a assimilação dos gêneros polca paraguaia, guarânia e chamamé no brasil

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    A assimilao dos gneros polca paraguaia, guarnia e chamam no Brasil e suas

    transformaes estruturais

    Por: Evandro HigaProfessor do curso de licenciatura em msicaUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul BrasilE-mail : [email protected]

    Resumo:A polca paraguaia e suas principais derivaes guarnia e chamam so gneros musicais

    que representam importantes aspectos da identidade cultural no apenas do prprioParaguai, mas tambm das regies norte da Argentina e centro-sul do Estado de MatoGrosso do Sul Brasil. No Brasil, a assimilao das configuraes musicais desses gnerosencontra-se em processo de transformao, apontando para o surgimento de um gnerohbrido que o msico brasileiro por vezes chama de rasqueado. Componentes estruturaismais prximos dos modelos originais podem ser ainda detectados no trabalho de msicos eintrpretes paraguaios estabelecidos em Campo Grande, bem como no de seus descendentese sul-mato-grossenses identificados com o repertrio sertanejo tradicional.

    Palavras-chave: polca paraguaia/guarnia/chamam

    Abstract:The paraguayan polka and its main derivations such as guarania and chamam are musicalgenders which represent important aspects of the cultural identity not only from Paraguayitself but also from the north regions of Argentina and the south center of Mato Grosso doSul Brazil. In Brazil, the assimilation of this musical genders configurations is in processof transformation. Their structural components closer to the original models can also bedetected at the performances of the Paraguayan musicians and interpreters established inCampo Grande, their descendants and sul-mato-grossenses whose identifications arelinked to the traditional country repertory.

    Keywords: paraguayan polka/guarnia/chamam

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    Introduo

    Este trabalho parte de nossa dissertao de mestrado defendida no Departamentode Msica da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo em julho de

    2005, onde estudamos as formas de ocorrncia dos gneros musicais polca paraguaia,

    guarnia e chamam na cidade de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul

    (Higa, 2005).

    A polca paraguaia um gnero musical que surgiu da dialtica do encontro do

    repertrio campesino do Paraguai lentamente configurado nas zonas rurais a partir das

    heranas musicais remanescentes do perodo das redues jesuticas e da msica tradicional

    espanhola com as danas de salo importadas da Europa no sculo XIX. Da polca

    paraguaia surgiu o gnero urbano denominado guarnia, criado pelo compositor paraguaio

    Jos Asuncin Flores na dcada de vinte. Por sua vez, o chamam um termo criado na

    dcada de trinta na gravadora RCA Victor de Buenos Aires para designar um gnero

    originado da polca paraguaia que ao acordeonizar-se na regio de Corrientes no norte da

    Argentina teria sido ligeiramente regionalizado (Boettner, sem data: 196).

    Alm de partilharem estruturas musicais bastante parecidas, o que parece integrar os

    trs gneros em um universo cultural comum o mito da alma guarani, conjunto derepresentaes cuja origem estaria no profundo e ancestral senso de identidade dos povos

    guarani e que sobreviveu ao processo de mestiagem advindo com a colonizao no sculo

    XVI. Os ecos dessa alma guarani ainda estariam ressoando em Mato Grosso do Sul,

    palco da implantao de povoados espanhis e das primeiras redues jesuticas da ento

    provncia do Paraguai destrudas pelos bandeirantes paulistas no sculo XVII. A

    demarcao oficial dos atuais limites fronteirios logo aps a Guerra da Trplice Aliana

    (1864-1870) no foi obstculo para as constantes migraes de paraguaios para o sul de

    Mato Grosso e a manuteno de um fragmentado sistema identitrio na regio.

    Na primeira metade do sculo XX, movidos pela extrema pobreza dramtica

    conseqncia da Guerra da Trplice Aliana (sculo XIX), Guerra do Chaco (1932-1935) e

    guerra civil de 1947 muitos paraguaios buscaram abrigo nas fronteiras dos pases

    vizinhos. Para o sul de Mato Grosso vieram especialmente para trabalhar na colheita da

    erva-mate e nas lides com o gado, trazendo suas heranas culturais (idioma, festas, crenas,

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    mitos, culinria, hbitos) e, principalmente, sua msica que logo conquistou destacado

    espao no cotidiano da populao.

    Estendendo seu alcance para o pas, a polca paraguaia e a guarnia se incorporaram

    ao universo musical brasileiro atravs de sua adoo pelos intrpretes e compositores de

    msica sertaneja e sua insero no mercado fonogrfico nacional.

    A msica paraguaia no Brasil

    Adotamos aqui o termo msica sertaneja conforme concepo de Martins (1975:

    105) que a diferencia da msica caipira no sentido de que esta se encontra associada utilidade para efetivao de certas relaes sociais do cotidiano do caipira (ritual religioso,

    de trabalho ou lazer) ou que, mesmo desvinculada de sua funo ritualstica, vem sempre

    associada dana como no cateret (1975: 112). Por sua vez, a msica sertaneja, a

    despeito de conservar componentes formais da msica caipira reduzidos condio de

    melodia e ritmo e proliferar na mesma rea geogrfica de disseminao da cultura caipira

    (So Paulo, Minas Gerais, Gois, Mato Grosso e Paran) (1975: 104) est inserida no

    mercado de consumo e circula revestida da forma de valor de troca (1975: 113).

    No mesmo sentido, Caldas tambm associa a msica sertaneja indstria cultural e

    a mecanismos de explorao do gosto popular (1979:2) estabelecendo a diferena entre

    cultura popular (manifestao cultural espontnea) com cultura de massa (concretizada na

    msica sertaneja atravs da gravao e comercializao do disco) (1979: 18). Como

    conseqncia, a msica sertaneja em sua conformao de fenmeno social e musical perde

    sua autonomia por conta do controle de qualidade esttica imposto pela indstria da cano

    e pelo carter de instrumento de consumo e controle social de que se reveste (1979: 24).

    Associando a disseminao dos ritmos paraguaios no Brasil ao mercado consumidorfronteirio dos Estados de Mato Grosso e Paran com o Paraguai, Caldas (1979: 45) afirma

    que a forma lamuriante da guarnia agradava mais do que as nossas modas de viola e que foi

    este o fator determinante para a popularizao da msica paraguaia no Brasil. Como

    conseqncia esses ritmos saem da fronteira e popularizam-se em todo o Brasil, principalmente

    nos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

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    Tinhoro em texto de encarte do LP Paraguay/Brasil Guarnia a cano sem

    fronteiras lanado em 1979 associa a expanso da guarnia e sua nacionalizao no

    Brasil no apenas continuidade scio-cultural fronteiria no sul de Mato Grosso, mas

    presena de tropeiros paulistas na rea que vai da regio cuiabana e as barrancas do Rio

    Paraguai at o sul de Campo Grande na direo do Rio Paran.

    Importante lembrar que Ikeda (2001: 40) aponta uma provvel evidncia de que a

    polca paraguaia j se fazia notar no Brasil antes de 1935 atravs do fato de Mrio de

    Andrade ter includo um verbete sobre o gnero em seu Dicionrio Musical Brasileiro.

    Essa obra, interrompida naquele ano, foi publicada postumamente em 1989.

    Em meados do sculo XX foram introduzidos, na msica sertaneja do Brasil, osesteretipos da msica country norte-americana que investia esforos no sentido de renovar

    tecnologias e adaptar-se aos padres impostos pela mdia. O gnero sertanejo, que at ento

    se caracterizava pela sua simplicidade e singeleza foi diretamente atingido por essa onda

    modernizadora que alterou consideravelmente seus contornos tradicionais.

    Bob Nelson trazia para a msica sertaneja elementos similares da Amrica do Norte o caubi,com seu traje tpico e seus animados arrasta-ps, originalmente puxados no banjo. A partir da ovaqueiro de c e o de l passariam a tocar seus cavalos por estradas paralelas e se encontrariam no

    meio do caminho, quatro dcadas frente. Muitos artistas adotariam a rota daquele que tocavaberrante e cantava modas na violinha de dez cordas. Outros seguiriam as pegadas do estrangeiro deaparncia rica, camisa de arabescos e botas lustrosas, que viera de pradarias distantes para mudarum pouco mais o som dos nossos campos. (Nepomuceno, 1999: 141)

    Ao mesmo tempo em que a msica country norte-americana e seus smbolos de

    modernidade penetravam no gnero sertanejo do Brasil deflagrando um processo de

    massificao e descaracterizao do mesmo, msicos como Raul Torres, Nh Pai, Mrio

    Zan e Capito Furtado penetravam o interior do pas atravessando o sul do Estado de Mato

    Grosso e descobriam na msica paraguaia um manancial de renovao da msica rural quea partir de ento passou a incluir no s polcas e guarnias em seu repertrio, mas a

    incorporar padres da msica paraguaia com o rasgueo que foi traduzido para

    rasqueado e algo parecido com o compasso 6/8 que ficou mais prximo do 3/4.

    Tropeiros e boiadeiros j ouviam esses sons das fronteiras, incorporados h mais tempo msica daroa como os fandangos, trazidos do sul. A polca paraguaia era tocada nos estados do Mato Grossoe de So Paulo, prximo fronteira. Nessa msica, a forma de puxar todas as cordas ao mesmotempo, com as costas dos dedos, rasqueando, marcaria muitos sucessos de Nh Pai e de Mrio Zan,

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    nas dcadas de 40 e 50, aps uma viagem s cidades da fronteira feita em companhia do CapitoFurtado. (Nepomuceno, 1999: 123)

    Conforme Nepomuceno (1999: 123/130), o primeiro msico sertanejo brasileiro areivindicar a introduo dos rasqueados e das guarnias na msica sertaneja foi Raul

    Torres, que esteve em Assuno em 1935, 1944 e 1950, tendo composto pelo menos sete

    guarnias e oito rasqueados.

    Foram feitas verses em portugus de guarnias paraguaias como Noches del

    Paraguai, Recuerdos de Ypacara, Lejania e ndia que tornaram-se sucesso nacional

    nas vozes de Nh Pai e Nh Fia, Irms Castro, Cascatinha e Inhana. Nepomuceno (1999:

    129) afirma que: A partir da, as feies da msica sertaneja se modificariam bastante,desencadeando um comportamento que a autora chama de fronteirice e matogrossice.

    Ferrete (1985: 66) cita o sucesso alcanado pelo rasqueado Paraguayita, pepita de

    oro (em yopar mescla de castelhano com guarani) feito em 1944 por Ariovaldo Pires

    (Capito Furtado) com parceria de Palmeira e gravado na Continental por este em dupla

    com Piraci, que, lanado no Paraguai chegou a ser a msica predileta do presidente Higino

    Mornigo.

    Ferrete (1985: 121/123) critica a introduo de gneros paraguaios na msica

    brasileira, colocando-a no mesmo plano da importao dos corridos mexicanos e da msica

    country norte-americana. Entretanto, acreditamos ser preciso lembrar que as polcas e

    guarnias desde seu delineamento enquanto gneros paraguaios sempre estiveram presentes

    na regio centro-sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul como patrimnio cultural

    importante de seu perfil identitrio. Paraguaios e brasileiros descendentes de paraguaios

    radicados nesse territrio sempre se identificaram com esse repertrio. Negar essa herana

    corresponde espoliao das lembranas referida por Bosi (1999: 443):

    O desenraizamento uma condio desagregadora da memria: sua causa o predomnio dasrelaes de dinheiro sobre outros vnculos sociais. Ter um passado, eis outro direito da pessoa quederiva de seu enraizamento. Entre as famlias mais pobres a mobilidade extrema impede asedimentao do passado, perde-se a crnica da famlia e do indivduo em seu percurso errante. Eisum dos mais cruis exerccios da opresso econmica sobre o sujeito: a espoliao das lembranas. (Bosi, 1994: 443)

    No apenas a existncia de uma fronteira poltico-geogrfica entre Brasil e Paraguai

    legitima esses gneros como autnticas manifestaes culturais nacionais mas todo um

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    contexto histrico e social existente desde o perodo colonial em que o ndio guarani

    desempenhou papel protagonista em uma trajetria marcada por violentas rupturas de toda

    ordem. O reconhecimento dessa herana que se manifesta pela introduo dos gneros

    polca paraguaia e guarnia no universo da msica sertaneja brasileira parece corresponder

    ao resgate de uma dvida com uma regio que sofreu com a violncia dos mecanismos de

    colonizao e o abandono de sculos a que se viu relegada pelo Estado brasileiro.

    As verses para o portugus de guarnias paraguaias, a incorporao do rasqueado

    na maneira de tocar a viola e a composio de canes com base de acompanhamento

    ternrio feito pelos msicos caipiras brasileiros no apenas trouxe visibilidade msica

    do Paraguai, mas legitimou a vinculao dessa msica regio sul de Mato Grosso comseus campos, suas fazendas, suas pequenas cidades isoladas do resto do pas e suas

    fronteiras por onde o intercmbio cultural desencadeou um processo identitrio bastante

    singular.

    Intenso caldeamento cultural tambm ocorreu em regies fronteirias, onde os limites geogrficosentre naes no tm sido nada alm de linhas imaginrias. Mato Grosso do Sul presta-se a umexemplo ilustrativo nesse sentido, tanto na fronteira com o Paraguai como na fronteira com aBolvia. Paraguaios, predominantemente descendentes dos guaranis, foram tangidos para a regiosul, nos albores de sua colonizao, e a constituram o contingente de fora de trabalho que fez a

    riqueza dos ervais, dos quebrachais e das fazendas de criao. (Alves, 2003: 25)

    Trs momentos crticos foram responsveis por violentas rupturas na vida civil do

    Paraguai: a Guerra da Trplice Aliana (1864-1870), a Guerra do Chaco (1932-1935) e a

    Guerra Civil de 1947. Foi principalmente em funo desses acontecimentos que os

    paraguaios procuraram refgio nos pases limtrofes, especialmente o norte da Argentina e

    o sul de Mato Grosso.

    Atrados pelo trabalho de extrao da erva-mate nativa e especialmente como

    trabalhadores da Companhia Matte Larangeira, trouxeram para c no apenas sua fora detrabalho e os conhecimentos das lides extrativistas herdados de seus antepassados guarani,

    mas principalmente sua cultura e sua msica. A historiografia aponta a extrao da erva-

    mate como o principal fator responsvel pela fundao de cidades como Porto Murtinho,

    Bela Vista, Amamba, Itapor, Ponta Por (em 1920 era a segunda cidade mais populosa de

    Mato Grosso, atrs apenas da capital Cuiab), Ipehum, Dourados, Rio Brilhante, Caarap,

    Aral Moreira, Navira, Itaquira, Caracol, Ivinhema, Jate e outras (Bianchini, 2000: 94).

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    No recenseamento feito em 1872 dois anos aps a Guerra da Trplice Aliana o

    nmero de paraguaios residentes na provncia de Mato Grosso representava o maior

    contingente estrangeiro aps os escravos africanos (Bianchini, 2000: 71/73). Em 1876

    Corumb e Ladrio comportavam uma populao de cinco a seis mil habitantes, dos quais

    trs a quatro mil eram paraguaios (Alves, 2003: 62/3). Em 1920 quase 50% da populao

    estrangeira de Mato Grosso era constituda por paraguaios (13.118 habitantes), sendo que

    nos municpios ervateiros de Bela Vista, Ponta Por e Porto Murtinho todos na fronteira

    com o Paraguai a populao paraguaia era de 9.404 pessoas (Bianchini, 2000: 218). Em

    Campo Grande, os paraguaios s aparecem nas estatsticas a partir do recenseamento de

    1980, e, no por acaso, como a populao estrangeira mais numerosa da cidade (Cabral,1999: 56).

    Comparando as estruturas

    Buscando a compreenso dos gneros em estudo, propomos no captulo 3.7 de

    nossa dissertao, a anlise de trinta canes coletadas entre as mais populares e executadas

    em Campo Grande, tanto entre os paraguaios e descendentes de paraguaios como entre os

    msicos e a populao em geral.

    Com esse propsito, procedemos escolha das canes a partir de consultas

    informais a msicos da cidade e chegamos a relacionar oito polcas paraguaias, oito

    guarnias, quatro chamams e dez canes brasileiras compostas a partir da influncia da

    polca paraguaia e que passamos a denominar rasqueados brasileiros apenas para fins de

    melhor conduo do texto. Inclumos nesse material as canes Rainha das aves por

    constar do trabalho de Ikeda (2001) bem como Ingratido, Uma saudade e Voc

    todinho meu por terem sido coletadas em trabalho de campo na interpretao da dupla

    sertaneja Beth e Betinha.. Polcas paraguaias:

    1. Nda recoi la culpa annima; Ocampo (1980:226) informa que em 1932/33 foi

    cantada no Teatro Odeon de Buenos Aires na comdia musical Elisa Lynch pelo duo

    Martinez-Cardozo.

    2. Campamento Cerro Leon msica annima com letra de Maurcio Cardozo Ocampo.

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    3. Alfonso Loma msica annima com letra de Angel Gonzalez; Dominguez (1928:70)

    fez uma transcrio para piano em seuAires Nacionales Paraguayos utilizando compasso

    3/4.

    4. Itapua poty de Lus Acosta e Juan Carlos Soria

    5. Galopera de Maurcio Cardozo Ocampo

    6. La carreta campesina de Maurcio Cardozo Ocampo e Diosnel Chase

    7. Paloma blanca de Neneco Norton

    8. Itagu poty de Rafael Paeta

    . Guarnias:1. Mi dicha lejana de Emigdio Ayala Bez

    2. Mis noches sin ti de Maria Teresa Mrquez e Demtrio Ortiz

    3. Lejania de Hermnio Gimenez

    4. Noches del Paraguay de Pedro J. Carls e Samuel Aguayo

    5. Regalo de amor de Maurcio Cardozo Ocampo

    6. Recuerdos de Ypacarai de Zulema de Mirkin e Demtrio Ortiz

    7. ndia de Manuel Ortiz Guerrero e Jose Asuncin Flores

    8. Saudade de Mario Palmrio; embora o compositor Mario Palmrio seja brasileiro,

    inclumos Saudade neste bloco pois trata-se de guarnia bastante popular no s em Mato

    Grosso do Sul mas tambm no prprio Paraguai.

    . Chamams:

    1. Kilometro 11 de Constante Aguer e Trnsito Cocomarola; Noya (1989:143) informa

    que foi registrada no SADAIC em 1943 como polca correntina e assim aparece no disco

    Trio Cocomarola de 1946; posteriormente o Trio de Emilio Chamorro efetuou sua versoempregando o termo campera; finalmente o conjunto de Cocomarola voltou a grava-la

    empregando o termo chamame.

    2. Alma guarani de Osvaldo Sosa Cordero e Damsio Esquivel; em partitura editada

    pela Editorial Julio Korn de Buenos Aires (1947) aparece como polca, sendo que Noya

    (1989:29) classifica como chamam.

    3. Merceditas de Ramn Sixto Rios

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    4 .A Vila Guillermina de E. Molina e Visconti Vallejos

    . Rasqueados brasileiros:

    1. Chalana de Mrio Zan e Arlindo Pinto

    2. O sol e a lua de Delinha

    3. matogrossense de Lourival dos Santos e Tio Carreiro; no CD Para Volver a

    Soar da dupla sul-matogrossense Amambai e Amamba aparece como chamam de

    autoria de Zacarias Mouro e Flor da Serra.

    4. Ingratido de Nh Pai e Nh Fio; conforme depoimento de Beth e Betinha trata-se de

    um rasqueado paulista.5. Seriema de Mato Grosso de Mrio Zan e Nh Pai

    6. Uma saudade de Milton Rodrigues dos Santos; conforme depoimento de Beth e

    Betinha trata-se de uma polca.

    7. Cidades de Mato Grosso de Mrio Zan e Nh Pai

    8. Rainha das aves de Mairi e Manuel; conforme Ikeda (2001:41) classificada como

    polca paraguaia.

    9. Voc todinho meu de Beth e Betinha

    10. P de cedro de Zacarias Mouro e Goi

    No Brasil o repertrio de polcas e guarnias fundiu-se ao universo da msica

    sertaneja a partir da dcada de trinta, porm com adaptaes e transformaes estruturais.

    Uma das mais evidentes refere-se conformao rtmica da polca paraguaia do Brasil

    que ao neutralizar a sincopao da melodia gera uma relao em cross rhytm entre as

    estruturas do verso e o padro do baixo de acompanhamento, sendo que mesmo essa

    ocorrncia, em muitos casos, pode ser suprimida resultando em uma estrutura prxima davalsa (Lacerda, 2004: 4). Alm disso, a configurao rtmica das melodias pode ser

    encontrada em compasso binrio, ternrio ou mesmo em binrio composto, embora os

    rasgueios dos violes e as bases de acompanhamento procurem manter a caracterstica

    original dos gneros em 6/8.

    As letras em castellano, guarani ou yopar (mistura dos dois idiomas), se

    caracterizam por um lirismo romntico e nostlgico ou narram epopias hericas,

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    encontrando-se aqui a nica evidncia visvel do legado cultural guarani na msica: o

    idioma.

    Com a finalidade de contribuir para uma compreenso objetiva das diferenas

    estruturais entre os gneros em estudo, analisamos o repertrio referido a partir dos

    seguintes tpicos: estruturas formais, frmulas de compasso adotadas nas transcries,

    padres rtmicos das partes cantadas e padres harmnicos.

    a) Estrutura formal:

    A forma AB a mais comum, podendo apresentar mudana de modo na parte B. Algumas

    composies inserem um interldio com novo motivo temtico (Gimenez, 1997: 123). No

    Brasil, muitas vezes a diferena formal entre as partes A e B neutralizada.Nas canes analisadas observamos que todas as polcas paraguaias e chamams se

    enquadram no esquema binrio (AB). O mesmo ocorre com as guarnias sendo que

    Regalo de amor apresenta a parte A quase como uma introduo e ndia acrescenta

    uma pequena seo intermediria de quatro compassos entre A e B.

    Entre os rasqueados brasileiros, porm encontramos diferenas na estrutura: O

    sol e a lua apresenta uma coda; Uma saudade acrescenta uma possvel parte C bastante

    parecida com a evidente parte B; em P de cedro a parte B declamada; Rainha das

    aves e Voc todinho meu no tem a parte B.

    Lacerda (2004: 4) observa que: Quando se entra no domnio brasileiro, propriamente

    dito, o que se tem inicialmente a neutralizao da diferena formal entre as partes A e B; no

    Brasil, bastaria uma das estruturas para a criao de uma pea musical.

    b) Frmulas de compasso adotadas na transcrio:

    A caracterstica rtmica bsica dos gneros em estudo a simultaneidade do compasso

    binrio composto sobre uma base ternria. A adoo dessa frmula grfica foi sendo fixada

    aos poucos durante a primeira metade do sculo XX pelos msicos e compositoresparaguaios, razo porque tambm encontramos partituras impressas naquele perodo que

    utilizam compassos binrios e ternrios simples. Boettner (sem data:203/5) sintetiza os

    atributos rtmicos da polca paraguaia na alternncia de ritmos binrios e ternrios com

    acompanhamento ternrio sobre melodia binria com utilizao de sincopas, o que

    caracteriza uma poliritmia simultnea. Lacerda (2004: 3) detecta no Brasil a ocorrncia de

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    uma estrutura em offbeata partir do momento em que as partes do baixo e da linha vocal

    utilizam acentos mtricos diferenciados e no convergentes.

    As frmulas de compasso das polcas paraguaias, guarnias e chamams analisados

    parecem se ajustar ao 6/8 recomendado pelo referencial terico. Porm esse padro nem

    sempre encontrado nos rasqueados brasileiros: em Chalana, dependendo da nfase

    dada pelo cantor na acentuao dos grupos de colcheias da parte cantada podemos

    considerar a ocorrncia do compasso binrio composto ou ternrio na linha da voz; em

    Ingratido encontramos compasso ternrio simples na parte A e binrio composto na

    parte B; em Seriema de Mato Grosso a parte A pode estar em binrio composto ou

    ternrio simples, mas a parte B est evidentemente em ternrio simples; Uma saudadeest em binrio simples; Rainha das aves pode estar em quaternrio ou binrio simples;

    Voc todinho meu pode estar em binrio simples (com uso abundante de tercinas) ou

    em binrio composto (aqui utilizando quilteras diminutivas).

    Os referenciais tericos consultados para este trabalho afirmam a ocorrncia do

    compasso binrio composto para as polcas paraguaias, guarnias e chamams. Porm,

    curioso constatar que nos rasqueados brasileiros nem sempre os padres rtmicos da

    melodia se enquadram nessa frmula. Embora os rasgueios dos violes e o baixo em

    semnimas paream preservar as caractersticas originais (6/8), a linha da melodia cantada

    pode estar em outra estrutura rtmica como construo em compasso ternrio (parte A de

    Ingratido e parte B de Seriema de Mato Grosso) ou binrio simples (Uma saudade e

    Rainha das aves). Em alguns casos fica mesmo difcil afirmar com preciso qual a

    frmula de compasso a ser utilizada: 6/8 ou 3/4 (Chalana e parte A de Seriema de Mato

    Grosso) e 6/8 ou 2/4 (Voc todinho meu). Apenas na parte B de Ingratido fica

    evidente o compasso binrio composto.

    c) Padres rtmicos das partes cantadas:

    Na anlise dos padres rtmicos e mtricos da melodia constatamos a ocorrncia

    do sincopado paraguaio referido por Boettner (sem data:205) em todas as polcas

    paraguaias, guarnias e chamams analisados, sendo que muitas vezes a sincopa

    substituda por um contratempo. preciso lembrar que nem sempre os intrpretes tornam

    evidente esse sincopado, resultando da que partimos do pressuposto de que essa

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    caracterstica rtmica to prpria desses gneros muitas vezes encontra-se implcita no

    repertrio analisado.

    Dos dez rasqueados brasileiros analisados, o sincopado paraguaio referido por

    Boettner (sem data: 205) aparece apenas em quatro: O sol e a lua da sul-mato-grossense

    Delinha, na parte B de Ingratido dos paulistas Nh Pai e Nh Fio, em P de cedro dos

    sul-mato-grossenses Zacarias Mouro e Goi e em Voc todinho meu das sul-mato-

    grossenses Beth e Betinha. Com exceo de Ingratido, observa-se que as demais

    canes so de compositores de Mato Grosso do Sul, o que parece ratificar a afirmao de

    Lacerda (2004: 3/4) de que a assimilao da polca paraguaia no Brasil encontra-se em

    processo de transformao e que o offbeatpode ser ainda encontrado de forma oscilante, emgrupos brasileiros formados em estreito contato cultural com as populaes paraguaias.

    Nos outros seis rasqueados brasileiros analisados no foi possvel constatar a

    ocorrncia do sincopado. Lacerda (2004: 4) detecta que o ajuste da estrutura do verso ao

    padro da parte do baixo tornando simultneos os ataques de ambas as estruturas gera a

    relao de cross rhythm entre as duas partes quando mantm a distribuio de acentos do

    verso com o conseqente retardamento da emisso vocal em um pulso: Aquilo que antes era

    percebido como sincopao neutraliza-se em favor da relao polirrtmica em cross rhythm.

    Porm, quando a linha da voz vem construda em compasso ternrio simples, essa relao

    polirrtmica em cross rhythm entre o baixo e a voz desaparece, dando origem a uma espcie

    de valseado. Neste caso, o acompanhamento do rasgueio da guitarra em conjunto com o

    baixo ao manter a estrutura original do gnero em compasso 6/8 faz com que a forma

    musical se torne uma tnue evocao das esrtruturas originais (Lacerda, 2004: 4).

    d) Padres harmnicos:

    Constatamos que todos os rasqueados brasileiros analisados esto no modo

    Maior, bem como a quase totalidade das polcas paraguaias. Quanto aos chamams, metadeest no modo Maior e metade no modo menor, sendo que as guarnias apresentam mudana

    de modo para os respectivos homnimos ou para os tons relativos.

    Podemos observar um crescente grau de complexidade harmnica que parte do que

    para fins de melhor conduo do texto denominamos rasqueado brasileiro (canes feitas

    no Brasil a partir de componentes estruturais oriundos da polca paraguaia), passando pela

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    polca paraguaia, chamam e guarnia. no gnero guarnia associada sofisticao

    urbana que se encontra maior diversidade na utilizao e elaborao de encadeamentos.

    Concluso

    Os gneros polca paraguaia, guarnia e chamam como representaes de uma

    identidade cultural associada alma guarani so referncias fundamentais para a

    configurao identitria de Mato Grosso do Sul.

    Mesmo sofrendo mutaes ao integrar-se ao universo sertanejo brasileiro em uma

    dialtica percebida desde a primeira metade do sculo XX e que se institucionalizou aoinserir-se no mercado fonogrfico nacional, afirmam sua persistncia na manuteno de um

    repertrio especfico e na influncia que exerce sobre a produo musical da regio.

    A conjuno de fatores histricos (a existncia de vilarejos espanhis e misses

    jesuticas anteriores chegada dos bandeirantes paulistas), geogrficos (definio de limites

    de fronteira aps a Guerra da Trplice Aliana), econmicos (a erva mate, as lides com o

    gado), sociais (migrao de paraguaios para a regio) e mticos (a cultura dos ndios

    guarani), trouxe regio centro-sul de Mato Grosso do Sul um contorno cultural nico no

    Brasil, especialmente definido na msica onde a predominncia do gnero polca paraguaia

    e suas principais variantes (guarnia e chamam), bem como a construo de um repertrio

    de canes com elementos estruturais bastante prximos daqueles gneros se constitui em

    um dos principais componentes de sua identidade.

    A comparao entre as estruturas do repertrio analisado permite observar que

    a aclimatao das polcas paraguaias, guarnias e chamams no Brasil e de modo especial

    na regio sul-mato-grossense, alterou os modelos originais principalmente no que se

    referem configurao rtmica das partes cantadas, cujas melodias nem sempre estoconstrudas em compasso 6/8, embora o rasgueo do violo acompanhador esteja em 6/8.

    Essa peculiaridade torna difcil uma demarcao genrica, dificuldade que parece ser

    driblada pelos msicos brasileiros que muitas vezes costumam chamar de rasqueado o

    gnero de canes que compem.

    Entretanto, em Mato Grosso do Sul encontramos com maior freqncia a

    ocorrncia de componentes estruturais mais prximos dos modelos genricos originais, fato

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    que podemos creditar no s contigidade geogrfica com o Paraguai, mas ao

    compartilhamento de uma histria e um sistema de smbolos e signos culturais que

    permeiam o cotidiano do sul-mato-grossense, demarcando uma cultura diferenciada no

    panorama musical brasileiro.

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