p.164):

A Lei 7.347/85 é unicamente adjetiva, decaráter processual, pelo que a ação e acondenação devem basear-se emdisposição de alguma norma substantiva,de Direito Material, da União, do Estado oudo Município, que tipifique a infração a serreconhecida e punida pelo Judiciário,independentemente de qualquer outrasanção administrativa ou penal em queincida o infrator.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, estalei ganhou força, sendo restituída e até ampliada suaabrangência original. É referenciada expressamente no art.129, III, da Constituição Federal de 1988, dentro do capítuloque trata das funções institucionais do Ministério Públicodizendo caber-lhe a promoção da ação civil pública paraproteção do patrimônio público e social, do meio ambientee de outros interesses difusos e coletivos.

A ação civil pública tem superior importância por serembásicos de toda a sociedade os interesses por ela tutelados,

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devido a falta de forças para enfrentar de forma individualas poderosas demandas judiciais que duram anos e anos.Com isto, verifica-se que, através da ação civil pública, agorao cidadão exerce o verdadeiro direito de ação previsto noart. 5º. XXXV, da Constituição Federal (MELO, 2004).

De acordo com esse entendimento, assinala o Min. doTST – Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra MartinsFilho (2009, on line):

Foi necessário superar os cânones doprocesso civil limitado aos interessesindividuais, promovendo o que sedenominou de coletivização do processo,com admissão do representante grupal,sem citação de todos os envolvidos nademanda, e extensão da coisa julgada aquem não foi ouvido em juízo e não podese defender individualmente.

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº8.625, de 12 de fevereiro de 1993) segue a mesma linha naextensão do objeto da Ação Civil Pública quando exercidapelo Ministério Público, constando em seu art. 25, IV, “a” e“b” caber ao Ministério Público “a proteção, prevenção ereparação dos danos causados [...] a outros interesses [...]individuais indisponíveis e homogêneos”; e “para a anulaçãoou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimôniopúblico ou à moralidade administrativa do Estado ou deMunicípio, de suas administrações indiretas ou fundacionaisou de entidades privadas de que participem”.

Em relação ao direito do trabalho, a ação civil públicatrouxe bastante indignação para alguns, por tutelar direitoscoletivos, difusos e individuais homogêneos do trabalhador,considerado hipossuficiente, por não dispor individualmente

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de nenhuma condição de enfrentar o Poder Judiciário deforma semelhante a do empregador. Tenta-se de todas asformas a limitação do poder e da importância desteinstrumento para a sociedade, utilizando-se, algumas vezes,de meios ilícitos e inconstitucionais de fazê-lo.

Através da ação civil pública, houve um aumento dademanda dos trabalhadores de forma coletiva, poispassaram a ter mais chances de enfrentarem, de formaisonômica a do empregador, os tribunais, devido à força queganharam na luta pelos seus direitos até então negados.Outro fator importante foi à diminuição de ações individuaisque abarrotavam o Poder Judiciário, obedecendodiretamente ao princípio da economia processual.

Essa substituição processual, da demanda individualpela coletiva, é de interesse público relevante pelo seucaráter político-social da prestação jurisdicional, fazendo comque haja uma progressão do Judiciário, em especial na áreatrabalhista, no que tange ao processamento e aos direitostutelados por essa demanda. Nesse sentido, assinala ÉdisMilaré (apud LEITE, 2005, p.891):

Numa sociedade como essa – sociedadede massa – há que existir igualmente umprocesso civil de massa. A ‘socialização’ doprocesso é um fenômeno que, embora nãorecente, só de poucos anos para cá ganhoucontornos mais acentuados, falando-semesmo em normas processuais que, peloseu alcance na liberalização dosmecanismos de legitimação ad causam,vão além dos avanços verificados nospaíses socialistas. ‘Tudo é público equalquer pessoa pode tutelar direitos’.

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Enquanto ocorre esse desenvolvimento no poderJudiciário, o poder Executivo vem fazendo investidascontrárias à ação civil pública através, principalmente, doexpediente das medidas provisórias, criando barreiras paraa prestação jurisdicional por meio da ação civil pública eoutras medidas coletivas (MELO, 2004).

Pelo conceito de Carlos Henrique Bezerra Leite (2005,p. 223): “ação é o direito público, autônomo e abstrato,constitucionalmente assegurado à pessoa, natural ou jurídica,e a alguns entes coletivos, para invocar a prestaçãojurisdicional do Estado”.

A ação é direito constitucional por encontrar-se na listados direitos fundamentais, individuais e coletivos, previstosna Constituição Federal de 1988, como corolário do princípioconstitucional da demanda, previsto no art. 5º., XXXV,também da nossa Carta Constitucional. E por serconstitucional esse direito, todos devem ter acesso paradefesa de seus interesses.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2005) diz que noprocesso do trabalho, as ações são divididas em individuaise plúrimas, estas últimas são consideradas stricto sensu elato sensu. As ações plúrimas ou coletivas stricto sensu sãochamadas de dissídios coletivos, que tem por objetivo acriação de novas normas ou condições de trabalho maisbenéficas que às previstas em lei, possibilitando a Justiçado Trabalho o exercício do seu Poder Normativo, conformeprevisão no parágrafo 2º. do art. 114 da Constituição Federal.

As ações coletivas lato sensu são a ação civil públicae a ação civil coletiva, utilizadas para a defesa dos direitosmetaindividuais, que objetivam a condenação do réu para ocumprimento de uma obrigação específica, que quandoinviável, impõem uma obrigação de fazer ou não fazer ou acondenação em dinheiro.

A ação civil pública, como espécie que é das ações

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coletivas, tem por objetivo a proteção dos direitos einteresses metaindividuais – difusos, coletivos e individuaishomogêneos – que sofram ameaças, ou sejam, lesionados.

Conforme já constatamos anteriormente, o objeto daação civil pública, com a própria Constituição de 1988 e,principalmente, com o Código de Defesa do Consumidor,foi significativamente alargado, ampliando a sua atuaçãocomo meio de defesa da coletividade.

O próprio Código de Defesa do Consumidor cuidoude criar um instrumento novo de defesa dos interessesmetaindividuais, principalmente dos interesses individuaishomogêneos, que é a ação civil coletiva. Pelo Código deDefesa do Consumidor, o direito ou interesse das vítimaspode ser exercido em juízo, tanto individualmente, como atítulo coletivo, tendo como legitimados os mesmos previstospara ação civil pública (art. 82, do Código de Defesa doConsumidor). Esta orientação encontra-se no art. 91, doCódigo de Defesa do Consumidor, conforme exposto: “Oslegitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nomepróprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, açãocivil coletiva de responsabilidade pelos danosindividualmente sofridos, de acordo com o disposto nosartigos seguintes”.

Daí o surgimento do processo coletivo, tambémchamado de “jurisdição civil coletiva”, que, diferentementedo processo individual regulado pelo Código de ProcessoCivil, passou a ser disciplinado, basicamente, pelo sistemaintegrado de normas contidas na Constituição Federal, naLei de Ação Civil Pública, no Código de Defesa doConsumidor, e, subsidiariamente, no Código de ProcessoCivil.

A ação civil coletiva é uma ação destinada à reparaçãodos danos sofridos individualmente pelas vítimas de formacoletiva, ao contrário da ação civil pública, também

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considerada ação coletiva lato sensu, que, em regra, buscao cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer euma condenação genérica (arts. 3º, 11 e 13, da Lei nº 7.347/85), de acordo com o caso concreto, pelos danos jácausados aos interesses individuais, difusos e coletivos.

Portanto, a distinção relevante a que se chega entreação civil pública e ação coletiva, é que a primeira objetivaa cessação dos danos causados pela infringência ainteresses coletivos, enquanto a segunda ação objetiva areparação dos danos causados pela lesão a interessesindividuais que atingiram, de forma comum, a um grupodeterminado de pessoas. No entanto, se esses interessesindividuais homogêneos lesionados forem de relevânciasocial e as pessoas atingidas requererem que referida lesãose finde, então é legítimo ao Ministério Público propor açãocivil pública para a defesa desses direitos.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tendea distinguir o requisito do relevante interesse social paraautorizar o Ministério Público do Trabalho a ajuizar ação civilpública em defesa dos interesses individuais homogêneos,considerando que esses interesses são subespécies deinteresses coletivos. Respaldando esse entendimento,trazemos decisão turmária do TST, como se vê:

RECURSO DE REVISTA. LEGITIMIDADEATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO.INTERESSE SOCIAL RELEVANTE.DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOSO Ministério Público do Trabalho temlegitimidade ativa para ajuizar ação civilpública em defesa de interesses individuaishomogêneos. A situação da sociedadecooperativa, em que se configura a fraude

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no propósito de intermediação de mão-de-obra, com a não-formação do vínculoempregatício, configura direito individualhomogêneo revestido de interesse socialrelevante.Revista conhecida e provida.

(TST-RR-612.525/99.2, 1ª Turma,relator Ministro Wagner Pimenta, julgado em15.05.2002)

Concluímos que a ação civil pública é um instrumentoque vem expandindo seu alcance, resguardando cada vezmais os interesses e direitos da sociedade em massa, deforma coletiva, através da defesa dos interesses coletivos,difusos e individuais homogêneos lesionados, combatidosmais eficazmente que de forma individual. Beneficiaprincipalmente a coletividade em detrimento de uma minoriapoderosa.

2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA

Inicialmente, a Lei nº 7.347/86 (Lei da ação civil pública)não se aplicava ao processo do trabalho, devido a vedaçãodo Presidente da República do inciso IV, do art. 1º desta lei,que constava caber ação civil pública para defesa de outrosinteresses difusos e coletivos que não os expressos pelanorma, tornando o rol constante do seu art. primeiro taxativo.

Foi após a promulgação da Constituição da Repúblicaem 1988 que a abrangência da ação civil pública foialargada, tendo em seu art. 129, III, a previsão para a tutelade outros interesses difusos e coletivos pela ação civilpública, e posteriormente com o Código de Defesa doConsumidor que restabeleceu o inciso IV, ao art. 1º, da leide ação civil pública. Mas, foi com edição da lei

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complementar no. 75/93, que a ação civil pública, sem dúvidaalguma, passou a ser aplicada na justiça do Trabalho, a partirda previsão do art. 83, III, que trata das atribuições doMinistério Público do trabalho para a defesa dos direitoscoletivos, quando desrespeitados os direitos sociaisprevistos na Constituição.

A ação civil pública trabalhista ganhou força em 1993,quando da edição da Lei Complementar n. 75, de 20.5.1993,chamada de Lei Orgânica do Ministério Público da União,onde consta, em seu art. 83, III, que compete a Justiça doTrabalho processar e julgar a ação civil pública, para defesade interesses coletivos, quando desrespeitados os direitossociais constitucionalmente garantidos.

Os interesses coletivos contidos na norma citada acimareferem-se aos interesses difusos e individuas ehomogêneos. Isto torna-se claro através da interpretaçãoconjugada desse artigo com o art. 129, III, da ConstituiçãoFederal, que confirma caber ação civil pública trabalhistaem defesa de outros interesses difusos e coletivos.

Os direitos humanos, ao longo da história de toda asociedade, foram sendo classificados de acordo com asnecessidades da coletividade. Os direitos de primeirageração, assim classificados, dentre outros, o direito aliberdade, implica uma ação negativa do Estado, dado tersurgido numa fase em que o comportamento da sociedadeera determinado pelo Estado.

Os denominados direitos de segunda geraçãoabrangem os direitos sociais, exigindo uma ação positivado Estado no sentido da defesa e proteção desses direitos.Em seguida surgiram os direitos de terceira geração,também denominados direitos de solidariedade, cujossujeitos não são indivíduos, mas grupos humanos. Hoje, jáse fala na formação dos direitos fundamentais de quartageração, que se referem ao patrimônio genético.

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Os direitos sociais, como direitos de segunda geração,compreendem os direitos coletivos, não considerando ohomem isoladamente, mas o interesse coletivo comoconseqüência do princípio da igualdade, conformeentendimento de Evanna Soares (2004).

Os direitos trabalhistas constitucionais encontram-sedescritos no art. 7º da Constituição Federal, dentro doCapítulo II que trata dos direitos sociais, considerando nãosó os previstos, mas, igualmente outros que visem à melhoriada condição social dos trabalhadores.

Portanto, os direitos sociais dos trabalhadores sãoconsiderados direitos humanos fundamentais de segundageração, inserindo nesse contexto a ação civil pública que,a partir da Constituição Federal de 1988, passa a ser umagarantia constitucional dos direitos humanos do trabalhadore um dos principais meios de atuação do Ministério Públicodo Trabalho para efetivar alguns dos objetivos fundamentaisda República, que são os previstos nos incisos III e IV, daConstituição Federal de 1988, que prevêem a redução damarginalização e a erradicação da pobreza, bem como apromoção do bem de todos, sem distinção de sexo, idade,cor, raça, origem e outras formas.

Hoje, o próprio Tribunal Superior do Trabalho reconhecealém da legitimidade do Ministério Público do Trabalho parapropor ação civil pública na defesa dos interesses difusos ecoletivos, agora também para defesa dos interessesindividuais homogêneos, como se vê:

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM PARAPROPOR AÇÀO CIVIL PÚBLICA VISANDOASSEGURAR DIREITOS INDIVIDUAISHOMOGÊNEOS. Os interesses que oMinistério Público do Trabalho visa defender

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na presente Ação Civil Pública,relacionados ao pagamento de saláriosvencidos e vincendos, classificam-se comoindividuais homogêneos, pois possuemorigem comum e é possível a determinaçãoimediata dos empregados que foramprejudicados pelos atos lesivos do recorridoe as reparações dos danos podem-se darde forma distinta em relação a cada um dosmembros da coletividade atingida. Valedizer, os direitos lesados são divisíveis. OParquet laboral possui legitimidade paradefender tais interesses em juízo, assimcomo os interesses coletivos e difusos, nostermos dos arts. 6º, VII, “a” e “d”, 7º, I, 83, IIIe 84 , caput e II da Lei Complementar n. 75/93. Recurso conhecido e provido.

Finalmente, demonstramos a clareza da legitimidadeativa do Ministério Público do Trabalho para a defesa eproteção dos direitos constitucionais ou dos interessesmetaindividuais, através da ação civil pública, desde queoriundos das relações trabalhistas.

Segundo o doutrinador Manoel Antonio Teixeira Filho,examinando a matéria sob a ótica institucional do MinistérioPúblico do Trabalho, não é difícil concluir ser este legítimopara ajuizar ação civil pública na promoção da defesa deinteresses ou direitos individuais homogêneos (TST-e-AIRR-1.585/2003-004-20-40.7, Relator Ministro EMMANOELPEREIRA, in DJ de 12/05/2006).

Rodolfo Camargo Mancuso também compartilha destacorrente, registrando que quando os interesses foremindividuais homogêneos remanesce a legitimação doMinistério Público do Trabalho, de acordo com o art. 82, I,

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do Código de Defesa do Consumidor e art. 6º, XII, da LC75/93), mesmo que essa espécie de interesses não estejadisposta no art. 129, III, da Constituição Federal, mas pelaprevisão de tutela pelo Parquet encontrada no art. 129, IX,da Constituição Federal, que admite o exercício de outrasfunções que lhe forem conferidas, desde que compatíveiscom sua finalidade (TST-e-AIRR-1.585/2003-004-20-40.7,Relator Ministro EMMANOEL PEREIRA, in DJ de 12/05/2006).

Acreditamos que essa compatibilidade com suafinalidade surge a indisponibilidade do interesse (art. 127,da Constituição da República), que é decorrente de suarelevância social, pois do contrário o interesse seriapuramente individual, mesmo que atingisse um certo númerode pessoas, devendo ser tutelado de forma individual atravésda figura do litisconsórcio.Esta também é a opinião dajurisprudência trabalhista, senão vejamos:

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.LEGITIMIDADE ATIVA. AÇÃO CIVILPÚBLICA.DIREITOS COLETIVOS E DIREITOSINDIVIDUAIS HOMOGÊNEOSINDISPONÍVEIS. Tem legitimidade oMinistério Público do Trabalho para proporação civil pública, visando a tutelar direitoscoletivos. Tal é a hipótese sob exame, emque o Parquet Trabalhista persegue aimposição de obrigação de não fazer, comefeitos projetados para o futuro, medianteprovimento jurisdicional de carátercominatório, consistente em não repassarpara os salários eventuais prejuízosdecorrentes da atividade empresarial,

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inclusive decorrente de operação combomba de combustível na venda de produtoao público e de cheques de clientes semprovisão de fundos, observada, no entanto,a exceção contida no §1º do art. 462, daCLT. Inteligência dos artigos 83, III da LeiComplementar nº 75/93 e 129 daConstituição Federal. Tal legitimidadealcança, ainda, os direitos individuaishomogêneos, que, na dicção dajurisprudência corrente do exc.Supremo Tribunal Federal, nada maissão senão direitos coletivos em sentidolato, uma vez que todas as formas dedireitos metaindividuais (difusos,coletivos e individuais homogêneos),passíveis de tutela mediante ação civilpública, são coletivos. Imperiosoobservar, apenas, em razão do dispostono artigo 127 da Constituição Federal,que o direito individual homogêneo a sertutelado deve revestir-se do caráter deindisponibilidade. (E-RR-636.470/2000,rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, DJ-20/08/2004). (grifamos)

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADEPARA TUTELAR DIREITOS INDIVIDUAISHOMOGÊNEOS. O Ministério Público doTrabalho tem legitimidade para proporação civil pública visando tutelar direitosindividuais homogêneos. Direitos

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Individuais homogêneos são todosaqueles que estão íntima e diretamentevinculados à esfera jurídica de pessoasfacilmente identificáveis, de naturezadivisível e decorrentes de uma realidadefática comum. São seus titulares oudestinatários pessoas que estãovinculadas por laços comuns com oagente causador da sua ameaça oulesão e que, por isso mesmo, atingidosem sua esfera jurídica patrimonial e/oumoral, podem, individual oucoletivamente, postular sua reparaçãoem Juízo. Regra geral, sua defesa em Juízodeve ser feita através da ação civil pública,nos termos do que dispõe o art. 81, III, daLei nº 8.078, de 11.9.90 (Código deProteção e Defesa do Consumidor). OSupremo Tribunal Federal, em acórdão dalavra do Min. Maurício Corrêa,expressamente reconhece que os direitosindividuais homogêneos constituem umasubespécie de interesses coletivos (STF -2ª T. RE-163231-3/SP julgado em 1º.9.96).Esta Corte, em sua composição plena,cancelou o Enunciado nº 310, tendo adotadoo entendimento de que a substituiçãoprocessual prevista no art. 8º, III,Constituição Federal não é ampla, masabrange os direitos ou interessesindividuais homogêneos (E-RR-175.894/95Rel. Min. Ronaldo Lopes Leal julgado em17.11.2003). Por conseguinte, está oembargante legitimado para, em Juízo,

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postular, na condição de substitutoprocessual, em nome dos substituídos, nostermos do que dispõe o art. 8º, III, daConstituição Federal, direitos individuaishomogêneos, subespécie de direitoscoletivos. Inteligência que se extrai dosartigos 129, III, da Constituição Federal, 83,III, da Lei Complementar nº 75/93 e 81 e 82da Lei nº 8.078, de 11.9.90. Recurso derevista conhecido e provido.(RR-689.716/2000, rel. Min. Milton deMoura França, DJ-16/04/2004).(grifamos)

É por todo o exposto que concluímos caber a promoçãoda ação civil pública para tutela de todos os interessesmetaindividuais ou transindividuais, aí compreendidos oscoletivos, difusos e individuais homogêneos, ao MinistérioPúblico na qualidade de substituo processual, com base naprópria Constituição Federal, bastando para isso que taisdireitos sejam identificados.

3 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO FGTS

A ação civil pública, antes vista, tem por objetivo a tutelade direitos e interesses metaindividuais, ou seja, difusos,coletivos e individuais homogêneos, contra ameaças elesões. É considerada de suma importância porque taisdireitos são bens do povo, que, na maioria das vezes, nãopodem são tutelados de forma individual, posto ser a pessoa,de forma individual, considerada fraca para enfrentar amáquina judiciária.

A jurisdição coletiva vem, nos últimos tempos, cada vezmais intensa perante o Poder Judiciário, beneficiando um

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número crescente de pessoas, principalmente na searatrabalhista, onde encontramos maior fragilidade no respeitoaos direitos dos trabalhadores, por serem consideradoshiposuficientes perante o seu empregador, dado o caráterda subordinação existente nessa relação.

Diante da grandeza desse instrumento em posse detoda sociedade, vem o Poder Executivo investindo contraesse instrumento, pois o atinge diretamente, posto sercrescente o questionamento de interesses contra o própriopoder público. Por isto vem investindo contra a ação civilpública, limitando o seu alcance através de restriçõesimpostas na própria lei da ação civil pública.

Com essa finalidade foi incluído o parágrafo único, doart. 1º, da Lei nº 7.347/85 (lei da ação civil pública), que diz:“Não será cabível ação civil pública para veicular pretensõesque envolvam tributos, contribuições previdenciárias, oFundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outrosfundos de natureza institucional cujos beneficiários podemser individualmente determinados”.

Especificamente, em relação ao FGTS, objeto donosso estudo, é flagrante a intenção do governo, com aintrodução dessa limitação, criar dificuldades à luta dostrabalhadores na busca das diferenças da correçãomonetária dos depósitos fundiários decorrentes de índicesoficiais negados na época dos planos econômicos e hojereconhecidos pelo STF. Esses interesses fundiários sãoquestionados contra o poder público, explicando o interessedo governo em limitar a tutela coletiva, forçando a demandaindividual, reconhecidamente mais frágil, além das pressõesde grupos interessados, que encontram na defesa dessasações um forte meio de enriquecimento, dado referirem-sea quantias vultosas.

O FGTS é um direito social coletivo, por se referir aostrabalhadores, assegurado pela própria Constituição da

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república em seu art. 7º, inciso III, que deve ser utilizadoquando da demissão do empregado ou nas demaishipóteses prevista em lei própria. Dessa forma, é um abusonegar a tutela coletiva a um dos mais importantes direito dotrabalhador, contrariando até mesmo a própria Constituição.

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTSfoi criado em 1966 com a lei n. 5.107 como alternativa aoantigo regime da CLT. Maurício Godinho Delgado (2005,p.1265) o define como:

[...]consiste em recolhimentos pecuniáriosmensais, em conta bancária vinculada emnome do trabalhador, conforme parâmetrode cálculo estipulado legalmente, podendoser sacado pelo obreiro em situaçõestipificadas pela ordem jurídica, sem prejuízode acréscimo percentual condicionado aotipo de rescisão de seu contrato laborativo,formando, porém, o conjunto global eindiferenciado de depósitos um fundo sociald destinação legalmente especificada.

Antes da criação do FGTS, o trabalhador regido pelaCLT, em caso de dispensa imotivada, tinha direito a umaindenização de acordo com os arts. 477 e 478 da CLT. Apóso surgimento do FGTS, passou o trabalhador a dispor deduas alternativas: optava pelo regime do FGTS ou pelosistema da CLT.

Pelo regime do FGTS, o trabalhador que fossedispensado imotivadamente tinha direito de sacar osdepósitos efetuados e ainda recebia uma indenizaçãocompensatória. No entanto, o optante não tinha direito àindenização fixada nos arts. 477 e 478 da CLT e à respectivaestabilidade decenal.

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Observa-se que os objetivos do FGTS são muito clarose constitui um dos mais importantes instrumentos nas mãosdo administrador público, pois além de visar a proteção dotrabalhador, efetivando o direito laboral, cria um fundo quevisa o lastreamento de operações de cunho socialpatrocinadas pelo executivo federal.

Trata-se, pois, de um bem jurídico objeto tanto deinteresses individuais homogêneos de uma coletividadecomo de interesse de relevância social, cuja lesão a essedireito impõe a tutela coletiva pelo Ministério Público.Portanto, torna-se a atuação do Parquet, através da açãocivil pública, para tutela do direito dos empregados aosdepósitos fundiários, totalmente legítima, posto ser o FGTSum interesse social constitucionalmente garantido.

Em relação a natureza jurídica desse instituto há osurgimento de diversas teorias, de acordo com Saraiva(2005, p. 271), dentre elas: a) contribuição fiscal; b)contribuição parafiscal; c) natureza previdenciária; d) saláriodiferido, afirmando prevalecer a da indenização ao obreirodispensado, dado ser um instituto substituto da indenizaçãofixada‘nos arts. 477 e478 da Consolidação das Leis doTrabalho.

Maurício Godinho Delgado (2005, p.1272) diz que anatureza jurídica do FGTS é multidimensional com finsjustrabalhistas combinado com o seu caráter de fundo socialcom destinação variada, combinando ambos e formando uminstituto unitário.

Ocorre que o entendimento dos Tribunais Superioresdifere desse doutrinador, afirmando ser o FGTS de cunhotrabalhista, não podendo ser considerado tributo, pois estepressupõe a inversão de recursos ao Estado ou a outrosentes que exerçam serviços públicos, e não a particularesno seu interesse pessoal. A atividade fiscalizadora doEstado não o torna titular da contribuição, que não é receita

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pública. Verificamos abaixo os diversos entendimentos doSupremo Tribunal Federal referente a esse assunto:

EMENTA: - Fundo de Garantia de Tempode Serviço. (FGTS). Contribuiçãoestritamente social, sem carátertributário. Inaplicabilidade à espécie do art.173 do CTN, que fixa em cinco anos o prazopara constituição do crédito tributário.R.E. conhecido e provido para se afastar adeclaração de decadência.Precedente do plenário.(RE -110.012-5, Rel. Min.Sidney Sanches,DJ-11.03.88) (grifamos)

EMENTA: - Fundo de garantia do tempo deServiço Prescrição. Prazo Trintenário. LeiOrgânica da Previdência Social, art. 144.A natureza jurídica da contribuição devidaao Fundo de Garanta do Tempo de Serviçofoi definida pelo Supremo Tribunal Federalno RE 100249 – RTJ 136/681. Nessejulgamento foi ressaltado seu fimestritamente social de proteção aotrabalhador, aplicando-se-lhe, quanto àprescrição, o prazo trintenário resultante doart. 144 da Lei orgânica da PrevidênciaSocial.Recurso extraordinário conhecido eprovido.(RE-134328-1, Rel.Min. Ilmar Galvão, DJ-19.02.93) (grifamos)

EMENTA: - Contribuições para o Fundo de

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garantia do tempo de Serviço Prescrição.Esta Corte, ao julgar, por seu plenário, o RE100249, firmou o entendimento, em face daEmenda Constitucional n. 1/69, de que ascontribuições para o Fundo de garantiado tempo de Serviço não secaracterizam como créditos tributáriosou contribuições equiparáveis atributos, razão por que não se lhe aplica aprescrição qüinqüenal prevista no CódigoTributário Nacional. Recurso extraordinárioconhecido e provido.(RE-116761-1, Rel.Min. Moreira Alves, DJ-02.04.93) (grifamos)

EMENTA: - Contribuição para o FGTS.Prescrição.Esta Corte, ao julgar, por seu plenário, o RE100249, firmou o entendimento, em face daEmenda Constitucional n. 1/69, de que ascontribuições para o Fundo de garantiado tempo de Serviço não secaracterizam como créditos tributáriosou contribuições equiparáveis atributos, razão por que não se lhe aplica aprescrição qüinqüenal prevista no CódigoTributário Nacional. O acórdão recorridodivergiu desse entendimento. Recursoextraordinário conhecido e provido.(RE-119622-0, Rel.Min. Moreira Alves, DJ-08.11.96) (grifamos)

EMENTA: - Contribuição para o Fundo deGarantia por Tempo de Serviço (FGTS).

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Prescrição trintenária.Dada a natureza tributária desses créditosem face da Constituição de 1967 (Emendan. 1/69(, não se lhes aplica a prescriçãoqüinqüenal prevista no Código TributárioNacional. Precedente do STF: RE 116.761,DJ de 02.04.93. (RE-118107-9, Rel.Min. Moreira Alves, DJ-14.02.97) (grifamos)

EMENTA: Fundo de Garantia por Tempo deServiço. Sua natureza jurídica. Constituição,art. 165, XIII. Lei no. 5.107, de 13.09.66. Àscontribuições para o FGTS não secaracterizam como crédito tributário oucontribuições a tributo equiparáveis.Sua sede está no art. 165, XIII, daConstituição. Assegura-se ao trabalhadorestabilidade, ou fundo de garantiaequivalente. Dessa garantia, de índolesocial, promana, assim, a exigibilidade pelotrabalhador do pagamento do FGTS,quando despedido, na forma prevista emlei.Cuida-se de um direito do trabalhador.Dá-lhe o Estado garantia desse pagamento.A contribuição pelo empregador,, nocaso, deflui do fato de ser ele o sujeitopassivo da obrigação, de naturezatrabalhista e social, que encontra, naregra constitucional aludida, sua fonte.A atuação do Estado, ou de órgão daadministração pública, em prol dorecolhimento da contribuição do FGTS,não implica torná-lo titular do direito àcontribuição, mas, apenas, decorre do

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cumprimento, pelo Poder Público, deobrigação de fiscalizar e tutelar agarantia assegurada ao empregadooptante pelo FGTS. Não exige o Estado,quando aciona o empregador,, valores aserem recolhidos ao Erário, como receitapública. Não há, aí, contribuição denatureza fiscal ou parafiscal. Osdepósitos do FGTS pressupõemvínculo jurídico, com disciplina noDireito do Trabalho. Não se aplica àscontribuições do FGTS o disposto nosarts. 173 e 174, do CTN.Recurso extraordinário conhecido, porofensa ao art. 165, XIII, da Constituição, eprovido, para afastar a prescriçãoqüinqüenal da ação.(RE-100249-2,Rel. Min. Néri da Silveira, DJ-01.07.88) (grifamos)

O acórdão imediatamente referido acima serviu debase para todas as outras decisões do Supremo TribunalFederal e até do Superior Tribunal de Justiça no que se refereà natureza jurídica dos depósitos do FGTS, mesmo tendosido prolatada em data anterior a Constituição Federal de1988 continua atual e vigente.

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi criadopor uma lei infraconstitucional, a lei no. 5.107, de 13.09.66,que visava assegurar o empregado quando fossedispensado da empresa, podendo sacá-lo. Ao mesmo tempopretendia, com o dinheiro arrecadado, financiar a aquisiçãode imóveis através do Sistema Financeiro de Habitação.

O FGTS, conforme vimos, é um direito social dotrabalhador previsto na Constituição no capítulo dos direitossociais, portanto um direito fundamental. Segundo Ana Maria

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D’Ávila (2001, p. 106), os direitos fundamentais protegemos particulares dos interesses estatais, conforme vemos:

Os direitos fundamentais resolvem conflitosentre os interesses particulares e o Estado,e fazem isto, essencialmente defendendoa pessoa humana contra os interessesestatais, o que não deve ser entendido comouma negação do Estado, senão como suasubmissão aos interesses dos particulares[...].Portanto, a função principal do Estado égarantir os direitos fundamentais daspessoas, em procura do estabelecimentode um Estado de Direito. A obrigação de respeitar os direitosfundamentais significa a proibição de violaros interesses particulares. Esta obrigaçãode garantir os direitos fundamentaisconsiste no dever dos órgãos estatais deeliminar todo perigo e de destruir qualquerobstáculo que possa ameaçar a realizaçãodos interesses protegidos por essesdireitos.

Então, vemos que a utilização da medida provisóriapelo Poder Executivo para suprimir o alcance da ação civilpública em relação a tutela de direitos coletivos referentes,especificamente, ao FGTS, demonstra que o Estado, aocontrário da tese acima exposta, está agindo ao contráriodas suas principais funções, em prol dos seus própriosinteresses em detrimento dos interesses particulares. Isto,além de ferir os princípios constitucionais, é uma temeridade,posto o enorme poder da máquina estatal frente aosinteresses particulares.

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Considerando que o FGTS é um direito de cadatrabalhador, portanto individual, e que por seremconsiderados direitos sociais, podem ser tuteladoscoletivamente quando referirem-se a um grupo detrabalhadores de uma mesma empresa em busca daefetivação desse direito. Constituem, entretanto, a categoriados direitos individuais homogêneos. Individuais por serdireito pertencente a cada trabalhador individualmente; ehomogêneo por esse trabalhador pertencer a um grupo depessoas que tem esse direito obstaculizado.

Ademais, o art. 6º, inciso VII, alíneas a e d, da LeiComplementar prevê a competência do Ministério Públicopara promover ação civil pública para a proteção dos direitosconstitucionais e de outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

Encontram-se os depósitos fundiários, portanto,certamente abrangido pela lei acima referida por tratarem-se de direito constitucional, social, individual, indisponível ehomogêneo (abrangendo um grupo de trabalhadores). Comeste entendimento encontramos o doutrinador Hugo NigroMazzilli (apud LEITE, 2006, p. 234), que diz:

Interpretando conjuntamente a normaconstitucional que comete ao ministérioPúblico a iniciativa na área cível e aquelaque lhe confere destinação institucional,torna-se claro que o Ministério Público teráiniciativa da ação civil pública para defesade interesses difusos ou coletivos, bemcomo para defesa de interesses sociais eindividuais indisponíveis. [...] Também cabeao Ministério Público defender os interessesindividuais homogêneos, desde que istoconvenha de alguma forma à coletividadecomo um todo.

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A legitimidade do Ministério Público do trabalho parapropor ação civil pública na defesa dos interesses dostrabalhadores aos depósitos do FGTS, decorre de amparolegal expresso, doutrinário e jurisprudencial, além derespaldado constitucionalmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ação civil pública foi criada com o objetivo específicode tutelar os interesses e direitos coletivos e difusos de formacoletiva. Posteriormente o Código de Defesa do Consumidortrouxe outra categoria de direitos coletivos, os individuaishomogêneos, trazendo o Ministério Público como legitimadopara sua defesa. A partir daí iniciou-se as controvérsiasacerca do reconhecimento da defesa coletiva desses direitospelo Parquet.

Um sistema integrado de leis, em consonância com aConstituição Federal, concluiu pela possibilidade de atuaçãodo Ministério Público através de ação civil pública em defesados direitos metaindividuais, neles abrangidos os coletivos,difusos e individuais homogêneos. É nessa qualidade queo Parquet vem crescendo sua atuação e ganhandoimportância, acelerando o processo judiciário e garantindoproteção aos direitos cerceados da coletividade.

Podemos dizer, então, que a principal finalidade dessaação é garantir o acesso a todos os titulares materiais dosinteresses metaindividuais à prestação jurisdicional, poisestes interesses são bem do povo, e constituem um interesseprimário da sociedade.

O FGTS, por ser um direito social do trabalhador, éconsiderado como verdadeiro direito humano, constituindoa base da civilização democrática. Esses direitos sãoconsiderados fundamentos da sociedade. É com base noexposto que encontramos a fundamentação da propositura

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da ação civil pública trabalhista em busca do cumprimentodessa obrigação constitucional.

Diante dos diversos posicionamentos doutrinários emrelação à natureza jurídica do FGTS, consideramos maisacertada a predominante na jurisprudência do SupremoTribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, queconsidera a natureza jurídica do FGTS como de um direitotrabalhista com finalidade estritamente social, sem carátertributário.

Concluímos, então, que o Ministério Público do Trabalhoé legítimo para a utilização da ação civil pública em defesados direitos dos trabalhadores relativos ao FGTS; devendoser reconhecida a inconstitucionalidade dessa medidaprovisória, reeditada várias vezes, dirimindo a controvérsiaexistente em relação a possibilidade da utilização da açãocivil pública trabalhista pelo Parquet laboral em defesa dessedireito, pacificando essa questão para se efetivar a tutelamais eficazmente.

Não obstante, essa questão ainda não foi pacificadapor pura falta de interesse do Poder Executivo federal, queinsiste em tolher os direitos sociais de relevante valor socialem detrimento de interesses próprios, indo de encontro àssuas principais funções e ferindo os princípiosconstitucionais, o que é considerado uma temeridade, dadoo poder do Estado frente os interesses particulares.

Finalmente, concordamos com toda a jurisprudênciados Tribunais Superiores de que a ação civil pública éconsiderada meio eficaz para a proteção dos direitosmetaindividuais, inclusive os individuais homogêneos, neleabrangido o FGTS, que por se referir a um direito trabalhistae, constitucionalmente, um direito social, tem como titular,em nome de todos os interessados, o Ministério PúblicoTrabalhista.

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