a cana-de-açúcar redesenhada

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Pesquisa FAPESP - Ed. 59

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Page 1: A cana-de-açúcar redesenhada
Page 2: A cana-de-açúcar redesenhada
Page 3: A cana-de-açúcar redesenhada

18 Conheça mais sobre os 18 primeiros projetos do Programa de Políticas Públicas a passar para a segunda fase

49

Projeto de mapeamento das algas do território paulista encontra 40 espécies inéditas no mundo e 500 não documentadas no Estado

Capa: Hélio de Almeida,

sobre foto de Eduardo Cesar

54 Pesquisadores desvendam as transformações

químicas que ocorrem com os ovos de libélulas, que liberam um ácido capaz

de corroer a pintura de veículos

EDITORIAL

MEMORIAS

OPINIÃO

POLíTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA

CIÊNCIA

TECNOLOGIA

HUMANIDADES

LIVRO

LANÇAMENTOS

ARTE FINAL

5 6 8

10 26 52 66 72 73 74

28 O Genoma Cana chega à reta final, com a identificação de 80 mil genes que, devidamente manipulados, podem resultar em uma cana ma1s produtiva, resistente e tolerante à seca e a solos pouco férteis

61

Cateter de fibra óptica capaz de transportar feixes de laser poderá ser usado para diagnóstico e tratamento de doenças cardíacas e de câncer

66 Tese mostra como mulheres lidam com o cotidiano do matrimônio e as estratégias que usam para mantê-lo

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO OE 2000 • 3

Page 4: A cana-de-açúcar redesenhada

Revista

Devo o conhecimento da revis­ta Pesquisa FAPESP à gentileza da Irmã Jacinta Turolo, da Universida­de Sagrado Coração, de Bauru/SP. Tive a oportunidade de ler, pela pri­meira vez, os exemplares de junho e julho (números 54 e 55). Fiquei ma­ravilhado pela forma clara e acessí­vel de poder acompanhar os planos e projetos nas diferentes áreas de pesquisa em nosso país. Realizei uma leitura integral, da capa à con­tracapa, sem desperdício. Sou gra­duado em administração de empre­sas, com estudos em jornalismo na UFPR e atualmente estou desenvol­vendo um projeto de pesquisa, "Na própria pele", sobre prisão e crime.

EDUARDO ISAAC M. ISRAEL

Presidente Bernardes, SP

Como consultor internacional em tecnologia química e afins, tive a oportunidade de ler um exem­plar da publicação mensal Pesquisa FAPESP e achei sumamente inte­ressante. Gostaria de recebê-la re­gularmente.

ToMAS M. WEJL São Paulo, SP

Sou professor em uma escola técnica estadual (Centro Paula Sou­za), em uma faculdade particular, bem como no Ensino Fundamental (Ciências) e Médio (Química). Gos­taria de receber periodicamente a revista Pesquisa FAPESP, pois os as­suntos são os mais diversos e inte­ressantes e pretendo utilizá-los co­mo material didático.

)OAO ROBERTO DA SILVA

)aboticabal, SP

Faço parte do corpo de assesso­res científicos da FAPESP, na área de Lingüística. Assim, recebo regular­mente a revista Pesquisa FAPESP, que aprecio enormemente. Apesar de ra­ramente haver notícia nessa área,

4 • NOVEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

gosto muito da revista, pois fico in­teirada das magníficas pesquisas feitas por nossos cientistas e do avanço da ciências no Brasil e parti­cularmente em São Paulo. Gostaria de cumprimentar a equipe redatora pelo magnífico trabalho que vem fazendo. É digno da FAPESP e de São Paulo. A revista é muito aprecia­da também por meu filho que, em­bora trabalhe no setor financeiro, sempre teve fascinação pela ciência. Por isso, cada vez que vem a minha casa leva meu exemplar da revista e eu "fico a ver navios':

MARIA TEREZA CAMARGO BIDERMAN

São Paulo, SP

Complementação

Complementando a reporta­gem "Antibiótico extraído da ara­nha", publicada na revista Pesquisa FAPESP No 56, gostaria de reiterar que o estudo da gomesina fez parte da tese de doutoramento, sob mi­nha orientação, de Pedro Ismael da Silva Júnior, pesquisador científico do Laboratório de Artrópodes do Instituto Butantan. Além disso, três outros pesquisadores partici­param no desenvolvimento doo projeto, sem os quais alguns pon­tos importantes não poderiam ser elucidados: a Profa. Dra. Maria Te­resa Miranda, do Instituto de Quí­mica da Universidade de São Paulo (USP), e o Prof. Dr. Antonio de Mi­randa , da Universidade Federal de São Paulo, antiga Escola Paulista de Medicina, responsáveis pela síntese química de vários dos pep­tídeos da pesqui sa, e a Dra. Fran­çoise Vovelle, do Centro de Biofí­sica Molecular, CNRS, de Orléans, França, que estabeleceu a estrutura tridimensional da gomesina. Salien­to a importância dessas interações interdisciplinares, nas quais pesqui­sadores de diferentes especializações visam a contribuir para o entendi­mento da relação entre estrutura e função desses peptídeos antimicro-

bianos. Gostaria também de escla­recer que a fotografia publicada não é da aranha Acanthoscurria gomesia­na, mas de um outro gênero de ara­nha caranguejeira, a Vitalius sp.

Correção

SIRLEI DAFFRE

Universidade de São Paulo São Paulo, SP

Constatei uma incorreção na edição de número 58 desta revista, na seção "Laboratório", na nota que tem por título "Água de coco con­tra a malária". Onde se lê: "Pesqui­sadores do Peru descobriram uma forma nova de matar os mosquitos que causam a malária: o coco. Para matar as larvas do Plasmodium fal­ciparum, ... ", não seria:" Pesquisa­dores do Peru descobriram uma nova forma de matar os mosquitos que causam a malária: o coco. Para matar as larvas de mosquitos trans­missores do Plasmodium falcipa-

"? rum . .. .

NELSON S. CORDEIRO

Instituto de Biologia/Unicamp Campinas, SP

O leitor está certo. A água de coco evidentemente está sendo usada para matar larvas de mosquitos e não, como foi publicado, larvas do Plasmodium falciparum.

O pesquisador à esquerda na foto acima, publicada na página 29 da Pesquisa FAPESP No 58, é José Augusto Miotto, não Hans Ebert, co­mo indicado. Ao centro, Yociteru Na­sui e, à direita, Norberto Morales.

Page 5: A cana-de-açúcar redesenhada

PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO

FLÃVIO FAVA DE MORAES JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO

MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI

VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

NELDSON MARCOLIN

EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA)

CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T)

~1~g>~E~EE ~~~v~~~o'iiTE~~~~~~~~ EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO

REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETTA

ARTE JOSÉ RO~ERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÃO)

TANIA MARIA DOS SANTOS (DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA)

COLABORADORES ANA MARIA FlORI CRISTINA DURAN

EDUARDO STOPATO LÍGIA SANCHES

MARIA APARECIDA MEDEIROS MAURO BELLESA

MIGUEL GLUGOSKI OTTO FILGUEIRAS

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 26.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI. No I SOO, CEP OS468-90 I ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TE L. (O - I I) 3838-4000 - FAX: (O - I I) 3838-41 17

ESTE INFORMATIVO ESTÁ DISPONÍVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http://www.fapesp.br e·mail: [email protected]

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITORIAL

O novo ciclo da cana-de-açúcar

A cana-de-açúcar atravessou cinco séculos como uma das principais fontes de riqueza

do Brasil. Trazida pelos portugueses da Ilha da Madeira em 1502, adap­tou-se perfeitamente ao solo e clima local. Agora, na virada do século, a ciência brasileira está preparada para tornar essa cultura ainda melhor. O Genoma Cana- primeiro seqüencia­mento de um vegetal realizado no Brasil - está chegando ao seu térmi­no, graças, em grande parte, à expe­riência da equipe e da infra-estrutura instalada. Dos 32laboratórios que ini­ciaram o trabalho, 23 haviam partici­pado do Genoma Xylella, o pioneiro projeto de seqüenciamento da bacté­ria Xylella fastidiosa, que chamou a atenção da comunidade científica in­ternacional para a pesquisa brasileira.

Os 240 pesquisadores, de 60 la­boratórios, identificaram cerca de 80 mil genes da cana-de-açúcar. Hoje sabe-se exatamente como a planta vive, se reproduz e morre. Este ma­peamento permitirá que, em dois anos, os laboratórios produzam as primeiras variedades do vegetal re­sistentes a duas pragas: a bactéria Leifsonia xyli e o fungo-do-carvão. O trabalho foi tão bom que o Geno­ma Cana deverá terminar quase um ano antes do previsto, com um custo 50% mais barato que os US$ 8 mi­lhões aprovados pela FAPESP. A his­tória de mais uma epopéia vivida pelos pesquisadores brasileiros é o tema de capa de Pesquisa FAPESP, contada em detalhes pelo editor de Ciência, Carlos Fioravanti.

O mês de novembro foi pródigo em boas notícias. Na página 14 há uma reportagem sobre a revolução no pós-doutoramento colocada em curso pela FAPESP. A nova política amplia os prazos de duração das bol­sas de pós-doutoramento no país e re­formula o intercâmbio com centros

de pesquisa no exterior. O principal objetivo é dar condições de trabalho mais atraentes para os jovens douto­res dentro do sistema paulista de pes­quisa, vinculando-os aos grupos de excelência de São Paulo, ao mesmo tempo em que se garante seu treina­mento no exterior, em estágios arti­culados com o desenvolvimento do projeto de pesquisa no Estado. Essa nova política poderá ter um signifi­cativo impacto contra a evasão de cé­rebros para centros no exterior.

Há outras reportagens que trazem boas novas. Na seção de Tecnologia é apresentado um cateter de fibra ópti­ca com luz laser, criado no Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento da Uni­versidade do Vale do Paraíba (Uni­vap). Ele terá importantes aplicações na identificação e restauração de ar­térias entupidas e para eliminar deter­minados tipos de tumor. Realizado com a empresa Tecnobio, o trabalho é resultado de mais uma boa parceria entre universidade e empresa.

Na página 54, uma surpresa: por que os poderosos fabricantes de auto­móveis instalados na região do ABC ficam em polvorosa quando revoadas de inocentes libélulas sobrevoam os pátios lotados de carros? Uma pes­quisa do Departamento de Bioquími­ca do Instituto de Química da Univer­sidade de São Paulo (USP) mostrou que esses insetos não são tão inocentes assim. Ao confundir o capô brilhante dos carros com lâmina de água lím­pida, as libélulas depositam ovos na !ataria, que reagem com o forte calor e produzem um ácido. Resultado: a pintura dos automóveis zero quilôme­tro, que ainda nem foram vendidos, fica irremediavelmente estragada.

Não deixe de ler, na página 36, a entrevista com o físico José Leite Lo­pes. É uma boa oportunidade para conhecer o trabalho científico do ve­terano cientista, de 82 anos.

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 • 5

Page 6: A cana-de-açúcar redesenhada

Acervo Freud visita São Paulo e Rio

A maior exposição montada sobre Sigmund Freud (1856-1939), organizada pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, chegou a São Paulo em outubro depois de passar por Washington, Nova York, Viena e Los Angeles. Ela fica no Museu de Arte de São Paulo até 17 de dezembro e no começo do ano segue para o Rio. Os organizadores brasileiros de Freud: Conflito e Cultura criaram uma segunda mostra para situar o país dentro do movimento psicanalítico, batizada de Brasil: Psicanálise e Modernismo.

6 • NOVEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

MEMÓRIAS

Mesa de trabalho

O gabinete onde Freud lia e escrevia foi remontado com

seus objetos pessoais, como estatuetas antigas,

caneta e óculos

Foto rara

A exposição traz cerca de 200 documentos, livros, cartas, filmes e fotos sobre as teorias e a vida pessoal de Freud, como esta, dele com a mãe, Amália, tirada na década de 20

Page 7: A cana-de-açúcar redesenhada

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PSYGHOLOGIA MORBIDl U

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Referência brasileira

Psicologia Mórbida na Obra de Machado de Assis,

do médico mineiro Luiz Ribeiro do Vale, de 1916, é o primeiro

livro a tratar das idéias freudianas no Brasil.

Identificação

Placa do consultório em Londres, a partir de 1938

Psicanálise profissionalizada

A alemã Adelheid Kock, da Associação Psicanalítica Internacional,

chegou ao Brasil em 1936 e psicanalisou analistas brasileiros. Seu trabalho

legitimou a Sociedade de Psicanálise de São Paulo.

Vida em Londres

Em 1938, Freud foi para a Inglaterra e remontou seu consultório. Na exposição, a poltrona ao lado é original, de 1900. O lendário divã é uma réplica, mas o tapete que o cobre é o mesmo sobre o qual Freud morreu.

Um caso histórico

Foi a partir da análise do caso de Anna O. (Bertha Pappenheim,

1859-1936), que sofria de paralisia facial e alucinações,

que Freud chegou ao conceito de associação livre.

PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO OE 1000 • 7

Page 8: A cana-de-açúcar redesenhada

OPINIÃO

MAURÍ C IO N . FROTA

Metrologia é Vida A ciência da medição é também a da competitividade

O cidadão do mundo contemporâneo tem seu destino atrelado a números e medi­das. Exposto às exigências naturais das

sociedades de consumo, talvez nem se aperceba de que por trás do "peso correto e da medida exata" subjaz um trabalho notável das sociedades técnico-científicas, que desempenham um papel fundamental no progresso das ciências e no am­plo processo de desenvolvimento econômico e social que visam ao bem comum. Esse cidadão talvez nem saiba que o simples fato de aceitar ou ques-

Inúmeros são os benefícios para a sociedade gerados pelas sociedades científicas. A própria "descrição factual" do hoje já incorporado con­ceito de physical quantity, formulado por James Clerk Maxwell (1873) em seu Treatise on electri­city and magnetism, surgiu para fundamentar a formulação axiomática de uma nova álgebra (quantity calculus) capaz de correlacionar "uni­dades de medida" e "grandeza física", à época

conceito de impasse e polêmica no fórum das sociedades científicas. Foi esse fundamento básico, que

tionar resultados de medições no curso de sua vida torna-o parceiro natural dessas organizações técni­co-científicas. Assim ocorre quan­do da necessidade de verificação da febre do filho; da dosagem físi­co-química de propriedades e ca­racterísticas do sangue humano; do tempo de exposição à radiote-

"As sociedades técnico-científicas

inter-relaciona expressões mate­máticas e incorpora a regularidade experimental das leis físicas, que permitiu a Helmholtz formular a teoria das medições fundamentado em trabalhos anteriores de notá­veis físicos e matemáticos, permi­tindo-lhe postular que as possibi-

estão a serviço da humanização da função dos números,

rapia; da indicação do fiel das ba-lanças mais rudimentares que via-bilizam o comércio; da tarifação do consumo de serviços básicos e essenciais, como os de fornecimen-to de água, energia, telefone; bem como das inúmeras outras circuns-tâncias em que a medição afeta direta ou indire­tamente o bolso, o trabalho, a vida.

Nesse contexto, pode-se afirmar que as socie­dades técnico-científicas estão a serviço da hu­manização da função dos números, da discussão conceituai sobre sua validação, o que se verifica pela sua preocupação em quantificar para quali­ficar. Qualificar produtos e processos para a exis­tência do cidadão; para a vida, portanto. Utilizar a metrologia para medir a qualidade do ar, da água, dos alimentos, dos medicamentos, dos produtos de consumo básicos, do meio ambien­te citadino e rural e de tudo o que interfira dire­ta ou indiretamente na vida do cidadão é conso­lidar a ciência e a tecnologia como instrumentos políticos da reforma social segura e responsável.

8 • NOVEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

lidades de realização de medições empíricas diretas são consideradas propriedade essencial da própria grandeza física .

No campo da ciência das medi­ções, fortaleceram -se os fóruns científicos e tecnológicos interes­sados em, finalmente, criar um sis-

tema universal de unidades de medida, agre­gando não apenas os campos da mecânica e da eletricidade, mas incorporando os fenômenos térmicos, a termodinâmica, a fotometria, a radio­metria e a química. Essa pode ser considerada a estratégia mais decisiva que viabilizou a integração das ciências, culminando com o entendimento universal da metrologia como ciência das medi­ções ou como ciência da competitividade pela importância da technia como elemento de supe­ração de barreiras técnicas impeditivas ao desen­volvimento do comércio internacional.

MAURICIO N. FROTA, da PUC-R], é Presidente da Socie­dade Brasileira de Metrologia

Page 9: A cana-de-açúcar redesenhada

~ ~ GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

Rua Pio XI, 1500 -Al to da Lapa 05468-90 1 -São Paulo- SP Tel.: (11) 3838 4000 www.fapesp.br

Page 10: A cana-de-açúcar redesenhada

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS

Novos projetos genomas à vista

A bactéria Gluconacetobacter: produtividade

Depois de decifrado o có­digo genético da bactéria Xylella fastidiosa por pes­quisadores de São Paulo e de a FAPESP estar finan­ciando cerca de dez outros projetas semelhantes, dois novos trabalhos de seqüen­ciamento de genes de mi­crorganismos foram anun­ciados. O Ministério da Ciência e Tecnologia deci­diu criar a Rede Nacional do Projeto Genoma Brasi­leiro. "O objetivo é ampliar a competência em todo o país em infra-estrutura e capacitação de recursos hu­manos na manipulação da biologia molecular e da en­genharia genética", explica Kumiko Mizuta, coordena­dora-geral de Programas de

MEC cria portal de periódicos científicos

O Ministério da Educação (MEC) criou um portal para que a comunidade acadêmica de 71 instituições de ensino superior (IES) de todo o Bra­sil tenha acesso integral ao conteúdo de periódicos inter­nacionais por meio da Inter­net. Até agora, apenas univer­sidades e institutos do Estado de São Paulo tinham acesso às principais revistas científi-

Agropecuária e Biotecno­logia, do Conselho Nacio­nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O órgão está em fase de definição do micror­ganismo e de seleção de la­boratórios. O prazo de exe­cução do projeto é de um ano. Também a Fundação de Amparo à Pesquisa doEs­tado do Rio de Janeiro (Fa­perj) lançou o seu projeto genoma, o Riogene. O traba­lho será decifrar o código ge­nético da bactéria Glucona­cetobacter diazotrophicus, que atua como fertilizante natural do solo e é impor­tante para algumas cultu­ras. O custo do projeto está estimado em US$ 5 milhões e deve durar 36 meses. •

cas por meio do Programa Biblioteca Eletrônica (Pro­BE), criado pela FAPESP. O portal do MEC vai beneficiar 550 mil professores e alunos de graduação e pós-gradua­ção, que poderão acessar 1.500 periódicos da Acade­mic Press e Elsevier. A Coor­denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) vai liberar R$ 1,5 mi­lhão para compra de equipa­mentos de informática para montagem de ilhas de acesso

I O • NOYEHBRO OE 1000 • PESQUISA FAPESP

ao portal nas instituições fe­derais. Segundo o presidente da Capes, Abílio Baeta Neves, os repasses serão feitos assim que os convênios com as ins­tituições forem aprovados. "As ilhas de acesso beneficia­rão, sobretudo, os estudantes, porque a maioria dos profes­sores já tem acesso à Inter­net", afirmou. Por meio do portal, será possível acessar edições desde 1995 de impor­tantes revistas, como Journal of Econometrics, International ]ournal of Heat and Mass Transfer, Physics Letters, Te­trahedron e New England ]ournal of Medicin, entre ou­tras. O site para mais infor­mações é www. periodicos. capes.gov.br. •

Estudante premiada no exterior

O congresso da Sociedade Americana de Crustáceo, rea­lizado no México, premiou o trabalho de uma brasileira. Renata Biagi Garcia, doutoran­da do curso de pós-gradua­ção em Biologia Compara­da da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Univer­sidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, recebeu o The Best Student Award pelo

estudo sobre o crustáceo Er­mitão ( Calcinus tibicen) da região de Ubatuba, litoral de São Paulo. A pesquisa foi in­tegralmente financiada pela FAPESP. Entre os 50 traba­lhos selecionados, o dela con­correu com o de outros alunos de instituições de vários paí­ses, inclusive Estados Unidos, e ficou em primeiro lugar na categoria Pôster. O estudo foi apresentado na forma de um pôster de 1 metro por 1 me­tro com informações sobre a pesquisa, fotos da região e do animal, além de gráficos e ta­belas com resultados. O crus­táceo Ermitão tem um impor­tante papel no ecossistema marinho e ocorre da Flórida até a costa brasileira. "O prê­mio reconheceu o mérito do trabalho científico desenvol­vido no Brasil", comemora Renata, que ganhou um cer­tificado, uma anuidade para 2001 da Sociedade America­na de Crustáceo e um cheque deUS$ 50. •

Sai nova edição de revista eletrônica

Está disponível para assina­tura The ]ournal of Veno­mous Animais and Toxins, publicada pelo Centro de Es­tudos de Venenos e Animais Peçonhentas (Cevap), da Universidade Estadual Pau­lista (Unesp ), em Botucatu. O centro hoje está ligado à Fa­culdade de Medicina. Primei­ra revista eletrônica científi­ca brasileira, The Journal of Venomous começou a ser fei­ta totalmente em disquetes em 1995 e passou a CD­ROM em 1998, em edições

Renata Garcia: mérito reconhecido

Page 11: A cana-de-açúcar redesenhada

CD: todas as edições em uma

bianuais, sempre em inglês, distribuída para pesquisado­res da Sociedade Brasileira de Toxinologia e Sociedade Internacional de Toxinolo­gia. "Desde o início optamos por traduzir todos os textos para o inglês para atingir os centros importantes que es­tão no exterior e não apenas os brasileiros", diz Heloisa Maria Pardini Toledo, edito­ra de texto da revista. A e di­ção atual engloba as ante­riores, de 1995 a 2000, e tem 131 documentos, entre papers originais, tese, e revisões. Pa­ra adquirir uma assinatura da revista basta acessar os sites www.cevap.org.br ou www.scielo.br/jvat. •

Laranjas com mais qualidade

Em dois anos, o mercado ex­~ terno só vai aceitar frutas pro­~ duzidas sob um regime de

produção com certificação de qualidade que garanta padrões mínimos exigidos mundial­mente, como já vem ocor­rendo há algum tempo com uva e manga. Agora chegou a vez da laranja. A Empresa Bra­sileira de Pesquisa Agropecuá­ria (Embrapa) está iniciando o Projeto Estratégico de Produ­ção Integrada de Citros do Brasil (PIFCitros), preparado com o objetivo de apoiar e re­vitalizar o negócio brasileiro de citros para exportação, que gira anualmente em torno de US$ 1,5 bilhão. Sua implanta­ção vai beneficiar diretamente, numa primeira fase, 30 mil ci­tricultores dos Estados de São Paulo, Sergipe e da Bahia, res­ponsáveis por 70% da produ­ção do país. O projeto abran­gerá uma área equivalente a 10 mil hectares nos três Esta­dos. A Embrapa avalia que, num futuro próximo, a ativi-

dade apresenta risco iminente de perda de mercado, em ra­zão da crescente exigência do consumidor internacional por certificados que atestem a ga­rantia de qualidade ambiental. O PIFCitros prevê uma aplica­ção total de R$ 6,7 milhões, sendo R$ 4,7 milhões oriun­dos do Ministério da Agricul­tura e do Abastecimento, na forma de bolsas, e R$ 2 mi­lhões de contrapartida da ini­ciativa privada. Aderaldo de

Souza Silva, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente e lí­der no projeto pela estatal, diz que o trabalho vai apoiar os produtores de laranja na ob­tenção de padrões de produção

O lucro do caro coquetel anti-Aids Enquanto as mais de 60 a compra e distribuição dos evitadas 146 mil interna­pesquisas em andamento medicamentos que com- ções de pacientes com Aids, realizadas com o objetivo põem o coquetel para tratar com uma economia de US$ de desenvolver uma vacina a doença. No Fórum 2000, 421 milhões. "A discussão não anti-Aids não surtem resul- que reuniu em novembro é apenas moral e ética, mas tado, o melhor é apertar ain- especialistas da América La- também econômica", diz da mais o cinto e gastar com tina e do Caribe para discu- Chequer. "No Brasil, o saldo

tir a epidemia, Pedro Che- do investimento no tratamen­quer - ex-coordenador do to já é positivo economica­Programa Nacional de Aids mente." Segundo Badara e atual supervisor do Cone Samb, consultor da Unaids,

Sul para Unaids, orga- o gasto anual com o coque-nismo das Nações tel varia entre US$ 2,5 mil e

Unidas - fez a se- US$ 9,1 mil por paciente. guinte conta: entre Entre os países da América 1997 e 1999, foram Latina e do Caribe, só Bra-

sil, Uruguai, Argentina e Ve­

Chequer: o negócio nezuela oferecem os remé­é prevenir dios gratuitamente. •

ambientalmente corretos. "O sistema de Manejo da Produ­ção Integrada é garantia da pro­dução de alimentos seguros à saúde do consumidor associa­da à elevação da competitivi­dade das empresas", afirma. Além de equipes da Embrapa e da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), o projeto tem participação da Coopercitrus, Fundecitrus e Estação Experi­mental de Citricultura de Be­bedouro, entre outros. •

Plantação de laranjas é o principal alvo do projeto

Pesquisadores ganham menção

Três projetas de pesquisa fi­nanciados pela FAPESP rece­beram menção homosa no Prê­mio Governador do Estado des­te ano. Josiane de Castro Dias, Fábio Santos da Silva e Evandro Luís Nohara estudaram aplica­ções de blindagem eletromag­nética na área aeroespacial. Eles trabalharam nos Instituto de Aeronáutica e Espaço e no Cen­tro Técnico Aeroespacial, de São José dos Campos. •

Jornalismo científico na Unicamp

A inscrição para o curso de especialização em Jornalis­mo Científico do Laborató­rio de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Uni­versidade Estadual de Cam­pinas (Unicamp) poderá ser feita até o dia 5 de janeiro. Mais informações no site www.uniemp.br/labjor. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 li

Page 12: A cana-de-açúcar redesenhada

A arte ajuda a ciência

Na cerimônia de entrega do Nobel de 1980, o diretor Thomas Gover perguntou a seus colegas: "Vocês podem imaginar um exemplo em que um artista forneceu a peça que faltava para alguma compreensão do mundo físi­co?" A arte não ofereceu nada à ciência, disseram os parti­cipantes. Robert S. Root­Bernstein, do Departamento de Humanidades Médicas da Universidade Estadual de Mi­chigan, nos Estados Unidos, mostrou em artigo na revista Nature que eles estavam erra­dos. Para o pesquisador, as artes contribuem freqüente­mente para a ciência moder­na. Os artistas muitas vezes inventam estruturas novas que os cientistas descobrem posteriormente na natureza. Virologistas tentando com­preender, nos anos 50, a es­trutura das capas de proteí­nas que envolvem vírus esféricos, como os da pólio, foram guiados pelo conheci­mento das estruturas geodé­sicas do arquiteto norte-ame­ricano Richard Buckminster Fuller. O artista Wallace Wal­ker, quando estudante nos anos 60, foi solicitado a fazer um objeto tridimensional a partir de uma folha de papel, com dobraduras e cola. A matemática Doris Schattsch­neider determinou que a es­cultura de papel de Walker era a primeira de uma nova classe de objetos geométricos hoje chamados caleidociclos. Muitas técnicas científicas se originaram também da arte. A anamorfose - mudança de forma- derivou da descober­ta do desenho de perspectiva

12 · NOVEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

A perspectiva de quadros como Anunciação ( 1475), de Leonardo da Vinci, ajudou teorias científicas

na Renascença: a representa­ção de um objeto tridimen­sional numa superfície pla­na. Essas transformações se tornaram centrais para D'Arcy Thompson e Julian Huxley - ambos descrevem proces­sos evolutivos e embriológi­cos como distorções anamór­ficas. Mitchell Feingenbaum, um dos pioneiros da teoria do caos, acha que a compre­ensão de como um artista pinta poderá proporcionar os insights necessários para melhorar a ciência. "O que os artistas conseguiram foi per­ceber que só uma pequena parte do todo é importante, e só depois procuram ver qual é ela", diz Feingenbaum. "Por isso, eles podem fazer uma parte da minha pesqui-sa por mim."

MIT terá complexo sobre cérebro

O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Uni­dos, vai erguer um complexo de prédios para estudar exclu­sivamente o cérebro. O obje­tivo é se tornar líder mundial nas pesquisas sobre neuro­ciências. Já estão disponíveis

para investimento US$ 350 milhões, embora o custo dos prédios deva ultrapassar este valor. O complexo abrigará o novo instituto, três departa­mentos já existentes e um novo centro de imagens. •

Aldeias viram reserva genética

Algumas características espe­ciais de moradores de dez al­deias do sul da Itália estão transformando a região numa reserva genética. Como os al­deões pouco se misturaram a populações de outras regiões e têm uma história genética que remonta diretamente aos

gregos, os cientistas querem sa­ber se a análise do DNA desses habitantes poderá ajudar nas pesquisas sobre mal de Alzhei­mer, câncer, hipertensão e asma, entre outras. A idéia é tentar descobrir a origem de doenças herdadas por meio da identi­ficação de diferenças genéti­cas em uma população homo­gênea. Os moradores das dez aldeias italianas concordaram em participar depois que os pesquisadores explicaram que o estudo poderá ajudar a de­senvolver novos medicamen­tos. Os aldeões italianos não estão sozinhos. A empresa de biotecnologia australiana Au­togen comprou do governo de Tonga, no Pacífico Sul, os direitos sobre a variedade ge­nética dos 108 mil habitantes. Como eles vivem praticamen­te isolados, a corporação acha que os genes podem oferecer dados para as causas do cân­cer de mama, doenças do fíga­do e úlceras do estômago. •

França quer mais pesquisa na web

A Academia de Ciências da França entregou um relatório ao presidente Jacques Chirac pedindo maior divulgação dos

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Os doutores americanos de Cuba

Em outubro, os Estados Unidos passaram a permi­tir a venda de medicamen­tos para Cuba, pondo fim a 40 anos de sanções eco­nômicas. Em Havana, a medida foi recebida com desdém pelo governo de Fidel Castro, segundo in­forma a revista Economist. Durante todos estes anos, o embargo norte-america­no não impediu que Cuba construísse um sistema de saúde modelo e passasse a exportar médicos para ou­tros países pobres. Em 2000, estima-se que exis­tam médicos cubanos tra­balhando em mais de 50 países. Cuba também se orgulha de receber alunos de 19 países latino-ameri-

resultados de pesquisas pú­blicas na Internet. "Se a In­ternet tem um papel a de­sempenhar para a economia e o comércio, tem também, desde sua origem, vocação para tornar-se plataforma universal de difusão da infor­mação pública", enfatiza o documento. "As instituições sustentadas com dinheiro do contribuinte deveriam consi­derar que é parte integrante de sua missão colocar na rede os resultados que acu­mularem", recomenda o rela­tório. Gilles Kahn, diretor do Instituto Nacional de Pesqui-

canos, que estudam medi­cina de graça na nova es­cola instalada nos arredo­res de Havana, com até a alimentação paga pelo go­verno. Agora, Fidel decidiu oferecer SOO bolsas para estudantes de medicina das regiões mais pobres dos Estados Unidos. Ben­nie Thompson, congres­sista negro do Estado do Mississippi, aceitou a ofer­ta: 250 norte-americanos negros e 250 latinos e in­dianos irão para Cuba. A oferta de Fidel parece algo extraordinário para um país com tantos problemas. Mas, lembra a Economist, é uma maneira espetacular de fazer boa propaganda da ilha. •

sa em Informática e Automa­ção, um dos autores do rela­tório, diz que não há nada de mais na reivindicação. "Tra­ta-se de incitar os organismos públicos a informar via In­ternet os resultados de suas pesquisas."

Valência ganha Museu de Ciências

O Museu de Ciências Prínci­pe Felipe, uma das maiores instalações do mundo no gê­nero, foi aberto em novem­bro em Valência, na Espanha. O local tem 42 mil metros

quadrados em cinco blocos e está inserido no complexo cultural e educativo Cidade das Artes e das Ciências. O diretor da instituição, Ma­nuel Toharia, explicou que a instalação parte de uma nova concepção de museu, em que não existem coleções pró­prias e permanentes, mas acer­vos que se renovam continu­amente em períodos de seis meses a cinco anos. Estima­se que o complexo cultural seja visitado por 3 milhões de pessoas quando estiver total-mente pronto.

Ciência russa começa a se mover

Depois de amargar uma dé­cada praticamente perdida, com orçamento reduzido a um quarto do que recebia nos áureos tempos do comunis­mo e perder para o exterior ou para a nascente iniciativa privada local 60% dos seus pesquisadores, a ciência russa dá sinais de que pode estar renascendo. Ainda não há motivos para grandes come­morações, mas o pior parece ter ficado para trás. Uma das primeiras medidas do presi­dente do país, o ex-espião da KGB Vladimir Putin, eleito em maio, foi extinguir o anti­go Ministério da Ciência e Tecnologia e criar, em seu lu-

Alferov: Nobel ani ma russos

gar, uma superpasta. Trata-se do renovado e fortalecido Ministério da Indústria, Ciên­cia e Tecnologia, que abriga mais de 1.400 empresas, so­bretudo as do complexo in­dustrial militar. A economia nacional, depois de anos de encolhimento, voltou a cres­cer. Resultado nos laborató­rios: pela primeira vez em quase uma década, o salário médio dos pesquisadores fe­derais ultrapassou o dos tra­balhadores em geral, batendo na casa dos US$ 80 - uma quantia ainda irrisória, mas crescente. Até o Prêmio No­bel de Física deste ano, dividi­do entre o russo Zhores Alfe­rov, o alemão naturalizado americano Herbert Kroemer e o norte-americano Jack Kil­by, serviu de estímulo para os ex-soviéticos espantarem o desânimo que imperava nas universidades. •

ESA escolhe novos projetos

A Agência Espacial Européia (ESA) selecionou prelimi­narmente seis das 49 propos­tas de novos projetos de pes­quisa. São eles: Telescópio Espacial de Próxima Geração, em cooperação com a Nasa, que deverá substituir o teles­cópio espacial Hubble em 2008; Storm, projeto de estu­do das erupções solares; Solar Orbiter, sonda para pesquisa da superfície e da atmosfera do Sol; Eddington, satélite com telescópio para estudo das oscilações das estrelas e das passagens dos planetas; Master, adaptação da Mars Express para sobrevoar Mar­te e asteróides; Hyper, para testar novos giroscópios atô­micos e detectores de movi­mento de altíssima precisão; e Casimir, projeto de estudo da natureza fundamental do vácuo espacial. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 13

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BOLSA

Uma revolução no pós-doe

APESP, que nos últimos anos tem procurado multi­plicar e aperfeiçoar os

mecanismos de inserção de recém­doutores no sistema paulista de pes­quisa, soma agora um instrumento poderoso a seu arsenal de ataque ao velho problema da evasão de cére­bros do país: uma nova política de pós-doutoramento.

Na verdade, essa política " vem dar continuidade e sistematizar diretrizes adotadas ao longo do último ano", diz o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. Um de seus elemen­tos básicos é considerar prioritária a linha regular de bolsas de pós-douto­ramento no país, que passa a ter seu prazo máximo de duração estendido de dois para três anos. E outro: foi ampliada para quatro anos a duração máxima dessas bolsas quando vincu-

14 • NOVEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

ladas a Projetos Temáticos, a Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão ( Ce­pids) e aos programas de Apoio aJo­vens Pesquisadores, Genoma e Biota.

A nova política marca também uma reorientação no intercâmbio com centros de pesquisa no exterior, que, mais que o treinamento indivi­dual e de longa duração do jovem doutor, se dirige para os benefícios que esse intercâmbio possa trazer ao crescimento do grupo nacional de pesquisa a que o pós-doutorando es-

tiver integrado. Assim, possibilita-se a ele a realização de um ou mais está­gios de pesquisa no exterior, com du­ração total de até um ano, desde que fique demonstrado que tais estágios podem trazer benefícios concretos aos projetos do pós-doutorando e de seu grupo de pesquisa. E os estágios serão permitidos sem que se subtraia o tempo neles consumido do prazo total de vigência da bolsa (em termos

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práticos, um pós-doutorando com pesquisa ligada a um temático, por exemplo, além da bolsa de até quatro anos no país, pode ser apoiado pela FAPESP por até mais um ano em seus estágios externos).

Mais um ponto a destacar: den­tro da nova política de pós-doutora­mento, a figura do supervisor, um pesquisador mais experiente que acompanha de perto e colabora com

Nova política dá prioridade a bolsas de pós-doutoramento no país, amplia seus prazos de duração e reformula intercâmbio com centros de pesquisa do exterior

o trabalho do jovem doutor, tam­bém ganha mais importância.

Por essas vias, a FAPESP está dan­do forma a uma política que "alia o objetivo de assegurar aos jovens doutores processos de formação e aperfeiçoamento de alta qualidade à determinação de fortalecer os núcleos de excelência do Estado de São Paulo", diz Perez. E cria, nesse processo, opções novas e atraentes para a fixação dos jovens doutores no Estado. "Isso é fundamental, por­que eles são, sem dúvida, o elemen­to mais precioso do nosso sistema

de pesquisa. Mantê-los no país -completa Perez - se apresenta hoje como o grande desafio para a ex­pansão e a consolidação do sistema brasileiro de pesquisa."

Dentro desse quadro, faz todo o sentido que deixem de ser conside­radas prioritárias as solicitações de bolsas para pós-doutoramento no ex­terior encaminhadas por recém-dou­tores sem vínculo empregatício sóli­do com instituições de pesquisa do Estado ou sem bolsa de pós-doutora­mento no país concedida pela FA­PESP. E também que não mais se considere prioritária a concessão de bolsa de pesquisa no exterior a pes­quisador firmemente vinculado a uma instituição de pesquisa paulista, por período superior a um ano.

Dentro da competição internacional - As novas decisões da FAPESP em relação ao pós-doutoramento so­mam-se a uma série de iniciativas an­teriores que já visavam à criação de um ambiente favorável à absorção dos jovens doutores no sistema pau­lista de pesquisa - e, em conseqüên­cia, à multiplicação dos grupos de excelência no Estado, capaz de trans­formá-lo num centro avançado de pesquisas, com clara inserção no sis­tema internacional de produção do conhecimento científico e tecnológi­co. Uma das iniciativas mais eviden­tes nesse sentido é o Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores, lançado em 1995 e que, até outubro deste ano, apoiou 250 projetos, com inves­timentos de cerca de R$ 64 milhões. Nesse programa, um recém-doutor com currículo excelente e disposto a criar um novo grupo de pesquisa num centro emergente pode receber auxílio de valor significativo para seu projeto e, caso não tenha vínculo em­pregatício com a instituição na qual desenvolve suas atividades, também uma bolsa com duração máxima de quatro anos, além de uma soma anual destinada ao financiamento de viagens para participação em eventos e atividades de intercâmbio com cen­tros no exterior.

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 • IS

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Há que se considerar, no en­tanto, um contexto mais amplo no esforço da Fundação para evi­tar a evasão de cérebros do Es­tado para o exterior. E nele têm papel decisivo os pro­jetas temáticos (hoje estão em andamento 250 desses projetos de pesquisa de gran­de porte, dos 520 aprovados desde 1990), grandes progra­mas como o Genoma e o Bio­ta e os primeiros dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão. Quando se soma isso às centenas de grupos de pesquisa apoiados nas li­nhas regulares de auxílios e bolsas da FAPESP, a conclusão obrigatória é que há, em São Pau­lo, "condições excelentes de treina­mento e especialização para os recém-doutores, na grande maioria das áreas do conhe­cimento", como diz Perez. E condições, acrescenta ele, pa­ra que o sistema paulista de pesquisa possa absorver "cerca de mil doutores por ano': Registre-se que o Brasil for­ma anualmente cerca de 5 mil douto­res, e São Paulo pouco mais de 60% deles- parte dos quais, depois de for­mados, volta a seus Estados de origem.

Centro atrativo de estrangeiros -Que há boas condições de treina­mento para recém-doutores em São Paulo, parecem confirmá-lo os es­trangeiros de todos os quadrantes que fazem atualmente neste Estado seu pós-doutoramento. Quantos são eles? Mais de uma centena, com cer­teza, porque numa amostra de 104 temáticos, cujos coordenadores, em resposta a uma solicitação da FA­PESP, informaram se contam ou não com pós-does estrangeiros, 42 deles confirmaram a participação de jo­vens doutores do exterior nos proje­tas sob sua responsabilidade, em nu­mero variável de um a cinco.

Os depoimentos desses estrangei­ros são extremamente interessantes. Miguel Oscar Prado, por exemplo, um argentino de 42 anos, está fazen-

16 · NOVEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

do seu pós-doe dentro do temá­tico Problemas Decorrentes da

Cristalização dos Vidros, no la-boratório de Materiais Vítreos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), dirigi­do pelo professor Edgar Dutra Zanotto, que é tam­bém coordenador adjunto da diretoria científica da

FAPESP. Sua área de pesquisa é a concorrência entre sinteri-zação e cristalização de mate­

riais vítreos, que queimam em alta temperatura. Doutorado no Instituto Balseiro da Universi­dade Nacional de Cuyo, Argen­tina, durante uma palestra em Buenos Aires Prado conheceu Zanotto, que o convidou para conhecer as pesquisas desenvol­vidas em São Carlos. "Achei o

trabalho de nível internacional e decidi pleitear uma bolsa para fazer o pós-doe no Bra-

sil." Segundo ele, pesou em sua decisão a qualidade dos traba­lhos científicos publicados pelo gru­po de Zanotto, o nível de desenvolvi­mento das pesquisas, principalmente na área de cristalização, e o intenso contato do laboratório paulista com grupos na Alemanha, Rússia e Esta-

dos Unidos. Assim, ele chegou em outubro de 1998 com a mulher, três filhos e uma bolsa do Conselho Na­cional de Ciência ( Conicet) da Argen­tina, por um período de dois anos. A partir deste mês de novembro até ou­tubro de 2001, ele tem uma bolsa da FAPESP e, em seguida, volta para a Argentina, por exigência do Conicet, por um período mínimo de dois anos. "Gostei do Brasil e gostaria de voltar. Pretendo continuar meu trabalho de pesquisa em conjunto com a equipe do laboratório da UFSCar", diz ele.

Dirk Koedam, um holandês de 40 anos, está fazendo o pós-doutora­mento dentro do temático Organiza­ção Colonial e Padrões de Reprodução em Abelhas Indígenas, coordenado pela professora Vera Lúcia Impera­triz Fonseca, no Departamento de Biociências do Instituto de Biociên­cias da Universidade de São Paulo (USP). Ali ele desenvolve uma pes­quisa sobre abelhas sem ferrão e sua importância para o meio ambiente, tema que o interessa desde os tem­pos de graduação na Universidade de Utrecht e que o ocupou também durante o doutorado, quando estu­dou as abelhas jataí, valendo-se in­clusive de um intercâmbio com a Costa Rica. "Decidi vir para o Brasil,

Aliados poderosos Os Estados Unidos andam preo­

cupados com a situação de seus pós-doutorandos. Foi por isso que há cerca de dois meses a Academia Nacional de Ciências, a Academia Nacional de Engenharia e o Institu­to de Medicina divulgaram diretri­zes para melhorar a sorte dos jovens pesquisadores, que vinham recla­mando com freqüência dos baixos salários, das longas jornadas e do parco reconhecimento ao seu traba­lho. As diretrizes, segundo notícia publicada na Nature número 6801, de 14/09/2000, apareceram depois de uma extensa investigação do pro-

blema, ao longo do ano passado, de que resultou inclusive o relatório Enhancing the Posdoctoral Experien­ce for Scientists and Engineers.

Os pós-doutorandos nos Estados Unidos, segundo a revista britânica, situam-se num mundo nebuloso en­tre os estudantes de pós-graduação e os membros dos corpos docentes, geralmente sem nenhum status ofi­cial. Em razão disso, raramente têm acesso aos benefícios concedidos a outros grupos e queixam-se de que sua condição indefinida os deixa vulneráveis à negligência e à explo­ração de chefes de laboratório.

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primeiro, porque o tipo de abelha que era o meu alvo só se encontra aqui." Mas uma vez que "o Brasil está caminhando bem no sentido de desvendar o comportamento dessas abelhas", enquanto na Holanda a si­tuação de pesquisa em etologia é di­fícil, ele faz planos de permanecer no país, onde já está há quatro anos, embora sua bolsa só vá durar mais um ano. Imagina que poderia ficar dando aulas em universidades. Até porque tem um estímulo adicional para a permanência: sua namorada é uma brasileira, professora da Univer­sidade Estadual Paulista (Unesp).

No caso da russa Marina Vach­kovskaia, 25 anos, pós-doutoranda li­gada ao temático Fenômenos Críticos em Processos Evolutivos e Sistemas em Equilíbrio, no Instituto de Matemática da USP, as condições difíceis de traba­lho para os pesquisadores depois da dissolução da União Soviética foram um impulso decisivo para aportar no Brasil. Ela chegou em março de 1998, acompanhando o marido, Serguei Po­pov, 28 anos, que conseguira bolsa da FAPESP para seu pós-doe também na área de matemática. Depois de um pe­ríodo, Marina obteve uma bolsa do CNPq e, mais recentemente, bolsa da FAPESP para se dedicar a um projeto

As diretrizes das influentes aca­demias que resolveram se aliar aos pós-doutorandos estão distribuí­das em dez pontos, que são os se­guintes: conceder reconhecimento institucional, status e remuneração apropriada; desenvolver políticas e padrões distintos para jovens cientistas; desenvolver mecanis­mos para regularizar a comunica­ção com orientadores, instituições, organizações financiadoras e as­sociações; monitorar e fornecer avaliações formais de desempenho; garantir o acesso ao seguro-saúde; estabelecer limites para o tempo total de trabalho na condição de pós-doutorando; convidar jovens cientistas a participar da criação de

de pesquisa no campo da Teo­ria da Probabilidade. Para o casal de matemáticos, a bolsa "representava bas­tante dinheiro", num momento em que na Rússia não tinham chances de ganhar qualquer coisa. Ago­ra, numa situação que ambos conside­ram muito boa, em que não poupam elo­gios à qualidade do trabalho científico do Instituto de Matemática, in­clusive pelo intercâmbio in­tenso com os nomes mais res­peitados internacionalmente na área, o casal está disposto a permanecer no Brasil. Serguei Popov foi aprovado em con­curso para dar aulas na USP e ela pretende seguir o mesmo caminho. "Queremos ter fi­lhos brasileiros", planeja. Ambos apanharam um pouco para se adaptar e aprender o portu­guês. "Mas não tivemos maiores pro­blemas porque no Instituto de Mate­mática todo mundo fala inglês:'

A idéia de ficar no país é recorren­te, como demonstra o exemplo de

normas, definições e condições de exercício de seu trabalho; fornecer orientação concreta de carreira; melhorar a qualidade dos dados sobre concições de trabalho; e me­lhorar o processo de transição dos jovens pesquisadores para empre­gos regulares.

Resta saber se os empregadores dos jovens cientistas vão seguir as re­comendações. De qualquer sorte, para eles as diretrizes trazem um novo alento. "Acho que o endosso de instituições respeitadas vai fazer uma enorme diferença a nosso fa­vor", disse Pauline Wong, presidente da associação de pós-doutoran­dos.da Universidade John Hopkins, em Baltimore.

Olivier François Vilpoux, um francês de 32 anos, que

está fazendo seu pós-doe dentro do projeto te­mático Prospecção de Novos Amidos para a Indústria de Alimen­tos, coordenado pela professora Marney Pascoli Cereda, no Centro de Raízes e Amidos Tropicais, da Unesp de Botucatu. Apoiado numa medi­da do governo francês

que permite aos alunos de curso superior substituir o serviço militar por trabalho de cooperação técnica re­munerado, na área de sua es­pecialização, Vilpoux, um ad­ministrador de empresas com

mestrado na Universidade de Nancy, decidiu vir para o

Brasil em 1993, aproveitan-do uma oferta inédita de vagas.

"Fazia doutorado na França, cursan­do matérias na USP", diz. Defendeu sua tese de doutorado lá e logo de­pois iniciou sua pesquisa de pós­doutoramento dentro do temático, na Unesp, em projeto financiado pela FAPESP. Casou-se e diz que fi­ca no Brasil. O seu trabalho de pes­quisa é desenvolvido junto a peque­nos produtores de alimentos das regiões Sul e Sudeste e em algumas áreas do Maranhão.

Esses são apenas alguns exem­plos, entre muitos outros, da capaci­dade de atração do sistema paulista de pesquisa, mesmo antes da nova política de pós-doutoramento. Com a mudança das regras, a convicção na FAPESP é de que não somente São Paulo continuará a exercer essa atração para fora, que garante uma certa irrigação do sistema, como principalmente conseguirá manter seus jovens doutores dentro do Esta­do, formando e integrando grupos de excelência, com projetas de pes­quisa próprios e inovadores, inseri­dos no sistema internacional de pro­dução científica e tecnológica. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 17

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO

Suporte às políticas públicas Projetas aprovados consolidam parceria

. . . . e tntctam pesqutsas

Assegurada a viabilidade dos projetas e consolidadas as par­

cerias com as organizações que vão implementá-los, 18 das 61 propostas aprovadas na primeira etapa do Pro­grama de Pesquisas em Políticas Pú­blicas (PP) passaram para a segunda fase: a da pesquisa propriamente dita. O programa foi lançado em 1998, para estimular o desenvolvimento de pesquisas focadas nas demandas da comunidade.

Todas as pesquisas que agora se ini­ciam têm, pelos próximos dois anos, que enfrentar o desafio de produzir e sistematizar conhecimentos, que con­tribuam para a definição e implemen­tação de políticas públicas z

relevantes e replicáveis, e de ~ articular o trabalho acadê- ~

:>

mico com as demandas das ~

comunidades. "Na primeira fase, o objetivo era consoli­dar o formato do programa e a relação com parceiros, de tal forma que eles participas­sem efetivamente do dese­nho da pesquisa", diz Paula Montero, coordenadora do Progra­ma de Políticas Públicas. Segundo ela, um importante critério para a aprovação dos projetas para a segun­da fase foi a definição de um plano de transferência e divulgação científica que, encerrada essa etapa, garantisse a capacitação dos técnicos das orga­nizações parceiras e assegurasse a continuidade do projeto, traduzido em política pública. "Os prognósticos são positivos", avalia Paula Montero.

A parceria com instituições, gover­namentais ou não, é um pressuposto

18 • NOVEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

básico do Programa. Esse modelo de colaboração já se revelou bem-suce­dido nos programas de Parceria para a Inovação Tecnológica, de melhoria do Ensino Público e de Inovação Tec­nológica em Pequenas Empresas.

Durante a primeira etapa do Programa de Políticas Públicas, os proponentes de cada um dos proje­tas pré-qualificados tiveram o apoio

~--~_.~._~~ . Guardani: projeto vai medir nível de poluição por ozônio em áreas como o lbirapuera

financeiro da FAPESP para consolidar suas propostas. "Foram seis

meses de trabalho intenso", lembra Antonio Carlos Coelho Campino, da Faculdade de Administração da Universidade de São Paulo (USP) . Ele é responsável pelo projeto que tem por objetivo avaliar e criar um modelo de monitoramento do pro­cesso de municipalização dos servi­ços de saúde em São Paulo e que será desenvolvido em parceria com o Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde.

A municipalização da saúde, em fase de implementação pelo governo

federal, transfere aos governos locais a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), tarefa nem sempre realizada com sucesso pelas prefeituras muni­cipais, já que exige capacitação para o acompanhamento de recursos repas­sados pela União, cálculos de gastos per capita e um planejamento rigoro­so de investimentos. O modelo de monitoramento que o projeto preten-

de formular será elaborado a partir de estudos da municipalização em 16 municípios selecionados na primei­ra fase, classificados por tamanho de população e condição de gestão do SUS, explica Campino. "Agora, vamos

Paula Montero: "Prognósticos positivos"

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orientar o levantamento dos dados que serão coletados pelas prefeituras envolvidas no projetos e criar um mo­delo para apoiá-las no monitora­mento deste processo", ele explica.

Inquérito da saúde - Outro projeto aprovado na área da Saúde, coorde­nado por Chester Luiz Galvão Cesar, da Faculdade de Saúde Pública da USP, realizará um inquérito de saú­de em cinco municípios da região da Grande São Paulo, Botucatu e Cam­pinas, selecionados na primeira fase, em parceria com a Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria

de Estado da Saúde. Os questioná­rios serão aplicados também na re­gião do Butantã, na capital, área de influência do Hospital Universitário e do Centro Saúde-Escola. Além da USP, também participam do projeto a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesqui­sa, que será realizada em domicílios com uma amostra de 6.400 entrevis­tados, vai levantar os problemas de saúde ocorridos nos 15 dias que an­tecederam a aplicação do questio­nário e as soluções encontradas pe­la população. "Trabalharemos com morbidade referida e não com diag­nósticos clínicos", ressalva o coorde­nador. Esses resultados serão com­parados com os de um inquérito

semelhante realizado há dez anos pela Secretaria de Saúde.

O projeto coordenado por Lilia Blima Schraiber, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, também desen­volvido em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde, tem como foco a saúde da mulher. Por meio da avalia­ção de ocorrência de casos de violên­cia doméstica e sexual entre usuários de 20 Unidades Básicas de Saúde nas cidades de Santo André, Diadema e Mogi das Cruzes, na região da Gran­de São Paulo, pretende desenvolver uma tecnologia de atendimento

Gaivão Cesar: inquérito de saúde avaliará acesso

da população aos serviços

para programas de saú­de da mulher. "Já exis­tem serviços de apoio às vítimas de violência na área da Jus­tiça, como, por exemplo, as Delega­cias da Mulher. Este será o primeiro serviço na área da Saúde em todo o Brasil", revela Lilia Schraiber.

A violência doméstica, ela diz, tem forte impacto sobre a saúde da mulher, sendo responsável por casos de insônia, depressão, infecções uri­nárias e até por doenças sexualmente transmissíveis. Estudos realizados na Nicarágua em 1999 indicam que este problema se reflete também na saúde das crianças. "Se melhorar a qualida-

de do atendimento e da assistência, talvez seja possível enfrentar esse fe­nômeno." No primeiro dos dois anos previstos para a pesquisa, os profissio­nais que integram o projeto serão treinados para a aplicação dos ins­trumentos e pré-teste da pesquisa. "No segundo ano, analisaremos o ma­terial coletado para propor tecnolo­gias em nível de atendimento", afir­ma a coordenadora.

Educação especial- Na área de Edu­cação, já passaram para a segunda fase do Programa quatro projetos, entre eles o coordenado por Lisete Regina Gomes Arelaro, da USP, que vai avaliar o sistema público de edu­cação especial em Campinas, em parceria com a Secretaria de Educa­ção do município. "Campinas tem, proporcionalmente, o maior núme­ro de professores especialistas em educação especial, mas, contradito­riamente, a rede pública do municí­pio tem apenas 200 alunos especiais contra 2.500 alunos matriculados na rede privada", ela diz. A maioria dos professores, apesar de contrata­da pela prefeitura, está "emprestada"

"'"!':'III- • z às escolas particulares de ~ caráter filantrópico, proce­~

" dimento autorizado por por-

~ taria do Ministério da Edu-cação. "O nosso objetivo é desenvolver estratégias para ampliar o atendimento na rede pública, trazendo de volta alunos e professores", explica. A estratégia a ser adotada prevê o desenvolvi-

mento de um conjunto de ações que resgatem a confiança das famílias na qualidade dos serviços prestados pela escola pública e, ao mesmo tem­po, estimulem as escolas a ampliar o número de matrículas especiais. A proposta inclui até uma espécie de campanha de marketing, com a pro­dução de outdoors e vídeos sobre os direitos dos portadores de deficiên­cias, que serão exibidos em locais de fluxo intenso de população, como, por exemplo, terminais de ônibus urbanos.

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 • 19

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Políticas agrícolas - Dois dos projetos aprovados têm como foco o desenvol­vimento de políticas públicas nas áreas de Agricultura e Pecuária. O pri­meiro, coordenado por Nelson Batis­ta Martin, do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultu-

ra e Abastecimento do Estado de São Paulo, e que será implementado em parceria com a Prefeitura de Piraju, prevê a elaboração de um plano dire­tor para o município. A idéia é desen­volver um sistema informatizado de análise e organização de dados para a

realização de um censo de imóveis rurais, cuja validade será testada em Piraju, mas que poderá ser utilizado em qualquer município.

Na primeira fase do projeto, constatou-se, por exemplo, a exis­tência de um grande número de pro-

Os já aprovados para a segunda fase

COORDENADOR INST.PROP.

ANTONIO CARLOS COELHO CAMPINO USP

CELIA REGINA DE GOUVEIA SOUZA SEMASP/I.GEOL.

CHESTER LUIZ GALVÃO CESAR USP

DILZA MARIA BASSI MANTOVANI SAGRSP/ITAL

JENER FERNANDO LEITE DE MORAES USP

JOYCE MARY ADAM DE PAULA E SILVA UNESP

LILIA BLIMA SCHRAIBER PUCSP

LISETE REGINA GOMES ARELARO USP

MARCOS SORRENTINO USP

MARIA ESTHER FERNANDES PART/UNAERP

MARTA SILVA CAMPOS PUCSP

NELSON BATISTA MARTIN SAGRSP/IEA

NEWTON ANTONIO PACIULLI BRYAN UNICAMP

RAQUEL ROLNIK PUCC

ROBERTO GUARDANI USP

SARAH FELDMAN USP

SERGIO LUIZ MONTEIRO SALLES-FILHO UNICAMP

SIGISMUNDO BIALOSKORSKI NETO USP

20 • NOVEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

INSTITUIÇÃO PARCEIRA TÍTULO -------------------.--- --------------------------

Instituto da Saúde da Secretaria de Estado da Saúde

Secretaria do Meio-Ambiente do Estado de São Paulo

Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

Coordenadoria da Defesa Agropecuária

Prefeitura do município de Jundiaí

Prefeitura Municipal de Rio Claro -Secretaria de Educação

Secretaria de Estado da Saúde

Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura Municipal de Campinas

Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São Paulo

Secretaria Municipal do Bem-Estar Social de Ribeirão Preto

Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania

Prefeitura Municipal de Piraju - SP

Prefeitura Municipal de Vinhedo/ Secretaria Municipal de Educação e Cultura

Instituto Pólis - Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais

CETESB - Cia. de Tecnologia e Saneamento Ambiental

Secretaria do Planejamento do Território e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Franca

Secretaria de Agricultura e Abastecimento -Conselho Superior da Pesquisa Agropecuária

Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo - OCESP

Avaliação do processo de municipalização dos serviços de saúde no Estado de São Paulo

Sistema integrador de informações geoambientais para o litoral do estado de São Paulo com aplicação ao gerenciamento costeiro (SIIGAL)

Inquérito de saúde no estado de São Paulo -inquérito domiciliar de base populacional em municípios do estado de São Paulo, 1999-2000.

Avaliação da qualidade na piscicultura paulista I - avaliação química e microbiológica

Diagnóstico agroambiental para gestão e monitoramento da bacia hidrográfi ca do rio Jundiaí-Mirim

Subsídios para a implementação de um centro de aperfeiçoamento e inovações pedagógicas

Ocorrência de casos de violência doméstica e sexual nos serviços de saúde em São Paulo e desenvolvimento de tecnologia de atendimento para programas de saúde da mulher

Diversidade e exclusão: conhecendo melhor quem as vivenda e construindo alternativas de inclusão

Avaliação de processos participativos em programas de educação ambiental: subsídios para o delineamento de políticas públicas

Bairros periféricos: integração ou marginalidade? tentativa de diagnóstico do Universo de vida das camadas populares

Consolidação da política de atendimento às vítimas da violência urbana, baseada na demanda real e na ação articulada entre os diversos setores do Governo do Estado de São Paulo (Segurança, Justiça e Cidadania, Saúde e Assistência Social)

Desenvolvimento de um sistema de suporte à elaboração de Plano Diretor Agrícola Municipal (PDAM).

Sistematização de experiências, diagnóstico local e formulação de modelo de gestão para viabilização das novas competências do Sistema Público de Ensino Municipal no Estado de São Paulo

Programa de capacitação de agentes públicos e sociais para a formulação de políticas locais de regulação urbanística

Desenvolvimento de tecnologia para previsão de ozõnio na baixa atmosfera

Programas de gestão integrada para o município de Franca

Políticas Públicas para a inovação tecnológica na agricultura do Estado de São Paulo: métodos para avaliação de impactos e priorização da pesquisa

Projeto de estabelecimento de uma política institucional de monitoramento da autogestão das cooperativas do Estado de São Paulo.

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priedades com até 5 hectares, locali­zadas ao longo da represa que cir­cunda o município, um uso intenso de tecnologia de hortaliças explora­das em estufas e áreas onde prevale­ce o plantio do café. Informações como essas, consolidadas num ban­co de dados municipal, permitirá aos pesquisadores elaborar pelo me­nos três cenários de políticas de de­senvolvimento agrícola que serão apresentados às lideranças e ao Con­selho Agrícola Municipal. "Trata-se de um sistema genérico, que poderá se adotado por qualquer município", ele garante.

O segundo projeto aprovado na área de Agricultura e Pecuária tem como meta estabelecer política ins­titucional para o monitoramento da autogestão das cooperativas do Estado de São Paulo. Coordenado por Sigismundo Bialoskorski Neto, da Faculdade de Economia, Admi­nistração e Contabilidade da USP, câmpus de Ribeirão Preto, o projeto tem como parceira a Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp). A proposta de traba­lho é realizar um diagnóstico das 144 cooperativas agropecuárias z

paulistas, avaliando o grau ~ ll de sucesso e a capacidade de ::>

arrecadação de cada uma de- ~

las, para quantificar o seu impacto na economia, con­forme explica Bialoskorski Neto. "Os dados fornecidos pela Ocesp serão analisa­dos por meio de Rede Neu­rais Artificiais (RNA), pro­cedimento semelhante ao utilizado para medir risco de bancos e de paí­ses em desenvolvimento", explica o coordenador do projeto.

Monitoramento ambiental - Na área de Ambiente, dois projetas iniciam, agora, a fase de pesquisa. O projeto coordenado por Jener Fernando Leite de Moraes, do Centro de Solos e Recursos Ambientais do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), realizará um diagnóstico agroam­biental para a gestão e monitora-

menta da bacia hidrográfica do rio Jundiaí-Mirim, que fornece 97% da água consumida na cidade de Jun­diaí. O parceiro, no caso, é a prefei­tura do município.

"Já realizamos uma avaliação das condições de solo, dos mananciais e da preservação das matas ciliares", afirma Leite de Moraes. Constatou­se a prevalência de matas secundá­rias, poluição das águas por colifor­mes e uma forte pressão urbana que fragiliza o sistema hidrográfico, pro­piciando processos de erosão. Na se­gunda fase do projeto, a proposta é mapear culturas e associar, por exem-

avaliar casos de violência doméstica contra mulheres

plo, a variação dos ín­dices de poluição às ati­vidades agrícolas ou

industriais desenvolvidas em áreas próximas aos mananciais, com o ob­jetivo de subsidiar a formulação de políticas de proteção ambiental.

Outro projeto na área de meio ambiente vai desenvolver um mo­delo que permitirá prever a forma­ção de ozônio na baixa atmosfera em cidades densamente povoadas, como São Paulo. Coordenada por Roberto Guardani, do Departamen­to de Engenharia Química da Esco­la Politécnica da USP, a pesquisa será desenvolvida em parceria com

a Companhia Estadual de Tecnolo­gia e Saneamento Ambiental ( Ce­tesb). A poluição por ozônio é de di­fícil controle, já que não é emitida por veículos, mas é formada por subs­tâncias como o óxido de nitrogênio e em determinadas condições meteo­rológicas. Em São Paulo, por exem­plo, uma das áreas com maior índi­ce desse tipo de poluição é o Parque do Ibirapuera. "A poluição é levada pelo vento", justifica Guardani.

Além de conhecer melhor o fe­nômeno da formação do ozônio na atmosfera, o projeto vai criar uma espécie de serviço meteorológico,

com informações coletadas nas 30 estações de medição da Cetesb, que permitirá prever a ocorrência da po­luição por ozônio com, pelo menos, um dia de antecedência. ''A popula­ção poderá se precaver e os riscos decorrentes da exposição, como pro­blemas respiratórios e de pele, serão minimizados", afirma. A segunda fase do projeto prevê, ainda, a aqui­sição de uma estação móvel para a medição da poluição em áreas não cobertas pela Cetesb, com recursos financiados pela FAPESP.

Ao final de dois anos, prazo pre­visto para a execução das pesquisas, aquelas bem sucedidas irão para a terceira fase do Programa, de imple­mentação, de responsabilidade da instituição parceira. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1000 • 21

Page 22: A cana-de-açúcar redesenhada

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INTERCÂMBIO

Acordos internacionais ração científica com o Brasil é uma prioridade. Queremos estreitar laços científicos com poucos países, inicial­mente em poucas áreas", disse, citan­do as de genômica, bioinformáti-

Alemanha, França e Argentina alinhavam parceria tecnológica

Três delegações estrangeiras vi­sitaram São Paulo com o obje­

tivo de consolidar parceria e incre­mentar a cooperação com o Brasil.

A ministra da Educação e Pesqui­sa da Alemanha, Edel­garda Bulmahn, que esteve no Brasil para firmar convênios na área educacional e de cooperação tecnológi­ca entre a Capes e o DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadê­mico), visitou o Insti­tuto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), no dia 3 de novembro, para conhecer o Cen­tro de Estudos do Genoma Humano e o Projeto Genoma Xylella, patroci­nado pela FAPESP e Fundecitrus. De acordo com o reitor Jacques Marco­vitch, a visita teve como objetivo con­solidar a colaboração internacional e avaliar a possibilidade de acordos de cooperação.

No dia 7 de novembro, uma de­legação chefiada pelo geofísico Vin­cent Courtillot, diretor de Pesquisa do recém-criado Ministério da Pes­quisa da França - desmembrado do Ministério da Educação Nacional , Pesquisa e Ciência, em março deste ano- esteve na FAPESP. Os france­ses vieram reafirmar seu interesse em promover o intercâmbio de pes­quisadores ou docentes-pesquisa­dores entre os dois países. Também foi debatida a possibilidade da cria­ção de laboratórios conjuntos, que seriam compartilhados por pesquisa-

22 • NOVEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Edelgarda Bulhmahn (acima) visitou o Centro de Estudos do Génoma Humano; delegação francesa negocia intercâmbio de pesquisadores (ao lado), e Bordón busca parceria para integração (abaixo) .

ca, ciências ambientais, ciências dos materiais, ciências sociais e estudos multidisciplinares de pro­blemas urbanos. Os di­retores da FAPESP e a delegação francesa se comprometeram a, nos próximos meses, esco­lher duas ou três áreas de interesse comum para fo­mentar novos projetas binacionais.

A FAPESP e a Comi­sión de Investigaciones Científicas ( CIC) da Pro­víncia de Buenos Aires, Argentina, também es­tão preparando convê­nio de cooperação cien­tífica e tecnológica que deverá incluir o inter­câmbio de grupos de pesquisadores, a realiza­ção de projetas conjun­tos de pesquisa e a vin­culação da investigação científica e tecnológica aos setores produtivos dos dois governos.

O convênio está pre­visto na Carta de Inten­ção firmada entre o se­cretário da Ciência, Tecnologia e Desenvol­vimento Econômico, José Aníbal, e o diretor­geral de Cultura e Edu­

dores dos dois países, com sede aqui ou na França. "Pode ser uma boa idéia", afirmou José Fernando Perez, diretor-científico da FAPESP.

No ano passado, o então ministro da Educação, Claude Allegre, já havia estado em São Paulo com esse mes­mo intuito. "Houve algumas mudan­ças de ordem estrutural nos ministé­rios da França, mas continuamos com o mesmo discurso': disse Cour­tillot. "Para nós, incrementar a coope-

cação da Província de Buenos Aires, Argentina, José Octavio Bordón, no dia 9 de novembro. O acordo tem caráter estratégico e, segundo Bor­dón, é fundamental na consolida­ção e fortalecimento do processo de integração dos países do Mercosul, além do Chile e da Bolívia. "Preci­samos fortalecer as relações com o Brasil para, juntos, construirmos uma América do Sul mais forte", afirmou. •

Page 23: A cana-de-açúcar redesenhada

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Page 24: A cana-de-açúcar redesenhada

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

COOPERAÇÃO

Parceiros na pesquisa da Xylella Pesquisadores vão decifrar código genético de mais duas bactérias

Os pesquisadores da rede ONSA (Organização para Seqüencia­

mento e Análise de Nucleotídeos) que participam do projeto Genomas Am­bientais e Agronômicos mal tiveram tempo de se debruçar sobre seus dois empreendimentos atuais- decifrar o código genético de duas bactérias, da variante da Xylella fastidiosa que des­trói as videiras e da Leifsonia xyli subsp.xyli, que ataca o talo da cana-de­açúcar- e já foram requisitados para mais duas missões. Os membros da rede virtual de laboratórios de pes­quisa genômica criada pela FAPESP foram convidados pelo Joint Geno­me Institute (JGI), consórcio de la­boratórios americanos com sede em Walnut Creek, na Califórnia, a auxi­liá-lo na tarefa de desvendar o DNA de outras duas cepas da Xylella: a que acomete a amendoeira e a que se ins­tala numa planta ornamental popu­larmente conhecida como espirra­deira ou oleandro (Nerium oleander).

Pelo acordo verbal, fechado no fim de outubro, caberá aos brasilei­ros o trabalho de realizar a anotação do genoma dessas duas variantes da Xylella, cujo seqüenciamento puro e simples está sendo feito pelos pró­prios pesquisadores do JGI. Ou seja, os cientistas da ONSA vão identificar, entre os milhões de "letras químicas" (os pares de base) que compõem o genoma, as receitas que regulam a produção de proteínas, interpretan­do e analisando os dados brutos for­necidos pelos seus colegas california­nos. No início de novembro, o JGI anunciou que acabara de terminar "rascunhos de alta qualidade" con-

24 • NOVEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

. . a cumpnr nos nossos proJe-tas': afirma Marie-Anne Van Sluys, do Departamento de Botânica do Instituto de Bio­cências da Universidade de São Paulo (USP), uma das coordenadoras do projeto da Xylella da videira.

Doença de Pierce destrói videi ras da Califó rnia

"A cooperação é interes­sante porque teremos a chan­ce de comparar diferentes li­nhagens dessa bactéria", diz Mariana Cabral de Oliveira, colega de departamento de Marie-Anne e também coor­denadora do projeto da Xy­lella das parreiras. "Será um novo desafio. Com esse in­tercâmbio, poderemos fazer mapas comparando os genes de todas as variedades de Xy­lella seqüenciadas por nós e pelos americanos", afirma João Paulo Kitajima, da Uni­versidade Estadual de Cam-

tendo 95% das seqüências genéticas dessas duas variedades da Xylella e de mais 13 bactérias. •

Em meados de dezembro, os pes­quisadores brasileiros vão aproveitar uma viagem a Davis, Califórnia, on­de participarão de um workshop com especialistas em Xylella, para discutir os detalhes finais dessa nova parceria. Falta definir sobretudo se, além da anotação, os pesquisadores brasilei­ros também se encarregarão da tarefa de preencher as lacunas não cobertas pelo seqüenciamento feito no JGI, os 5% de material genético não mapea­do. O acordo de cooperação não en­volve valores monetários, apenas a troca de conhecimentos e esforços. "O convite de cooperação é um reco­nhecimento do nível de nosso traba­lho. Podemos fazer a anotação sem problemas, mas preencher esses bu­racos é algo demorado. Temos prazos

pinas (Unicamp ), coordena­dor de bioinformática da Xylella da uva. Em tempo: os pesquisadores paulistas foram os primeiros no mundo a decifrar o genoma comple­to de uma variedade da Xylella, a dos citros, causadora da praga do amare­linho que ataca os laranjais, num já célebre trabalho que mereceu capa da Nature, uma das mais renomadas revistas científicas do mundo.

O convite do JGI mostra que a re­lação com a rede ONSA, que se ini­ciou com um caráter claramente competitivo, pode evoluir para um patamar mais cooperativo. Vale a pena lembrar a recente disputa en­volvendo os dois centros. Numa ba­talha de palavras que extrapolou o âmbito dos laboratórios e ganhou as páginas dos jornais brasileiros, o JGI se colocou, alguns meses atrás, como principal concorrente da rede Onsa na disputa pelo projeto de seqüen-

Page 25: A cana-de-açúcar redesenhada

ciamento da Xylella das parreiras - iniciativa de grande interesse e em parte financiada pelo Departamento de Agri­cultura dos Estados Unidos (USDA), que tenta deter o avanço da doença de Pierce, cau­sada por essa bactéria, na Califórnia, principal região produtora de vi­nhos nobres nesse país.

Na ocasião, diretores do instituto chegaram a afirmar que teriam condições de realizar a

Queimada de parreiral na Califórnia, atacado por Xylella

leitura do DNA da bactéria em mui­to menos tempo do que a rede da FA­PESP. Primeiro, disseram que preci­sariam apenas de duas semanas para tal tarefa. Depois, baixaram o prazo para 24 horas. Como o JGI não se comprometia a fornecer a anotação do material genético da bactéria da uva, justamente a parte mais analíti­ca e refinada de qualquer esforço de desvendamento do DNA de um ser vivo, o USDA preferiu apostar suas fichas na ONSA.

Primeiros resultados - O projeto de seqüenciamento da Xylella das videi­ras, um investimento de US$ 500 mil bancado meio a meio pela FAPESP e pelo USDA, já apresenta os primeiros resultados. Até o dia 16 de novembro, os cinco centros que coordenam o trabalho dos 20 laboratórios envolvi­dos na iniciativa contabilizavam 20.375 seqüências já depositadas no banco de dados, quase 40% do nú­mero total de seqüências previstas pa­ras serem mapeadas durante o proje-

JGI, um gigante da genômica

O Joint Genome Institute (JGI), apesar de operado pela Uni­versidade da Califórnia, é um insti­tuto do Departamento de Energia norte-americano (DOE). Ao lado dos Institutos Nacionais de Saúde (NIHs), o DOE é o segundo gran­de órgão americano envolvido no consórcio público internacional que toca o Projeto Genoma Hu­mano. E o JGI é o braço do DOE que atua no Projeto Genoma e em outras iniciativas genômicas.

Concebido em 1996 e formal­mente criado no ano seguinte, o JGI nasceu com a missão de conju­gar os esforços de três bem-sucedi­dos centros de pesquisa envolvidos há mais de uma década no Projeto

Genoma Humano: os laborató­rios nacionais Lawrence Berkeley, Lawrence Livermore (ambos na Califórnia) e o de Los Alamos (no Novo México). Quando se diz bem-sucedidos, não há nenhum exagero na expressão. As contribui­ções dadas por essa trinca de labo­ratórios nas áreas de mapeamento físico e seqüenciamento de geno­mas, seus pontos fortes, fazem do JGI um consórcio de altíssimo pe­digree científico. Apenas um exem­plo basta para dar a dimensão des­se gigante: em abril deste ano, o JGI divulgou o rascunho de três cromossomas humanos, os de nú­mero 5, 16 e 19. Genes desses cro­mossomas devem estar ligados à

to. Nesse tipo de inicia­tiva, os pesquisadores geram uma quantidade de seqüências muito maior do que o neces­sário para simplesmen­te mapear de forma su­perficial um genoma. Eles procedem dessa maneira para reduzir ao máximo, ou até mes­mo eliminar, trechos do DNA não lidos pelas máquinas de seqüen­ciamento e obter dados mais confiáveis.

Por isso, apesar de o genoma da Xylella ter cerca de 2,7 milhões de bases, os pesquisadores vão seqüenciar 24 milhões de bases. Na prática, isso equivale a dizer que cada base do DNA da bactéria vai ser lida oito vezes - e não apenas uma. Até o final de dezembro, 95% do genoma da Xylella deverá ter sido mapeado. Em fins de janeiro, todo o trabalho deverá ter sido concluído, abrindo espaço nos seqüenciadores para o DNA da Leifsonia, a próxima missão da ONSA. •

ocorrência de doenças nos rins, câncer de colo, reto e próstata, leu­cemia, hipertensão, diabetes e arte­riosclerose.

O JGI emprega 240 pessoas. Metade de seus funcionários fica na sede em Walnut Creek e meta­de nos três laboratórios do insti­tuto. Para cobrir todas as etapas do processo de mapeamento de um DNA, além de contar com os serviços de seus três laborató­rios membros, o instituto mantém parcerias com outros laborató­rios nacionais: Oak Ridge (para anotação de genoma), Brookha­ven (biologia molecular) e Pacific Northwest (estudos do proteoma, conjunto de genes responsáveis pela formação de proteínas). O Centro de Genoma de Stanford é outro parceiro do JGI.

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PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1000 • 25

Page 26: A cana-de-açúcar redesenhada

CIÊNCIA

Expedição à Pré-História

Em janeiro e fevereiro de 200 1, 20 paleontólogos do Museu Natural do Rio de Janeiro, acompanhados de uma equipe de logística e outra de filmagem, visi­tarão a Pré-História no in­terior do Brasil. Eles vas­culharão áreas ricas em fósseis de dinossauros em oito Estados brasileiros do Norte e Nordeste na maior operação montada no país para procurar vestígios

PER CIO CAMPOS I AG~NCIA O GLOBO

desses animais, extintos há Sérgio Azevedo: "Os recursos virão da iniciativa privada" 65 milhões de anos. Dois meses é o tempo previsto para realizar as filmagens do documentário - as pes­quisas já vêm ocorrendo há mais de dois anos e vão continuar por tempo inde­terminado. Além do doeu­mentário, serão produzi­dos um livro de arte e uma coleção de livros infantis so­bre dinossauros. O coorde-

Plantas têm ação comprovada

Um pesquisador de Santa Catarina comprovou cientifi­camente o poder curativo de três plantas nativas: a rosa­do-campo (Mandevilla illus­tris), o sarandi negro (Sebas­tiania schottiana) e a amora branca (Rubus imperialis). A primeira é originária de Mi­nas Gerais e as outras duas de Santa Catarina. ''A rosa-do cam­po já era indicada pela medici­na popular contra processos inflamatórios e picada de co­bra, o sarandi negro pode ser usado para eliminar cálculos renais e é eficaz nos processos

26 • NOVEMBRO DE 2000 • PESQUI SA FAPESP

nador da expedição, Sérgio Azevedo, espera encontrar novas espécies. "A abun­dância de fósseis nas áreas selecionadas é notável e com uma equipe atenta po­demos achar material des­conhecido", diz Azevedo. "Agora, pode não aparecer nada de novo." O projeto Em Busca dos Dinossauros

dolorosos e a amora branca também funciona contra dor e diabetes", explica Rivaldo Niero, professor do curso de Farmácia do Centro de Ciên­cias da Saúde da Universida­de do Vale do Itajaí (Univali). Além da Univali, ele recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Programa Institucional de Capacitação Docente e Téc­nica (PICDT), ambos do Mi­nistério da Educação (MEC) . O estudo levou quatro anos, custou cerca de R$ 50 mil e, segundo Niero, há uma em­presa alemã interessada no trabalho. •

custará R$ 936 mil e é uma parceria do museu, da em­presa Fogo-Fátuo Expedi­ções, que cuidará da logís­tica, do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Ciência e Tecnologia. Os paleontólogos são todos professores da Universida­de Federal do Rio de Janei­ro (UFRJ). •

Porcos maiores, macios e resistentes

Uma equipe de veterinários da Universidade Federal de Viçosa (UFV) trabalha para conseguir porcos maiores, com carne mais macia e re­sistente a doenças. Simone Guimarães e Paulo Sávio Lo-

pes desenvolvem o Programa de Identificação Genômica em Suínos (Pigs) e devem, até 2001, achar os genes respon­sáveis por essas qualidades para ajudar a acelerar o me­lhoramento genético e a pro­dutividade. Os pesquisadores cruzaram as duas linhagens comerciais- os suínos de pe­le branca, pouca gordura e crescimento rápido com as raças nativas, os porcos pin­tados, que crescem devagar, comem muito e acumulam gordura. Os suínos respon­dem por quase a metade da carne consumida no planeta e são muito estudados em to­do o mundo. "Temos um ma­terial valioso nas mãos", diz Simone. •

Nova bactéria produz plástico

O Brasil poderá ganhar um mercado promissor num fu­turo próximo: o de plástico biodegradável de cana-de­açúcar. O Instituto de Pesqui­sas Tecnológicas (IPT), ligado ao governo do Estado de São Paulo, identificou uma nova bactéria, a Burkholderia sac­chari, isolada em solo de plan­tação de cana, que produz esse tipo de plástico. "Agora esta­mos trabalhando para au­mentar a produtividade da bactéria", diz a pesquisadora Luiziana Ferreira da Silva, do IPT, que coordenou as ativida-

des de microbio­logia do projeto. "Há nichos im­portantes que po­derão usar o pro­duto a curto prazo, como a área de me­dicina, por exem­plo" afirmou Lui-ziana. •

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ISS recebe a primeira tripulação

Demorou dois anos, mas va­leu a pena. Depois que a na­ve Soyuz entrou em órbita com os três tripulantes a bor­do, rumo à Estação Espacial Internacional (ISS), america­nos e russos se abraçaram, nu­ma cena inusitada. O local da decolagem foi em Baikonur, no Casaquistão - o mesmo lugar onde a era espacial co­meçou, há 42 anos, com o lançamento do primeiro sa­télite artificial, o soviético Sputnik. No dia 30 de outu­bro, o comandante america­no Bill Shepherd e os russos Sergei Krikalev e Yuri Gid­zenko partiram para a tempo­rada inaugural da ISS, num projeto conjunto que está sen­do considerado o início de uma nova época no conheci­mento do espaço. "A partir de agora, estaremos sempre com pessoas orbitando a Terra", disse Daniel Goldin, diretor da Nasa, a agência espacial norte-americana. "Construi­remos bases em Marte, na Lua e até em asteróides." O projeto internacional reúne 16 países, o Brasil entre eles, e custará US$ 60 bilhões no total, até sua montagem final prevista para 2005. Nas pri­meiras semanas, a tripulação trabalhou para colocar a casa em ordem: instalou cabos, monitores, ativou os siste­mas de geração de energia e oxigênio. Eles ficam na esta­ção até fevereiro, quando a equipe será trocada. A ISS substitui definitivamente a Mir, a estação russa que ficou 14 anos no espaço, embora fosse projetada para durar apenas três anos. Nesse pe­ríodo, ela recebeu 62 astro­nautas de 11 países, além dos cosmonautas russos, e abri­gou 23 mil experiências cien­tíficas. Agora, o governo da

Quando pronta, a ISS terá o

mesmo espaço de um Boeing

747. Sergei, Bill e Yuri serão

substituídos em

Rússia já avisou que ela de­verá cair a qualquer momen­to no Oceano Pacífico e se es­palhar por uma área de 9.600 quilômetros por 200 quilômetros. A maior parte da Mir deve incendiar-se ao en-trar na atmosfera. •

Estudo sobre morros do Recife

A prefeitura do Recife enco­mendou um estudo que pode ajudar a evitar os previsíveis desmoronamentos em mor­ros da capital pernambucana

O sono regulado pelo fígado

o peixe-zebra (Brachy- ~~3SSS! danio rerio), chamado no r' Brasil de paulistinha ou bandeira-paulista, pode ajudar a humanidade a dormir melhor. Pesqui­sadores da Universidade Louis Pasteur, em Stras­bourg, na França, verifi­caram que essa espécie, originária da Índia, pos­sui relógios biológicos periféricos. Encontram­se principalmente nas células do fígado, cora­ção e rins e ajudam a controlar o ciclo circa­diano, que regula a ai-

Paulisti nha: esperança

ternância entre vigília e sono. Os resultados dos experimentos sugerem que essas células pos­suem fotorreceptores, su­jeitos à influência da luz. O mecanismo de contro­le periférico pode permi­tir a criação de terapias para os distúrbios de so­no que surgem quando o relógio circadiano está de­sajustado. •

durante a temporada de chu­vas. A professora Margareth Alheiras, do Departamento de Geologia da Universidade Fe­deral de Pernambuco (UFPE), especialista em riscos geoló­gicos urbanos, catalogou as áreas de risco. A maior inci­dência de deslizamentos ocor­re nas áreas onde houve in­tervenções importantes na região, como aterro e obstru­ção do caminho das águas, fatores que comandam o pro­cesso de instabilidade. "As fortes chuvas são, então, o ga­tilho que deflagara os desmo­ronamentos", diz Margareth. A maior dificuldade dos téc­nicos é evitar o deslizamento sem tirar todas as pessoas do morro. "Como os morros já são áreas ocupadas (SOO mil pessoas no Recife, 900 mil na região metropolitana), ainda estamos buscando soluções para resolver o problema de modo mais adequado à reali­dade local'; explica a pesqui­sadora. •

O alto vôo dos insetos

O Institute of Arable Crops Research, em Rothamsted, na Grã-Bretanha, descobriu que os insetos voam bem mais alto do que se pensava, segundo revelou a revista New Scientist. Usando um radar de ondas verticais, a equipe do entomo­logista Jason Chapman achou insetos em altitudes de até 1.200 metros. O fato deverá mudar os conceitos sobre mi­gração em massa. "Até agora, não se acreditava nesse tipo de movimento", disse Jason Chapman. Os pesquisadores suspeitam que os insetos voam alto para aproveitar os ventos mais fortes. O resultado do estudo ainda está sendo preparado pelos pesquisado­res para publicação em revista especializada. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 27

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28 • NOVEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

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CAPA

GENÔMICA

Os a uitetos da

CARLOS FIORAVANTI

O conhecimento acumulado pelos pesquisadores do Genoma Cana complementa as técnicas de melhoramento genético tradicional e mostra

como desenvolver variedades mais produtivas e resistentes a pragas

a-de-açúcar ideal é realizável. Mais produ-va, resistente a pragas e doenças, tolerante à eca e a herbicidas e eficiente na absorção de nutrientes a ponto de sobreviver mais facil­mente em solos ácidos ou pouco férteis,

poderá tomar forma a partir das descobertas do Geno­ma Cana, que está chegando ao fim, um ano e meio após ter sido anunciado publicamente. Os 240 pesquisadores que estão trabalhando nesse projeto - o primeiro se­qüenciamento de um vegetal realizado no Brasil- iden­tificaram cerca de 80 mil genes que dão um mapa com­pleto de como a planta vive, se reproduz e morre - e, devidamente manipulados, podem viabilizar essas ca­racterísticas tão sonhadas pelos fazendeiros e fabricantes de açúcar e álcool.

A cana redesenhada já tem data para nascer. "Em dois anos, devem estar prontas, pelo menos em laboratório, as primeiras variedades de cana resistentes a duas pragas, a bactéria Leifsonia xyli e o fungo-do-carvão", anuncia Pau­lo Arruda, coordenador de DNA, que está à frente de uma rede de 60 laboratórios, 22 deles atentos ao seqüencia­mento e outros 48 dedicados à mineração ou prospecção de dados, o chamado data mining. "Podemos sonhar ain­da mais alto", diz Éder Giglioti, pesquisador da Universi­dade Federal de São Carlos (UFSCar). Ainda não é a prio­ridade, mas, segundo ele, já se pode pensar em utilizar a cana-de-açúcar como biorreator, capaz de produzir não apenas açúcar e álcool, mas também compostos químicos

de interesse para a indústria farmacêutica, como já come­ça a ser feito em outros países.

Em breve, o Genoma Cana ou Sucest, do inglês Sugar­cane EST, deverá abrir-se em duas vertentes. De um lado, deve-se fortalecer a pesquisa aplicada, em busca de novas variedades de cana. De outro, prosseguem os estudos bási­cos, voltados para uma compreensão mais aprofundada dos mecanis~os biológicos da cana. Arruda imagina que essas duas linhas vão se cruzar e se beneficiar continua­mente. "Vamos unir a fronteira do conhecimento cientí­fico com a busca de resultados': diz ele. A novidade é a par­ticipação dos produtores de açúcar e álcool, com quem ele tem conversado intensamente nos últimos meses. Seus objetivos: identificar os problemas específicos a serem trabalhados com as informações colhidas no Genoma Cana e conseguir novos parceiros que possam financiar uma parte das pesquisas nessa nova fase. "Queremos que esse trabalho ajude a resolver problemas concretos", diz.

Com esse enfoque, devem ser ainda mais valorizadas as pesquisas de três laboratórios de melhoramento gené­tico, que já participavam do Genoma e mantêm contatos freqüentes com os plantadores de cana. São eles: o Cen­tro de Tecnologia da Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo ( Copersu­car), que nessa etapa inicial contribuiu com cerca deUS$ 400 mil para o projeto, o Instituto Agronômico de Cam­pinas (IAC) e o Centro de Ciências Agrárias da UFSCar, em Araras, construído a partir das instalações do Plano

PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO OE 2000 • 29

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Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar (Planal­sucar), extinto no início dos anos 90.

Feitas as contas, o Genoma Cana deverá terminar quase um ano antes do prazo previsto e custando a me­tade dos US$ 8 milhões aprovados pela FAPESP. A econo­mia resulta, em parte, da infra-estrutura já instalada e da experiência da equipe: dos 32 laboratórios iniciais, 15 do grupo de seqüenciamento e oito do data mining haviam participado do Genoma Xylella, projeto pioneiro de se­qüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, concluído no início do ano, que pôs a comunidade científica nacional na linha de frente da genômica mundial.

Réplicas dos clones da cana, da Xylella e, futuramen­te, de outras duas bactérias, a Xanthomonas citri e a Leif­sonia, cujos mapeamentos se encontram em andamento, vão ficar no Laboratório de Estocagem e Distribuição de Clones, que deve começar a funcionar no próximo mês no campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal, e faz do Brasil um

-pode residir aí a origem das características mais pecu­liares da cana. É uma montanha de informações que os pesquisadores pretendem organizar, até dezembro, na for­ma de um gene index, uma relação dos genes da cana agru­pados por função. Há 40 categorias estruturadas e 15 mil genes já classificados, entre eles de oito a dez associados à produção de sacarose, cuja ação pode a princípio ser fa­cilitada em busca de uma cana mais doce.

Comparações - O trabalho de análise de dados, o data mining, implica passar horas diante do computador à procura de semelhanças genéticas entre a cana e outras plantas e mesmo outras espécies, incluindo microrganis­mos, animais e o homem. Uma autêntica garimpagem: há cerca de SOO projetos de seqüenciamento em anda­mento no mundo- da maçã ao gato doméstico. Foi assim que, na Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu, Eiko Eurya Kuramae encontrou 240 genes

fornecedor de material genético para o mundo (ver box).

Os pesquisadores superaram a meta inicial de 50 mil genes ativos ou expressos, diretamente associa­dos ao metabolismo da planta. Já se conhece a função de dois terços des­se total, por causa da semelhança apresentada com os genes de outros organismos, descritos em bancos de dados internacionais. A outra parte é ainda mais importante: um terço dos genes encontrados é inédito, sem equivalente em outros organismos

Clones do Brasil para o mundo

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Prestes a ser inaugurado, o Labo­ratório de Estocagem e Distribuição de Clones ou Brazilian Clone Collec­tion Center (BCCC), em Jaboticabal, vai manter os clones gerados nos projetos genoma a sete chaves, em uma sala climatizada a 20 graus Cel­sius, com parede dupla recheada de isopor, dentro de oito freezers man-

tidos a 86 graus Celsius negativos, sob vigilância permanente. Quando chegarem pedidos de clones, um sis­tema robotizado dotado de uma câ­mera de vídeo vai coletar bactérias na placa de petri e organizar as amostras em microplacas, com 96 ou 384 orifícios, ou em membranas de alta densidade, a serem usadas

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O Brasil lidera

O Genoma Cana está na frente entre os projetes de seqüenciamento de plantas no mundo*

Genoma Cana (Sucest)

....... Soja

Arabidopsis thaliana

To mate Sorgo

Milho ....... Cevada

~ Arroz Batata

*os números indicam o total de seqüências (ESTs) realizadas

relacionados à produção de substâncias de defesa contra patógenos (fungos, vírus, bactérias) e insetos.

Com eles, Eiko chegou a um modelo de como a plan­ta age diante de um ataque externo - um conhecimento estratégico quando se pensa em desenvolver plantas mais resistentes a pragas. É uma luta difícil, de lado a lado. Quando atacada, a planta procura impedir a entrada dos microrganismos. Se não consegue, produz substâncias tóxicas que inibem o avanço dos invasores (ver ilustração na página 32). Segundo ela, as reações dependem dos sis­temas de interação com o patógeno, da idade, do tecido atacado e das condições de nutrição da planta. "O contro­le genético de resistência a patógenos em plantas é deter-

Fonte: CBMEG/Unicamp

minado pela interação gene a gene", diz Eiko. "A resposta de resistência é induzida somen­te se o patógeno codifica um gene de avirulência específico, o avr, e a planta carrega um gene correspondente de resis­tência, o R." A doença ocorre somente se o gene R da planta e o avr dos invasores não exis­tem ou são inativos.

a dessas substân­as, o ácido jasmô­ico, Vicente Eu­gênio de Rosa Jr., co-orientado

por Eiko, dedica seu doutora­do. Sobre outra, o ácido sali­cílico, trabalha Marleide de Andrade Lima em seu pós­doutoramento. Esses estudos nesse campo têm aplicações práticas: o sistema de defesa da planta pode ser ampliado pelo aumento da expressão dos genes associados à pro­

dução dessas substâncias de defesa. Quem também trabalhou com as substâncias de defe­

sa, com um enfoque complementar, foi Suzelei de Castro França, na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp ). Es­tudando os genes expressos da cana, ela descobriu que cada tecido da cana apresenta reações diferenciadas con­tra patógenos, predadores ou ferimentos em geral, valo­rizando ora Úm, ora outro composto químico, de acordo com a situação (ver ilustração na página 33). No momen­to, Suzelei concentra-se no estudo da sinalização celular, o mecanismo pelo qual os diferentes órgãos da cana seco­municam entre si, e aos poucos cria alternativas para a ma­nipulação da produção das substâncias ligadas ao estresse.

nos experimentos de manipulação genética.

É o primeiro laboratório do gê­nero na América Latina. Montado a um custo deUS$ 240 mil, vai fun­cionar em moldes semelhantes aos bancos da American Type Collec­tion Clones (ATCC) ou do Image Consortium, dos Estados Unidos. Poderá atender a instituições públi­cas de pesquisa ao preço de custo, hoje entre US$ 30 e US$ 50, sob o

compromisso escrito de que o ma­terial só será usado com finalidades acadêmicas, sem fins comerciais. "Dentro de três anos, o laboratório terá de ser auto-suficiente", afirma Jesus Aparecido Ferro, um dos coor­denadores do Genoma Cana que vai cuidar do novo laboratório.

vai analisar se o clone poderá ou não ser vendido", diz. "Em um caso extremo, o pedido poderá ser recu­sado." E, acrescenta, como medida de segurança, vão seguir apenas o nome do gene e a indicação de ho­mologia (semelhança) do gene soli­citado com os de outros organismos. "A seqüência de bases, fundamental aos estudos de manipulação genéti­ca, permanecerá confidencial", afir­ma Jesus Ferro.

Segundo ele, empresas e institui­ções particulares de pesquisa de­vem receber um tratamento dife­renciado. "Um comitê supervisor

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Do ponto de vista agronômi­co, isso significa plantas mais sadias, resistentes a intempé­ries e, portanto, plantações mais rentáveis.

Funções essenciais - Pode-se ter a falsa impressão de que o interior da célula não exibe mais segredos, tal a familiari­dade com que os pesquisado­res falam das intimidades da cana e acrescentam novidades ao conhecimento já estabele­cido. Um exemplo é a mito­côndria, um compartimento da célula que tem uma tarefa já atestada, a produção de energia. Mas Francisco Gor­gônio da Nóbrega, da Univer­sidade do Vale do Paraíba (Univap ), em São José dos Campos, verificou que a mi­tocôndria cumpre outras fun­ções essenciais. Uma delas é a produção do chamado centro ferro-enxofre, associações de átomos de ferro e enxofre que têm função de transporte de elétrons dentro da célula. For­mam também, como ele com­provou, uma espécie de caixa que dá estabilidade às proteí­nas elaboradas pela célula.

A reprodução celular tam­bém se tornou razoavelmente clara. Foi estudada por Paulo

Dentro da célula Como os compostos químicos interagem em resposta aos patógenos

Prote ínas da membrana externa atuam como sensores que detectam ~Patógeno a aproximação do patógeno e acionam os mecanismos \ iniciais de defesa.

As proteínas receptoras da planta (R) detectam o contato físico do patógeno ou as proteínas liberadas por ele.

A proteína GEBP se liga a glucanas (açúcares) da parede celular do patógeno.

~~rM~~~~~~~~~TrrMõT~~

\i '.i R

:~~\i~\ A proteína R aciona a produção de peróxido de

{o sinal químico que confirma

a presença do patógeno aciona a produção de ácido

salicílico ou de ácido

hidrogênio (H202). que age diretamente sobre o patógeno.

O H202 também induz à produção de toxinas de ação geral, como as fitoalexinas , e de lignina, que serve de reforço à parede celular.

O ácido salicílico aciona os genes ligados à produção de fitoalexinas (antifúngicos), reações de hipe rsensibilidade e apoptose (morte celular programada).

O acúmu lo de H20 2, ácidos jasmô nico e salicíli co e etileno funciona como sina is de alarme para as cé lulas vizinhas.

jasmônico, de efeitos antagônicos.

O ácido jasmônico aciona os genes

que levam à produção de inibidores de

proteases, que anulam as proteínas

I liberadas por insetos, e de

glucanases, com ação

sobre fungos.

Ferreira e Adriana Hemerly, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos primeiros grupos de data mining de fora de São Paulo a integrar o projeto, em abril do ano passado. Descobriram até agora 15 genes exclusi­vos da cana, associados a pelo menos quatro formas dife­rentes de proteínas chamadas quinases, cuja função ago­ra se conhece bem: são elas, segundo Ferreira, que ativam ou desativam cada etapa do ciclo celular, da duplicação do DNA à separação das duas células. "As quinases são proteínas de licenciamento, que disparam o processo de divisão celular e permitem a ação das proteínas do com­plexo de reconhecimento de origem, que se ligam ao DNA", diz ele. Há também as proteínas chamadas com­plexo promotor de anáfase ou APC, acionadas pelas qui­nases, que depois a célula destrói, de modo a permitir que os cromossomas se separem.

(ICB) da Universidade de São Paulo (USP), investiga como os organismos consertam a molécula de DNA- por meio de outras moléculas. As proteínas de reparo reco­nhecem a lesão, reúnem as enzimas que eliminam o tre­cho lesado e abrem caminho para outras enzimas que vão pôr no DNA o trecho que devia estar correto desd~ o iní­cio. Se o DNA permanecer danificado, ocorrem doenças graves, como a síndrome de Cockayne, com problemas de desenvolvimento e retardo mental.

Menck comparou os genes de reparo de humanos, le­vedura (organismo unicelular) e dois vegetais, cana e Ara­bidopsis thaliana, uma planta da família da mostarda de apenas cinco pares de cromossomas usada como mode­lo nos estudos de biologia molecular. Encontrou 85 genes em comum, uma semelhança de 73%. Análises mais refi­nadas indicaram a proximidade entre os grupos. "Nosso sistema de reparo se parece mais com o de uma planta do que com o de uma levedura", diz ele. Desse total, um ter-

Nem tudo está compreendido, evidentemente. Carlos Martins Menck, no Instituto de Ciências Biomédicas

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Como a cana reage aos imprevistos

Cada parte da planta produz compostos químicos diferentes, de acordo com a situação

raios ultr<i'Vii:llet:a aciona a produ de antocianinas, flavonols e isoflavonas.

A sinalização (comunicação) celular se realiza por meio do ácido salicílico, ácido jasmônico e Príi,Pnroi 'II ' JI

A baixa concentração de nitrogênio induz a cana a produzir flavonóides e isoflavonóides.

Lesõe s física s

'- (ferimentos) ' estimulam os processos de

produção de cumestrol, cumarina, furanocumarinas, ésteres ferrúlicos,fenó licos

aderidos à parede, ligninae suberina.

O ata que d e patógenos

induz à liberação de isoflavonas,

isoflavonóides prenilados, estilbenos, cumarinas e

furanocumarinas.

Causa de mutações - Também não se entende direito, ainda, o comportamento dos transpo­sons - os genes saltadores, que pulam de um cromossoma para outro, descobertos na déca­da de 40 pela geneticista norte-americana Bar­bara McClintock (1902-1992, Nobel de Medi­cina de 1983) e aceitos a muito custo pela comunidade científica. Marie-Anne Van Sluys, no Instituto de Biociências da USP, não espe­rava encontrar muitos deles na cana, mas achou nada menos de 13 tipos diferentes de transposons.

Pensava-se que os genes saltadores funcio­nassem em lugares muito específicos, do mes­mo tecido. Mas não. Como ela descobriu, mais de um desses genes inquietos está ativo em cé­lulas do mesmo tecido ao mesmo tempo. "Nunca antes foi avaliada a capacidade dos transposons se expressarem juntos no mesmo tecido'~ diz Marie-Anne, que deixa escapar duas perguntas. Por que há diferentes transpo­sons no mesmo tecido? Será que têm outra função que ainda não se conhece? Em bacté­rias, estão associados à resistência a antibióticos. Em drosóflias, a mosca-de-frutas, garantem a estrutura dos telômeros, as pontas dos cromos­somos. Por pularem muito, os transposons provocam mutações e a variabilidade genética das espécies, selecionadas ao longo do processo evolutivo. Por essa razão é que Marie-Anne os vê como candidatos a marcadores genéticos de variedades de cana a serem desenvolvidas.

ço dos genes encontrados em cana ainda não havia sido descrito em plantas.

As combinações são intrigantes- e indicam que, mais do que simples semelhanças, parece haver uma unidade entre os seres vivos. Segundo Menck, há genes de reparo em bac­

Com o arroz, outra planta do gru­po das gramíneas, a cana tem pelo menos um gene homólogo (semelhante), o XA21, que con-fere resistência à bactéria Xan­

thomonas orizae. A partir daí, Luís Eduardo Aranha Camar­go e a mestranda Mariana Sena Quirino, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, resolve­ram trabalhar por aproximação: querem que o XA21 seja

téria que aparentemente não há em huma­nos, mas estão presentes em plantas. Por outro lado, genes importantes de reparo do DNA, como o conhecido pela sigla XPA, presentes em humanos e leveduras, ainda não foram encontrados em Arabi­dopsis e em cana. Menck tem uma hipó­tese: "É possível que as plantas tenham mecanismos diferentes ou redundantes de reparo do DNA': Mas ainda não há co­mo entender o que pode estar fazendo na cana o gene BRCA1, cuja deficiência causa o câncer de mama em humanos.

O PROJETO

Genoma Cana

MODALIDADE

Projeto de pesquisa no âmbito do Programa Especial Genoma FAPESP

COORDENADOR

PAULO ARRUDA - Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp

INVESTIMENTO

US$ 4.484.090,61

ainda mais eficiente contra uma bac­téria semelhante, típica da cana, a Xanthomonas albilineans. Fizeram ex­perimentos valorizando a expressão desse gene e agora examinam o DNA das plantas-pais e das plantas-filhas.

A pesquisa mostrou quatro varia­ções do mesmo gene (alelos), "talvez com funções diferentes'~ diz Camar­go. Nesse ponto, o trabalho ganha outros contornos. "Podemos usar as informações do genoma da cana para buscar os genes ancestrais, res-

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ponsáveis pela cana moderna." Se der tudo certo, vão saber quais alelos vieram da Sac­charum officinarum ou da Saccharum sponta­neum, as duas espécies que deram origem à ca­na atual, um organismo considerado complexo.

A cana hoje utiliza­da para produzir açúcar, álcool, aguardente e a prosaica rapadura tem um número variável de cromossomas - de 100 a 130. Uma das prová­veis razões é que em cada célula se mantêm pelo menos em parte as cargas genéticas das espécies originais- a S. spontaneum tem de 36 a 128 cromossomas, e a S. offici­narum, entre 70 e 140. A planta atual é um híbrido ou, do ponto de vista celular, um organismo poliplóide: cada cromossoma tem de seis a dez cópias- nem sem­pre iguais. Essa peculiaridade fez com que o seqüencia­mento integral do genoma fosse descartado desde o iní­cio. Seria provavelmente caro, desgastante e demorado demais.

Açúcares especiais - Como alternativa, a equipe do Ge­noma trabalhou por amostragem, valendo-se da técnica de Expressed Sequence Tags ou etiquetas de seqüências expressas (ESTs), que acelera as descobertas por identifi­car apenas os trechos de genes expressos, responsáveis pela formação de proteínas. As descobertas acumula­vam-se num ritmo admirável. Em março de 1998, época das conversas preliminares sobre o projeto, as ESTs de plantas somavam 4,8% do total depositado no GenBank, no qual os ESTs humanos chegavam a 63,4%. Em dois anos, o número de ESTs de plantas aumentou mais de 15 vezes e hoje representa 18,2% do total (ver gráfico).

Na cana imaginada a partir dos genes descobertos, o teor de açúcar

nais, ainda que um pouco abaixo dos australianos ( 140 a 150 quilogramas por tonelada).

statação de que há 162 genes ligados ao me­holismo de açúcares em geral ( 44% dos ge­

nes já descritos em plantas e animais com a mesma função) estimula vôos mais altos, como a perspectiva de produzir açúcares

especiais. É o caso da trealose, que, além de ter valores co­merciais mais elevados, tem importância biológica: em outros organismos, confere resistência ao frio e à seca, uma característica pouco explorada na cana.

Eugênio Ulian, pesquisador da Copersucar que en­controu dois genes que levam à síntese de trealose, não está olhando apenas para a frente. Em julho deste ano, lembra ele, ocorreu em São Paulo uma geada forte, que abateu as plantações de milho, café e, em menor escala, a de cana. Ulian acredita que as perdas poderiam ser me­nores se já estivessem mais claros os mecanismos de ati­vação da produção de trealose.

Antiga fonte de riquezas não é um problema preocupante: desde os anos 70, a produtividade de açúcar tem crescido 1% ao ano, por meio do melhoramento gené­tico tradicional, com cruzamento e seleção de novas variedades. A cana brasileira produz de 120 a 130 qui­logramas de açúcar por tonelada, equiparável aos padrões internacio-

Trazida pelos portugueses da Ilha da Madeira, a cana-de-açúcar ganhou as terras brasileiras em 1502. Nunca

das de cana, o equivalente a 25% da produção mundial, convertidos em 14,5 milhões de toneladas de açúcar e 15,3 bilhões de litros de álcool. Mo­biliza também 350 indústrias, cerca de 50 mil produtores e um contin­gente de 1,4 milhão de trabalhadores

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mais deixou de ser uma fonte de ri­quezas para o país. A cultura ocupa 5 milhões de hectares e, a cada safra, o Brasil produz 300 milhões de to nela-

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Alcance nacional- Essas perspectivas se desenham a par­tir do trabalho integrado de laboratórios espalhados nas três universidades públicas estaduais (USP, Unicamp e Unesp), três particulares (em Ribeirão Preto, Mogi das Cruzes e São José dos Campos), no IAC e no Centro de Tecnologia da Copersucar. Fazem parte da rede ONSA (Organização de Análise e Seqüenciamento de Nucleotí­deos), apoiada por dois pontos centrais, o Centro de Bio­logia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) e o La­boratório de Bioinformática, ambos na Unicamp - o primeiro preparando o material a ser seqüenciado pelos laboratórios (fez cerca de 1 milhão de clones do genoma da cana) e o segundo organizando as informações no banco de dados, analisado pelos grupos de data mining.

Desde a etapa de planejamento, as pesquisas conta­ram com o respaldo internacional do steering committe, o comitê externo avaliador, integrado por Jean Christo­phe Glaszmann, do Centro Internacional de Cooperação em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França, e Andrew Paterson, da Universidade

de Geórgia, Estados Unidos. Mesmo que o projeto seja paulista, os resultados são compar­tilhados cada vez mais por outros Estados.

No final do ano pas­sado integraram-se mais dois grupos, um da Uni­versidade Federal Rural de Pernambuco (UFR­PE) e outro da Federal de Alagoas (UFAL), com o apoio das respectivas fundações estaduais de amparo à pesquisa. Em julho, outro avanço: aderiram mais 36 gru­pos de data mining, com grupos de institu­tos de pesquisa de Mi­nas Gerais, Paraná, Ba­

hia, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. E tamanha é a quantidade de informações gerada que Paulo Arruda, o coordenador do projeto, anima-se com a possibilidade de dar espaço a novas equipes, a partir do próximo ano.

"Precisamos de criatividade e de imaginação para aproveitar essas informações da melhor forma possível", lembra Menck, da USP. O esforço deve compensar. Ao romper os limites do melhoramento genético clássico, o que já se sabe sobre o genoma pode reduzir o tempo de desenvolvimento de novas variedades de cana, usual­mente um processo demorado, que toma de 12 a 15 anos. "Se no início reduzir um ano de trabalho, já está ótimo", diz William Burnquist, gerente do Centro de Tecnologia da Copersucar. A modéstia é só aparente: cada ano implica investimentos da ordem deUS$ 8 mi­lhões. Quando essa meta se viabilizar, por meio de mar­cadores genéticos que ajudem a selecionar as variedades de cana com as características desejadas já no início des­sa maratona, a economia obtida será o dobro do que se gastou na pesquisa até agora. •

diretos e outros 3,6 milhões indire­tos, segundo a Copersucar. São Pau­lo é o maior produtor nacional: no Estado, os negócios nesse campo mo­vimentam cerca de US$ 8 bilhões e empregam, diretamente, 600 mil tra­balhadores.

O Genoma Cana foi concebido com um acentuado recorte econô­mico, com a finalidade de ampliar a

produtividade da indústria de açú­car e de álcool. Enfrenta também desafios iminentes. Um deles é o combate à bactéria Leifsonia xyli subsp. xyli, causadora de uma das mais graves doenças da cana em todo o mundo, o raquitismo-da­soqueira, que provocou perdas esti­madas em US$ 2 bilhões no Brasil, nos últimos 30 anos.

E às vezes surgem novos proble­mas. Éder Giglioti, da UFSCar, ca­racterizou uma nova doença da cana-de-açúcar, a falsa estrias ver­melhas, observada até o momento somente no Brasil. Segundo ele, há evidências de que se trata de uma nova espécie de Xanthomonas, a quinta do gênero a ser isolada da cana.

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CIÊNCIA

ENTREVISTA: JOSÉ LEITE LOPES

Um físico a toda prova O

professor José Leite Lopes, um pernambu­cano rijo de 82 anos completados em 28 de outubro deste ano 2000, é um venerável personagem da ciência brasileira. que conti­nua muito perto de duas grandes paixões

de sua vida: ''Acompanho o progresso das novas teorias da Física e os problemas políticos da ciência brasileira", diz. Esse exercício suave de fidelidade às suas vocações, mesmo estando aposentado e distante das pesquisas em Física de Partículas e em Teoria de Campos que o tornaram um cien­tista internacionalmente reconhecido, ele mantém princi­palmente no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o CBPF, por cuja criação batalhou no fim da década de 40, depois dirigiu, de 1960 a 1964, e do qual se demitiu quando o golpe de Estado daquele ano espalhou arbitrariedades in­suportáveis pelo país.

eletromagnéticas e das forças fracas que foi o primeiro a apontar, e a predição de existência do bóson ZO, desco­berto depois já na década de 80. São achados científicos de 1958.

Entre as atribulações que viveu em decorrência dos problemas políticos do país, ele registra a ida para a Fran­ça em 1964 e o retorno ao Brasil em 1967, em parte aten­dendo a apelos dos estudantes cariocas e confiante numa redemocratização que afinal não se materializou. Inclui também a cassação de seus direitos pelo AI-S em 1969, a ida para Pittsburgh e, em 1970, para Estrasburgo, na Fran­ça, onde permaneceu até 1986.

Leite Lopes tem entre suas contribuições originais à Física a proposição dos w+ w- como bósons vetoriais li­gados ao fóton, o que daria uma unificação das forças

Professor emérito das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)- onde trabalhou de 1946 a 1964 e de 1967 a 1969-, de Estrasburgo e do CBPF, Leite Lopes falou com carinho de seus três filhos - o antropólogo José Sérgio, o especialista em informática Sílvio Ricardo e a dramaturga Ângela - quando concedeu a Mariluce Moura a entrevis­ta a seguir, que é uma verdadeira aula de Física e de vida.

• Comecemos explicando seu traba­lho sobre a unificação das forças ele­tromagnéticas e forças fracas.

- Na Física existem quatro tipos de forças fundamentais que se chamam interações. A gravitacional, que todos nós, toda a matéria, toda a energia, o que quer que exista sofre. Foi inven­tada por Isaac Newton e aperfeiçoada por Einstein. Existe a interação eletro­magnética, carregada pelos fótons; a interação fraca, aquela que comanda a desintegração do nêutron em pró­ton mais elétron mais neutrino; e existe a interação nuclear, a mais for­te de todas e que dá estabilidade à matéria. Existimos porque existem as interações nucleares, que fazem com que nêutrons e prótons no núcleo atô­mico se reúnam, formando configura­ções estáveis. Já a gravitação, do pon­to de vista da Física Atômica, é a mais fraca de todas, mas no universo é quem comanda soberana, porque uma es­trela, por exemplo, é formada pela

atração gravitacional da matéria que começa a se contrair. Tudo o que é massa, tudo o que é energia, sofre essa atração mútua e começa a se contrair, mas à medida que se contrai vai au­mentando a temperatura até chegat a um ponto tal em que se produzem rea­ções nucleares entre essas partículas.

• De quanto é essa temperatura?

- Oooh ... bilhões de graus centígra­dos. Há o aquecimento e então rea­ções nucleares que emitem luz, emi­tem ondas, e é por isso que as estrelas são visíveis. Mas a interação importan­te nas estrelas é a transformação de hidrogênio em hélio. O hidrogênio reage entre eles e produz o gás hélio. Existe sempre uma quantidade finita e quando essa quantidade queima to­da não há mais material para reações nucleares. Não as havendo, a gravita­ção dá uma gargalhada e continua mandando e contraindo, aumentan­do a temperatura nessa contração, e

dependendo da massa da estrela ela pode dar uma parte, são as supernovas, e vê-se quando elas queimam, produ­zindo uma grande luminosidade. Mas existe entre as partículas uma repul­são fundamental, que provém do prin­cípio de Pauli. Ele é o prêmio Nobel com quem trabalhei, Wolfgang Pauli.

• O senhor trabalhou com ele em 1945?

- Sim, em Princeton. Pauli diz que não pode haver mais de um elétron em cada estado. Ou existe zero ou um, se vier um outro elétron, ele passa pa­ra o estado superior. Quando a maté­ria se contrai é como se houvesse uma força de repulsão, os elétrons não po­dem ocupar todos a mesma posição. Essa força se contrapõe à atração gra­vitacional, e chega um momento em que se forma o buraco negro, porque a gravitação manda sempre e termi­na formando um campo de gravita­ção muito forte, que atrai tudo para dentro dela. A luz, por exemplo, sai

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normalmente, mas chega a um campo de gravitação tão forte que fica presa. Por isso temos o bura­co negro, que só se sabe que exis­te pelo fato de ter uma massa gran­de e sem visibilidade alguma que atrapalha o movimento das outras partículas. Sempre me interessei por essas forças, trabalhei com Pau­li sobre as forças nucleares, mas de­pois passei a estudar as interações fracas- aquelas que comandam a desintegração do nêutron em pró­ton, elétron e neutrino, ou ainda o bóson Pi, que se desintegra em uma partícula chamada muon e um neutrino. Pauli inventou o neutrino em 1930, porque verifi­cou-se que existem núcleos que se desintegram emitindo elétrons e esses elétrons que saem deveriam ter uma energia definida, resulta­do do núcleo filho menos o núcleo pai. Essa energia devia ir no elétron.

• Mas alguma coisa atrapalha isso.

- Ah, é, mas o elétron você encontra de todas as energias possíveis, desde esse máximo até zero, e ninguém com­preendia por quê. Até que Pauli man­dou uma carta para uma reunião que houve na Alemanha, porque ele tinha

uma dança, um encontro para ir, di­zendo: "Prezados senhoras e senho­res radioativos ... ", e observava que o fato de o elétron ter todas as energias possíveis, até essa energia máxima, provém do fato de que um núcleo, quando se desintegra num outro nú­cleo, faz sair um elétron e uma partí­cula nova, de massa muito pequena, podendo ser zero, e a energia é distri­buída entre as duas partículas: ou o

Turbulências no mundo das partículas

De tempos em tempos, teorias aparentemente sólidas e brilhantes como diamantes são destruídas por outras teorias emergentes, que mostram as falhas da anterior e apontam novos caminhos. A situa­ção é absolutamente natural. Os problemas começam quando uma velha lei da ciência é derrubada e não se sabe o que colocar no lugar. Em 1900, Max Planck publicou o primeiro trabalho com a primeira versão da teoria quântica e come­çou a construir um modelo de como o Universo funciona. Cem anos depois, o resultado dos traba-

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lhos dos físicos teóricos, de analisar os resultados dos experimentos saí­dos dos aceleradores de partículas de alta energia, está chegando ao fim com a descoberta da partícula chamada bóson de Higgs. O pro­blema é que o modelo padrão, ao que parece, está definitivamente envelhecido, segundo relata a revis­ta The Economist, de 7 de outubro.

A situação remete ao século 19, antes de Max Planck anunciar suas idéias, quando os físicos tinham uma descrição pronta do Universo, uma espécie de "teoria de tudo". Os físicos de hoje são mais cautelosos e

z

~ elétron ou isso que ele chamou de ~ d nêutron, mas é neutrino - ain a :>

~ não havia o nêutron. Depois ele foi descoberto e Enrico Fermi, a quem Pauli contou essa teoria, disse les particelle di Pauli sono piu tosto, são antes neutrinos e não neutrones, são pequenos.

• Quem descobriu o nêutron?

- Chadwick. Houve uma reação, na qual bombardeando acho que berílio com partículas alfa produ­ziram-se partículas que Joliot e Irene Curie verificaram que ti­nham a propriedade, quando ab­sorvidas por uma região que tem próton, de mandar prótons para

fora. Joliot achava que eram fótons de muito alta energia. Daí Chadwick disse que se saem prótons é porque vem uma partícula com massa quase igual à do próton e emite um. Quan­do se tem duas partículas que se faz interagir, uma pode passar a outra toda para ela, e essa fica parada. Um problema de mecânica que acho que Joliot não entendeu bem. Então ele achou que havia essa partícula, devia

sabem que não é prudente afirmar ter uma teoria à prova de falhas. Eles também não têm noção de qual será o próximo passo, que mudará os paradigmas vigentes.

A revista New Scientist, de 14 de outubro, revelou que o pesquisador britânico Humphrey Maris é quem mais contribui para o debate sobre o futuro da física. Maris, da Brown University, afirma que há 30 anos o impensável aconteceu em Minne­sota: pesquisadores quebraram o "indivisível" elétron em fragmentos. E, até agora, ninguém conseguiu provar o contrário. "Esses fragmen­tos de elétrons se comportam, para todos os meios e fins, como partí­culas totalmente separadas", diz.

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ser o nêutron, cuja massa é um pouquinho superior à do próton, e ele era o homem para descobrir porque, já desde 1919, o grande Rutherford havia predito que no hidrogênio você tem o elétron em torno do próton, isso terminaria caindo, e elétron mais próton, ne­gativo com positivo, daria uma par­tícula neutra. Depois Chadwick co­meçou a procurar e, quando viu essa reação que produzia próton, achou que era uma partícula neu­tra, era o nêutron. Então o nêu­tron se desintegra dando um pró­ton mais um elétron, mais o neutrino. Esse neutrino então foi inventado por Pauli, tinha uma partícula de massa muito peque-

na, podendo ser zero, e passou-se muito tempo sem se descobri-lo. De­pois descobriu-se, César Lattes com Occhialini e Powell descobriram o píon, que se desintegra dando múon mais uma partícula neutra, que se pensava que fosse o mesmo neutrino. Mas, invertendo a reação, bombar­deando a matéria com esse neutrino que sai, verificou-se que se ele fosse o mesmo do nêutron produziria um

"Eu as chamo de eletrinos!' As afir­mações sacudiram o mundo da físi­ca porque nestes 103 anos, desde que foi descoberto, não houve nenhu­ma evidência de que o elétron seja divisível. "Humphrey conseguiu expor uma falha na estrutura da Teoria Quântica", admitiu para a New Scientist Peter McClintock, da Universidade de Lancaster.

Maris imaginou que um elétron em uma bolha de hélio líquido po­deria ser colocado num estado instá­vel em forma de halteres e pressio­nada de tal modo que fosse possível separá-la em duas. Antes de testar a idéia, o físico vasculhou a literatu­ra existente para ver se alguém já havia feito o mesmo. Descobriu o

''Qual foi a minha maior

contribuição à Física?

Essa dos w+ w­sendo bósons

vetoriais ligados ao fóton. Isso dá uma unificação

que fui o primeiro a apontar''

nêutron nessa reação inversa, o que não acontecia: essa partícula neutra saída dava lugar a píons, a múons, e então, além do neutrino de Pauli, que aparece na desintegração do nêutron, há um neutrino muônico que é liga­do à desintegração do píon em múon mais esse neutrino.

• Então diferentes partículas têm o seu neutrino correspondente.

que procurava em artigos escritos no final dos anos 60, quando Jan Northby e Mike Sanders, na Univer­sidade de Minnesota, estudaram a velocidade das bolhas de elétron se movendo no campo elétrico em hé­lio líquido. Em 1971 e 1984, outros pesquisadores fizeram trabalhos se­melhantes. Ocorre que nenhum de­les descreveu a divisão do elétron.

O próprio Maris passou anos sem contar para ninguém o que pensava. Apenas em junho deste ano ele apresentou seu trabalho nu­ma conferência em Minneapolis e o publicou no fournal of Low Tem­perature Physics (vol. 120, pg. 173). No final, mais de cem físicos ques­tionaram cada aspecto da teoria.

-É, tem três tipos de neutrino: o eletrônico, o muônico e o tauôni­co, esse descoberto recentemente.

• Quando se descobriu o nêutron?

- Em 32. O píon e o múon em 1946, 47 ... Já o o tau é bem recen­te, da década de 70.

• Há alguma relação entre a desco­berta das partículas em 46, 47 com as pesquisas que estavam sendo fei­tas no projeto Manhattan?

- Não. O Projeto Manhattan queria fabricar bomba atômica e o pessoal só pensava em fazê-lo antes que Hitler o conseguisse. Nessa época eu estava em Prince­ton trabalhando com Pauli. Pas­sou-se muito tempo sem saber

como se dava a desintegração do nêutron em próton mais elétron mais antineutrino. Então, finalmente, Feynman e Gell-Mann acharam que essa interação fraca do nêutron em próton, elétron e neutrino era do tipo vetorial. Quer dizer: há uma for­ma geométrica. Podia ser escalar, po­dia ser várias outras, eles achavam que devia ser vetorial. Aí eu imedia­tamente pensei que haveria bósons

Mas Maris tinha resposta para tudo e, apesar de ninguém ter descarta­do totalmente a possibilidade da divisão da partícula, os críticos não condescenderam. "A idéia de um elétron se separar em fragmentos é totalmente incompatível com a Te­oria Quântica de Campos", diz An­thony Leggett, da Universidade de Illinois, embora até admita que possa haver algo errado com a teo­ria. A maioria dos físicos acha que a argumentação de Maris desmorona na primeira dificuldade, embora ainda não saibam precisar como. O temor é compreensível. Se a desco­berta for verdadeira, a Teoria Quân­tica estará errada - e não há nada para se colocar no lugar.

PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO OE 2000 • 39

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w+ w- que eram intermediários entre nêutron, próton, elétron e neutrino, e deviam ser vetoriais. Como o fóton da luz também é vetorial, achei que deviam ter um laço de família.

• O nome "bóson" aparece aí.

-Não, antes. Os bósons são par­tículas cujo spin é inteiro, ou O ou 1 ou 2, etc. E há os férmions, co­mo o nêutron, próton, elétron, neutrino, cujo spin é um meio, é fracionário. Fiz um trabalho em 1958 em que propus uma relação entre o bóson e o fóton, e a partir daí uma igualdade entre a intera­ção fraca e a constante eletromag­nética que é dada pela carga do elétron. Quando fiz essa hipótese, obtive o valor da massa dos bó­sons w+ e w-, na ordem de 60 massas do próton. Isso foi novidade, e o C. N. Yang não acreditou. Ele achava que a massa do bóson seria apenas um pouco superior à do próton. Propus no mesmo trabalho a existência de um bóson neutro, que hoje se chama Z0 (z-zero), que se devia buscar na interação de elétrons com nêutrons.

• Esse bóson neutro só foi descoberto na década de 80, não é?

- Por aí, é. Mas pouca gente tinha lido meu trabalho, embora tivesse sido publicado na Nuclear Physics, uma publicação holandesa muito importante. O Yang depois publicou um artigo no qual dizia que o meu trabalho, embora não tivessem lido, era o mais ligado às pesquisas atuais.

• Depois de seu trabalho com os bósons, o que o senhor passou a pesquisar?

- Passei a estudar a possibilidade de haver léptons com spin excitado. Lép­tons são partículas ultraleves, elétrons, neutrinos leves. E mantive os estudos com léptons até alguns anos atrás.

• O que o senhor considera sua contri­buição mais importante para a Física?

40 • NOVEMBRO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

'' Vários cientistas brasileiros

poderiam ter ganhado um Nobel.

Carlos Chagas, Rocha Lima, César Lattes,

Gilberto Freyre ... Mas a Academia

tem lá seus critérios políticos''

- Essa dos ws sendo bósons veto riais ligados ao fóton. Isso dá uma unifica­ção que fui o primeiro a apontar, por­que propus que a força fraca tivesse uma constante g igual à força eletro­magnética e. Hoje g não é igual a e, mas é multiplicado por um outro fa­tor. Esse foi meu trabalho fundamen­tal, eSteve Weinberg, em seu discur­so quando recebeu o Nobel, o citou. Yang também citou e muita gente, mas ele não caiu no gosto popular. Não passou a ser obrigatoriamente citado, apesar de o Weinberg continuar citan­do, inclusive no livro que acaba de publicar, assim como o Yang.

• Como, em um ambiente com escassa compreensão sobre o papel da pesquisa científica, pôde se formar no Brasil uma geração de físicos de primeira linha?

-Bom, essa Física fundou-se com a criação da Universidade de São Pau­lo (USP). Os que fizeram a USP man­daram um matemático da Politécnica, Teodoro Ramos, buscar professores lá fora. Ele foi ao Enrico Fermi, que indicou Gleb Wataghin, que veio para cá e fundou a Física moderna no Brasil. Ele formou o Mário Schen­berg, o Marcelo Damy de Souza San­tos e eu também vim para São Paulo.

• Na época o senhor estava no Rio.

- Sim. Eu fiz química no Recife, influenciado pelo professor Luiz Freire, que me fez ir para o Rio, onde fiz o curso na Faculdade Na­cional de Filosofia. Daí, quando a Física moderna começou a ser fei­ta em São Paulo, vim trabalhar com Mário Schenberg em São Paulo. Todo mundo vinha para esse am­biente criado por Gleb Wataghin. Veio o Lattes, fomos colegas, veio muita gente e foi-se produzindo essa coisa nova. Em 1948 fui à Ar­gentina e lá encontrei um físico alemão, Richard Gans, que queria compreender por que havia sido feita essa escola brasileira, se na

Argentina, disse-me, ele tinha estado antes e não conseguira o mesmo.

• Bem, depois de seu tempo em São Paulo o senhor fez todo um esforço para implantar um núcleo no Rio e as coisas não pareciam muito fáceis nem muito simples. Como foi isso?

- Quando terminei meu doutorado em Princeton fui nomeado professor da Faculdade Nacional de Filosofia. O diretor era o San Tiago Dantas. Eu queria que os professores ganhassem salário de tempo integral, como em São Paulo. Mas havia o Dasp (Depar­tamento Administrativo de Serviço Publico), que proibia o tempo inte­gral. Então eu comecei a lutar. Está­vamos no governo Dutra (General Eurico Gaspar Dutra) e depois no segundo governo Vargas (Getúlio Vargas). Eu fazia discursos, escrevia artigos, porque achava que era impor­tante criar um ambiente igual ao de São Paulo. Queria que o Lattes, quan­do voltasse da Inglaterra, viesse para o Rio e, quando ele descobriu o píon, propus que se criasse a cadeira de Fí­sica Nuclear na UFRJ, o que foi feito. O Lattes viajou até o Rio para ver qual era a situação, e eu lhe disse "está ruim, porque o reitor nem nos apóia':

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Acho que ele nem sabia que exis­tia Física Nuclear e a bomba atô­mica... Aí um amigo chamado Nélson Lins de Barros me levou ao João Alberto de Barros, irmão dele e um político importante, que tinha feito parte da Coluna Pres­tes, do Tenentismo ... Era homem do Getúlio, que o fez ser inter­ventor em São Paulo, e era então ministro do Itamaraty. Quando expliquei a ele que a Física Nu­clear não podia ser feita porque os professores não ganhavam su­ficientemente e que a universida­de não nos apoiava, ele disse "então vamos fazer fora da universida­de". E criou-se o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).

• Em que ano?

-Em 1940. Como uma instituição privada, financiada pelo próprio João Alberto, pelo presidente da Confede­ração Nacional das Indústrias ( CNI), Euvaldo Lodi, que dava cem contos por mês ... Saíamos, pedíamos para os sindicatos, houve um banqueiro, Mário de Almeida, que também nos deu dinheiro e construímos o pavi­lhão onde se instalou o laboratório, perto de onde estamos, no campus da Praia Vermelha da UFRJ. Em 1951 criou-se o CNPq, e Álvaro Alberto, o presidente, prometeu nos dar dinhei­ro. O centro estava no apogeu quan­do Getúlio suicidou-se, houve uma crise geral, e arquivou-se o projeto de um ciclotron de alta energia. O cen­tro entrou em crise, porque só conse­guíamos a metade do que precisáva­mos. Depois veio a inflação enorme, já com Juscelino (o presidente Juscelino Kubitschek), com Jango (o presidente João Goulart). Quando houve o gol­pe de 1964, pedi demissão do cargo de diretor científico do CBPF.

• E aí o senhor saiu do Brasil.

-Fui para a França a convite do fí­sico Maurice Levi, e permaneci na Fa-

culdade de Ciência de Orsay, em Pa­ris, de 1964 a 1967. Voltei em 1967 e reassumi na universidade e no CBPF. Mas em 1969 fui cassado pelo AI-5 (Ato Institucional número 5) e fui embora, primeiro para o Pittsburgh Carnegie Mellon, nos Estados Uni­dos, mas não quis ficar, não gostei do ambiente, afinal lá estavam o Nixon e o Kissinger, que tinham apoiado o golpe no Brasil. Um ano depois rece­bi um convite e fui para Estrasburgo, na França, onde fiquei até 1986. ·

• O senhor, como Schenberg, era mem­bro do Partido Comunista?

-Nunca fui. Eu apoiava as reformas de base e tudo, mas nunca pertenci a um partido que poderia fazer uma revolução de que eu não gostasse. Mas eles (os militares) consideraram que eu era.

• A situação política determinou um atraso na física brasileira?

- Bem, eles tiraram o Schenberg, a mim, vários outros, houve muito protesto, cartas mandadas por físicos franceses, americanos, o Yang man­dou uma carta para Costa e Silva (o presidente militar Arthur da Costa e

z

~ Silva), mas a chamada revolução ~ :; foi implacável. Depois, o ministro ~ Veloso (João Paulo dos Reis Velo-

so, ministro do Planejamento) achou que era tudo uma besteira e trouxe gente como Sérgio Porto, o Rogério Cerqueira Leite, que voltou dos Estados Unidos para a Unicamp, fundada por Zeferino Vaz em 1970. Então, mesmo na ditadura, muita gente estava tra­balhando, o grupo de Campinas, o pessoal de Recife, que começou a se desenvolver. Se houve um atraso real foi mais na formação de gente.

• Como o senhor vê os avanços mais recentes em sua especialidade física, que parecem tornar ultra­passado o modelo padrão das par­tículas e trazem notícias como a da

divisão do elétron (ver box)?

-Essas informações de que o mode­lo está ultrapassado são interessantes. Tenho simpatia pela supersimetria, mas até hoje não foram descobertas as partículas que a confirmem. A partição do elétron é uma novidade interessante. Na França estudei como pode se decompor, mas aqui há uma grande novidade da decomposição em uma partícula mais um elétron.

• Por que não há um Nobel brasileiro?

-O Carlos Chagas teria sido prêmio Nobel. Ele foi indicado, mas muitos médicos brasileiros foram contra. E houve outras pessoas também que mereciam. O Henrique Rocha Lima, do Biológico em São Paulo, o César Lattes, que descobriu o píon e não ga­nhou, porque quem ganhou foi o Po­well, que era o chefe do laboratório, o Gilberto Freyre ... A Argentina tem prêmios Nobel, por que nós não?

• O senhor mesmo, por exemplo?

-Não me coloco nessa lista. Quan­do perceberam a importância do meu trabalho já tinha passado muito tempo. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO OE 1000 • 41

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CIÊNCIA

Novo microscópio de transmissão tem resolução de até O, 17 nanômetro: o mais potente do LME e da América do Sul

Em 15 meses de operação, o La­boratório de Microscopia Ele­

trônica (LME) de Campinas, tor­nou-se um recurso precioso para 80 pesquisadores de 55 grupos em todo o país: os estudos ali desenvolvidos já resultaram na publicação de 36 artigos e cerca de 80 apresentações em conferências. Integrante da es­trutura aberta a multiusuários do Laboratório Nacional de Luz Sín­crotron (LNLS) do Ministério da Ciência e Tecnologia, o LME foi re­centemente avaliado por um comitê científico internacional a pedido da FAPESP. O comitê considerou ex­cepcional a produtividade e qualifi­cou os trabalhos ali feitos como "de máxima qualidade científica".

Um desses trabalhos recebeu em outubro o prêmio de Melhor Tese de Doutoramento da Sociedade Brasi­leira de Física (SBF). Foi o de Danie­la Zanchet, engenheira química pela Universidade Federal do Paraná e

42 · NOVEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

com doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que construiu e caracterizou novos tipos de cristais de ouro. Daniela, de 28 anos, seguiu para o pós-doutorct­do no Departamento de Química da Universidade da Califórnia em Ber­keley, Estados Unidos.

De primeira linha - Para equipar as cinco salas do laboratório, a FAPESP investiu US$ 1,9 milhão em equipa­mentos. O mais importante é o mi­croscópio de transmissão por feixe de elétrons, cuja resolução chega até 0,17 nanômetro - o nanômetro é a milio­nésima parte do milímetro -, ou me­nos que a distância entre dois átomos vizinhos, na maioria dos materiais.

Único da América do Sul, o po­tentíssimo aparelho amplia uma imagem até 1,5 milhão de vezes. Com ele, se conseguem imagens precisas da posição dos átomos, o que permite ver como eles estão ar-

ranjados. Na sala onde fica o equi­pamento, a temperatura é mantida sob controle rigoroso e as paredes são revestidas com material à prova de vibrações sonoras.

Mais duas salas abrigam micros­cópios de varredura: com resolução de 1,5 ou 3,0 nanômetros, ampliam imagens até 300 mil vezes, o bastan­te para identificar a morfologia de grãos ou partes de um material.

Na sala onde do laboratório de preparação de amostras ocorre uma parte básica da pesquisa: para a aná­lise em microscópio, o material é submetido a técnicas específicas, conforme o estudo pretendido.

Essa avançada infra-estrutura trouxe um grande benefício: já se pode tocar trabalhos de ponta em ciência dos materiais sem precisar ir ao exterior, o que dificultava ou até inviabilizava muitas pesquisas.

"Atualmente, grande parte das pesquisas depende de análises m1-

Page 43: A cana-de-açúcar redesenhada

croscópicas desse tipo. Para entender as propriedades físicas e químicas dos materiais, é preciso visualizar as estruturas no nível dos átomos", diz o coordenador do LME, Daniel Ugarte. Com as ferramentas do laboratório, pode-se acompanhar, em pé de igual­dade com os centros mais avançados do mundo, a tendência geral de mi­niaturização gerada pela microele­trónica, que parece estender-se a toda a ciência de materiais.

Montado em menos de um ano, "tempo recorde para um complexo desse porte", segundo Ugarte, o LME funciona como centro de apoio aberto a pesquisas acadêmicas ou empresariais. Só um quarto dos trabalhos já publi­cados é da própria equipe do LME.

Gratuito para pesquisas acadê­micas, o uso do laboratório não envolve grandes formalidades -basta submeter um projeto à coor­denação do LME -, mas exige que o iniciante passe por treinamento, em geral de uma semana para o microscópio eletrónico de varre­dura e de dois meses para um mi­croscópio de transmissão.

Centro de formação- O LME, con­tudo, não foi criado para prestar ser­viços, como fazem outros laborató­rios: "Oferecemos as ferramentas e ensinamos a manuseá-las, mas todo o resto fica por conta do pesquisa­dor". Essa filosofia que Ugarte im­plantou permite ao laboratório fun­cione com equipe mínima - só quatro funcionários contratados, além de um estudante de doutorado e um pós-doutor-, mas seu princi­pal objetivo é formar profissionais qualificados em microscopia eletró­nica. Além do treinamento, Ugarte faz palestras em todo o país e minis­tra cursos na Unicamp - o LME já treinou, por exemplo, 40 alunos de pós-graduação.

Juan Carlos Gonzalez Pérez, do Instituto de Ciências Exatas da Uni­versidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ficou um mês e meio no LME para obter imagens necessárias

a sua tese de doutorado, sobre multi­camadas de pontos quânticos auto­construídos com arsenetos de índio e de gálio. "O apoio do pessoal do LME foi fundamental", diz Wagner Nunes Rodrigues, orientador da tese de Pérez, cujo objetivo é produzir sistemas de objetos chamados "pon­tos quânticos", que medem algumas dezenas de nanómetros. Esses obje-

tos, que se comportam como "áto­mos gigantes", ou "átomos" compos­tos de átomos, poderão ser usados para construir lasers mais estáveis à temperatura ambiente, além de s~r­vir como memórias.

Contar com a estrutura do LME na preparação das amostras foi fun­damental para concluir a pesquisa, salienta Rodrigues: "Preparar esse tipo de amostra para microscopia não é simples, pois exige equipa­mentos especiais, nem sempre dis­poníveis em outros laboratórios de microscopia do Brasil". As imagens obtidas ajudaram a compreender melhor o sistema de produção de pontos quânticos e deram subsídios à continuação dos estudos, o que envolveu também o uso da luz sín­crotron disponível no LNLS.

Magnetismo de liga - Outro usuário regular do LNLS é Marcelo Knobel, do Instituto de Física da Unicamp. Desde 1990 ele estuda o magnetismo

em nanocristais, partículas cristalinas que medem de 5 a 50 nanómetros. Re­centemente, ele usou o microscópio de transmissão do LME para caracte­rizar a estrutura atómica de uma liga de ferro, zircónio, cobre e boro co­nhecida como Nanoperm. "Essa liga, que foi descoberta por pesquisadores japoneses, tem características magné­ticas muito superiores às dos materiais

comuns existentes no mercado", explica Knobel. Por ser facilmente magnetizável e desmagnetizável, poderia ser usada em núcleos de transformadores, cabeçotes de gravação magnética, sensores de campo magnético, transdutores e blindagem magnética.

O estudo da estrutura das na­nopartículas presentes na liga per­mitiu conhecer melhor os meca­nismos responsáveis por suas propriedades magnéticas. Como essas propriedades se relacionavam ao aquecimento a que a liga era submetida no processo de fabrica­ção, foi possível testar outros méto­dos de tratamento térmico.

A novidade da pesquisa foi usar uma corrente elétrica para tra­tar o material, o que permitiu taxas de aquecimento maiores que as ob­tidas em fornos convencionais. Com isso, houve maior controle sobre a formação das nanoestruturas, o que possibilitou a otimização das pro­priedades magnéticas do material.

A própria equipe do LME desen­volve uma pesquisa importante em física de materiais nanoestrutura­dos: Ugarte investiga as proprieda­des estruturais e elétricas de nano-

O PROJETO

Centro de Microscopia Eletrônica de Alta Resolução

MODALIDADE

Programa de infra-estrutura 3

COORDENADOR

DANIEL MARIO UGARTE - Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

INVESTIMENTO

R$ 38.300,00 e US$ 1.81 1.000,00

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 • 43

Page 44: A cana-de-açúcar redesenhada

fios (fios tão finos que podem ser constituídos de uma simples fileira de átomos), para aplicação em dimi­nutos sistemas eletrônicos.

Ele esclarece que propriedades como a condutividade e o isolamen­to de eletricidade podem ser substan­cialmente alteradas quando se reduz o material a um tamanho ou espes­sura de alguns átomos. Um material como o óxido de silício (similar a um vidro convencional), por exemplo, é um bom isolante elétrico, mas pode não apresentar a mesma propriedade isolante quando usado em filmes muito finos (1,5 nanômetro ou de 4 a 5 camadas atômicas). Esse fato im­põe um limite inferior à miniaturiza­ção dos circuitos eletrônicos com a tecnologia atual baseada em silício.

Expansão- Além de pesquisas de Fí­sica, a maioria, há muitos trabalhos de Química, Engenharia, Geologia e Odontologia no LME. Ugarte prevê o crescimento do número e da com­plexidade das pesquisas quando o laboratório tiver outro microscópio, conhecido pela sigla FEG-TEM (mi­croscópio eletrônico de transmissão esquipado com um canhão de elé­trons por efeito de campo), específi­co para análises químicas e espec­troscópicas em regiões da ordem ou menores que um nanômetro. Esse equipamento, que faz parte do pro­jeto de expansão do LME a ser apre­sentado este ano, exigirá um investi­mento em torno de US$ 2 milhões.

A instalação do microscópio FEG-TEM, que constava do projeto inicial do LME, foi uma das princi­pais recomendações do comitê in­ternacional, que julgou necessária e oportuna a expansão do laborató­rio. De fato, o LME opera no limite da capacidade, com equipamentos que funcionam 12 horas por dia e uma fila de espera de dois meses para obter uma sessão de trabalho no microscópio eletrônico de trans­missão. Embora o investimento seja grande, o comitê o considera funda­mental para manter elevado o nível das atividades ali desenvolvidas. •

44 · NOVEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

CIÊNCIA

MEDICINA

Genes contra leucemia Hemocentro paulista desenvolve técnicas para melhorar o diagnóstico

Doença do sangue caracteriza­da pela presença de glóbulos

brancos cancerosos na medula, ·a leucemia atinge uma pessoa a cada 100 mil por ano. É o tipo de câncer mais comum em crianças e costuma afetá-las de forma aguda e rápida: em poucos meses, elas podem ficar gravemente enfermas. Já nos adul­tos, a forma mais freqüente é crôni­ca e leva anos para evoluir.

Diagnosticar a doença com segu­rança e descobrir como evoluirá, para definir o tratamento, são obje­tivos permanentes da Fundação Pró-Sangue, o Hemocentro da Fa­culdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (FMUSP), onde uma equipe conduz o projeto te­mático, coordenado pelo médico Dalton Chamone, Estudo de Marca­dores Biológicos com Possível Impli­cação Prognóstica em Doenças Lin-

fo-Mieloproliferativas: Emprego de Técnicas de Citogenética, Biologia Molecular e Imunofenotipagem. Fi­nanciado pela FAPESP, o projeto começou em dezembro de 1996 e terminou em março último.

"Aperfeiçoa­mos técnicas reco­nhecidas e trouxe­mos novas técnicas de fora", diz o mé­dico Israel Bendit, um dos responsá­veis pelo projeto,

Llacer: contribuição ao sistema de saúde nacional

que envolveu o procedimento de translation research: "Esse conceito significa que aquilo que for detecta­do ou determinado na bancada do laboratório vai ser usado no cuida­do do doente e vice-versa: se o doen­te apresentar algum aspecto novo, vamos tentar determinar o como e o porquê."

Em aplicação- Participaram 32 pes­quisadores (médicos, biomédicos e farmacêuticos), 12 especialistas em leucemia e alunos de iniciação. As técnicas aprimoradas já são aplica­das nos 1.200 pacientes que Hemo­centro, Hematologia da FMUSP e Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas atendem por mês, todos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). "Esse era um dos nossos objetivos", diz o médico Pedro Llacer, também responsável pelas pesquisas.

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"Com a divulgação desses méto­dos mais eficientes de diagnóstico e prognóstico, esperamos que o siste­ma de saúde nacional passe a incluir os procedimentos em suas tabelas", continua Llacer. A nova metodologia já é aplicada, por exemplo, nos exa­mes de quantificação da carga virai do HIV em pacientes de Aids.

Os pesquisadores buscaram marcadores biológicos que, presen­tes no corpo, confirmam o diagnós-

tico inicial e, muitas vezes, mostram como a doença evoluirá. Um exem­plo foi a descoberta de uma correla­ção entre a porcentagem de células da medula com leucemia que ex­pressam CD71 (molécula que apa­rece na superfície das células leucê­micas) e a sobrevida do paciente. Quanto mais CD71 tem o paciente, maior a expectativa de vida.

Também detectaram marcadores biológicos sem relação com a doen­ça. "Resultados aparentemente ne­gativos como esses também são muito importantes': diz Llacer. "É necessário publicar e divulgar o fato, para que outros laboratórios não percam tempo procurando marca­dores sem utilidade para diagnosti­car e dar o prognóstico."

Teste de Fish - O campo de estudo abrange vários tipos de linfoma (tu-

mornos gânglios) líquidos e sólidos. Entre os líquidos estão leucemias agudas e crónicas, síndromes mielo­displásicas (anomalias no desenvol­vimento de uma ou mais linhagens de células do sangue) e mielomas múltiplos (que levam a lesões nos ossos e nos rins devido à produção exagerada de algum anticorpo). No início, podem estar só num gânglio, mas depois se espalham.

Com o projeto, o Hemocentro, um dos principais centros de pesquisa e tratamento da leu­cemia no país, tor­nou-se um dos pri­meiros a desenvolver o uso em grande escala do teste de Fish, ou hi-

Bendit: técnicas melhoradas e introdução de inovações

bridização com fluorescência in situ. Nesse teste, o pedaço de cromoss.o­mo a ser estudado, ou seqüência­alvo, é posto num recipiente com sondas - cromossomas comple­mentares, sintetizados em laborató­rio, coloridos de verde ou vermelho

O PROJETO

Estudo de Marcadores Biológicos com Possível Implicação Prognóstico em Doenças Unfo-Mieloproliferotivos: Emprego de Técnicos de Citogenético, Biologia Molecular e lmunofenotipogem

MODALIDADE Projeto temático

COORDENADOR DALTON DE ALENCAR FISCHER

CHAMONE - Faculdade de

Medicina da USP

INVESTIMENTO R$ 230.165.47

por uma substância fluorescente. As sondas são seqüências de ba­

ses de DNA que complementam e se encaixam perfeitamente na se­qüência de DNA a ser estudada. Quando o recipiente é aquecido, tanto a dupla fita de DNA do peda­ço de cromossoma humano como a dupla fita da sonda se abrem e ocorre um andamento da sonda com a seqüência-alvo. O pedaço de cromossoma fica colorido e fluo­rescente, o que facilita a pesquisa.

Gene híbrido - Esse método é muito útil no diagnóstico da leucemia mi­elóide crónica, em que normalmen­te aparece o cromossoma chamado Filadélfia, resultado da união entre pedaços dos cromossomas 9 e 22 e também ligado a alguns casos de leucemia aguda.

Segundo Pedro Llacer, o cromos­somo Filadélfia traduz um movi­mento pelo qual os genes BCR e ABL, inicialmente em cromosso­mas diferentes, acabam por se unir, formando o gene híbrido BCR/ ABL. Na medula óssea, esse gene produz uma proteína que desregula a proli­feração da célula onde está. Usando uma sonda com seqüência de bases complementar ao gene híbrido, o pesquisador determina rapidamen­te se a célula tem o BCR/ABL- e, portanto, se a doença está presente - e, em especial, se o cariótipo não mostrou a presença do cromosso­ma Filadélfia.

Com a aplicação de métodos como esse, e tendo na mão um di­agnóstico correto e também um prognóstico da evolução da doença, o médico poderá escolher entre um tratamento mais ou menos agressi­vo. Se o prognóstico é ruim, o trata­mento mais agressivo começa ime­diatamente, sem esperar pelas piores conseqüências. Se o prognós­tico é mais favorável, o paciente não precisará passar por tratamentos desnecessários.

Bendit acrescenta que "um dos objetivos do projeto, o de formar pes­soas, foi plenamente atingido': •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 45

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CIÊNCIA

OCEANOGRAFIA

De vento em popa Depois de dois anos no estaleiro para reparos, volta aos mares o nosso navio oceanográfico

V olta ao mar na segunda quin­zena de novembro o navio

oceanográfico Prof W Besnard, principal embarcação de pesquisa do Instituto Oceanográfico da Uni­versidade de São Paulo (Iousp) e único navio desse tipo no Brasil ca­paz de fazer longas expedições em alto-mar. "O instituto volta a respi­rar e a produzir ciência", diz o pes­quisador Belmiro Mendes de Cas­tro, que já chefiou várias expedições de pesquisa do Besnard.

O navio, que leva o nome do fundador do Oceanográfico, profes­sor Wladimir Besnard (1890-1960), estava parado desde 1998, quando foi recolhido à doca de Santos devi­do a problemas com o motor. A pa­ralisação dificultou os trabalhos de pesquisa e ensino no instituto. "Não se faz oceanografia sem um bom na­vio", afirma o veterano Luiz Bruner de Miranda, pesquisador-chefe de muitas expedições do Besnard, e acrescenta: "Não se conhece o ocea­no pela tela de um computador".

Batismo em 1967 -"Para fazer pes­quisa oceanográfica é preciso um navio oceanográfico. Sem navio é melhor mudar o nome do Instituto Oceanográfico para Instituto de Es­tudos Costeiros", comenta bem-hu­morado o atual diretor, Rolf Roland Weber, sobre os apuros por que pas­sou a instituição. Os maiores preju-

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O ProfW Besnard na última temporada de reparos em Santos: equipamento atualizado

dicados foram pesquisadores e alu­nos, impedidos de usar o barco para pesquisa de campo em alto-mar. Al­guns projetos ficaram atrasados. Com o retorno do Besnard às águas, tudo tende a melhorar.

Na reforma do navio, que custou perto de R$ 1 milhão e foi financia­da em parte pela FAPESP, houve tro­ca do motor e instalação de novos

equipamentos. O empenho do Iousp para manter o Besnard em boas con­dições de uso também é justificado pela história de suas conquistas.

O desenvolvimento da navegação e da oceanografia estava intimamen­te relacionado no século 19, quando navios de pesquisa e exploração, a exemplo do HMS Challenger, ficaram famosos. O professor francês Wladi-

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mir Besnard teve sem­pre presente a necessi­dade de um navio oce­anográfico para o instituto que fundou e dirigiu desde 1946. Bruner assegura que essa era uma das prin­cipais motivações de Besnard.

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O sonho do funda­dor tomou impulso com a aprovação de uma contribuição fe­deral para a aquisição do navio, no final de 1958, mas só se concre­tizaria quase dez anos depois, em 5 de maio de 1967. Nesse dia, em Bergen, Noruega onde o navio foi cons­truído por encomenda do governo paulista

1984: o Besnard na inauguração da Estação Antártica Comandante Ferraz, na ilha Rei George

pelo estaleiro AIS Mjellem & Karsen -, houve a cerimônia de batismo da embarcação, cujo nome foi uma ho­menagem póstuma a Besnard. Numa cerimônia de troca de bandeiras, ele foi transferido para a propriedade da USP em 30 de maio.

No dia seguinte o Besnard le­vantava âncora em Bergen e só chegaria ao porto de Santos em 9 de setembro de 1967: é que essa via­gem também foi sua primeira ex­pedição científica, chamada de Vi­kindio em alusão à parceria entre cientistas noruegueses e brasileiros na construção dele. A expedição foi coordenada por Marta Vannuc­ci, diretora do Iousp, e Thor Kwin­ge, do Instituto Geofísico da Uni­versidade de Bergen. Sua rota abrangeu as Ilhas Canárias, a costa noroeste africana e a costa brasilei­ra de Recife a Santos.

Montanha descoberta - Luiz Bru­ner, que participou da viagem, re­vela que "no percurso foram cole­tadas amostras de água, dados hidrográficos, amostras de plâncton e feitas medições da Corrente do Brasil". Já nessa expedição o Besnard

fez sua primeira e importante des­coberta no Atlântico Norte: uma montanha submarina de 3.500 me­tros de altura, com o topo a 194 me­tros de profundidade, situada na rota Dacar-Las Palmas, perto da Ilha do Sal. A montanha recebeu o nome de Besnard.

Bruner lembra que seu doutora­do se deve em grande parte ao tra­balho realizado no começo da déca­da de 70 com o Besnard no projeto Cobra- Corrente do Brasil na plata­forma continental sul -, com o qual praticamente fundou a cadeira de Oceanografia Física no instituto.

O PROJETO

Manutenção e Instrumentação do Navio Oceanográfico ProfW. Besnard e Substituição do Motor Principal do Navio Oceanográfico

MODALIDADE

Programa infra-estrutura 4 e auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

RoLF ROLAND WEBER - Instituto Oceanográfico da USP

INVESTIMENTO

US$ 64.900,00 e US$ I 50.000

Um experiente meteorologista e perito em telegrafia participou des­sa fase histórica do navio: Rubens Junqueira Villela, pesquisador do Instituto Astronômico e Geofísico (IAG) da USP, primeiro brasileiro a atingir o pólo Sul - em 1962, numa expedição norte-americana. Bruner lembra que Villela teve par­ticipação importante em várias ex­pedições do Besnard nas décadas de 60 e 70, quando toda a trans­missão de dados meteorológicos da terra firme para o navio era fei­ta por telégrafo. Assim que recebia os dados, Villela fazia rapidamente suas previsões de tempo, essenciais nas missões.

Avent ura na Antártica - O Besnard já esteve em muitos grandes proje­tas. Um deles, o Coroas - Circula­ção Oceânica da Região Oeste do Atlântico Sul-, consiste numa ava­liação da produtividade primária no Atlântico. Financiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional do De­senvolvimento Científico e Tecnoló­gico (CNPq), o projeto se desenvol­ve desde 1992 em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Es-

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paciais de São José dos Campos (li­gado ao Ministério de Ciência e Tec­nologia) e a Fundação Universidade do Rio Grande do Sul (Furg) . Pelo Iousp, Belmiro de Castro participa do Coroas, cujas viagens já incluí­ram os litorais de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A grande aventura do Besnard, contudo, foi a série de excursões cien­tíficas pela Antártica, como parte do ProgramaAntártico Brasileiro (Proan­tar), que se desenvolveram desde ove­rão de 1982 até o de 1988. Foram seis campanhas de pesquisa, com destaque para a 1 a Expedição Brasileira à Antár­tica e para a instalação da Estação An­tártica Comandante Ferraz na ilha Rei

O navio viam provocado o desalinhamento de alguns cilindros do motor, o que, com o tempo, o impediu de funcionar.

Armação: navio oceanográfico

Comprimento total: 49,35 m

Comprimento na linha de flutuação: 42,60m

Boca: 9,33 m

Calado: 3,73 m

Pontal moldado: 5 m

Tonelagem: 670 t

Velocidade: 13,5 nós

Autonomia: 14 a 21 dias

Tripulação: 23

Pesquisadores: 15

Na reforma, fo­ram instalados ou­tro motor e novos equipamentos, o que deve melhorar o desempenho e garantir uma boa sobrevida ao Bes-

Comunicação: antena do novo sistema lmarsat-A

As atividades do Besnard na An­tártica encerraram-se devido ao des­gaste de sua estrutura, provocado pelas condições adversas do mar na região, o que em 1988 ocasionou a quebra do eixo da hélice da embar­cação ao atravessar a passagem de Drake. Esse desgaste estrutural foi a provável causa dos problemas mecâ­nicos que passaram a prejudicar o desempenho do navio.

Assim, depois de 150 cruzeiros oceanográficos, o Besnard passou por uma ampla reforma de 1994 a 1997. Em 1998, contudo, teve que voltar aos reparos depois de problemas coin o motor: os desgastes estruturais ha-

nard. Entre esses equipamentos estão o ADCP, um perfllador acústico de corrente destinado a medir automa­ticamente a velocidade, a direção e a condutividade da água de uma cor­rente marinha, sem que o navio pre­cise parar. Também se destacam o Ecointegrador, que detecta a biomas­sa presente, e a Ecossonda EASOO, que faz a batimetria - medição da profundidade - e avalia a composi­ção geológica do material de fundo. Além desses instrumentos de análise instalados no casco, o Besnard foi equipado com o novo sistema de transmissão de informação via saté­lite Imarsat-A, conjugado a uma rede interna de computadores, integrada a laboratórios e instrumentos.

Todos os novos instrumentos podem ser reaproveitados num fu­turo novo navio oceanográfico.

George- que permi­tiram ao Brasil ser admitido como um membro pleno do Conselho Consulti-

diversidade anima\

Enquanto isso, o Besnard se prepa­ra para retomar sua função como principal laborató­rio da oceanogra­fia brasileira. Já em dezembro, co­meça a participar de um estudo so­bre a dinâmica do ecossistema da pla­taforma do Atlân­tico Sul, único pro­jeto oceanográfico a fazer parte do Programa Núcleos de Excelência do CNPq (Pronex) . •

vo do Tratado da Antártica e da Co-missão Científica de Pesquisa Antártica (SCAR - Scientific Committee on An­tartic Research). Co­mo integrante des­sas missões, Rubens Villela pôde então revisitar o conti­nente antártico. Rolf Weber, diretor do O ceanográfico: nada como voltar à pesquisa em alto-mar

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CIÊNCIA

Carlos Bicudo e Eduardo Barcelos no lago do Jardim Botânico: indicadores de poluição e acervo de 5 mil espécies de algas

Projeto encerra quatro décadas de mapeamento das espécies de São Paulo

Depois de quatro décadas de pesquisa e mais de 40 mil qui­

lômetros de andanças coletando ma­terial de mar, rios, lagos e barragens, o biólogo Carlos Bicudo está perto de concluir o mapeamento das algas do território paulista. Esse feito come­çou a tornar-se realidade em julho do ano passado, com o início do projeto temático Flora Fico lógica do Estado de São Paulo, financiado pela FAPESP, coordenado por Bicudo e do qual participam 42 pesquisadores de 27 centros do Brasil e do exterior.

Esse projeto de identificação de toda a flora ficológica (de algas) pau­lista, que faz parte do programa Bio­ta-FAPESP de levantamento dos re­cursos biológicos do Estado, é inédito no Brasil. Ajudará no monitoramen-

to preciso da qualidade da água nos mananciais, além de fornecer indica­dores para a conservação ou a recu­peração de ambientes aquáticos. É um projeto de taxonomia, a ciência da identificação e classificação das es­pécies. "Assim como não se pode ler sem conhecer o alfabeto, não se pode fazer ciência sem taxonomia", ressalta Bicudo, biólogo de 63 anos.

Passado desconhecido - Por meio desse trabalho pode-se inclusive co­nhecer o que não existe mais: em todo o mundo se extinguem espécies da flora e da fauna e, muitas vezes, não se sabe que organismos existi­ram antes. O Estado de São Paulo já foi todo ocupado por florestas, que hoje cobrem menos de 10% do terri­tório. O que existia no rio Tietê, por exemplo, ninguém sabe.

Bicudo já tinha isso em mente quando foi trabalhar no Instituto de Botânica (hoje ligado à Secretaria do Meio Ambiente) em 1960, ainda es­tudante. Então, começou a organizar

um herbário com as colegas Rosa Maria Teixeira Bicudo, Marilza Cor­deiro Marino e Noemy Yamagushi Tomita. Hoje o herbário tem 15 mil amostras de algas marinhas secas es­ticadas em papel e outras 3 mil de água doce conservadas em frascos.

No início, entretanto, quase tudo estava por ser feito. As primeiras 200 algas que foram para o herbário do instituto, por exemplo, eram dupli­catas identificadas ainda no século 19 por naturalistas estrangeiros, como Von Martius (ver quadro). Elas constavam antes do acervo da antiga Comissão Geográfica e Geo­lógica do Estado de São Paulo (atual Instituto Geológico da Secretaria do Meio Ambiente).

Todo o restante foi coletado nos últimos 40 anos pelos pesquisadores e estagiários do Instituto de Botânica. Calcula-se, contudo, que as 2.642 es­pécies de algas já reunidas represen­tem só metade do que existe na natu­reza. Com a reunião de mais material em 400 municípios paulistas, o total

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de espécies classificadas deve chegar a 5 mil. Bicudo revela que desde o iní­cio do projeto foram encontradas cerca de SOO espécies ainda não docu­mentadas no Estado, das quais 40 são inéditas no mundo. Desde o início da década de 60, Bicudo e seu grupo pes­quisaram em todo o Estado e reuni­ram as 3 mil amostras de algas de água doce do herbário.

Lacunas no mar- Mas havia lacunas: "A análise das 47 publicações dedi­cadas à taxonomia de algas mari­nhas macroscópicas bentônicas do Estado de São Paulo, por exemplo, mostrou que essa flora está repre­sentada por 308 espécies, das quais 198 são Rhodophyceae, 68 Chlo­rophyceae e 42 Phaeophyceae".

Faltava informação sobre essa flora porque não se pesquisou a área mais funda do chamado infralitoral, só acessível por mergulho. No caso das algas azuis ( Cyanophyceae) ma­rinhas da faixa supralitoral, de águas mais rasas, a literatura só relaciona­va 108 espécies, pois a área coberta era muito restrita.

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Até o início do projeto, 2.226 es­pécies de água doce estavam identi­ficadas, ou cerca de 40% da diversi­dade existente. É que ao longo dos últimos 40 anos muitos ambientes aquáticos desapareceram e houve a tendência de procurar material mui­to mais nos ambientes lênticos (la­gos, lagoas, charcos) e semilênticos (reservatórios, açudes) do que nos lóticos (rios, córregos e riachos).

Além de importantes para a pre­servação do ecossistema, pois for-

Desde Von Martius

Foram naturalistas estrangei­ros do século 19 os primeiros a identificar algas brasileiras. Des­tacou-se entre eles o bávaro Carl Friedrich Philip von Martius (1794-1868), componente da missão científica que pesquisou no país entre 1817 e 1820. Von Martius coletou e listou 80 espé­cies de algas no livro clássico Flo­ra Brasiliensis, de 1833.

Outros estrangeiros do século 19 identificaram algas brasileiras, em geral a partir de amostras mandadas para eles em seus paí­ses. Depois, quase nada foi feito no país até meados do século 20.

Em 1960, Carlos Bicudo e suas colegas Rosa Maria Bicudo, Maril­za Marino e Noemy Tomita coleta-

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. . ·" ram as pnmetras espeoes man-nhas na baía de São Vicente e na região de Ubatuba. Na época, fa­ziam o curso de História Natural (origem do atual Instituto de Bio­ciências) na então Faculdade de Fi­losofia, Ciências e Letras da Uni­versidade de São Paulo (USP). E tinham aulas de taxonomia de al­gas marinhas com o professor Ayl­thon Brandão Joly, considerado o criador da ficologia brasileira.

Em 1957, Joly publicou Con­tribuição ao Conhecimento da Flora Ficológica Marinha da Baía de Santos e Arredores, primeiro inventário planejado das algas de uma certa região do Brasil. Com base no material coletado por seu grupo, Joly publicaria ainda em

mam o primeiro elo da cadeia ali­mentar em lagos, barragens, rios e mares, a!> algas indicam a qualidade da água. As Charophyceae, por exemplo, habitam lugares excelentes para a piscicultura. Já as Cyanophy­ceae e as Euglenoplyceae indicam ambientes ricos em nitrogênio e fós­foro - ou seja, poluídos por esgoto -, enquanto as Bacillariophyceae ou diatomáceas não toleram esses am­bientes e sua presença é sinal de água em boas condições.

1965 o importante estudo Flora Marinha do Litoral Norte do Es­tado de São Paulo e Regiões Cir­cunvizinhas.

Em 1961 e 1962, Bicudo e Rosa Maria fizeram as primeiras coletas de água doce na Reserva Biológica do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga e depois pu­blicaram dois fascículos sobre o assunto. Entre 1963 e 1965, Bicu­do fez residência e mestrado so­bre algas na Universidade de Mi­chigan (EUA), orientado por Gerald W. Prescott. Voltou ao país com dez caixas de cópias xerox de tudo o que se publicara sobre al­gas brasileiras nos Estados Uni­dos e começou a juntar material de água doce no Estado. Daí por diante, foi desenvolvendo o estu­do que chegou ao ambicioso pro­jeto atual de mapeamento.

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Foi a partir das algas que se cons­tatou a poluição por esgoto do lago das Garças, no Jardim Botânico paulistano: "Estamos estudando o material e as condições físicas e quí­micas do lago para, em seguida, de­finir o projeto para recuperá-lo".

Até o final do projeto, o número de espécies de água doce conhecidas do Estado poderá chegar facilmente ao dobro. As Zygnemaphyceae, por exemplo, devem passar de 1.053 para 1.500 ou 1.600 e as 61 Bacillariophy­ceae devem chegar a 900.

Para isso, intensificou-se a coleta. Até agosto, foram realizadas 18 das 50 viagens programadas. O grupo que estuda espécies de água doce, com quatro pesquisadores e seis es­tudantes, fez 15 viagens ao interior e pegou material de água corrente, pouco representado no herbário. O grupo de algas marinhas, com qua­tro pesquisadores do instituto, três professores da USP e cinco estudan­tes, fez três viagens de pesquisa ao li­toral norte: como já havia muitas amostras de boa qualidade da área entre as marés baixa e alta, a coleta passou a ser feita nas águas mais profundas da faixa infralitoral -abaixo da maré baixa - e nas ilhas.

Equipamento- Os pesquisadores via­jam munidos de rede, canivete, fras­cos e uma solução fixadora para preservar o material. Levam tam­bém três aparelhos: um GPS de lo­calização por satélite, um medidor

O PROJETO

Flora Ficológica do Estado de São Paulo

MODALIDADE

Projeto temático

COORDENADOR

CARLOS EDUARDO DE MATTOS

BICUDO - Instituto de Botânica

INVESTIMENTO

R$ 87.750,00 e US$ 83 .786,00

do PH (acidez ou basicidade) e ou­tro da condutividade da água (que indica a quantidade de íons presen­tes). Baixa condutividade, por exem­plo, é sinal de água de boa qualidf.­de, enquanto alta condutividade in­dica água poluída.

Já houve pesquisas nos maiores rios paulistas - Grande, Paraná, Tie­tê, Paranapanema e Turvo -, bem como nas barragens. O tamanho dos exemplares vai de 0,002 milíme­tro (caso das algas do gênero Dioge­nes, de água doce parada) até 2 me­tros (as caráceas, de água doce) e mesmo a 35 metros de comprimen­to (as Macrocystis marinhas, de águas profundas).

O material é analisado pelos 43 pesquisadores brasileiros e estran­geiros envolvidos. Alguns dos es­trangeiros trabalham aqui e outros recebem o material nos seus países. Bicudo revela que foi preciso recor­rer a especialistas da República Che­ca, Japão, Estados Unidos, Austrália

e Argentina para identificar e classi­ficar algumas espécies de água doce.

Quando fazia a tese de doutora­do, em 1969, Bicudo precisou de uma nova coleta em alguns ambientes da capital paulista. No Campo do Chá, onde é hoje o Vale do Anhangabaú, já cresceram espécies que não puderam ser coletadas novamente, pois o ria­cho do Anhangabaú foi inteiramente canalizado. "Temos até amostras de algas diatomáceas coletadas na aveni­da Paulista no fim do século 19, e que hoje não existem mais."

O pesquisador diz que o trabalho do professor Aylthon Brandão Joly sobre as algas da baía de Santos é um marco no estudo das algas do Estado: "Ele identificou 100 espécies de algas que ocorriam ali e hoje, com certeza, não existem nem 50 daquelas espé­cies. O lugar cresceu, houve impactos no meio ambiente, perdemos diver­sidade, perdemos espécies".

Treze volumes - Bicudo revela que mesmo nos Estados Unidos, país que investe US$ 1,5 milhão anuais por cinco anos na formação de taxo­nomistas, não se concebeu um pro­jeto semelhante ao organizado em São Paulo. "Aqui estamos mapeando onde ocorre cada espécie." Algumas ocorrem em todo o Estado, outras só em certas regiões.

Além de conservação e recupera­ção ambientais, o projeto visa à for­mação de recursos humanos: 70 pes­soas do Brasil e de países vizinhos passaram pela Seção de Ficologia do Instituto de Botânica, para pesquisar algas de água doce e marinhas.

O projeto resultará na publica­ção da Flora Ficológica do Estado de São Paulo, um conjunto de 13 volu­mes com a descrição das pesquisas desde o século passado até o ano 2000. O primeiro volume está pron­to para publicação e refere-se a 31 espécies de algas Carofaceae que ocorrem no Estado. Também serão produzidos manuais de identificação de algas para ser usados em escolas de segundo grau e universidades de todo o Brasil. •

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Embrapa selecionou plantas de guaraná imunes à antracnose

Guaraná: clones para uma produção maior

As plantações de guaraná ga­nharam novos estímulos da ciência. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu e co­loca à disposição dos agricul­tores, neste mês, dez novos clones (estacas para plantio extraídas de matrizes pré-se­lecionadas). Produto típico da Amazônia, o guaraná tem grande importância econô­mica para a região como ma­téria-prima de refrigerantes e em forma de medicamento usado como energético ou para males do aparelho diges­tivo. Com os novos clones, a cultura ganha em produtivi­dade. Cada planta poderá atingir a produção de 1,5 quilo contra os 200 gramas atuais. Outra vantagem dos clones é de serem imunes à praga antracnose, causada pelo fungo Colletrotrichum guaranicola, que pode resul­tar na perda total da produ­ção. Os clones também apre­sentam precocidade para o plantio, em média dois anos contra quatro das plantas tra­dicionais. "O processo de me­lhoramento do guaranazeiro

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começou em 1973 com o iní­cio da escolha de matrizes em campos da Embrapa e de pro­dutores", informa André Atroch, pesquisador da Em­brapa Amazônia Ocidental. •

Um novo olhar para a agricultura

No próximo ano, os agricul­tores paulistas poderão contar com uma nova modalidade de sensoriamento remoto para monitorar em detalhes suas culturas sem depender das imagens de satélites es­trangeiros. O Instituto Agro­nômico de Campinas (IAC) está desenvolvendo o protóti­po de um ultraleve, dotado de uma câmera de vídeo multi­espectral (com várias faixas de ondas eletromagnéticas) e do Sistema de Posicionamen­to Global (GPS). Segundo Antônio Carlos Cavalli, enge­nheiro agrônomo do IAC en­volvido no projeto, esse tipo de medição pode apresentar um grau de resolução maior do que a dos satélites. "O ul­traleve pode voar numa faixa de altitude entre 250 e 4 mil metros e conseguir imagens com uma resolução de 15 centímetros a 2 metros. Dá

para distinguir uma folha de sulfite em branco no chão': afirma Cavalli. Com esse equipamento, é possível, por exemplo, identificar com pre­cisão a presença de pragas, ainda num estágio inicial, em áreas específicas da lavoura. O projeto recebe financia­mento da Embrapa, de R$ 70 mil, com apoio do Banco Mundial. O primeiro protóti­po fica pronto em janeiro. •

Testes industriais não-destrutivos

Com base em dois princípios físicos - o ultra-som e o magnetismo -, a empresa Safe Metal, do Rio de Janeiro, desenvolveu uma série de equipamentos para testes in­dustriais ainda não produzi­dos no Brasil. "Nossa voca­ção é desenvolver tecnologia para ensaios não-destruti­vos", afirma Antônio Claudio Sant' Anna, sócio na empre­sa. Um dos aparelhos, cha­mado de T-Scafl, dotado de ultra-som, mede espessuras e verifica possíveis defeitos em chapas de aço. O aparelho emite um pulso como um ra­dar que, ao percorrer o inte­rior da chapa e voltar, tem seu tempo de viagem medi­do. Se o eco retornar antes do previsto, as chances de existi­rem corrosões internas na chapa ou trincas são grandes.

A Safe Metal também desen­volveu um equipamento que verifica a existência de trin­cas nos gargalos de cilindros metálicos. A empresa surgiu há seis anos na Incubadora de Empresas de Base Tecno­lógica da Universidade Fede­ral do Rio de Janeiro (UFRJ). Há quatro meses, a Safe Me­tal ganhou asas próprias e deixou a incubadora. •

Após o hambúrguer, o motor do caminhão

Após tornar palatáveis ham­búrgueres e batatas fritas, o óleo vegetal usado poderá ga­nhar o nome de biodiesel e servir de combustível para ca­minhões, ônibus e geradores de energia elétrica. A primeira fase do projeto que vai viabili­zar esse uso foi concluída com sucesso na Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Testes rea­lizados na Escola de Química da UFRJ comprovaram a si­milaridade entre as caracterís­ticas dos óleos vegetais usados e do diesel. A segunda parte do projeto, já em andamento no Laboratório de Máquinas Térmicas da Coppe, se baseia em testes mecânicos que de­vem comprovar a viabilidade do biodiesel. A pesquisa é rea­lizada com 25 mil litros de

T-Scan:Aparelho emite ultra-som e analisa chapas de aço

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Solo argiloso deixa 98 prédios fora do prumo na orla sant ista

óleo usado cedidos pela rede de fast food Me Donalds, que se tornou parceira da Coppe neste projeto. O uso do biodie­sel reduzirá em 78% a emis­são de dióxido de carbono e em 100% a de enxofre. •

CPqD: softwares inéditos no mercado

nia celular. Ele viabiliza um cadastro do histórico do fun­cionamento das células, per­mitindo um maior controle e otimização da rede. O CPqD, ex-centro de pesquisa da Te­lebrás, é desde 1998, quando a holding estatal das teleco­municações foi privatizada, uma fundação de direito pri­vado aberta ao mercado. •

Prédio de Santos é colocado no prumo

Pela primeira vez no Brasil está sendo utilizada uma téc­nica de reaprumo de um edi­fício utilizando-se a transfe­rência da carga dos pilares para estacas mais profundas por meio de macacos hidráu­licos. A recuperação acontece em Santos, no edifício Nun­cio Malzoni, com 17 andares, construído em 1967. Ele pos­sui uma inclinação de 4% (a famosa Torre de Piza, na Itá­lia, tem 8%) provocada por recalques (rebaixamento) da camada de argila marinha existente no solo da orla san­tista que já compromete 98 prédios. O projeto da obra é dos professores Carlos Eduar­do Maffei, Heloísa Helena Gonçalves e Paulo Pimenta, do Departamento de Enge-

nharia de Estruturas e Funda­ções da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). "Foram implantadas estacas de concreto ao lado do prédio que atingem a profun­didade de 56 metros. O peso transmitido pelos pilares ori­ginais está sendo transferido pelos macacos para as estacas por meio de vigas de transi­ção que ocupam o andar tér­reo do edifício': explica Maf­fei. Como comparação, a profundidade de algumas es­tações de metrô paulistano como São Bento e República não passam dos 34 metros de profundidade. Com velocida­de de cerca de 1 centímetro por dia, Maffei espera que o Nuncio Malzoni esteja no prumo dentro de dois meses. O custo da obra é de R$ 1,5 milhão, R$ 90 mil para cada apartamento. •

Dois novos softwares desti­nados a empresas de teleco­municações e operadoras de Internet são as novidades da Fundação Centro de Pesqui­sas de Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). O primeiro, chamado de Pro­mus-Comunicação de Dados, tem a função de gerenciar o registro do faturamento das empresas em diversos seg­mentos da área de Internet. O sistema reconhece o tipo de serviço prestado, faz a tarifa­ção, inclusive com impostos e taxas, e aplica aumentos, des­contos ou qualquer outra oferta de acordo com o plano de negócio. Além disso, o sis­tema imprime e envia a con­ta para o cliente ou para dé­bito automático em banco e faz a interface com o agente arrecadador do serviço pres­tado. O outro produto da CPqD é o Software de Arma­zenagem de Dados de Drive Test, desenvolvido para em­presas operadoras de telefo-

Unicamp tem o maior número de patentes

Na década de 90, as uni­versidades brasileiras de­positaram 355 pedidos de patentes no Instituto Na­cional da Propriedade In­dustrial (INPI). A Uni­versidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi a que teve mais registros, 125. Em seguida, apare­cem a Universidade de São Paulo (USP), com 76 depósitos, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com 39, Uni­versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 31, e Universidade Estadual Paulista (Unesp ), 13 pe­didos. Essas cinco univer­sidades detêm 80% do to­tal de pedidos de patentes oriundas das universida­des. A Unicamp e a USP apresentaram enfoque

diferenciado em relação aos campos tecnológicos dos pe­didos de patentes. A primeira concentrou-se na área quí­mica e a segunda apresentou um perfil diversificado, e a UFMG, por exemplo, apre­sentou a quase totalidade dos pedidos na área de biotecno­logia. Esse levantamento de dados e as análises relativas a eles foram organizados pelo economista Eduardo As­sumpção, do INPI, no estudo O Sistema de Patentes e as

Universidades Brasileiras nos Anos 90': Para ele, o registro de patentes teve uma maior procura a par­tir de 1997, quando en­trou em vigor a nova lei de propriedade industrial 9279/96, que define no­vos parâmetros de paten­teamento, e houve uma maior participação das fundações de amparo à pesquisa e outras entida­des públicas na formula­ção dos pedidos. •

AS PATENTES DOS ANOS 90 NAS UNIVERSIDADES

INSTITUIÇÃO 1990/93 1994/96 1997/99 TOTAL Unicamp 37 22 66 125

USP 41 9 26 76

UFMG 12 27 39

UFRJ 12 14 5 31

Outros 33 12 39 84

Total 123 69 163 355

Fonte: Eduardo Assumpção/INPI -= -=

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menos circulares com cerca de 5 milí­metros de diâmetro. E de nada adian­ta lavar ou polir o carro.

Boa pergunta - Levantado pela Ge­neral Motors, o problema foi levado à Renner DuPont, fabricante da resi­na acrilomelamínica que faz parte da tinta usada nos carros. Na época, a imprensa destacava uma pesquisa

Acasalamento - Uma pesquisa que envolveu o Museu de Zoologia e o Instituto de Biociências da USP mos­trou o que eles precisavam saber sobre o comportamento das libélulas. Aquá­ticas e predadoras, elas vivem em re­giões de águas limpas, mas podem ser encontradas a alguns quilômetros de lagos, rios e represas - o tipo do lugar, aliás, onde ficam as montado-

~~~~~ri~:1!1~QJ:j~~~~i!;:~~~C~~~Iii1 < ras de carros da região paulista do ABC. Na

Brilho da lataria atrai as libélulas para a postura: depois de uma revoada, funcionários correm para esguichar água

de Bechara sobre a bioluminescência de vagalumes. Então, os técnicos da Renner procuraram o pesquisado.r com a pergunta óbvia que os ator­mentava: por que os ovos de libélu­la danificam a resina?

Achar a resposta não era simples, alertou Bechara. Ele e Stevani nunca haviam trabalhado com libélulas e, aparentemente, o assunto nada tinha a ver com as pesquisas que faziam. Mas aceitaram o desafio: atacaram o problema com um estudo bem espe­cífico - Natureza Química de Danos Causados a Filmes de Resina por Ovos de Libélulas: um Problema da Indús­tria de Tintas Automotivas -, finan­ciado pela FAPESP como projeto de pós-doutoramento de Stevani.

Além de dois anos de trabalho, a pesquisa exigiu habilidade para tran­sitar por várias áreas do conhecimento. "O primeiro passo': conta Bechara, "foi buscar informações sobre esses insetos:'

fase larval, as libélulas alimentam-se de inse­tos aquáticos, girinos e até peixinhos - e ser­vem de comida para peixes maiores. Adultas, comem abelhas e ou­tros insetos alados, in­clusive os da própria espécie. Também são um dos alimentos pre­diletos de pássaros.

Para entender o que ocorre com a pintura dos carros, foi impor­tante descobrir que as

libélulas são atraídas pela luz refleti­da em espelhos d'água, onde deposi­tam os ovos. Ou seja: tudo indica que confundem a !ataria brilhante dos carros com um laguinho.

Outros detalhes curiosos vieram à tona. As libélulas copulam durante o vôo e, como a fecundação só ocorre na fase da postura, o macho persegue a fêmea até que ela ponha os ovos, pa­ra evitar o assédio de outros machos. A disputa pela reprodução é acirrada. O macho tem um aparato que usa como espátula para remover o esper­ma eventualmente já depositado por outro. Por isso, depois do coito, é co­mum que o macho segure a fêmea pelo pescoço com uma pinça abdo­minal, até que ela ponha os ovos.

Pontos fracos - Outro caminho foi o estudo da composição da resina acri­lomelamínica. Muito usada no reves­timento das chapas de automóveis e também de eletrodomésticos, ela for­ma sobre a pintura uma camada pro­tetora, como um verniz. Assim, con-

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Miragens fatais

Originada de uma inda­gação da indústria, a pesqui­sa também tem implicações ecológicas. Afinal, longe da água, os ovos de libélula não cumprem seu ciclo natural: eles se perdem, o que é um obstáculo à preservação da espécie. E, além dos automó­veis, outras superfícies lisas, como o asfalto - principal­mente quando molhado -, os pisos cerâmicos e os vi­dros, também produzem re­flexos que atraem libélulas.

Por isso, as descobertas de Bechara e Stevani chama­ram a atenção do pesquisa­dor húngaro Gábor Hor­váth, da Lorand Eotvos University, de Budapeste. Por estudar há vários anos esse fenômeno de atração, ele ajudou a esclarecer o que ocorre em centenas de lagoas de óleo formadas no deser­to do Kuwait com a explo­são de poços de petróleo na Guerra do Golfo, em 1991.

Segundo um artigo de Horváth publicado pela re­vista Nature (25 de janeiro de 1996, vol. 379, pág. 303), essas lagoas brilhantes pro­duzem um efeito ainda mais forte do que a superfície da água, atraindo grande quan­tidade de libélulas e outros insetos aquáticos, além de aves. No outono e na pri­mavera, transformam-se em armadilhas devastadoras pa­ra espécies em migração.

A visão é desoladora: grandes depósitos de carca­ças, onde os que conseguem sobreviver perdem ali talvez sua última chance de pro­criar, o que põe certas espé­cies sob risco de extinção.

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fere à pintura mais durabilidade e dureza, bem como resistência ao ca­lor e aos riscos.

Uma análise da estrutura química desse polímero, contudo, mostrou seus principais pontos de fragilidade. "A resina poderia ser atacada por áci­dos, luz, enzimas presentes nos ovos ou radicais livres': afirma Stevani.

O levantamento desses dados le­vou os pesquisadores a formular três hipó-teses para explicar o efeito dos ovos na re­sina. O dano poderia ser fotoquímico: algu­ma substância presente nos ovos sena capaz de absorver a luz so­lar, causando a degra­dação da resina. Outra possibilidade seria de dano microbiológico: o material orgânico que envolve os ovos -um gel protéico que garante proteção e serve de alimento pa­ra o embrião quando o ovo eclode - poderia servir de subs­trato para o desenvolvimento de fun­gos, capazes de lesar o polímero. A terceira hipótese era de dano quími­co: alguma substância ácida presente nos ovos seria responsável pela trans­formação da resina, de modo que o ácido funcionaria como agente cor­rosivo da resina na área de contato com o ovo.

Chuva ácida - Devido à sensibilidade da resina a substâncias ácidas, a sus­peita de dano químico foi a mais co­gitada desde o início. E um aconteci­mento relativamente casual - uma chuva ácida ocorrida em Sumaré (SP) - os fez perseguir com mais convicção essa hipótese.

"Mais uma vez fui procurado pela Renner DuPont, que nos convidou a ir até a fábrica da Honda em Sumaré, para analisar os danos que haviam ocorrido nos carros", conta Bechara. O pH da chuva coletada era 3 - grau de acidez bem superior ao das chuvas

da capital, que gira em torno de 4,5 -e ela era rica em ácidos sulfúrico, ní­trico e clorídrico, além de compostos orgânicos. O que mais chamou a atenção foi a semelhança entre os da­nos provocados pela chuva ácida e pelos ovos de libélula.

A partir daí, os pesquisadores pas­saram a estudar os efeitos de vários ácidos sobre painéis recobertos com

pintura automoti­va, cedidos pela Renner DuPont, e a compará-los com os danos produzi­dos por ovos de li­bélula.

Captura no Tietê - Para obter os ovos necessários aos experimentos, Stevani partiu pa-

Na chapa, a evidência do dano, que é maior em carros escuros

ra a caça às libélulas. Viajou para No­vo Horizonte (SP) durante o período de oviposição (postura) da espécie­entre março e maio- e planejou uma aventura de barco por entre a vegeta­ção aquática do rio Tietê, sempre en­tre as 11 horas e as 3 da tarde, o ho­rário mais propício.

Stevani diz que não foi difícil co­letar a matéria-prima para o estudo: "Segurava as libélulas pelas asas para identificar as fêmeas, fáceis de distin­guir porque os machos têm uma pro­tuberância no abdome. Com um to­que suave dos dedos no abdome, as fêmeas liberavam os ovos, colhidos num tubo de ensaio com água desti­lada". Dos insetos capturados, só dois foram trazidos, para reconhecimento da espécie - os outros eram soltos imediatamente.

Ovos inocentes? -Até então, pensa­va-se que os ovos continham alguma substância ácida capaz de danificar a resina. Mas, depois de uma análise

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química, descobriu-se que a ação dos ovos não era ácida, mas neutra. Essa constatação poderia ter derrubado a hipótese de hidrólise ácida da resina, mas acabou por ajudar a reforçá-la, graças à experiência multidisciplinar dos pesquisadores.

Envolvido em estudos com va­galumes e radicais livres por mais de duas décadas, Bechara sabia de um pro­cesso que ocorre asstm que os ovos são postos: "O ovo absorve grande quantidade de oxigênio, numa atividade conhe­cida como explo­são respiratória, para a produção de água oxigena­da, e esta reage com uma proteí-

Bechara (à esquerda) e Stevani: um feito

multidisciplinar

na presente no ovo para formar um polímero que dá maior resistência". Nesse processo, chamado escleroti­zação, a superfície externa do ovo endurece e escurece - ou seja, for­ma-se a casca.

Ainda acreditando na hipótese de dano ácido à resina, Bechara conside­rou que a substância ácida não preci-

O PROJETO

Natureza Química de Danos Causados a Filmes de Resina por Ovos de Libélulas: um Problema da Indústria de Tintas Automotivas

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADORES

ETELVINO JOSÉ HENRIQUES BECHARA

e C ASSIUS YINICIUS STEVANI -

Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP)

INVESTIMENTO

R$ 12 mil mais US$ 8 mil

saria estar presente no ovo: ela pode­ria formar-se a partir de determina­das condições físico-químicas.

Os pesquisadores atentaram então para o fato de que o processo de es­clerotização dos ovos postos nos au­tomóveis ocorria a alta temperatura - que, num carro ao sol, pode chegar a 50° C se ele for branco ou prateado e 92° C se for preto. Perceberam en-

tão que a cisteína - um aminoácido do ovo -, quando em contato com água oxigenada, produzia ácido cis­téico, semelhante ao ácido sulfúrico.

Isso reforçou a hipótese de hidró­lise ácida e justificou testes que, ~fi­nal, comprovaram: em temperatura igual ou superior a 70° C e na presen­ça de água oxigenada, os ovos produ­zem ácido cistéico, capaz de danificar a resina de forma ainda mais intensa do que o ácido sulfúrico.

Pesquisadores - Os testes que com­provaram e consolidaram a hipótese de dano químico envolveram outros pesquisadores. Dalva Lúcia de Faria, do Instituto de Química da USP, cui­dou da caracterização espectroscópi­ca do dano por uma técnica que per­mitiu constatar, indiretamente, a presença de ácido cistéico nos ovos tra­tados com água oxigenada. Maria Tere­sa de Miranda e Cleber Liria, também do Instituto de Química, quantifica­ram o ácido cistéico formado nos

ovos. Marcelo Bariatto e Fábio Arraes, do Laboratório de Sistemas Integra­dos (LSI) da USP, fizeram exames de microscopia de varredura de elétron e perfilometria, que . permitiram a comparação visual dos danos causa­dos à resina automotiva por diversos agentes químicos. Colaboraram tam­bém Jefferson Porto e Delson Trinda­de, da Renner DuPont, que fornece­

ram os corpos-de-prova para os testes e tiraram eventuais dúvidas sobre a formulação de resinas automotivas. Ainda na USP, Cleide Costa, do Museu de Zoologia, e Francisco Cor­deiro, do Instituto de Biociên­cias, identificaram as libélulas.

Para o público - Embora a pergunta da indústria tenha sido respondida, o trabalho de Bechara continua. Na seqüên­cia do projeto, ele pretende desenvolver um produto que o consumidor possa usar para proteger o carro de danos pro­vocados por insetos aquáticos. Por isso, algumas descobertas

do estudo são mantidas em sigilo. Se­gundo o pesquisador, o produto de­verá beneficiar principalmente os carros escuros, mais afetados porque absorvem mais luz e cuja !ataria atin­ge temperaturas superiores a 70° C ao sol. Já os brancos e prateados rara­mente são afetados.

Segundo Bechara, algumas mon­tadoras, como a Honda, adotaram uma solução paliativa: "Elas passa­ram a recobrir os carros com filmes de polietileno, para protegê-los en­quanto permanecem nos pátios': Mas, além de pouco ecológica, a solução não resolve o problem a do consumi­dor. Na opinião de Bechara, a solução definitiva envolveria um empenho da indústria para mudar a composição da resina, tornando-a mais resistente à ação de ácidos, o que também re­duziria os danos provocados por chuva ácida - mas não impediria que as inocentes libélulas continuassem a perder a prole, ludibriadas por uma ilusão de ótica. •

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TECNOLOGIA

APICULTURA

Um padrão nacional para o mel Pesquisa da Esalq pode ajudar no crescimento das vendas do produto

Aprodução de mel de abelha no Brasil poderia ser dez vezes

maior do que as 40 mil toneladas co­lhidas anualmente e até ajudar o país a obter divisas com a exportação. Mas, para isso, o mel precisa de uma padronização nacional que ateste sua qualidade e permita aperfeiçoar as técnicas de produção .e profissio­nalizar mais a apicultura. Um grande passo nesse sentido foi dado com o projeto Análise Físico-Química de Mel de Flores Silvestres Produzido por Apis Mellifera L., 1758 (Hymenoptera) no Es­tado de São Paulo, co­ordenado pelo enge­nheiro agrônomo Luís Carlos Marchini, pro­fessor do Departamen­to de Entomologia, Fi­topatologia e Zoologia Agrícola da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba. Ele reuniu informações sobre o mel de flores silvestres da abelha africanizada (cruzamento da Apis mellifera de origens européia e africana) que contribuirão para normatizar a produção brasileira de mel e criar um padrão nacional que correspon­da às peculiaridades de cada região.

"Ainda faltam leis adequadas que regulem a produção do mel brasileiro, pois os parâmetros e es­pecificações estabelecidos pela le­gislação em vigor são baseados nas referências e normas dos Estados Unidos, cuja realidade de flora, cli­ma e solo é bem distinta da imensa diversidade existente no Brasil", diz

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características florais e regionais

Marchini, com a autoridade de quem estuda abelhas há 20 anos.

A composição e o valor nutritivo do mel dependem fundamental­mente da origem floral. Como nossa flora apícola é muito diversificada e varia de um lugar para outro, é fun­damental conhecer a composição e as qualidades dos produtos obtidos em cada região, para caracterizá -los e estabelecer padrões.

Clima e solo - Marchini explica como o tipo de clima e de solo influ­enciam as propriedades minerais do mel: "Em climas mais secos, por exemplo, são encontrados méis com menores quantidades de elementos químicos inorgânicos em relação àqueles produzidos em locais de di-

~ mas mais úmidos. Amostras ~ ~ de mel de eucalipto proveni-5 entes de lugares com solo tipo i' ô latossolo roxo, como na re-~ gião de Ribeirão Preto, apre-

sentam menores quantidades de ferro e manganês do que as amostras produzidas em re­giões com solos formados por rochas ácidas e alcalinas, exis­tentes no município paulista de Lavrinhas, quase na divisa do Estado do Rio de Janeiro".

Direto do favo - Foi por isso que Marchini coletou 94 amostras de mel em apiários de 75 municípios do interior paulista, representativos da diversidade nas regiões do Estado. Cada amostra, de no mínimo 400 gramas, foi cole­tada diretamente nos alvéo­los do favo das colméias.

O trabalho durou três anos, incluindo as análises, e

teve a colaboração de duas estu­dantes estagiárias e da engenheira agrônoma Augusta Carmello Mo­reti, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado. Foram feitas análises de condutividade elétrica, teores de proteínas, de cin­zas e de minerais, porcentagem de umidade e cor. Os resultados per­mitirão estabelecer critérios de qualidade e identificar possíveis peculiaridades regionais ou de es­pécies florais.

"No caso de São Paulo, que tem um número expressivo de apiculto­res e um grande mercado consumi­dor, a caracterização e a padroniza­ção do mel, levando em conta as condições ambientais em que é pro­duzido, são fundamentais para me­lhorar a qualidade e dar garantias às pessoas que compram e consomem o produto", diz Marchini.

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~ qüentes os pólens de ~ vários tipos de gramí­i5 neas e de outras plantas I'

como m1mosas, verno-nias e tibouchinas".

Na análise, as ca­racterísticas de condu­tividade elétrica e a presença de nitrogênio protéico, cinzas, umi­dade e minerais varia­ram muito. Na média, porém, a maioria das amostras estava dentro dos limites permitidos pela legislação brasilei­ra. Isso, contudo, não significa que as amos­tras restantes devam ser rejeitadas. "As nor­mas vigentes baseiam­se na padronização norte-americana, cujos percentuais e especifi­cações não podem ser

Produção de mel sem agrotóxico tem bom mercado no exterior

Atestar a qualidade -Marchini observa que, embora ainda não este­ja prevista na legislação brasileira, "a identifica­ção de minerais e da origem floral do mel é fundamental para ates­tar a qualidade do pro­duto e deve fazer parte de uma futura norma­tização, inclusive para impedir falsificações': É que, além da adultera­

aplicados mecanicamente às condi­ções do Brasil", diz Marchini.

No caso da condutividade, que se refere à concentração de íons numa solução e tem relação com os ele­mentos presentes- se o mel contém muitos minerais, por exemplo, a condutividade é maior __:_, a análise mostrou que 33% das amostras não estavam de acordo com a normati­zação vigente.

No teste das cinzas, que também expressa a riqueza do mel em mine­rais e é um bom indicador de quali­dade, só 6% das amostras não aten­diam aos padrões atuais. No caso da umidade, que verifica a quantidade de água existente e permite saber se o mel foi adulterado ou não, 16,2% das amostras estavam fora dos padrões.

Os valores encontrados na caracte­rização dos minerais variaram muito, mas comprovou-se uma correlação. "O mel escuro contém mais minerais do que o mel claro': diz o pesquisador.

Origem polifloral - O pólen presente no material também variou bastante e ficou demonstrado que todas as amostras receberam a contribuição de diversas plantas- havia de 3 a 13 tipos de pólen por amostra. Embora o eucalipto estivesse sempre bem re­presentado, só em cinco amostras foi encontrado seu pólen como domi-

nante - com mais de 90% desse tipo polínico, o que define um mel de eu­calipto. E só uma amostra foi consi­derada mel de citros, porque tinha em média 66,36% de pólen cítrico.

Das 88 amostras restantes, 12 mostraram dominância de pólen de flores silvestres e as outras 76 uma mistura de tipos polínicos, sem do­minância de nenhum, o que define tipos poliflorais. De modo geral, re­vela Marchini, "além dos tipos polí­nicos dominantes, foram muito fre-

ção deliberada, como a de misturar glicose com mel, ocorre freqüente­mente uma adulteração inconscien­te: por falta de informação técnica sobre o manejo correto, o apicultor acaba oferecendo um mel impróprio para o consumo.

O mel puro se cristaliza necessa­riamente, mais cedo ou mais tarde: conforme as condições de armaze­namento, origem florestal, composi­ção físico-química, temperatura, umidade e manejo. "Quando colhi-

Mel também é alimento O brasileiro, de forma geral,

considera o mel apenas como um medicamento natural útil para as vias respiratórias. Mas esse pro­duto das abelhas é na verdade um alimento rico em nutrientes. Tem grande quantidade de vitaminas e enzimas fundamentais à diges­tão. Também contém minerais, ácidos orgânicos, proteínas, ami­noácidos e açúcares que são ab­sorvidos rapidamente, propor­cionando calor e energia ao organismo. Pela falta de consciên­cia dessa amplitude alimentar, o consumo no Brasil é baixo. Con­some-se apenas a média de 60

gramas de mel por habitante/ano, segundo o professor Luís Carlos Marchini. Nesse dado é preciso considerar que na região Sul do país o consumo varia de 200 a 300 gramas per capita. Enquanto isso, na Suíça, é consumido 1,5 quilo de mel por habitante/ano. Na Ale­manha, 960 gramas, e nos Estados Unidos, 910.

- , CONSUMO

PAÍS HABITANTE/ANC

Suíça 1,5 quilo

Alemanha 0,960 quilo I Estados Unidos 0,9 10 quilo

Brasil 0,06 quilo __j

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1000 • 59

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do nas mesmas condi­ções, o mel de eucalip­to, por exemplo, que é mais escuro, cristaliza mais rapidamente que o mel de laranja, que é mais claro", exemplifica Marchini.

Como há uma re­sistência dos consumi­dores ao produto cris­talizado, os apicultores brasileiros costumam aquecer o mel que even­tualmente já se cristali­zou, para que retorne à forma líquida. Se aque­cido a uma temperatu­ra muito alta, no entan­to, isso pode compro­meter o valor nutritivo do mel e torná-lo im- Marchini : 94 amostras em 75 municípios paulistas próprio ao consumo.

Manejo eficiente - "Além de ser um instrumento para coibir adultera­ções e atestar a boa qualidade do produto, a normatização do mel brasileiro é fundamental para o api­cultor saber a composição do mate­rial que está produzindo e ter subsí­dios para adotar práticas de manejo que ajudem no ciclo biológico do enxame", explica Marchini.

Ocorre que a abelha se alimenta do mel e aumenta ou não a produção da colméia em função da quantidade e qualidade do alimento existente. Quando há alimento abundante e bom, a rainha aumenta o número de posturas. Como conseqüência, cresce o número de operárias, aumentam as coletas de pólen, néctar e também a produção de mel. Por isso, a existên­cia ou a falta de certos componentes na dieta das abelhas interfere direta­mente no desenvolvimento popula­cional da colméia.

"Com o conhecimento da compo­sição do mel, o apicultor pode fazer a suplementação da alimentação das abelhas com componentes que me­lhorem o ciclo biológico do enxame. Afinal, o grande segredo do manejo para garantir uma boa produção de

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O PROJETO

Análise Físico-Química de Mel de Flores Silvestres Produzido por Apis mellifera L., 1758 (Hymenoptera) no Estado de São Paulo

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

luis CARLOS MARCHINI - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP)

INVESTIMENTO

R$ 12.050,07 e US$ 12.600,00

mel é ter uma constância de popula­ção na colméia, sem oscilações para cima e para baixo- uma situação de instabilidade que pode até estressar a abelha-rainha': Marchini acrescenta.

Mel orgânico - A normatização tam­bém é fundamental para abrir o mer­cado internacional ao produto brasi­leiro, já que o país tem um potencial muito grande para a produção de mel orgânico, aquele produzido a partir de plantas que não receberam aplicações de agrotóxicos.

O mel pode ser contaminado com produtos químicos usados no controle de doença das abelhas, ou

quando a abelha visita uma planta que recebeu aplicação de agrotóxi­cos contra pragas e traz a contami­nação para a colméia. Como no país não há controle de doenças em abelhas, a possibilidade de conta­minação fica restrita ao mel produ­zido a partir de plantas que recebe­ram agrotóxicos. "Mas, com um manejo adequado", assegura Mar­chini, "pode-se fazer apicultura em matas e plantações que não rece­bem pesticidas."

Vegetação nativa- Ele revela que no mercado externo há uma procura muito grande pelo mel orgânico, por isso muitos apicultores das re­giões Norte e Nordeste - onde exis­tem boas extensões de terra com ve­getação nativa - estão interessados em produzir para exportação.

Marchini esclarece que este tra­balho é uma continuação de pesqui­sas sobre padrões melíferos condu­zidas em outros projetos realizados num período de oito anos. E avisa que o resultado da análise das 94 amostras ainda não serve para esta­belecer os parâmetros do mel brasi­leiro. "Elas foram coletadas em São Paulo, que tem características dife­rentes de outras regiões do país".

Para compensar isso, ele também está coordenando pesquisas feitas com méis da Bahia, do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul. Só depois de agrupar amostragens de regiões representativas da diversida­de de solo, clima e flora do território nacional, será possível estabelecer os padrões do mel brasileiro.

"A normatização do mel nacional é fundamental para o desenvolvi­mento da apicultura, que se tornou uma atividade rentável': conclui. An­tes, era uma atividade meramente extrativa, como nos tempos em que o pesquisador vivia com os pais numa propriedade média de cana­de-açúcar, ali mesmo em Piracicaba: na época, ele e dois irmãos retiravam mel das colméias das árvores para consumo da família. Hoje, Marchini retira mel para todo o país. •

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O cateter é composto por sete fibras ópticas.A central emite o feixe de laser e as outras seis circundantes fazem a coleta dos dados

A luz concentrada, conhecida como feixe de laser, prepara-se

para ganhar mais uma utilidade na medicina. Depois de ter conquistado, por exemplo, as cirurgias de olhos e de varizes, o avanço, agora, é no inte­rior do corpo humano como auxiliar no diagnóstico e no tratamento de doenças cardíacas e até de câncer nas mucosas do trato digestivo e das vias respiratórias. Tecnologias para che­gar a esses usos estão em desenvolvi­mento em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde, em São José dos Campos, um cateter de fibra óptica que serve para transportar a luz laser dentro das artérias foi desenvolvido no Instituto de Pesquisas e Desenvol­vimento (IPD) da Universidade do Vale do Paraíba (Univap ), sob a coor­denação do professor Renato Amaro Zângaro, diretor da Faculdade de Ciências da Saúde.

O instrumento permite que a luz laser identifique e restaure possíveis entupimentos de artérias e elimine tumores em uma fração de segundo.

Pronto e testado em laboratório e em animais, o cateter aguarda o iní­cio dos testes em humanos.

O projeto Cateter à Fibra Óptica para Diagnóstico de Placas Ateromato­sas no Sistema Cardiovascular é reali­zado em parceria com a Tecnol:iio, empresa especializada na fabricação e distribuição de equipamentos médi­cos. A iniciativa faz parte do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP. O financiamento da Fundação para a universidade foi de R$ 129 mil, e a contrapartida da Tecnobio, R$ 150 mil.

A nova técnica foi concebida, em princípio, para substituir o tradicio­nal cateterismo, exame para diagnós­tico de obstruções nas artérias coro­nárias. Ela consiste em um cateter de fibra óptica com visão lateral acopla­do a um espectroscópio, aparelho que emite a luz e permite ao médico avaliar minuciosamente as condições do tecido arterial. Com ele, identifi­cam-se pequenas alterações celulares e a formação de ateromas - depósito

de material gorduroso dentro das ar­térias -, cuja evolução pode obstruir a passagem do sangue, causando um infarto do miocárdio. Facilitador de um diagnóstico precoce, o novo cate­ter também permite que, no mesmo procedimento, o laser seja acionado para tratar a área afetada, pulverizan­do o material ali acumulado.

Ação Dupla - Além do cateter para diagnóstico coronariano, Zângaro coordenou outro projeto que resul­tou em uma inovação tecnológica no cateter desenvolvido na Univap. Com uma pequena modificação na extremidade, o cateter foi adaptado para diagnosticar câncer no cólon retal. A emissão do laser e a coleta da resposta emitida pelos tecidos são feitas por um espectrofluorímetro, equipamento também gestado na Univap, com financiamento da FA­PESP, no âmbito do programa de auxílio-pesquisa, por meio do proje­to Espectrofluorímetro Multilinhas para Diagnóstico Precoce do Câncer.

PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO OE 2000 • 61

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Com a colaboração do Hospital do Câncer, onde 30 pacientes passa­ram pelo novo exame, o equipamen_to apresen­tou ótimos resultados segundo Zângaro. A possível vantagem do novo sistema será a eli­minação dos exames de biópsia, não sendo mais necessário retirar uma amostra do tecido do paciente para obter o diagnóstico completo. O novo aparelho mostra o resultado na hora, por meio de gráficos que de­

. nóstico também Este . d rag orno biopsia õptica conhecido c ·dentificação dos base ia~se ni~~s de emiss~o das diferentes P ntes no tec1do. moléculas prese

lwoô\Jra~g~ sP

monstram a presença de Zângaro: inovação tecnológica para diagnóstico de câncer no cólon retal

dor, a pulverização com laser é capaz de reduzir o ateroma a partículas mi­núsculas, eliminando o risco de obstrução em algum ponto mais adi­ante na artéria, como pode ocorrer com o usual rotoablator, que funciona de forma se­melhante a um tritura­dor. Zângaro esclarece também que o diagnós­tico a laser pode evitar outro tipo de acidente. "Durante o cateterismo, a simples introdução do cateter pode ser suficien­te para deslocar um trom­bo ou coágulo, provocan­porfirinas (substâncias

fluorescentes), normalmente presen­tes em tecidos cancerígenos. Se hou­ver um tumor, por exemplo, a dife­rença das freqüências desse tecido doente para um normal será mostra­da em um gráfico.

Diagnóstico e tratamento- No exa­me cardíaco, o cateter também po­derá analisar a natureza do material depositado· na parede arterial e iden­tificar os vários estágios de desenvol­vimento de um ateroma. Com o la­ser será possível um diagnóstico que localiza e analisa as obstruções, sem a necessidade da visualização das ar­térias por raios X, como se faz hoje, mediante a injeção de uma substân­cia que apresente contraste na cor­rente sanguínea.

O equipamento usado no novo exame é o espectroscópio Raman, aparelho que coleta dados para aná­lise bioquímica de tecidos in vitro. "Quando acoplado ao cateter de fi­bra óptica, essa análise do tecido po­de ser feita diretamente no paciente, com resultado instantâneo", explica Zângaro.

Os procedimentos médicos para o diagnóstico são semelhantes ao ca­teterismo, mas os resultados são bem mais precisos: o equipamento permi­te identificar quais as moléculas pre­sentes no ateroma. Segundo o pes-

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quisador, isso traz uma grande van­tagem para o médico, que poderá de­terminar o tratamento de acordo com o material observado, inclusive com o disparo do laser para remover possíveis obstruções.

Esse procedimento de destruição dos ateromas, chamado ablação, promete ser mais eficiente que o usa­do atualmente. Segundo o pesquisa-

OS PROJETOS

Cateter à Fibra Óptica para Diagnóstico de Placas Ateromatosas no Sistema Cardiovascular

MODALIDADE Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)

COORDENADOR RENATO AMARO ZÃNGARO • Univap

INVESTIMENTO R$ 129.782,03 (FAPESP). e R$ 150.000,00 (Tecnobio)

Espearof1uorímetro Multilinhas para Diagnóstico Precoce do Câncer

MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR RENATO AMARO ZÃNGARO • Univap

INVESTIMENTO R$ 47.118,00 e US$ 84.156,51

do uma obstrução grave. Mas com o cateter à fibra óptica isso pode ser evitado, pois ele permite visualizar e pulverizar o coágulo antes da passa­gem do cateter", afirma.

Um exame coronariano não é coisa simples. Os procedimentos ge­ralmente envolvem muitos riscos, que precisam ser reduzidos ao máxi­mo. Por isso, só o projeto de desen­volvimento do cateter esbarrou em algumas dificuldades. A primeira de­las foi em relação à flexibilidade.

Alto risco - "O cateter precisa ser muito flexível para não ferir as pare­des da artéria, o que poderia provo­car uma inflamação no local", expli­ca Zângaro. Ele é composto de sete fibras: uma central, que leva o laser até o tecido, e seis ao seu redor, que coletam a resposta luminosa emitida pelo tecido. A tecnologia de monta­gem - junção das fibras, colagem e cobertura em poliuretano- foi fruto da parceria com a Tecnobio.

Outra dificuldade do projeto foi identificar, dentre os tipos de fibra existentes no mercado - geralmente usadas em telecomunicações -, aquele que apresentasse o maior grau de pureza. Produzidas em síli­ca, as fibras apresentavam impure­zas que interferiam no sinal coleta­do pelo aparelho. Esses "ruídos"

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poderiam mascarar a leitura do si­nal emitido pelo tecido, prejudican­do o diagnóstico.

Embora essas dificuldades já es­tejam superadas e o projeto do cate­ter tenha sido concluído, ainda há al­gumas questões a serem resolvidas para que o equipamento possa cum­prir sua finalidade nos centros médi­cos. Do ponto de vista operacional, o intervalo entre os procedimentos de diagnóstico e a ablação não pode passar de 0,5 segundo, tempo que o cateter é capaz de manter-se na mes­ma posição dentro da artéria. Acima de 0,5 segundo, o cateter pode se deslocar, impulsionado pela pressão sanguínea, fazendo com que o laser de ablação não atinja o ponto desejado.

Além disso, o tratamento também requer um rigoroso contro­le no pulso de ablação. Para determi­nar a quantidade exata de energia a ser lançada no tecido, está sendo rea­lizado um estudo paralelo no Labo­ratório de Ablação do IPD da Uni­vap, também com apoio da FAPESP. São necessários vários testes para avaliar o efeito de diferentes intensi­dades de pulso do laser sobre tecidos biológicos e também para verificar o comportamento do material resul­tante da ablação.

Teste em humanos - Devido ao cus­to do cateter - em torno de US$ 1 mil-, foram necessários também vá­rios testes para aumentar a vida útil do instrumento sem que isso impli­que qualquer risco de contaminação para os pacientes. Segundo Zângaro, a expectativa é que o cateter possa ser usado em até dez exames. A co­mercialização desse produto vai ficar por conta da Tecnobio, mas ainda depende da obtenção do registro junto ao Ministério da Saúde. Apesar da dificuldade em testar o equipa­mento em humanos- só foram fei­tos testes em animais -, José Maria Rodrigues Bastos, presidente da Tec­nobio, acredita que a liberação do produto, pelo menos para diagnósti­co, não deverá apresentar problemas,

porque a eficiência e ausência de ris­cos estão bem fundamentadas.

Bastos acredita que o produto deva entrar no mercado em meados de 2001, e sua expectativa é de uma grande aceitação no Brasil e no exte­rior. "É um produto promissor, tan­to pela atual demanda como pelo baixo custo, além de possibilitar a eliminação de gastos com análises la­boratoriais e sistemas sofisticados de diagnóstico por imagem", afirma.

-

Espectrofluorímetro: auxílio à fotodinâmica, técnica que deve substituir a quimioterapia

Existem vantagens também no uso do cateter para diagnóstico de câncer do cólon retal. Por ser capaz de diagnosticar casos de hiperplasia e adenoma, estados que podem ser pré-cancerosos, a expectativa do pesquisador é que esse tipo de exa­me venha a se tornar rotina, inte­grando a lista dos exames preventi­vos. "É muito mais barato para o Estado trabalhar na prevenção do que no tratamento do câncer, que muitas vezes requer longas interna­ções, medicamentos e procedimen­tos caros", afirma.

Além de fazer diagnósticos, o es­pectrofluorímetro também pode au­xiliar na terapia fotodinâmica, uma

técnica que pode vir a substituir a quimioterapia. Nesse sistema, injeta­se uma droga na veia do paciente, que se espalha pelo corpo e termina por se concentrar em áreas tumoro­sas. A droga sozinha não elimina o câncer, mas, quando é irradiada por laser, ela produz radicais livres e oxi­gênio, que penetram nas células can­cerosas, provocando uma necrose da região tumoral. Nesse caso, o espec­trofluorímetro auxilia na verificação da distribuição da droga na região tumoral, indicando sua concentra­ção de forma qualitativa.

Grande vantagem - Por enquanto, a técnica aguarda a aprovação da Co­missão de Ética do Hospital do Cân­cer para ser utilizada em pacientes que se submeteram a diversos ou­tros tipos de tratamento sem resul­tados positivos. Segundo o pesqui­sador, a terapia fotodinâmica traz uma grande vàntagem para os pa­cientes em relação à quimioterapia. Como tem efeito apenas em pontos localizados, a técnica não ataca o sis­tema imunológico de forma genera­lizada, reduzindo a incidência de in­fecções oportunistas. A técnica pode ainda, na opinião de Zângaro, evitar um grande número de cirurgias, que sempre implicam maiores riscos, in­clusive o de provocar metástases.

Ainda não há cálculos precisos sobre o custo de comercialização do espectrofluorímetro. Estima-se que chegue a US$ 70 mil, já que 70% dos componentes são importados. Ainda assim, na opinião de Zângaro, a rela­ção custo-benefício pode ser alta­mente vantajosa.

Ele estima que daqui a um ano o equipamento poderá estar disponível no mercado, mas isso ainda depende de negociações com empresas inte­ressadas em estabelecer uma parceria comercial. O importante é que tanto as pesquisas como a perspectiva co­mercial do cateter e do espectrofluo­ríinetro estão num ritmo avançado. Eles vão proporcionar melhores téc­nicas de diagnóstico e tratamento de doenças com o uso do laser. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 63

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TECNOLOGIA

MEDICINA NUCLEAR

lpenlança iodo-123 ultrapuro Radiofármaco detecta a presença de tumores e alterações na tireóide

U m recurso essencial da medi­cina nuclear para o diagnósti­

co de uma série de doenças já está disponível em São Paulo. O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem), desenvol­veu tecnologia própria e começou a produzir o iodo-123 ultrapuro, um radiofármaco que, usado em exames específicos, facilita a localização de tumores e alterações na tireóide, no coração e no ~érebro. Na forma de um líquido incolor, essa substância tem meia-vida (período em que a ati­vidade radioativa cai pela metade) curta, de 13 horas. Isso representa uma vantagem para o paciente que é submetido a uma dose pequena des­se tipo de produto, além de se benefi­ciar com a precisão e a rapidez dos diagnósticos.

Até o início do próximo ano, o produto estará disponível para todos os hospitais e centros de diagnósticos que o desejarem. Falta pouco para isso. "Precisamos ainda sedimentar o processo. Só então poderemos pro­duzir em escala totalmente comercial e estabelecer o preço final do produ­to", informa o físico Valdir Sciani, co­ordenador do Grupo de Irradiações no Ciclotron do Ipen. O ciclotron, mo­delo Cyclone 30, é um acelerador que custou cerca de US$ 5 milhões e pro­duz feixes de prótons para a produ-

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Sciani: domínio da tecnologia permitiu criar novos sistemas e processos de produção

ção de radiofármacos de interesse em diagnósticos médicos, como o gálio-67, tálio-201, indio-1ll, iodo-123 e flúor-18. O desenvolvimento desse no­vo produto foi possível com o projeto de auxílio-pesquisa da FAPESP De­senvolvimento e Implantação do Méto­do de Obtenção de Iodo-123 a Partir da Irradia{iio de Xenônio-124 no Ipen-Cnen, coordenado por Sciani. O apoio fi­nanceiro da Fundação foi de R$ 109 mil e US$ 50 mil. A Agência Interna­cional de Energia Atômica contribuiu com US$ 50 mil e a contrapartida do próprio instituto foi de R$ 70 mil. ·

A metodologia de produção do iodo-123 a partir da irradiação do gás xenônio não é nova e também é usa­da pelo Instituto de Engenharia Nu­clear (IEN), do Rio de Janeiro. Em

O PROJETO

Desenvolvimento e Implantação do Método de Obtenção de lodo-123 a Partir da Irradiação de Xenônio-124 no lpen/Cnen/SP

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

VALDIR SCIANI - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (lpen)

INVESTIMENTO

R$ I 09.500,00 e US$ 50.000,00

São Paulo, o sistema foi inteiramente desenvolvido no Ipen. "O domínio da tecnologia tornou possível o desen­volvimento e a implantação de siste­mas próprios para todas as fases do processo, num trabalho que durou dois anos", explica Sciani. O trabalho também teve a participação de equi­pes do Laboratório de Ciclotrons, do Centro de Radiofarmácia e do Centro de Tecnologia das Radiações do Ipen.

Além dos investimentos diretos no projeto, contaram também aque­les para a infra-estrutura, como a aquisição de um distribuidor magné­tico com cinco saídas para uma das linhas de feixe de prótons do Cyclone 30. Com isso, agora podem ficar ins­taladas até cinco câmaras de irradia­ção, uma delas exclusiva para a pro­dução do iodo-123. Antes, só se usava uma câmara, que tinha de ser montada e desmontada a cada novo radiofármaco produzido na linha.

lodo no lncor - O Instituto do Cora­ção (ln cor) da Universidade de São Paulo (USP) é um dos consumidores do iodo-123. Cláudio Meneghetti, diretor do Serviço de Radioisótopos do Incor, informa que a primeira uti­lização do iodo-123 será no estudo de prognóstico dos pacientes que es­tão na fila de transplantes de coração, para identificar os que têm maior ris-

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co de morte, por meio do uso de uma substância- a metaiodobenzilguani­dina- marcada com o iodo-123. Com essas substâncias no organismo, o paciente é submetido a um exame de cintilografia, em que uma máquina especial capta a radiação concentra­da nos locais doentes de forma seme­lhante a um equipamento de raio X.

De acordo com a farmacêutica Marycel Barboza, responsável no Ipen pela marcação de moléculas com radioisótopos, o iodo-123 é usado apenas em diagnóstico e na monitoração de tratamentos, diferente do uso do iodo-131, utilizado em diagnósti­co e radioterapia. Com o 123, pode-se diag­nosticar disfunções da tireóide, como hipo e hipertireoidismo. Inse­rido na metaiodoben­zilguanidina, possibili­ta estudos precisos do miocárdio e a identifi­cação de tumores endó­crinas e da crista neural (onde há neurônios en­volvidos, centrais ou periféricos), que são de baixa ocorrência, mas atingem crian­ças - neuroblastoma - e adultos jo­vens- feocromocitoma. A conjunção das duas substâncias também facilita o acompanhamento terapêutico, cor­rigindo e avaliando a necessidade de aumentar a dose de um medicamen­to, além de verificar a eficiência da li­nha terapêutica. O iodo-123 pode também ser usado para marcar ou­tras moléculas, como as utilizadas no exame de fluxo neural ou cerebral e estudos de neurorreceptores.

Fator vital - Na cardiologia, existem várias utilidades para o iodo-123 que ajudam o médico a entender o pro­blema do paciente. "Por exemplo, se ele teve um infarto, o exame com a metaiodobenzilguanidina marcada pode constatar a área de arritimia. No caso dos transplantes cardíacos, muitas vezes é preciso escolher o re-

ceptor de um coração na fila de espe­ra. Há um momento em que todos os fatores envolvidos, do ponto de vista clínico ou funcional, são similares, mas aquele que tiver menor concen­tração de noradrenalina no miocár­dio é o caso mais grave e deverá, em termos estatísticos, morrer primeiro se não houver uma solução. O exame com a molécula marcada com o iodo-123 pode identificar quais são essas pessoas na fila de espera de um transplante de coração.

Meneghetti destaca ainda o caso de pessoas com arritmias ocasionais, motivadas por fa­lhas na distribuição da rede neural do miocárdio e que po­derão ter seu caso mais bem es­tudado. O uso do iodo-123 no diagnóstico da tireóide vai ser menor que o iodo-131, porque ele tem meia-vida maior, de oito dias. "Isso o torna mais facilmente disponível para as necessidades do dia-a-dia das clínicas", esclarece o químico Jair Mengatti, coordenador da produção de radiofármacos do Ipen. "Mas, mesmo que o iodo-131 continue a desempenhar papel significativo no diagnóstico da tireóide, o iodo-123 é inquestionável na marcação de molé­culas para outros tipos de exame, pela excelência das imagens que pro­picia e a baixa radioatividade admi­nistrada ao paciente."

Sem impurezas - O iodo-123 era produzido anteriormente pelo Ipen a partir do óxido de telúrio, mas essa substância possuía o contaminante iodo-124. O Incor já trabalhou no passado, de forma acadêmica, com esse iodo. Se administrado a um pa­ciente, mesmo em dose pequena, o iodo-124 permanece no organismo. Mas esse iodo impuro era utilizado de forma esporádica, segundo Me­neghetti: "Apenas quando o benefício de sua aplicação compensasse os ris-

cos da radiação do 124, caso de pacientes à es­pera de um novo cora­ção e com perspectiva de vida curta caso o transplante não acon­tecesse': Com o gás xe­nônio-124, o iodo-123 garante, além da alta qualidade de imagens, a ausência de impure­zas como o iodo-124.

Atualmente, cerca de 1,5 milhão de pessoas são beneficiadas com ra­diofármacos produzidos pelo Ipen. Mengatti in­

forma que a utilização desses pro-dutos no Brasil tem crescido em torno de 13% ao ano. Alguns, como o iodo-131 e o 123, apre-

1;;;,;1 sentam taxa de 15%. "Mas, mes­mo com essa velocidade de cres­cimento, estamos utilizando a quantidade de radiofármacos próxima à da Argentina." Con-

siderando-se que a Argentina tem 1/4 da população do Brasil, o consumo brasileiro precisaria crescer 300% para se igualar ao dos argentinos.

Meneghetti, por sua vez, comenta que o crescimento da medicina nu­clear tem sido grande: "Estávamos num patamar de aplicação muito baixo. A situação mudou quando a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear passou a divulgar, entre os médicos, os benefícios dos exames nucleares". Com a produção do iodo-123 ultrapuro, em São Paulo, consegue-se um novo avanço nessa área da medicina. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1000 • 65

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HUMANIDADES

PSICOLOGIA

Estratégias para manter o casamento

Estudo mostra como mulheres lidam com o

cotidiano do matrimônio

(( , "O e que a morte os separe. efeito simbólico dessa fra­se, ouvida por milhões de

casais em boa parte do mundo du­rante a cerimônia religiosa de casa­mento, costuma ecoar sobre o ho­mem ou a mulher quando a união está ruindo ou quando o que resta da ilusão matrimonial é mantido a duras penas. É compreensível. Presu­me-se que a intenção da maioria ao . . assumtr um compromtsso como esse é ser feliz por longos anos. Embora já vá longe o tempo em que os casais mantinham o casamento mesmo que não restasse mais nada entre eles senão os hábitos, os filhos para criar, os netos para curtir ou contas a acer­tar, também é verdade que grande número de casais prefere continuar como está.

Homem e mulher continuam utilizando recursos diversos para manter a casa em pé: são estratégias diretas, indiretas, um jeito particular de se esquivar ao diálogo, optar pelo silêncio, esperar pela melhor opor­tunidade de abordar certo assunto e, assim, atingir seu objetivo sem trau­mas. Para entender os estratagemas adotados por mulheres que se man­têm casadas durante 15 anos ou

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mais, as pesquisadoras Maria Lúcia Teixeria Garcia e Eda Terezinha de Oliveira Tassara decidiram investir num projeto que interessa a todos que são casados. Por três anos, elas trabalharam no projeto Da Utopia do Amor Romântico ao Cotidiano do Casamento. Lúcia é assistente social e professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Fe­deral do Espírito Santo (UFES) e Eda, co-autora e coordenadora cien­tífica do projeto, é doutora em Psi­cologia e docente do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP). Uma das conseqüências do trabalho das duas é a tese de douto­rado de Lúcia, Problemas no Casa­mento: a Presença Utópica do Amor Romântico, que será defendida em fevereiro na USP.

A pesquisa de Eda e da Lúcia Garcia começou em 1997 e termi­nou em junho deste ano. A FAPESP financiou computador, impressora, a transcrição do material e progra­mas de computador. O trabalho foi desenvolvido a partir de entrevistas com mulheres das classes média e alta da região da Grande Vitória, Es­pírito Santo. "As histórias narradas

possuem um início, um meio e uma projeção de futuro - avaliada como potencialmente boa ou ruim - em função da aproximação ou distan­ciamento do projeto de convivência conjugal", diz Eda, casada há 40 anos. "Tais avaliações dizem respeito a expectativas e aspirações das en­trevistadas que podem diferir ou não das análises feitas por seus côn­juges. Para algumas, a discrepância na avaliação da convivência conju­gal foi um dado destacado por elas, o que fazia com que aquilo que indi­cavam como inadequado para elas não o fosse necessariamente para seus parceiros."

Como avaliação geral pode-se di­zer que, para as mulheres felizes e sa­tisfeitas com o casamento, não há por que romper com um vínculo avalia­do como adequado às suas expecta­tivas. Entre as mulheres felizes, mas insatisfeitas com a relação conjugal, a separação se coloca como ameaça, embora, ao mesmo tempo, projetem alternativas de superação das dificul­dades vividas. Entre as mulheres in­felizes, a separação é vista como al­ternativa, mas evitada por elas ao avaliar os possíveis impactos sobre sua identidade.

Caminhos e estratégias - Não foi a primeira vez que o casamento des­pertou o interesse de Maria Lúcia. Casada há 14 anos, havia desenvol­vido um trabalho de dissertação de mestrado na área de dependência quí­mica no Programa de Atendimento ao Alcoolista do Hospital Universi­tário Cassiano Antônio Moraes, em Vitória. Na ocasião, em 1995, pes­quisou o significado do casamento entre mulheres que viviam uma re­lação de conflito em razão do con­sumo abusivo de álcool por seus parceiros. Conversou com mulheres de renda familiar baixa que eviden­ciaram dois problemas principais: o da questão material, de sobrevi­vência, e o de saúde, vivido pelo companheiro e cuja busca da solu­ção podia contar com a ajuda da companheira. A pesquisadora con-

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feriu que, embora o número de ca­sos de divórcios fosse significativo nesse grupo, o uso do álcool não sig­nificava, a rigor, que essas pessoas fi­cassem sós. Portanto, a questão da premissa da separação existia ante­riormente à relação e a pergunta não era respondida: o que se constituía realmente em problema no casamen­to para as mulheres?

Era natural que Lúcia voltas-se ao tema e buscasse um caminho para des­cobrir as estra-

tégias adotadas pelas mulheres para manter e li-dar com o casamento. "Ao definir como temática de investigação oca­samento, uma das ramificações pos­síveis do assunto com o qual vinha trabalhando até então, tive um mis­to de alegria e surpresa com o inte­resse que minha escolha causava nas pessoas", conta a pesquisadora. Em todos os segmentos sociais nos quais ela transitava sempre aparecia al­guém com informações sobre uma "história interessante" de algum ca­sal amigo. "Evidenciava-se, com isso, a reflexividade do tema, na medida em que falar, pensar, viver ou plane­jar manter uma relação afetivo-se­xual faz parte da biografia de uma boa parte da população."

Moradora de Vitória, ela preferiu se basear em exemplos extraídos dare­gião por dois motivos: o crescimento populacional acelerado a partir da década de 70, em razão da instalação de empresas do ramo siderúrgico, e a composição da população da Gran­de Vitória, integrada por gente vinda de Minas Gerais, São Paulo e do Rio

de Janeiro. O projeto Da Utopia do Amor Romântico ao Cotidiano do Ca­samento nasceu a partir de um uni­verso multifacetado. Foram escolhi­das 20 mulheres, com idade média de 48 anos (mínima de 35 e máxima de 56), tempo médio de casamento de 24 anos (mínimo de 15 e máximo de 34). Já nessa fase, elas foram inse­ridas nas categorias de "casamento feliz" ou "casamento infeliz", depois analisadas conforme a auto-avalia­ção de cada uma.

A escolha do universo feminino obedeceu ao seguinte critério: o tem­po de casamento mínimo (15 anos)

garante que o casal tenha ultrapassa­do os primeiros dez anos de vida conjugal, período caracterizado pelo delineamento da identidade do casal e que envolve o estabelecimento de regras que nortearão a vida conjugal. Dados do Instituto Brasileiro de Ge­ografia e Estatística (IBGE) para Vi­tória indicam que há maior probabi­lidade de separação no período

compreendido entre quatro e nove anos de casadas.

As mulheres, cu­jas identida-

des foram preser­vadas, passaram por uma

média de três a quatro entrevistas semi-estruturadas, gravadas, abor­dando a história do casamento -desde o namoro, o início da união, o momento atual e a projeção para o futuro. Depois, receberam cópias de suas entrevistas e, ao iniciar uma nova entrevista, o pesquisador pode verificar se os textos haviam sido lidos e qual impacto causaram à autora.

Os dados obtidos foram impor­tantes para a pesquisa e seu detalha­menta, mas chegar a eles significou superar barreiras básicas, como man­ter os encontros preestabelecidos com integrantes do grupo e garantir o número de mulheres inicialmente proposto para o estudo. "Das 30 mu-

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1000 • 67

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lheres, conseguimos entrevistar 20. Por envolver entre três e quatro en­contros, muitas alegavam falta de tempo para participar ou ainda falta de vontade de falar sobre seus casa­mentos", diz Lúcia Garcia. A meto­dologia envolvia uma seqüência de encontros intermediados pela leitura que essas mulheres faziam do texto produzido por elas no encontro an­terior. As histórias foram obtidas paulatina-mente. "Os vá-

nos encontros permitiram uma proxi­midade crescente entre entrevis­tada e entrevistadora", afirma a pes­quisadora. "Também definiu-se um processo reflexivo no qual as contra­dições eram explicitadas pelas en­trevistadas e se tornavam alvo de novas reflexões." Outra coisa: con­cluiu-se que as entrevistadas esco­lheram criteriosamente os fatos a se­rem narrados, de modo que a manutenção de seu casamento fosse justificada.

À medida que o material forneci­do pelo grupo foi estudado, chegou­se a alguns indicadores importantes. Por exemplo, para oito entrevistadas prevalecia a estratégia direta como forma de tratar assuntos importan-

68 · NOVEMBRO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

tes ou delicados no casamento; qua­tro mulheres usavam a estratégia in­direta; oito lançavam mão do uso combinado de estratégias diretas e indiretas. Já os maridos, 13 deles uti­lizavam estratégias diretas e dois a dobradinha direta/indireta. E ainda, em cinco casos, revelou-se o uso da estratégia indireta - principalmente

o silêncio ou o adiamento da busca de solução para algo que perturba o relacionamento do casal.

Lamúrias e problemas- Como nada é simples quando se fala em rela­ções de amor/parceria/casamento, da correlação dos dados levantados chegou-se a diversos modos de agir. Por exemplo, mulheres que avaliam negativamente seu casamento de­monstram que ocorreu uma quebra naquele almejado e romântico pro­jeto inicial e usam estratégias indi­retas de abordagem, muitas vezes evitando ou fugindo do diálogo. É

como se dissessem "não adianta, não vai mudar" ou "ele não vai se comportar como desejo". Uma das entrevistadas mostrou que havia entre o casal uma comunicação cal­cada em lamúrias, ao mesmo tempo em que um não informava ao ou­tro, adequadamente, os problemas existentes. Outra vivia aparente­mente bem, mas expressou da se-

guinte maneira sua insatisfação: "Estávamos sempre jun­

tos, mas não com-

partilhávamos nada, a não ser a casa, até que em

determinado momento eu falei: 'A gente não conversa, a gente não sai um com o outro'. E ele: 'Talvez por isso estejamos juntos há tanto tem­po'".

As mulheres que dizem ser feli­zes também se dividem em dois ti­pos. Há as que não identificam pro­blemas de relação ou que associam os problemas apenas a pequenas questões do cotidiano ("o controle remoto", "o ronco", "o ar-condicio­nado", "o temperamento dele"). No outro grupo está a mulher que en­xerga o problema, vive um conjun­to deles e ainda assim afirma (ou acredita) que todos são gerenciá­veis. "Eu acho que quando se co-

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nhece as pessoas com quem está se relacionando, que você quer que dê certo aquilo que está construindo, vamos ajeitando as coisas", diz outra mulher.

São vários os tipos de relaciona­mentos e formas de abordagem ou não-abordagem. Há quem se diga feliz com o casamento, porém insa­tisfeita com o relacionamento. Nesse caso, o hábito (ou a estratégia) pode ser abordar as questões sem dar a entender ao outro tal insatisfação. Uma conseqüência é que, quando a mulher atinge o alvo (mudar o com­portamento do parceiro), atribui o crédito ao outro e não a si. Veja o de-

!amos sobre o assunto. Mas não fala­mos quando estamos no meio do conflito. Porque eu acho que quan­do você fala com a cabeça quente pode dizer coisas que depois se arre­pende. E ele tem também esse mes­mo procedimento".

Ampliação dos papéis - O lar foi des­crito como o espaço de expressão de todo afeto positivo que existe entre o casal. É o lugar ideal para a realização dos desejos de serem felizes, uma condição manifestada por todas as entrevistadas. Quanto a ter ou não problemas, isso foi associado ao tipo de vida e de situações pelas quais o

''As histórias narradas possuem um início, um meio

e uma projeção de futuro''

Eda Tassara

poimento de mais uma mulher: "Eu gosto das coisas em pratos limpos logo, mas nem sempre a gente pode colocar as cartas na mesa e dizer ... Nas horas boas, que a gente estava conversando, dava sempre uma cha­radinha, encaminhando para o as­sunto, mas sem demonstrar muito".

Também é curioso saber como elas se referem ao comportamento do homem. Algumas delineiam ex­pectativas quanto ao papel sexual do parceiro. Outras indicam que existe uma similaridade de comportamen­to entre os dois: "Depois que passa, que a gente já voltou ao normal, fa-

O PROJETO

A Utopia do Amor Romântico no Cotidiano do Casamento: um estuda sobre estratégias para a manutenção do casamento

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADORA

EDA TEREZINHA DE OLIVEIRA TASSARA- Departamento

de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP)

INVESTIMENTO

R$ 18 mil

casal passa: quanto mais perto do projeto de casamento idealizado, me­nor a possibilidade de haver proble­mas. Como, de maneira geral (e em razão de sua inserção socioeconômi­ca), a sobrevivência material não aparece como problema, a questão do trabalho pode surgir em decor­rência do momento, do ciclo de vida de cada uma. Por exemplo, com fi­lhos era natural que elas ficassem em casa. Mas com o crescimento das crianças, não trabalhar fora tornou­se um problema.

O trinômio mulher-esposa-mãe não só é bem aceito como almejado por muitas mulheres. Muitas vezes esse trinômio foi acrescido do item trabalho- exercido fora do lar e cuja renda veio incorporar-se à vida fa­miliar. Dessa forma a mulher passa a ser, também, provedora financeira junto com o marido. Nada errado para ela, a não ser quando sua re­

muneração supera a do marido -afinal, entre contribuir e ser a prove­dora oficial, elas preferem a primei­ra situação. Também gostariam que os homens tivessem maior participa-

ção na organização doméstica, atitude que pode ser associa­da, assim, à de "provedor de afetos e cuidados".

Contornando e/ou en­~ frentando questões de vá­§ rios tipos, as mulheres si-0 nalizaram, por meio de " suas histórias, a idéia de

manutenção do casamento como questão central. Seria a reali­dade da mulher da Grande Vitória igual ou similar à das moradoras de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Ja­neiro e de outras localidades? "Por falarmos de um tema comum e alvo de tantas reflexões na mídia, o que se evidencia é que as questões sinaliza­das pelas entrevistadas ilustram todo um processo de mudanças que vêm incidindo sobre os casais", diz Eda. "Para generalizar os dados, precisa­ríamos ampliar o estudo e englobar outras faixas etárias e localidades, projeto que pretendemos desenvol­ver no futuro." •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1000 • 69

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HUMANIDADES

SOCIOLOGIA

Educação ambiental contra pobreza Projeto ajuda a melhorar condições de vida em comunidades

Quase todos os meses, algumas integrantes da Associação de

Mulheres de Espírito Santo do Turvo percorrem os mais de 300 quilôme­tros que separam seu município da capital paulista. Elas viajam para exi­bir e vender o artesanato que produ­zem em sua cidade. Dessa maneira e com uma doação da Fundação Levy Straus, já garantiram a construção da sede de sua associação. Esse é ape­nas um dos diversos resultados prá­ticos do projeto temático Educação Ambiental via Representações Sociais, Acadêmicas e Populares do Meio. Patrocinado pela FAPESP com uma verba de aproximadamente R$ 200 mil para três anos e coordenado por Myriam Krasilchik, diretora da Fa­culdade de Educação e ex-vice-reito­ra da Universidade de São Paulo (USP), o projeto reúne cerca de 20 pesquisadores de áreas científicas em torno de Espírito Santo do Turvo e de Vera Cruz - cidades respectiva­mente com 3 mil e 13 mil habitantes, situadas na região oeste do Estado de São Paulo.

Apesar de terem em comum a pobreza e a degradação ambiental, com solos comprometidos, a reali­dade das duas cidades é bem dife­rente, o que amplia o resultado des­se projeto. "No fim, essa diferença entre Espírito Santo e Vera Cruz foi importante para a diversidade de informações do banco de dados que estamos formando e sua análise comparativa", observa Nidia Nacib Pontuschka. Ela é coordenadora­adjunta da pesquisa, professora de Metodologia de Ensino de Geogra-

70 • NOVEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

fia da FE e realiza pesquisas em edu­cação ambiental.

Iniciado em março de 1998 e com término previsto para a segunda me­tade de 2001, além de membros da FE, o projeto está a cargo de pesqui­sadores da Escola Superior de Agri­cultura Luiz de Queiroz (Esalq) e da Faculdade de Saúde Pública (PSP), ambas unidades da USP, e do Insti­tuto Agronômico de Campinas (IAC). O trabalho envolve engenhei-

rização completa dos solos, sua clas­sificação e mapeamento, entre ou­tras informações que levarão à pro­dução de um atlas de cada um dos municípios. Foram feitos igualmente um mapeamento e o diagnóstico do estado de conservação nativa exis­tente nos dois municípios e o acom­panhamento das diferentes espécies de fauna e flora - só de aves foram identificadas 64 espécies, num traba­lho coordenado pelo professor Álva-

Venda de artesanato em São Paulo ajuda associações populares do interior

ros agrônomos, civis e florestais, bió­logos, historiadores, geógrafos, so­ciólogos, além de educadores. "Essa diversidade é uma riqueza para a equipe, porque exigiu a construção de uma linguagem comum e a com­preensão das diferentes metodolo­gias", explica Myriam.

Diagnóstico da região - O trabalho desenvolvido no IAC, por exemplo, liderado pelo professor Pedro Don­zeli, fez o diagnóstico do meio físico - dado relevante para o planeja­mento do uso agrícola das terras de forma sustentada. Além dos mapas planialtimétricos básicos, o estudo contém informações relativas ao uso atual das terras e sua vegetação natu­ral, bem como sobre problemas de erosão em estradas rurais, a caracte-

ro Fernando de Almeida. A partir dos dados coletados e discussões com a população e autoridades municipais vêm sendo sugeridas modificações nas redes de infra-estrutura de sane­amento, o asfaltamento das ruas, a localização de casos de doença e da­dos gerais dos municípios, como re­de hidrográfica, estradas, área urba­na, divisão por bairros e tamanho dos lotes urbanos.

Esse estudo é decorrência do projeto UNIR, iniciado no começo dos anos 90 com financiamento da Fundação W. K. Kellogg. Dentro do UNIR, em 1995 foi feito um diag­nóstico participativo para conhecer as relações dos moradores das áreas rurais e urbanas com os municípios. A base do UNIR foi rural, de inter­venção na população das duas ci-

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dades e de pesquisa. Os dados le­vantados na época subsidiam esse segundo projeto cujo caráter é de pesquisa para coleta de dados ne­cessários às mudanças de represen­tação das populações locais. O ob­jetivo é criar condições para o aumento da renda e melhoria do atendimento dos serviços públicos aos habitantes de Espírito Santo do Turvo e Vera Cruz.

Para avançar no processo é fun­damental envolver os moradores da cidade. "O problema ambiental é grave, mas há questões cruciais que envolvem outras áreas, como edu­cação, saúde e geração de empre­gos", afirma Myriam. Mais cons­cientes das suas necessidades, os próprios cidadãos desencadearão um processo de desenvolvimento econômico, social e político para a melhoria da qualidade de vida com a sustentabilidade do meio ambiente. "Quando o projeto chegar ao fim, eles mesmos já estarão agrupados, associados e conscientes de como devem continuar trabalhando", ex­plica Nidia.

Periodicamente, os pesquisado­res promovem reuniões com associa­ções de moradores, diretores e pro­fessores das escolas, representantes do executivo municipal e de organi­zações comunitárias. Foi em encon­tros do gênero, por exemplo, que os habitantes de Espírito Santo do Turvo conseguiram, com a prefeitu­ra, a limpeza, o controle de erosão urbana e a drenagem do Córrego do Rangel para o qual estão sendo projetados o replantio de mata ci­liar e a criação de áreas de lazer. A recuperação do córrego é um dos 14 itens que constam da lista de pri­meiras necessidades urbano-ambien­tais para a cidade, detalhadas no projeto. A prefeitura também aca­bou de adquirir uma casa do século 19. Nela, fundará uma casa de cul­tura, com a participação da univer­sidade, para resgatar um acervo que possa registrar a história do muni­cípio. Espírito Santo do Turvo é dis­trito de Santa Cruz do Rio Pardo e

tornou-se município em 1992. A população vive do trabalho rural e da usina de álcool local, a Sobar. Ela oferece emprego a grande par­te da população e, na safra, atrai também trabalhadores rurais de ou­tros municípios.

Em Vera Cruz, a situação é dife­rente. O município vive basicamente da monocultura do café e do mara­cujá, como cultura alternativa, e é dez vezes mais populoso. Ao contrá­rio de Espírito Santo, esse município, situado a 10 quilômetros de Marília, é muito mais antigo e foi próspero na era do café. "Com a queda do café, a economia local tornou-se de-

O PROJETO

TÍTULO

Educação Ambiental Via Representações Sociais, Acadêmicas e Populares do Meio

MODALIDADE

Projeto temático

COORDENADORA

MYRIAM KRASILCHIK -

Faculdade de Educação da USP

INVESTIMENTO

R$ 200 mil

cadente e partiu para a fruticultura", explica a professora Nidia. "O pro­blema é que plantaram demais e, ainda por cima, apareceu uma doen­ça que está sendo pesquisada por um grupo liderado pela Esalq."

Contudo, com a colaboração dos próprios moradores, que entende­ram o projeto, foi desencadeada uma série de ações, como o levanta­mento de representações para discu­tir os problemas ambientais da cida­de com a intensa e ampla presença da equipe da Faculdade de Saúde Pública, coordenada pela professora Helena Ribeiro. Verificadas as carên­cias de infra-estrutura de saneamen­to básico, fez-se uma seleção das ações prioritárias na área ambiental. Realizou-se o levantamento da qua­lidade da água distribuída, das con-

dições sanitárias da moradia daque­la população e seu entorno e da morbidade.

Como o projeto envolve as esco­las como ponte de aproximação e discussão com a população dos dois municípios, a rotatividade dos pro­fessores tornou-se um problema. Na Escola Estadual de Espírito Santo do Turvo, por exemplo, o corpo docente foi muito mudado como decorrência

Myriam: participação

da população é essencial

do concurso público, feito pela Se­cretaria do Estado de São Paulo, e da municipalização de 1 a a 4a séries. "Isso demandou novos esforços para recomeçar a formação e o envolvi­mento deles", explica Myriam.

O projeto Educação Ambiental tem sido divulgado nos meios cientí­ficos pelos vários encontros nacio­nais e internacionais. Trabalhos aca­dêmicos estão sendo desenvolvidos em nível de graduação e pós-gradua­ção derivando em relatórios, disser­tações de mestrado e teses de douto­rado. Espera-se produzir um livro em que os dados do trabalho inte­grado de grupos tão variados permi­tam analisar problemas ambientais derivando regularidades para políti­cas públicas em municípios com ca­racterísticas semelhantes. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 2000 71

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RICARDO AL EXINO FERREIRA

O ser negro em uma sociedade branca Obra mostra como o Brasil camufla sua identidade étnica

Desde o final do sé­culo 19, o Brasil tenta camuflar a

sua identidade étnica. Para tanto, vem negando conti­nuamente o fato de ser um país negro. Esconde-se atrás dos ideários da mes­tiçagem, visando ao em-branquecimento; criou a categoria "pardo" para de-signar negros de tez me-nos escura e se auto-inti-

Afro-descendente: identidade em construção

Ricardo Franklin Ferreira

Educ/Fapesp/Pallas 186 páginas R$ 24,00

tulou o país da democracia racial. A construção ideológica desse tipo de pensamento passa neces­sariamente pelas elites e se expande por todos os demais segmentos sociais.

Toda essa trajetória de negação dos últimos cem anos acabou por trazer graves ônus à popu­lação negra brasileira, que representa 44,3% da sociedade, o que equivale a 70 milhões de indiví­duos. O Brasil é o segundo país mais negro do planeta, sendo superado apenas pela Nigéria.

Foi procurando entender a construção da identidade negra em uma sociedade marcada­mente eurocêntrica que o psicoterapeuta Ricardo Franklin Ferreira escreveu o livro Afro-descenden­te: identidade em construção, que é o desdobra­mento de sua tese de doutorado defendida ano passado no Instituto de Psicologia da Universida­de de São Paulo (USP). O autor tenta desvelar o que é ser negro no Brasil, a perda e a formação da sua auto-estima e a sua luta afirmativa. "Vivemos em uma sociedade na qual os valores determina­dos por uma cultura branca européia são vistos como superiores, ocasionando aos afrodescen­dentes o desenvolvimento de auto-imagem nega­tiva, acompanhada de baixa auto-estima, o que muito contribui para gerar condições desumanas de existência e tende a perpetuar-se em um pro­cesso de exclusão, sustentado por complexo me­canismo social", explica.

Franklin Ferreira elabora a construção da identidade do negro a partir do olhar do próprio

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negro e de como ele se au­todesigna. Essa análise pas­sa necessariamente pela linguagem. "Se a pessoa for chamada de negra sentir-se­á valorizada ou ofendida? É consenso entre os afrodes­cendentes o uso da denomi­nação negro ou é um termo usado somente na acade­mia e em alguns movimen­tos negros?", questiona.

Para obter respostas a es­sas questões, Franklin Ferreira utiliza-se do méto­do qualitativo de pesquisa, que permite o desen­volvimento de entrevistas biográficas e até mesmo centrar toda a pesquisa em uma única fonte. No caso do seu trabalho, ele tem como referência um homem negro (cuja identidade ele preserva e pas­sa a chamá-lo pelo codinome de João) que vai dis­correr sobre o que é ser afrodescendente no Brasil de hoje. No livro, são apresentados trechos edita­dos da fala do entrevistado. Talvez o ideal fosse o autor ter colócado a fala na íntegra para que o lei­tor pudesse compartilhar com o psicoterapeuta as confissões, as conquistas e frustrações de um ho­mem negro que representa os mais de 70 milhões que vivem dia a dia Brasil afora.

A principal característica do livro é o fato de ele trazer uma linha de pesquisa sobre questões étnicas que não se finca tão somente nas questões sociológicas e antropológicas, que são as áreas de estudos de etnia e cultura por excelência, mas busca uma interpretação do ponto de vista da psi­cologia, demonstrando que antes mesmo de se pensar em mudanças sociopolíticas é necessário algo anterior, como a busca da auto-estima ou de uma identidade positiva para o próprio exercício da cidadania.

RICARDO ALEXINO F ERREIRA é jornalista, professor de jor­nalismo Especializado da Unesp e doutorando em Ciên­cias da Comunicação na USP.

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LANCAMENTOS }

O Desafio de Ensinar Ciências no Século XXI Edusp Ernst Hamburguer e Cauê Matos, organizadores 352 páginas I R$ 25,00

Este lançamento reúne alguns dos textos apresentados durante a Quarta Mostra de Material de Divulgação e Ensino das Ciências, realizada no ano

passado. A razão principal do evento foi pensar formas de desenvolvimento da divulgação científica, considerada pelos organizadores como uma das principais alternativas para a melhoria do ensino em tempos de crise. Entre os vários artigos: "Internet para os Professores de Química e Ciência" e "Viajando com Dalí".

Ref0lexões

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a VI a e a morte

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Reflexões sobre a Vida e a Morte: Abordagem Interdisciplinar do Paciente Terminal Editora da Unicamp Vera Lúcia Rezende, organizadora 128 páginas I R$ 15,00

Um tema delicado com uma boa abordagem: a morte. Os vários artigos desta coletânea tentam refletir sobre o assunto de forma

a mostrar como a morte não deve apenas ser vista pelo profissional da saúde como uma derrota, mas igualmente pode servir como forma de reflexão sobre a suposta onipotência da medicina, que pode, de outro lado, ser entendida como sinônimo de impotência.

DESVENDANDO O ARCO·IRIS

Desvendando o Arco-Íris: Ciência, Ilusão e Encantamento Companhia das Letras Richard Dawkins 424 páginas I R$ 34,50

O celebrado professor da Universidade de Oxford discute o racionalismo científico, visto em geral em oposição direta à poesia e ao humanismo. Neste

livro delicioso, Dawkins- a partir do poema de Keats, em que o poeta critica Newton por ter destruído o encanto etéreo do arco-íris com suas descobertas- diz que a ciência pode servir como fonte de inspiração para os humanistas. O professor condena as pseudociências e o obscurantismo daqueles que atacam as verdadeiras ciências, chamando-as de arrogantes e absolutas.

REVISTAS

Revista USP Número 46

A edição de junho-julho-agosto da Revista USP traz um dossiê que encerra a trilogia sobre os SOO anos do Descobrimento do Brasil, desta vez com o título "Depois de Cabra l: Formação do Brasil", que reúne belos estudos sobre

como se formou o que chamamos hoje de povo brasileiro. Os artigos passam pela Antropologia, Sociologia, História, revelando a fundo como se configuraram as grandes etnias nacionais e o universo multiétnico que compõe o país.

Wired Outubro

Uma das mais belas revistas internacionais dedicadas às novas tecnologias, a Wired traz como tema central um assunto que vem fascinando os jovens e irritando os donos de gravadoras de todo o mundo: o Napster, o processo de gravação e distribuição pela

rede de músicas. Sem direitos, é claro. Além de discutir os rumos tomados pela pirataria on line, a Wired apresenta a úitima novidade no assunto, o Gnutella, um upgrade do Napster, ainda mais poderoso. Há uma entrevista com David Boies, o homem forte da Microsoft, que apresenta seus planos de defesa contra o Napster.

cinemais

Vil/a-Lobos retrato

do artista quando

fervendo por dentro

Cinemais Número 23

A última edição desta revista bimestral, que discute os rumos do cinema e questões audiovisuais, traz na capa uma entrevista com o cineasta Zelito Viana sobre o maestro Villa-Lobos, tema de seu mais recente fi lme. Publicada pela Editorial Cinemais

em parceria com a Odebrecht e com a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual do Ministério da Cultura, a revista tem também artigos sobre o Pagador de Promessas, Estorvo, O Resgate do Soldado Ryan e memória e cinema, entre outros.

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GLAUCO

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