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A AGROECOLOGIA NA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE1.
Suzana Gotardo de Meira Universidade Estadual do Oeste do Paraná-campus de Francisco Beltrão - UNIOESTE
Resumo Os impactos ambientais ocasionados pela industrialização da agricultura colocam em questão o pacote modernizador, baseado na dominação de todas as formas de vida por meio da racionalidade econômica e instrumental. A Agroecologia, entre várias outras formas de alternativas ao modelo convencional de agricultura, surge do cenário de crise da modernidade. Prezando pelo equilíbrio entre fatores, naturais, sociais, culturais, políticos e econômicos, e inter-relacionando diversas áreas do conhecimento científico ao saber tradicional, permeia as complexas relações entre o campo e a cidade. Contudo, procuramos neste texto, situar a Agroecologia na relação campo-cidade, apontando a comercialização e os consumidores de produtos agroecológicos e orgânicos, como principais elementos desta interação. Palavras-chave: Agroecologia. Campo-cidade. Comercialização. Consumidores.
Introdução
Ao escrever esse artigo, tivemos por objetivo, discutir de forma sucinta, como a
Agroecologia se insere nas relações entre o campo e a cidade, considerando a
importância da comercialização de alimentos orgânicos e agroecológicos e,
consequentemente, dos consumidores, sobretudo os residentes nas cidades.
Diversos estudos geográficos que abordam a relação campo-cidade têm sido realizados
considerando a difusão e a incorporação das novas tecnologias disseminadas pelo
processo de modernização agrícola; resultante da expansão do capitalismo no campo
brasileiro. Em contraposição a este processo, imposto pelo “pacote” tecnológico da
Revolução Verde, existem alternativas de produção agropecuária, que buscam ser
menos impactantes do ponto de vista ambiental e social, aproximando-se da idéia de
sustentabilidade. Nesse contexto, está a Agroecologia, que possui uma preocupação
ambiental e social para além da dimensão produtiva, incorporando também aspectos
como a gestão ambiental de estabelecimentos rurais, a valorização do trabalho no
campo e o fortalecimento da relação entre o campo e a cidade, através da aproximação
entre produtor e consumidor, viabilizadas em estratégias de comercialização
diferenciadas que reduzem a ação de atravessadores.
A metodologia utilizada para elaboração do presente artigo está baseada em leituras e
análises de obras que abordam a temática proposta, relacionando-a com as discussões
realizadas na disciplina, com a pesquisa de Mestrado que estamos desenvolvendo,
intitulada “Intencionalidades, territorialidades e temporalidades da Agroecologia em
Itapejara d´Oeste, Salto do Lontra e Verê (SO/PR)”2, e demais pesquisas realizadas no
Grupo de Estudos Territoriais (GETERR), as quais nos concedem conhecimento
empírico da Agroecologia praticada em alguns dos municípios do Sudoeste paranaense.
Para melhor compreensão e organização das idéias, primeiramente buscamos
compreender como se apresentam na atualidade as relações entre o campo e a cidade; e
quais os fatores condicionantes dessas relações, diante da internacionalização do capital
e do marcante avanço tecnológico e científico, que abrange e liga os espaços rurais e
urbanos, conduzindo a variadas interações de objetos e ações. Em um segundo
momento, apresentamos algumas definições de Agroecologia, com o intuito de
tomarmos conhecimento de como esse conceito vem sendo trabalhado e, de termos
condições de apontar, posteriormente, como ela se insere na discussão entre campo e
cidade, a partir da análise da comercialização e dos consumidores de produtos
agroecológicos. Concluímos com considerações a respeito do potencial da agroecologia
na aproximação entre a cidade e o campo, no sentido de perceber que a demanda e o
interesse dos moradores de áreas urbanas é fundamental para o fortalecimento da
agroecologia, e como a agroecologia pode contribuir para a compreensão acerca da
viabilidade e da importância de novas formas de agricultura frente os desafios
socioambientais vigentes.
Relação campo-cidade
A relação campo-cidade é uma temática bastante complexa abordada pela Geografia,
sobretudo, visto que a distinção e o limite destes se tornam cada vez mais obscuros pela
acentuada articulação entre esses espaços, proporcionada pelo avanço tecnológico e
científico, que concomitantemente se materializa nos espaços rurais e urbanos, mesmo
que de forma distinta.
Segundo Marafon (2011), o desenvolvimento tecnológico proporcionou a melhoria das
vias de comunicação, da telefonia, da internet, das estradas, dos meios de transporte,
facilitando o acesso aos lugares e, consequentemente, o crescimento de atividades não
agrícolas no campo. É cada vez mais difícil diferenciar ou conceituar o espaço rural e o
espaço urbano. Porém, se tratando da relação campo-cidade, devemos refletir sobre o
espaço rural em sua complexidade, ou seja, inserido em um mundo globalizado, com
uma perspectiva transescalar dos fenômenos, intensa devido ao avanço tecnológico e
que provoca significativas transformações no território.
Conforme Araújo e Soares (2009) a internacionalização do capital é responsável pelas
principais transformações socioespacias, ocorridas no campo e na cidade. Com uma
infra-estrutura de transporte e comunicação mais moderna e dinâmica nas cidade, unida
à modernização do campo, a diversificação dos serviços foi impulsionada,
intensificando os fluxos e as relações entre estes espaços, alterando assim, a vida e o
trabalho dos sujeitos.
O campo e a cidade deixam de ser distintos e opostos, como vistos tradicionalmente. A
modernização da sociedade gerou profundas transformações nesses espaços,
intensificando as relações entre os mesmos. Desta forma entendemos que campo-cidade,
rural urbano devem ser compreendidos como espaços interdependentes. Por mais
urbanizada que seja uma cidade, seus moradores precisam de alimentos, provindos do
campo e, por mais sustentável que seja uma propriedade rural, esta precisa de algum
tipo de insumos e tecnologias básicas desenvolvidas na cidade. Citemos isso como
exemplo, talvez o mais básico, para visualizarmos o quão inerente é a relação entre
campo e cidade.
De acordo com Marafon (2011) atualmente, o campo, além de exercer as funções
habituais, como fornecimento de matéria-prima, mão-de-obra para as cidades, e
consumo de produtos oriundos da mesma, vem sendo, o espaço destinado para
atividades não agrícolas, como a produção industrial e o turismo, valorizando os
aspectos naturais. Além disso, é cada vez mais freqüente a migração de pessoas da
cidade para o campo, em busca de maior qualidade de vida e da inserção no mercado de
trabalho. Ao mesmo tempo em que o espaço rural é o local da produção agropecuária, é
também o espaço que absorve o trabalho de jardineiros, caseiros, diaristas, etc.
Para o autor, o espaço rural, representado pelo agronegócio e pelos complexos
agroindustriais, caracterizado pela modernização e industrialização da agricultura, frutos
da revolução verde, torna-se fortemente marcado pela técnica e pelo capital. Neste
contexto e como contraposição, a produção familiar, marcada por atividades agrícolas e
não agrícolas, valoriza o patrimônio natural e histórico do espaço rural por ela ocupado,
através da existência de áreas preservadas e de um processo de ocupação, que mesmo
tendo forte influência do capital, não apresenta a mesma modernização se comparada
aos estabelecimentos rurais do agronegócio. Portanto, os estabelecimentos da
agricultura familiar possibilitam a prática da agricultura baseada nos princípios da
Agroecologia.
Ao valorizar estes aspectos, a produção familiar permite a prática de atividades não-
agrícolas no espaço rural, para atrair pessoas do espaço urbano. Essas práticas compõem
uma alternativa diante do agronegócio, com o objetivo de construir uma agricultura com
base na Agroecologia, que esteja próxima aos fundamentos do desenvolvimento
sustentável e que estimule as pessoas, sejam turistas ou habitantes da cidade, a buscar
no campo, tranqüilidade, produtos saudáveis e qualidade de vida.
Conforme afirma Elias (2006), em contraposição ao processo de globalização tanto da
produção como do consumo agropecuário, ocorre uma intensa fragmentação da
produção e dos espaços agrários. Desta forma, devemos considerar esta fragmentação
para que possamos compreender as redefinições regionais e das cidades médias e locais,
pois este fator torna cada vez mais diferenciado os espaços agrícolas.
Existem diversos circuitos da economia agrária bem hierarquizados, os quais, em uma
extremidade, constituem os produzidos pela agricultura científica globalizada, ligada ao
circuito superior da economia urbana e, na outra, os espaços agrícolas onde predomina o
extrativismo vegetal, a pecuária extensiva, entendida aqui como aquela que utiliza
técnicas rudimentares ou tradicionais, como o gado solto no pasto, por exemplo, e a
natureza tem peso decisivo para a vida das comunidades. Sendo assim, têm-se duas
lógicas na organização do espaço agrário e, portanto, nas relações com as cidades,
principalmente as médias e pequenas, uma lógica histórica, que tem sua base nos ciclos
da natureza, nas condições naturais locais, no tempo lento e na produção para o
consumo e, uma lógica modernizadora, que organiza o espaço, de modo que o local seja
articulado com os circuitos espaciais globalizados, a partir de imposições de caráter
ideológico e de mercado. (ELIAS, 2006).
A Agroecologia tem sua produção baseada nos ciclos da natureza, considera o saber
tradicional, a cultura, os costumes e as especificidades locais. Ela se fundamenta na
produção de alimentos livres de insumos químicos, não apenas se preocupando com
quem produz, mas também respeitando o consumidor que adquire seus produtos.
De acordo com Marafon (2011), configuram-se novas relações entre campo e cidade.
Coexiste uma variedade de atividades no campo que decorrem da ação dos pequenos
agricultores, os quais são os maiores produtores de alimentos, que traçam criativas
estratégias para se manter no campo e sobreviver. Na contemporaneidade, há uma
enorme diversidade de sujeitos sociais no campo, são assalariados, parceiros,
trabalhadores, grandes e pequenos proprietários, os sem-terra, pessoas que vêm das
cidades para desempenhar atividades não agrícolas, entre outros. Esses sujeitos, através
de seu trabalho e de sua cultura, materializam no espaço rural uma ampla diversidade de
objetos e ações, tornando o campo bastante complexo.
Desta forma, Marafon (2011) aponta que o campo brasileiro é fortemente marcado pelo
agronegócio, com base na biotecnologia e no pacote imposto pela Revolução Verde,
mas também pela agricultura familiar. Esta, é marcada pela enorme gama de variações
no território brasileiro, seja por níveis tecnológicos diferenciados, estratégias de
sobrevivência para se manter no campo ou pela luta dos movimentos sociais pelo acesso
a terra. Sendo assim, o campo brasileiro pode ser caracterizado pelas suas marcas
principais, os complexos agroindustriais (CAIs), a produção familiar, a luta pela terra e
as relações que estabelece com a cidade.
O complexo agroindustrial incorpora uma vasta extensão de terras, geralmente
mecanizadas. Sua produção é voltada para a exportação, ou seja, são desenvolvidos a
partir da introdução da lógica capitalista no campo, que transforma a produção agrícola
em agronegócio. Para produzir alimentos de grande demanda, como laranja, café, cana-
de-açúcar, milho e soja, tratores, colheitadeiras, insumos químicos e sementes
transgênicas foram incorporados ao processo produtivo. Os complexos agroindustriais
“[...] formam uma rede que possibilita a produção em bases modernas, pois, na
atualidade, as empresas estabelecem conexões no território, de forma a atuarem em
todas as áreas de produção e comercialização dos produtos agrícolas.” (MARAFON,
2011, p. 159).
O Estado tem papel fundamental no processo de expansão dos complexos
agroindustriais, através do financiamento da produção, de pesquisas, e na implantação
de uma logística que permita a circulação dos produtos de origem agropecuária no
território. Porém, conforme já citado, além da produção convencional, moderna e
integrada aos mercados globalizados, há no meio rural brasileiro a expressiva presença
da produção de base familiar, desenvolvida em pequenas propriedades, que apresenta
dificuldade em acessar o crédito para a produção. Desta forma, em práticas alternativas
como no caso da agroecologia, boa parte das sementes utilizadas, são crioulas, ou seja,
provém da própria propriedade ou de outros agricultores, não tendo notas fiscais para
comprovar a aquisição, o que impede o acesso ao crédito e, por conseguinte, o seguro da
lavoura.
Com estas e outras dificuldades para se reproduzir e sobreviver, a produção familiar
apresenta características diferenciadas, como a diversificação da produção e o trabalho
em tempo parcial, o qual possibilita a redução da jornada de trabalho no campo. Desta
forma, membros da família podem desenvolver outras atividades fora da propriedade
para complementar a renda familiar, caracterizando a pluriatividade, com diferentes
fontes de renda que contribuem para geração de empregos, principalmente em
atividades não agrícolas, reduzindo a migração campo-cidade e estreitando as relações
entre o rural e o urbano.
Marafon (2011) também aponta que a maior parte das mudanças ocorridas no espaço
rural da agricultura familiar, pode ser observada em pequenas propriedades não
incorporadas aos complexos agroindustriais, ou seja, ao modelo hegemônico. Essas
mudanças correspondem à utilização das pequenas propriedades para áreas de lazer,
hotéis, pousadas, sítios de recreação e outros, que atraem as populações urbanas e geram
empregos aos pequenos proprietários rurais, possibilitando-os exercer outras atividades,
além das agrícolas.
Nesses espaços também ocorre o incentivo a práticas agroecológicas e alternativas,
tornando o espaço rural revalorizado pela maior preservação da natureza, o que se torna
uma mercadoria a ser consumida, sobretudo pela população de origem urbana. Através
da implementação de infra-estrutura de transporte e comunicação pelo poder público, o
acesso a esse rural passa a ser facilitado. A circulação de pessoas, mercadorias, capital,
informações e o exercício de atividades não agrícolas, aumentam os fluxos entre o
urbano e o rural.
Desse modo, a partir da compreensão de que as maiores mudanças no campo se dão na
pequena propriedade através do trabalho de agricultores familiares, principais sujeitos
que possibilitam a concretização da Agroecologia, buscaremos no próximo item
conceituá-la, assinalando sua relação com o campo e a cidade.
Agroecologia e a relação campo-cidade
Segundo Gliessman (2001), nos anos 1930, alguns ecologistas propuseram o termo
“Agroecologia” para designar a Ecologia aplicada à agricultura. Para o autor, a
Agroecologia é uma ciência que estabelece princípios ou direções, para que se
desenvolvam sistemas agrícolas sustentáveis do ponto de vista econômico e ambiental.
Gliessman define a Agroecologia como uma fusão da Agronomia com a Ecologia, e
afirma que ela se constitui uma ciência. Seguindo o conceito de desenvolvimento
sustentável, o autor coloca que a agroecologia proporciona o conhecimento e os
métodos necessários para desenvolver uma agricultura ambientalmente correta, que
pode ser altamente produtiva e economicamente viável.
Segundo Caporal (2008), foi nos anos 1980 que a Agroecologia passou a ter um
enfoque científico, iniciado com a tentativa de mostrar novas formas de integrar a
Agronomia com a Ecologia. Logo em seguida, ela incorporou a importância de unir o
saber popular, para realizar o manejo sobre o ambiente e sobre os recursos naturais nos
processos produtivos agrícolas ou extrativistas. Desta forma, o saber acumulado pelas
comunidades tradicionais ao longo dos anos passou a se articular com o conhecimento
científico e a Agroecologia passa a ser a ciência que articula diferentes conhecimentos
científicos e saberes populares para a busca de mais sustentabilidade na agricultura.
Para Altieri (2009), a disciplina científica que aborda o estudo da agricultura em uma
perspectiva ecológica é a Agroecologia, a qual tem por finalidade analisar os processos
agrícolas de forma interdisciplinar. O enfoque agroecológico considera os ecossistemas
agrícolas como unidades fundamentais de estudo, nas quais os ciclos minerais, as
transformações de energia, processos biológicos e relações socioeconômicas devem ser
considerados e analisados como um todo. Sendo assim, a Agroecologia não se interessa
apenas pela maximização de um determinado componente da produção, mas pela
otimização do agroecossistema como um todo, onde há uma complexa interação entre
pessoas, solo, animais, plantas, etc.
De acordo com Assis e Romeiro (2002), a Agroecologia é entendida como ciência que
busca compreender o funcionamento de agroecossistemas (propriedades agrícolas
compreendidas como ecossistemas, onde ocorrem diversas relações de troca entre
matéria e energia), com o princípio de sustentabilidade das atividades, através da
conservação dos recursos naturais e menor dependência de insumos externos. A
Agroecologia procura inter-relacionar conhecimentos de várias áreas para propor uma
orientação para agricultura que considere as condições ambientais impostas pela
natureza.
No processo de construção da Agroecologia como ciência, foram incorporados
contribuições de vários campos do conhecimento que, de alguma forma nos ajudam a
apreender a crise socioambiental gerada pelos modelos de desenvolvimento e de
agricultura convencionais que se mostram insustentáveis, devido principalmente a
degradação ambiental e a desigualdade social das quais são responsáveis. Porém,
simultaneamente, contribuem para a reflexão e construção de novos desenhos de
agroecossistemas e de agricultura que almejem a sustentabilidade.
Assis e Romeiro (2002) apud Saquet et. al. (2012), apontam que na agricultura orgânica
procura-se produzir alimentos livres de qualquer tipo de insumos químicos e com sabor
original que atenda às expectativas do consumidor. A busca por produtos orgânicos leva
a uma pressão de mercado que favorece a produção com base em altas tecnologias,
externas à propriedade e à monocultura, privilegiando o fator econômico. A prática
eminentemente mercantil pode colocar em risco a sustentabilidade do sistema, pois
costuma desconsiderar o equilíbrio entre o social, o econômico e o ecológico.
Destacamos aqui que a agricultura orgânica, assim como a agroecologia possui um
enfoque ecológico para produção, porém não questiona as relações convencionais do
mercado que intensificam as desigualdades sociais. A agroecologia, por sua vez, é mais
ampla, haja vista que leva em consideração relações socioeconômicas e processos
biológicos em conjunto, procurando compreender o agroecossistema como um todo, ou
seja, as relações entre animais, pessoas, plantas e solo.
Os argumentos em torno da Agroecologia são extremamente plausíveis, pois fortalece a
concepção e as características de autonomia da agricultura familiar, garantido a
sobrevivência das famílias com qualidade de vida. Contudo, a Agroecologia, não pode
ser entendida como uma atividade do agronegócio, onde o agricultor não tem ações
próprias, não participa da tomada de decisões e não utiliza formas de produção
tradicionais. Porém, não se pode ignorar a infiltração do capitalismo no campo, e dizer
que o agricultor não está inserido no mercado, ou que nega o mercado.
De acordo com o exposto, podemos dizer que os agricultores e a Agroecologia, estão
ligados e se relacionam, com o global e o local, com o rural e o urbano, e sua principal
relação campo-cidade se dá através da comercialização e dos consumidores de produtos
agroecológicos e orgânicos, como veremos a seguir.
Comercialização e consumidores de produtos agroecológicos e orgânicos
Com o crescimento das cidades e da população, cresce também o consumo de produtos
oriundos do espaço rural, principalmente de alimentos, como frutas, verduras, legumes e
grãos, os quais no Brasil e, com maior destaque na região sul, com exceção dos grãos,
são produzidos em pequenas propriedades, por agricultores familiares.
A busca pela qualidade de vida aliada a uma alimentação saudável faz com que os
consumidores procurem alimentos livres de agrotóxicos e de procedência conhecida
para o consumo. Entram em cena os produtos agroecológicos, produzidos de forma
diferenciada, por meio de técnicas e manejo da propriedade que não agridem o meio
ambiente e os recursos naturais, objetivando o equilíbrio entre aspectos naturais,
culturais, sociais e econômicos; e os alimentos orgânicos, produzidos sem a utilização
de agrotóxicos, na busca pelo alimento limpo.
Segundo Brandenburg (2002), a produção familiar de alimentos agroecológicos e
orgânicos criou novas formas de comercialização, onde se privilegiou a venda direta ao
consumidor, em feiras, eventos regionais, venda na própria propriedade, entrega em
domicílio e mercados organizados por associações ou cooperativas de produtores
agroecológicos e orgânicos (figura 1). Esse tipo de comércio constrói espaços de
sociabilidade, degustação de produtos, reeducação de hábitos alimentares, difusões de
informações e chega a constituir organizações de consumidores ecológicos que se
diferenciam dos convencionais, quando buscam alimentos livres de resíduos tóxicos e
com selos de garantia e origem regional.
Figura 1 - Feira da Agricultura Familiar em Salto do Lontra – SO/PR.
Fonte: MEIRA, S.G. 2010.
Estas formas de comercialização estreitam os laços entre consumidores, em sua maioria
residentes na área urbana, e agricultores, produtores de alimentos agroecológicos
geralmente residentes no espaço rural. Essa relação não caracteriza uma simples venda,
pois o consumidor passa a conhecer o produtor e a forma que é produzido o alimento
que consome no dia-a-dia, diferente do mercado convencional que limita as informações
do produto ao rótulo que apresenta na embalagem.
Um estudo realizado pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
- IPARDES (2007) demonstra que no estado do Paraná, as feiras de produtos
agroecológicos e orgânicos, onde são comercializados produtos certificados e não
certificados, é a forma mais expressiva da comercialização direta. Os produtos não
certificados são considerados coloniais e/ou artesanais, porém, não podem ser
comercializados como livres de agrotóxicos. Para que o consumidor tenha garantias
sobre a procedência e a qualidade dos produtos vendidos como orgânicos, faz-se
necessário algum tipo de certificação.
No Brasil, segundo o Decreto 6.323/2007 (Art. 29 § 2), “O Sistema Brasileiro de
Avaliação da Conformidade Orgânica é integrado pelos Sistemas Participativos de
Garantia da Qualidade Orgânica e pela Certificação por Auditoria”. Assim, o Governo
Federal reconhece a certificação por auditoria (majoritária no país e dominada por
algumas empresas), e a certificação participativa (pouco difundida, porém considerada
pelos agricultores e suas entidades representativas, mais justa e menos dispendiosa).
(MEIRA E CANDIOTTO, 2011).
A certificação participativa se dá através de uma organização associativa ou
cooperativa, que assume a responsabilidade pelas atividades de enquadramento e
avaliação da conformidade das unidades atendidas, num Sistema Participativo de
Garantia, do qual fazem parte, produtores, técnicos que dão assistência para produção e,
os consumidores. Deste modo, a certificação é outro fator que acentua a relação campo-
cidade, pois os consumidores são os maiores interessados na validação do produto. Por
isso, fazem parte desde processo, mostrando que as interações ocorrem a partir da
relação entre os indivíduos da área rural e urbana.
Conforme Hespanhol (2008) a comercialização dos produtos agroecológicos e
orgânicos geralmente é local devido à pequena escala de produção, resultando em maior
autonomia do produtor, que pode comercializar seus produtos na comunidade onde
vive, no próprio município e em cidades vizinhas. As vendas realizadas no atacado,
geralmente são ligadas a associações e/ou cooperativas, que conseguem reunir um
volume maior e mais diversificado de produtos, adquirindo um significativo poder para
negociar com as redes varejistas.
Apesar da importância e da viabilidade econômica e social da comercialização direta
dos produtos agroecológicos e orgânicos (através de feiras, na própria propriedade rural,
com entregas em domicílio e em mercados diferenciados organizados por associações
ou cooperativas de agricultores agroecológicos e orgânicos), o escoamento e
comercialização desses produtos vem aumentando nos mercados varejistas. Com o
aumento do interesse dos mercados varejistas, muitos agricultores podem deixar de
abastecer os mecanismos de comercialização direta para direcionar seus produtos para o
mercado.
No entanto, as lógicas da comercialização direta e do mercado varejista, são bem
diferentes e suas consequencias devem ser consideradas na decisão dos agricultores. Ao
estabelecer uma relação com mercados varejistas, há um contrato onde o agricultor se
compromete a entregar certa quantidade de alimentos de forma regular. Assim, ele
acaba priorizando a produção destinada ao mercado, criando uma relação de
subordinação aos interesses dos mercados varejistas. Outro ponto a ser destacado refere-
se ao valor pago ao agricultor e ao preço final do produto para o consumidor, pois o
mercado paga o mesmo valor ou até menos ao agricultor e cobra um valor maior do
consumidor, se comparado com os mecanismos de comercialização direta.
Cabe ressaltar também as empresas que processam os produtos orgânicos e os vendem
para as redes de supermercados. Embora possam manter áreas próprias de cultivo, a
maior parte da produção que essas empresas negociam é procedente de agricultores
familiares, com os quais estabelecem contrato do tipo parceria ou de integração. Esse
aspecto demonstra que mesmo absorvendo a produção agroecológica de agricultores
familiares, a integração destes com as empresas de orgânicos acaba favorecendo a
empresa, pois apesar de garantir ao agricultor o escoamento de sua produção, a maior
parte dos lucros dessa produção fica com as empresas. Além disso, as negociações com
as empresas levam os agricultores a adotarem uma lógica economicista que acaba
aumentando sua subordinação aos mercados e reduzindo a autonomia dos agricultores
familiares agroecológicos.
O mercado de produtos orgânicos e agroecológicos, voltado para a exportação envolve
empresas comerciais que atuam segundo demandas preestabelecidas por compradores
externos e, os agricultores, direta ou indiretamente, através de entidades representativas.
No mercado institucional, os agentes envolvidos são instituições governamentais, desde
as federais às municipais, bem como organizações de agricultores, que destinam seus
produtos para escolas, creches etc. (IPARDES, 2007).
O aumento do interesse e da procura por alimentos orgânicos por parte dos mercados
varejistas, leva alguns agricultores ou associações a fechar contratos ou mesmo acordos
informais de entrega para tais mercados. Essa estratégia acaba prejudicando a relação
direta entre produtor e consumidor, sobretudo para os consumidores, que pagam mais
caro pelos alimentos orgânicos comercializados pelos mercados varejistas. Outro fato a
ser destacado reside na subordinação dos agricultores e suas associações a esses
mercados, principalmente no caso dos contratos firmados.
Para comercializar os alimentos agroecológicos e/ou orgânicos, os mercados varejistas
exigem a identificação e certificação adequada. Porém, ao se adaptar às exigências dos
mercados varejistas, o processo de comercialização dos produtos agroecológicos entra
na lógica ditada por estes. Assim, apesar de se manter ambientalmente correta, a
produção, certificação e comercialização desses alimentos podem deixar de ser
socialmente justa, a partir do momento em que há apropriação do trabalho e dos lucros
dos agricultores pelos mercados.
A aproximação entre produtores e consumidores de alimentos orgânicos é algo
fundamental para o fortalecimento da Agroecologia e da autonomia dos agricultores
envolvidos. A venda direta elimina os intermediários, tornando-se mais vantajosa para
produtores, que acabam tendo mais lucro e uma relação direta com os consumidores de
seus alimentos, bem como para os consumidores, que adquirem produtos com preços
mais baixos do que os ditados pelos mercados e passam a conhecer a lógica da
Agroecologia e a dialogar com os agricultores.
Há uma aproximação entre produtor e consumidor, fato que tende a desencadear
relações de solidariedade, formas de comércio mais justas, melhoria da auto-estima dos
agricultores, compreensão da importância da Agroecologia e da realidade dos
produtores por parte dos consumidores, bem como um maior conhecimento dos
agricultores a respeito dos anseios dos consumidores. Estes fatores mostram de forma
clara a interação de elementos e sujeitos procedentes do campo e da cidade,
evidenciando a relação que há entre o espaço rural e o espaço urbano.
Considerações
O espaço rural é considerado como híbrido, com múltiplas funções, com os complexos
agroindustriais, a produção familiar, atividades agrícolas e não agrícolas, agricultores e
não agricultores que interagem e criam conexões espaciais o tempo todo. Estes sujeitos
participam de uma complexa rede, que envolve tanto elementos rurais, como urbanos e
imprimem uma marca ao espaço rural.
Nosso intuito foi compreender como a Agroecologia se insere nas relações entre o
campo e a cidade, considerando a comercialização e os consumidores de produtos
agroecológicos e orgânicos. A partir da análise exposta, podemos apontar que mesmo
sendo uma alternativa à agricultura convencional, a Agroecologia também sofre
influência do capitalismo infiltrado no campo, acentuando ainda mais a interação entre
o espaço rural e o urbano.
Os agricultores e a Agroecologia estão ligados e se relacionam com o global e o local,
com o rural e o urbano. A principal relação campo-cidade promovida pela agricultura
orgânica e/ou agroecológica, se dá através da comercialização e dos consumidores de
produtos orgânicos, em locais diferenciados e que priorizam a venda direta, onde quem
produz é quem comercializa e portando conhece todo processo de produção. Estas
formas de comercialização favorecem a troca de informações entre produtores e
consumidores de produtos agroecológicos e orgânicos, principais sujeitos da relação
campo-cidade, quando abordada a temática da Agroecologia.
O pouco apoio do Estado e de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de
práticas agroecológicas em pequenas propriedades com mão-de-obra familiar dificultam
as possibilidades de melhorias ambientais, uma vez que a Agroecologia não agride o
meio ambiente, e também sociais, pois preza por melhores condições de vida e
alimentação dos agricultores e consumidores. O incentivo as práticas agroecológicas
poderia ser uma alternativa para diminuir a precarização da vida nas cidades, que não
absorvem o contingente populacional, muitas vezes proveniente de áreas rurais, onde
não há as mínimas condições e garantias para se manter no campo.
Através dos elementos apresentados, concluímos que são as pessoas, em suas relações
cotidianas, os principais atores responsáveis pelas relações que ocorrem das mais
variadas formas entre o campo e a cidade. Contudo, os governos têm fundamental
importância nesta articulação, pois através de políticas publicas de incentivo à
Agroecologia, mais indivíduos poderiam ser produtores e/ou consumidores de alimentos
orgânicos, estreitando as relações campo-cidade de forma com que um complemente o
outro, e não seja visto, ainda por muitas pessoas, como o campo sendo sinônimo de
atraso e a cidade como espaço representado pelo avanço tecnológico, científico e
informacional.
Notas 1 Texto escrito a partir da disciplina “Urbanização e produção das cidades”, ofertada no programa de Pós-Graduação em Geografia (Mestrado) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - campus de Francisco Beltrão e, ministrada pela professora Dra. Silvia Regina Pereira. 2Na pesquisa de mestrado desenvolvemos o estudo das intencionalidades, territorialidades e temporalidades que caracterizam a agroecologia em Itapejara d´Oeste, Salto do Lontra e Verê (PR), afim de compreendermos os ritmos, similitudes e diferenças presentes na agroecologia praticada em tais municípios do Sudoeste do Paraná, os quais, possuem experiências na produção agroecológica, geralmente considerada como atividade complementar, baseada nas pequenas unidades de produção rural com mão-de-obra familiar, análoga a agricultura praticada na região.
Referências ALTIERI. Miguel. A. El estado del arte de la agroecología: Revisando avances y desafíos. In: Vertientes del pensamiento agroecológico: fundamentos y aplicaciones.
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