a atuação da pmdf na manifestação popular em 17 de junho de

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JAHIR LOBO RODRIGUES A atuação da PMDF na manifestação popular em 17 de junho de 2013 junto ao Congresso Nacional: Uma polícia democrática ou uma polícia republicana? Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Professor Antonio Carlos Alonso Del Negro Rio de Janeiro 2014

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JAHIR LOBO RODRIGUES

A atuação da PMDF na manifestação popular em 17 de

junho de 2013 junto ao Congresso Nacional:

Uma polícia democrática ou uma polícia republicana?

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia

apresentada ao Departamento de Estudos da Escola

Superior de Guerra como requisito à obtenção do

diploma do Curso de Altos Estudos de Política e

Estratégia.

Orientador: Professor Antonio Carlos Alonso Del

Negro

Rio de Janeiro

2014

C2014 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que

resguarda os direitos autorais, é considerado

propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE

GUERRA (ESG). É permitido a transcrição

parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los,

para comentários e citações, desde que sem

propósitos comerciais e que seja feita a

referência bibliográfica completa.

Os conceitos expressos neste trabalho são de

responsabilidade do autor e não expressam

qualquer orientação institucional da ESG

_________________________________

Assinatura do autor

Biblioteca General Cordeiro de Farias

Rodrigues, Jahir Lobo. A atuação da PMDF na manifestação popular em 17 de junho de 2013

junto ao Congresso Nacional: uma Polícia Democrática ou uma Polícia Republicana? / Coronel Policial Militar, Bacharel em Direito e Licenciado em História Jahir Lobo Rodrigues. - Rio de Janeiro: ESG, 2014.

45 f.: il.

Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos Alonso Del Negro. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2014.

1. Polícia Militar. Manifestações. Copa das Confederações

1. Educação do Brasil. 2. Educação Fundamental. 3. Métodos de

ensino. I.Título.

Aos Policiais Militares do Distrito

Federal pelo devotamento à causa

pública com que se conduziram em

meio as manifestações populares

havidas em junho de 2013 em Brasília,

no Distrito Federal.

Minha gratidão especial ao

Excelentíssimo Senhor General de

Exército Gerson Menandro Garcia de

Freitas, ex-Comandante do Comando

Militar do Planalto e ao Excelentíssimo

Senhor Vice-Almirante José Carlos

Mathias, ex-Comandante do 7º Distrito

Naval, por todo apoio prestado ao meu

comando e à Polícia Militar do Distrito

Federal.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por me dotar de saúde e pela concretização

de mais um sonho.

Aos meus Pais, Jahir Rodrigues e Vera Maria de Mello Lobo Rodrigues que

com seus amores, retidão e exemplo, me ensinaram a ser um homem de bem.

À minha Esposa, Waleska Romcy e meus Filhos, Filipe, Camila e Natália pelo

apoio e incentivo de sempre.

A todos os professores, instrutores, palestrantes e funcionários da Escola

Superior de Guerra (ESG) pelo carinho, respeito e dedicação que resultaram em

sólidos conhecimentos.

Fraternalmente ao hoje grande amigo Capitão de Mar e Guerra (RM1)

Caetano Tepedino Martins, pelo incentivo, e preciosas observações e contribuições.

Especial agradecimento e admiração por meu orientador, Professor Doutor

Antonio Carlos Alonso Del Negro pelo entusiasmo em torno da pesquisa pretendida,

bem como pela firme e inequívoca orientação dispensada.

Por fim, agradeço aos integrantes da PMDF que, sob meu comando, atuaram

no controle das manifestações ocorridas em Brasília no ano de 2013, por sua

coragem, dedicação e profissionalismo com que se conduziram em meio a tantas

dificuldades.

O Progresso é a lei da história da humanidade, e o homem está em constante processo de evolução.

Augusto Comte

RESUMO

Esta monografia aborda, em uma análise de situação, a atuação da Polícia Militar do

Distrito Federal, quando das manifestações havidas em Brasília, em junho de 2013.

O objetivo deste estudo é, a partir do relato da dinâmica daqueles acontecimentos,

fornecer subsídios que sirvam de base para uma reflexão que permita o

aprimoramento da própria Polícia Militar, enquanto órgão necessário para regulação

social. A metodologia adotada comportou uma pesquisa bibliográfica e documental,

visando buscar referenciais teóricos, além da experiência do autor como Coronel da

PMDF ocupando, na época, a chefia do Departamento Operacional daquela

Corporação. Os principais tópicos deste trabalho são: uma introdução, que objetiva

contextualizar o leitor das particularidades em torno do mês de junho de 2013 e da

Copa das Confederações; a narrativa dos acontecimentos em três dias de

manifestação: 14, 15 e 17 de junho, para, em seguida, enfocar as consequências

advindas para a PMDF. A conclusão se resume numa constatação das dificuldades

enfrentadas pela Polícia Militar do Distrito Federal frente às manifestações havidas,

na perspectiva de que o implemento de soluções possíveis para os questionamentos

relacionados à sua forma de atuação não são de responsabilidade da Polícia Militar,

mas, sim da sociedade como um todo.

Palavras chave: Polícia Militar. Manifestações. Copa das confederações.

ABSTRACT

This monograph discusses the performance of the Military Police of the Federal

District (PMDF), when public demonstrations took place in Brasília in June 2013.

Objective of this study is to provide subsidies, from the account of the dynamics of

those events, as a basis for reflections that allow the improvement of the Military

Police, a necessary instrument for social regulation. The methodology involved a

bibliographical and documental research, aiming to seek theoretical references,

beyond the author´s experience as a PMDF Colonel, at that time, heading the

Operations Department of the Corporation. Major topics in this work includes an

introduction that aims to contextualize the reader in the details of the month of June

2013 and the Confederations Cup; the narrative of events in three days of public

manifestation: 14, 15 and 17 June; and then, focus on the resulting consequences for

the PMDF. The conclusion summarizes the difficulties faced by the Military Police of

the Federal District, due to the public demonstrations that occurred in Brasília, from a

perspective that the implementation of possible solutions to answer the questioning

related to the way the PMDF operates, are not the responsibility of the corporation,

but rather of the society as a whole.

Keywords: Military Police. Manifestations. Confederations Cup.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Efetivo policial e material empregado pela PMDF no jogo Brasil versus

Japão e na Exibição Pública na Esplanada dos Ministérios. Fonte:

Planejamento Operacional da PMDF (RESERVADO) ............................ 18

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APF Auto de Prisão em Flagrante

BPCHOQ Batalhão de Polícia de Choque

BPM Batalhão de Polícia Militar

BPTRAN Batalhão de Polícia de Trânsito

CBMDF Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal

CGGE Comitê Gestor das Ações em Grandes Eventos

CI Centro de Inteligência

CIADE Central Integrada de Atendimento e Despacho

CME Comando de Missões Especiais

CN Congresso Nacional

CPR Comando de Policiamento Regional

DCC Departamento de Controle e Correição

DOP Departamento Operacional

DF Distrito Federal

EGGE Escritório de Gerenciamento de Grandes Eventos

ERB Estação Rodoviária de Brasília

ESG Escola Superior de Guerra

FIFA Fédération Internationale de Football Association

GDF Governo do Distrito Federal

IPM Inquérito Policial Militar

MPDFT Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

MRE Ministério das Relações Exteriores

MST Movimento dos Trabalhadores sem Terra

MTST Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

N/1 Via Norte 1 do Eixo Monumental

PCDF Polícia Civil do Distrito Federal

PJM Promotoria de Justiça Militar

PM Polícia Militar

PMDF Polícia Militar do Distrito Federal

PMESP Polícia Militar do Estado de São Paulo

ROTAM Batalhão Tático Motorizado

RPMONT Regimento de Polícia Montada

SSP Secretaria de Segurança Pública

TC Termo Circunstanciado

TEN CEL Tenente Coronel

UnB Universidade de Brasília

UPM Unidade Policial Militar

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12

2 A PMDF, A COPA DAS CONFEDERAÇÕES E AS MANIFESTAÇÕES ........ 16

3 A MARCHA DO VINAGRE, NOITE DE 17 DE JUNHO, CÚPULA DO

CONGRESSO NACIONAL OCUPADA ............................................................ 24

4 OS QUESTIONAMENTOS IMPOSTOS À PMDF E AS CAUTELAS

ADOTADAS PELA CORPORAÇÃO ................................................................ 32

5 CONCLUSÕES ................................................................................................. 41

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 43

12

1 INTRODUÇÃO

Que país é este? Com tal pergunta o Jornal de Brasília, diário publicado no

Distrito Federal destacava, a 18 de junho de 2013, em sua manchete de capa, a

manifestação havida na noite anterior (QUE PAÍS, 2013, capa), ocasião em que,

entre cinco e dez mil manifestantes tomaram a Esplanada dos Ministérios, na Capital

Federal, ocupando a cobertura do Congresso Nacional (CN) — conhecida como

cúpula — num manifesto apelidado de "Marcha do Vinagre"1.

No Brasil, e particularmente em Brasília, o mês de junho de 2013 foi marcado

por diversas manifestações reivindicatórias que, reunindo uma gama indefinida de

participantes e motivos, atingiu várias capitais de estados, notadamente aquelas

cidades que sediaram jogos da Copa das Confederações de Futebol, torneio

organizado em conjunto com a Fédération Internationale de Football Association

(FIFA).

Naquela ocasião, como no restante do ano de 2013, o autor ocupava a chefia

do Departamento Operacional da Polícia Militar do Distrito Federal (DOP/PMDF),

tendo sob sua responsabilidade todo o efetivo de policiamento da PMDF e a seu

encargo as ações operacionais daquela corporação, o que significa dizer que

exerceu o “comandamento” de cerca de nove mil e quinhentos policiais militares,

espalhados por trinta e uma unidades operacionais, no exercício de suas funções.

Da mesma forma, teve a oportunidade de acompanhar de perto, todo o desenrolar

das manifestações que, em Brasília, ocorreram nos dias 14, 15, 17, 20, 22, 24, 26 de

junho e 7 de setembro daquele ano.

A manifestação chamada de "Primavera Brasileira"2 mostrou-se como

acontecimento inusitado, uma vez que fugiu do padrão das já ocorridas na Capital

Federal, cidade acostumada, ao longo de sua existência, ao convívio com tal

exercício de cidadania, qual seja: o direito de livre manifestação.

Sobre esta característica da Capital Federal, diz Adriana Saraiva:

Em seus cinqüenta anos de existência, Brasília já conheceu inúmeras manifestações/mobilizações e diversos movimentos sociais. Talvez pelo fato de ser a capital do país, muitos dos momentos/eventos que se desenrolavam no cenário nacional aqui ressoavam de um modo especial. Assim aconteceu com episódios como as manifestações estudantis do final da década de 70/início da década de 80, quando o movimento estudantil já

1 Termo cunhado por autor desconhecido que denominou o movimento, sendo divulgado pelas redes

sociais, notadamente Facebook, à época dos fatos. 2 Termo cunhado por autor desconhecido, em menção à “primavera árabe”, que se traduziu em

revolta popular de caráter e motivação difusos havida no Egito no ano de 2011 e que levou à renúncia do então presidente Hosni Mubarak.

13

estava mais desarticulado no resto do país; as mobilizações pelas Diretas Já!, organizadas durante o estado de emergência, decretado na cidade por ocasião da votação da emenda que previa o retorno das eleições diretas para presidente; ou o ‘badernaço’, momento em que a população ocupou as ruas da cidade, quebrando vitrines e virando carros, em protesto contra o aumento nas tarifas públicas, no chamado ‘Plano Cruzado II’, durante o governo de José Sarney, em 1986.3 (2010, p. 64)

Na verdade, além dos exemplos citados por aquela autora em seu recorte

temporal, — as décadas de 70 e 80 do século passado —, destacam-se, ainda, nos

anos subsequentes, outros momentos de grande concentração popular em Brasília;

tais como: a marcha do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em 1999,

que reuniu cerca de cem mil manifestantes; ou ainda a primeira posse do então

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em primeiro de janeiro de 2003 que, segundo a

Imprensa na época, levou cerca de duzentas mil pessoas à Esplanada dos

Ministérios.

Nesses e noutros momentos, ao longo dos cinquenta e três anos de

existência de Brasília, a PMDF, cumprindo seu papel constitucional de mantenedora

da ordem e segurança pública, sempre se incumbiu do policiamento ostensivo e,

excetuando-se o "badernaço" citado, na maioria das vezes, não foram verificados

incidentes, atos de violência ou de vandalismo, como os ocorridos no ano que

passou.

A característica incomum das manifestações de 2013 surpreendeu a

corporação, que se viu, de momento para outro, questionada em relação a seus

procedimentos operacionais e táticos ou formas de atuação, seja pela Imprensa, por

alguns segmentos organizados da sociedade, seja mesmo por algumas instituições

de Estado, como o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

As ações violentas, depredatórias e de enfrentamento por parcelas de

manifestantes, conjugadas com as reações táticas conhecidas e regularmente

empreendidas por parte da PMDF, trouxeram novamente ao debate acadêmico ou

no seio da sociedade, qual seria o papel da Polícia Militar na preservação da ordem

pública, a qual, em tais ocasiões, se vê em meio a questionamentos de sua correta e

legítima atuação pois, segundo o professor Cláudio Pereira de Souza Neto:

Preservar a ordem pública significa sobretudo, preservar o direito, a ordem juridicamente estruturada, garantir a legalidade. Políticas públicas e ações policiais que desconsiderem os direitos fundamentais transgridem, até não

3 Todas as citações na presente monografia, estão transcritas conforme os textos originais.

14

mais poder, a própria ordem pública que pretendem preservar. ([ca. 2007], p. 14).

Questões ligadas a conceitos; tais como: segurança pública; ordem pública;

poder de polícia; liberdade de manifestação; direito de ir e vir; movimentos em

movimento; violência; segurança jurídica; etc. se tornaram presentes em meio às

diversas análises e pronunciamentos dos segmentos anteriormente mencionados,

tendo como pano de fundo aquelas manifestações reivindicatórias.

Na área das Ciências Sociais os conceitos ou a ótica com que alguns

estudiosos abordam determinadas questões presentes nas manifestações havidas

em 2013 se mostram controversas, aproximando-se ou distanciando-se, na medida

em que apóiam ou condenam as ações empreendidas pela PMDF.

Nestas questões, há necessidade de se recorrer a autores; tais como: Miguel

Reale (1996), falando sobre a Ordem Jurídica; Miguel Reale (1996) e Cláudio

Pereira de Souza Neto ([ca. 2007]), ambos analisando a Segurança Pública e a

Ordem Pública; Adriana Coelho Saraiva (2010), no estudo das Ciências Sociais;

etc., além de se buscar, nos Elementos Fundamentais elencados no Manual Básico

da Escola Superior de Guerra (ESG) (BRASIL, 2014), um arcabouço teórico que

auxilie no exame e compreensão da atuação da PMDF frente àqueles

acontecimentos.

O presente estudo buscará, no que concerne à corporação Polícia Militar do

Distrito Federal, analisar os procedimentos e formas de sua atuação, tendo como

base a manifestação havida na noite de 17 de junho, junto ao Congresso Nacional,

verificando as circunstâncias que a motivaram, seu desenvolvimento e as

dificuldades enfrentadas no controle dos manifestantes.

O Primeiro Capítulo trata dos acontecimentos havidos nos dias 14 e 15 de

junho, véspera e dia da abertura da Copa das Confederações, verificando os

preparativos da corporação para o evento e se as manifestações havidas em tais

ocasiões tiveram ligação, ou não, com o foco principal do presente estudo, qual seja,

a noite de 17 de junho. O Segundo Capítulo discorre sobre a chamada "Marcha do

Vinagre", movimento que culminou com a ocupação da cúpula do Congresso

Nacional, bem como descreve a atuação da PMDF antes, durante e depois da

manifestação deste dia. O Terceiro Capítulo apresenta uma síntese das dificuldades

enfrentadas e suas consequências para a PMDF, notadamente no que concerne aos

acontecimentos posteriores, havidos durante o ano de 2013 e, principalmente, da

15

perspectiva que, para a Copa do Mundo, prevista para 2014, novos protestos e

manifestações públicas viessem a ocorrer.

A título de conclusão, será apontado o impacto estabelecido à PMDF,

principalmente a sua Segurança Jurídica, em face das dificuldades verificadas

durante o desenrolar da manifestação em tela.

16

2 A PMDF, A COPA DAS CONFEDERAÇÕES E AS MANIFESTAÇÕES

Desde meados do mês de maio de 2013 o Brasil acompanhava, com certa

atenção, os acontecimentos que tinham lugar na cidade de São Paulo, em torno das

manifestações contrárias ao reajuste das tarifas de transporte público (ônibus), as

quais já apresentavam cenas de tumulto generalizado, tendo a Polícia Militar do

Estado de São Paulo (PMESP) dificuldades no controle da situação.

A ocorrência desses eventos na capital paulista, porém, por ser entendida

como situação episódica e pontual, em nada alterou as rotinas da Polícia Militar do

DF, seja com relação às atividades operacionais diárias, seja com relação aos

preparativos para a Copa das Confederações de Futebol, cujo início se deu em 15

de junho de 2013 (sábado), no Estádio Nacional de Brasília, com a partida Brasil

versus Japão.

Contudo, na véspera do citado jogo, em frente ao Estádio recém construído e

inaugurado, na via N/1 do Eixo Monumental, ocorreu uma manifestação, promovida

pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto do Distrito Federal (MTST/DF) que, no

entender de alguns, serviu como agente motivador para as manifestações

subsequentes, principalmente as verificadas nos dias 15 e 17 de junho que

ocorreram, respectivamente, junto ao Estádio Nacional e no Congresso Nacional.

Antes de discorrer sobre tais eventos, contudo, necessário é que se descreva

como se encontrava a PMDF, em termos operacionais naquele momento, bem como

seus preparativos para a Copa das Confederações.

No que concerne às atividades operacionais, com o advento da Lei 12.086, de

6 de novembro de 2009 (BRASIL, [21-]b) e do Decreto do Governo do Distrito

Federal (GDF) 31.793 de 11 de junho de 2010 (BRASIL, 2010a), a PMDF se

encontra estruturada da seguinte forma:

(a) Departamento Operacional (DOP) ─ como órgão de direção geral

operacional;

(b) Quatro Comandos de Policiamentos Regionais (CPR) e um Comando de

Missões Especiais (CME) ─ como órgãos de direção setorial operacional;

e

(c) Trinta e uma Unidades Policiais Militares (UPM), constituídas de Batalhões

de Polícia Militar (BPM) e Regimento de Polícia Montada (RPMONT) ─

como órgãos de execução operacional.

17

Este universo operacional contava, no ano de 2013, com cerca de nove mil e

quinhentos homens e mulheres em seus quadros, sendo que eram destinados,

diariamente, cerca de dois mil para as atividades de policiamento rotineiras4.

No que concerne à Copa das Confederações, os preparativos da corporação

tiveram início três anos antes, quando, por intermédio da Portaria nº 730, de 22 de

outubro de 2010 (BRASIL, 2010b), o Comando-Geral da PMDF criou o Comitê

Gestor para coordenar as atividades relativas à Copa das Confederações de 2013 e

à Copa do Mundo de 2014, no âmbito da corporação.

Dos trabalhos deste Comitê, redundou a criação de uma assessoria

denominada "Comitê Gestor das Ações em Grandes Eventos" (CGGE) que, por

intermédio da Portaria nº 769, de 7 de março de 2012 (BRASIL, 2012a), teve a

finalidade de gerir e coordenar todas as ações necessárias a atuação da Corporação

em grandes eventos5.

Além da criação deste Comitê, a corporação, por intermédio da Portaria nº

770, também de 7 de março de 2012 (BRASIL, 2012b), definiu a estrutura do

Escritório de Gerenciamento de Grandes Eventos (EGGE) da PMDF e determinou

outras providências correlatas.

Este escritório de gerenciamento, tendo a seu cargo o planejamento da Copa

das Confederações e demais eventos relacionados, incumbiu-se, em estreita ligação

com o DOP, de todas as tratativas, reuniões, seminários etc. relacionados com este

evento, executando seu planejamento no decorrer dos anos de 2012 e 2013.

Ressalte-se que, em relação à Copa das Confederações, Brasília somente

sediou o jogo de abertura, que foi acompanhado por um grande público na chamada

"Exibição Pública", que se constituiu numa grande festa programada para a

Esplanada dos Ministérios, local onde se poderia ver o jogo em “telões” e ainda

acompanhar shows de bandas de música popular locais e nacionais.

Além dos efetivos rotineiros de policiamento empregados no Distrito Federal,

a PMDF, para o dia 15 de junho de 2013, planejou o emprego dos seguintes

recursos:

4 Como atividades rotineiras, entenda-se aquelas desenvolvidas pela PMDF diariamente e

decorrentes de sua função constitucional de policiamento ostensivo geral, como por exemplo: policiamento a pé, de rádio-patrulha, de trânsito, policiamento ambiental etc.

5 No parágrafo único do artigo primeiro da mencionada portaria, descreve-se os grandes eventos como sendo: Copa das Confederações; Copa do Mundo; Copa América; Olimpíadas e os outros eventos que, por sua magnitude e importância, se assemelhem aos previstos nos incisos anteriores.

18

Efetivo policial Motocicletas Viaturas

Jogo Brasil x Japão 1.713 112 66

Exibição Pública na

Esplanada dos

Ministérios

1.073 100 74

Total 2.786 212 140

Tabela 1: Efetivo policial e material empregado pela PMDF no jogo Brasil versus Japão e na Exibição

Pública na Esplanada dos Ministérios.

Fonte: Planejamento Operacional da PMDF (RESERVADO)

Decerto que as ações pensadas pela PMDF se atrelavam a um lapso

temporal de 24 horas, entre zero hora do dia 15 e zero hora do dia 16 de junho, de

forma que os efetivos acima descritos tinham o emprego previsto de maneira

progressiva, de acordo com a aproximação da hora de início dos eventos.

Na verdade, tal planejamento já fora posto em prática em duas ocasiões

anteriores, nos chamados eventos-teste da FIFA, nos dias 18 de maio (partida final

do campeonato brasiliense de futebol) e 25 de maio (no jogo Flamengo versus

Santos, válido pelo Campeonato Brasileiro), nos quais, guardadas pequenas

correções havidas, este planejamento realizado pela PMDF se mostrou coerente

com o que seria esperado para o dia de abertura da Copa das Confederações.

Entretanto, conforme será mostrado a seguir, a expectativa de que o

planejamento realizado para as ações da PMDF fosse plenamente satisfatório, não

se confirmou, tendo em vista as manifestações ocorridas, a começar pelo dia 14 de

junho.

Na véspera da abertura do torneio da FIFA, no que diz respeito às

responsabilidades da PMDF, tudo estava preparado, consoante as rotinas da

corporação, e por parte dos demais órgãos do Distrito Federal. Tudo transcorria

dentro de um padrão de normalidade, não sendo detectada por nenhum segmento

institucional da PMDF, ou de qualquer outro órgão distrital ou federal, a possibilidade

da ocorrência de qualquer evento extraordinário.

Porém, próximo das dez horas da manhã daquela sexta-feira, dia 14 de junho,

a Central Integrada de Atendimento e Despacho da Secretaria de Segurança Pública

do DF (CIADE-SSP/DF) é acionada pelo número de emergência 190, com

19

informações da ocorrência de um incêndio na via N/1 do Eixo Monumental, nas

proximidades do Estádio Nacional de Brasília.

Como é de costume, em tais casos, foram acionados para o atendimento da

emergência equipes do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) e

da Polícia Militar.

Quando a primeira guarnição da PMDF chegou ao local, verificou que a pista

encontrava-se interditada por inúmeros pneus em chamas e que um grupo de cerca

de 250 pessoas estava junto ao fogo gritando “palavras de ordem”6 em tom

reivindicatório.

Sendo a CIADE informada de que a situação se tratava de um protesto

popular, seguindo os protocolos de segurança pública previamente estabelecidos

para tais acontecimentos, foram acionados os escalões operacionais superiores da

PMDF, CBMDF e da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) para que assumissem a

coordenação das providências afetas a cada órgão.

No que se refere à Polícia Militar, aquela situação é definida como uma "crise"

na qual, segundo diretriz da corporação7, o comandante da Unidade Operacional da

área assume a condição de "Gerente da Crise".

Assim sendo, assumiu a condição de gerente o Tenente Coronel (Ten Cel)

Júlio Cesar, comandante do 3º BPM que, de imediato, buscou contato com as

lideranças do movimento e verificou tratar-se de grupo ligado ao MTST, que

reivindicava melhorias em projetos habitacionais, por parte do Governo do Distrito

Federal.

Em seu contato inicial, o Ten Cel Júlio Cesar apurou ainda que aquele grupo

agiu de forma organizada, tendo sido transportados em ônibus fretados e, no

momento e local precisos, desembarcaram naquela via pública, onde espalharam os

pneus e materiais de fácil combustão, ateando fogo em menos de três minutos, ou

seja, pelas informações obtidas pelo Gerente da Crise, tratou-se de ação planejada,

cronometrada e executada com extrema rapidez, por parte daquele movimento

social.

6 Como "palavras de ordem", entenda-se as expressões ditas pelos manifestantes durante suas

reivindicações. 7 "Crise”, por definição para a PMDF, é qualquer situação extraordinária que transcenda à capacidade

operacional das equipes de serviço ordinário comum e que demande o aglutinamento de vários outros segmentos da própria corporação. Instalada uma "crise", é acionada a denominada Operação Gerente que é prevista num documento de classificação "reservado" e que contém um conjunto de ordens, diretrizes e orientações para balizar a atuação dos diversos segmentos empregados na manutenção da ordem pública.

20

Com outros meios de apoio do Distrito Federal direcionados para o local da

crise, quais sejam: reforço dos efetivos da UPM da área; acionamento dos Batalhões

de Polícia de Trânsito (BPTRAN) e de Polícia de Choque (BPCHOQ); bem como

guarnições do CBMDF já posicionadas no local, teve início o processo de

negociação, conforme estipulado pela mencionada diretriz, uma vez que aquele

grupo de manifestantes, como normalmente ocorre em tais circunstâncias, possuía

uma liderança constituída.

A negociação para liberação da via pública transcorreu sem maiores

percalços, tendo os manifestantes, após decorrido pouco mais de uma hora,

concordado em liberar a avenida, diante da promessa de que uma comissão do

MTST seria recebida pelo GDF.

Após o trabalho de extinção do fogo e rescaldo8 feito pelos bombeiros e

liberada a via, o Comandante-Geral da PMDF e o autor foram solicitados a

comparecer no Palácio do Buriti, sede do Governo do DF, para uma reunião.

Lá chegando, o Comandante-Geral e o Chefe do DOP foram imediatamente

encaminhados ao gabinete do Governador do DF, onde praticamente todo o primeiro

escalão do governo estava a deliberar sobre o dia seguinte, especificamente sobre a

abertura da Copa das Confederações, temendo-se que protestos outros trouxessem

problemas para o evento.

Em tal reunião, foi determinado (informação verbal)9 aos órgãos de

inteligência da segurança pública uma intensa busca de dados que indicasse ou não

a possibilidade da ocorrência de manifestações motivada pela realização da Copa

das Confederações. Da mesma forma, foi solicitada à Polícia Militar, a adoção das

medidas necessárias, com o fito de se garantir a ordem pública e a tranquilidade do

jogo.

Terminada a reunião com o Governador, o Comando da PMDF se reuniu com

sua área operacional: Departamento Operacional; Comandos Regionais e de

Missões Especiais; o Centro de Inteligência da corporação; e o Escritório de

Grandes Eventos, passando a avaliar os cenários possíveis para o dia seguinte,

verificando o que poderia ser feito para melhorar as ações planejadas.

8 Rescaldo é o trabalho de prevenção para evitar que um incêndio mal extinto ganhe força. 9 Determinação verbal do Secretário de Segurança do Governo do Distrito Federal para que os

órgãos de inteligência da segurança pública efetuassem uma intensa busca de dados que indicasse ou não a possibilidade da ocorrência de manifestações motivadas pela realização da Copa das Confederações; e que a PMDF adotasse as medidas necessárias para garantir a ordem pública durante o jogo, em Brasília, em junho de 2013.

21

Tendo em vista as dimensões do planejamento já realizado e dos recursos

envolvidos, estabeleceu-se o senso comum, no sentido de que alterar detalhes do

que fora estipulado não seria viável.

Pelo volume de policiais militares escalados e de unidades operacionais

envolvidas, seria praticamente impossível efetuar uma alteração de escalas ou dos

horários estabelecidos para a reunião e deslocamento de efetivos, salvo uma ou

outra unidade especializada dotada de meios de transporte ágeis e com melhores

características de manobra.

Isto porque, ao correr da tarde, começaram a chegar informações do setor de

Inteligência da PMDF dando conta de mobilizações virtuais que estavam ocorrendo

pela rede mundial de computadores (internet), notadamente pela rede social

denominada Facebook.

Em resposta ao ofício encaminhado pelo autor (RODRIGUES, 2014a) o

Centro de Inteligência da PMDF, informa que os dados obtidos davam conta que:

No Distrito Federal a intenção era organizar um grande ato no dia 15JUN13, às 10h, sábado, com concentração na Rodoviária de Brasília. O movimento convidava os manifestantes a levarem cartazes e apitos. Até o dia 12JUN13, 411 (quatrocentos e onze) pessoas tinham confirmado, na página do evento, a participação na manifestação. Faziam parte do grupo de organizadores do Comitê Popular da Copa no DF integrante do MTST-DF (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto do DF) e integrante do Movimento Marcha da Maconha no DF. Estava previsto ocorrer o evento denominado “Copa para Quem?”, no dia 15JUN13, sábado, às 10h, concentração na Rodoviária de Brasília, com possibilidade de deslocamento em direção ao Estádio Nacional de Brasília. Segundo os organizadores o protesto tinha como objetivo denunciar as violações de direitos humanos que estavam ocorrendo por conta da realização dos megaeventos esportivos (Copa das Confederações 2013, Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016). Segundo o Comitê Popular da Copa-DF, diversos movimentos sociais promoviam a Semana da Jornada de Lutas, Copa pra Quem? Com isso o lançamento da campanha: Cartão Vermelho para a “COPA...#COPAparaQUEM?”. A Jornada de Lutas contará com atos populares unificados em 12 capitais brasileiras. Cogitava-se a participação de integrantes do MTST no evento. O Grupo “Anonymous” promoveu uma convocação por meio das redes sociais, para que o maior número de pessoas participassem do Movimento Articulado com o lema “Boicotar a Copa de 2014”, para o dia 15JUN13, sábado, das 14h30 às 19h, nas imediações do Estádio Nacional de Brasília. Segundo os organizadores, o objetivo é promover protesto pacifico contra a corrupção, fome, má educação, saúde precária, segurança, justiça e contra tudo de ruim no país. (BRASIL, 2014d).

Como os dados trazidos pelo Centro de inteligência (CI) não mostravam um

significativo número de adesões ("quatrocentas e onze") optou-se pela adoção das

seguintes providências iniciais:

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(I) que os efetivos que sairiam do serviço normal noturno da véspera,

permaneceriam nos aquartelamentos para mobilização, em caso de

necessidade;

(II) que todos os comandantes de Unidades Operacionais deveriam,

obrigatoriamente, estar à frente de seus efetivos, mesmo daquelas UPM

sem ligação direta com a Copa da Confederações;

(III) que duas unidades especializadas ─ o BPCHOQ e o Batalhão Tático

Motorizado (ROTAM) ─, além do que fora previsto para o jogo e na

Exibição Pública, deveriam desencadear seus respectivos planos de

chamada10, no sentido de contarem com o maior efetivo possível de

policiais para atender a qualquer eventualidade; e

(IV) que fossem escaladas e designadas para a Estação Rodoviária de

Brasília (ERB)11, duas companhias operacionais, cada uma com 58

policiais militares, a comando de um Tenente Coronel, para a manutenção

da ordem pública na manhã do dia 15 de junho.

Com as providências possíveis adotadas, aguardou-se com expectativa a

chegada da manhã seguinte, quando, a depender do volume de manifestantes

existentes, se saberia o rumo dos acontecimentos.

Próximo às nove horas da manhã do dia 15 de junho, cerca de 2.500 pessoas

se juntaram na ERB e, de posse de apitos, cartazes, faixas etc., iniciaram a

manifestação contrária à realização da Copa das Confederações.

A partir de então, devido a conformação da área existente entre a ERB e o

Estádio Nacional, constituída de extensos espaços abertos, a PMDF atuou no

sentido de controlar, o máximo possível, aquele grupo de manifestantes, obtendo

êxito até por volta das quatorze horas quando, parte daquele contingente tentou

invadir o Estádio por um dos portões de acesso.

Sobre tais acontecimentos, encontra-se no relatório feito posteriormente pelo

DOP:

A concentração dos manifestantes começou por volta das 9h40, na plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto, em frente à entrada da estação central do Metrô-DF, e por volta das 10h00 seguiram em direção ao Estádio. Antes do início dos protestos, o Sr. Ten Cel QOPM ALVES conversou com os manifestantes, ressaltando que o direito constitucional de

10 Documento de caráter reservado existente nas Unidades Policiais Militares do DF, no qual constam

as formas de contato de seus integrantes, e usados para acionamentos emergenciais. 11 Trata-se do ponto mais central do Distrito Federal, normalmente marcado como ponto de

concentração de manifestações reivindicatórias.

23

manifestação seria mantido, contanto que fosse pacífico. Quando a multidão chegou mais perto da arena houve discussão e muitos manifestantes conseguiram furar o bloqueio, sendo contidos em seguida. Às 12h00 a entrada no estádio foi liberada. Por volta das 14h00 os manifestantes invadiram a fila de entrada de torcedores, porém, foram contidos, sendo necessário o uso de gás lacrimogênio, spray de pimenta, bombas de efeito moral e nos casos extremos, disparos de balas de borracha. Foram registradas 23 (vinte e três) detenções, encaminhadas à 5ª DP e 10 (dez) apreensões de adolescentes, encaminhadas à DCA. Um dos manifestantes, André Jacob, 25 anos, foi preso por quebrar uma viatura policial. O Excelentíssimo Sr. Comandante-Geral da PMDF informou ao Correio Braziliense que 04 (quatro) Policiais Militares foram agredidos por barras de ferro e pedaços de vergalhões. (BRASIL, 2013b).

Como se vê, segundo a PMDF, o saldo da manifestação pode ser resumido

em: 33 pessoas detidas, sendo 23 maiores de idade e 10 adolescentes; um veículo

da corporação danificado; e quatro policiais militares feridos.

Na dinâmica dos acontecimentos, três aspectos merecem destaque.

O primeiro se liga à inexistência de uma liderança definida em meio aos

manifestantes, fato que impediu uma negociação por parte da PMDF, prática até

então contumaz no Distrito Federal.

O segundo se refere aos questionamentos havidos pela Imprensa do Distrito

Federal, em relação à atuação da PMDF no desenrolar dos acontecimentos.

O terceiro, diz respeito à presença do Excelentíssimo Ministro de Estado

Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República Federativa do Brasil, senhor

Gilberto Carvalho que, em meio às manifestações, compareceu junto ao grupo de

manifestantes, tentando entabular uma negociação com os mesmos.

Tendo em vista a já relatada falta de liderança em meio aos manifestantes, a

tentativa do Ministro se mostrou frustrada.

Tais aspectos serão objeto de apreciação mais detalhada no curso do

presente estudo, uma vez que, como se verá no próximo capítulo, a manifestação

havida na noite de 17 de junho junto ao Congresso Nacional, iria delinear a nova

face dos eventos subsequentes e, consequentemente, as providências e conduta da

própria PMDF.

24

3 A "MARCHA DO VINAGRE", NOITE DE 17 DE JUNHO, CÚPULA DO

CONGRESSO NACIONAL OCUPADA

Passados os acontecimentos junto ao jogo de abertura da Copa das

Confederações, iniciou-se o dia 16 de junho, aparentemente, com as rotinas do

Distrito Federal tomando o rumo da normalidade.

Diz-se aparentemente, pois, com o passar das horas do domingo, o CI da

PMDF começou a ceder informações dando conta de que o cenário iria mudar logo

na segunda-feira seguinte.

As informações produzidas pelo Centro de Inteligência deram conta que para

o dia 17 de junho:

Por meio das Redes Sociais, foi convocada uma manifestação com concentração no Museu da República. O evento foi denominado como "MARCHA DO VINAGRE!! VAMOS PARAR BRASÍLIA". Os manifestantes se concentraram a partir das 16 horas. (BRASIL, 2014d).

Contudo, em que pese o alerta do Centro de Inteligência, a verdade é que se

dispunha de muito pouca informação com relação ao número de participantes, uma

vez que, nas próprias redes sociais, a exemplo do que ocorrera nas informações

sobre a manifestação do sábado anterior, o número de adesões ao evento não se

mostrava elevado.

Mesmo assim, foi tomada a decisão de se mobilizar efetivos específicos para

o evento anunciado, momento em que, por intermédio da Ordem de Serviço de

número 581 (BRASIL, 2013a), expedida na manhã do dia 17 de junho, foi

determinado pelo DOP a escalação de oito companhias operacionais, sendo duas a

cargo de cada Comando de Policiamento Regional, o que perfez um efetivo de 464

policiais militares.

Além deste efetivo, ao CME foi determinado que mobilizasse, dentro do

possível, efetivos de policiamento de trânsito, de choque e de cavalaria, ficando em

condições de pronto emprego12.

Por fim, no que se refere ainda a efetivos, a mesma Ordem de Serviço

determinava ao Batalhão Tático Motorizado, única unidade operacional diretamente

12 Para os efetivos de trânsito, choque e de cavalaria, os números eram incertos haja vista o emprego

maciço de tais unidades no transcorrer do jogo de abertura da Copa das Confederações, cabendo a cada comandante de UPM, angariar o máximo de policiais possíveis que estivessem descansados e em condições de emprego.

25

subordinada ao DOP na época, que mantivesse sua equipe de serviço nas

imediações da área central de Brasília, em condições de pronto emprego13.

Para comandar o aparato mobilizado, foi designado o Tenente Coronel

Gouveia, oficial titular do 6º BPM, unidade com responsabilidade de área da região

central de Brasília, o qual, contando, à época, com mais de dois anos dirigindo

aquela UPM, era o que melhor conhecia as nuances das manifestações, pois, as

acompanhava, praticamente, todas as semanas.

Por volta das 15 horas, horário previsto para os efetivos escalados estarem

junto ao Museu da República, o público era inferior a 200 pessoas, não parecendo

que fosse aumentar significativamente.

Passados pouco mais de uma hora e meia, a situação começou a mudar,

tendo em vista o rápido aumento do número de manifestantes.

Em documento especificamente elaborado, o Centro de Inteligência da PMDF

informa que:

Por volta das 16h50 os aproximadamente 5.000 (cinco mil) manifestantes que se concentraram em frente ao Museu da República e iniciaram uma passeata ocupando três faixas do Eixo Monumental, sentido Congresso Nacional, gritando palavras de ordem. (BRASIL, 2014d).

Pouco antes da passeata mencionada, o Ten Cel Gouveia, seguindo os

protocolos estabelecidos, buscou contato com alguma liderança do movimento no

intuito de estabelecer acertos preventivos, busca esta que se mostrou infrutífera,

uma vez que não havia liderança designada, a exemplo do ocorrido no dia do jogo

Brasil versus Japão.

Mesmo sem liderança, os manifestantes iniciaram sua marcha em direção ao

Congresso Nacional, sem demonstrar atitudes extremadas, ilegais ou violentas, ou

seja, em que pese o caráter espontâneo e considerado acéfalo, a manifestação

seguia dentro dos parâmetros considerados normais na Capital Federal.

Com o correr das horas, porém, fatos subsequentes iriam mudar radicalmente

os rumos daquela manifestação e das seguintes.

Chegando ao gramado existente diante do Congresso Nacional, defronte ao

espelho d'água ali existente, o grupo de manifestantes inicial se posicionou e

continuou a entoar gritos e canções de protestos, sendo os efetivos da PMDF

13 Uma equipe de ROTAM é formada de cinco viaturas de radiopatrulha compostas, cada uma, com 5

policias militares com armamento e equipamento específico, funcionando como equipes de resposta rápida a ocorrências maiores ou mais complexas, como por exemplo, assaltos a banco ou sequestros relâmpagos.

26

disponíveis posicionados na calçada existente na frente da rampa do Congresso. Ou

seja, estabeleceu-se o cenário de costume nesses casos: com os manifestantes

ocupando o gramado antes do espelho d'água e, após este, uma linha de policiais,

como forma de prevenir qualquer ação contra a sede do Poder Legislativo.

A essa altura, convém citar, aos efetivos da PMDF se juntaram alguns

integrantes das Polícias Legislativas da Câmara dos Deputados e do Senado

Federal, embora em quantidade pouco expressiva, até porque, ambas não contam

com um número significativo de funcionários em seus quadros.

Passado algum tempo, desde a concentração inicial de 5.000 manifestantes,

logo no início da noite, verificou-se que tal número praticamente duplicara,

proporcionando uma mudança significativa no cenário e, principalmente, nos ânimos

dos participantes.

Em relatório posterior o próprio DOP refere-se ao número de manifestantes

dizendo que:

No dia 17JUN13 (segunda-feira) foi realizada a "Marcha do Vinagre" com cerca de 10.000 (dez mil) pessoas ocupando a Esplanada dos Ministérios. (BRASIL, 2013b).

Diante dessa quantidade de pessoas, a preservação da ordem naquele local

tornou-se extremamente difícil, uma vez que os efetivos previamente escalados não

se mostravam suficientes para a manutenção da integridade de todos os pontos de

acesso ao Congresso Nacional.

O CN ocupa uma área junto à Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos

Ministérios, de pouco mais de 106 mil metros quadrados e, além disso, o conjunto

arquitetônico da sede do Poder Legislativo da Nação possui inúmeros acessos

distantes um dos outros, o que dificulta qualquer remanejamento de efetivos de

proteção ou contenção.

Provavelmente, observando tal fragilidade no policiamento alguns

manifestantes começaram a incentivar a "Ocupação do Congresso", estimulando

que o mesmo fosse invadido!

Algumas primeiras tentativas foram efetuadas, mesmo de forma

desorganizada e ainda sem liderança definida e, segundo relatório do DOP, tem-se

que:

Em determinado momento, os manifestantes tentaram entrar pela lateral do Congresso Nacional, mas a Polícia Militar evitou. Quase simultaneamente, outras pessoas conseguiram driblar a segurança e subiram no teto do

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prédio, ocupando também o térreo da parte externa da Casa. Uma vidraça da chapelaria e uma vidraça da primeira vice-presidência (sic) da Câmara dos Deputados foram quebradas. (BRASIL, 2013b).

Como se pode aferir, em dado momento da manifestação, até então pacífica

e dentro dos moldes largamente vivenciados pela PMDF, a situação começara a sair

do controle, com vários grupos tentando, de todas as maneiras, invadir o Congresso,

não alcançando tal intento, graças à ação dos parcos efetivos de policiais militares

ali existentes.

Realmente, as investidas dos manifestantes foram tão repentinas e, no caso

de Brasília, fora dos padrões até então normais, que a Imprensa as destacou em

suas matérias.

Dentre outros detalhes o Jornal de Brasília, na manhã seguinte noticiou que:

No Poder Legislativo, além da marquise, a rampa de acesso ao Congresso Nacional foi tomada pela multidão. Acuados, as polícias Militar e Legislativa não retiraram a multidão da marquise quando o local já havia sido ocupado. No entanto, cerca de 500 policiais fizeram um cordão de isolamento para impedir a invasão do Congresso. Spray de pimenta e gás lacrimogêneo foram utilizados pela PM. Também chegou a se ouvir barulho de arma taser (que provoca choques), mas o uso do equipamento por parte da corporação não foi confirmado. Por outro lado, os militares foram alvos de água atirada pelos manifestantes que estavam no espelho d’água. (NO PODER..., 2013, p. 4).

Passada tal onda invasora, e diante da resistência e impedimentos oferecidos

pela Polícia Militar, o cenário se "estabilizou" com e presença de expressivo número

de manifestantes nos seguintes pontos: cúpula do CN; via de acesso defronte a

chapelaria14; e toda a parte frontal do CN compreendida pelo gramado e espelho

d'água.

Sendo assim, conforme o desenrolar dos acontecimentos, com as tentativas

de invasão sendo repelidas e havendo ainda espaços ocupados, buscou-se o

reforço de mais efetivos policiais militares, de onde pudessem ser remanejados.

Com a chegada do reforço, as ações empreendidas pela PMDF foram no

sentido de administrar a situação, mantendo o maior controle possível dos

manifestantes, impedindo mais invasões e, principalmente, preservando, ao máximo,

a integridade das pessoas ali presentes, fossem manifestantes, funcionários ou

policiais.

14 Chapelaria é a denominação dada a um dos acessos ao Congresso Nacional, situado abaixo da

rampa principal e fachada principal do edifício por onde, nos dias de trabalhos rotineiros, a maioria dos parlamentares têm acesso.

28

Isto porque, do ponto de vista técnico, qualquer ação de desocupação da

cúpula do Congresso por exemplo, fatalmente ensejaria uma tragédia, tendo em

vista a altura do prédio e falta de anteparos laterais. Ou seja, qualquer movimento da

PMDF no sentido de remover manifestantes da cúpula poderia acarretar uma

correria desenfreada por parte dos manifestantes e, provavelmente, alguns deles

poderiam despencar de altura considerável.

Por consequência, a opção operacional da PMDF, além de não interferir na

cúpula, foi de manter linhas de policiais militares junto ao acesso da chapelaria e na

varanda do Salão Negro15 do CN, esperando o desenrolar dos acontecimentos e o

arrefecimento do ímpeto da manifestação que, com base na experiência de muitos

anos, sabia-se que não iria se manter por muito mais horas.

Além disso, buscou-se guarnecer, ainda com mais reforços de policiamento

trazidos de outras regiões do DF, as demais entradas do Congresso Nacional, o que

foi feito com efetivos menores e mantendo-se a tropa de Choque e a ROTAM

estrategicamente posicionadas para qualquer deslocamento rápido, em auxílio a

qualquer daqueles pontos. Felizmente, em relação a isto, nada ocorreu de

significativo.

Nesta conformação, em alguns momentos, realmente ocorreram algumas

exacerbações de ânimos, em que se tornou necessário empreender ações mais

enérgicas por parte da PMDF, com o uso de equipamentos químicos (gás

lacrimogêneo e spray de pimenta).

Tais entreveros tiveram lugar na chapelaria, sempre em decorrência de

pressões dos manifestantes na busca de acesso ao prédio, as quais foram

devidamente impedidas pelos policiais militares ali presentes e que não resultaram

em maiores consequências.

Quanto à varanda do Salão Negro, não ocorreram distúrbios, uma vez que a

linha de policiais ali postada serviu como agente inibidor.

Destaque-se que toda esta alteração de cenário, saindo de uma manifestação

pacífica para uma situação mais exacerbada, se deu logo no início da noite e, como

esperado, não perdurou além das vinte e três horas.

15 O Salão Negro situa-se na fachada principal do Congresso Nacional, imediatamente abaixo da

Cúpula e, em dias de eventos significativos, tais como, posse de Presidente eleito, é usado para a entrada deste e demais autoridades.

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Outro periódico, do Distrito Federal, desta feita o Correio Braziliense, publicou

matéria no dia seguinte:

Antes das 23h, os manifestantes começaram a se desmobilizar e, por volta da meia-noite, já não havia quase ninguém no Congresso. Nesse horário, cerca de 300 manifestantes subiam em direção à Rodoviária. (ANTES..., 2013, p. 19).

Em que pese a exacerbação fora dos padrões das manifestações até então

ocorridas em Brasília, diante do que estaria por vir, nas manifestações dos dias

posteriores, torna-se importante o destaque de alguns detalhes.

Primeiramente destaca-se a ausência de atitudes violentas por parte dos

integrantes do movimento que, embora tenham tentado invadir o Congresso, não

ensejaram agressões previamente intencionadas.

Os danos verificados, notadamente em relação a algumas vidraças da

Câmara dos Deputados, ocorreram em momentos de correria e empurrões havidos

em meio às investidas objetivando a invasão.

Na avaliação do Comando Operacional da PMDF presente no local, reinava,

sim, um sentimento muito forte de protesto — mesmo com discursos reivindicatórios

difusos — contudo, não se observou ações de violência ou agressões gratuitas por

parte dos manifestantes, diferentemente do que viria a ocorrer nos dias posteriores,

com a presença dos chamados Black Blocs16.

Todavia, a dinâmica do movimento fez surgir as reações mais improváveis em

meio aos acontecimentos, principalmente no que concerne à postura de

determinadas autoridades.

Ocorrida a "ocupação" do entorno do Congresso Nacional, iniciou-se uma

série de acontecimentos que, embora venham a ser melhor analisados no capítulo

seguinte, necessário se faz que sejam registrados.

16Black bloc (do inglês black, preto; bloc, agrupamento de pessoas para uma ação conjunta ou

propósito comum, diferentemente de block: bloco sólido de matéria inerte) é o nome dado a uma tática de ação direta, de corte anarquista, empreendida por grupos de afinidade que se reúnem, mascarados e vestidos de preto, para protestar em manifestações de rua, utilizando-se da propaganda pela ação para desafiar o establishment e as forças da ordem. Black bloc é basicamente uma estrutura efêmera, informal, não hierárquica e descentralizada. Unidos, seus integrantes pretendem adquirir força suficiente para confrontar as forças da ordem. A tática surgiu na Alemanha, nos anos 1980, como tática utilizada por autonomistas e anarquistas para a defender os squats (ocupações) contra a ação da polícia e os ataques de grupos neonazistas. Posteriormente suas atividades ganharam atenção da mídia fora da Europa, durante as manifestações contra o encontro da OMC em Seattle, em 1999, quando grupos mascarados destruíram fachadas de lojas e escritórios do McDonald's, da Starbucks, da Fidelity Investments e outras instalações de grandes empresas. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Black_bloc>. Acesso em: 15 maio 2014.

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Como se sabe, o Congresso Nacional se compõe de duas casas legislativas,

o Senado Federal e a Câmara dos Deputados e, para efeitos de emprego de ações

policiais, constitui-se em área de competência da esfera federal, ou seja, no caso de

atuação policial, somente podem atuar no interior do CN as respectivas polícias, do

Senado e da Câmara dos Deputados, ou ainda a Polícia Federal, quando e se

solicitada por qualquer dos presidentes das respectivas casas legislativas.

À PMDF cumpre o policiamento externo, no contexto da área da Esplanada

dos Ministérios. Ocorre que, dentre todos os órgãos policiais citados, o único que

possui estrutura de pessoal, de material ou doutrina tática para uma ação de

desocupação é a Polícia Militar; as demais, funcionam mais como polícias

judiciárias17, destinadas a outras atividades.

No caso de uma atuação da PMDF, no sentido de promover uma

desocupação da cúpula do CN, por exemplo — desde logo tecnicamente rechaçada

por seu comando operacional — tal operação somente ocorreria no caso dos

mandatários das casas legislativas o solicitassem formalmente. A solicitação formal

referida, por via de protocolos estabelecidos, seria dirigida ao Governador do Distrito

Federal que, por sua vez, autorizaria ou não o emprego da PMDF.

Esclarecidas as questões de competência legal, veja-se o que ocorreu em

meio à "ocupação".

Como dito anteriormente, em relação aos manifestantes, a PMDF conseguiu

controlar a situação e, na medida dos acontecimentos, vinha administrando a

mesma com certa segurança.

Entretanto, em meio às autoridades, surgiu um impasse em relação a uma

pretendida desocupação.

Em sua edição do dia seguinte, o Jornal Correio Braziliense narra que:

O vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), no exercício da presidência, esteve no início da noite com Agnelo18, acompanhado do líder do PT, José Guimarães (CE). Eles pediram reforço policial para evitar a invasão19. Relataram o receio de servidores da Câmara Para que a PM

17 Polícia Judiciária, como as Polícia Civis e a própria Polícia Federal, são aquelas encarregadas das

investigações dos crimes acontecidos, que por meio de inquéritos, investigam a autoria para posterior processo judicial criminal. Já as Polícias do Senado e da Câmara dos Deputados, funcionam como elementos de segurança do complexo legislativo e das autoridades parlamentares. Qualquer destas organizações mencionadas não possui equipamento, treinamento ou pessoal em condições de efetuar ações de controle de distúrbios, missão específica das Polícia Militares brasileiras.

18 Governador do Distrito Federal, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). 19 Que naquele momento estava sob controle. Na verdade, o pedido foi no sentido de desocupação

da Cúpula do CN.

31

entrasse no Congresso era necessário um pedido formal da presidência de uma das Casas. André Vargas deu o ok para a ação policial, caso houvesse a necessidade. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), no entanto, não deu autorização para a interferência policial. (GDF CLASSIFICA..., 2013, p. 24).

O relato do periódico fornece em boa medida, o impasse em que se viu a

PMDF diante das indecisões das esferas políticas.

Na verdade, àquela altura, a atuação da Polícia Militar, além de tecnicamente

inviável, era impossível, diante da controvérsia. Tanto assim que a mesma matéria

do Correio Braziliense arremata:

Numa eventual invasão, haveria uma situação esdrúxula. Os policiais poderiam agir apenas nos tapetes verdes do Congresso20. (GDF CLASSIFICA..., 2013, p. 24).

Como se pode depreender, a PMDF vivenciou, naquela sucessão de

acontecimentos, entre a manhã do dia 14, passando pelo dia 15 e chegando a noite

do dia 17 de junho, novas experiências, recheadas de nuances que demandaram

uma série de análises e considerações por parte de seu Comando-Geral e

Operacional, com relação à forma de atuação da Corporação.

Principalmente porque, àquela altura, já se sabia que novas manifestações

estavam sendo programadas para os dias posteriores e urgia a necessidade de

melhor preparação por parte da Corporação que, diante de um novo ingrediente, a

presença dos Black Blocs, realmente se mostraria providencial.

Afora isso, cumpre destacar que, desde a primeira manifestação, parte da

Imprensa local, algumas autoridades e mesmo o Ministério Público do Distrito

Federal e Territórios, questionaram as condutas da PMDF no trato das

manifestações, questionamentos esses que serão objeto de análise no capítulo a

seguir.

20 No Congresso Nacional, ao menos nas áreas mais importantes, as áreas do Senado Federal

possuem tapetes azuis e as da Câmara dos Deputados, tapetes verdes, por isso a menção do jornal aos tapetes verdes.

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4 OS QUESTIONAMENTOS IMPOSTOS À PMDF E AS CAUTELAS ADOTADAS

PELA CORPORAÇÃO

Passadas aquelas primeiras manifestações, já no dia 18 junho de 2013, a

leitura dos principais periódicos do Distrito Federal denotava a tendência da

Imprensa em tratar a onda de protestos, posteriormente denominada de "Primavera

Brasileira", como algo salutar para a Democracia brasileira.

Àquela altura, em que pese a tentativa de invasão do Estádio no dia 15 e a

tentativa de invasão e ocupação da cúpula do CN no dia 17, a Imprensa escrita dava

destaque à insatisfação do povo para com seus governos e, com base nesta ótica,

começava a questionar as ações da PMDF nas manifestações.

Resumindo esta visão da Imprensa, o editorial o Jornal de Brasília publicado

na manhã de terça feira dia 18 dizia:

Nossa Opinião [...] Aumento no preço da passagem de ônibus? Custos da Copa? PEC 37? Não importa o motivo, o que fica óbvio é a perda de paciência, criando um clima que o País não vivia desde os caras-pintadas contra o ex-presidente Fernando Collor, ou das manifestações pelas eleições diretas. Assim como é transparente que os governos (federal, estaduais e do DF) não estão ouvindo direito o grito das ruas. E, assim, buscam razões, elegem culpados e repetem o discurso de que protestar faz parte da democracia. Como se o protesto não fosse direcionado a eles. Enquanto isso, a onda cresce e se espalha, ampliada pela capacidade de disseminação das redes sociais. Claro que há os oportunistas e vândalos, mas, acima de tudo, existem os justamente indignados. Contra esses últimos, definitivamente, balas de borracha, sprays de pimenta e bombas de gás não são bons contraargumentos [sic]. (QUE PAÍS..., 2013, p. 4).

Perceba-se que o final do editorial traz uma crítica ao uso de armamentos

utilizados pela Polícia Militar nos momentos em que se mostrou necessário o

controle dos distúrbios, armamentos estes tecnicamente conhecidos como "não

letais"21, criados e utilizados em boa parte dos países para tal fim, qual seja, o

controle de massas humanas insurgentes ou rebeladas.

Ainda na linha dos questionamentos quanto às ações da PMDF e,

principalmente, com relação ao uso de armamento não letal, o jornal Correio

Braziliense, no mesmo dia, traz uma matéria intitulada "Polêmica no uso da força",

21 Arma não letal é um instrumento desenvolvido com o fim de provocar situações extremas às

pessoas atingidas, fazendo com que sofram dor ou incômodo forte o bastante para interromperem um comportamento violento, mas de forma que tal interrupção não provoque riscos à vida desta pessoa em condições normais de utilização. Exemplos são: o gás lacrimogêneo, balas de borracha, bastões, canhões de água, gás/spray de pimenta e armas de eletrochoque. A denominação "arma não letal" é assim definida porque seu objetivo não é matar, e se fosse chamada de "menos letal" ou "menos que letal", como alguns preferem, o agente da lei poderia se sentir no direito de matar. Daí a opção preferencial pelo termo não letal. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Arma_n%C3%A3o_letal>. Acesso em: 15 maio 2014.

33

na qual reproduz a opinião de duas especialistas em Segurança Pública da

Universidade de Brasília (UnB) em torno do assunto.

Diz o periódico o Correio Braziliense:

A pesquisadora em segurança pública, violência e cidadania da Unb [sic] Haydée Caruso lembrou que a questão não é proibir o armamento não letal, mas, sim, saber como utilizá-lo. "A arma de fogo, o cacetete [sic], o gás de pimenta, todos tem o momento propício para isso. Não estamos em contexto de guerra, com inimigo a combater. A questão a ser analisada é o uso adequado do equipamento", avaliou. A coordenadora do Núcleo de Estudos de Violência e Segurança (Nevis) da UnB, Maria Stela Grossi, lembrou que apenas os policiais têm o direito legítimo de manter a ordem e a segurança. Embora essenciais nos movimentos, eles precisam estar bem treinados para se segurarem diante das situações que podem surgir. "Em alguns momentos, há a necessidade de controlar a massa. Balas de borracha machucam. Esses ferimentos incentivam uma cadeia de reações agressivas. Por meio de medidas preventivas, de um posicionamento firme, porém pacífico, é possível ter o controle, sem agressividade", concluiu. (POLÊMICA..., 2013, p. 23).

A polêmica instalada em torno das ações da Corporação ou uso de seus

armamentos propícios ao controle de distúrbios não se limitou à Imprensa; pelo

contrário, ganhou as esferas institucionais, mostrando opiniões divergentes entre

autoridades dos Poderes Executivos Distrital e Federal, bem como do Poder

Legislativo Federal.

Em matéria intitulada "Buriti vive dia de tensão" o Correio Braziliense traz

alguns posicionamentos de autoridades, colhidos em coletiva havida anteriormente

no Palácio do Buriti, sede do GDF, onde afirma que:

Para o deputado André Vargas22, a PM agiu para "preservar a vida" e elogiou o trabalho da segurança do Governo do DF, embora considere que o contingente foi insuficiente no começo. Ele avalia que a manifestação representa uma "insatisfação generalizada". Sandro Avelar23 qualificou como "irrepreensível" e "equilibrado" o trabalho da PM durante o protesto em frente ao Congresso. "Houve um respeito mútuo", disse, referindo-se à postura dos manifestantes. A avaliação do secretário é de que o movimento foi apartidário e representa uma mobilização nacional, estimulada pelas redes sociais. "Foi muito importante a postura dos policiais que, durante todo o tempo, mantiveram a calma", disse. (BURITI..., 2013, p. 24).

Por outro lado, no que concerne ao entendimento do Governo Federal,

traduzido pela entrevista concedida pelo Ministro Chefe da Secretaria Geral da

22 Do Partido dos Trabalhadores e, na época respondendo pela Presidência da Câmara dos

Deputados. 23 Delegado de Polícia Federal, então Secretário de Segurança Pública do Governo do Distrito

Federal.

34

Presidência da República ao mesmo jornal Correio Braziliense, observa-se outra

postura com relação à atuação da PMDF.

Cita o Correio Braziliense que:

O ministro da Secretaria-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse ontem, após reunião com manifestantes, que a orientação da presidente Dilma Rousseff e do Governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, é garantir o "clima de livre manifestação, sem qualquer representação em Brasília". Ele afirmou ter pedido aos secretários de segurança, Sandro Avelar e de Governo, Gustavo Ponce, que façam uma avaliação da atuação da Polícia Militar no sábado, e que cabe às instâncias de correição da instituição analisarem e punir eventuais excessos. "Nós não vamos nos furtar do papel de assegurar a lei e a ordem. Agora, podemos fazê-lo e queremos fazê-lo, sempre que possível, de maneira pacífica, negociada, ainda que com todas as tensões!" disse o ministro. (O MINISTRO..., 2013, p. 24).

Pelo que se percebe diante de tal controvérsia, a situação da Polícia Militar do

Distrito Federal, mostrou-se um tanto quanto delicada, pois, segundo especialistas

em Segurança Pública e o Poder Executivo Federal, sua atuação não se mostrara

adequada até então.

Pode-se dizer que a polêmica gerou um desconforto para a Corporação,

colocando-a numa situação imprecisa quanto à sua forma de agir, principalmente se

recorrermos aos conceitos estabelecidos sobre Segurança Pública e Ordem Pública.

Segundo o Manual Básico, Volume I, da Escola Superior de Guerra têm-se, o

conceito de Segurança Pública:

Segurança Pública é a garantia da manutenção da Ordem Pública, mediante a aplicação do Poder de Polícia, prerrogativa do Estado. (BRASIL, 2014, p. 80).

Sendo objetivo da Segurança Pública manter a Ordem Pública, necessário se

faz verificar o conceito desta última, da forma como entendido pela ESG, qual seja:

Ordem Pública é a situação de tranquilidade e normalidade cuja preservação cabe ao Estado, às Instituições e aos membros da Sociedade, consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas. (BRASIL, 2014, p. 79).

Ou seja, com base nesses dois conceitos, na realidade ocorreram

perturbações da Ordem Pública nas circunstâncias verificadas nos eventos dos dias

14, 15 e 17 de junho, na medida em que se alteraram as condições de normalidade

e tranquilidade anteriormente existentes, seja com a interrupção do trânsito numa via

pública, seja com a tentativa de invasão ao Estádio, ou ainda com a tentativa de

invasão do Congresso Nacional.

35

Em assim sendo, como também se depreende dos conceitos trazidos ao

estudo, cabia ao Estado, poder regularmente constituído, as ações necessárias ao

restabelecimento da ordem, por intermédio de órgãos específicos e destinados para

tal.

Todavia, a própria controvérsia havida entre esferas do poder denota que os

conceitos de Segurança Pública e de Ordem Pública na Democracia brasileira

carecem de melhores definições, não sendo suficientes para respaldar as ações da

PMDF nos eventos em análise.

Ou seja, a discussão em torno das formas de atuação da PMDF diante das

manifestações enseja a dúvida se a Corporação atuou de forma republicana ou de

forma democrática.

De acordo com as análises do Professor Cláudio Pereira de Souza Neto ([ca.

2007]), uma polícia republicana seria aquela que conduz suas ações em prol ou em

defesa dos poderes constituídos ou das elites governantes, enquanto que uma

polícia democrática se caracterizaria pela defesa e em prol dos direitos

fundamentais do cidadão, finalidade maior das ações de Estado.

Resumindo, a respeito do conceito de Segurança Pública entende o Professor

Souza Neto que:

Um conceito de segurança pública adequado à Constituição de 1988 é um conceito que se harmonize com o princípio democrático, com os direitos fundamentais e com a dignidade da pessoa humana. ([ca. 2007], p. 8).

Já com relação ao conceito de Ordem Pública, esse mesmo docente afirma

que:

No entanto o uso da noção de "ordem pública" — que é um conceito jurídico indeterminado — abre-se a diferentes apropriações, democráticas e autoritárias, comprometidas ou não com o respeito ao estado democrático de direito e com a preservação da legalidade. ([ca. 2007], p. 12).

Por outro lado, o ilustre jurista e filósofo Miguel Reale em robusta obra sobre

a Filosofia do Direito, discorrendo sobre o conceito de Segurança Jurídica, diz que:

"em toda comunidade é mister que uma ordem jurídica24 declare, em última

instância, o que é lícito ou ilícito". (REALE, 1996, p. 17).

Percebe-se que, diante dos conceitos aqui reproduzidos, a questão da ordem

pública, extremamente importante para a delimitação da forma de atuação da Polícia

Militar, se mostra controversa na medida em que, enquanto Souza Neto relativiza

24 Miguel Reale entende que só pode haver a Segurança Jurídica se houver uma estreita obediência

à "Ordem Jurídica", entendida por ele como a obediências às leis em vigor. (REALE, 1996).

36

sua aplicação entre os "indeterminados" vieses democráticos e autoritários, Miguel

Reale, de forma taxativa, pugna pelo cumprimento das leis.

Ocorre que, enquanto no campo intelectual os conceitos se confrontam, no

campo real as manifestações ocorreram e, somente não resultaram em piores

consequências em termos de depredações e distúrbios generalizados, porque a

Polícia Militar agiu no sentido de manter a integridade das pessoas, dos patrimônios

público e privado e das Instituições.

Ou seja, com base em suas atribuições definidas em lei, a PMDF atuou da

forma e com os instrumentos de que dispunha para aquele tipo de situação.

No Brasil, por força de norma constitucional, têm-se que a atribuição da

manutenção da ordem pública é exclusiva das Polícias Militares estaduais e do

Distrito Federal, pois, segundo o parágrafo 5º do artigo 144 da Constituição, "Às

polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, [...]"

(BRASIL, [20-], p. 76). A PMDF, utilizando-se do seu Poder de Polícia conferido pela

Lei, assim o fez, na proporção exata dos acontecimentos.

Convém lembrar que, no dia 14, diante do movimento reivindicatório

organizado pelo MTST, a corporação atuou conforme os protocolos em vigor,

estabelecendo a necessária negociação, visando a resolução da crise, sem conflito

ou uso de armamentos ou equipamentos próprios para o controle de distúrbios.

Por outro lado, no que concerne aos dias 15 e 17 de junho, diante de atitudes

exacerbadas por parte de alguns manifestantes, foi necessária a atuação mais firme

da instituição policial para o restabelecimento da ordem, fazendo frente aos conflitos

e realizando algumas detenções, conforme descrito anteriormente.

Porém, a mesma controvérsia não se limitou ao campo político ou acadêmico,

chegou também à seara judicial.

Em levantamento realizado junto à Polícia Civil do Distrito Federal (BRASIL,

2014a) (BRASIL, 2014b) e ao Departamento de Controle e Correição da PMDF

(DCC/PMDF), pode-se verificar os resultados desproporcionais das manifestações,

se comparados aos inquéritos instaurados para verificação de responsabilidades

penais de manifestantes civis e os Inquéritos Policiais Militares (IPM) para apurar

acusações contra a Corporação ou seus integrantes.

O levantamento mencionado, foi relativo ao período entre os dias 14 e 27 de

junho do ano de 2013, em que ocorreram a maioria das manifestações em estudo.

37

No que diz respeito à PCDF, junto a 5ª Delegacia de Polícia, unidade

responsável pela região da Esplanada e palco dos acontecimentos, no período

considerado foram registrados:

(I) dezessete Autos de Prisão em Flagrante Delito (APF) de crimes de maior

poder ofensivo;25

(II) dezenove flagrantes de Termos Circunstanciados (TC)26; e

(III) trinta Termos Circunstanciados instaurados por portaria27.

Dos 17 APF realizados, somente dois tiveram ligação direta com os eventos,

sendo:

(I) um no dia 14 de junho, por intermédio da ocorrência nº 6.253/2013 - 5ª DP,

tendo uma pessoa sido presa por "Dano a Bem Público", por ter ateado

fogo em via pública; e

(II) um no dia 22 de junho de 2013, quinto dia de manifestações, por

intermédio da ocorrência nº 6.634/2013 - 5ª DP, tendo sido preso um

nacional maior de idade e quatro menores apreendidos28, por porte de

acessório de uso restrito, no caso material para realização de incêndio.

Com relação aos Termos Circunstanciados, do total de 49 instaurados no

período em tela (19 por prisão em flagrante e 30 instaurados por portaria), somente

dois tiveram relação com as manifestações, ambos no dia 15 de junho, sendo:

(I) um flagrante de TC de nº 663/2013, decorrente da ocorrência nº

6.311/2013 - 5ª DP, pela "Prática ou Incitação a Violência", tendo sido

relacionados como autores 15 nacionais maiores de idade e dois

menores; e

(II) um flagrante de TC de nº 664/2013, decorrente da ocorrência nº

6.323/2013 - 5ª DP, pelo crime de "Desacato", tendo sido relacionado

como autor um nacional maior de idade.

25 Conduta típica, antijurídica e imputável, prevista no Código Penal Brasileiro, que não seja

entendido como de menor potencial ofensivo, conforme lei específica. 26 Termo Circunstanciado é o instrumento jurídico aplicado ao crime de menor poder ofensivo, que,

segundo a Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, são aqueles que: têm pena não superior a 2 anos; sejam contravenções penais; e os crimes, qualquer que seja a pena privativa de liberdade, que possuírem previsão alternativa de pena de multa. (BRASIL, [21-]a).

27 O Termo Circunstanciado é instaurado por Portaria, quando a autoridade Policial (Delegado) não reúne elementos suficientes para o flagrante. Significa dizer que, existirá ainda uma investigação para se apontar culpado(s).

28 Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em vigor, o menor que comete crime, não é preso, mas sim, apreendido para cumprir "medida sócio-educativa".

38

Pelo que se vê, diante dos números de detidos — só no dia 15 de junho foram

33 pessoas detidas pela PMDF — cometendo esta ou aquela conduta mais

exacerbada, violenta ou delituosa, o número de imputados criminalmente é deveras

pequeno, se comparado aos prejuízos havidos e à desordem promovida por parcela

de manifestantes.

Não se tem notícia, até o momento, de que qualquer desses manifestantes

tenha sido devidamente processado pela Justiça do Distrito Federal.

Por outro lado, em resposta à solicitação feita pelo autor (RODRIGUES,

2014b), no que diz respeito aos Inquéritos Policiais Militares instaurados pelo DCC,

destinados a apurar possíveis crimes por parte de integrantes da PMDF em meio às

manifestações, têm-se que oito foram instaurados pelos seguintes motivos: dois em

decorrência de queixas de cidadãos chegadas ao próprio DCC e seis por solicitação

do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por intermédio de requisição

dos titulares da 1ª e 2ª Promotorias de Justiça Militar (PJM), respectivamente,

promotor Nísio E. Tostes Ribeiro Filho e promotor Paulo Gomes de Sousa Júnior.

Segundo as informações prestadas pelo DCC (BRASIL, 2014c), os IPM

receberam os seguintes números: 144/2013; 159/2013; 222/2013; 231/2013;

232/2013; 250/2013; 264/2013 e 268/2013.

De todos os inquéritos policiais militares instaurados, cumpre destacar os

motivos de alguns, traduzidos pelo conteúdo das requisições dos mencionados

promotores de justiça.

Com relação ao IPM 159/2013, têm-se que este teve origem na requisição

contida no Ofício nº 26/2013, da 2ª PJM, da lavra do promotor Paulo Gomes e

dirigida ao Chefe do DCC, a qual solicitava a investigação nos seguintes termos:

REQUISITAR a Vossa Senhoria a instauração de Inquérito Policial Militar para apurar as circunstâncias em que foi determinado a utilização de armamento [sic] municiados com projéteis de borracha, bem como a individualização dos policiais que desferiram os disparos. (BRASIL, 2013d).

Já com relação ao IPM 231/2013, este teve origem no requerimento nº

08190.063216/13-78, oriundo da 1ª PJM, que, assinado pelo promotor Nísio Tostes

que dizia:

Trata-se de requerimentos apresentados perante a Ouvidoria do MPDFT versando sobre atropelamento de um manifestante por um motociclista da PMDF nas imediações do Estádio Mané Garrincha, e sobre a utilização de gás lacrimogênio e balas de borracha por parte de policiais militares nas proximidades da feira de artesanato da Torre de TV, no dia 15/06/2013. (BRASIL, 2013c).

39

Observe-se que, nas duas requisições, é solicitada de forma praticamente

idêntica, a apuração sobre utilização dos armamentos e instrumentos da dotação

legal da Instituição para emprego em tais situações, notadamente as chamadas

"balas de borracha"29.

Tais inquéritos, segundo informações do DCC, ainda encontram-se em

andamento, não tendo sido concluídos pela eventual responsabilidade, tanto da

PMDF enquanto Corporação, quanto de qualquer de seus integrantes.

Se forem comparados os resultados jurídicos nas duas esferas da Justiça

mencionadas, i.e. civil para os manifestantes e militar para os policiais militares e

para a Instituição PMDF, pode-se chegar a algumas conclusões.

Seja por deficiência da legislação, seja por outras razões, o fato é que o

Estado não conseguiu impor a lei, traduzida pela não responsabilização penal

daqueles manifestantes que cometeram delitos.

Na verdade, em meio aos tumultos originados por alguns manifestantes, fica a

impressão de que somente a PMDF ou parte de seus integrantes, possa vir a ser

responsabilizados criminalmente, exatamente por seus esforços em restabelecer a

ordem pública.

Tal expectativa, surgida ainda no mês de junho em meio à onda de

manifestações, fez com que o Comando Operacional da PMDF buscasse se cercar

de todas as cautelas possíveis para preservar a Corporação, como Instituição, e

para preservar os policiais militares que foram escalados para as mencionadas

operações.

Dentre tais medidas; têm-se:

(I) solicitação ao MPDFT30 para que acompanhasse de perto as ações da

PMDF em meio às manifestações subsequentes, o que não foi atendido;

(II) utilização de instrumentos de captação de imagens (filmadoras), com o

objetivo de resguardar as ações dos integrantes da PMDF;

(III) intensificação de revista pessoal, principalmente em pessoas portando

mochilas, com o fito de detectar apetrecho capaz de causar danos às

pessoas ou ao patrimônio; tais como: bombas caseiras, martelos, fogos

de artifício, pedras etc.

29 Tecnicamente, este tipo de projétil menos letal é conhecido como "elastômero". 30 Informação verbal prestada ao autor, pelo então Comandante-Geral da PMDF.

40

(IV) superdimensionamento dos efetivos escalados para as manifestações

posteriores, independentemente do número estimado de manifestantes; e

(V) ocupação prévia, e a maior possível, da área onde ocorreriam as

manifestações subsequentes, mormente a Esplanada dos Ministérios, a

fim de desestimular qualquer ato de vandalismo.

Com tais medidas, em que pese o recrudescimento havido nas

manifestações, dado o surgimento do movimento denominado de Black Blocs, a

PMDF continuou sua missão de preservação da ordem pública, ainda que sem a

solução dos questionamentos havidos pela Imprensa, pelo Ministério Público e pelo

Governo Federal em torno de suas ações, os quais, só viriam ser minimizados

depois da noite de 20 de junho, quando parte dos manifestantes tentou colocar fogo

no prédio do Ministério de Relações Exteriores (MRE), conhecido como Palácio do

Itamaraty, o qual, em toda a existência de Brasília, nunca foi ameaçado em

manifestações anteriores.

41

4 CONCLUSÃO

A principal conclusão que se depreende dos acontecimentos havidos em

junho de 2013 diz respeito à segurança jurídica da PMDF, abalada enquanto órgão

estatal, notadamente em relação a seu papel institucional e forma de emprego

operacional.

Tomando por base os Conceitos de Segurança Jurídica e Ordem Jurídica

estabelecidos por Reale, pode-se dimensionar o quanto a PMDF ou outra

corporação congênere no Brasil, se viram fragilizadas quando suas ações foram

questionadas por ocasião das recentes manifestações públicas havidas em Brasília

e em outras cidades brasileiras.

O Brasil possui um regime político que, por se respaldar em normas jurídicas

devidamente estabelecidas, é definido como um "Estado Democrático de Direito".

É certo que o país possui extenso número de leis que buscam, em princípio,

regular sua sociedade, entendida aqui como o conjunto de indivíduos, instituições

públicas e privadas, bem como os governos, em suas três esferas.

Ocorre que todos, seja o estado, governo, instituições, bem como os

cidadãos, têm direitos e deveres a cumprir. Os "Direitos" devem ser respeitados,

mas, os "Deveres" têm que ser cumpridos por todos.

É certo igualmente que, ao longo do tempo e de acordo com "os usos e

costumes", onde destacamos as mudanças culturais, as leis devem ser atualizadas,

e aperfeiçoadas, na medida da evolução (ou "involução") da própria sociedade.

Contudo, o que se verificou em Brasília, de per si, não se trata de evolução

das leis, mas sim uma forma de distorção das mesmas, com base em argumentos

diversos, de cunho científico ou político, os quais, ao invés de fortalecer a

Democracia, colocam-na em perigo.

Se nossas leis devem ser revistas, existem formas e ritos apropriados de se

buscar melhorias ou quaisquer alterações. O Congresso Nacional, como sede do

Poder Legislativo da Nação, tem essa incumbência.

Não é a PMDF, órgão legalmente constituído para a preservação da ordem

pública, em meio aos calorosos acontecimentos narrados, que deve descumprir a

lei, sendo omissa diante de atos de vandalismo, violência ou destruição de

patrimônio público ou privado.

42

Da mesma forma, não deve a corporação deixar de cumprir seu papel de

mantenedora da ordem pública por conta de interesses políticos, repercussões

midiáticas ou discursos liberais, em detrimento da necessária harmonia social.

Imperioso é que os poderes constituídos da Nação, em prol do regime

democrático, venham a discutir e estabelecer limites na própria Democracia, como

forma de, cada vez mais, fortalecê-la.

Enquanto isso não ocorrer, a Polícia Militar, seja no DF, seja em qualquer

estado federativo, não saberá se é uma polícia republicana ou uma polícia

democrática.

43

REFERÊNCIAS ANTES das 23 horas, os manifestantes começaram a se desmobilizar... Correio Braziliense, Brasília, DF, n. 18.286, 18 jun. 2013. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. BRASIL. Decreto nº 31.793, n° 31.793, de 11 de junho de 2010. Regulamenta a aplicação do inciso II, do artigo 48, da Lei nº 6.450, de 14 de outubro de 1977, que dispõe sobre a Organização Básica da Polícia Militar do Distrito Federal. Brasília, DF: PMDF, 2010a. Disponível em: <http://www.pm.df.gov.br/site/images/Institucional/Leis_Decreto_31.793-10-AtribuiesPMDF.pdf>. Acesso em: 15 maio 2014. BRASÍLIA, DF. Polícia Civil. 14ª Delegacia de Polícia. Relatório sintético: flagrantes e inquéritos policiais instaurados entre 14 e 27 de junho de 2013, relativos à 5ª DP. Brasília, DF: PCDF, 5 jun. 2014a. ______. Polícia Civil. 14ª Delegacia de Polícia. Relatório sintético: termos circunstanciados instaurados entre 14 e 27 de junho de 2013 relativos à 5ª DP Brasília, DF: PCDF, 5 jun. 2014b. BRASÍLIA, DF. Portaria nº 730, de 22 de outubro de 2010. Cria o Comitê Gestor das Ações em Grandes Eventos para coordenar as atividades relativas à Copa das Confederações de 2013 e à Copa do Mundo de 2014. Boletim Geral do Comando-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, Brasília, DF, n. 196, 27 out. 2010b. ______. Polícia Militar. Portaria nº 769, de 7 de março de 2012. Tem por finalidade gerir e coordenar todas as ações necessárias a atuação da PMDF em grandes eventos. Boletim Geral do Comando-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, Brasília, DF, n. 52, 15 mar. 2012a. ______. Polícia Militar. Portaria nº 770, de 7 de março de 2012. Define a estrutura do Escritório de Gerenciamento de Grandes Eventos - EGGE-PMDF e dá outras providências. Boletim Geral do Comando-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, Brasília, DF, n. 52, 15 Mar. 2012b. ______. Polícia Militar. Departamento de Controle e Correição. Ofício nº 2229/2014-SPJ. Remessa de Documentos. Portarias de Instauração e extrato de andamento dos IPM nº 144/2013; 159/2013; 222/2013; 231/2013; 232/2013; 250/2013; 264/2013 e 268/2013. Brasília, DF: PMDF, 12 mai. 2014c. ______. Polícia Militar. Departamento Operacional. Seção Operacional. Ordem de Serviço nº 0581. Missão: Apoiar o CPRM com Policiamento Ostensivo (CPRO, CPRS, CPRL), Especializado de Trânsito (CME-BPTran), Choque (BPChoque), Montado (RPMon) e de Policiamento Tático Motorizado (BPTM), por ocasião da manifestação, conforme prescrições diversas. Brasília, DF, 17 de jun. 2013a.

44

BRASÍLIA, DF. Polícia Militar. Departamento Operacional. Seção Operacional. Relatório: manifestações populares ocorridas na área central de Brasília entre os dias 14 e 26 de junho de 2013. Brasília, DF, 16 jul. 2013b. ______. Polícia Militar. Ofício nº 130/2014 - ASI/DI/CI/PMDF. Brasília, DF: PMDF, 26 mai. 2014d. Resposta do Comandante-Geral da PMDF ao Ofício TCC nº 001/2014 - CAEPE/2014, de 15 abr. 2014, do autor, que solicita à PMDF o acesso a fontes de pesquisa. BRASIL. Ministério Público da União. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). 1ª Promotoria de Justiça Militar do Distrito Federal (1ªPJM). Ofício nº 72/2013. Requisição de Instauração de IPM. Brasília, DF: MPDFT-1ªPJM, 13 set. 2013c. ______. 2ª Promotoria de Justiça Militar do Distrito Federal (2ªPJM). Ofício nº 26/2013. Requisição de Instauração de IPM. Brasília, DF: MPDFT-2ªPJM, 17 jun. 2013d. BRASIL. Lei n° 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Brasília, DF: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos, [21-]a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10259.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. ______. Lei n° 12.086, de 6 de novembro de 2009. Dispõe sobre os militares da Polícia Militar do Distrito Federal e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal; altera as Leis nos 6.450, de 14 de outubro de 1977, 7.289, de 18 de dezembro de 1984, 7.479, de 2 de junho de 1986, 8.255, de 20 de novembro de 1991, e 10.486, de 4 de julho de 2002; revoga as Leis nos 6.302, de 15 de dezembro de 1975, 6.645, de 14 de maio de 1979, 7.491, de 13 de junho de 1986, 7.687, de 13 de dezembro de 1988, 7.851, de 23 de outubro de 1989, 8.204, de 8 de julho de 1991, 8.258, de 6 de dezembro de 1991, 9.054, de 29 de maio de 1995, e 9.237, de 22 de dezembro de 1995; revoga dispositivos das Leis nos 7.457, de 9 de abril de 1986, 9.713, de 25 de novembro de 1998, e 11.134, de 15 de julho de 2005; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos, [21-]b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Lei/L12086.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (Brasil). Manual Básico: elementos fundamentais.1. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, 2014. BURITI vive dia de tensão. Correio Braziliense, Brasília, DF, n. 18.286, 18 jun. 2013. GDF Classifica como "irrepreensível" e "equilibrado" o trabalho da PM. Correio Braziliense, Brasília, DF, n. 18.286, 18 jun. 2013.

45

O MINISTRO da Secretaria-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse ontem, após reunião com manifestantes, que a orientação da presidente Dilma Rousseff... Correio Braziliense, Brasília, DF, n. 18.286, 18 jun. 2013. NO poder Legislativo, além da marquise, a rampa de acesso ao Congresso Nacional foi tomada pela multidão... Jornal de Brasília, Brasília, DF, ano 41, n. 13.625, 18 jun. 2013. Disponível em: <http://www.netpapers.com/capa-do-jornal/jornal-de-brasilia/18-06-2013>. Acesso em: 15 maio 2014. POLÊMICA no uso da força. Correio Braziliense, Brasília, DF, n. 18.286, 18 jun. 2013. QUE País é este? Jornal de Brasília, Brasília, DF, ano 41, n. 13.625, 18 jun. 2013. Disponível em: <http://www.netpapers.com/capa-do-jornal/jornal-de-brasilia/18-06-2013>. Acesso em: 15 maio 2014. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996. RODRIGUES, Jahir Lobo. Ofício TCC nº 001/2014 - CAEPE/2014. Ao Comandante-Geral da PMDF. Solicitação de fontes de pesquisa. Rio de Janeiro, 15 abr. 2014a. RODRIGUES, Jahir Lobo. Ofício TCC nº 002/2014 - Monografia - CAEPE/2014. Ao Chefe do Departamento de Controle e Correição da PMDF (DCC/PMDF). Solicita informações sobre as apurações instauradas em decorrência das manifestações havidas entre 14 e 27 de junho de 2013 em Brasília. Rio de Janeiro, 7 maio 2014b. SARAIVA, Adriana. Movimentos em movimento: uma visão comparativa de movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos. 2010, 264p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2010. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A Segurança pública na nova Constituição Federal de 1988: conceituação constitucionalmente adequada, competências federativas e órgãos de execução das políticas. [S.I: s.n.], [ca. 2007]. Disponível em: <http://www.horia.com.br/sites/default/files/documentos/Seguranca_Publica_na_Constituicao_Federal_de_1988.pdf >. Acesso em: 31 mar. 2014.