a arquitetura escolar

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  • 7/30/2019 A Arquitetura Escolar

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    Pontode Vista 4 7 v.1 n.1 julho/dezembrode1999

    ConsideraesIniciais

    A Constituio do Brasil declara o direito edu-

    cao no seu artigo 6 do captulo II, que trata dos direi-tos sociais. Esta declarao, embora j encontrada des-de o Imprio, continua como promessa no cumprida2 .O discurso que defende a educao para todos articula-do a uma prtica social excludente revela o interessedas classes dominantes em estender a escolarizao paratodos, apenas em doses homeopticas.

    O direito educao, para tornar-se realidade,precisa materializar-se em um sistema que comporteprograma, currculo, mtodos, espaos fsicos, profes-sores e condies de trabalho, entre outros. Mas, exa-

    tamente na concretizao destas condies que o direi-to declarado no se efetiva. O espao fsico compe avida escolar como parte de suas multi-determinaes.Articulado ao empobrecimento dos salrios, da forma-o, das condies de trabalho e de vida de professorese alunos, a degradao e empobrecimento dos espaosfsicos escolares constitui-se em mais um elementoexcludente e desqualificador da educao. possvelafirmar-se que o empobrecimento da rede fsica escolar

    pblica resultado visvel do modelo de desenvolvimen-to econmico, social e poltico do Brasil.

    Dentro deste quadro e, relativamente arquitetu-

    ra escolar, podemos afirmar que os portadores de ne-cessidade especiais sofrem uma dupla excluso: parti-cipam do acesso desigual educao determinado pe-las diferenas sociais e, dentro dessa desigualdade so-frem ainda as barreiras colocadas pela arquitetura es-colar, pensada e planejada apenas para os maisiguais, ou para os normais. A luta pelaintegrao dos portadores de necessidades especiaisinclui-se na luta mais ampla pela democratizao da

    educao e da conquista da cidadania. Esta cidadania,para ser efetiva, deve concretizar-se em aes prti-cas tais como o planejamento, a construo e a organi-zao do espao fsico escolar considerando as neces-sidades especiais. Esta possibilidade coloca-se dentrode um projeto poltico pedaggico que tenha como ho-rizonte a construo de uma escola democrtica.

    Neste texto, conceituamos Arquitetura como sen-do tanto o projeto desenhado pelo arquiteto, como aobra construda com seus espaos naturais e artifici-ais, abertos e fechados, planos e curvos e, sua utiliza-

    o e apropriao social pelos usurios. Assim com-preendida, Arquitetura Escolar se constitui no espaofsico onde a educao formal acontece; o espao queabriga uma determinada relao social e humana: umarelao pedaggica.

    ExistemNexosEntrea

    ArquiteturaeaEducao

    Em trabalho recente3 , que realizamos a nvel de

    mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, veri-ficamos que arquitetura escolar suporte material e simb-lico do ensino e tambm se realiza no significado que ousurio vai lhe atribuindo durante o uso desta arquitetura.

    Guardadas as especificidades, a educao e a ar-quitetura interagem e essa interao pode contribuir paraque se avance no sentido de uma pedagogia crtica. Aluta por uma escola pblica de qualidade passa tambm

    pela necessidade de existirem espaos fsicos de educa-

    1 Arquiteta, Mestre em Educao e formadora da Escola Sindical Sul da CUT.

    2 Norberto Bobbio, em O futuro da democracia: uma defesa das regras claras, diz que muitas dessas promessas nopoderiam mesmo ser cumpridas. (1986)

    3 Gonalves, Rita de Cssia. Arquitetura Escolar: a essncia aparece. Dissertao de Mestrado, 1995. Universidade Federal

    de Santa Catarina.

    A ArquiteturaEscolarcomomaterialidadedodireitodesigualeducao

    RitadeCssiaGonalves 1

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    v.1 n.1 julho/dezembrode1999 4 8 Ponto de Vista

    o que integrem um conjunto de condies capazes deviabilizar esta possibilidade.

    Essa afirmao aponta para que os usurios edu-cadores, educandos, pais , atribuindo significados a essaarquitetura, apropriem-se de maneira mais articuladadeste seu suporte de trabalho. A ausncia de vnculosmais estreitos entre a pedagogia e a arquitetura subtraide seus usurios a faculdade de perceber as determina-es, as possibilidades e o limites que a arquitetura colo-ca para a sua prtica.

    De todo modo, em nosso estudo, verificamos a exis-tncia de nexos entre um projeto arquitetnico escolar,um projeto poltico e um projeto pedaggico. Verifica-mos esses nexos tanto na evoluo histrica dos prdiosescolares, que se foram configurando a partir das polti-cas educacionais, como na Escola Polivalente4 projeta-da enquanto escola modelo. As falas dos usurios alu-nos e educadores opinando sobre a arquitetura esco-lar indicaram que os mesmos se apropriaram do espao

    construdo, interferindo nele a partir de seus valores esuas necessidades.

    A organizao do espao escolar, como expresso deuma concepo de homem e de mundo, tanto pode contri-

    buir para a manuteno e reproduo do imaginrio sociallegitimando uma ordem, cuja raiz se baseia em uma rela-o de dominao, como pode suscitar a reao e a cons-truo de uma alternativa de mundo e de sociedade.

    Lamentavelmente, poucas so as publicaes so-bre o tema Arquitetura Escolar, como tambm so rarosos pesquisadores que estabelecem interlocuo entre a

    arquitetura e a educao. Escassos os programas degoverno que articulam as polticas de educao com aorganizao dos espaos fsicos escolares. Assim, medida que contribui para ampliar o campo das refle-xes acerca da educao em sua forma escolarizada, otema torna-se relevante.

    Em nosso estudo pudemos observar que na medi-da em que a pedagogia vai se alterando, os prdios es-colares acompanham essas alteraes. Ora apontadocomo condio para uma nova pedagogia, como no casoda Escola Polivalente na dcada de 70, ora como resul-

    tado das resistncias ou adaptaes feitas pelo usurio.Assim, o lugar do ensino passou pelos jardins e praasda Grcia, pelas igrejas e capelas quando a educaoera responsabilidade da igreja e pela casa do professor

    para, apenas no final do sculo XIX, instalar-se em localprprio, com projetos e planos voltados para a atividadeeducacional. Este momento coincide, no por acaso, coma secularizao do ensino, ou seja o momento em que oEstado assume a educao, colocando sobre esta a res-

    ponsabilidade pelo saneamento moral e cientfico dasalmas atrasadas da populao, condio indispensvel

    para o progresso. Desde ento, a tipologia escolar so-freu alteraes: da planta em forma de quadro ao mododo claustro jesutico, passando pela reduo acintosa daqualidade dos materiais, pela reduo de suas dimen-ses deteriorando a qualidade do ambiente, pela plantaem forma de espinha dorsal, definida pelo modelo biol-gico do corpo humano com seus rgos especializados,

    pelo funcionalismo de seus elementos construtivos e pelaexpulso cada vez mais acentuada das escolas pblicasdo centro da cidade. Quanto mais longe dos centros ur-

    banos mais pobres na arquitetura.As alteraes na tipologia das escolas, apesar de

    concomitantes com alteraes nas propostas pedaggi-cas, nem sempre produziram alteraes na prtica douso do espao. A proposta arquitetnica da EscolaPolivalente, assim como a sua proposta pedaggica porexemplo, que prometiam alteraes substantivas na edu-cao, na prtica no se efetivaram, apesar de sua ar-quitetura diferenciar-se das demais escolas. Da mesma

    forma, a chamada Escola Nova, apesar de ter repre-sentado um momento importante de propostas e discus-ses acerca de uma nova pedagogia, alterando signifi-cativamente os mtodos de ensino, no se observou al-teraes importantes na tipologia do prdio escolar.Manteve-se praticamente a mesma planta baixa em for-ma de quadro, como nas escolas tradicionais leigas, svindo a alterar-se no final da dcada de 40, quando ainfluncia do tecnicismo e do funcionalismo j era bas-tante acentuada na vida em geral, e o discurso da demo-cratizao do aceso impulsionou ainda mais a economia

    construtiva. O que observamos, portanto, so possibili-dades de interao entre a forma (arquitetura) e a fun-o (pedagogia), e no condicionamentos. As alteraes

    promovidas nos prdios escolares e em seus ambientesao longo do tempo deram novos significados ao proces-so pedaggico. Porm, nem sempre novos significadosdo prdio escolar resultaram em novas relaes peda-ggicas. Velhas relaes pedaggicas se desenvolvemem novos prdios arquitetnicos e vice-versa.

    Em meados do atual sculo houve muitos estudose propostas arquitetnicas com relao s escolas. A

    expanso da oferta de escolas sob responsabilidade doEstado e a conseqente construo de prdios escola-res levou a que os estudos em arquitetura passassem ase preocupar com este prdio. Porm, com relao aos

    portadores de necessidades especiais, o que pudemosobservar foi a ausncia total de referncias a estes. Os

    projetos arquitetnicos de Escolas pblicas do Estadode Santa Catarina no consideravam (e ainda no con-sideram) estes alunos. O prdio escolar reflete a con-cepo de que os portadores de necessidades especiaisdeveriam estar em escolas especiais.

    4 A Escola Polivalente, construda na dcada de 70 em todo o territrio nacional pelo regime militar, foi objeto de estudo na

    dissertao do mestrado. Nela realizamos uma anlise ps-ocupao, com o objetivo de verificar as intervenes e

    alteraes produzidas na arquitetura pelos usurios a partir de suas necessidades em uso.

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    Pontode Vista 4 9 v.1 n.1 julho/dezembrode1999

    OEspaoUmaCondioMaterial

    eSimblicadoProcessode

    Ensino-Aprendizagem

    O enfoque do espao escolar na sua perspectivahistrica, isto , considerando-o como obra humana situ-

    ada no tempo e no territrio, nos permite ler na arquite-tura escolar as marcas do seu tempo, como um lugar derelaes humanas neste caso, relao pedaggica que traduzem a forma como a sociedade se organiza,qual viso de mundo hegemnica e quais suas contra-dies. Assim pensado, o espao escolar um docu-mento material, visvel, que expressa os estilos, gostos,costumes, do passado e do presente. , portanto, porta-dor de histrias nossas. As descries de escolas conta-das em verso e prosa revelam imagens, lembranas do

    passado. O tempo de escola marca a memria: a pal-matria, a rotina da leitura soletrada em voz alta, o

    abecedrio, as contas nas lousas individuais... Ele-mentos de saudade. Elementos da pedagogia. Os ban-cos compridos, a casa, a porta pesada da rua, cor-

    redor de laje, cheiro de rabujem, janelas de rtulas,

    mesorra escura, os retratos, a palmatria5 .... Ele-mentos da arquitetura. Elementos da pedagogia. O es-

    pao fsico vivido marca a memria. Materializa tem-pos, costumes, pedagogias.

    Esse tipo de descrio, ora potico, ora prosaico,mas sempre lembrana viva, marca de um tempo, suge-re que a escola, enquanto casa, enquanto espao

    arquitetnico, enquanto obra humana, tem mais que afuno de abrigar da chuva, do calor, do frio. O espaoconstrudo tem a ver com tudo aquilo que os homens deum tempo desejam para o seu tempo, e o que aspiram

    para o futuro, para seus filhos. Neste particular, a casada escola, onde acontece a educao que foi concebida,desde o senso comum at os mais elaborados pensa-mentos, como uma esperana de futuro, de ascensosocial, guarda sempre lembranas muito fortes. Guardamarcas de um tempo, de projetos de vida.

    De acordo com a compreenso de SIGNORELLi quando

    algum se refere metaforicamente falta de espao,concretamente est refletindo uma situao social real, onde

    tener espacio significa tener libertad: libertad

    de accin, de ser, de entrar en relacin y

    viceversa. (...) En este sentido, la definicin

    mas satisfactoria es la que considera al espacio

    como un recurso. Todo el espacio con el que

    los seres humanos estabelecen relacin, em

    cualquier circunstancia y ocasin, viene de esta

    misma relacin transformada em recurso: en

    seu medio de subsistencia, estmulo a la

    utilizacin, ocasin de crescimiento, pero

    tambin riesgo, ya sea a nivel biolgico o psi-

    colgico, tanto para cada indivduo como para

    los grupos. En el concepto de recurso est

    implcita la utilizacin de un potencial del que

    se puede disponer y la intervencin de un actor

    consciente que utiliza ese potencial con miras

    a conseguir un fin(1980, p. 177).

    Afirmamos assim, que os usurios do espao esco-lar estabelecem relaes com este, mesmo que no per-cebam seus nexos com a pedagogia. O espao como fontede poder, a modalidade e o controle de seu uso podemservir tanto como instumento de subordinacin o deliberacin, de diferenciacin o de igualdad, [na me-

    dida em que] en ninguna sociedad el uso del espacio

    se deja a la inmediacin y a la espontaneidad instin-

    tivas; por el contrrio, ste est siempre reglamentado

    socialmente y definido culturalmente (id., p. 181).

    provvel que os espaos educativos sejam instrumentosimportantes tambm pela forma como se organizam ecomo se promovem adaptaes ao sistema vigente derelaes sociais e culturais.

    Desse modo, tanto a preservao de escolas emcondies precrias de uso, quanto s construes sematentar para os portadores de necessidades especiais,

    parece promover a idia do conformismo social dianteda aparente naturalidade de que, aos subalternos, aosdiferentes,

    deve ser dado o que ruim, ou pode serdesconsiderado. Porm, as inmeras manifestaes deresistncia dos movimentos em luta pela escola pblicade qualidade, pelas condies de acesso e de movi-mento no interior do espao fsico escolar demonstramque esse conformismo no natural nem absoluto. nesta perspectiva que a luta por projetos arquitetnicosque sejam facilitadores e no barreiras integrao dos

    portadores de necessidades especiais deve ser tomadacomo um imperativo da integrao.

    AOrganizaoEspacialObraHumana

    Trabalhar os sentidos do espao para o ser huma-no no tarefa fcil, desprovida de contradies. Porisso mesmo, para que se possa trabalhar o conceito e anoo de espao arquitetural ou outro qualquer faz-se necessrio estudar e delimitar, praticamente os senti-dos especficos do espao, conforme o lugar e o tempo.

    De maneira geral a arquitetura escolar planejadapor arquitetos ou engenheiros sem nenhuma participa-o de seus futuros usurios. Porm, conhecer os signi-ficados que uma organizao espacial assume para umdeterminado grupo social fundamental. Por isso,

    5 Estas so expresses usadas por Cora Coralina em sua poesia: A escola da Mestra Silvina, no livro Pemas dos becos deGois da editora Global, SP, 1985.

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    necessrio propor organizaes espaciais que fun-

    cionem como informadoras e formadoras (educado-

    ras) dos usurios na direo de uma mudana de

    comportamento que possa ser considerada como

    aperfeioadora das relaes inter-humanas e motri-

    zes do pleno desenvolvimento individual (COELHONETTO, 1979, p. 47-48).

    HARVEY, em seus estudos, busca esclarecer os vn-culos materiais entre processos polticos, econmicos e

    processos culturais. Desta forma, constri formulaese mediaes entre o espao e o tempo, partindo da pre-missa de que estes no podem ser compreendidos inde-

    pendentemente da ao social. Para ele, o espao e otempo so categorias bsicas da existncia humana. Mas,raramente discutimos seus sentidos. comum tratar-seo espao genericamente, como algo dado, natural. Mas,trat-lo assim ignorar as diferentes noes de espao

    tam-se territrios de ambigidade, de contradio e deluta. Os conflitos surgem no apenas de apreciaessubjetivas admitidamente diversas, mas porque diferen-tes qualidades materiais objetivas do tempo e do espaoso consideradas relevantes para a vida social em dife-rentes situaes ( 1993, p. 188-190).

    A aparncia de um ambiente, a forma como seorganizam seus elementos, os aspectos de salubridade econforto, a luz, a cor, a temperatura, o som, a sensaode abrigo provocam no ser humano sensaes que po-dem ser positivas ou negativas, de segurana ou insegu-rana. O modo como os espaos se organizam formauma base material a partir da qual possvel pensar,avaliar e realizar uma gama variada de possveis sensa-es e prticas sociais. Desde os primeiros instantes davida humana, o espao, ou o ambiente construdo, indicaas condies para a manuteno da vida e sua qualida-

    Foto de alunos na dcada de 20 ou 30, reproduzida do Arquivo Pblico. Sem data.

    que existem nas diversasculturas. Diferentes gru-

    pos sociais tm diferentesmodos de relao com o

    espao.O espao fsico, alm

    de ser algo que pode sermedido e, portanto, apre-endido, tambm est rela-cionado s nossas experi-ncias subjetivas. Mas,HARVEY adverte que sob asuperfcie de idias do sen-so comum e aparentemen-te naturais acerca do

    tempo e do espao, ocul-

    Foto de alunos, na dcada de 40, reproduzida do Arquivo Pblico. Sem data.

    de. nesse ambiente quea vida comea, bem ou

    mal, aquecida e protegidaou desprotegida e fria.

    Considerando que aaprendizagem acontece,

    principalmente, no proces-so de socializao e difu-so da cultura, pode-se in-ferir que a organizaoespacial, atravs do pro-cesso de socializao,

    pode sugerir aos membros

    do grupo ocupantes daque-le espao que aquela for-ma de organizao natu-ral e justa. As resistncias

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    Pontode Vista 5 1 v.1 n.1 julho/dezembrode1999

    a certos contedos sociais relativos forma e usufrutodo espao indicam uma tomada de conscincia sobre ono-natural, o no-justo. assim no caso do movimentodos sem-terra, dos sem-teto, dos portadores de necessi-dades especiais, ou mesmo das resistncias menoresdentro de uma escola quando os alunos encontram luga-res e formas de fugirem da vigilncia e do controle dos

    professores, por exemplo, ou mesmo quando escrevemnas paredes da escola.

    No h espao vazio, nem de matria nem designificado, nem h espao imutvel. Nada mais di-nmico do que o espao, porque ele vai sendo construdoe destrudo permanentemente, seja pelo homem, seja

    pela natureza (LIMA, 1989: 13). Este espao carregadode significados onde as relaes humanas se estabe-lecem , pois, um pano de fundo, a moldura sobre aqual as sensaes se revelam e produzem marcas pro-

    tema dos poetas. Mas o espao potico, do sonho, dasfantasias, dos fantasmas, tambm fruto de conheci-mentos objetivos, lugar de relaes vitais e sociais con-cretas e determinadas por elementos materiais que mo-dificam a sua natureza e qualidade. O espao fsicoconstrudo humano, portanto, tambm carrega subjeti-vidade. H uma concepo de mundo neste trabalho hu-mano.

    Assim, quando dizemos espao escolar, estamosnos referindo, ao mesmo tempo, a um lugar fsicoconstrudo pelo homem num dado momento histrico e aum conjunto de relaes sociais que ocorrem na realiza-o da tarefa social, a educao formal. De maneirageral, dizer o espao escolar tanto significa refernciaao edifcio construdo, como a um contedo ou conjuntode relaes pedaggicas. Tratado genericamente, o es-

    pao escolar representa, ento, um conjunto de acon-

    Sala de aula, durante uma sesso de inspeo. Dcada de 40. Reproduzida do

    Arquivo Pblico.

    Sala de aula na Escola polivalente.Dcada de 80. Sem data.

    fundas que permanecempor toda a vida.

    O espao tem a di-menso do prprio ho-mem. Ningum deixa delembrar a casa onde viveuna infncia, as grandesobras que visitou, a casagrande do poderoso da ci-dade, a grande avenida, ocampo, a escola, o jardim

    locais, enfim, que de umaforma ou de outra provo-

    caram curiosidade, alegria,medo, conforto, segurana,descoberta. Por isso mes-mo, o espao tambm

    ... passandopelos

    bancos compridos,

    carteirasduplas,

    carteirasindividuais,

    a disposio a mesma:

    alunosenfileirados,

    olho de um na

    nucadooutro...

    Poucos so os

    que ousam mexer

    nesta histrica ordem.

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    tecimentos ou relaes, e tambm um lugar fsico noterritrio geogrfico. assim que Espao assume acondio de materialidade histrica.

    A partir dessas premissas podemos perguntar pelossignificados e concepes que os educadores e educandosdo/tm aos/dos espaos escolares. Que prticas e usosda arquitetura escolar pode-se verificar e que demons-tram resistncia e/ou submisso ao autoritarismo da pro-duo deste espao? A relao pedaggica pode aconte-cer em qualquer espao. Mas se pedagogia e a arquitetu-ra influenciam-se mutuamente a questo a nos preocupardeve ser: qual espao arquitetural deve ser produzido paraa educao que queremos realizar?

    Como GRAMSCI (1989), entendemos a educaocomo possibilidade de luta por uma nova hegemonia.Assim, o conformismo e o inconformismo dos usu-rios das escolas pblicas diante da situao lamentvelde manuteno dos prdios escolares; dadesconsiderao aos portadores de necessidades espe-

    ciais; da rigidez do espao escolar; de seu autoritarismo,pode se situar e ser percebido na perspectiva da resis-tncia e na contradio do real. Da decorre, ento, a

    possibilidade de atribuir ao espao escolar construdo umsignificado humano dissimulador/revelador capaz decontribuir para a necessria construo de um novo sensocomum crtico e criativo (GONALVES, 1996 : 31).

    Verificamos, ainda, que a arquitetura faz do usuriotambm um projetista quando este, usando o espao, criamovimento contnuo entre o interno e o externo; altera aluminosidade; a ventilao; descobre o escondido; ofusca

    o evidente; d, enfim, vida ao espao. este espao vivoque constitui o entorno da criana, do adolescente e dosprofissionais, durante vrias horas do dia. Assim conside-rado, o espao um elemento significativo do currculo,oculto ou no. Os usurios da escola percebem muito maisdo que as dimenses tecnicamente corretas do tamanhodas portas, janelas, altura do teto etc. As dimenses sub-

    jetivas como o sentido do belo, do feio, da liberdade, daopresso, alm do conforto visual, auditivo, tctil, tambmso percebidos. O movimento provocado no interior daescola pela circulao das pessoas, nos vrios corredo-

    res, entre as diferentes salas, entre os ptios, acabam porcriar uma hierarquia de espaos. Nesta hierarquia h, ainda,os espaos proibidos, os espaos livres, os fechados, ossilenciosos, os barulhentos.

    assim que a organizao do espao torna-se obrahumana. Essa obra representa o momento histrico dogrupo ocupante daquela escola, tanto quanto representao momento daqueles que a projetaram e construram.Mesmo sendo projetada por um agente externo ao coti-diano da escola o arquiteto pode-se dizer que acultura ou o conhecimento dos usurios se faz presentena medida em que ocupam este espao, transformando-o no cotidiano.

    O arquiteto ao desenhar/projetar um espao esco-lar expressa ali sua objetividade e subjetividade no intui-

    to de satisfazer as exigncias espaciais dos que ali votrabalhar. Estas exigncias ultrapassam as biolgicas efuncionais relacionadas s escalas mtricas, s tcnicasconstrutivas e ao conforto ambiental. So exignciastambm psicolgicas e estticas, ligadas ao comporta-mento, ao modo do uso do espao, ao significa simblicoe prtico que a ele se atribui. Isto permite afirmar que aarquitetura faz-se tambm na forma como o usurio seapropria deste espao, levando a uma contradio entreo arquiteto, com seu sistema de valores, tcnicas e re-gras de projeto, e o usurio, com suas aspiraes, sua

    perspectiva prpria.Nesse sentido FRAGO aponta que

    necessrio, abrir el espacio escolar y

    construirlo como un lugar de un modo tal que

    no restrinja la diverdad de usos o su adaptacin

    a circunstancias diferentes. Ello significa hacer

    del maestro o professor un arquiteto, es decir,

    un pedagogo, y de la educacin un processode configuracin de espacios. [...] La cuestin

    final es si se transforma en un espacio fro,

    mecnico o en un espacio caliente y vivo. En

    un espacio dominado por la necessidad del

    orden implacable y el punto de vista fijo, o en

    un espacio que, teniendo en cuenta o aleatorio

    y el punto de vista mvil, sea antes possibilidad

    que limite (1993 : 74).

    OCurrculoOcultonaArquiteturaEscolar

    Verificar o valor simblico com que se reveste aescola vai alm de uma anlise esquemtica de seufuncionamento, de suas dimenses, de sua histria. Aescola, assim como a casa, um smbolo social que de-marca o uso e a relao de seus usurios.

    [A percepo] es un proceso cultural. Por ello

    no percibimos espacios sino lugares, es decir,

    espacios elaborados, construidos. Espacios

    con significados y representaciones de

    espacios. Representaciones de espacios que

    se visualizan o contemplan, que se rememoran

    o recuerdan, pero que siempre llevan consigo

    una interpretacin determinada. Una

    interpretacin que es resultado no slo de la

    percepcin de la disposicin material de dichos

    espacios, sino tambin de su dimensin sim-

    blica. Nunca mejor que en este caso puede

    hablarse del valor didctico del smbolo, un

    aspecto ms de la dimensin educativa del

    espacio(op. cit. , p.27).

    A educao, possibilitando a articulao entre asvrias esferas da realidade, implcita no ato pedaggico,torna o conhecimento um ato de poder. O espaoconstrudo, como uma dessas esferas, pode contribuir

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    Pontode Vista 5 3 v.1 n.1 julho/dezembrode1999

    para que os educadores e os educandos tenham umaviso mais articulada da realidade e das possibilidadesde mudana. LIMA nas suas reflexes, afirma que o es-

    pao construdo pode ser um excelente material peda-ggico auxiliar, pois o espao construdo a histria dostrabalhadores que objetivamente o realizam no gesto di-rio de quem faz o tijolo, levanta paredes, recobre pisos,quebra pedras, mistura as tintas, recolhe o entulho... ahistria das crianas e seus pais (1989 : 101). De algu-ma maneira, o espao sempre est presente em nossasatividades. Podemos dizer que a vida diria se desenrolano tempo e no espao de maneira a garantir a produoe a reproduo sociais. No se fala aqui do espaoconstrudo e projetado enquanto resultado da concep-o de um arquiteto, mas a forma como organizadonuma sociedade onde predomina uma concepo demundo que pressupe uma determinada forma de orga-nizao social e como esse espao apropriado, ou no,

    por aqueles a quem se destina.

    Para BERNSTEIN (1984), mesmo que na arquiteturaescolar seus elementos paream to evidentes, to ma-teriais, possvel perceber, ao nvel das articulaes maisglobais, uma pedagogia invisvel. Em uma organizaoespacial realizada pela pedagogia invisvel, o controle do

    professor est mais implcito do que explcito. Aparen-temente, as crianas tm mais liberdade, maior podersobre o que escolhem para fazer na sala de aula, sobre oritmo de suas atividades, sobre seus movimentos e rela-cionamentos sociais. A pedagogia invisvel, segundo oautor, necessita de espaos diferenciados daqueles da

    pedagogia visvel ou tradicional. Nesta, os espaos re-queridos so muito simples e notavelmente baratos; ahierarquia entre os espaos rigidamente demarcada eo controle explcito. J na pedagogia invisvel o espa-o tem um significado simblico diferente, pois aqui

    espaos e seus contedos so classificados de ma-

    neira relativamente fraca.(...) Isto significa que o

    potencial do espao disponvel para a criana

    muito maior (id., p. 32). Um espao bem aberto, am-plo, parece despertar liberdade, mas tambm um es-pao onde a fiscalizao contnua. Os traados rgidos

    e ordenados geometricamente para a circulao, porexemplo, facilitam o controle, mas tambm facilitam acompreenso das regras do controle. Na pedagogia vi-svel a hierarquia explcita. Na pedagogia invisvel, asimbologia do controle e da hierarquia est implcita, oque no significa que ela no esteja l, apenas que

    a forma de sua realizao diferente (Ibid., p. 33).A sala de aula tem sido o espao onde as rela-

    es entre os mtodos pedaggicos e a disposio es-pacial das pessoas e objetos so mais visveis, mos-trando de forma clara as distintas relaes entre pro-fessores e alunos. O privilgio da sala de aula como oespao de uso comum entre professores e alunoselucida relaes hierrquicas que se mantm desde achamada escola tradicional.

    As propostas pedaggicas da Escola Nova anun-ciavam mudanas na postura dos professores, propon-do alteraes no uso dos espaos da sala de aula. Noentanto, pouco comum encontrar trabalhos que usemo espao da sala de aula de forma alternativa tradicio-nal fila de alunos sentados, perfilados diante do educa-dor. A alterao mais comum traduz-se em formaode pequenos grupos de estudo na prpria sala de aula.De maneira geral, na organizao das aulas as mudan-as ainda so poucas: as carteiras individuais substitu-ram os bancos compridos e fixos; desaparece o plpitoe ao invs de lousas individuais, temos quadros para gizcoletivo. Mas, a prtica pedaggica ainda muito seme-lhante tradicional.

    ConsideraesFinais

    Acredito que a interlocuo entre os estudos a res-

    peito dos nexos entre arquitetura escolar e a educao ea educao especial pode se tornar um excelente mate-rial para compreendermos mais alguns elos da tramaque configura a educao enquanto uma atividade hu-mana, e mais, uma atividade que se quer transformadora.Uma prxis humana transformadora.

    Este trabalho se constitui em um momento,provocativo, para que possamos aprofundar o debate,refletir coletivamente na busca de orientaes a respei-to de como proceder para ir vencendo as necessidadesdiferenciadas a fim de se conquistar a igualdade. J hum amplo campo de conscincia de que para a igualda-de ocorrer necessrio reconhecer as diferenas. Ademocracia que buscamos hoje diferencia-se da prati-cada na Grcia clssica que a entendia possvel apenasentre os iguais e para isso ocorrer ocultava os diferentesno mbito do privado, do lar. Diferencia-se tambm dademocracia moderna liberal que v todos como iguais,creditando as diferenas s incompetncias individuais.Os diferentes reivindicaram seu direito diferena econquistaram lugares pblicos. Passaram a reclamar seulugar social, seu direito de ser diferente, sem ser sub-misso. Isto implica entender o significado da diferena.

    Ela emerge, justamente enquanto reivindicao de po-der existir como tal, sem que isso permita a discrimina-o. Ela emerge reivindicando condies de igualdade.

    No caso da arquitetura escolar isto fica muito claro: asbarreira arquitetnicas contribuem para impedir a igual-dade de educao entre desiguais. Por isso, faz-se ne-cessrio incluir na pauta da integrao as adaptaesarquitetnicas necessrias para garantir a sua efetivao.

    RefernciasBibliogrficas

    BERNSTEIN, Basil. Classes e Pedagogia Visvel e In-visvel. In: Cadernos de Pesquisa. (Fundao CarlosChagas), So Paulo, 1984, n 49, maio .pp.26-42.

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    8/11

    v.1 n.1 julho/dezembrode1999 5 4 Ponto de Vista

    Grupo Escolar Lauro Muller, Florianpolis, construdo em 1912 (foto de 1996).

    COELHO NETTO, J. Teixeira. A construo do senti-do na arquitetura. So Paulo: Perspectiva,1979.

    FRAGO, Antonio Viao. Del Espacio Escolar y laEscuela como Lugar: propuestas e cuestiones.His-tria de La Educacin. Madri: Ediciones Univer-sidade de Salamance. 1993-94. Vol XII,XIII, N 12/

    13. p.17-74.GONALVES, Rita de Cssia. Arquitetura Escolar:

    a essncia aparece. Florianpolis, 1996. Disserta-o de Mestrado. Programa de Ps-graduao emEducao. Universidade Federal de Santa Catarina.

    GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organizaoda Cultura. 7. ed. , (Trad.Carlos Nelson Coutinho).Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1989.

    HARVEY, David. A Condio Ps-Moderna: Umapesquisa sobre as origens da Mudana Cultural.

    (Trad. Adail Ubirajar Sobral e Maria Stele Gonal-ves). So Paulo: Edies Loyola, 1993.

    LIMA, Mayumi Watanabe de Souza.A Cidade e a Cri-ana. So Paulo: Nobel, 1989.

    ________ . Arquitetura e Educao. Coordenao Sr-

    gio de Souza Lima. So Paulo: Studio Nobel. 1995(in memria).

    SIGNORELLI, Amlia. Integracin, consenso, domnio:espacio y vivienda en una perspectiva antropolgi-ca. In: PIGNATELLI, Paola Coppola. Anlisis y

    Diseo de el Espacio que Habitamos. (Traduopara o espanhol por Carla Povero). Mxico:Concepto, S.A, 1977, p. 177-189.

    Osprimeirosprdiosescolaresmantm

    traosdaarquiteturajesuta

    Essas primeiras

    escolas construdas

    em Santa Catarina,

    assim como as demais

    construdas no Brasil

    nesses primeiros anos

    de Repblica, possuam

    fachadas organizadas a

    partir do repertrio

    neoclssico que

  • 7/30/2019 A Arquitetura Escolar

    9/11

    Pontode Vista 5 5 v.1 n.1 julho/dezembrode1999

    acobertavam uma organizao espacial

    muito semelhante dos jesutas, configu-

    rando um estilo ecltico ao sabor

    de cpias europias.

    Nas fachadas dos Grupos Escolares

    Silveira de Souza e Lauro Muller, da

    Capital, observa-se a influncia do

    neoclssico na distribuio uniforme dos

    seus volumes, mas os detalhes das

    testadas denunciam seu ecletismo.

    As ilustraes mostram

    estas observaes.

    Grupo Escolar Jernimo Coelho, Laguna, construdo em 1912.

    Escalamonumental,

    elegnciaseverae

    sobriedadenadecorao

    sugeremreciprocidadeentre

    grandezadimensionale

    grandezamoral:

    aarquiteturatransforma-se

    empedagogiaeloqenteque

    ensinaaosindivduosos

    enunciadosdasociedade

    perfeita.Emoutras

    palavras,osinstituidoresda

    repblicaacrescentam

    imagenssidias

    (MONARCHA,op.cit..p.253).

    Grupo Escolar Silveira de Souza,

    Florianpolis, construdo em 1912.

  • 7/30/2019 A Arquitetura Escolar

    10/11

    v.1 n.1 julho/dezembrode1999 5 6 Ponto de Vista

    A tipologia

    dos primeiros

    grupos escolares

    caracterizava-se porum ptio central

    quadrado, ao redor

    do qual distribuam-se

    os demais espaos,

    moda do

    claustro jesuta.

    Grupo Escolar Lauro Muller, Florianpolis, construdo em 1912 (foto de 1996).

    Nestas duas fotos,

    a primeira de escolaconstruda em 1912 e a

    segunda em 1938,

    verificamos

    as alteraes da

    arquitetura no detalhe

    da decorao das

    platibandas,

    presente na primeira

    e ausente na segunda;

    nas colunas de ferro

    e gesso trabalhados que

    passaram para cimento e tijolo.

    No entanto, ambas utilizam o espao da

    mesma maneira, mesmo com a diferena

    de 26 anos entre elas.

    Tambm possvel observar

    os detalhes das alteraes das

    fachadas, que tornaram-se mais simples,

    sem adornos, mas a tipologia bsica se mantm.

    Grupo Escolar Paulo Zimmermann, Rio do Sul (foto de 1938).

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    11/11

    Pontode Vista 5 7 v 1 n 1 julho/dezembrode1999

    Ptio interno do Grupo Escolar Almirante Barroso, Canoinhas, construdo em 1939.

    Ptio interno do Grupo Escolar Silveira de Souza, Florianpolis, (foto de 1996).

    Estas duas fotos de escolas construdas num intervalo de 27 anos,

    mostram a preservao da tipologia geral do projeto arquitetnico,

    e as alteraes de fachadas.