a categoria de tempo na enunciação da língua francesa
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGÜÍSTICAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA E SEMIÓTICA
A CATEGORIA DE TEMPO NA ENUNCIAÇÃODA
LÍNGUA FRANCESA
Vanessa Ferreira de Oliveira
Dissertação apresentada aoPrograma de Pós-Graduação emLingüística e Semiótica doDepartamento de Letras Modernas daFaculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas da Universidadede São Paulo, para obtenção dotítulo de Mestre em Letras.
Orientador: Profº Drº Antonio Vicente Serafin Pietroforte
São Paulo
2006
Resumo:José Luiz Fiorin, em suas Astúcias da Enunciação (2001), analisa as categorias
da enunciação de tempo, pessoa e espaço na língua portuguesa. Esse é o fundamento
teórico no qual se baseia o presente trabalho. Nossa pesquisa concentra-se na língua
francesa e nela trabalhamos somente a categoria de tempo, verificando a maneira pela qual
a sua colocação estabelece referências temporais no discurso por meio das categorias
concomitância vs. não-concomitância (anterioridade e posterioridade). É possível basear-
se em uma teoria para a língua portuguesa pelo fato de que há muita correspondência entre
o francês e o português no que concerne as classes de palavras que expressam tempo em
francês (verbo, advérbio, preposição e conjunção), embora haja também alguns pontos em
que não existem equivalências, como veremos.
O corpus utilizado para a realização desse trabalho é o jornal de maior
referência na França: Le Monde; ele tem várias versões, mas utilizamos a mais lida: o
quotidiano. Foram lidos somente jornais dos primeiros cinco meses de 2006.
Na pesquisa, primeiramente, conceituamos o tempo, em seguida o
sistematizamos, considerando os sistemas enuncivo e enunciativo e as categorias
topológicas de concomitância e não- concomitância em relação aos momentos de referência
presente, pretérito e futuro. Reconhecemos alguns tempos verbais franceses sem
equivalentes no português e especiais na língua francesa: passé simple, passé antérieur e
passé surcomposé. Ainda estudamos a debreagem de segundo grau e o modo subjuntivo.
Culminamos na ação intencional do enunciador e suas neutralizações verbais, isto é, as
embreagens temporais.
Esperamos contribuir para a conceituação da categoria de tempo da língua
francesa, auxiliando no ensino/aprendizagem dessa língua.
Palavras-chaves:Tempo, verbo, francês, enunciação, semiótica.
Résumé:Dans “Astúcias da Enunciação” (2001), José Luiz Fiorin fait une analyse des
catégories de l´énonciation de temps, de personne et d´espace dans la langue portugaise sur
laquelle se fonde théoriquement le présent travail. Notre recherche a pour sujet la langue
française et est uniquement centrée sur la catégorie de temps, et plus particulièrement sur la
manière dont les références temporelles sont établies dans le discours au moyen de
catégories concomitance/non-concomitance. Il est possible de s'appuyer sur une théorie
pour la langue portugaise parce qu´il existe beaucoup de correspondances entre le français
et le portugais pour les classes de mots qui expriment le temps en français (verbe, adverbe,
préposition et conjonction), bien qu'il y ait des points où il n´y a pas d´équivalences,
comme nous le verrons.
Le corpus utilisé pour la réalisation de ce travail est le plus grand journal de
référence en France: Le Monde. Il existe en plusieurs versions, mais nous n'utiliserons que
la plus lue: le quotidien. Ont été uniquement lus les journaux des premiers cinq mois de
2006.
Dans cette recherche, le temps sera d'abord conceptualisé puis schématisé en
prenant en compte les systèmes énoncés et énonciatifs ainsi que les catégories topologiques
de concomitance et de non-concomitance par rapport aux moments de référence présent,
passé et futur. Nous reconnaîtrons quelques temps verbaux français sans équivalents en
portugais et spécifiques à la langue française: passé simple, passé antérieur et passé
surcomposé. Nous étudierons ensuite le débreyage de deuxième degré et le mode
subjonctif. Enfin, nous nous attacherons à l´action intentionnelle de l´énonciateur et ses
neutralisations verbales, c´est-à-dire, les embrayages temporels.
Cela dans le but de contribuer à la conceptualisation du temps dans la langue
française, en aidant l´enseignement et l'apprentissage de cette langue.
Mots clés:Temps, verbe, français, énonciation, sémiothique.
Abstract:Jose Luiz Fiorin, in his Astucias da Enunciação, analyses the categories of the
expression of time, space and person. This is the theoretical basis of this study. The
dissertation analyses the French language and deals only with the tense category, verifying
how its collocation establishes temporal references in discourse by means of concomitance
vs non-concomitance categories (anterior/posterior). It is possible to use this as a basis for
the Portuguese language because there are many parallels between French and Portuguese
in terms of the word classes which express tense (verb, preposition and conjunction),
although there are also some points that do not have parallels , as we shall see.
The corpus used in carrying out this work is the most quoted newspaper in
France: Le Monde, and the daily newspapers of the first five months of 2006 are the basis
for the corpus.
Firstly, time is considered, and then systematized, examining the enuncive and
enunciative systems and the topographical categories of concomitance vs non-
concomitance in relation to the present, past and future. Certain tenses with no equivalents
in Portuguese have been recognised, such as the passé simple, passé antérieur and passé
surcomposé. Second degree "debreagem" and the subjunctive mood are also analysed, and
the dissertation ends with an analysis of the writer's intentional action and his verbal
neutralizations.
Hopefully, this study will contribute to the conceptualisation of the tense
category in French, helping the teaching and learning of this language.
KEY WORDS:
Tense, verb, French, enunciation, semiotics.
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Introdução
“(...) o tempo não é uma linha, mas uma rede de intencionalidades.”Merleau-Ponty
O que é o tempo? Como definir o tempo? E qual tempo? Falar do tempo não
é uma tarefa fácil visto que ele tem várias acepções e que, em todas as áreas do
conhecimento, já houve tentativas para tentar explica-lo.
Este trabalho não é mais uma tentativa de definir o tempo, mas de entende-
lo enquanto uma das categorias da enunciação. Essas categorias são: pessoa, espaço e
tempo e elas não são exclusividades de uma ou de outra língua, mas são intrínsecas a
toda e qualquer linguagem.
Fiorin, analisando o livro bíblico Gênesis, o livro das origens, mostra como
essas categorias são inerentes ao homem e ao universo. No capítulo 3, sobre a culpa
original e como o pecado entrou no mundo. Deus havia criado o universo, o homem e a
mulher e havia concedido o dom da liberdade e do livre arbítrio; mas o homem foi
seduzido pelo poder da mentira, expõe-se a desobedecer a Deus na esperança de tornar-
se igual a ele. Então o homem toma consciência de si mesmo no sofrimento e na
vergonha e foi excluído das delícias do paraíso. Segundo Fiorin, “a queda marca a
entrada do homem na História, ou seja, no tempo e no espaço não-míticos, em que o ser
humano sofrerá a condição humana. O castigo do homem é passar a sofrer o tempo
(“morrerá”), o espaço (“a natureza lhe será hostil”) e a actorialidade (“comerá o pão
com o suor do rosto, dará a luz em meio à dor”). A História está, então, marcada pela
temporalidade, pela espacialidade e pela actorialidade”(2001:12).
Como tema para a dissertação de mestrado, não trabalhamos todas as
categorias da enunciação presentes no componente sintático do nível discursivo,
estudamos apenas a última, não porque uma categoria seja mais importante do que a
outra, mas pelo fato do tempo ser uma das questões mais problemáticas para o
profissional que trabalha com o ensino do francês e também para o estudante que o
aprende. Tanto os verbos quanto as demais classes de palavras que denotam tempo em
francês (advérbio, preposição e conjunção) têm muita correspondência com a nossa
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língua materna, o português, porém, também há muitos pontos que não encontram
equivalência; há, por exemplo, tempos verbais que apresentam nuances inexistentes em
português, como é o caso do passé composé e do passé simple. Por isso, acreditamos ser
útil desenvolver um trabalho que mostre a questão do tempo tratada de forma menos
sistematizada e mais semiotizada, menos método de língua e mais colocação discursiva.
A descrição dos tempos verbais é realizada com base no modelo proposto
por Fiorin em suas Astúcias da Enunciação (2001), em que as categorias de tempo,
pessoa e espaço são analisadas; essa é a base teórica que norteia todo o trabalho. É
descrita, nesta pesquisa, baseando-se no que Fiorin desenvolveu para o português, a
maneira pela qual a colocação das categorias de tempo estabelece referências temporais
no discurso por meio das categorias formais concomitância vs. não-concomitância
(anterioridade e posterioridade).
Ressaltamos que, assim como em Astúcias da Enunciação, esse trabalho
direciona-se predominantemente ao modo indicativo do verbo já que esse é o modo da
ação considerada na sua realidade. É o modo indicativo que determina o tempo e é
graças a ele que os tempos dos outros modos, imperativo (se o consideramos como
modo) e subjuntivo, podem articular-se.
Quando aprendemos uma língua estrangeira, ou mesmo ao estudar nossa
própria língua, existe a tendência de considerá-la como reflexo e nomenclatura dos
objetos existentes no mundo, ou seja, há uma relação extra-lingüística em que se
estabelece a distinção referencial entre palavras e coisas.
Essa maneira de explicar os tempos verbais parece bastante simplista e
ingênua, não condizendo com a experiência real do tempo e a ação do falante sobre ele.
O livro de Fiorin mostra o tempo atrelado à enunciação e às relações que cada tempo
tem com o presente, passado e futuro, isto é, o tempo inserido em um contexto
discursivo mais próximo da experiência do enunciador.
A forma não referencializada do ensino das categorias de tempo, espaço e
pessoa é um dos fatores que torna mais difícil e complexa a compreensão da
sistematização dos tempos verbais na língua francesa.
O enfoque dado nesta pesquisa ao tratamento da categoria de tempo na
enunciação da língua francesa não tem precedentes, o único modelo que se conhece é o
proposto para a língua portuguesa, feito por Fiorin. Émile Benveniste e Dominique
Maingueneau, estudiosos da análise do discurso, já trabalharam alguns aspectos da
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enunciação da língua francesa, a sistematização de suas categorias, porém, é algo que
ainda está por se desenvolver para, assim, auxiliar estudiosos dessa língua.
Tendo em vista como a semiótica francesa é concebida, em que a ênfase
dada se refere ao sentido e ao processo de significação fundamentados no plano de
conteúdo e no plano de expressão, esta pesquisa visa à descrição do componente
sintático do nível discursivo na língua francesa.
No percurso gerativo de sentido, há três níveis constituintes do plano de
expressão e cada um deles tem dois componentes: um sintático e outro semântico. O
sintático relaciona-se à forma de ordenação dos conteúdos, e o semântico relaciona-se
ao modo como as palavras se compõem, onde surgem os conteúdos investidos na
estrutura sintática. O componente sintático do nível discursivo é sistematizado nas
categorias de pessoa, tempo e espaço enquanto o semântico apresenta figuras e temas.
Propõe-se analisar as implicações dessa categoria na enunciação discursiva
da língua francesa para, assim, depreender de forma mais abrangente e menos arbitrária
a colocação em discurso dos tempos verbais, considerando-os não apenas como
portadores de morfemas de pessoa, modo e número, mas como elementos que,
discursivizados, são carregados de mais significação.
Começamos com a conceitualização do tempo, fazendo uso das teorias do
bispo e filósofo Santo Agostinho e do filósofo francês Paul Ricœur, assim como de
dicionários de língua portuguesa e francesa, passamos para um passeio sobre a história
da França e de sua língua e, ainda, sobre a francofonia. Também apresentamos o jornal
Le Monde, utilizado como córpus do trabalho.
Investigamos as relações de concomitância e não-concomitância
(anterioridade e posteridade) nos diferentes momentos de referência (presente, pretérito,
futuro) associados ao momento da enunciação e ao momento do acontecimento. O
momento da enunciação é instaurado pelo discurso e corresponde ao agora, a partir do
qual o tempo determina se é anterior ou posterior.
O tempo lingüístico pode ser reconhecido em dois sistemas temporais, um
relacionado diretamente à enunciação, ao nunc, que é o sistema enunciativo e outro
relacionado ao momento de referência do enunciado, que é o sistema enuncivo. Na
primeira, são instalados os marcadores da enunciação eu/aqui/agora, enquanto na
segunda, eles são apagados.
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Analisamos a organização temporal do verbo em francês, de acordo com as
categorias enunciativas e enuncivas do tempo divididas em sistemas e subsistemas.
Aqui estudamos os tempos enunciativos e enuncivos.
No sistema enunciativo dos verbos em língua francesa, encontramos os
tempos présent (concomitante ao momento de referência), passé composé (anterior ao
momento de referência) e futur simple (posterior ao momento de referência).
No sistema enuncivo, temos os tempos dos momentos de referência pretérito
e futuro, sendo que o primeiro é constituído pelos tempos passé simple, na
concomitância. Na não-concomitância, temos os tempos plus-que-parfait, passé
antérieur e passé surcomposé, no que concerne à anterioridade, e o futur du passé (ou
conditionnel présent) e futur antérieur du passé (ou conditionnel passé) no que
concerne à posterioridade. Sendo que, no MR pretérito ainda existe um caso especial, o
tempo passé surcomposé, um tempo verbal raro hoje em dia.
Nesse momento da pesquisa, apresentamos os tempos verbais que, por
alguma razão, podem ser considerados especiais: passé simple, passé antérieur e passé
surcomposé. Verificamos se esses tempos ainda são considerados pertencentes ao
registro atual da língua francesa, tendo como referência o jornal quotidiano de mais
prestígio na França, Le Monde.
Em seguida, o discurso direto, isto é, a debreagem de segundo grau, e o
discurso indireto e o modo subjuntivo, no que diz respeito à concordância entre os
tempos do modo indicativo e subjuntivo.
Finalmente, adentramos no capítulo mais árido, o das neutralizações verbais,
onde levantamos as hipóteses possíveis de embreagem em língua francesa e analisamos
várias delas. Não todas, pois uma grande parte não é possível ou não é encontrada. O
fato de não serem encontradas não significa que essas embreagens não existam; algumas
delas realmente são usualmente inviáveis na língua francesa, mas outras hipóteses,
embora plausíveis, não podem ser ilustradas pelo fato de termos limitado como corpus
apenas o jornal Le Monde e, de acordo com a cena genérica e com o ethos desse
quotidiano, algumas neutralizações desrepeitariam o seu caráter, não iriam de encontro
ao que prega o seu ethos.
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1.
O tempo, a língua e o discurso
O conceito de tempo
“O tempo é sucessivo porque, tendo saído do eterno,
quer voltar ao eterno. Quer dizer, a idéia de futuro
corresponde a nosso desejo de voltar ao princípio. Deus
criou o mundo. E todo o mundo, todo o universo das
criaturas, quer voltar a este manancial eterno que é
intemporal, não anterior nem posterior ao tempo, mas
que está fora do tempo.
(Jorge Luís Borges)
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Fernando Pessoa diz que o mito é o nada que é tudo. Talvez, possamos
estender tal descrição para o tempo.
O tempo é uma questão que sempre suscitou o interesse humano; a busca
por sua compreensão não é recente e sempre existiu, trata-se de uma preocupação
constante no nosso imaginário. Tal busca fez despertar, entre diferentes culturas,
diferentes áreas e diferentes maneiras de pensar, o gênio de muitos poetas,
antropólogos, filósofos, religiosos, artistas e cientistas, deixando-nos um interessante
legado a respeito desse substantivo, sobre o qual Santo Agostinho declarou: “O que é
por conseguinte o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem
me fizer a pergunta, já não sei” (Agostinho, 2000:322).
Não podemos falar de noções de tempo, no cristianismo especialmente, sem
remeter, mesmo que brevemente, ao bispo e filósofo Aurélio Agostinho ou Santo
Agostinho (354-430) que, em Confissões, se inquiriu, sempre atrelando fé e razão, sobre
questões psicológicas intrínsecas ao ser humano, como o mal, a predestinação, a
liberdade e, também, sobre a questão do tempo. Para ele, o tempo representa um
paradoxo fácil de saber e perceber, porém difícil de explicar, pois as concepções de
presente, passado e futuro, no momento da enunciação, não podem ser concretizadas e
explicadas, visto que não têm duração real e mensurável.
Paul Ricœur, ao introduzir seu capítulo sobre as aporias do tempo, baseado
no livro XI de Confissões, de Santo Agostinho, diz que não se deve disjungir a noção de
tempo da noção de eternidade e que, todavia, Santo Agostinho só se refere a ela “para
marcar a deficiência ontológica característica do tempo humano” (1983:22). Ricœur
enfatiza que o estilo de Santo Agostinho, recorrendo a indagações e aporias, remete ao
estilo platônico e neo-platônico: “não há descrição sem discussão” (1833:23). O
argumento cético agostiniano é clássico e constata que o tempo não tem ser: o tempo
não é, pois o futuro não é ainda, o passado não é mais e o presente não dura.
Falar do tempo não é fácil, pois ele está em tudo, porém, inefável. Medir o
tempo também não é uma tarefa fácil. Existem vários instrumentos para medir o tempo,
mas todos já foram passíveis de questionamentos; ainda “não se resolveu o enigma da
medida do tempo” (1983:34). Em geral, a maneira de medi-lo está, em diferentes épocas
e em diferentes regiões, ligada a elementos da natureza. A noite, o dia e as fases da lua
são as medidas para definir os dias do calendário, assim como o movimento de 365 dias
da Terra ao redor do Sol e de 24 horas em torno de seu próprio eixo.
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A contagem do tempo também está associada à religiosidade e às crenças de
cada sociedade. Uma concepção linear e progressiva do tempo é uma característica das
religiões chamadas históricas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo; são chamadas
históricas porque asseguram a intervenção de Deus na história, num acontecimento
único e jamais repetido, assim como a existência de uma meta final de salvação da
humanidade na eternidade. Dessa forma, cada uma dessas religiões tem uma diferente
maneira de organizar seu calendário: para os cristãos, o marco é o nascimento de Jesus
Cristo e, entre os muçulmanos, é a fuga de Maomé para a Medina. E, se estamos em
2006 no mundo cristão e em 1426 no calendário islâmico, os judeus, que têm como
marco a criação do mundo, segundo suas concepções, estão em 5766 (a partir de
setembro, após o Rosh Hashaná).
Como vemos, a forma como marcar, contar e organizar o calendário e o
tempo varia de acordo com a religião, cultura e ideologia de cada povo ou nação, sendo
complicado chegar a um consenso. Para tentar solucionar essa difícil questão da medida
do tempo, Santo Agostinho lançou a noção do triplo presente: “é impróprio dizer que os
tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os
tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes e presente das
futuras. Existem três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança
presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança das coisas
futuras” (Agostinho, 2000:328). Essa tese do triplo presente, que propõe uma solução
para o enigma do ser que não possui ser, liga-se à tese do distentio animi, distensão do
espírito, que, por sua vez, propõe uma solução para a questão da extensão do tempo, isto
é, para “o enigma da extensão de uma coisa que não tem extensão” (Ricœur, ibid:40).
Ricœur considera a extensão do tempo um enigma pois parece impossível medir o
tempo se o tempo não é passível de mesura, já que não tem nem presente, nem passado
e nem futuro, não tem nem começo, nem meio e nem fim.
Para estudarmos o tempo, é interessante relevar a etimologia dessa palavra.
Tempo é um significante de muitos significados, podendo ser definido como duração,
passado, ciclos, eras, fases, momentos, e utilizado em vários domínios: da meteorologia,
da música, do esporte, da gramática etc.
O primeiro sentido que damos, em geral, para a palavra “tempo” é sua
significação meteorológica: “O tempo está muito bom hoje para irmos à piscina”. Logo
em seguida, associamos a outras idéias, como a expressões que mostram o tempo como
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sinônimo de simultaneidade: “Ela quer fazer tudo ao mesmo tempo”; de sucessividade:
“Nossa, como o tempo tem passado rápido” ou, ainda, de duração: “Não tive tempo de
ler tudo o que deveria”.
Os dicionários podem nos ajudar na definição etimológica do tempo, pois
eles não só definem os termos, como também mostram o que a cultura diz sobre eles. Se
tomarmos alguns dicionários de língua portuguesa, podemos verificar qual o conceito
vulgar desses termos, isto é, “relativo ou pertencente à plebe, ao vulgo; popular; que
não foge à ordem normal, não se destaca; banal, comum, corriqueiro, ordinário, usual;
que se sabe; notório, sabido”, segundo o dicionário Houaiss. A maneira como um povo
traduz e define um signo lingüístico está atrelada às coerções discursivas da sociedade
em que vive. Segundo Benveniste,“para o falante há, entre a língua e a realidade,
adequação completa: o signo encobre e comanda a realidade; ele é essa realidade”
(1988). Portanto, para definir um termo, é preciso ir além, pois ele não é definido por si
só, mas no contexto cultural e social ao qual pertence.
Vejamos as definições dadas ao vocábulo “tempo” nos dicionários Houaiss
e Michaeli de língua portuguesa
O dicionário Houaiss dá 17 definições para “tempo”:
1. duração relativa das coisas que cria no ser humano a idéia de presente,
passado e futuro; período contínuo e indefinido no qual os eventos se sucedem;
2. determinado período considerado em relação aos acontecimentos nele
ocorridos; época;
3. certo período da vida que se distingue de outro;
4. período específico, segundo quem fala, de quem se fala ou sobre quem
se fala;
5. (sXIII) época na qual se vive;
6. oportunidade para a realização de alguma coisa;
7. período indefinido e geralmente prolongado no futuro;
8. (sXIV) conjunto de condições meteorológicas;
9. (sXIV) época propícia para certos fenômenos ou atividades; estação,
sazão, quadra;
10 Rubrica: astronomia. Hora em local específico;
11. Rubrica: esportes. Cada um dos períodos em que se dividem as
partidas de determinados jogos;
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12. Rubrica: esportes. Duração cronometrada de uma corrida;
13. Rubrica: física. Dimensão que permite identificar dois eventos que,
caso contrário, seriam idênticos e que ocorrem no mesmo ponto do espaço [símb.:T];
14. Rubrica: gramática. Categoria verbal que indica o momento em que se
dá o fato expresso pelo verbo ou o tempo em que transcorrem [O conteúdo dessa
categoria varia segundo as línguas; em português, compreende presente, pretérito (ou
passado) e futuro, e suas subdivisões.]
15. Rubrica: gramática. Cada subdivisão da categoria tempo, existente
numa língua, e seu paradigma próprio;
16. Rubrica: música. Unidade abstrata de medida do tempo musical, a
partir da qual se estabelecem as relações rítmicas; pulsação;
17. Rubrica: música. m.q. andamento ('velocidade das pulsações').
O dicionário Michaelis dá 21 definições para “tempo”:
1. Medida de duração dos seres sujeitos à mudança da sua substância ou a
mudanças acidentais e sucessivas da sua natureza, apreciáveis pelos sentidos orgânicos.
2. Uma época, um lapso de tempo futuro ou passado.
3. A época atual.
4. A idade, a antiguidade, um longo lapso de anos.
5. A existência humana considerada no curso dos anos.
6. Época determinada em que ocorreu um fato ou existiu uma personagem
(com referência à uma hora, a um dia, a um mês ou a qualquer outro período).
7. Ocasião própria para um determinado ato; ensejo, conjuntura,
oportunidade.
8. Sazão, quadra, período próprio de certos atos, de certos fenômenos, da
existência de certas qualidades.
9. Estação, quadra do ano adequada a certas fases da natureza e aos
trabalhos que delas dependem.
10. Estado meteorológico da atmosfera; vento, ar, temperatura.
11. Horas de lazer, horas vagas.
12. Delonga, dilação, prazo.
13. Gram. Flexão que indica o momento de ação dos verbos.
14. Mus. Cada uma das divisões do compasso.
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15. Mus. Movimento com que se deve executar um trecho musical e que se
indica por meio de determinadas expressões.
16. Metrif. As diferentes divisões do verso, conforme as sílabas e os acentos
tônicos.
17. Mec. Quantidade de movimento de um corpo ou sistema de corpos,
medida pelo movimento de outro corpo, supondo-se que os dois movimentos são
proporcionais.
18. Horário vendido aos patrocinadores, numa emissora de rádio ou
televisão.
19. Esp. Cada um dos dois períodos em que se divide a partida de futebol:
Primeiro tempo, segundo tempo.
20. Inform. Em música MIDI, velocidade na qual as notas são reproduzidas,
medida em batidas por minuto (geralmente 120 bpm).
21. Inform. Num título multimídia, velocidade em que são exibidos os
quadros.
Vejamos, também, a definição de “tempo” no dicionário francês Le Petit
Larousse Illustré:
Temps n.m. (lat. tempus)
1. Notion fondamentale conçue comme un milieu infini dans lequel se
succèdent les événements et souvent ressentie comme une force agissant sur le monde,
les êtres;
2. Astron., Phys. Ce milieu, conçu comme une dimension de l´Univers
(espace-temps). Temps atomique international; temps sidéral; temps solaire; temps
solaire moyen; temps civil; temps universel; temps universel coordonné;
3. Temps légal: heure légale;
4. Phys. a. durée considérée comme une quantité mesurable. b. paramètre
permettant de repérer les événements dans leur succession;
5. Chacune des phases successives d´une opération, d´une action.
6. Mus. Division de la mesure.
7. Inform. Temps d´accès: l´intervalle de temps qui sépare l´instant où un
processeur, dans un ordinateur, demande une information et celui où la mémoire la lui
fournit.
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8. Temps d´antenne: durée déterminée d´émissions de radio ou de télévision
diffusées dans le cadre de la programmation.
9. Sociol. Temps choisi: travail à horaire variable.
10. Sports. Durée chronométrée d´une course, d´une match, etc.
11. Moment, époque occupant une place déterminée dans la suite des
événements ou caractérisée par quelque chose.
12. Fam. Vieilli: faire son temps, son service militaire.
13. Moment favorable à telle ou telle action.
14. Ling. Catégorie grammaticale de la localisation dans le temps (présent,
passe, futur), s´exprimant en particulier par la modification des formes verbales;
chacune des séries verbales personnelles de la conjugaison.
15. État de l´atmosphère, en un lieu et un moment donnés.
Vemos que as definições são semelhantes, sempre havendo considerações
sobre o tempo cronológico, físico e lingüístico. Entretanto, é possível perceber certas
nuances; por exemplo, o tempo físico é bem mais detalhado no dicionário francês
enquanto os dicionários de língua portuguesa atentam mais para o aspecto humano do
tempo, como vemos nos itens 3, 4, 5 de Houaiss, em que menciona período da vida,
período específico, segundo quem fala, de quem se fala ou sobre quem se fala, época na
qual se vive ou nos itens 5 e 6 do Michaellis, em que há citações sobre a existência
humana e a existência da personagem. Também é importante ressaltar qual é o primeiro
item para o dicionário de língua francesa e o de língua portuguesa; ambos iniciam a
definição do termo “tempo” na sua relação intrínseca com o homem e o universo.
Aquele começa com a noção de infinito no qual se sucedem os acontecimentos e de
influência sobre o mundo e este inicia focando a ação do tempo sobre o ser humano na
concepção de presente, passado e futuro.
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Tempo e discurso
"-Socrate: Ce n'est pas des mots qu'il faut partir: pour
apprendre et pour chercher le réel c'est du réel lui-
même qu'il faut partir, bien plutôt que des noms -
Cratyle: Évidemment Socrate".
Cratyle, Socrates
Como já dissemos, ao aprendermos uma língua estrangeira, tendemos a
considera-la como reflexo e nomenclatura do que existe no mundo. Para Saussure, a
relação deve ser entre imagem acústica e conceito, isto é, entre significante e
significado, conceito este diferente daquele de existir simplesmente uma nomenclatura
para as coisas. Por meio da referência, palavra que vem do latim e quer dizer “levar
consigo”, a um significante é atribuído um significado do mundo extralingüístico, real
ou imaginário, que é o referente; essa referência depende das coerções discursivas de
cada cultura, isto é, dos seus valores socioletais e de suas ideologias. Entretanto,
Saussure vai além da mera referência, ele atribui maior importância ao processo de
referencialização, em que as relações entre enunciador e enunciatário são consideradas;
pois as intenções persuasivas entre eles, criadoras de tensão no nível da estrutura da
enunciação, projetam um fazer interpretativo capaz de dimensionar os limites entre a
referencialização e o mundo extralingüístico.
Segundo Saussure, como foi dito, o signo lingüístico é definido pela relação
significante (conceito) e significado (imagem acústica), sendo que não existe relação
necessária entre um e outro. Para ele, a língua não é capaz de designar o mundo de
forma completa e fiel por não existir uma relação proporcional entre palavras e coisas;
isso porque “o signo lingüístico é arbitrário”, ou seja, o signo basta-se por si só e não
existe uma ligação motivada com o significado. Para Benveniste, a arbitrariedade do
signo vem do fato de a realidade ser excluída na definição do signo: “O domínio do
arbitrário fica relegado para fora da compreensão do signo lingüístico” (1988:35).
Arbitrário sim, porém necessário para haver comunicação e interação entre os falantes
de uma mesma língua, pois ela é um sistema. Como diz Kristeva, “o arbitrário do signo
é por assim dizer normativo, absoluto, válido e obrigatório para todos os sujeitos que
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falam a mesma língua. A palavra ‘arbitrário’ significa mais exatamente imotivado, quer
dizer que não há nenhuma relação natural ou real que ligue o significante e o
significado” (1974:26).
A respeito dessa relação entre nomes e coisas podemos citar o diálogo
“Crátilo”, de Platão (427 - 347 a. C), em que é questionado se os nomes (orthotês,
onomatôn) são dados às coisas por lhe serem inatos ou por dependerem de convenções.
O diálogo “Crátilo” é considerado, por alguns, a primeira obra de filosofia da
linguagem, visto que trata da complexa tarefa de criação de uma teoria da significação.
O debate é dividido entre as posições de Hermógenes e Crátilo. O primeiro
acredita em uma concepção convencionalista da linguagem, em que os nomes são
atribuídos livremente pelo falante, a partir de suas sensações; o segundo exibe uma
concepção naturalista, em que os nomes designam a natureza das coisas. O ponto em
comum nas duas concepções é a de um fluir inerente à relação entre nome e coisa, seja
porque o fluxo está na multiplicidade e variedade das sensações, seja porque é a própria
natureza das coisas o constante fluxo.
Crátilo aborda a questão do elo entre significante e significado enquanto
ligação entre o nome e a realidade, discutindo o signo e relacionando o significante
aparente ao significado escondido. Tal relação pode ser natural, se o elo é necessário ou
cultural, se o elo é arbitrário e criado pelo homem.
Se o signo depende de fatores culturais e naturais, essa teoria serve para as
línguas. Segundo Erik Louis, Platão permite perceber que a origem de cada língua é a
convenção: a escolha efetiva de cada significante revela uma negociação que visa a
estabelecer um signo a partir do conhecimento da coisa significada. Platão introduz
Aristóteles e a distinção feita por ele de duas origens: a faculdade e a facticidade.
O mesmo fenômeno de desreferencialização da língua, isto é, a negligência
na relação dos coenunciadores com o mundo extralingüístico, fazendo uma simples
relação de referência entre nomes e coisas, pode ser encontrado na forma como os
tempos verbais, seja em língua materna, seja em língua estrangeira, são ensinados nas
escolas. Em geral, os tempos verbais são ensinados de forma linear, como sendo “o
tempo que passa”, sem que sejam referencializados no discurso e na enunciação e sem
interação entre língua e falante. Os tempos verbais, às vezes, são mostrados em uma
linha do tempo pontilhada em que o passado vem simplesmente antes do presente e o
futuro depois, com o pretérito podendo ter duas representações: uma para mostrar o
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passado que começou e acabou em algum momento anterior (pretérito perfeito/passé
composé) e outra para o passado que teve uma duração mais indefinida/
habitual/repetitiva (pretérito imperfeito/ imparfait):
.............
imparfait passé composé présent futur
Ex: Quand j´étais enfant j´ai gagné un ours de peluche que j´adore et je le
donnerai à mon fils.
Essa maneira de explicar os tempos verbais parece um tanto simples e não
corresponde ao tempo e sua interação com o enunciador.
Sistema, norma e fala
Diacronia e sincronia
Foi o lingüista suíço Ferdinand Saussure quem criou o termo “diachronie”,
para opor ao termo já existente “synchronie”. Vejamos como esses vocábulos são
definidos no dicionário Houaiss:
- diacronia: descrição de uma língua ou de uma parte dela ao longo de sua
história, com as mudanças que sofreu; gramática histórica; lingüística diacrônica; o
conjunto dos fenômenos sociais, culturais etc. que ocorrem e se desenvolvem através do
tempo.
fr. diachronie (1916) 'natureza dos fatos lingüísticos observados em
sucessivas fases, ao longo do tempo'; voc. criado por Ferdinand de Saussure (1857-
1913, lingüista suíço) do gr. diá 'através de' e khrónos 'tempo'; p.ext., tb. us. em outras
áreas do conhecimento.
- sincronia: estado ou condição de dois ou mais fenômenos ou fatos
passados ou atuais que ocorrem simultaneamente e são, de certo modo, relacionados
entre si;
- estado de língua considerado num momento dado, independente da
evolução histórica dessa língua Ferdinand de Saussure (1871-1913) frisou a
independência entre as abordagens sincrônica e diacrônica das línguas, mostrando que é
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possível abstrair os fatos que antecederam um dado estado de língua e vê-la como um
sistema completo e perfeitamente eficiente em cada etapa da sua história, que como tal
deve ser descrito pela lingüística sincrônica.
- síncrono + -ia, prov. por infl. do fr. synchronie (1827) 'arte de comparar,
de conciliar as datas da história, (c1913) na acp. de ling (F. de Saussure)', por oposição a
diacronia, conceitos mais amplamente divulgados a partir de 1916.
Aspectos diacrônicos
Com base em vários autores de obras de história da língua francesa,
fazemos, aqui, um esboço daquilo que o autor quebequense Jean Forest chamou, no
título de seu livro, de “A incrível aventura da língua francesa” (2002).
Apontamos apenas alguns fatos da história da França e como eles afetaram a
língua, não é um estudo profundo e exaustivo, mas apenas ilustrativo, visto que não se
trata de uma pesquisa de lingüística histórica.
Antes da chegada dos romanos, no começo da era do ferro (séculos 8 e 6 a.
C), a civilização celta, originária do que é hoje o sul da Alemanha, e o nordeste da
França, se implantou na Áustria, no leste da França, na Espanha e na Grã-Bretanha.
Entre os anos 1000 e 500 antes de nossa era, a Itália era habitada por três
povos diferentes: os etruscos, ao norte de Roma, os gregos ao sul e um grande número
de etnias latinas. Os etruscos fundaram Roma em 753 e os celtas da Itália foram
submetidos aos que se tornariam os romanos; a Gália (a maior parte do sul da França)
foi submetida a Júlio César e a maior parte da Bretanha à dominação romana no século I
de nossa era. Depois de 800 anos de Guerra, Roma construiu um império imenso que,
em 286, foi dividido em império latino, no oriente, e império grego, administrado por
Constantinopla, no ocidente. Os romanos transformaram profundamente os povos
conquistados e simplesmente ignoraram suas línguas “bárbaras”, impondo o latim. Os
bárbaros que quisessem conquistar postos importantes deveriam sabe-lo.
Durante todo o império romano, houve um grande período de bilingüismo,
do latim ao lado de línguas como o celta, o grego e o germânico. No século 5, o
unilingüismo latino foi atingido e as línguas celtas desapareceram. Roma garantiu
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autonomia lingüística e administrativa a alguns povos, em troca de ajuda na defesa
militar, por isso, gauleses, judeus, bascos, bretões, armênios, albaneses e berberes
puderam conservar suas línguas como instrumento veicular.
Esse latim falado por todos se distanciou do clássico do século I e foi
desenvolvida uma variante popular e esta triunfou sobre aquele.
Desde o fim do século III, os imperadores romanos passaram a acolher
germânicos como soldados para seu exército já que os romanos não se interessavam
pela guerra. Esses romanos ganharam terras, fundaram reinos e o latim falado nessas
regiões transformou-se ainda mais.
Em 375, ocorre o que os romanos chamaram de “invasões bárbaras”, isto é,
o choque entre Hunos, provenientes da Hungria, e Ostrogodos germânicos, marcando o
inicio das grandes invasões e o começo do dislocamento do império romano. Em 395,
ele é dividido em império romano do oriente e império romano do ocidente. Após ter
vencido os ostrogodos, os hunos atacaram godos, visigodos, vândalos, francos, saxões e
todos esses povos foram deslocados para o império romano do ocidente. Ao fim do
século V, o império romano do ocidente já havia desaparecido, sendo substituído por
vários impérios germânicos. O império romano do oriente sobrevive até 1453. No
ocidente, os ostrogodos se instalaram na Itália, Sardenha e Iugoslávia; os visigodos
ocuparam a Espanha e o sul da França; os francos, o norte da França e da Germânia, os
anglos e os saxões atravessaram até a Grã-Bretanha, depois de expulsar os celtas, e os
vândalos conquistaram o norte da África.
O esfacelamento do império romano do ocidente tem conseqüências no
aspecto lingüístico, o latim popular acompanha esse esfacelamento do império e passa a
apresentar muitas variações, dependendo da região. A situação lingüística era bem
complexa no século VII e as línguas germânicas tornaram indispensáveis para os povos
que quisessem ocupar um papel importante na política; o latim não era mais utilizado na
língua escrita e as pessoas não o falavam mais. Começaram a falar uma língua que não
era mais o latim, mas ainda não era francês, italiano, espanhol, portugues, romeno ou
catalão, era o roman (românico).
Essa língua tinha muitas variações, de acordo com cada região; cada país
tinha dezenas de variantes. Na França, por exemplo, havia francien, picard, lorrain,
normand, berrichon, champenois, franc-comtois, bourguignon, bourbonnais,
tourangeau, angevin, poitevin, saintongeais etc.
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Para ilustrar, apresentamos um mapa da França onde se pode visualizar
esses diferentes dialetos:
Se comparado ao espanhol ou ao italiano, o francês se distanciou mais do
latim, devido ao contato com as línguas germânicas, principalmente o francique
(frâncico), que se tornou a língua da aristocracia franca.
No século X, sem conseguir expulsar os vikings, provenientes da
Escandinávia, o rei da França, Carlos III, o simples, lhes ofertou uma região inteira, a
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Normandia. Lá, eles se casaram com mulheres da região e, gradualmente, perderam sua
língua escandinava, acabando por assimilar a língua romana falada nessa região, o
normando.
A língua evoluía livremente e cada vila falava um dialeto diferente. O que se
chama hoje “francês antigo” corresponde a um grande número de variantes lingüísticas,
geralmente orais, não normalizadas e não codificadas. Esses dialetos se dividiam em
três grupos: as línguas d´oc no norte, as línguas d´oïl no sul e o franco-provençal na
Franche-Comté, Savoie, Val-d'Aoste (Itália) e na atual Suíça. Eram falados, nessa
época, cerca de 600 dialetos e somente os letrados sabiam latim.
No século X, o francês, associado freqüentemente ao francien (a palavra
francien foi criada em 1889 pelo filólogo Gaston Paris para se referir ao francês da Île-
de-France do século XIII, por oposição ao picard, normand, bourguignon, poitevin etc)
ocupava somente um pequeno território entre as línguas d´oïl e só era falado em Paris e
Orleans, nas camadas superiores da sociedade. Os reis, entretanto, ainda falavam a
língua germânica frâncico.
Em 987, Hugo Capeto foi coroado rei da França e foi o primeiro rei a
utilizar, como língua materna, não o latim, nem o frâncico, mas a língua que viria a ser
o francês, o “françois”. Os capecianos fixaram-se em Paris e, em 1119, o rei Luís VI
escreveu uma carta ao Papa Calixto II, onde a palavra “France” aparece pela primeira
vez e nela se proclama “rei da França, não mais dos francos, e filho da Igreja romana”.
A existência de uma sede estável em Paris deu mais prestígio ao dialeto do senhor e a
aristocracia e a burguesia passaram a também utilizar o francien. Com Luís XI, a
unificação lingüística ganhou força e, progressivamente, substituiu as outras línguas
d´oïl. Ao fim de seu reino, Luís XI era o mais poderoso monarca da Europa, fato que
assegurou ainda mais prestigio a sua língua, que passou a ser chamada “francês”. No
século XII, os escritores passaram a utilizar o francês e a administração real o utiliza ao
lado do latim. Ao fim do século XIII, escrevia-se em francês na Itália, na Inglaterra, na
Alemanha e nos países baixos. O latim permanecia a língua dos cultos, do clero, das
ciências, da filosofia e das instituições educacionais, isto é, era a língua veicular em
todo o mundo católico.
Nos séculos XIV e XV, a França viveu um período negro, sendo um dos
períodos mais críticos também na história do mundo, devido às guerras civis, às pestes,
à Guerra de Cem Anos, à queda do império romano oriental, ao desprestígio da Igreja e
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à miséria generalizada. No que concerne à língua, ela está em plena mudança e essa
época marca a transição do francês antigo ao francês moderno.
Com Felipe, o Belo (1268-1314), o francês passou a ser empregado pelos
atos oficiais, pelos chanceleres reais e pelos parlamentos e, em 1300, torna-se uma
língua administrativa e judiciária, concorrendo com o latim.
A Guerra de Cem Anos fez nascer, tanto nos franceses quanto nos ingleses,
um nacionalismo muito forte e, em 1383, o francês é substituído pelo inglês no
Parlamento de Londres. Henrique V é o primeiro rei a utilizar o inglês nos documentos
oficiais, porém o francês ainda é falado na corte, pois a maior parte das rainhas da
Inglaterra é francesa.
Durante o período de 1789-1870, marcado por mudanças de regime e pelo
triunfo da burguesia, iniciados com a Revolução francesa, o poder da Inglaterra
expandia-se, a Bulgária, a Grécia, a Bélgica conquistavam a independência e a Itália e a
Alemanha unificavam-se. Junto a todas essas mudanças, ainda houve os progressos no
transporte e na comunicação (navegação a vapor, telefone etc), que facilitaram a
unificação lingüística, assim como a influência de uma língua sobre outra. Os ideais de
patriotismo da Revolução influenciaram o interesse por uma língua única, simbolizando
a nação e, também, para que as idéias dos revolucionários pudessem ser transmitidas e
compreendidas uniformemente. Além do mais, a existência de inúmeros patois também
não era coerente ao ideal de igualdade da Revolução, pois os cidadãos que não falavam
a língua do rei eram discriminados. Uma sociedade verdadeiramente livre devia ter uma
língua nacional, acessível a todos.
Com a lei do II Termidor (20 de julho de 1794), foi decretado o “terror
lingüístico” e os patois, uma ameaça à unidade desejada pelos revolucionários,
passaram a ser o principal alvo. De acordo com essa lei, todo ato público no território da
República devia ser escrito e pronunciado em língua francesa.
Aspectos sincrônicos
Após essa visão panorâmica e diacrônica da história da língua francesa,
passemos a uma visão sincrônica, tendo em vista a francofonia. O que aqui é dito tem
como base estudos francófonos da Universidade Laval, em Québec.
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Ainda hoje, são falados, ao lado da língua francesa, alguns dialetos. As
línguas da França metropolitana são o basco, bretão, alemão, flamengo, corsa, ocitano,
catalão, franco provençal e outras menos representativas.
Nos DOM-TOM, departamentos e territórios de além mar, como Martinica,
Guadalupe, Guiana, Reunião, Haiti, Santa Lúcia, Seichelas, Maurício, são falados
crioulos com base na língua francesa
Como dizia o jornalista Bertrand Barère já em 1794, o federalismo e a
superstição falam baixo bretão; a emigraçao e o ódio da República falam alemão; a
contra-revolução fala italiano e o fanatismo fala basco. (fonte:
http://site.voila.fr/HISTOPRESSE1/page8.html)
O termo francofonia foi empregado pela primeira vez em 1880 pelo
geógrafo francês Onésime Reclus. Hoje, francofonia, com “f” minúsculo, é utilizado
para nomear os povos ou grupos de locutores que fazem uso parcial ou integral da
língua francesa em suas vidas cotidianas e em suas comunicações; já o termo
Francofonia, com “f” maiúsculo, designa os governos que usam o francês em seus
trabalhos e negociações.
Os membros da Francofonia são aqueles que fazem parte dos Sommets
francófonos.
A noção de francês língua materna só é aplicada aos que o falam na França,
na Bélgica, na Suíça, no Canadá e no principado de Mônaco.
Com o estatuto de língua oficial ou co-oficial em 51 estados e 34 países, o
francês é a segunda língua do mundo sob o plano de importância política. Na Europa, o
Francês é a única língua oficial na França, no principado de Mônaco e no grão ducado
de Luxemburgo. Na Àfrica, é a única língua oficial no Benin, na Burkina Faso, na
República Centro-Africana, no Congo-Brazzaville, no Congo-Kinshasa, na Costa do
Marfim, no Gabão, na Guiné, no Mali, na Nigéria, na Reunião, no Senegal e no Togo.
Na América, o francês conserva esse estatuto nos DOM (Departamentos de além mar):
Martinica e Guadalupe, Saint-Pierre-e-Miquelon e Guiana francesa. Na Oceania, a
língua francesa goza desse estatuto nos TOM (Territórios de além mar): Nova-
Caledônia, Polinésia francesa, ilhas Wallis e Futuna.
Já com o estatuto de língua não-oficial, encontramos Bélgica, Suíça, Canadá,
Haiti, Burundi, Camarões, Comores, Djibouti, Guiné equatorial, Madagascar,
Mauritânia, Ruanda, Seichelas e Tchad.
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O estatuto jurídico do francês se estende ainda a vários países não soberanos,
sendo língua oficial na província de Québec, nos cantões suíços de Genebra, Neuchâtel,
Jura e Vaud e língua não-oficial nos cantões suíços de Friburgo, Valais e Berna, na
província do Novo-Brunswick, nos Territórios do Nordeste do Canadá, no Val-d'Aoste
na Itália e no território autônomo de Pondichéry, na Índia.
Vejamos, a título de ilustração, um quadro em que figuram os estados onde o
francês é língua oficial ou co-oficial:
États: 51 Pays: 29
Continents Population (enmillions)
Locuteursfrançais (en %)
Langue(s) officielle(s)
Belgique Europe 10,0 41 % français/néerlandais/allemandBénin Afrique 5,5 13 % françaisBerne (Suisse) Europe 942 000 8,1 % français/allemandBurkina Faso Afrique 10,3 4,7 % françaisBurundi Afrique 6,2 4 % français/kirundiCameroun Afrique 12,8 67 % français/anglaisCanada Amérique 29,9 23,2 % anglais/français Centrafrique Afrique 3,4 3,7 % françaisComores Afrique 600 000 0,3 % français/arabeCongo-Brazzaville Afrique 2,3 1,2 % français
Congo-Kinshasa Afrique 41,8 6 % français/anglais
Côte d'Ivoire Afrique 12,9 1 % françaisDjibouti Afrique 473 000 2,8 % arabe/françaisFrance Europe 57,2 82 % françaisFribourg(Suisse) Europe 227 866 61 % français/allemand
Gabon Afrique 1,3 6 % françaisGenève(Suisse) Europe 398 900 96 % français
Guadeloupe(F) Amérique 421 632 4 % français
Guinée Afrique 7,8 2 % françaisGuyanefrançaise Amérique 150 000 60 % français
Haïti Amérique 7,1 1,5 % français/créole
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Jura (Suisse) Europe 69 000 100 % françaisLuxembourg Europe 384 000 4,1 % françaisMadagascar Afrique 14,6 1 % malgache (français) Mali Afrique 10,8 0,01 % françaisMauritanie Afrique 2,3 2,6 % arabe/français Mayotte(France) Afrique 135 000 0,01 % français
Monaco Europe 27 063 100 % françaisNeuchâtel(Suisse) Europe 160 000 58 % français
Niger Afrique 8,3 8,9 % françaisNouveau-Brunswick (C) Amérique 729 625 32,8 % anglais/français
Nlle-Calédonie (F) Pacifique 196 000 37 % français
Nunavut (C) Amérique 25 000 2 % anglais/français/inuktitut/inuinnaqtun
Polynésiefrançaise (F) Pacifique 219 521 5 % français
Pondichéry(Inde) Asie 40 000 10 % hindi/français
Québec (C) Amérique 7,0 80,9 % françaisRéunion (F) Afrique 675 000 0,3 % françaisRwanda Afrique 8,5 5% kinyarwanda/françaisSénégal Afrique 8,4 7,4 % françaisSeychelles Afrique 79 000 0,10 % anglais/français/créoleSuisse Europe 6,5 18,4 allemand/français/italien Tchad Afrique 6,4 6 % arabe/françaisTerritoires du Nord-Ouest(C)
Amérique 0,04 2 % anglais/français
Togo Afrique 4,1 2,4 % françaisVal d'Aoste(Italie) Europe 115 000 65 % italien/français
Valais (Suisse) Europe 270 000 60 % français/allemandVanuatu Pacifique 191 000 3,8 % anglais/français/bichlamar Vaud (Suisse) Europe 611 600 95 % françaisWallis-et-Futuna (F) Pacifique 14 166 0,75 % français
Fonte: http://www.tlfq.ulaval.ca/axl/francophonie/francophonie_tableau1.htm
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Le monde
Escolhemos o jornal Le Monde como córpus, por ser um meio de
comunicação representativo no registro da norma urbana culta da língua francesa e ser
considerado um “quotidien de référence”; além de ser um jornal que se esforça em
manter a norma culta da língua.
Seguimos, então, com a apresentação e explicação do corpus desse trabalho,
o jornal Le Monde. Partimos de uma apresentação formal, passamos pela sua história,
do surgimento aos dias de hoje e chegamos a depreensão de seu ethos, isto é, sua
maneira de se posicionar no mundo. A fonte para a maioria das informações aqui
apresentadas é o sítio http://fr.wikipedia.org/wiki/Le_Monde.
Apresentação
Pays FranceLangue FrançaisPériodicité QuotidienGenre Presse nationaleDiffusion 371 000 ex.Date de fondation 1944Ville d'édition ParisDirecteur de la rédactionRédacteur en chef Gérard CourtoisPropriétaireSite Web www.lemonde.frISSN 0395-2037
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Le monde conquistou o título de “jornal de referência” na imprensa
quotidiana francesa. Essa reputação se deve a varios fatores, tais como: o grande
número de leitores, não só na França, mas em vários países francófonos e mesmo em
outros países, seja via jornal impresso, seja via internet (desde 1995), o que fez
aumentar ainda mais o seu alcance; a coerência interna entre seus jornalistas na feitura
dos editoriais; a linguagem refinada, clássica, sem muitos modismos, mas que, ao
mesmo tempo, tem a adesão de diversos tipos de leitores, pois não chega a ser
exclusivista; o designer elegante e agradável; a qualidade de sua equipe: jornalistas
repórteres, desenhistas etc. Embora receba contribuições de indústrias e mercados
financeiros, aos quais o jornal deve prestar contas, ainda existe uma grande orientação
centro esquerdista em sua produção.
Para ilustrar porque é considerado o “jornal de referência”, um dos itens a
ser destacado é o imenso alcance de Le monde. Vejamos um quadro ilustrativo com
tiragem de alguns dos mais importantes quotidianos franceses, nos últimos anos:
Fonte: OJD (Office de justification de la diffusion) de 1999 a 2004.
Titre 1999 2000 2001 2002 2003 2004Aujourd’hui en France* 479 112 486 145 506 610 509 114 505 419 501 492La Croix 86 400 86 574 87 891 92 873 94 929 96 312Les Échos 122 999 128 342 127 445 120 333 116 903 116 856L'Équipe 386 189 397 898 370 661 331 638 336 533 365 752Le Figaro 366 690 360 909 366 529 359 108 352 706 341 075L'Humanité ? 50 097 47 051 46 126 48 175 48 966Libération 169 427 169 011 171 551 164 286 158 115 146 055Le Monde 390 840 392 772 405 983 407 085 389 249 371 803La Tribune 85 885 90 918 87 577 82 042 80 459 80 846
* : Les diffusions du Parisien et d’Aujourd'hui en France sont couplées. Attention, il arrive quele premier soit considéré comme un quotidien régional et le second comme un quotidiennational.
Suplementos existentes em Le monde :
- Le monde Économie (às segundas-feiras) ;
- Le monde des livres (às quintas-feiras) ;
- Le monde 2 era mensal e se tornou suplemento semanal na edição de fim
de semana (à venda às sextas-feiras) ;
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- Le monde Radio TV : programação do rádio e da televisão para toda a
semana (à venda aos sábados) ;
- New York Times, artigos surgidos no jornal estado-unidense, publicado
em inglês (aos fins de semana, junto ao Le monde 2).
A partir de 2004, Le monde passou a produzir coleções sobre temas
culturais a serem vendidas com as edições Le monde 2 e Le monde Radio TV, tais
como :
- « Le cinéma du Monde » (coleção eclética de DVD)
- « Le musée du Monde » (coleção de livros de arte)
Ao lado de Le monde , há várias outras publicações cuja linha editorial é
independente do quotidiano :
- Le monde de l´éducation ;
- Le monde des ados ;
- Le monde de la musique et Le monde des philatélistes (1951), que não
fazem mais parte do grupo ; o último passou a ser Timbres magazine
(2000) ;
- Le monde initiative et Le monde des débats (não existem mais).
No seio do grupo La vie le monde, no que concerne o pólo “magazine”, é
constituído por:
- Courier international;
- La vie (temática cristã);
- Télérama (programa de televisões, semanário cultural de referência);
- Cahier du cinema.
Le monde, ainda, é acionário majoritário do quotidiano « Midi Libre » e
também possui 51% do mensal « Le monde diplomatique», cuja linha editorial é
totalmente independente. « Le monde diplomatique» também edita o bimestral
« Manière de voir » e anualmente o «Atlas du monde diplomatique».
Desde 1954, « Le monde diplomatique » analisa as grandes apostas
econômicas, estratégias, políticas e sociais ; trata-se de um jornal engajado ao serviço da
informação escrupulosa, privilegiando as enquetes e as análises com numerosos
especialistas dos países em questão, além de dar relevante espaço à cartografia.
26
História
O quotidiano francês Le monde foi fundado em 1944 pelo jornalista e ex-
professor de direito em Praga, Hubert Beuve-Méry (1902-1989).
Em 1940, Hubert Beuve-Méry era “Diretor dos Estudos”, nas atividades da
“Ecole d´Uriage”, escola criada com apoio do regime de Vichy; em 1942, ela é fechada
e muitos de seus contribuidores se engajam no movimento da Resistência e, em 1944, o
general de Gaulle o chama para criar, com a ajuda do governo francês, um quotidiano
de referência que substitua o extinto Le Temps. Le Monde mantém a mesma tipografia,
o mesmo formato e a mesma apresentação de Le Temps; atualmente esse é o nome de
um quotidiano suíço, editado em Genebra e surgido em 1998.
Hubert Beuve-Méry mantém-se diretor de Le monde até sua aposentadoria,
em 1969, publicando seus editoriais sob o pseudônimo “Sirius”. A primeira edição de
Le monde foi editada no dia 18 de dezembro de 1944, aparecendo no dia 19.
Le monde passa por agitados e conflituosos momentos históricos, como a
guerra da Argélia, as guerras pelo movimento de Libertação, a guerra do Vietnan.
A partir de 1985, a primeira página (la une) passou a ser ilustrada com uma
caricatura feita, normalmente, pelo desenhista Plantu (1951), cujos desenhos satíricos já
renderam várias polêmicas.
Meio século depois de sua criação, em 19 de dezembro de 1995, Le monde
passa a apresentar parte de seu conteúdo na internet, uma parte importante de seu
conteúdo textual diário passar a ser disponível gratuitamente aos internautas de todo o
mundo.
No dia 07 de novembro de 2005, Le monde passa a apresentar uma nova
roupagem, propondo mudanças profundas em sua “arquitetura”; passa a ter mais
imagens (fotos, desenhos, infografias) e proporcionar uma leitura, digamos, mais
arejada. Tais mudanças tiveram como motivação a hierarquização de informações mais
complexas, proporcionando as chaves necessárias para a compreensão da atualidade, e
do engendramento de fatos que explicam também os acontecimentos futuros, e a
instauração de um elo de proximidade entre o leitor e o seu jornal. Essas mudanças
correspodem às três novas partes que dividem o jornal: "actualité" (informações do
27
dia), "décryptages" (atualidade durável) et "rendez-vous" (com o leitor). A página 3 do
jornal passa a dedicar, todos os dias, uma coluna sobre um determinado tema, isto é, um
dossier sobre todo tipo de informação, buscando alcançar os mais variados tipos de
leitor.
Ethos
Na introdução ao seu livro O estilo nos textos, a lingüista Norma Discini
define estilo:
“O estilo é o homem, se pensarmos na imagem de um sujeito, construída
por uma totalidade de textos que se firma em uma unidade de sentido. O
estilo é o homem, se pensarmos em um ‘indivíduo’ que, com corpo, voz e
caráter, é construção do próprio discurso. O estilo é o homem, se
pensarmos na imagem de um sujeito que, depreendida dos textos, supõe
saberes, quereres, poderes e deveres ditados por valores e crenças
sociais; um eu fundado no diálogo com o outro. O estilo é o homem, se,
para homem, for pensado um modo próprio de presença no mundo: um
ethos” (2003:07).
Cada jornal faz e apresenta a construção de seu discurso e de sua concepção
de mundo, que são criadas na própria percepção constitutiva do outro. Isso quer dizer
que, para a construção do próprio estilo do jornal, é necessária a interação com seu
enunciatário, o leitor, cabendo aqui, o termo usado por Maingueneau, o co-enunciador;
pois é baseado na imagem do leitor a ser atingido que o sujeito da enunciação do jornal
deve construir o seu discurso para, dessa forma, conseguir a adesão de seu enunciatário.
A todo ato de comunicação, está intrínseca a manipulação e o sujeito da
enunciação, para ser efetivo, deve buscar a interação e integração do co-enunciador para
persuadi-lo e convence-lo. Para isso o ethos de Le Monde faz uso de várias estratégias,
no plano do conteúdo e no plano de expressão, para vender uma boa, crível e
convincente imagem, capazes de causar uma boa impressão no seu co-enunciador,
conquistando sua confiança e conivência. Para que a performance seja realizada e seu
enunciado seja considerado legítimo, o ethos deve adequar a cena da enunciação aos
seus propósitos e segundo o seu auditório. Assim sendo, o sujeito da enunciação de Le
Monde incorpora um co-enunciador moderado, culto (ou que deseja ser e parecer
28
culto), de bom domínio da norma culta da língua. É dessa forma que o “garant”, termo
utilizado por Maingueneau para nomear o sujeito da enunciação nessa relação de adesão
do leitor, mostra sua identidade e é capaz de convencer e fazer crer o seu co-enunciador.
Assim sendo, a cenografia de Le Monde permite construir tanto o ethos do
jornal quanto o perfil do seu leitor, já que os jornais apresentam-se da forma como
acreditam ser a mais apropriada para corresponder às expectativas do leitor. O ethos de
Le Monde, preocupado com a relação tensa e não adesão do co-enunciador, deseja criar
um efeito de pluralidade e polifonia, pois nenhum jornal quer perder leitores, buscando
a adesão do mais amplo público. O “garant” do jornal, enquanto responsável pela
imagem e pela cenografia que passa aos respectivos coenunciadores, busca a conivência
do leitor e deve ser fiel a essa cumplicidade, com seu estilo próprio.
Le Monde apresenta o mundo por meio da discursivização de um ethos cujo
ideal de voz é de concentração, fixidez e densidade, na verdade, não vai de encontro a
uma indiscriminada pluralidade de leitores, pois existe um invisível crivo para a
incorporação do leitor, isto é, o jornal visa a um público de senso crítico, de poder de
argumentação e de domínio da norma culta da língua e do estilo sério e refinado de Le
Monde.
Várias são as estratégias de Le Monde para convencer o enunciatário de seu
ethos de seriedade e credibilidade, assim como, de refinamento e busca da perfeição. A
perfórmance buscada pelo discurso de Le Monde é convencer o co-enunciador da
objetividade, seriedade, refinamento e comprometimento caracterizadores de seu ethos
eufemístico, de corpo seletivo, cuja voz é amena e sóbria no refinamento do seu dizer.
29
2.Os sistemas temporais
“Como o tempo, ainda mais sem corpo,
pode trabalhar suas verrumas?
E se o seu corpo é nada,
onde é que as dissimula?
Ora, como mais que o vento é oco,
e sua carne é de nada, é nula,
não agride a paisagem:
é de dentro que atua”.
(João Cabral de Melo Neto)
A semiótica é a teoria que busca mostrar como a significação é constituída e
organizada e o modo pelo qual o objeto de estudo se manifesta em qualquer linguagem:
pintura, cinema, dança, música, escultura, arquitetura, moda. Trata-se, então, de uma
ciência mais geral que a lingüística, pois transcende a linguagem verbal, estudando
todas as outras linguagens.
Dessa forma, a semiótica torna-se um estudo imanente do texto conhecendo
os seus mecanismos internos e produtores de coerência, assim como sua organização de
sentido. Para Saussure, o sentido é construído na linguagem e produz uma visão de
mundo, e essa linguagem não é mero reflexo de um “mundo” extra-lingüístico.
Tratamos, aqui, da semiótica francesa, que compreende a manifestação
como uma totalidade de sentido e, para que esse sentido seja construído, a semiótica
define o percurso gerativo do sentido. Esse percurso caminha do mais simples e
abstrato ao mais complexo e concreto e é constituído de três etapas: a mais simples e
abstrata, o nível fundamental; em seguida, o nível narrativo e, em último lugar, o nível
discursivo, o mais concreto. Todos os níveis apresentam uma semântica e uma sintaxe
e, juntos, constituem o plano de conteúdo que, no nível da manifestação, ou seja, no
texto, constituirá o plano da expressão.
30
No plano das estruturas fundamentais, a significação é concebida como uma
oposição semântica mínima, por meio da qual o sentido começa a ser formado. Essa
oposição articula-se no quadrado semiótico determinando as relações fundamentais que
geram o sentido e os valores inscritos no discurso.
O nível das estruturas narrativas organiza, a partir do ponto de vista de um
sujeito, as oposições semânticas por ele assumidas. Esse sujeito é chamado sujeito
operador ou sujeito do fazer e pode transformar estados, ou seja, estabelecer as relações
juntivas (de conjunção ou disjunção) entre sujeito de estado e objeto de valor. Esse
objeto de valor são os valores do nível fundamental convertidos, nesse nível não há
mais a negação ou a afirmação de conteúdos, mas sim a transformação daquelas
oposições semânticas fundamentais em objetos de valor por meio da ação do sujeito.
A narratividade é constituída por uma sucessão de estados em que os
sujeitos estabelecem relações juntivas com os objetos e transformações, por aquisição
ou privação desses objetos, que levam à produção do sentido. Essas relações juntivas
podem aparecer como conjunção, em que o sujeito está conjunto com o objeto de valor,
sendo um sujeito realizado; disjunção, em que o sujeito está disjunto do objeto de valor
e é virtualizado; não-conjunção, em que o sujeito é potencializado e não-disjunção, em
que o sujeito é atualizado.
Ainda para definir a narratividade, podemos citar Denis Bertrand, que diz
existir “narrativa desde que dois enunciados de estado sejam regidos e tranformados por
um ou mais enunciados de fazer” (2003: 284). Assim, o nível das estruturas narrativas
organiza a narrativa do ponto de vista de um sujeito, e as oposições semânticas do nível
fundamental são assumidas por esse sujeito do fazer, que pode transformar os estados.
Um programa narrativo representa um enunciado de fazer, que rege um
enunciado de estado, integrando estados e transformações, podendo ser de duas
naturezas: perfórmance e competência. No programa narrativo de perfórmance, existe
uma aquisição ou construção do objeto de valor sendo que o sujeito do fazer (S1) e o
sujeito de estado (S2) são sincretizados em um mesmo ator da narrativa. No programa
narrativo de competência, existe uma doação de valores modais (querer, dever, saber e
poder fazer ou ser) ao sujeito de estado tornando-o competente para agir e vivenciar sua
paixões e ações.
31
O sujeito do fazer, imbuído da competência necessária ou não, pode, então,
realizar dois programas narrativos, de acordo com a relação que ele determina entre o
sujeito de estado e o objeto de valor, lembrando que sujeito de estado e sujeito de fazer
podem representar o mesmo actante. O esquema de um programa narrativo pode ser
assim construído:
a) em uma narrativa de aquisição:
PN= S16 (S2 χ Ov) 6 PN= S16 (S2 1 Ov)
b) em uma narrativa de privação:
PN= S16 (S2 1 Ov) 6 PN= S16 (S2 χ Ov)
E, finalmente, chegamos ao nível discursivo, em cuja dimensão sintática, a
categoria de tempo, tema desta dissertação, está inserida, ao lado das categorias de
pessoa e espaço. Aqui estudamos a língua francesa, mas é válido lembrar que todas as
línguas apresentam as categorias da enunciação (pessoa, espaço e tempo), pois se trata
de uma característica intrínseca a qualquer linguagem, seja verbal, seja não-verbal.
O último nível, o das estruturas discursivas, é o mais concreto e complexo;
nesse nível, os valores axiologizados no nível fundamental e incorporados no nível
narrativo são convertidos no plano de conteúdo, formando o nível sêmio-narrativo, e
concretizados no enunciado. Nele, examinamos as categorias de tempo, espaço e
pessoa, na dimensão sintática, e as oposições fundamentais assumidas como valores
narrativos e que serão desenvolvidas, na dimensão semântica, sob a forma de temas,
podendo concretizar-se por meio de figuras. Enfim, o nível discursivo é onde os
esquemas narrativos são retomados por um sujeito da enunciação que, discursivizando
as estruturas sêmio-narrativas, faz determinadas escolhas de pessoa, tempo, espaço,
temas e figuras para, através de uma ilusão de realidade, fazer crer o enunciatário.
Os procedimentos de discursivização - chamados a se constituírem numa
sintaxe discursiva - têm em comum poderem ser definidos como a
utilização das operações de debreagem e embreagem a ligarem-se assim
à instância da enunciação. Dividir-se-ão em pelo menos três
subcomponentes: actorialização, temporalização e espacialização, que têm
por efeito produzir um dispositivo de atores e um quadro ao mesmo tempo
temporal e espacial, onde se inscreverão os programas narrativosprovenientes das estruturas narrativas (Greimas e Courtès, 1979).
32
Na dimensão sintática do nível discursivo, analisam-se as projeções da
enunciação no enunciado e os meios pelos quais o enunciador persuade e convence o
seu enunciatário; essas projeções dizem respeito às categorias de pessoa, espaço e
tempo.
Vemos, assim, que a abordagem dada ao tempo neste trabalho, assim como
Fiorin fez em As astúcias da enunciação, é lingüística. Segundo Benveniste, o tempo
pode ser abordado de três maneiras diferentes: lingüístico, físico e cronológico (1988).
O tempo físico é o tempo do mundo e é medido a partir dos movimentos dos astros, nele
são instaurados os marcos temporais. O tempo cronológico, ou crônico, é o tempo do
calendário, no qual se desenvolvem os acontecimentos na vida do homem; por meio do
tempo crônico, é possível lembrar do passado e projetar o futuro, enquanto a vida e o
tempo passam, e seguem sempre em frente. O tempo lingüístico é aquele que, ligado ao
momento da fala, se constitui no ato do dizer e é reconstruído em cada ato de
enunciação.
O tempo lingüístico, diferentemente dos tempos físico e cronológico, leva
em consideração o enunciador e o enunciatário, e suas relações enquanto
coenunciadores na construção da enunciação. A enunciação é o ato de dizer, o ato
produtor do enunciado, sendo pressuposto pela existência do próprio enunciado. Como
diz Benveniste, a enunciação é a instância de mediação entre o sistema social da língua
e sua assunção por um indivíduo na relação com o outro por meio da fala. O aparelho
formal da enunciação é constituído pelas categorias de pessoa, espaço e tempo cujas
coordenadas são o EGO/ HIC/NUNC, ou seja, o eu (que pressupõe o tu) no espaço do
aqui e no tempo do agora e, assim, por meio de um ato individual de utilização, a
enunciação coloca a língua em funcionamento. A enunciação pressupõe a existência da
dupla enuciativa eu/tu, ou seja, não existe enunciação sem que haja enunciador e
enunciatário.
Em As astúcias da enunciação, José Luiz Fiorin baseia-se nesse tempo
lingüístico e o seu modelo é utilizado aqui. Seguindo esse modelo, analisamos como
ocorre a apresentação da categoria de tempo enquanto referência no discurso. Ao falar
de tempo lingüístico, é preciso considerar as suas relações intrínsecas de anterioridade e
posterioridade. Como diz Fiorin:
33
“O momento dos acontecimentos (estados e transformações) é ordenado
em relação aos diferentes momentos de referência. Faz-se essa
ordenação aplicando-se a categoria topológica concomitância vs não-
concomitância (anterioridade vs posterioridade) aos diferentes momentos
de referência. São três os momentos estruturalmente relevantes na
constituição do sistema temporal: momento da enunciação (ME), momento
da referência (MR) e momento do acontecimento (MA)” (2001:146).
No tempo lingüístico, essas categorias topológicas podem ainda estar
instauradas no discurso por marcos de dois sistemas temporais: o sistema enunciativo,
relacionado diretamente à enunciação, ao nunc e o sistema enuncivo, relacionado ao
momento de referência do enunciado. No primeiro, os marcadores da enunciação
eu/aqui/agora são instalados, no segundo, eles são suprimidos, existindo, assim, no
enunciado, uma terceira pessoa, ele, no espaço do alhures e no tempo do então.
Essas categorias dizem respeito ao fato de que todos os tempos referem-se
ao agora, opondo-se ao então: os fatos acontecem antes, depois ou no momento da
enunciação. Lembrando as palavras de Maingueneau:
“Chaque énoncé réinvente son présent, dès qu´un locuteur prend la parole:
le présent glisse ainsi indéfiniment le long du fil du discours.
Ce présent constitue la base du système temporel linguistique, et les deux
autres dimensions déictiques (passé et futur) ne peuvent être repérées que
par rapport à lui” (1994:74)
Tempos verbais
Segundo Fiorin, como já foi dito acima, “são três os momentos
estruturalmente relevantes na constituição do sistema temporal: momento da
enunciação (ME), momento da referência (MR) e momento do acontecimento (MA)”
(2001:146). Vejamos o que significa cada um desses momentos, caros à organização
temporal.
34
O momento da enunciação (ME) é o eixo gerador e ordenador do tempo
lingüístico, pois ele representa o presente implícito inerente a todo ato de comunicação,
mesmo o sistema enuncivo ordena os tempos que não têm concomitância ao ME, por
oposição aos tempos do sistema enunciativo.
O momento da referência (MR) apresenta os marcos temporais que
permitem identificar quando os fatos acontecem/aconteceram/acontecerão no
enunciado, ele está relacionado ao ME e pode ser do sistema enunciativo ou do
enuncivo, representando, no primeiro, a concomitância ao ME (o presente) e, no
segundo, a não-concomitância (anterioridade: o pretérito e posterioridade: o futuro).
O momento do acontecimento (MA) está dentro do MR e se ordena em
relação a ele. O momento do acontecimento também é organizado de acordo com as
categorias topológicas de concomitância e não-concomitância, ele marca os estados e
transformações, que podem ser expressos pelos verbos, no enunciado.
O excerto seguinte é do jornal Le Monde de 15 de março de 2006. Nele é
possível exemplificar o que acabamos de teorizar:
“Le président Jacques Chirac a salué, mercredi 15 mars en conseil des
ministres, la volonté du premier ministre, Dominique de Villepin, ‘d'engager
le dialogue social, d'améliorer ce qui peut l'être’ dans le contrat première
embauche, a rapporté, en fin de matinée, le ministre des PME (petites et
moyennes entreprises), Renaud Dutreil”.
O momento da enunciação pode ser a data do jornal, 15 de março, mas a
notícia não é concomitante a esse momento, ela lhe é anterior, como mostra o marco
temporal “mercredi 15 mars”. O momento da referência é, então, “mercredi 15 mars” e
o momento do acontecimento “a salué” é concomitante a ele.
Vejamos o sistema temporal criado por Fiorin para organizar os momentos
de referência e de acontecimento, em relação ao momento da enunciação:
ME (presente implícito)
Sistema enunciativo Sistema enuncivo concomitância não-concomitância MR presente
anterioridade posterioridade
concomitância não-concomitância MR pretérito MR futuro MA presente
Ant. post. Concomit. não-conc. Conc. não-conc. MA pretérito MA futuro
Ant. post. ant. post. MA pret. MA fut. MA pret. MA fut.
35
Essas formas verbais, quando projetadas no enunciado, como vemos a
seguir, resultam em debreagens temporais, que podem ser enunciativas ou enuncivas,
dependendo do sistema temporal utilizado.
Debreagens
A debreagem, enunciva ou enunciativa, na sintaxe discursiva do texto, é um
mecanismo de instauração de pessoa, tempo e espaço no discurso. “Debreagem é a
operação em que a instância da enunciação disjunge de si e projeta fora de si, no
momento da discursivização, certos termos ligados a sua estrutura de base, com vistas à
constituição dos elementos fundadores do enunciado, isto é, pessoa, espaço e tempo”
(Fiorin:2001:43). O eu/aqui/agora inscritos no enunciado não são realmente a pessoa, o
espaço e o tempo da enunciação, mas suas projeções. Como diz Benveniste, “a
enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de
utilização” (1988).
A debreagem, de acordo com a relação existente com a enunciação, como
foi dito, pode ser enunciativa ou enunciva. Na debreagem enunciativa, os actantes
(pessoas), espaço e tempo da enunciação, isto é, o eu, o aqui e o agora são instaurados
no enunciado. Para exemplificar, tomemos um exemplo da literatura francesa, visto que
se trata da língua em questão nesta pesquisa:
“Parfois j´ai l´impression d´avoir des secrets. Ce ne sont pas des secrets
puisque je n´ai pas envie d´en parler et aussi bien ces choses-là ne peuvent
pas se dire à personne, trop bizarre.”
(ERNEAUX, Annie. Ce qu´ils disent ou rien)
Nesse exemplo, os verbos, no tempo presente, e o pronome em primeira
pessoa, estão instalados na enunciação, isso quer dizer que, no excerto, o tempo e os
actantes são debreados enunciativamente, no ego e no nunc. A debreagem actancial
enunciativa é rara no discurso jornalístico, pois não condiz com sua cena genérica de
objetividade; essa debreagem pode ser encontrada no discurso direto, isto é, quando,
numa debreagem de segundo grau, o sujeito da enunciação do jornal passa a fala a um
outro sujeito, como vemos no excerto de Le Monde de 01 de março de 2006:
36
“Saddam Hussein a également justifié les condamnations à mort
prononcées contre les auteurs de l'attentat qui le visait. ‘J'ai vu passer les
balles devant mes yeux. J'étais dans la voiture derrière le chauffeur. Il y
avait un ami à mes côtés et un garde du corps près du chauffeur. C'est
Dieu qui a voulu sauver la voiture même si des balles l'ont touchée’, a-t-il
expliqué. ‘Ces personnes ont commis un crime contre le chef de l'Etat et,
quel que soit son nom, c'est le chef de l'Etat. Alors jugez le président mais
laissez les autres tranquilles’, a-t-il ajouté faisant allusion à ses sept
coaccusés. ‘Si vous pensez que le CCR a eu tort de confisquer les terres
alors jugez-moi, car le chef du CCR est entre vos mains’, a-t-il encore dit.
‘Saddam n'a peur de personne excepté Dieu. Même quand j'étais écolier je
n'avais peur de personne. Nous avons voué notre vie à Dieu et il a voulu
que nous soyons encore vivants. Je m'inquiète seulement de la réputation
de l'Irak’, a-t-il finalement lancé”.
Nesse trecho, toda parte em itálico e entre aspas é fala não do sujeito da
enunciação do jornal, mas sim de Saddam Hussein. Trata-se de um trecho debreado
enunciativamente, tanto actorial quanto temporalmente, como vemos no uso da
primeira pessoa “je” e dos tempos verbais “présent” (est, pensez, a, m'inquiète) e
“passé composé” (J'ai vu, ont commis, il a voulu etc).
Na debreagem enunciativa de segundo grau, um sujeito debreado realiza a
segunda debreagem, criando efeito de realidade, pois é como se as palavras saíssem da
própria boca desse sujeito, diminuindo também a responsabilidade do ator da
enunciação sobre o enunciado.
“Eh bien, madame la marquise, dit le vieillard, avez-vous un peu songé à la
masse des souffrances humaines? Avez-vous élevé les yeux vers le ciel?
Avez-vous vu cette immensité de mondes qui, en diminuant notre
importance, en écrasant nos vanités, amoindrit nos douleurs?...
- Non, monsieur, dit-elle. Les lois sociales me pèsent trop sur le cœur et
me déchirent trop vivement pour que je puisse m´élever dans les usages
du monde. Oh! Le monde!
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- Nous devons, madame, obéir aux uns et aux autres: la loi est la parole, et
les usages sont les actions de la société.”
(BALZAC, Honoré de. La femme de trente ans)
Com exceção do primeiro parágrafo, em que há uso do passé composé, o
excerto é predominantemente enuncivo, com as confissões de Julie que, aos trinta anos,
está frustrada por ter de renunciar ao sonho de viver uma grande paixão e confia a um
padre os seus sentimentos de revolta contra as leis dos homens e dos céus. Balzac, por
meio da debreagem enunciativa de primeiro grau, coloca as palavras na boca de Julie,
assim como na do padre; dessa forma, a revolta em relação às normas impostas pela
sociedade parte do ator do enunciado e não do ator da enunciação.
A debreagem enunciva refere-se ao ele no tempo do então e no espaço do
alhures, distanciando-se do momento da enunciação. Para ilustrar essa debreagem,
vejamos um excerto do jornal Le Monde de 13 de março de 2006 e um poema de René
Char, poeta simbolista da “Libertação”, movimento contra a ocupação alemã na França:
“Originaire de la province afghane de Khost, Mohammed Gul était paysan
et propriétaire d'une station-service en Afghanistan. Auparavant, il a vécu
en Arabie saoudite. Les Américains le soupçonnent d'avoir entretenu des
liens étroits avec les talibans. Il explique que, en Arabie saoudite, il était
chauffeur livreur et qu'il a été arrêté chez lui uniquement parce qu'il
possédait un kalachnikov, comme beaucoup de fermiers : ‘Je suis pauvre,
je n'ai qu'un petit lopin de terre. (...) Je ne veux pas rester ici une minute de
plus’ ”.
Nesse excerto, como sói acontecer, a debreagem é mixta, encontramos
pessoas e tempos tanto do sistema enunciativo quanto do enuncivo. Quando o ator do
enunciado, Mohamed Gul, é apresentado, a debreagem temporal e actancial é enunciva:
usa-se a terceira pessoa e o imparfait: “Mohammed Gul était paysan”, “il était
chauffeur livreur e “il possédait un kalachnikov”.
“Mourir, ce n´est jamais que contraindre sa conscience, au moment même
où elle s´abolit, à prendre congé de quelques quartiers physiques actifs ou
somnolents d´un corps qui nous fut passablement étranger puisque sa
connaissance ne nous vint qu´au travers d´expédients mesquins et
38
sporadiques. Gros bourg sans grâce au brouhaha duquel s´employaient
des habitants modérés... Et au-dessus de cet atroce hermétisme s´élançait
une colonne d´ombre à face voûtée, endolorie et à demi-aveugle, de loin
en loin – ô bonheur – scalpée par la foudre”
(René Char, Fureur et mystère)
O poema fala da morte, um actante fora da enunciação, logo, a debreagem
actancial é enunciva, assim como a debreagem temporal, que se refere ao tempo do
então, com o uso do passé simple (abolit, fut, vint), tempo enuncivo por excelência.
Nesse poema, vemos o pronome pessoal de primeira pessoa do plural nous,
marco de debreagem actancial enunciativa, porém, esse pronome não está ligado à
enunciação, trata-se de um dativo ético, isto é, um pronome cujo uso visa a inserir o
enunciatário no enunciado; no dativo ético, “o alocutário individualizado se encontra
integrado no enunciado a titulo de testemunha fictícia, mas sem interpretar qualquer
papel no processo, sua supressão não alteraria em nada o enunciado no nível do
conteúdo” (Maingueneau,1999:25). O dativo ético empregado na primeira pessoa pode
criar efeito de proximidade entre o enunciador e o enunciatário.
Como vimos, a debreagem, quando enunciva, cria simulacro de
objetividade, por usar tempos e pessoas do sistema enuncivo; fazer uso do
ele/alhures/então confere um caráter mais objetivo, idôneo e menos questionável ao
discurso. Por outro lado, a debreagem enunciativa cria simulacro de subjetividade, pois
a primeira pessoa, assim como tempos e espaços enunciativos, são inseridos no
discurso, conferindo-lhe um caráter subjetivo, intimista e pessoal, o que pode, por
vezes, até mesmo diminuir a credibilidade do enunciado, como se tratasse apenas da
opinião ou ponto de vista do enunciado, mas não dos fatos como aconteceram (não
falamos aqui do discurso direto, esse é um outro caso, que trataremos adiante).
Analisemos, agora, a organização temporal do verbo em francês, de acordo
com as categorias enunciativas e enuncivas do tempo, divididas em sistemas e
subsistemas.
39
No sistema enunciativo dos verbos em língua francesa, encontramos os
tempos présent (concomitante ao momento de referência), passé composé (anterior ao
momento de referência) e futur simple (posterior ao momento de referência).
No sistema enuncivo, temos os tempos dos momentos de referência pretérito
e futuro, sendo que o primeiro é constituído, na concomitância, pelo tempo passé simple
e, na não-concomitância, pelo plus-que-parfait e passé antérieur, no que concerne à
anterioridade e pelo futur du passé (ou conditionnel présent) e futur antérieur du passé
(ou conditionnel passé) no que concerne à posterioridade. Sendo que, no MR pretérito,
ainda existe um caso especial, passé surcomposé, um tempo verbal bastante raro hoje
em dia.
Seguindo o modelo de Fiorin, podemos organizar o sistema verbal
enunciativo da língua francesa da seguinte maneira:
Concentramo-nos nos tempos verbais do modo indicativo. Eles são
abordados de acordo com os três momentos de referência: presente, passado e futuro. O
momento de referência presente é aquele em que os tempos verbais estão diretamente
relacionados com o momento da enunciação, ou seja, aqueles que fazem parte do
sistema enunciativo: présent, passé composé e futur simple. Estudemos, então,
baseados na proposta de Fiorin (2001), os tempos segundo as categorias de
concomitância e não-concomitância. Em um primeiro momento, fazemos uma
apresentação e definição dos tempos verbais na língua francesa sem, adentrar, ainda, nas
questões mais problemáticas que a eles se referem.
MR presente
concomitância não-concomitância
anterioridade posterioridade présent (MA)
passé composé (MA) futur simple (MA)
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O sistema enunciativo
“Le présent est proprement la source du temps”
Émile Benveniste
Concomitância
No tempo presente, deve haver uma coincidência entre os momentos da
enunciação (ME), de referência (MR) e do acontecimento (MA). Porém, ele pode ser
investido de valores diferentes.
Basicamente, o presente pode expressar três valores, isto é, três tipos de
relações entre o momento da enunciação (ME) e o de referência (MR):
1) genérico: em que o presente marca um tempo que não pode se opor a um
passado ou a um futuro, já que os momentos de referência e do acontecimento são
ilimitados, isto é, trata-se de um presente omnitemporal e gnômico. São exemplos disso
os provérbios, ditados, verdades absolutas, teoremas, isto é, “é a forma mais utilizada
pela ciência, pela religião e pela sabedoria popular” (FIORIN:2001:151). O presente
chamado gnômico é normalmente encontrado, por exemplo, em:
a) provérbios:
“Amour, toux, fumée et grossesse ne se peuvent pas cacher longtemps”.
“L´ignorance est mère de tous les maux”.
b) definições:
“Le carré est un quadrilatère plan dont les quatres côtés ont le même
longueur et dont les angles sont droits”.
“L´eau bout à la température de 100°C, sous la pression de l´atmosphère, et
se solidifie à 0°C”.
c) descrições de estados ditos imutáveis:
“Le Québec est un pays d´eau, il a un million de lacs et de rivières et il est
traversé, sur une distance de près de 1,2 kilomètres, par le fleuve Saint-Laurent”.
41
2) pontual: Quando há coincidência entre o momento da enunciação e o
momento de referência.
“Des détenus signent une pétition pour le rétablissement de la peine de
mort en France” (Le monde, 25/janeiro/2006).
“L'Elysée souhaite la suppression de l'article sur le "rôle positif" de la
colonisation” (Le monde, 25/janeiro/2006).
Os verbos em itálico, signer e souhaiter, no tempo présent, são exemplos
desse presente pontual, pois os acontecimentos do momento de referência, assinar e
desejar, são concomitantes ao momento da enunciação, isto é, à data da publicação do
jornal, 25 de janeiro de 2006.
3) durativo: “quando o momento de referência é mais longo que o momento
da enunciação” (Fiorin, 2001:149). A duração de que se fala pode ser contínua ou
descontínua, o primeiro caso diz respeito ao presente iterativo e o segundo, ao presente
de continuidade:
Au lieu d'un discours-programme comme le veut la tradition, Benoît XVI
propose plutôt une méditation, de haute volée philosophique, sur le thème
de l'amour humain (Le monde, 27/janeiro/2006).
Nesse exemplo de presente de continuidade, o verbo querer (“veut”) marca
um momento de referência não determinado, mas representado pela tradição; o
momento do acontecimento, expresso pelo verbo propor (“propose”), em algum ponto, é
concomitante à continuidade do momento de referência, que coincide com o momento
da enunciação.
Vejamos o próximo exemplo, do jornal Le monde de 15 de março de 2006:
“Je passe mon temps à faire le tampon, l'intermédiaire. On est souvent
sollicité par le salarié pour rappeler la loi à l'employeur, on fait du conseil.
Le non-respect de la réglementation est très important dans les petites
entreprises, soit par ignorance, soit par refus conscient. Dans ce cas, c'est
souvent houleux, le ton monte vite, et je me fais accuser de vouloir couler
la boîte”
O momento da referência não é explícito, porém, sabemos que ele se repete
freqüentemente, devido ao uso do advérbio “souvent”. O momento do acontecimento é
42
expresso pelo verbo “solliciter”: “On est souvent sollicité par le salarié”; esse momento
é concomitante ao momento da referência que se repete. Temos, assim, um exemplo de
presente iterativo.
Em francês, para exprimir a coincidência entre o momento do
acontecimento e o momento da enunciação, é possível dizer:
“Je lis le journal” ou
“Je suis en train de lire le journal”
Em português há uma distinção bastante acentuada entre os verbos do tempo
presente “Eu leio” e “Eu estou lendo”. O primeiro mostra um aspecto pontual ou um
hábito, como em “Eu leio esse jornal todos os domingos”, o segundo é o presente
contínuo e demonstra o aspecto durativo, se alguém telefona para outra pessoa e
pergunta “O que você está fazendo?”, a resposta pode ser “Estou lendo o jornal”,
mostrando uma ação contínua. Entretanto, em francês, o présent continu “Je suis en
train de lire le journal” tem um valor bastante semelhante à frase “Je lis le journal”,
ambos podem estar expressando uma ação em seu desenrolar, o primeiro exemplo
insiste mais explicitamente no desenvolvimento da ação.
Não-concomitância: anterioridade
Passé composé
Em francês, passé composé expressa anterioridade ao momento de
referência presente. Esse tempo é usado tanto na língua oral quanto na escrita,
relacionando-se sempre à instância da enunciação.
“Un soir, nous sommes allés applaudir Georges Ulmer qui chantait au
Sporting. Cela se passait, je crois, au début de juillet, et je devais habiter
avec Yvonne depuis cinq ou six jours. Meinthe nous accompagnait. Ulmer
portait un costume bleu clair et très crémeux sur lequel mon regard
s´engluait. Ce bleu velouté avait un pouvoir hypnotique puisque j ´ai failli
m´endormir, en le fixant.
Meinthe nous a proposé de boire un verre”.
(Patrick Modiano, Villa Triste)
43
O momento de referência é expresso pelo marcador temporal “un soir”, que
marca a ação pontual, expressa pelo passé composé, de ir aplaudir o cantor e também a
descrição do ambiente, expressa pelo uso do imparfait. A relação de concomitância
entre esse momento de referência e o momento da enunciação está expressa no verbo
“croire” no tempo présent (je crois), que traduz as lembranças e impressões do narrador.
O passé composé é cada vez mais usado na linguagem escrita e isso é
evidenciado no jornal Le Monde, em que o uso desse tempo verbal vem dominando,
chegando, muitas vezes, a substituir o passé simple. Vejamos um exemplo:
"’2000, année magique ! J'ai eu 18 ans au mois de mai, mon bac en juin,
mon permis en août, et un contrat chez Sony en novembre.’ Depuis, Lorie
est devenue chef d'entreprise. En cinq ans, elle a vendu près de 800 000
DVD, 3,5 millions de singles, autant d'albums. Rester la même, sorti en
octobre 2005, est déjà disque de platine (500 000 exemplaires vendus).
Elle a publié deux livres, Mes Secrets et Ma Tournée (370 000 exemplaires
pour les deux)” (13/março/2006).
Tanto na debreagem de segundo grau, como na voz do sujeito da
enunciação, o passé composé é utilizado. Os momentos do acontecimento são expressos
pelo verbo avoir: j´ai eu e denotam os fatos de ter feito 18 anos, ter entrado na
faculdade, ter tirado a carteira de habilitação e ter conseguido um contrato com a Sony;
esses momentos do acontecimento são concomitantes, respectivamente, aos momentos
de referência, mês de maio, junho, agosto e novembro de 2000. Dessa forma, o passé
composé foi usado para marcar a concomitância ao MR pretérito, no lugar do passé
simple, esse tipo de uso está cada vez mais freqüente e o encontramos em Le Monde a
todo momento.
Não-concomitância: posterioridade
Futur simple
O futur simple marca o momento do acontecimento posterior ao momento
de referência presente, expressando a posterioridade da concomitância, como na
previsão do banqueiro Phillipe Dupont:
44
“La pertinence de notre projet emportera la conviction de chacun. Il est
créateur de valeur pour nos entreprises et pour le pays. On reproche aux
banques coopératives de ne pas être manoeuvrantes, nous démontrons le
contraire !” (Le Monde, 13/março/2006).
O sistema enuncivo
Vejamos, agora, os tempos verbais franceses do sistema enuncivo, isto é,
aqueles que não estão relacionados ao momento da enunciação, tendo por momentos de
referência o passado e o futuro.
O momento de referência pretérito
MR pretérito
concomitância não-concomitância
acabado inacabado anterioridade posterioridade pontual durativo dinâmico estático plus-que-parfait limitado não-limitado passé antérieur perfectivo imperfectivo passé surcomposé conditionnel conditionnel passé imparfait (MA) présent passé simple (MA) (MA) (MA) (MA)
45
Concomitância
A concomitância entre o momento de acontecimento e o momento de
referência pretérito pode ser expresso, em francês, pelo passé simple ou pelo imparfait.
A diferença entre eles consiste em seus valores aspectuais:
- O passé simple marca o aspecto acabado, pontual, dinâmico e limitado;
- O imparfait marca o aspecto inacabado, durativo, estático e ilimitado.
Se compararmos as seguintes frases:
En 1608, Samuel de Champlain fonda la ville de Québec.
En 1608, Samuel de Champlain fondait la ville de Québec.
As duas formas verbais de “fonder”: o passé simple “fonda” e o imparfait
“fondait” demarcam a concomitância do momento do acontecimento “fundar” em
relação ao momento da enunciação expresso pelo marco temporal “en 1608”. A
diferença aspectual consiste no fato de que, na primeira frase, a ação expressa no verbo
“fonder” é vista como acabada e pontual, ou seja, como um ponto na continuidade do
momento de referência, enquanto, na segunda frase, essa mesma ação tem aspecto
durativo, denotando uma continuidade no momento de referência.
Passé simple
Diferentemente do passé composé, que indica anterioridade do momento do
acontecimento ao momento de referência presente, o passé simple representa uma
concomitância a um momento de referência passado. Em geral, a ação expressa pelo
passé simple é pontual no passado e pode, ou não, apresentar um marco temporal
explícito. O acontecimento expresso por esse tempo, não tem qualquer relação com o
momento da enunciação.
Hudson Lowe naquit à Galway (Irlande) le 28 juillet 1769, quelques jours
seulement avant Napoléon (Roquefort, Napoléon prisonnier vu par les
Anglais).
Damien Seguin pour se faire admettre dans le milieu de la course au large,
lui qui naquit sans main gauche il y a 26 ans (Le Monde 8/abril/2206).
46
São poucas as ocorrências de passé simple, se compararmos ao passé
composé, porém esse tempo verbal ainda aparece em Le Monde, figurando, sobretudo,
no verbo “être”:
“Un autre étudiant - Tangui Le Bolloc'h, en l'occurrence - fut finalement
désigné par le collectif pour parler à la télévision” (23/março/2006)
Imparfait
O imparfait também expressa essa concomitância com o momento de
referência passado, entretanto, enquanto o passé composé indica um aspecto perfetivo,
acabado e limitado, o imparfait indica um aspecto imperfectivo, inacabado, durativo e
não-limitado.
As situações mais comuns em que se usa o imparfait são as indicações da
existência ou da repetição de um acontecimento, assim como as descrições, no passado,
em contextos hipotéticos, para fazer sugestões e proposições, muitas vezes
acompanhado da construção “comme si”. No exemplo do autor de Petit Prince, o
imperfeito mostra a duração contínua expressa nos verbos “lutter” e “durer” em um
momento pretérito:
Les courriers quelque part luttaient. Le vol de nuit durait comme une
maladie: il fallait veiller.
(Antoine Saint- Exupéry, Vol de nuit)
Esse excerto descreve a situação vivida pelos mensageiros: eles lutavam e
velavam. O vôo noturno também é descrito, metaforicamente, por meio do imparfait:
durava como um doente.
Prévert usa o imparfait para descrever o Rei Sol e o ambiente em que esse
se encontrava quando morreu. Quando fala dos acontecimentos pontuais na cena
descrita, ele usa o passé simple:
“Louis XIV qu´on apppelait aussi le Roi Soleil
Était souvent assis sur une chaise percée
Vers la fin de son règne
Une nuit où il faisait très sombre
Le Roi Soleil se leva de son lit
47
Alla s´asseoir sur sa chaise
Et disparut”
(Jacques Prévert, L´éclipse, Paroles)
No excerto de Le Monde, os verbos “reprocher” e “mettre” empregados no
imparfait mostram a concomitância, durativa e ilimitada, ao momento da referência
pretérito, que não é precisamente explicitado, mas que sabemos ser o momento em que
Nietzsche e Marx “nutriram o anti-cristianismo moderno e estão na origem da crise da
fé” por meio de suas obras:
“Le pape réfute les thèses de deux philosophes – deux Allemands comme
lui – qui ont nourri l'antichristianisme moderne et sont à l'origine de la crise de la foi:
Nietzsche (1844-1900) qui, dans Par-delà le bien et le mal, reprochait au christianisme
d'avoir ‘empoisonné l'éros’. Et Marx (1818-1883) qui mettait en cause la ‘charité’ de
l'Eglise historiquement coupable, à ses yeux, d'avoir ‘soustrait les riches à leur devoir
de justice et laissé leur conscience en paix’” (27/janeiro/2006).
Não-concomitância: anterioridade
A não-concomitância entre o momento de acontecimento e o momento de
referência pretérito pode ser expresso, na anterioridade, pelos tempos verbais plus-que-
parfait, passé antérieur ou passé surcomposé.
Plus-que-parfait
O plus-que-parfait indica a anterioridade ao momento de referência passado,
ou seja, um acontecimento passado que acontece antes de outro acontecimento também
pretérito.
No trecho abaixo, de Le Monde, o momento da referência pretérito é o
marcador temporal enuncivo “à l´époque”, concomitante a esse marcador é o momento
do acontecimento, isto é, o processo de ter recebido correspondências ameaçadoras
pelo Fronte popular, representado pelo verbo “recevoir” (“avaient reçu”):
“A l'époque, cinq personnes - les PDG de Rolex et de Reebok France,
deux responsables de Whirlpool et un commerçant - avaient reçu un
courrier de menaces signé du Front populaire de la libération de la
Palestine (FPLP), réclamant le paiement d'une somme qui s'élevait entre
48
30 000 (25 264 euros) et 500 000 dollars (421 088 euros), précisent
plusieurs sources policières” (28/fevereiro/2006).
Romain Rolland (1866-1944), escreveu peças dramáticas cujos personagens
eram revolucionários; de 1903 a 1912, ele se dedicou a sua obra principal, Jean-
Cristophe, de dez volumes. No trecho abaixo, Jean-Cristophe, com sua roupa de
domingo, é levado pela sua mãe, Luísa, a uma casa rica onde trabalha. Os filhos ricos da
patroa de sua mãe o atormentaram, humilharam, rasgaram sua roupa, até que Jean-
Cristophe não agüentou mais e revidou:
“La dame fondit sur lui. Il se sentit frappé. Il entendit qu´elle lui parlait d´une
voix furieuse, avec un flot de paroles; mais il ne distinguait rien. Ses deux
petits ennemis étaient revenus pour assister à sa honte, et piaillaient à tue-
tête. Des domestiques étaient là: c´était une confusion de voix. Pour
achever de l´acclaber, Louisa, qu´on avait appelée, parut; et, au lieu de le
défendre, elle commença par le claquer, elle aussi, avant de rien savoir, et
voulut qu´il demanda pardon. Il s´y refusa avec rage. Elle le secoua plus
fort et le traîna par la main vers la dame et les enfants, pour qu´il se mît à
genoux. Mais il trépigna, hurla, et mordit la main de sa mère.”
(Jean-Cristophe. L´aube, Romain Rolland)
Na descrição de um fato acabado em um momento de passado e sem vínculo
com a enunciação, o texto de Romain Rolland usa o passé simple. Nos momentos em
que a ação era ainda anterior a esses acontecimentos, o tempo usado é o plus-que-
parfait, por exemplo, a ação de chamarem Luíza foi anterior à sua aparição: Louisa
qu´on avait appelée (ação 1), parut (ação 2).
Passé antérieur
O passé antérieur expressa um fato pontual que precedeu um fato passado.
Sua função é bastante semelhante à função do plus-que-parfait, porém, assim como o
passé simple, é um tempo pouco utilizado e preponderantemente relacionado ao
enunciado. Ele é empregado em orações subordinadas temporais depois de uma
conjunção ou locução conjuntiva como lorsque, dès que, aussitôt que, quand, après que.
O passé antérieur é obrigatoriamente empregado em relação ao passé simple.
Ex.: Dès qu´elle eut remis son rapport, elle se sentit en vacances.
49
Não-concomitância: posterioridade
Conditionnel présent
O futur du passé ou conditionnel présent indica um momento do
acontecimento posterior ao momento da referência passado. Segundo Maingueneau
(1997:108), esse tempo pode sugerir: um universo lúdico, um mundo sonhado, uma
hipótese, uma possibilidade imaginada ou um desejo. Ou seja, os enunciados são
ligados a processos não-realizados, como neste exemplo, em que o Pequeno Príncipe
que, ao contemplar um botão, sentia que dele sairia algo miraculoso:
“Le petit prince, qui assistait à l´instalation d´un bouton énorme, sentait
bien qu´il en sortirait une apparition miraculeuse, mais la fleur n´en finissait
pas de se préparer à être belle”
(Saint-Exupéry, Le petit prince)
O próximo exemplo é de Le Monde e vemos que, em relação ao momento
da enunciação “23 de março de 2006”, o momento do acontecimento “não dever
atardar” é posterior ao momento de referência pretérito “2000”.
”Sans grande illusion, chefs d'Etat et de gouvernement ne devraient pas
s'attarder sur le vaste programme de réformes amorcé à Lisbonne en
2000” (23/março/2006).
Conditionnel passé
O futur antérieur du passé ou conditionnel passé indica que um
acontecimento foi terminado antes de um outro acontecimento expresso no conditionnel
présent. Para o uso desse pretérito, como diz Fiorin, ao explicar o futuro pretérito
composto, em português, “levam-se em conta dois momentos de referência: ele é
posterior a um e anterior a outro” (Fiorin, 2001:160). Neste trecho de Houellebecq, há
dois momentos de referência: aquilo que o narrador imagina e a hipótese de um
encontro. A troca intelectual é posterior ao primeiro e anterior ao segundo:
“Dans l´hypothèse d´une rencontre j´imagine que l´échange intellectuel
aurait été courtois, mais d´un niveau élevé”.
50
(Michel Houellebecq, Extension du domaine de la lutte)
Ao falar desse tempo verbal, não podemos esquecer de mencionar o seu uso
mais difundido na mídia, seja impressa ou não, ou seja, do seu uso eufemístico, em que
ameniza o impacto e incisão de outro tempo verbal. No exemplo de Le Monde,
encontramos essa forma muito utilizada de se apresentar o conditionnel passé,
principalmente, na imprensa, quando se deve diminuir a responsabilidade pelo dito.
Esse uso, que ainda veremos novamente em outro capítulo, trata-se da neutralização de
um tempo verbal por outro, isto é, de uma embreagem temporal. Aqui, o conditionnel
passé está sendo usado no lugar do passé simple. No exemplo seguinte, também há dois
momentos de referência: “15 novembre 2005” e “depuis 1996”; as 12.856 mortes são,
entretanto, concomitantes ao primeiro e posteriores ao segundo. Como já vimos, o
tempo que marca a concomitância ao momento da referência pretérito é o passé simple.
Vejamos:
“La guérilla maoïste a célébré, le 13 février, son dixième anniversaire. Pris
dans la tourmente d'une guerre qui, au 15 novembre 2005, aurait fait 12
856 morts depuis 1996, selon une étude (à paraître) réalisée par une ONG
locale, les Népalais ne savent plus où chercher refuge” (18 de fevereiro de
2006)
Momento de referência futuro
MR futuro
concomitância não-concomitância
présent du futur (MA) anterioridade posterioridade
futur antérieur futur du futur
(MA) (MA)
51
Concomitância
A relação de concomitância entre o momento do acontecimento e o
momento de referência futuro em francês, assim como em português, não tem uma
forma específica. A idéia de concomitância ao MR é expressa por meio de advérbios,
preposições e conjunções.
Présent du futur: Dès qu´il sera parti,
vous comprendrez tout.
Em Le Monde, vejamos um exemplo em que dois verbos conjugados no
futur simple são coordenados entre si:
“Si la CDC décide de sortir de notre capital, elle réalisera des plus-values
qui remonteront à l´État. Notre projet pourrait donc être, pour elle,
l´opportunité d´assurer la liquidité de sa participation dans la Caisse
nationale des Caisses d´épargne” (13/março/2006).
Nesse exemplo, o momento da referência “si la CDC décide de sortir de
notre capital” está marcado por um verbo no presente (“décide”), entretanto tem o valor
de um futuro hipotético. Concomitante a esse MR, está o momento do acontecimento
marcado pelo futur simple: “elle réalisera des plus-values”. O momento do
acontecimento seguinte (“remonteront à l´État”) apresenta um segundo futur simple,
que expressa concomitância ao primeiro por meio do pronome relativo “qui”.
Não-concomitância: anterioridade
Para marcar a relação de anterioridade entre um momento de referência
futuro e um momento do acontecimento, o francês tem o tempo verbal futur antérieur.
Esse tempo verbal indica, como mostra Grevisse, um fato futuro
considerado terminado, seja em relação a um outro fato futuro, seja em relação a um
ponto de referência pertencente ao futuro e explicitado por um complemento de tempo
(1997:1259).
Em geral, esse tempo exprime um fato futuro inevitável:
Quand il sera arrivé, vous lui parlerez.
Ou um fato passado hipotético:
52
S´il sera arrivé, vous lui parlerez.
No excerto de Le Monde, o momento de referência futuro é “introduire une
page de Bach”, em relação a ela o momento do acontecimento “aura constitué une
résonance actuelle” é anterior:
“Sous cette formule biscornue, au moins d´un point de vue acoustique, il
faut attendre la double fonction dévolue à l´oeuvre nouvelle: introduire une
page de Bach dont elle aura constitué une résonance actuelle”
(13/março/2006)
Não-concomitância: posterioridade
Assim como no presente do futuro, no futuro do futuro, as idéias de
concomitância e de posterioridade ao MR podem ser expressas por meio do futur simple
junto a advérbios, preposições e conjunções. Nesse caso, um futuro está relacionado a
outro futuro ou ao presente do subjuntivo em orações temporais. Trata-se, então, de dois
futur simple correlacionados e cuja relação de posterioridade é marcada por um
advérbio tal como “puis, aprés, donc, alors” ou, ainda, por toda uma oração ou
expressão que tenha o valor de um advérbio indicador de posterioridade:
Je travaillerai puis je sortirai.
Vejamos um exemplo em Le Monde :
Mardi 28 février, les chercheurs seront de nouveau dans la rue. A l'appel
d'une quinzaine d'organisations syndicales et du collectif Sauvons la
recherche!, ils tenteront d'arracher ‘un autre projet de loi’.
(28/fevereiro/2006)
O momento de referência é “mardi 28 février” e, concomitante a ele, temos
o primeiro momento do acontecimento: “les chercheurs seront de nouveau dans la rue”.
Em uma relação de posterioridade a esse primeiro momento, temos o segundo: “ils
tenteront d'arracher ‘un autre projet de loi’ ”. Esses dois momentos são relacionados por
meio da oração subordinada “A l'appel d'une quinzaine d'organisations syndicales et du
collectif Sauvons la recherche!”.
53
Advérbios
Às vezes, somente a noção temporal expressa no verbo não é suficiente,
proporcionando informações imprecisas; a partir do verbo, somente é possível
reconhecer se a ação já terminou ou se está em curso. Para precisar o processo e as
nuances recorre-se a recursos lingüísticos indicadores de tempo, tais como os advérbios
e locuções adverbiais. Esses marcadores podem indicar:
- em que momento a ação aconteceu, acontece ou acontecerá;
- a duração do processo;
- a freqüência do processo;
- um limite ou ponto de partida relativo ao processo.
Se tomarmos o verbo “voyager” no tempo presente, “Je voyage”, temos o
morfema modo-temporal que indica tratar-se da concomitância ao momento da
enunciação, porém, a informação é incompleta, há necessidade de precisa-la; para isso
pode-se fazer uso dos advérbios de tempo, por exemplo:
Je voyage aujourd´hui.
Je voyage demain.
Je voyage depuis 30 jours.
Je voyage tous les week-ends.
Segundo Paul Imbs, há dois tipos de determinação temporal: a determinação
interna, expressa pelo próprio verbo, por meio de seus morfemas, e a determinação
externa, expressa por indicadores de ordem lexical, como os advérbios e locuções
adverbiais. Os diferentes valores verbais são dados pela combinação desses dois tipos
(1960:12).
Assim como vimos nos tempos verbais, os advérbios também são
articulados no sistema enunciativo, quando os momentos de acontecimento e
enunciação coincidem, e no sistema enuncivo, quando não existe tal coincidência e o
momento de referência é inscrito no enunciado. A cada momento de referência também
são aplicadas as categorias topológicas de concomitância e não-concomitância
(posterioridade e posterioridade).
54
Com base nas Astúcias da enunciação de José Luiz Fiorin (2001), vejamos
como os advérbios são organizados nos sistemas enuncivo e enunciativo na língua
francesa.
Sistema enunciativo
Para expressar a concomitância ao momento da enunciação, os advérbios
empregados são:
- en ce moment;
"En ce moment, je n'ai pas d'indice de violation de la libre circulation des
capitaux", a toutefois précisé le porte-parole” (Le Monde,
27/fevereiro/2006)
- maintenant;
- actuellement;
- tout à l’heure;
- tout de suite;
- aujourd’hui;
- adjetivo demonstrativo + dias da semana, meses, estações do ano (cette
semaine, ce samedi, cet été, ce mois-ci);
“Ce week-end, l'AFP a diffusé deux clichés du "cerveau" des barbares :
elles le montrent menotté, certes, mais souriant, presque narquois, assis
dans un bureau encombré de dossiers aux côtés d'une jeune femme” (Le
Monde, 27/fevereiro/2006)
- preposição (à, au, à l´, aux, en) + adjetivo demonstrativo + substantivo
designador de divisão temporal + hífen + ci (à cette heure-ci) ou sem
preposição (ce mois-ci).
55
Em francês, existe o termo “ci”, que se acrescenta a uma expressão,
geralmente acompanhada do adjetivo demonstrativo, indicando proximidade espacial e
temporal em relação ao momento da enunciação; opondo-se ao “ci” existe o “là” , que,
por sua vez, indica o afastamento do momento da enunciação:
Cette semaine-ci, je vais au cinéma.
Cette semaine-là, je suis allée au cinéma.
Para expressar a não-concomitância/anterioridade, emprega-se:
- hier;
- avant-hier;
- récemment;
- dernièrement;
- artigo + substantivo que expresse noção de tempo + passe(é),
dernier(ère), précédent(e) (ex: la semaine passée, l´année dernière, le
mois précédent):
“La semaine passée, ils sont venus de quatre directions différentes vers 20
heures et, pendant dix minutes, ils ont tiré sans interruption. C'était un
tonnerre continu, nous étions terrifiés", raconte Suresh, un instituteur (Le
monde 18/fevereiro/2006)
- l’autre jour;
- il y a + numeral cardinal ou pronome adjetivo indefinido + substantivo
que expresse noção de tempo (ex: il y a 3 ans, 5 mois, 4 semaines, 10
jours; il y a quelques mois, longtemps, quelque temps ):“Un BTS de production animale en poche, ce grand barbu de 1,96 m s'était
lancé il y a deux ans sur le marché du travail” (Le monde
18/fevereiro/2006)
Para expressar a não-concomitância/posterioridade, emprega-se:
- demain
- après-demain
- prochainement
- au futur
56
- dans un futur proche
- artigo definido + substantivo que expresse noção de tempo +
prochain(e) (ex: la semaine prochaine, le mois prochain, l´année
prochaine)
- adjetivo demonstrativo + substantivo que expresse noção de tempo (ex:
ce samedi, ce mois, cette année)
Em francês, ao utilizar um dia da semana como marco temporal, existe uma
nuance entre o uso ou não do artigo definido. Quando se quer expressar um hábito, usa-
se o artigo, mas quando a intenção é indicar simplesmente uma data, um ponto
específico, o artigo não é utilizado. Por exemplo:
Le samedi on se rencontre au cinéma.
ou
Samedi on se rencontre au cinéma.
O sentido na primeira frase é que todos os sábados a gente se encontra no
cinema, esse é um costume nosso. Já na segunda frase, a gente vai se encontrar sábado
no cinema, mas isso não quer dizer que fazemos isso todos os sábados, mas sim, nesse
sábado especificamente.
Essa mesma oposição existe entre o artigo definido “le” e o adjetivo
demonstrativo “ce”. Se dizemos:
Le dimanche je vais faire les courses.
ou
Ce dimanche je vais faire les courses.
Na primeira frase, fazer as compras aos domingos é um hábito, na segunda,
nesse domingo especificamente, farei as compras, mas não é explícito se costumo faze-
las todos os domingos.
Sistema enuncivo
Para expressar os momentos de referência desvinculados do momento da
enunciação, usa-se em francês:
a) na concomitância:
- alors, donc;
57
“Cette exigence avait alors provoqué une levée de boucliers en Suède” (Le
monde 13/março/2006)
- en ce moment;
b) na não-concomitância/anterioridade:
- l´avant-veille;
- la veille:
“le mouvement de blocage des universités progresse, avec 21 universités
bloquées et 46 perturbées: la veille, de même source, on comptait 18
universités bloquées et 41 perturbées” (Le monde 23/março/2006).
- jadis, autrefois;
- l´autre jour;
- naguère;
- dernièrement:
Dernièrement, j'ai dû procéder à une reconstitution d'accident du travail
avec les gendarmes (Le monde 15/março/2006).
- auparavant:
“Les organisateurs annoncent, eux, le chiffre de 450 000 manifestants, soit
un peu moins qu'une semaine auparavant” (Le monde 23/março/2006).
- artigo definido + substantivo que expresse noção de tempo +
antérieur(e), précédent(e) (la semaine antérieure, le jour précédent)
- à ce moment-là
- lors de:
“Et on pourrait avoir des surprises lors du procès aux assises, fin 2006,
avec une possible préméditation retenue” (Le monde 15/março/2006).
- adjetivo demonstrativo + substantivo que expresse noção de tempo + là
(ce jour-là; cette semaine-là; cet été-là; ces vacances-là).
- numeral cardinal ou pronome adjetivo indefinido + substantivo que
expresse noção de tempo + avant ou plus tôt (quelques jours plus tôt,
une heure avant)
c) na não-concomitância/posterioridade:
- artigo definido + substantivo que expresse noção de tempo +suivant(e)
(le jour suivant, la semaine suivante)
58
- le lendemain;
- le surlendemain;
- dorénavant;
- désormais:
"Certains modèles scientifiques évoquent désormais une montée maximale
du niveau des mers de deux mètres à la fin du siècle, alors qu'en 2001, les
prévisions ne mentionnaient qu'un maximum d'un mètre” (Le monde
28/janeiro/2006).
- ultérieurement:
“Selon ce courrier, les conditions de remise de la rançon devaient être
précisées ultérieurement” (Le monde 28/fevereiro/2006).
- numeral cardinal ou pronome adjetivo indefinido + substantivo que
expresse noção de tempo + après ou plus tard (quelques jours plus tard,
une heure après):
Deux ans plus tard, une nouvelle série d'envois est signalée, cette fois
signés Armata Corsa (Le monde 28/fevereiro/2006).
Quando se muda o momento de referência, é necessário mudar também o
sistema a que pertencem os advérbios, isto é, enuncivo ou enunciativo. Por exemplo:
Em uma frase cujo marcador temporal e tempo verbal fazem parte do
sistema enunciativo, o advérbio também deve concordar:
Je suis en vacances, hier je suis allée à la plage et ce week-end je vais au
théâtre.
Os verbos être e aller, que marcam o momento de referência, estão no
présent e no passé composé, isto é, tempos do sistema enunciativo, a esse mesmo
sistema pertencem os advérbios hier e ce week-end.
Por outro lado, se os verbos e marcadores temporais pertencem ao sistema
enuncivo, os advérbios concordam com eles:
En 1608, Québec fut fondée, 34 ans plus tard, c´était la fois de Ville-Marie,
actuelle Montréal, les deux villes les plus importantes de la province de Québec.
Existem casos, todavia, em que é possível usar advérbios de um sistema
diferente daquele do momento de referência. Isso pode acontecer quando houver:
- dois momentos de referência interdependentes:
Il l´assura qu´il ne partirait pas aujourd´hui.
59
Nessa frase “assura” (passé simple) e “partirait” (conditionnel présent)
indicam concomitância e posterioridade a um momento de referência pretérito,
enquanto “aujourd´hui” indica concomitância ao momento de referência presente. Esse
hoje é presente em relação ao momento da enunciação do sujeito dessa frase.
- neutralizações temporais, como ocorre na língua oral:
On se verra lundi, alors?
On s´est vus lundi.
O mesmo advérbio “lundi” indica, na primeira frase, posterioridade ao
momento da enunciação e anterioridade, na segunda.
- neutralizações de certos advérbios, como aujourd´hui, ou com adjetivo
demonstrativo + substantivo que expresse noção de tempo, por exemplo,
com os tempos verbais:
. passé composé: Je l´ai lu aujourd´hui ; J´ai voyagé cette année.
. présent: Je le lis aujourd´hui; Je voyage cette année.
. futur simple: Je le lirai aujourd´hui; Je voyagerai cette année.
A categoria de tempo é diretamente ligada à noção de aspecto, segundo
Arne Klum, “Quem diz tempo, diz aspecto. Há uma interdependência inevitável”
(1961:53).
De acordo com o Dictionnaire de Linguistique, “l’aspect est une catégorie
grammaticale qui exprime la représentation que se fait le sujet parlant du procès
exprimé par le verbe (ou par le nom d’action), c’est-à-dire la représentation de sa durée,
de son déroulement ou de son achèvement (aspect inchoatif, progressif, résultatif, etc)”
(1973:52).
O caráter perfectivo ou imperfectivo do verbo desempenha papel
fundamental na relação verbo-adverbial. Os verbos perfectivos não são compatíveis
com advérbios ou locuções adverbiais durativas; entretanto, os verbos imperfectivos são
compatíveis com advérbios ou locuções adverbiais que indiquem a duração e progresso
da ação.
Considerando o caráter aspectual, podemos classificar os advérbios em
francês em:
60
a) pontual: quando é possível definir os limites no passado ou no futuro, ou
o começo e o fim da ação:
soudain, soudainement, tout à coup, tout d´un coup, d´un seul coup,
subitement, brusquement, tout de suite, immédiament, tout à l´heure, vite,
en un clin d´œil.
b) durativo contínuo: quando a ação não tem começo e fim precisos, mas é
continuada:
longtemps, graduellement, par degrés, doucement, petit à petit, peu à peu,
progressivement, sans arrêt, de manière graduelle, de façon progressive.
c) durativo iterativo: quando a ação não é seqüencial:
constamment, d´habitude, habituellement, en général, généralement,
ordinairement, d´ordinaire, normalement, regulièrement, de temps en
temps, parfois, quelquefois, des fois, éventuellement, souvent, fréquemment,
plusieurs fois, rarement, de nouveau, encore une fois, en plusieurs
occasions, en de nombreuses occasions.
Os tempos imparfait e présent são durativos, sendo que o primeiro é mais
extensivo que o segundo. Em se tratando de aspecto, o imparfait opõe-se ao passé
composé, que é pontual. Os advérbios pontuais combinam-se com o passé composé e o
passé simple, enquanto os advérbios durativos combinam-se com o imparfait. É mais
natural dizer “Il est soudain arrivé” que dizer “Il est arrivé petit à petit”. Mas vale
lembrar que tudo depende da intenção do ator da enunciação que pode fazer uso do
mecanismo de embreagem temporal para criar o efeito de sentido que desejar.
A concomitância durativa ao momento de referência pretérito (imparfait)
pode se combinar com advérbios de anterioridade como hier, la semaine passée, l’autre
jour/la veille, la semaine précédente, deux jours plus tôt:
Il arrivait la veille et il voulait que tout fut prêt.
Mas também pode ser combinado a advérbios que indicam a concomitância
ao momento de referência presente: maintenant, aujourd’hui/alors, ce jour-là e a
posterioridade: le lendemain, la semaine suivante, deux jours plus tard:
Maintenant il sortait de chez lui au travail.
Deux jours plus tard il arrivait comme si rien ne s´était passé.
61
O passé simple, sendo desvinculado do momento de enunciação e opondo-
se ao passé composé, nesse sentido, é um tempo do sistema enuncivo que não aceita
advérbios ligados ao “ego-ici-nunc” como en ce moment, maintenant ou hier, la
semaine passé. O passé simple associa-se, em geral, a datas e a advérbios como le
lendemain, quelques heures plus tard, (x) heures plus tard, alors. Quando expressa
duração combina-se a advérbios ou complementos de tempo que indicam o número de
repetições e a duração de tempo, tais como plusieurs fois, deux fois, pendant une heure,
dix jours.
O passé composé, indicando a anterioridade ao momento da enunciação,
combina-se facilmente a advérbios que expressam anterioridade direta ao momento do
nunc: hier, la semaine passée, l’autre jour, tout à l’heure, maintenant, aujourd’hui.
Existe um outro tipo de advérbios, ressaltado por Fiorin em seu livro, que
são “específicos para indicar a sucessividade dos estados e transformações. São
chamados advérbios de seqüencialização e dividem-se em três grupos: os que assinalam
concomitância, o que marcam anterioridade, os que indicam posterioridade”
(2001:169).
Alguns advérbios usados em francês para indicar:
- concomitância: entre temps, donc, alors;
- anterioridade: avant, plus tôt, précédemment, antérieurement;
- posterioridade: après, puis, plus tard, postérieurement, peu de temps
après/plus tard.
“Déjà” e “encore”
Assim como em português, os advérbios “déjà” e “encore” marcam o tempo
e o aspecto. “Encore” contém os traços anterioridade/ concomitância e inacabado, sendo
que o primeiro traço é pressuposto ao segundo, que é posto. Assim, o enunciador
pressupõe que algo ocorreu antes de um momento dado e que o mesmo fato ainda é
concomitante e inacabado em relação a um certo momento de referência
(Fiorin:2001:171).
“Or si certaines pratiques humaines sont encore modifiables, aucune
recommandation d'un forum des Nations unies n'endiguera les tendances
liées au réchauffement climatique” (Le monde 27 janvier 2006)
62
Pressuposto:
Certas práticas humanas eram, anteriormente, modificáveis.
Posto:
Certas práticas humanas são, no momento presente, modificáveis.
O advérbio “déjà” marca os traços posterioridade/concomitância e acabado,
sendo o primeiro pressuposto e o segundo, posto. A pressuposição aqui é que o fato
aconteceria depois de um certo momento e que seria concomitante e acabado em relação
a um dado momento de referência.
“À l´âge de 18 ans Marie connaissait déjà toute l´Europe”
Pressuposto:
Não se conhece a Europa toda aos 18 anos
Posto:
Marie, nesse momento, já conhece a Europa toda, isso é um fato acabado.
Baseando-se nessa oposição entre os advérbios “encore” e “déjà”, pode-se
construir um quadrado mostrando os contrários e implicações entre eles:
encore déjà
ne plus pas encore
Je ne suis plus une célébrité, par contre je suis encore connue dans les
rues.
Tu n´es pas encore adulte, mais tu es déjà grande pour comprendre
certaines choses.
Preposições
63
Ao contrário dos advérbios, as preposições não são categorizadas em
sistemas enunciativo e enuncivo, mas organizam-se nas categorias topológicas de
concomitância e não concomitância (anterioridade e posterioridade).
Concomitância
As preposições que marcam a concomitância em francês, indicando que dois
acontecimentos se desenvolvem ao mesmo tempo, são:
- dans le courant de;
- pendant;
"ils sont venus de quatre directions différentes vers 20 heures et, pendant
dix minutes, ils ont tiré sans interruption. C'était un tonnerre continu, nous
étions terrifiés" (Le monde 28/fevereiro/2006)
- pour;
- durant;
- au cours de;
- au moment de;
- au milieu de;
- dans la période de;
- à l´époque de.
Ex: J´ai voyagé à Québec pour quatre semaines.
Quatro semanas marca a duração concomitante ao momento de referência (a
viagem).
Anterioridade
As preposições que expressam a anterioridade em francês são:
- avant de;
- antérieur à;
Posterioridade
A posterioridade é marcada pelas preposições:
- après:
64
“Après les tentatives d'extorsion de fonds contre des médecins et celles
contre des personnalités en 2004, voici que surgit l'hypothèse d'une autre
série de tentatives de racket, datant de 2002” (Le monde
28/fevereiro/2006).
- à la suite de:
“Après la publication de caricatures de Mahomet dans des journaux
français, une centaine de manifestants ont lancé pierres et coktails Molotov
contre l'ambassade de France à Téhéran.”(Le monde 13/fevereiro/2006)
- dès:
“Youssouf Fofana a effectivement "voulu jouer au con" les premières
heures de sa détention. Mais sa détention "VIP" aurait pris fin dès samedi”
(Le monde 27/fevereiro/2006)
Assim como os verbos e advérbios, as preposições de tempo também podem
ser classificadas de acordo com o aspecto: pontual ou durativo (incoativo ou
terminativo).
Aspecto pontual/incoativo
As preposições que indicam que um processo foi iniciado e que ele tem
duração podem ser as seguintes:
- depuis:
“Depuis le début des mouvements sociaux en France, la jeunesse est
particulièrement mobilisée dans l'ouest et le sud de la France” (Le monde
13/fevereiro/2006).
- à partir de;
- à commencer par:
“Pendant que le Danemark voulait présenter ses excuses, nos hypocrites
politiques, à commencer par l'exécutif, à commencer par l'Elysée, par tout
le gouvernement, ont chuchoté aux Danois pour leur dire 'tenez bon'” (Le
monde 13/fevereiro/2006).
O aspecto durativo/teminativo, que marca o final de uma ação que durava, é
expresso pela preposição “jusque”.
Jusqu´aujourd´hui, elle est la professeur la plus sérieuse de l´école.
65
Para pontuar o começo e o fim de uma ação, usa-se as preposições:
- de ... à
- depuis ... à
- de ... jusque/jusqu´à/jusqu´en
- depuis ... jusque/jusqu´à/jusqu´en
- à commencer par ... jusque/jusqu´à/jusqu´en
Depuis le début de l´année jusqu´en juillet, on n´a pas encore pris de
décision.
Conjunções
Assim como as preposições, e diferentemente dos advérbios e dos verbos, as
conjunções de tempo não se organizam em sistemas enuncivo e enunciativo. Mas, assim
como as outras classes de palavras estudadas, também podem ser analisadas de acordo
com o aspecto e também são organizadas segundo as categorias topológicas de
concomitância e não-concomitância.
Concomitância
A simultaneidade, em francês, é indicada pelas conjunções:
- quand;
- chaque fois que;
- toujours que;
- toutes les fois que;
- ainsi que;
- aussitôt/sitôt que;
- tandis que:
66
“De plus en plus nombreux sont ceux qui considèrent que les musulmans
constituent un groupe à part (63 %, + 6 points), tandis que le sentiment que
‘les Français musulmans sont des Français comme les autres’ recule très
nettement (66 %, – 11 points)” (Le monde 23/março/2006).
- pendant que;
- en même temps que;
A conjunção “quand” ou “lorsque” relaciona tempos que devem remeter a
um mesmo momento de referência. O aspecto dessa conjunção é pontual:
“Nous regardions une comédie à la télévision quand le bruit de la fusillade
nous a jetés à terre. Tout l'immeuble tremblait” (Le monde
18/fevereiro/2006).
“Ils avaient pu s'en rendre compte, le 11 mars, lorsque Poitiers avait
accueilli le précédent rassemblement national des étudiants en colère” (Le
monde 23/março/2006).
A ação contínua e durativa, marcada pelo imperfeito (regardions) sofre uma
ruptura, pontuada pelo passé composé (a jetés). Para introduzir a oração subordinada
que marca esse ponto, é usada a conjunção quand e lorsque.
As conjunções ainsi que e aussitôt que também indicam o aspecto pontual,
porém marcam a continuidade temporal, por isso, geralmente, relacionam o mesmo
tempo verbal.
L'annulation, il y a deux ans, de la rénovation de St Mary Paddington, la
quasi-faillite du Queen Elizabeth Hospital et du principal hôpital de
Greenwich, ainsi que la suppression de 12 000 lits depuis l'arrivée au
pouvoir, en 1997 témoignent des dysfonctionnements d'un modèle cité en
exemple dans de nombreux pays, dont la France. (Le Monde
27/fevereiro/2006)
Para indicar a iteratividade da ação, são usadas as conjunções chaque fois
que, toutes les fois que, toujours que. “Com a primeira, considera-se cada processo
separadamente; com a segunda, indica-se uma quantificação universal dos processos;
com a terceira, mostra-se, além da significação expressa pela segunda, que os processos
são tomados em seu conjunto” (Fiorin:2001:175).
67
Para indicar a duratividade, emprega-se as conjunções tandis que, pendant
que, en même temps que, sendo que a concomitância expressa pela última denota mais
exatidão e precisão que as conjunções anteriores.
“Pendant que le Danemark voulait présenter ses excuses, nos hypocrites
politiques, à commencer par l'exécutif, à commencer par l'Elysée, par tout
le gouvernement, ont chuchoté aux Danois pour leur dire 'tenez bons'” (Le
monde 13/fevereiro/2006)
A anterioridade é expressa pela conjunção avant que, enquanto a
posterioridade é expressa pela conjunção après que.
“La loi d'orientation de la recherche promise par Jacques Chirac voilà plus
de deux ans arrive enfin devant les députés, après avoir été discutée par
les sénateurs à la veille des congés de Noël” (Le Monde 28/fevereiro/2006)
No que concerne aos aspectos, a incoatividade é expressa pela conjunção
depuis que ou dès que. E a terminatividade, pela conjunção jusque.
“Depuis que je connais le Japon, je ne peux plus regarder une touffe
d´herbe de la même façon” (Le Monde 14/abril/2006)
68
3.
Casos especiais entre os tempos verbais franceses
Existem alguns tempos verbais na língua francesa que inexistem em outras
línguas românicas, como em português, visto que as línguas não têm formas idênticas e
que essas diferenças fazem sentido e expressam universos discursivos distintos. Esse é o
caso dos tempos passé simple, passé antérieur, passé surcomposé. Esses tempos têm
sido cada vez menos usados, principalmente na língua oral, e vêm dando lugar a outras
formas verbais.
Todos esses três tempos verbais pertencem ao momento de referência
pretérito, sendo que o tempo simples é concomitante ao MR pretérito e os tempos
compostos são não concomitantes/anteriores a esse momento de referência:
Passé simple
MR pretérito
concomitância não-concomitância
acabado inacabado anterioridade posterioridade pontual durativo dinâmico estático plus-que-parfait limitado não-limitado passé antérieur perfectivo imperfectivo passé surcomposé conditionnel conditionnel passé imparfait (MA) présent passé simple (MA) (MA) (MA) (MA)
69
Algumas noções sobre o passé simple
O passé simple, também chamado passé defini, opondo-se ao passé indéfini
(passé composé), como vemos no livro Exercices de style, de Raymond Queneau,
(1947:46), marca a concomitância do momento do acontecimento ao momento de
referência pretérito, isso quer dizer que esse tempo verbal descreve acontecimentos
desenvolvidos totalmente no passado sem qualquer contato com a atualidade ou vínculo
com o momento de enunciação. Existem algumas condições nas quais o uso do passé
simple seria o mais adequado, tais como:
- o processo narrado deve ser único, o passé simple não pode ser usado para
expressar hábitos do passado;
- o processo dever ser considerado em sua totalidade, em seus limites
temporais, marcando ações pontuais e não durativas; ele pode exprimir um fato que tem
duração, porém deve ser delimitado precisamente por um ou mais complemento de
tempo;
- o processo deve ocupar o pano de fundo, isto quer dizer que deve ter
importância suficiente para servir como referência para o eixo temporal da
narratividade; o passé simple não se apóia em outras indicações temporais para se
inserir no tempo, pois ele comporta em si mesmo referências ao tempo; uma sucessão
de passé simples marca uma série de acontecimentos em sua sucessão.
- o passé simple permite acelerar o ritmo da narração, se há várias ações
descritas nesse tempo verbal, elas são sucessivas.
- o discurso não deve comportar qualquer vínculo com a enunciação. O
passé simple expressa a concomitância ao momento de referência pretérito, logo
associa-se a complementos de tempo desvinculados do “agora”, tais como la veille, le
lendemain, l'année précédente e com referências cronológicas, como datas.
- o passé simple também pode expressar um valor aspectual iterativo,
evocando fatos não habituais que se repetiram.
- o uso do passé simple pode marcar um aspecto global, isto é, o início e o
fim de um processo devem ser definidos, dando a noção da totalidade do fato. Por isso,
esse tempo verbal tem grande afinidade com os verbos perfectivos, como mourir,
tomber, exploser, entrer, sortir, fermer, ouvrir.
70
- como o passé simple expressa uma representação autônoma do passado,
seu emprego é bastante apropriado na história ou na ficção e o único realmente
adequado para construir uma cronologia de acontecimentos;
O passé simple também aparece em outros registros, como no filme “Jules
et Jim” (1962), de François Truffaut, mas sempre com a função de afastar a cena
narrada do momento da enunciação, analisando temporalmente, isso quer dizer que o
momento do acontecimento não é anterior ao momento da enunciação, mas sim
concomitante ao momento de referência pretérito.
É o que ocorre, na abertura do filme, quando a voz do narrador conta um
fato passado e acabado, concomitante ao momento de referência pretérito e sem relação
com o presente, para introduzir a história que será narrada. A história dos dois amigos
apaixonados por uma mulher que tem o mesmo sorriso de uma estátua misteriosa, ao
sair da voz do narrador para a dos interlocutores, deixa de apresentar o passé simple,
pois, nesse momento passa a existir vínculo com a atualidade e o momento do
acontecimento e da enunciação são concomitantes.
Atualmente, o seu uso restringe-se ao texto escrito, sendo encontrado,
sobretudo, nos textos literários, históricos, biográficos e em alguns jornais.
O passé simple acompanha, geralmente, o imparfait, enquanto esse
descreve, marca a duração e repetição concomitantes ao passado, ele expressa as ações.
Isso quer dizer que ambos são concomitantes à anterioridade no momento de referência
pretérito, mas, enquanto o imparfait tem aspecto durativo e expressa simultaneidade e
hábito, marcando, em plano de fundo, as descrições, repetições e elementos secundários
da narrativa, o passé simple tem aspecto pontual e expressa e expressa sucessividade e
unicidade, marcando, em primeiro plano, as ações que fazem a narrativa progredir.
Embora a problemática entre esses dois tempos verbais esteja relacionada a
marcos temporais, aspectos, enunciação, ainda há uma associação ao problema de
pessoa. Por ser um tempo associado ao enunciado, o passé simple comumente
acompanha a terceira pessoa, que representa a debreagem actancial também enunciva.
Vejamos o que diz Émile Benveniste a respeito:“Definiremos a narrativa histórica como o modo de enunciação que exclui
toda forma linguistica ‘auto-biografica’. O historiador não dirá jamais eu
nem tu nem aqui nem agora, porque não tomará jamais o aparelho formal
do discurso que conssite em primeiro lugar na relação de pessoa eu : tu.
71
Assim, na narrativa histórica estritamente desenvolvida, só se verificarão
formas de ‘terceira pessoa’”(1988:262).
Segundo Benveniste, a dupla enunciativa eu/tu nunca se associará ao passé
simple (aoristo) porque
“o discurso excluirá o aoristo, mas a narrativa histórica, que o emprega
constantemente, só lhe reterá as formas de terceira pessoa. A
conseqüência é que nous arrivâmes e vous arrivâtes não se enontram na
narrativa histórica, por serem formas pessoais, nem no discurso, por serem
formas de aoristo” (idem:270)
Benveniste é incisivo no assunto e reafirma, mais adiante:
“É a equivalência funcional entre je fis e j´ai fait [=eu fiz], que discrimina
precisamente o plano da narrativa histórica e o plano do discurso. De fato,
a primeira pessoa je fis não se admite nem na nativa, por ser primeira
pessoa, nem no discurso, por ser aoristo”(idem:275).
Alguns textos, mesmo sem ser da narrativa histórica, chegam a mesclar
passé composé para os actantes enunciativos (primeira e segunda pessoas) e o passé
simple para os actantes enuncivos, como vemos na canção da intérprete e compositora
belga, radicada no Brasil, Edith de Camargo:
“On est partis chez moi
Rue Saint-Amant sous les toits
Et là sans la moindre effraction
Je t´ai vu passer à l´action
Et la chose se fut faite
et la fête fut rose
sans que je sache au fait
comment se fit la chose”
(Sébastien Paul Lucien e Edith de Camargo, Cambriole)
É claro que tudo depende dos efeitos que o ator da enunciação deseja criar.
O passé simple pode ser, normalmente, usado com a primeira pessoa. Quando a
72
enunciadora demiurga de Bonjour tristesse narra sua história, ela procura afastar tudo
que se passou do momento da enunciação, inclusive seu próprio eu e é por isso que,
nesssa obra, o pretérito perfeito é marcado predominantemente pelo passé simple,
mesmo na primeira pessoa do singular. Dessa forma, mesmo falando dela própria, o
passado parece muito mais distante e ela consegue realmente sentir-se desvencilhada
dele:
“J´aperçu au fond de la mer un ravissant coquillage, une pierre rose et
bleue; je plongeai pour la prendre, la gardai toute douce et usée dans la
main jusqu´au déjeuner. Je décidai que c´était un porte-bohneur, que je ne
la quitterais pas de l´été”.
Nesse mesmo texto, nos comentários da narradora, o tempo usado é o passé
composé. No trecho acima, ela fala da conchinha que achara e guardaria, um fato
totalmente terminado e distante de sua realidade presente, porém, nesse mesmo
parágrafo, a narradora abre um parêntese enunciativo, um momento pessoal de reflexão,
em que se questiona por que não perdeu aquela conchinha, pois ela perde tudo. A
narração continua sendo de um fato pretérito perfeito, porém, nesse momento, esse
passado está relacionado com o momento da enunciação, a narradora continua a mesma,
perdendo tudo, e, ainda “hoje”, tem a conchinha em seu poder. Esse passado tornou-se
tão vivo em seu presente que ela tem vontade chorar. Nessa ruptura feita pelo narrador,
com o comentário de um passado longínquo, os tempos e marcos temporais utilizados
são do sistema temporal enunciativo:
“Je ne sais pas pourquoi je ne l´ai pas perdue, comme je perds tout. Elle
est dans ma main aujourd´hui, rose et tiède, elle me donne envie de
pleurer”.
(Françoise Sagan, Bonjour tristesse)
Passé simple vs passe composé
A diferenciação comum entre esses dois tempos verbais é o fato de o passé
simple ser empregado para expressar a concomitância ao momento de referência
pretérito, enquanto o passé composé é o responsável em marcar a anterioridade ao
momento de referência presente. Vemos, porém, que, atualmente, principalmente na
73
imprensa escrita, ambos vêm sendo empregados em situações semelhantes, variando a
intenção do enunciador de criar efeitos de aproximação ou afastamento da cena
enunciativa.
O passé simple corresponde ao sistema enuncivo em uma relação de
concomitância ao “então”, marco referencial pretérito, que constrói o simulacro de jogar
a cena enunciada para um cronônimo distante, afastado do momento da enunciação. O
passé composé, por sua vez, corresponde ao sistema enunciativo em uma relação de
não-concomitância/anterioridade ao “agora”, marco referencial presente, que constrói a
ilusão de presentificação da cena narrada.
No capítulo 19 de Problemas de lingüística geral, Benveniste propõe uma
interessante diferenciação entre passé composé e passé simple, começando por dizer que
“há um ponto no qual o sistema se faz indevidamente redundante: é a expressão
temporal do ‘passado’, que dispõe de duas formas, il fit e il a fait [= ‘ele fez’]”
(1988:261).
A concepção mais comum é diferenciar esses tempos verbais como sendo o
passé simple o tempo para expressar o passado perfeito na língua escrita e o passé
composé, como sendo o tempo verbal para expressar o perfeito na língua oral. Aqui,
Benveniste coloca a pertinente questão: “por que língua falada e língua escrita se
divorciariam nesse ponto da temporalidade e não em outro, como é que a mesma
diferença não se estende a outras formas paralelas (por exemplo, il fera e il aura fait)”
(Benveniste:188:261).
Para Benveniste, a classificação dos verbos em francês é bem mais
complexa do que a proposta pela morfologia; para ele os verbos franceses não se
distribuem em um único sistema, mas em dois, diferentes, mas que se complementam.
“Esses dois sistemas manifestam dois planos de enunciação diferentes, que
distinguiremos como o da história e o do discurso” (Benveniste:188:262).
A enunciação histórica, chamada “récit”, não é usada na língua oral e marca
os fatos passados sem qualquer vínculo com o momento da enunciação ou com os
locutores da narrativa. “A intenção histórica constitui realmente uma das grandes
funções da língua: imprime-lhe a sua temporalidade específica” (Benveniste:188:262).
Segundo Benveniste, quatro são os tempos pertencentes à enunciação
histórica, ou seja, ao “récit”:
- o aoristo, nome dado ao passé simple ou passé défini;
74
- o imparfait;
- o plus-que parfait;
- o prospectivo, nome dado ao futur proche
Haverá um quinto verbal, quando o presente é considerado em seu caráter
histórico. A essa lista podemos acrescentar, também, o passé antérieur, o conditionnel
passé, o conditionnel présent e os tempos do modo subjuntivo.
Na enunciação histórica, o enunciado não tem qualquer referência à
enunciação, nos parâmetros da situação de comunicação, nela o sujeito da enunciação é
apagado. Aqui, “os acontecimentos são apresentados como se produziram, à medida que
aparecem no horizonte da história. Ninguém fala aqui” (Benveniste:1988:267).
Contratando à narrativa histórica, Benveniste propõe o plano do discurso
(discours). Discurso é “toda enunciação que suponha um locutor e um ouvinte e, no
primeiro, a intenção de influenciar, de algum modo, o outro” (Benveniste:1988:267).
Os tempos, exclusivamente, associados ao plano do discurso são três:
- o présent
- o futur simple
- o passé composé
Segundo Benveniste, o imparfait é comum aos dois planos (récit e
discours).
A marca temporal do passé composé é o momento do discurso, enquanto a
marca temporal do passé simple (aoristo) é o momento do evento.
Dessa forma, o plano do discurso tem um tempo pretérito perfeito (passé
composé) simétrico ao passé simple da narrativa histórica, contrastando no valor;
enquanto este objetiviza o fato, aquele faz um elo entre o fato passado e o momento
atual.
Passé simple em Le Monde
Apesar desse tempo verbal estar cada vez mais em desuso, ainda o
encontramos bastante no jornal de referência Le Monde. Isso porque ele é capaz de
proporcionar efeitos de sentido que outro tempo verbal não poderia. Assim, ele ainda é
usado somente em casos específicos. Apresentamos, a seguir, alguns alguns dos
75
excertos em que o passé simple é utilizado e, em seguida, quais os efeitos por ele
proporcionados.
Mohammed Nechle travaillait en Bosnie dans un orphelinat du Croissant-
Rouge des Emirats arabes unis. Après le 11-Septembre, il fut accusé
d'avoir préparé un attentat contre l'ambassade des Etats-Unis. Après trois
mois de prison en Bosnie, il est acquitté et... remis aux autorités
américaines (13/março/2006).
En 1994, le gouvernement trancha toutefois en faveur de la restitution,
mais à la condition expresse que le totem soit préservé comme symbole de
la culture Haisla. Nouveau dilemme, car si les Indiens pouvaient récupérer
leur bien, on ne leur permettait pas de l'utiliser selon leur tradition. Douze
ans plus tard, l'affaire arrive à sa fin, au prix d'un compromis savoureux
(13/março/2006).
Des Pieds et Des Mains : c'est de ce nom explicite qu'a été baptisé le
Figaro II (bateau monotype de 10,20 m) de Damien Seguin et de son
coskipper, Denis Lemaître, un des 28 tandems de la Transat en double
Concarneau - Saint-Barthélémy, qui s'élancera des côtes finistériennes,
dimanche 9 avril. Et les empreintes multicoloresqui figurent sur la coque et
le pont du voilier illustrent à merveille le chemin semé d'embûches
parcouru par Damien Seguin pour se faire admettre dans le milieu de la
course au large, lui qui naquit sans main gauche il y a 26
ans (8/abril/2206).
Fan avant d´être musisien, Steven Morrissey a vibré au son du Glam rock
(T. Rex, David Browie, Roxy Music) du début des années 1970, des New
York Dolls (il fut le président du fan-club de ce groupe et il vient de
provoquer sa reformation), puis de l´explosion punk (9/abril/2006).
Ce récit confirme le contenu du journal scrupuleusement par le bourreau de
la Terreur, publié par son petit-fils sous le Second Empire. Ce document
avait servi de base aux sept volumes consacrés à la longue histoire d'une
famille dont les représentants assumèrent la charge d'exécuteur à Paris de
1688 à 1847. A en croire cette hagiographie, le paisible citoyen Sanson
76
avait manifesté sa compassion envers les deux mille cent dix-huit
condamnés qu'il décapita entre 1789 et 1796.
Mieux encore, il pensait que, au dernier moment, Louis XVI serait délivré
par ses supporters. Dans la foulée de l'exécution du roi de France, Sanson
avait démissionné de la plupart de ses fonctions au profit de son fils Henri
(11/abril/2206).
Ours d´argent à Berlin en 2005, ce film édifiant accumule les clichés:
musique ronflante, parallèle entre le flic chargé de l´instruction et Ponce
Pilate, mystique de l´accusé qui regarde la lumière de sa cellule, juge
éructant, dernière entrevue avec les parents avant la guillotine, dernière
cigarette et glorification de La Rose blanche, groupe de jeune résistants
allemands qui appela à la chute du IIIème Reich (12/abril/2006).
Car il y a un centre dramatique national à Montluçon, sous préfecture de
l´Allier, où les 40.000 habitants subissent de plein fouet les effets de la
crise économique. Le label a recompensé en 1985, dans les flamboyantes
années Lang, l´aventure de théâtre des Fédérés, de Jean-Paul Wenzel et
Olivier Perrier, qui s´installèrent à un millieu des années 1970 dans cette
ancienne fonderie et dans le village voisisn d´Hérisson. En 2003, Jean Paul
Wenzel et Olivier Perrier ont pris leur retraite (13/abril/2006).
Tout en elle disait le raffinement, l´ambiguïté, le goût de la dissimulation, de
la clandestinité, de l´influence, la volonté d´être à la fois une conquérante et
une éminente grise – secrétaire de la NRF, elle fut pendant vingt ans la
seule femme membre du comité de lecture de Gallimard, et, en 1963 entra
au jury Femina (14/abril/2006).
Sa défense, telle qu'elle s'exprime dans le communiqué diffusé vendredi à
midi par l'Hôtel Matignon, comporte cependant plusieurs points faibles. S'il
réaffirme avoir demandé, au mois de janvier 2004 au général Philippe
Rondot, alors conseiller au cabinet de Mme Alliot-Marie, de diligenter une
enquête sur les listings de Clearstream, le premier ministre assure l'avoir
fait dans le souci d'"éviter toute instrumentalisation ou manipulation
politique, car des noms de personnalités avaient été cités dans la presse".
Ce point ne résiste pas à l'examen: les noms de personnalités - politiques
77
et autres - ne commencèrent à être évoqués dans les journaux qu'après
l'envoi des premières listes de comptes au juge Van Ruymbeke en avril
2004 (29/abril/2006).
Animateur de la revue Partisans éditée par François Maspero, il fonda l'OCI
(Organisation communiste internationale, trotskyste), ancêtre du Parti des
travailleurs (PT) avec Pierre Boussel (alias Lambert) et dont il fut exclu à la
fin des années 60.
Depuis, M. Jospin n'a plus jamais écrit à ses "chers B. et Denise". Il ne
s'est plus manifesté, même lorsque Boris fut expulsé en Allemagne, le 9
juin 1968, puis assigné à résidence de longs mois par le pouvoir gaulliste à
Vitrac et où, pour hâter sa sortie, Denise l'épousa, le 25 décembre 1969,
avant de se séparer (01/maio/2006).
Não transcrevemos todas suas ocorrências de passé simple no nosso córpus,
pois alguns exemplos são suficientes para mostrar os efeitos proporcionados pelo uso
desse tempo verbal.
A primeira observação refere-se a sua colocação. O passé simple, como
qualquer outro tempo verbal, pode ser usado em todas as pessoas, porém, foi observado
em todas as ocorrências que ele aparece junto da terceira pessoa, do singular ou do
plural. Tal evidência deve-se ao fato de se tratar de um reforço da cena enunciva, pois a
terceira pessoa marca a actorialidade enunciva; o ele é o actante do enunciado e
representa a não-pessoa. Dessa forma, é perfeitamente sincrética ao passé simple, dando
mais força ao efeito desejado de afastamento da enunciação.
Como já foi discutido, ao definir o passé simple e seu uso, ele corresponde
ao sistema enuncivo em uma relação de concomitância ao “então”, marco referencial
pretérito, que constrói o simulacro de jogar a cena enunciada para um cronônimo
distante, afastado do momento da enunciação. Entretanto, o passé composé, que
corresponde ao sistema enunciativo em uma relação de não-concomitância/anterioridade
ao “agora”, cada vez mais tem substituído o passé simple na concomitância ao passado.
Mas o passé simple continua em cena e, sempre que o sujeito da enunciação quer
reforçar o distanciamento da enunciação e enfatizar o caráter totalmente perfectivo da
ação, ele é preferível ao passé composé, que não seria capaz de produzir tal efeito, como
podemos constatar em vários momentos de Le Monde. Por exemplo, ao assinalar o
78
nascimento de Damien Seguin sem a mão esquerda há 26 atrás (Le Monde, 08/abril) em
um momento de referência totalemente desvinculado da cena enunciativa ou ao marcar
a concomitância à longínqua época em que os representantes assumiram a carga de
executores em Paris, entre 1688 e 1847 (Le Monde, 11/abril); aqui, o tempo do “récit”
(narrativa, história) torna ainda mais enfatizada a distância do enunciado em relação à
situação de enunciação.
Em todos os excertos selecionados, percebemos que o passé simple, além de
criar uma ruptura que coloca a sentença em relevo, chamando a atenção do co-
enunciador, trata-se de um excerto não embreado e cortado da situação de enunciação, o
que causa a impressão de ser um universo autônomo já que o passé simple expõe os
acontecimentos sem relacioná-los ao momento da enunciação. Como diz Maingueneau
(1997:75), “dans le récit, tout se passe donc comme si personne ne produisait l´énoncé,
comme si les événements se racontaient tout seuls”.
Assim, a distância do tempo em que Mohamad foi acusado de ter preparado
o atentado (13/março) ou em que Morrissey foi o presidente do fã-clube do grupo New
York Dolls (09/abril) parece ser potencializada: o passado é ainda mais findo e recuado.
“O enunciador conta os acontecimentos que ele apresenta como passados, colocando a
ênfase na ruptura entre esse passado e o presente da enunciação” (Maingueneau,
2002:98).
Esses exemplos também indicam uma ausência aparente do enunciador,
criando simulacro de assepsia da subjetividade e de apagamento do sujeito da
enunciação e, dessa forma, diminuindo sua responsabilidade pelo enunciado. O uso do
passé simple, então, pode causar a impressão de que o enunciado narra-se sozinho,
distante do sujeito e da situação de enunciação, proporcionando maior credibilidade ao
enunciado, efeitos que não seriam reforçados com o emprego do passé composé.
Pode-se perceber, nos verbos sulinhados, a indicação de uma ruptura com a
situação de enunciação, remetendo a um passado remoto, a um tempo afastado do nosso
cotidiano e já perdido, quase mítico. O passé composé, ligado ao momento de referência
presente, não desencadeia tal efeito.
Esse recurso de aproximação e afastamento da cena da enunciação por meio
do tempo verbal que expressa o aspecto pontual e acabado do pretérito é próprio da
língua francesa e não encontra equivalente na língua portuguesa, porém, mesmo em
79
francês, não é utilizado em todo o universo midiático, o “Libération”, por exemplo, é
um jornal que não faz uso desse recurso.
Tempos Compostos
Os outros dois tempos verbais aqui estudados como casos especiais do
sistema verbal francês são o passé antérieur e o passé surcomposé. O primeiro fato a ser
considerado é que ambos são tempos compostos.
Os tempos compostos em francês, expressam dois valores: o de ação
terminada, mostrando o processo sob seu aspecto terminativo, e a anterioridade,
permitindo de exprimir a anterioridade do processo acabado em relação ao processo em
curso.
A cada tempo simples corresponde um tempo composto:
Présent → passé composé
Futur simple → futur antérieur
Imparfait → plus-que-parfait
Passé simple → passé antérieur
Après qu´il a travaillé, il se repose.
Après qu´il aura travaillé, il se
reposera.
Après qu´il avait travaillé, il se
reposait.
Après qu´il eut travaillé, il se reposa.
Ou, baseando-se no modelo de Benveniste (1988:272):
Tempos simples Tempos compostos
Il écrit Il a écrit
Il écrivait Il avait écrit
Il écrivit Il eut écrit
Il écrira Il aura écrit
Em Problemas de lingüística geral, Émile Benveniste se pergunta “qual é a
relação entre tempos simples e compostos?” (1988:271). E diz que a distinção feita
entre dois planos de enunciação (história e discurso) passa pela distinção entre tempos
simples e compostos, mas não a explica.
80
Como vimos no quadro acima, existe paralelismo entre os grupos de tempos
simples e tempos compostos. Para Benveniste, existe uma contradição, pois essa relação
simétrica entre esses dois grupos não é temporal, porém é preciso reintroduzir a
temporalidade já que il a écrit é forma temporal do passado como il écrivit , estando o
primeiro no grupo dos tempos compostos e o segundo, no grupo dos simples. Sendo
assim, il a écrit opõe-se a il écrit: enquanto o primeiro, composto, marca o passado
perfeito e o segundo, simples, marca o presente e opõe-se a il écrivit enquanto um é
simples e outro composto, mas marcando, ambos, o passado perfeito.
Segundo Benveniste, a relação entre os tempos compostos e os tempos
simples é de dois tipos:
Primeira relação: A oposição entre os tempos simples e compostos é
simétrica porque para cada tempo simples existe um composto no “perfeito”.
“Chamamos perfeito à classe inteira das formas compostas (com avoir e être), cuja
função consiste em apresentar a noção como ‘acabada’ com relação ao momento
considerado, e a situação ‘atual’ como resultando desse cumprimento temporalizado”
(Benveniste:1988:271).
Para exemplificar essa relação entre tempos simples e suas formas
“acabadas e perfeitas”, Benveniste organizou da seguinte maneira:
Perfeito de presente: Il a écrit
Perfeito de imperfeito: Il avait écrit
Perfeito de aoristo*: Il eut écrit
Perfeito de futuro: Il aura écrit * passé simple segundo Benveniste
Segunda relação: Outra função dos tempos compostos é indicar a
anterioridade. O passé composé “Il a écrit” faz parte do sistema enuncivo: corresponde
à anterioridade ao momento da enunciação; o plus-que-parfait, o passé antérieur e o
futur antérieur pertencem ao sistema enuncivo, correspondendo, respectivamente, os
dois primeiros, à anterioridade ao momento de referência pretérito e o terceiro à
anterioridade ao momento de referência futuro.
Para Benveniste essas relações de anterioridade criam “uma relação lógica
e intralingüística; não reflete uma relação cronológica que seria apresentada na
81
realidade objetiva. De fato, a anterioridade intralingüística mantém o processo dentro
do mesmo tempo que é expresso pela forma correlativa simples” (Benveniste:1988:273).
Vejamos um outro quadro para organizar essa noção de “dentro do mesmo
tempo” segundo as categorias topológicas do sistema verbal:
TEMPO SIMPLES TEMPO COMPOSTO
Concomitância ao ME Anterioridade ao ME
SISTEMA
ENUNCIATIVO
Il écrit Il a écrit
Concomitância ao
MR pretérito
Anterioridade ao
MR pretérito
Il écrivait Il avait écrit
Il écrivit Il eut écrit
Concomitância ao
MR futuro
Anterioridade ao
MR futuro
SISTEMA
ENUNCIVO
Il écrira Il aura écrit
Benveniste ainda ressalta que as formas da anterioridade, isto é, as formas
compostas, não são livres e devem ser empregadas sempre ao lado de formas verbais simples
pertencentes ao mesmo sistema temporal. “Encontrar-se-ão as formas de anterioridade em
proposições não livres introduzidas por uma conjunção como quand” (1989:273). Benveniste
organiza essa dependência das formas da anterioridade em relação às formas simples do
mesmo sistema da seguinte maneira:
Anterior de presente quand il a écrit une lettre (il l´envoie)
Anterior de imperfeito quand il avait écrit une lettre (il l´envoyait)
Anterior de aoristo quand il eut écrit une lettre (il l´envoya)
Anterior de futuro quand il aura écrit une lettre (il l´enverra)
Passé antérieur
Algumas noções sobre o passé antérieur
82O passé antérieur evoca um processo situado no passado, desvinculado da
enunciação; o efeito das ações não é percebido no momento da fala. Do ponto de vista
aspectual, esse tempo verbal proporciona uma visão global do processo narrado (implicando
os termos iniciais e finais) e apresenta valor de anterioridade. O passé antérieur é utilizado
em subordinadas temporais que dependem de uma frase principal com um passé simple; o
processo reportado na subordinada é imediatamente anterior àquele formulado no passé
simple.
Não foi encontrado, no córpus analisado, qualquer exemplo para o tempo verbal
passé antérieur, fato que indica tratar-se de um tempo que está saindo do registro da língua
francesa, pelo menos na mídia. No entanto, na literatura moderna e contemporânea, mesmo
que raro, ele ainda pode aparecer.
Passé surcomposé
Algumas noções sobre o passé surcomposé
Assim como os tempos simples têm fomas compostas pararelas, os tempos
compostos também produzem outras formas compostas: os tempos sobrecompostos
(surcomposés).
Os tempos surcomposés marcam fatos anteriores e acabados em relação a fatos
também acabados em relação a outros e também já expressos por tempos compostos. Em
relação ao passé composé, o passé surcomposé acrescenta a noção de imprecisão no tempo:
passé composé : J'ai rencontré cet homme (a priori é possível dizer quando)
passé surcomposé: J'ai eu rencontré cet homme (não é possível dizer quando)
83Como mostra Grevisse (1997:762), no passé surcomposé, são acrescentados
aos verbos conjugados com avoir ou être um auxiliar a mais ao tempo que já fora conjugado,
assim, nesse tempo já conjugado, em vez de manter o auxiliar no presente, ele é usado no
tempo composto correspondente:
Temps simples Temps composés Temps surcomposés
Je plante
Je plantais
J´ai planté
J´avais planté
J´ai eu planté
J´avais eu planté
No momento do acontecimento, o passé surcomposé se vincula ao momento de
referência “agora” e narra eventos globais, já terminados no momento da enunciação. Esse
tempo verbal apresenta valor de anterioridade, marcando uma ação ocorrida imediatamente
antes do acontecimento da frase principal.
Há ocorrências desse tempo em obras literárias, como vemos freqüentemente em
Balzac, porém é utilizado em debreagens de segundo grau em que a fala de um interlocutário
é transcrita no discurso direto. Por exemplo, em Le Père Goriot (1835), de Honoré de Balzac
(p. 77):
- Comment, s´écria madame Vauquer, le père Goriot aurait fendu son
déjeuner de vermeil?
- N´y avait pas deux tourterelles sur le couvercle? dit Eugène.
- C´est bien cela.
- Il y tenait donc beaucoup, il a pleuré quand il a eu pétri l´écuelle et le
plat. Je l´ai vu par hasard, dit Eugène.
- Il y tenait comme à sa vie, répondit la veuve.
Nesse trecho de Balzac, vemos comprovado o que Grevisse afirma sobre o
emprego desse tempo verbal: “Le passé surcomposé s´emploie le plus souvent par rapport à
un passé composé” (1997: 1256). As ações de ter chorado e ter amassado o prato e a escudela
estão ligadas : são duas ações passadas (pretérito perfeito) que aconteceram praticamente ao
mesmo tempo, sendo que a segunda construção verbal (avoir eu pétri) é causa da primeira
(avoir pleuré).
84Um fator determinante no uso do tempo passé surcomposé é o fator geográfico,
ele ainda é bastante utilizado na linguagem oral na parte meridional da França.
Quando falamos em passé surcomposé, não podemos deixar de mencionar o
passé antérieur. O tempo exclusivo do enunciado que tem a mesma função gramatical e o
mesmo valor temporal do passé surcomposé é o passé antérieur. Ambos marcam a não
concomitância/ anterioridade ao momento de referência pretérito. Assim como o passé
simple, o passé antérieur é um tempo cada vez menos usado, o primeiro ainda é bastante
empregado em textos escritos formais e de acordo com o estilo de alguns escritores, o
segundo, porém, está quase desaparecendo do uso contemporâneo.
O passé surcomposé, assim como o passé antérieur, é sempre usado com
conjunções como dès que, aussitôt que, vite, bientôt, quand e em orações subordinadas (o
passé surcomposé também pode ser usado em orações coordenadas, porém isso é menos
usual).
Para Benveniste, a distinção temporal entre passé composé e passé simple fez
com que o primeiro perdesse sua distinção funcional, tornando-o ambígüo e deficiente. Isso
porque a função funcional do passe composé é marcar a anterioridade ao momento da
enunciação. Mas quando ele se torna um “aoristo do discurso”, isto é, passa a substituir o
passé simple no plano do discurso no ato da comunicação, ele se torna ambíguo “sendo ora
perfeito, tempo composto, ora aoristo, tempo simples” (1988:275).
Assim, quando o passé composé deixa de ser o perfeito e o composto do présent
para exercer a função de aoristo, segundo Benveniste, surge a “necessidade de um novo
tempo composto que exprima por sua vez a ação acabada: esse tempo será o sobrecomposto
j´ai eu fait. Funcionalmente, j´ai eu fait é o novo perfeito de um j´ai fait que se tornou
aoristo” (idem:275). Dessa forma, o paralelismo entre tempos simples e compostos é
restabelecido. Para um tempo présent opõe-se um passé composé, expressando o aspecto
acabado na anterioridade ao momento da enunciação, porém, quando esse passé composé
ocupa um papel de aoristo e se quer marcar a ação acabada e, ao mesmo tempo anterior, de
aoristo; Benveniste usa o exemplo “quand j´ai eu mangé, je suis sorti. Além disso, o
paralelismo temporal é restabelecido entre os dois planos de enunciação: ao par il mangea
(aoristo): il eut mangé (perfeito) da narrativa histórica, o discurso responde agora com il a
mangé (novo aoristo): il a eu mangé (novo perfeito)” (Benveniste:1988:276).
Passé antérieur vs passé surcomposé
85Segundo Hjelmslev, a estrutura é “uma entidade autônoma de dependências
internas” e se “por de trás de todo processo, deve haver um sistema”, o processo é somente a
passagem de um sistema a outro, de acordo com interações sincrônicas. O sistema consiste
em leis de equilíbrio que dependem dessa sincronia. Dessa forma, o conjunto dos significados
forma um sistema à base de distinções e oposições, já que tais distinções relacionam-se umas
com as outras e são interdependentes.
Seguindo esse raciocínio hjemsleviano, chegamos à relação entre o passé simple e
o passé antérieur, às transformações que ocorreram no sistema verbal francês e a uma outra
explicação ao surgimento do passé surcomposé.
Como podemos conferir na literatura, nos meios de comunicação e,
principalmente, na língua oral, o passé simple vem, gradativa e progressivamente,
desaparecendo e sendo substituído, com o mesmo valor, pelo passé composé. Como vimos, o
passé antérieur acompanha o passé simple, se este cai, aquele o acompanha na queda e, para
o equilíbrio do sistema, uma nova, de valor equivalente, surgiu para substituir o passé
antérieur. Se o passé composé é o tempo verbal que vem substituindo o passé simple, no
lugar do passé antérieur será instaurado o “passé surcomposé”. Essa forma não aparece nas
gramáticas normativas, mas, como vimos no exemplo de Balzac, é empregado por grandes
escritores. Vemos, então, que o aparecimento do passé surcomposé foi mais uma questão de
adequação da língua, não existindo, portanto, diferenças de sentido e de valor entre o passé
antérieur e o passé surcomposé.
864.
O discurso direto
“Le temps est l´image mobile de l´éternité immobile”
Platon
Neste capítulo, estudamos o discurso direto em francês, ou seja, o discurso em
que há uma debreagem de segundo grau. A de primeiro grau ocorre quando um narrador é
instalado no enunciado; quando esse mesmo narrador realiza outra debreagem, ou seja,
quando ele delega a voz a um interlocutor, que instaura um novo enunciado, ocorre a
debreagem de segundo grau. Dessa forma, segundo Fiorin, “como no discurso direto, há dois
atos de enunciação enunciados, no que se refere à temporalização, ocorrem dois momentos
distintos de referência, sejam enunciativos, sejam enuncivos” (2001:177).
Fiorin faz uso de um esquema feito por Diana Luz Pessoa de Barros para
apresentar os níveis enunciativos, isto é, as posições dos actantes do enunciado (2001:69):
Implícitos (Enunciação pressuposta)
Debreagem de 1º grau
Debreagem de 2º grau
enunciador {narrador {interlocutor {objeto} interlocutátio} narratário} enunciatário
O discurso direto é amplamente utilizado na linguagem jornalística, pois, na
constante busca do “fazer crer”, tem na debreagem de segundo grau, um importante recurso
para aumentar a credibilidade de seu dito, pois o enunciado parte diretamente do seu
interlocutor e não de um mero narrador; ao passar a palavra ao intelocutor, o narrador, ao
mesmo tempo, diminui sua responsabilidade pelo dito e comprova a veracidade dele: pois ele
não está simplesmente sendo contado, mas sendo reproduzido.
87O discurso direto é um procedimento muito utilizado no quotidiano Le Monde.
Há certas reportagens construídas praticamente só com o emprego desse discurso. Para
ilustrar o que dizemos, apresentamos uma reportagem integral presente na edição do dia 05
de abril de 2006:
CPE : les parlementaires UMP laissent lessyndicat dans le flou
LEMONDE.FR | 05.04.06 | 08h09 • Mis à jour le 05.04.06 | 20h08
"Nous avons demandé le retrait du CPE le plus rapidement possible
pour entrer dans une deuxième phase de négociations qui seraient des
négociations avec les partenaires sociaux pour créer des parcours d'accès à
l'entrée dans la vie active des jeunes", a ajouté François Chérèque.
Pour le secrétaire général de la CGT, Bernard Thibault,"ce n'était
pas des négociations. Tout est encore ouvert : il n'y a pas eu de propos laissant
entendre qu'une abrogation était possible ou impossible". "Vu le grand flou qui
existe pour savoir qui est le pilote du bateau France, il a été décidé que les
parlementaires sont envoyés comme éclaireurs pour chercher une issue à cette
crise. Mais il est évident que rien ne pourra se faire sans un changement de
positionnement du gouvernement", a-t-il prévenu.
Le président de la CFTC, Jacques Voisin, a pour sa part indiqué que
la situation lui paraissait "bloquée". "Il est évident que si lundi on en est toujours
au même point, il faudra continuer à mobiliser et à faire monter l'expression des
salariés et des étudiants", a-t-il déclaré."On leur a expliqué que la solution c'est
le retrait du CPE, qu'il n'y a pas de marge de manœuvre à la négociation, mais
en face, ils n'ont pas de réponses", a-t-il expliqué. "Je me suis permis de
rappeler que le CPE était un dérivé du CNE [contrat nouvelles embauches], on
m'a demandé de ne pas en rajouter", a-t-il encore dit.
FRONT SYNDICALAuparavant, les dirigeants syndicaux ont insisté sur l'unité du front
syndical, rappelant qu'ils tiendraient tous le même discours aux parlementaires
88de la majorité. "L'unanimité des organisations syndicales est sans faille. Elles ont
toutes convenu qu'elles se rendraient à l'invitation des groupes parlementaires
pour exiger le retait du CPE", a déclaré sur LCI René Valladon, secrétaire
confédéral de Force ouvrière."Elles demandent en particulier qu'avant les
vacances parlementaires, la loi promulguant l'abrogation du CPE soit votée", a-t-
il souligné. Les syndicats vont "rester en relation très étroite en n'excluant rien"
sur les suites à donner à la mobilisation, a-t-il ajouté.
L'intersyndicale anti-CPE doit se retrouver lundi, après les
discussions avec les parlementaires de l'UMP qui doivent débuter mercredi
après-midi. Dans l'intervalle, une "mobilisation auprès des élus locaux" a été
décidée pour ce week-end. L'intersyndicale se déclare prête "faute d'une
décision rapide de retrait du CPE à décider d'un nouveau temps fort de
mobilisations sans exclure aucun moyen d'action"."Lundi", date prévue pour une
nouvelle réunion, "nous ferons le point des positions des parlementaires et nous
déciderons. Les 12 ne sont pas dupes des manœuvres dans lesquelles veut
nous enfermer le gouvernement", a souligné Maryse Dumas (CGT).
Le président de l'UNEF, Bruno Julliard, a appelé, à l'issue de
l'intersyndicale, à "tout mettre en œuvre" pour "intensifier la mobilisation" dans
les jours qui viennent dans les universités et à poursuivre les grèves. "Les
blocages et les grèves doivent se poursuivre", a-t-il précisé.Avec AFP et Reuters
O artigo é constituído de seis parágrafos e todos eles apresentam informações por
meio do discurso direto, fato recorrente em todos os artigos desse quotidiano, o que indica a
preferência dos jornalistas de Le Monde por esse recurso, que torna o discurso muito mais
vivo, objetivo e neutro, exatamente como pretende o estilo do ethos de Le Monde.
Vejamos um exemplo isolado de discurso direto no quotidiano Le Monde de 02
de abril de 2006:
"J'appartiens au groupe de ceux qui pensent que le président russe est le garant
d'une évolution démocratique de son pays", a-t-il rappelé.
Nesse trecho, o passé composé do verbo “rappeler”, tempo verbal do sistema
enunciativo, marca a anterioridade ao momento da enunciação na fala do narrador, isto é, no
discurso citante. Já o verbo “appartenir”, no presente, faz parte do discurso citado, isto é, da
fala do interlocutor, e indica a concomitância ao momento da sua fala. Existem, então, duas
89debreagens em dois diferentes momentos da enunciação, um anterior e outro concomitante
ao ME.
Se passarmos a mesma frase ao discurso indireto, teríamos, nesse caso, somente
uma debreagem, que é instalada pelo narrador, não representando mais a própria voz do
interlocutor:
Il a rappelé qu´il appartient au groupe de ceux qui pensent que le président russe
est le garant d'une évolution démocratique de son pays.
Quando se passa do discurso direto para o indireto, passa-se de dois momentos de
enunciação para um só e isso pode, ou não, gerar mudanças nos sistemas verbais, de
enunciativo para enuncivo, assim como em outras marcas temporais, como advérbios,
preposições e conjunções.
As gramáticas, em geral, de língua portuguesa ou francesa, costumam apresentar
quadros que mostram as transformações mais acarretadas ao enunciado no momento da
passagem do discurso direto para o indireto, apresentando tais transformações como regras a
serem sempre utilizadas e cumpridas, como se fosse sempre dessa forma.
Vejamos alguns exemplos deses quadros, tendo como base gramáticas
tradicionais francesas e em sites para o ensino de FLE (français langue étrangère), entretanto,
deve ser salientado que eles têm apenas função ilustrativa, pois, como veremos, as regras não
são tão inflexíveis como eles sugerem.
Neste primeiro quadro, vemos como as gramáticas tradicionais definem as
diferenças entre os discursos direto e indireto e as transformações que ocorrem ao passar do
primeiro para o segundo.
Discours direct Discours indirect
Pontuação Dois pontos, aspas
separam o discurso citado
do discurso citante
Os signos de pontuação não são mais utilizados,
pois as falas e pensamentos estão dentro do
discurso citante
Frases As proposições incisivas
indicam quem são os
personagens cujo discurso
é reportado
A fala é reportada com o auxílio de uma oração
subordinada e a oração que era incisiva passa a ser
a oração principal.
Uma frase declarativa é reportada com o auxílio de
90uma oração subordinada conjuntiva introduzida por
“que”
Uma frase interrogativa é reportada com o auxílio
de uma oração subordinada interrogativa indireta
Uma frase imperativa é reportada com o auxílio de
uma oração subordinada conjuntiva no subjuntivo
ou de um verbo no infinitivo precedido da
preposição “de”.
Tempos
verbais
São, em geral, tempos do
sistema enunciativo
Os tempos dos verbos das orações subordinadas
dependem do tempo do verbo da principal. Pode
haver dois casos:
1. O verbo principal está no presente e o tempo dos
verbos do discurso indireto não muda
2. O verbo principal está em algum tempo do
sistema enuncivo e os verbos das orações
subordinadas pertencem ao mesmo sistema
Marcadores
espacio-
temporais
Utiliza-se marcadores
temporais e espaciais
enunciativos, tais como:
Ici ;
Aujourd’hui, hier,
demain, avant-hier, après
demain, dans deux jours,
cette semaine, la semaine
prochaine …
Quando o verbo da oração principal está no
passado, utiliza-se marcadores temporais e
espaciais enuncivos, tais como:
Là ;
Ce jour-là, la veille, le lendemain, l’avant-veille, le
surlendemain, deux jours plus tard, cette semaine-
là, la semaine suivante.
Pronomes
pessoais e
determinan-
tes
possessivos
Geralmente são
empregados os pronomes
e determinantes
enunciativos de primeira e
segunda pessoa
Os pronomes e determinantes variam de acordo
com as pessoas do discurso
91
O quadro seguinte enfoca as mudanças em relação às conjunções. Quando uma
frase á afirmativa no discurso direto, ela ganhará a conjunção “que” no discurso indireto; as
frases interrogativas sem palavra interrogativa ganham a conjunção “si” no discurso indireto
e as frases interrogativas iniciadas por “qu´est-ce qui” ou “qu´est-ce que” no discurso direto
passam a ser construídas com as conjunções “ce que/ce qui”.
DISCURSO DIRETO CONJUNÇÃO Exemplo
frase afirmativa que / qu‘ Elle dit : Je viens.Elle dit qu‘elle vient.
frase
interrogativa
Sem palavra
interrogativa
si Elle demande : « C‘est beau ?»Elle demande si c‘est beau .
qu‘est-ce quice qui Elle lui demande : « Qu‘est-ce qui te plaît ?
»Elle lui demande ce qui lui plaît.
qu‘est-ce que/
quece que /ce qu‘
Elle lui demande : « Qu‘est-ce que tu fais ? /que fais-tu ? »Elle lui demande ce qu‘il fait.
Outra palavra
interrogativa
Mesma palavra
interrogativaElle lui demande : « Où vas-tu ? »Elle lui demande où il va.
O próximo quadro enfoca o uso dos tempos verbais em francês. Esse tipo de
quadro é muito comum e eles costumam mostrar as mudanças que ocorrem nos verbos. Há
modificações quando, no discurso direto, o verbo principal está no présent, no passé
composé, no futur simple e no futur antérieur; não há modificação nos tempos verbais na
passagem para o discurso indireto nos seguintes tempos: imparfait, plus-que-parfait,
conditionnel présent e conditionnel passé.
92
Discours direct Discours indirect Il a dit : « ... » Il a dit ...présent imparfait « Je travaille » qu‘il travaillait.
imparfait imparfait « Je travaillais » qu‘il travaillait.
autretemps dupassé
passécomposé
plus-que-parfait « J‘ai travaillé» qu‘il avait travaillé.
plus-que-parfait plus-que-parfait « J‘avais travaillé» qu‘il avait travaillé.
futur simple conditionnelprésent
« Je travaillerai» qu´il travaillerait
conditionnel présent conditionnelprésent
« Je travaillerais» qu´il travaillerait
futur antérieur conditionnel passé « J´aurai travaillé» qu´il auraittravaillé
conditionnel passé conditionnel passé «J´aurais travaillé» qu´il auraittravaillé
Essas transformações, porém, podem variar, de acordo com a intenção do
enunciador, interesse e função do discurso ou estilo do sujeito da enunciação. Fiorin mostra
quatro casos, na língua portuguesa, em que não há mudança na passagem de um discurso para
outro(2001:178).
Baseados nesse estudo, vejamos o que acontece na língua francesa:
1) Se o marco temporal instalado no discurso é mantido, os tempos do sistema
enuncivo não são modificados ao passarem do discurso direto ao indireto, como neste
exemplo:
Benoît XVI a lui aussi parlé de la fin de l'agonie de Jean Paul II, dont il fut un des
proches collaborateurs."Le 2 avril, comme aujourd'hui, le bien-aimé pape Jean
Paul II vivait en ces mêmes heures, en cette même salle, l'ultime étape de son
pèlerinage sur la terre, un pèlerinage de foi, d'amour et d'espérance, qui a laissé
93une marque profonde dans l'histoire de l'Eglise et de l'humanité", a-t-il
explique (Le Monde, 02/abril/2006)
Em relação ao marco temporal “le 2 avril”, o verbo “vivre” no imparfait marca a
continuidade pretérita no discurso direto e que se mantém no discurso indireto.
2) Também não há modificação quando o discurso citado tiver verbos do sistema
enunciativo e o momento da enunciação de ambos os discursos, citante e citado, forem
idênticos. Fiorin lembra que “apesar de não haver mudanças nos tempos verbais, os tempos
do discurso indireto dependem do momento da enunciação do narrador e não mais do
momento da fala do interlocutor” (2001:179).
Antes de mostrarmos as possibilidades em que não há mudanças no tempo verbal
em relação ao momento da enunciação do narrador, vale uma pequena explicação sobre o
verbum discendi que, em latim, seriam os verbos introdutores, que podem ser declarativos ou
descritivos. Trata-se do verbo utilizado pelo narrador para introduzir o discurso do
interlocutor; os destinatários devem perceber o estatuto de tais verbos. Esses verbos são
suprimidos no discurso direto livre. Alguns exemplos de verbum discendi em francês:
- dire, raconter, consentir, demander, déclarer, souligner, expliquer, ajouter,
nier, affirmer, commenter, exclamer, accorder, exiger, assurer, montrer, estimer, déclarer,
juger, réagir, révéler, chuchoter, murmurer, bafouiller, etc.
O verbo introdutor pode estar inserido no discurso sob forma de incisiva com a
inversão do verbo e do sujeito:
Et "le refus d'abroger le contrat première embauche, sous une forme ou sous
une autre, est visiblement l'objet de sordides tractations", a-t-il ajouté (Le Monde,
07/abril/2006).
Vejamos finalmente, em francês, as possibilidades comentadas acima,
observando que todos os enunciados, se passados de um discurso ao outro, não sofrerão
modificações em seus tempos verbais (os exemplos em itálico são transformações nossas para
visualizar a estabilidade dos tempos verbais):
a) simultaneidade do verbum discendi:
1. simultaneidade:
94discurso direto:
“L´entreprise qui gère l´immeuble se fiche de nous, dédaigne nos appels, ignore
les réparations et se contente d´encaisser les loyers” s´indigne Fatou Diarra (Le
Monde, 08/abril/2006).
discurso indireto:
Fatou Diarra s´indigne que l´entreprise qui gère l´immeuble se fiche d´eux,
dédaigne leurs appels, ignore leurs réparations et se contente d´encaisser leurs loyers’
(nesse caso o pronome tônico e os adjetivos possessivos mudam, porém o tempo verbal
permanece o “présent”)
2. anterioridade:
discurso direto:
“Toutes les familles ont été relogées à Paris”, répond Inza Fofana (Le Monde
8/abril/2006)
discurso indireto:
Inza Fofana répond que toutes les familles ont été relogées à Paris.
3. posterioridade:
discurso direto:
Il prévoit:
— Les deux exemplaires de l´Antonov-124, le plus gros avion du monde en
service civil, seront stationnés à temps plein sur l´aéroport de Leipzig.
discurso indireto:
Il prévoit que deux exemplaires de l´Antonov-124, le plus gros avion du monde
en service civil, seront stationnés à temps plein sur l´aéroport de Leipzig (Le
Monde 8/abril/2006).
b) anterioridade do verbum discendi:
1. simultaneidade:
discurso direto:
95 Il a indiqué avoir demandé à son ministre de la justice, Marcio Thomaz
Bastos:
— Mettez fin aux rébellions à Sao Paulo et évitez plus de morts.
discurso indireto:
Il a indiqué avoir demandé à son ministre de la justice, Marcio Thomaz Bastos,
"de mettre fin aux rébellions à Sao Paulo et d'éviter plus de morts" (Le Monde
14/maio/2006)
2. anterioridade:
discurso direto:
Dans une conférence de presse, le gouverneur de Sao Paulo, Claudio Lembo, a
reconnu:
— La police savait le risque qu'elle prenait en procédant à l'opération
discurso indireto:
Dans une conférence de presse, le gouverneur de Sao Paulo, Claudio Lembo, a
reconnu que la police savait le risque qu'elle prenait en procédant à l'opération
(Le Monde 14/maio/2006)
3. posterioridade:
discurso direto:
Marie Humbert a promis:
—Je me battrai encore plus maintenant pour une 'loi Vincent Humbert’ qui
autoriserait une aide active à mourir.
discurso indireto:
Marie Humbert a promis de se "battre encore plus maintenant pour une 'loi
Vincent Humbert' qui autoriserait une aide active à mourir" dans certains cas. (Le
monde, 27/fevereiro/2006)
c) posterioridade do verbum discendi:
1. simultaneidade:
discurso direto:
96“J´ai l´impression de le connaître depuis toujours, il est exactement comme je
l´avais imaginé”, nous confiera, ému, quelques heures après l´arrestation, le
procureur substitut de la direction antimafia chargé de l´enquête, Michel
Prestipino (Le monde, 13/abril/2006).
discurso indireto:
Le procureur substitut de la direction antimafia chargé de l´enquête, Michel
Prestipino nous confiera, ému, quelques heures après l´arrestation qu´il a l´impression de le
connaître depuis toujours et qu´ il est exactement comme il l´avait imaginé.
2. anterioridade:
discurso direto:
“Il savait déjà que les choses étaient décidées”, confiera plus tard M. Boidevaix.
(Le monde, 12/abril/2006)
discurso indireto:
M. Boidevaix confiera plus tard qu´ il savait déjà que les choses étaient décidées.
3. posterioridade:
discurso direto:
“Un jour, les machines qui nous entourent nous reconnaîtront individuellement et
s'adapteront à nos besoins particuliers" expliquera-t-elle (Le monde,
12/abril/2006)
discurso indireto:
Elle expliquera qu´un jour, les machines qui nous entourent nous reconnaîtront
individuellement et s'adapteront à nos besoins particuliers.
3) No terceiro caso em que não há mudança de tempo verbal na passagem de um
discurso para outro, o verbum discendi pertence ao subsistema enuncivo pretérito e os tempos
do discurso citado pertencem ao sistema enunciativo (os negritos são nossos):
a. do présent para o imparfait
discurso direto:
Spike Lee a répondu: ”Je ne veux pas revenir sur le passé” (Le monde,
12/abril/2006)
Spike Lee a répondu qu´il ne voulait pas revenir sur le passé.
97
b. do passé composé para o plus-que parfait
discurso direto:
Spike Lee a répondu: “C´est une des choses qui m´ont plu dans le script, et j´ai
apporté aussi des éléments dans ce sens: voir New York dans sa diversité, non
seulement éthique, mais aussi de classes, de croyances, de styles” (Le monde,
12/abril/2006)
discurso indireto:
Spike Lee a répondu que c´était une des choses qui lui avait plu dans le script, et
qu´il avait apporté aussi des éléments dans ce sens: voir New York dans sa diversité, non
seulement éthique, mais aussi de classes, de croyances, de styles.
c. do futur simple para o conditionnel
discurso direto:
On a demandé: “Votre prochain film évoquera le boxeur Joe Louis. Ce sera un
gros film?” (Le monde, 12/abril/2006)
discurso indireto:
On a demandé si son prochain film évoquerait le boxeur Joe Louis et si ce serait
un gros film.
4) O último caso ocorre quando o verbum discendi pertencer ao subsistema
enuncivo futuro.
Como o sujeito da enunciação de um quotidiano trabalha sob fatos concretos,
objetivos e, em geral, já ocorridos são escassos os casos em há previsões ou suposições sobre
possíveis discursos do sujeito do enunciado. Nos jornais analisados não foram encontrados
exemplos para os casos cujo verbum discendi apresenta-se no sistema verbal futuro.
a. présent
discurso direto: Nous dirons: “Elle est une élève exemplaire”.
discurso indireto: Nous dirons qu´elle est une élève exemplaire.
b. passé composé
discurso direto: Nous dirons: “Elle a été une élève exemplaire.
98discurso indireto: Nous dirons qu´elle est une élève exemplaire.
c. futur simple
discurso direto: Nous dirons: “Elle sera une élève exemplaire.
discurso indireto: Nous dirons qu´elle est une élève exemplaire.
No jornal Le monde de 14 de maio de 2006, temos este exemplo de discurso
indireto cuja passagem ao discurso direto acarretaria mudança do tempo verbal:
“Le président brésilien, Luiz Inacio Lula da Silva, a déclaré depuis Vienne où il
participait au sommet de l'UE-Amérique latine/Caraïbes que la violence au Brésil
était attribuable à un manque d'investissement dans les programmes sociaux”
(Le Monde 14/maio/2006)
Transmutando para o discurso direto, o tempo verbal “imparfait” do discurso
indireto passa ao “présent” no discurso direto:
Le président brésilien, Luiz Inacio Lula da Silva, a déclaré depuis Vienne où il
participait au sommet de l'UE-Amérique latine/Caraïbes:
— La violence au Brésil est attribuable à un manque d'investissement dans les
programmes sociaux.
Fiorin ainda faz referência ao advérbio, que deve mudar de sistema verbal,
enuncivo ou enunciativo, acompanhando as mudanças do discurso. “O advérbio comanda o
tempo do discurso citado” (2001:181), como vemos neste exemplo:
discurso direto:
Le communiqué annoçait: “Demain, France Soir, ses 112 salariés et ses pigistes
seront fixés sur leur sort” (Le Monde 14/maio/2006)
discurso indireto:
Le communiqué annoçait que le lendemain, France Soir, ses 112 salariés et ses
pigistes seriont fixés sur leur sort.
Vejamos um terceiro quadro, especificando as transformações no que concerne
aos marcadores temporais. Nesse caso, quando os advérbios pertencem ao sistema temporal
enunciativo, no discurso direto, eles serão substituídos pelos seus equivalentes no sistema
temporal enuncivo, no discurso indireto:
99
Discurso direto Discurso indireto
Avant-hier L'avant-veille
Hier La veille
Aujourd'hui Ce jour-là
Demain Le lendemain
Après-demain Le surlendemain
Cette semaine Cette semaine-là
La semaine dernière La semaine précédente
L'année dernière L'année précédente
Le mois dernier Le mois précédent
La semaine prochaine La semaine suivante
L'année prochaine L'année suivante
Le mois prochain Le mois suivant
Dans deux jours Deux jours plus tard
Em relação ao discurso indireto livre, “como ocorre uma embreagem nos tempos
verbais da fala da personagem, usam-se os tempos verbais do discurso indireto com o valor
de tempos do discurso indireto” (Fiorin:2001:181). Como diz Grevisse, “apresenta as formas
do estilo indireto, mas mantém o ton do estilo direto” (1969:1137).
O discurso indireto livre é um tipo de discurso direto no qual as marcas da
enunciação são apagadas, tais como a pontuação (aspas, travessão), assim como os verbos
introdutores; dessa forma, os discursos citado e citante encontram-se no mesmo plano, o que
dificulta distinguir qual é qual.
Por essa razão, o discurso indireto livre é raramente utilizado na mídia impressa,
pois ele vai contra sua cena genérica de objetividade, clareza e veracidade diante dos fatos
narrados. Nesse caso, o contexto é indispensável para que o leitor perceba a polifonia, isto é,
a segunda voz do discurso.
1005.
O subjuntivo
“Si je parle du temps, c'est qu'il n'est pas encore, si je parle d'un lieu,
c'est qu'il a disparu, si je parle d'un homme, il sera bientôt mort,
si je parle du temps, c'est qu'il n'est déjà plus”
Raymond Queneau (1903 – 1976), L'explication des métaphores
Neste capítulo, analisamos as relações de concordância entre os modos verbais
indicativo e subjuntivo, sendo que este é condicionado por aquele. A palavra “subjuntivo”
vem do latim subjugere, que significa “colocar sob a dependência de”; é o modo que
expressa o tempo da intenção ou como diz Robert Wagner, é o modo da interpretação do
processo (1984:126).
As gramáticas tradicionais definem o modo subjuntivo como sendo aquele cujo
tempo verbal é dependente do tempo do verbo da oração principal e a ele condicionado, como
vemos na definição da Grammaire Larousse du Français Contemporain: “O quadro temporal
no interior do qual a ação se situa compete ao verbo principal, e é em relação a esse verbo
que o subjuntivo marca a ação como anterior, simultânea ou posterior” (1964:359). Segundo
Robert Wagner e Jacqueline Pinchon, “o valor próprio do subjuntivo resulta da oposição na
qual esse modo se encontra em relação ao indicativo. Graças ao número de suas formas, o
indicativo está apto a atualizar um processo. Nos servimos dele para colocar uma coisa, para
situa-la em uma das três épocas da duração” (1984:128).
José Luiz Fiorin aponta que outros fatores devem também ser considerados: “Ora,
na medida em que levamos em conta vários condicionamentos para o estabelecimento do
tempo verbal (momentos de referência distintos, relações de concomitância e de não-
concomitância em relação a ele, etc.), passamos a examinar as relações temporais no quadro
mais amplo da enunciação, o que nos leva a falar mais de compatibilidades temporais que
propriamente de concordância de tempos” (2001:183).
De acordo com Maurice Grevisse, em seu capítulo sobre a correspondência dos
tempos, a concordância é, em geral, estabelecida regulamentando o tempo da oração
subordinada ao tempo do verbo da oração principal, porém deve ser considerado, também, o
101tempo da oração subordinada em relação ao momento da enunciação, dessa forma “par
discordance de temps, peuvent être rendues bien des nuances délicates” (1969:1126).
A Grammaire Larousse du Français Contemporain define o subjuntivo como o
“modo que o falante utiliza para apreciar a realização ou as possibilidades de realização da
ação (...) este modo é preferencialmente um modo da interpretação que um modo da
atualização dos fatos. É por isso que o subjuntivo só conta com quatro tempos contra os doze
tempos do indicativo” (1964:359).
O subjuntivo, segundo Grevisse, “exprime, em seu valor fundamental, um
processo considerado simplesmente no pensamento, proporcionando-lhe o colorido de uma
interpretação ou de uma apreciação (ao contrário do indicativo, que atualiza o processo
situando-o em uma das três épocas da duração); considera-o como inexistente ou ainda não
existente, o fato não sendo colocado pelo sujeito falante no plano da realidade” (1969:684). O
subjuntivo é comumente associado ao termo “subjetivo” (opondo-se a objetivo, que seria
marcado pelo indicativo), como vemos em várias gramáticas, como, por exemplo, a
Grammaire Progressive (1995:228), muito utilizada no ensino do FLE (Français langue
étrangère). Ele pode exprimir desejo, temor, medo, obrigação, concessão, restrição,
necessidade, dúvida, arrependimento, ordem, finalidade, opinião e é composto, segundo
Robert Wagner e Jacqueline Pinchon, de quatro formas (1984:135):
ACTIF
FORME SIMPLE PRÉSENT
Que j´aime
IMPARFAIT
Que j´aimasse
FORME COMPOSÉ PASSÉ
Que j´aie aimé
PLUS-QUE-PARFAIT
Que j´eusse aimé
PASSIF
FORME SIMPLE PRÉSENT
Que je sois aimé
IMPARFAIT
Que je fusse aimé
FORME COMPOSÉ PASSÉ
Que j´aie été aimé
PLUS-QUE-PARFAIT
Que j´ eusse été aimé
102
No francês moderno, apenas as formas do subjuntivo presente e passado são
utilizadas na linguagem oral, as formas do subjuntivo imperfeito e mais que perfeito não são
mais utilizadas na língua falada, “salvo talvez entre as pessoas com mais idade e mais cultas,
assim como na língua literária” (Maingueneau:1999:56).
No capítulo anterior, vimos as transformações temporais ao passar do discurso
direto ao indireto e que “os tempos do indicativo são usados, seja nas orações principais, seja
nas subordinadas, para exprimir a concomitância ou não-concomitância (anterioridade ou
posterioridade), quer em relação ao momento da enunciação, quer em relação a um marco
temporal pretérito ou futuro colocado no enunciado” (Fiorin:2001:184).
Fiorin mostra que, para se falar em concordância de tempos, o tempo verbal deve
ser compatível ao momento de referência e que há sempre três possibilidades para cada caso,
pois o verbo da oração subordinada pode expressar simultaneidade, anterioridade ou
posterioridade. Isso serve tanto para a língua portuguesa quanto para a língua francesa.
Vejamos estes exemplos:
Se momento de referência tem como marco temporal um verbo no “imparfait”, a
concomitância é expressa pelo “imparfait”, a anterioridade, pelo “plus-que-parfait” e a
posterioridade, pelo “conditionnel présent” (“futur du passé”):
Je savais qu´elle venait. (concomitância)
Je savais qu´elle était venue. (anterioridade)
Je savais qu´elle viendrait. (posterioridade)
Caso o marco temporal do momento de referência seja expresso por um verbo no
“présent”, a concomitância será expressa pelo “présent”, a anterioridade, pelo “passe
composé” e a posterioridade, pelo “futur”:
Je sais qu´elle vient. (concomitância)
Je sais qu´elle est venue. (anterioridade)
Je sais qu´elle viendra. (posterioridade)
Se o marco temporal do momento de referência é expresso por um verbo no
“futur”, a concomitância será expressa pelo “futur”, a anterioridade, pelo “futur antérieur” e a
posterioridade, pelo “futur”:
103Je saurai si elle viendra. (concomitância)
Je saurai si elle sera venue. (anterioridade)
Je saurai si elle viendra. (posterioridade)
Vemos, dessa forma, que existe um padrão na relação entre os verbos no modo
indicativo e o modo de referência. Entretanto, no modo subjuntivo, a relação não ocorre da
mesma maneira. Em francês, o subjuntivo tem uma relação semântica com as partes (verbos,
advérbios, locuções verbais) da oração principal que orientam o comportamento do verbo na
oração subordinada. As gramáticas para o ensino do FLE costumam apresentar construções
diante das quais é necessário o emprego do modo subjuntivo, tais como:
Verbos e locuções verbais com as quais se emprega o subjuntivo
aimerapprouverattendre
avoir envieavoir peurcraindredéfendredemanderdéplorer
désirerdouter
s’étonnerexiger
faire attentionfalloir (Il faut que)
importerinterdireordonner
permettrepréférer
prendre garderefuser
regrettersouhaiter
tenir àvouloir
Locuções conjuntivas com as quais se emprega o subjuntivo
à condition queà moins que
à supposer queafin que
avant quebien que
de crainte que
de façon quede peur que
en admettant queencore que
jusqu'à ce quemalgré que
non que
pour peu quepour que
pourvu quequoiquesans que
si tant est quesoit que… soit que…
Isso quer dizer que, se o emprego do subjuntivo depende do verbo utilizado na
oração principal, deve haver concordância entre eles, estabelecendo coerência sintática e
104semântica. A oração subordinada expressa fatos que podem ser simultâneos, anteriores ou
posteriores ao momento de referência marcado temporalmente na oração principal.
Essa concordância de tempos pode variar em três grupos:
A) Tempo da oração principal pertencente ao sistema enunciativo;
B) Tempo da oração principal pertencente ao sistema enuncivo (anterioridade);
C) Tempo da oração principal pertencente ao sistema enuncivo (posterioridade).
Coerente à cena genérica de imprensa dita séria e sendo considerado, dentro e
fora do país, como o jornal de referência francês, Le monde emprega predominantemente o
modo da certeza, do verossímil e da realidade, isto é, o modo indicativo. Sendo assim, não foi
possível encontrar exemplos para todas as possibilidades de uso e combinação do modo
subjuntivo no material utilizado como córpus para essa pesquisa. Por isso, completamos com
exemplos retirados de outras fontes.
A) Quando o tempo da oração principal estiver num dos tempos do sistema
enunciativo, isto é, présent, passé composé ou futur simple, teremos as seguintes
possibilidades na oração subordinada:
1) Présent
a. simultaneidade: présent
Selon l'entourage de Bernard Accoyer, les parlementaires UMP sont
"déterminés à tout faire pour que la proposition de loi" sur l'emploi des
jeunes "soit prête dès lundi" (Le monde, 07/abril/2006)
b. anterioridade: passé
Le document ne précise toutefois pas que MM. Bush et Cheney aientspécifiquement autorisé Lewis Libby à révéler l´identité de Valerie Plame
(Le Monde 08/abril/2006)
c. posterioridade: présent
Les difficultés viennent d´ailleurs; elles surgissent à chaque tour de
phrase d´impératifs contradictoires qui rendent presque impossible l´acte
d´écrire: que les mots soient à la fois justes et musicaux; que les détails,
se détachant pour eux-mêmes, vaillent comme éléments entrant dans un
ensemble (Le Monde 14/abril/2006).
105
2) passé composé
a. simultaneidade: imparfait
Mais ma bonté t’a épargné parce que ton âme a été précieuse devant
moi; mais je ne t’ai point délaissé afin que tu connusses mon amour et
que mes bienfaits ne cessassent jamais d’être présents à ton coeur, que
tu fusses toujours prêt à te soumettre, à t’humilier et à souffrir les mépris
et la patience. (http://www.magnificat.ca/textes/imitation/imit3-13.htm)
b. anterioridade: passé
La députée d'origine somalienne Ayaan conservera la nationalité
néerlandaise bien qu'elle ait menti lorsqu'elle a rempli sa demande
d'asile politique pour échapper à un mariage forcé en 1992, a annoncé
mardi la ministre de l'Immigration.
(http://www.wikio.fr/societe/famille/mariage/mariages_forces)
c. posterioridade: imparfait
J'ai écrit au citoyen Cacanit pour qu'il eût sur-le-champ à évacuer Rome;
on n'a pas d'idée des mauvais traitements que cette prêtraille lui a fait
essuyer. (http://www.gutenberg-e.org/haw01/archive/app01.1427.html)
3) futur simple
a. simultaneidade: présent
Ces paroles rejoignent toutes celles que Jésus dira pour nous avertir, pour
que nous fassions selon sa volonté.
b. anterioridade durativa: imparfait
Il connaîtra l´histoire bien qu´il ne fusse ici.
c. anterioridade pontual: passé
Seulement une personne qui y est allée, pourra comprendre ce qui se
passe.
On comprendra tout avant qu´il soit arrivé.
d. posterioridade: présent
106Les mères feront toujours le possible et l´impossible pour que leurs fils
soient heureux.
B) Quando o tempo da oração principal estiver num dos tempos do sistema
enuncivo da anterioridade, teremos as seguintes possibilidades na oração subordinada:
1) simultaneidade: imparfait
“Encore fallait-il trouver les artistes capables de se plier à toutes ces
disciplines, acrobates, jongleurs, trapézistes, équilibristes, mais aussi
chanteurs, danseurs, acteurs et musiciens, et les rassembler, sans que
les langues fissent obstacle” (Le Monde 10/abril/2006)
2) anterioridade: plus-que-parfait
Il connaissait le japonais sans qu´il l’ ait jamais étudié.
3) posterioridade: imparfait
Il m´a demandé que je ne mentisse plus.
C) Quando o tempo da oração principal estiver num dos tempos do sistema
enuncivo da posterioridade, teremos as seguintes possibilidades na oração subordinada:
1) simultaneidade: présent
Après avoir utilisé l´ordinateur je partirai afin que tu sois tranquille.
2) anterioridade: passé composé
Je vais encore lui faire confiance encore qu´il m´ait trompé une fois.
3) posterioridade: présent
La prochaine fois je ferai plus attention pour que cela ne se passe pas de
nouveau.
Vejamos um quadro que resume a concordância dos tempos no modo subjuntivo
francês:
107
Verbo principal Verbo subordinado
MR SISTEMA ENUNCIATIVO
Simultaneidade PRÉSENT
Anterioridade durativa IMPARFAIT
Anterioridade pontual PASSÉ COMPOSÉ
PRÉSENT
posterioridade PRESENT
Simultaneidade IMPARFAIT
Anterioridade PASSÉ COMPOSÉ
PASSE COMPOSÉ
posterioridade IMPARFAIT
Simultaneidade PRÉSENT
Anterioridade durativa IMPARFAIT
Anterioridade pontual PASSÉ COMPOSÉ
FUTUR SIMPLE
posterioridade PRÉSENT
MR SISTEMA ENUNCIVO (ANTERIORIDADE)
simultaneidade IMPARFAIT
Anterioridade PLUS-QUE-PARFAIT
posterioridade IMPARFAIT
MR SISTEMA ENUNCIVO (POSTERIORIDADE)
simultaneidade PRÉSENT
Anterioridade PASSÉ COMPOSÉ
posterioridade PRÉSENT
O francês, assim como o português, apresenta diferenças intrínsecas entre os
modos subjuntivo e indicativo. O primeiro, como vimos, é o modo do possível, da hipótese,
daquilo que ainda pertence ao âmbito do pensamento; o segundo é o modo do que existe e
acontece de fato, no âmbito da realidade e do realizável. Já vimos certos verbos que são
empregados com o subjuntivo, porém há alguns que são utilizados somente com o modo
indicativo, como o verbo “espérer”, diferentemente do português. O verbo “esperar”, na
língua portuguesa, acompanha o modo subjuntivo e, na língua francesa, o indicativo:
Espero que você seja feliz na Europa.
108J´espère que vous serez heureux en Europe.
Espero que funcione!!!
J´espère que ça marchera!!!
Espero que vc tenha tomado a decisão correta.
J´espère que tu as pris la décision correcte.
Em francês, o verbo “espérer” expressa, assim como croire, voir, vouloir,
supposer, entre outros, fatos realizáveis e concretos, marcando a simultaneidade,
posterioridade ou anterioridade ao momento de referência expresso pelo verbo da oração
principal, como no exemplo com o verbo “croire”:
“Je crois bien que j'ignorais alors que Jospin cachait cette période de sa vie. Je
supposais encore moins qu'il était resté si longtemps en contact avec Lambert,
n'ayant plus eu le moindre rapport avec lui depuis 1966", expliquait Boris
Fraenkel dans ses mémoires "Profession révolutionnaire" (Le monde
01/maio/2006)
Uma outra diferença bastante relevante entre essas duas línguas é o uso da
conjunção “se” (“si”, em francês). Em português, essa conjunção pode ser acompanhada
tanto do modo indicativo, quando expressa “uma condição real e incontestável”
(Fiorin:2001:189) quanto no subjuntivo, “quando o período hipotético manifestar o efeito de
sentido de improbabilidade ou de realidade” (idem). Ainda em português, “com orações
condicionais introduzidas por se, conformativas e temporais, bem como com orações
adjetivas, exprime-se, com o futuro do presente do subjuntivo, a simultaneidade eventual em
relação ao futuro do presente do indicativo” (Fiorin:2001:188). Em contrapartida, na língua
francesa, a conjunção “si”, em qualquer caso, acompanha o modo indicativo, com diferentes
nuances, que veremos adiante. Em francês, o tempo verbal “futur do présent” não existe no
modo subjuntivo, para marcar a posterioridade ao momento de referência no subjuntivo em
língua francesa, emprega-se os tempos “présent” ou “futur simple”:
"Si on laisse faire le marché, le déploiement de la fibre optique ne se fera que
dans les zones rentables", explique-t-il (Le monde, 29/abril/2006)
109A conjunção “si” pode expressar condição, suposição, hipótese, desejo,
sugestão, indignação, temor, substantivos esses usados para definir o modo subjuntivo,
entretanto, tal conjunção será sempre acompanhada pelo modo indicativo:
"Tout ce que l'on fait là n'aura servi à rien si la droite gagne les élections". (Le
monde, 29/abril/2006)
Mas a conjunção “si” também pode indicar um fato real, marcar causa, oposição,
concessão:
Si seulement la moitié des logements disposent d'Internet (12,5 millions de
foyers), 80 % d'entre eux ont adopté le haut débit (Le monde, 29/abril/2006).
Vejamos os casos em que aparece e de que forma a conjunção “si” é empregada
em francês:
1. Expressando probabilidade, quando o momento de referência acompanhado
pela conjunção “si” é expresso pelo tempo “présent”, o segundo verbo pode marcar uma
relação de simultaneidade e posterioridade em relação ao MR:
a) Si + présent de l'indicatif → présent de l'indicatif
Si tu veux, tu peux partir.
b) Si + présent de l'indicatif → futur simple
Si tu viens, on ira au théâtre.
2. Para expressar hipótese, como vemos no exemplo abaixo, o segundo verbo
expressa a posterioridade ao MA futuro em relação a um momento de referência pretérito,
expresso pelo tempo “imparfait”, que acompanha a conjunção “si”:
Si + imparfait → conditionnel présent
Si je gagnais au loto, je ferais le tour du monde.
3. Para expressar uma hipótese não realizada no passado, o segundo verbo pode
marcar a posterioridade ao MA futuro em relação ao MR pretérito e, nesse caso, a
conseqüência se dá no momento da enunciação:
Si + plus-que-parfait → conditionnel présent
Si j'avais fait mon droit, je serais avocat.
110Ou em um momento de referência passado, e nesse caso, o verbo da oração
subordinada expressa a posterioridade ao MA futuro:
Si + plus-que-parfait → conditionnel passé
Si vous étiez venus plus tôt, vous auriez vu Marie.
"Si certains n'aiment pas la France, qu'ils ne se gênent pas pour la quitter. Ce
n'est pas une injonction, pas une invitation non plus (...) ça s'adresse à tout le
monde", a-t-il répondu. (Le monde, 29/abril/2006)
1116.
As embreagens verbais
“Le temps est invention, ou il n'est rien du tout”
Henri Bergson (1859 – 1941), L'Evolution créatrice
Nesse capítulo, analisamos os processos de embreagem nos tempos verbais
franceses. Embreagem é o retorno à enunciação, neutralizando as posições das categorias de
pessoa, espaço e tempo desreferencializando o enunciado. Aqui encontramos a ação do
sujeito como ator da enunciação ao construir o seu discurso e seu agir no mundo, pois o
mecanismo de embreagem é carregado de ideologia e nunca está despido de intenção, ao
contrário, esse mecanismo tem como característica principal a transformação do sentido e a
criação de outros efeitos de sentido.
Vejamos, primeiramente, o que significa a palavra embreagem. Em seu sentido
denotativo, de onde nasce sua conotação metafórica, o dicionário Le Petit Larousse nos dá a
seguinte definição:
“EMBRAYAGE nom masculin 1. Action d´embrayer. 2. Mécanisme permettant
d´embrayer. Pédale d´embrayage”
“EMBRAYER verbe transitif. MÉCANIQUE INDUSTRIEL. Mettre en liaison
une pièce mobile, un mécanisme, avec l´arbre moteur. – Absol. Établir la liaison entre l´arbre
entraîné et l´arbre moteur d´un véhicule automobile. Verbe transitif indirect (sur). Fam.
Commencer à parler de; entreprendre, attaquer. Il a directement embrayé sur le sujet”
José Luís Fiorin, cujo modelo seguimos, define “embreagem” da seguinte
maneira:
“Ao contrário da debreagem, que é a projeção, para fora da instância da
enunciação, dos tempos que servem para constituir o enunciado, quer um enunciado que seja
um simulacro da enunciação, a embreagem temporal é o ‘efeito de retorno à instância da
enunciação, produzido pela suspensão da oposição entre certos termos’ da categoria de
tempo” (2001:191).
112Entretanto, para que não haja confusões é válido ressaltar que há estudiosos,
como Denis Bertrand, que usam o termo “embreagem” para definir o que chamamos de
debreagem enunciativa:
“A partir do horizonte da debreagem, o sujeito enunciador pode retornar à
enunciação e realizar a segunda operação, a embreagem, que instala o discurso em primeira
pessoa. Ele consiste, então, no sujeito da fala, em enunciar as categorias dêiticas que o
designam, o “eu”, o “aqui” e o “agora”: sua função é manifestar e redescobrir ‘o lugar
imaginário da enunciação’ por meio dos simulacros de presença eu, aqui e agora”
(Bertrand:2003:91).
Se tomarmos a definição dada pelo dicionário Le Petit Larousse para o termo
embrayeur, temos uma explicação semelhante:
“EMBRAYEUR nom masculin. LINGUISTIQUE. Unité linguistique dont la
propriété est de mettre en rapport le message linguistique et la réalité extralinguistique. (Ce
sont par exemple certains pronoms [je, tu], les déictiques, les catégories de temps et de mode,
etc.)”
Enfim, no processo de embreagem temporal, certos tempos verbais são usados
com valores de outros tempos por meio da ação do enunciador, ou sujeito da enunciação, e de
acordo com suas intenções, objetivos e efeitos que deseja criar. “Assim, com esse
procedimento, passa-se da ilusão enunciativa da naturalidade dos tempos do dizer e do dito,
da quimera de que o tempo lingüístico é o tempo do mundo para a certeza de que o tempo é
efeito de sentido produzido na e pela enunciação” (Fiorin:2001:191).
Assim como Fiorin mostrou em português, também em francês, teoricamente,
todos os tempos verbais podem ser neutralizados e usados na posição de outros. Seguindo o
modelo de Fiorin, dividiremos os tempos verbais franceses em três grupos:
A) Neutralizações dentro de um mesmo sistema, enunciativo ou enuncivo;
B) Neutralizações entre os mesmos termos (um tempo verbal que marque
concomitância por outro que também marque concomitância; anterioridade por anterioridade
ou posterioridade por posterioridade) pertencendo a categorias topológicas de sistemas
diferentes (um termo da categoria enunciativa e outro da enunciva);
C) Neutralizações entre termos diferentes da categoria topológica de sistemas
diferentes.
113Como resultado desses processos de neutralizações dos tempos verbais,
podemos ter dois tipos de embreagem, dependendo a qual sistema pertence o tempo verbal
que permanece no enunciado. São eles:
a) Embreagem enunciativa:
Se o resultado da neutralização for um tempo verbal pertencente ao sistema
verbal enunciativo;
Le Parlement a tourné, jeudi 13 avril, la page du contrat première embauche en
adoptant, par 158 voix contre 123, la proposition de loi sur "l'accès des jeunes à
la vie active en entreprise", dispositif qui remplace le CPE (Le monde
14/abril/2006)
No exemplo, o marco temporal é “jeudi 13 avril”, usado para marcar a
concomitância do momento de referência expresso pelo verbo “touner” no passé composé (a
touné). Entretanto, o tempo verbal que marca a concomitância no pretérito é o passé simple,
que aqui está sendo neutralizado pelo passé composé. Como esse tempo pertence ao sistema
verbal enunciativo, dizemos que ocorre, aqui, uma embreagem enunciativa.
a) Embreagem enunciva:
Se o resultado da neutralização for um tempo verbal pertencente ao sistema
verbal enuncivo;
Paris a toutefois reconnu qu'un Mirage français avait tiré mercredi "un coup de
semonce" en direction d'une colonne de rebelles qui faisaient route vers la
capitale (Le monde 14/abril/2006)
No exemplo, o marco temporal é “mercredi”, usado para marcar a concomitância
do momento de referência expresso pelo verbo “tirer”. Entretanto, ao invés de ser usado aqui
passé simple, o tempo apropriado para marcar a concomitância no pretérito, é utilizado o
plus-que-parfait; por ser um tempo do sistema enuncivo, trata-se, nesse caso, de uma
embreagem enunciva.
Em um texto, só é possível saber se houve embreagem temporal se existem
marcas temporais que evidenciem o processo, como vimos nos exemplos acima. “Quando
ocorre uma embreagem temporal, portanto, deve haver no contexto marca temporal que
114permita dizer que um tempo verbal ou um advérbio estão sendo usados com o valor de
outro” (Fiorin:2001:193). Para ilustrar, vejamos esta frase do jornal Le Monde, de 29 de abril
de 2006:
Aujourd'hui, seuls 2 000 habitants se sont abonnés à ce débit annoncé de 100
mégabits par seconde.
O marco temporal nessa frase é o advérbio “aujourd´hui”, que marca a
concomitância no sistema enunciativo. Porém, o momento de referência é expresso pelo
tempo “passé composé” (“se sont abonnés”), responsável por marcar a anterioridade no
mesmo sistema. Nesse caso, temos uma embreagem enunciativa dentro da mesma categoria
topológica, em que o passé composé neutraliza o présent.
A seguir, apresentamos três quadros com as possibilidades teóricas de
embreagem em francês e os tempos verbais correspondentes, de acordo com os três grupos
acima definidos. São considerados, nestas possibilidades, somente os tempos verbais
registrados na língua francesa corrente, isto é, não consideramos os tempos verbais em
desuso ou raros, tais como o passé antérieur e o passé surcomposé. Esse último, de uso
exclusivamente oral (ou literário, no discurso citado de estilo direto para tranpor a fala dos
interlocutores), só é usado em certas regiões da França.
Outra remarca a fazer é concernente à posterioridade ao momento de referência
pretérito; ela é marcada de duas formas:
- simples: futur du passé (também chamado “conditionnel présent”);
- composta: futur antérieur du passé (também chamado “conditionnel passé”).
Porém, não analisamos como dois tempos verbais distintos, mas como
representativos de um só termo: futur (antérieur) du passé, marcador da não-
concomitância/anterioridade em relação ao MR pretérito.
Também atentamos para o fato de que somente o momento de referência pretérito
apresenta concomitância pontual e durativa, por isso não é especificado como sendo do
pretérito, como fazemos com os outros termos: anterioridade do pretérito, posterioridade do
pretérito, concomitância do futuro etc.
Por último, devemos salientar que, em nosso corpus, o jornal francês Le Monde,
não foi possível encontrar exemplos para muitas destas possibilidades teóricas pois muitas,
embora gramaticalmente possíveis, não são viáveis no uso; essa constatação também reflete
escolhas feitas pelo sujeito da enunciação e coerentes ao ethos do jornal.
115
GRUPO A: Neutralizações no mesmo sistema
SISTEMA ENUNCIATIVO
1. concomitância pela anterioridade présent por passé composé
2. concomitância pela posterioridade présent por futur simple
3. anterioridade pela concomitância passé composé por présent
4. posterioridade pela concomitância futur simple por présent
5. anterioridade pela posterioridade passé composé por futur simple
6. posterioridade pela anterioridade futur simple por passé composé
SISTEMA ENUNCIVO PRETÉRITO
7. concomitância pontual pela concomitância
durativa
passé simple por imparfait
8. concomitância durativa pela
concomitância pontual
imparfait por passé simple
9. concomitância pontual pela anterioridade passé simple por plus-que-parfait
10. concomitância durativa pela
anterioridade
imparfait por plus-que-parfait
11. concomitância pontual pela
posterioridade
passé simple por futur (antérieur) du passé
12. concomitância durativa pela
posterioridade
imparfait por futur (antérieur) du passé
13. anterioridade pela concomitância pontual plus-que-parfait por passé simple
14. anterioridade pela concomitância
durativa
plus-que-parfait por imparfait
15. posterioridade pela concomitância
pontual
futur (antérieur) du passé por passé simple
16. posterioridade pela concomitância
durativa
futur antérieur du passé por imparfait
17. anterioridade pela posterioridade plus-que-parfait por futur (antérieur) du
116passé
18. posterioridade pela anterioridade futur (antérieur) du passé por plus-que-
parfait
SISTEMA ENUNCIVO FUTURO
19. concomitância pela anterioridade présent du futur por futur antérieur
20. concomitância pela posterioridade présent du futur por futur du futur
21. anterioridade pela concomitância futur antérieur por présent du futur
22. posterioridade pela concomitância futur du futur por présent du futur
23. anterioridade pela posterioridade futur antérieur por futur du futur
24. posterioridade pela anterioridade futur du futur por futur antérieur
Passemos, agora, a exemplos que ilustram algumas das possibilidades de
embreagem citadas acima. Como foi dito, trata-se de possibilidades teóricas, logo, muitas
delas não são encontradas. Elemento que também limita a quantidade dos exemplos é o fato
de nosso córpus ser limitado apenas à cena genérica do “jornal impresso”, certamente a
literatura seria um campo mais rico no emprego de embreagens.
Sistema Enunciativo
1. Concomitância pela anterioridade: présent por passé composé:
Le scénario du départ forcé n'est donc plus du tout exclu par Matignon. Même si
M. de Villepin, qui dénonce une manipulation à son encontre, a choisi de
n'exclure aucune arme pour sa défense. Le premier ministre affirme qu'il ne
s'opposera pas au travail de la justice, y compris une perquisition ou une
demande d'audition (Le Monde 29/abril/2006).
Os momentos de referência (“dénoncer”, “choisir”, “affirmer”) desse excerto são
anteriories ao momento da enunciação (a data do jornal), porém, o tempo verbal que expressa
a anterioridade ao ME é neutralizado em favor do “présent”; são misturados “présent” e
“passé composé” para expressar a anterioridade ao momento da enunciação. O efeito de tal
neutralização é semelhante aquele da embreagem 1 do grupo B.
117
2. Concomitância pela posterioridade: présent por futur simple:
Skyland, cette série d´animation futuriste se déroule en 2451 quand la Terre
s´est divisée en des milliers de blocs à la dérive. Ce monde est controlé par la
sphère, un consortium qui maîtrise l´approvisionnement en eau et abuse de son
pouvoir (Le Monde 08/abril/2006)
O marco temporal “en 2451” representa um momento posterior ao momento da
enunciação (2006) e os verbos grifados “se dérouler”, “être”, “maîtriser” e “abuser”,
concomitantes a esse marco temporal, são acontecimentos posteriores ao momento da
enunciação. Ao utilizar o “présent”, neutralizando o “futur simple”, as ações são enfatizadas
no sentido de se tornarem mais próximas do enunciador e mais certas de acontecerem; essa
embreagem fortifica a certeza da realização dos fatos futuros.
3. anterioridade pela concomitância: passé composé por présent:
L´expression ‘guerre longue’ n´est pas inédite. Le général John Abizaid, le
commandant du CentCom, l´a employée dès 2004 (Le Monde 08/abril/2006)
O verbo “employer” marca uma ação durativa, que começou em 2004 e ainda não
foi acabada: o general John Abizaid empregou a expressão “guerre longue” em 2004 e
continua a emprega-la desde então. Entretanto a utilização do verbo no tempo “passé
composé” mostra a ação como sendo acabada. A anterioridade desse tempo verbal marca o
aspecto perfectivo no lugar da duratividade do tempo presente. Pode-se dizer que essa
embreagem cria um efeito de dramaticidade e ênfase na perfectividade da ação.
4. posterioridade pela concomitância: futur simple por présent:
Candidat pour les deux appels d´offres des droits télévision des matches de
l´équipe de France et de la coupe de France pour la période 2006-2010, le
groupe privé a été recalé par la Fédération française de foot (FFF), et devra
attendre encore pour faire son entrée dans le petit monde fermé des grands
diffuseurs de matchs de foot (Le Monde 08/abril/2006)
118Nesse exemplo, o grupo já foi escalado pela FFF, porém “ainda” deve esperar
para entrar no mundo dos grandes difusores de partidas de futebol. A copa da França será
somente entre 2006 e 2010, entretanto o verbo “devoir” não é concomitante a esse marco
temporal, mas sim à ação de “esperar” realizada pelo grupo no momento da enunciação. O
uso da posterioridade para marcar a concomitância ao momento da enunciação cria o efeito,
ao contrário da embreagem número 2, de incerteza e probabilidade.
5. anterioridade pela posterioridade: passé composé por futur simple:
Skyland, cette série d´animation futuriste se déroule en 2451 quand la Terre
s´est divisée en des milliers de blocs à la dérive (Le Monde 08/abril/2006)
Nesse excerto, já utilizado, sabemos que o marco temporal encontra-se posterior
ao momento da enunciação, no futuro ano de 2451. Todavia, a ação expressa pelo verbo “se
diviser” é marcada pelo tempo verbal “passé composé”, responsável por indicar o aspecto
perfectivo e pontual da anterioridade ao momento da enunciação. Essa embreagem mostra
que já está realizada uma ação em um tempo que ainda nem sequer chegou, isso para tornar o
futuro mais próximo do enunciador e, assim, aumentar a veracidade e a certeza da realização
do acontecimento.
6. posterioridade pela anterioridade: futur simple por passé composé:
Lila Downs est née dans la région montagneuse d´Oaxaca, à 500 km au sud-est
de Mexico, d´un père américain d´origine écossaise et d´une mère indienne
mixtèque. Au peuple de celle-ci, elle empruntera dans sa jeunesse des contes,
des chants pour nourrir son imaginaire (Le Monde 08/abril/2006)
A ação expressa pelo verbo “emprunter” é anterior ao momento da enunciação,
foi na época em que Lila Downs “nasceu na região montanhosa d´Oaxaca” que ela pegou
emprestado contos e cantos para nutrir o seu imaginário. Essa ação ainda é marcada pela
expressão “na sua juventude”, reforçando que foi no passado que o fato ocorreu. Tal
embreagem tem lugar nesse excerto para enfatizar que as influências recebidas na juventude
continuarão a influenciar e a inspirar a carreira de Lila Downs.
Sistema Enuncivo Pretérito
119
8. concomitância durativa pela concomitância pontual: imparfait por passé
simple:
En 1982, Giorgio Strehler mettait en scène Oh! Les beaux jours, de Samuel
Beckett, avec, dans le rôle de Winnie, l´une de ses actrices préférées, Giulia
Lazzarini (Le Monde 08/abril/2006)
O verbo expressa uma ação concomitante ao marco temporal “em 1982”,
entretanto ao invés de utilizar o passé simple, tempo apropriado para esse caso, faz-se uso do
imparfait, que se encarrega, aqui, de proporcionar uma nuance descritiva ao verbo e à cena.
Vejamos este outro exemplo, em que o verbo no imparfait, marcando a concomitância à data
pretérita “8 de abril de 2003”, além de descrever, também dá uma sensação de prolongamento
da cena:
Le 8 avril 2003, le professeur Matty Chiva nous quittait (Le Monde 08/abril/2006)
9. concomitância pontual pela anterioridade: passé simple por plus-que- parfait:
Fils d'un menchevik russe déporté en Sibérie, il a aussi parcouru le siècle et le
mouvement trotskiste. Mais au passage, pour l'Histoire, l'homme a aussi raconté
aux universitaires de Paris-X qu'il fut le "cornac" d'un jeune homme devenu
premier ministre : Lionel Jospin (Le Monde 01/maio/2006)
A ação expressa pelo momento de referência indicado pelo verbo “être” no “passé
simple” é anterior ao primeiro momento de referência expresso pelo verbo “raconter”, no
“passé composé”. A anterioridade ao momento de referência pretérito deveria ser marcada
pelo “plus-que-parfait”, no entanto, ela é marcada, aqui, pelo “passé simple”; por meio dessa
neutralização, a ação é ainda mais afastada da cena enunciativa e mais aproximada do
momento de referência pretérito, fazendo com que as ações passadas pareçam estar em um
mesmo plano.
10. concomitância durativa pela anterioridade: imparfait por plus-que-parfait:
Il y a près d´un an, le 14 avril 2005, le premier d´une série de trois incendies de
logements pour immigrés se déclarait à l´lhôtel Paris-Opéra. Au total, autour de
49 personnes allaient périr dans des flammes (Le Monde 08/abril/2006)
120
O momento de referência expresso pelo verbo “aller” é concomitante ao marco
temporal “Il y a près d´un an, le 14 avril 2005” enquanto a ação expressa no segundo
momento de referência, representada pelo verbo “se déclarer”, é anterior ao primeiro MR. O
tempo verbal utilizado no primeiro e no segundo MR é o “imparfait”, porém, o tempo
responsável por expressar a anterioridade à anterioridade é o “plus-que-parfait”. Com essa
neutralização, as duas ações são colocadas no mesmo plano e, dessa forma, apresentando o
efeito de maior proximidade ao marco temporal desse evento.
12. concomitância durativa pela posterioridade: imparfait por futur (antérieur) du
passé:
Il y a près d´un an, le 14 avril 2005, le premier d´une série de trois incendies de
logements pour immigrés se déclarait à l´lhôtel Paris-Opéra. Au total, autour de
49 personnes allaient périr dans des flammes (Le Monde 08/abril/2006)
Existe, nesse excerto, um fato ocorrido em 14 de abril: o primeiro de três
incêndios no hotel Paris – Opéra. Como o autor da matéria não tem certeza, ou não quer se
responsabilizar pela exatidão dos dados, ele usa o advérbio “autour de”. O tempo verbal que
caberia aqui seria o “futur antérieur du passé”, exprimindo um fato que poderia ter acontecido
e a estatística que poderia ter sido levantada: “Au total, autour de 49 personnes auraient péri
dans des flammes”. Entretando, para aumentar a credibilidade e a certeza da notícia, é
utilizado o imparfait allaient périr, mostrando a inevitabilidade do ocorrido.
13. anterioridade pela concomitância pontual: plus-que-parfait por passé simple:
Vincent Humbert, jeune homme de 22 ans devenu tétraplégique et presque
aveugle à la suite d'un accident de voiture en 2000, avait réclamé "le droit de
mourir" au président de la République, en novembre 2002. Sa mère, après avoir
annoncé à la télévision qu'elle allait "aider son fils à se suicider", lui avait injecté
une dose de barbituriques, le 24 septembre 2003. Plongé dans un coma
profond, Vincent Humbert avait été transféré au service de réanimation du
docteur Chaussoy. Avec l'accord de l'équipe médicale et de la famille, le
médecin avait décidé de débrancher le respirateur artificiel du jeune homme puis
121d'injecter du chlorure de potassium, un produit létal qui entraîne un arrêt
cardiaque (Le monde 27/fevereito/2006).
Vejamos alguns verbos assinalados em itálico nesse excerto: “réclamer” marca
uma ação concomitante ao marco temporal pretérito “en novembre 2002”; “injecter” é
concomitante à data “24 septembre 2003”, igualmente pretérita; “être transféré” marca a
concomitância à ação passada “mergulhado em um coma profundo”; a decisão do médico
também não está explicitada por uma data, mas é concomitante a um evento pretérito: “o
acordo da equipe médica e da família”.
O tempo verbal responsável por marcar a concomitância à anterioridade é o
“passé simple”, entretanto, não encontramos aqui as formas “reclama, injecta, fut transféré,
décida”, mas sim “avait reclamé, avait injecté, avait été transféré, avait décidé” que estão no
“plus-que-parfait”.
Essa neutralização tem como efeito enfatizar a anterioridade dos fatos e a sua
distância em relação ao momento da enunciação do leitor dessa notícia, visto que esse tempo
verbal marca a anterioridade à anterioridade, e, assim, mostrar os fatos aos leitores como
verdadeiramente acabados e definitivos.
14. anterioridade pela concomitância durativa: plus-que-parfait por imparfait:
Son employeur Freha lui a accordé trois mois de congé.”Cela faisait six ans que
je n´étais pas allé au Mali. La situation de l´immeuble ne me permettait pas
vraiment de bouger” explique-t-il (Le Monde 08/abril/2006)
O verbo “aller” marca concomitância durativa à anterioridade expressa pelo
acordo de três meses de férias com o empregador do sujeito do discurso citado “je”. Marca
ainda a concomitância ao período, expresso pelo imparfait, em que ele não ia a Mali (“cela
faisait six ans”). Dessa forma, o verbo “aller” deveria ser empregado igualmente no
imparfait, entretanto, o sujeito do enunciado “je” optou por neutraliza-lo em favor do plus-
que-parfait.
Essa neutralização enfatiza a perfectividade, isto é, o aspecto acabado da ação,
reforçando o fato de ter passado seis anos sem visitar sua terra natal; o uso de um tempo
imperfectivo teria amenizado esse efeito que, para ele, é o mais relevante.
12215. posterioridade pela concomitância pontual: futur (antérieur) du passé por
passé simple:
La guérilla maoïste a célébré, le 13 février, son dixième anniversaire. Pris dans
la tourmente d'une guerre qui, au 15 novembre 2005, aurait fait 12 856 morts
depuis 1996, selon une étude (à paraître) réalisée par une ONG locale, les
Népalais ne savent plus où chercher refuge (Le Monde 18/fevereiro/2006).
O momento de referência expresso pelo verbo “faire” (aurait fait) marca a
concomitância ao marco temporal “15 novembre 2005”; o tempo utilizado nesse tipo de caso,
marcando a concomitância ao momento de referência pretérito, é o “passé simple”,
entretanto, o verbo “faire” aparece no tempo “futur antérieur du passé”. Essa neutralização
tem como efeito diminuir a responsabilidade pelo dito; dessa forma, o fato não é mostrado
como realmente certo, mas sim como uma possibilidade, uma hipótese e não como uma
certeza irrefutável.
16. posterioridade pela concomitância durativa: futur du passé por imparfait:
Huit fosses communes renfermant les restes d´environ 1000 corps ont été
découvertes à Kirkouk, a annoncé, jeudi 6 avril, le bureau de presse de l´Union
patriotique kurde du président irakien, jalal talabani. Les corps seraient ceux de
Kurdes, mais aussi de chrétiens et de turcomans, ainsi que de chiites tués lors
de la répression menée, à partir de 1991, par le régime de Saddam Hussein (Le
Monde 08/abril/2006).
Houve um fato ocorrido e acabado: mil corpos foram descobertos em oito fossas
a Kirkouk. Em seguida a essa constatação, o enunciador começa a descrever a cena, ou
melhor, os corpos encontrados; para isso é utilizado o verbo “être” que, além de fazer a
descrição de um acontecimento passado, ainda marca a concomitância durativa a esse
acontecimento. O tempo verbal para esses dois fenômenos seria o imparfait, entretanto, o
enunciador optou pelo “futur du passé”.
Com essa neutralização, ele diminui a sua responsabilidade pelo dito, pois não
mostra suas afirmações como sendo irrefutáveis, já que o uso do “futur du passé” expressa
apenas probabilidade e não certeza diante dos fatos narrados.
12318: posterioridade pela anterioridade: futur (antérieur) du passé por plus-que-
parfait:
Selon le ministère, des rebelles se sont "à l'évidence infiltrés" à N'Djamena, mais
les combats de la matinée dans la capitale tchadienne ont plutôt été "des actions
isolées, ponctuelles". Elles "ne traduisent pas une action coordonnée d'unités
organisées". "Aucun Français n'était menacé ce matin à N'Djamena", a-t-il par
ailleurs ajouté. Questionné sur un refus qu'aurait opposé le président tchadien,
Idriss Déby, à une offre française d'évacuer sa famille, M. Bureau a acquiescé
implicitement. (Le Monde 14/abril/2006).
A ação expressa pelo verbo “opposer” (aurait opposé) é anterior ao momento de
referência pretérito, porém ele é expresso pelo tempo verbal “futur antérieur du passé”. Por
meio dessa neutralização é possível potencializar o efeito de irrealidade, fantasia ou mesmo
de mentira.
Sistema Enuncivo Futuro
21. anterioridade pela concomitância: futur antérieur por présent du futur:
Conséquence logique, l´échec du premier ministre consacre celui du président.
À la fin de la crise, il aura été le dernier soutien, le dernier rempart de M. Villepin
(Le Monde 12/abril/2006).
O momento de referência “être le dernier soutien” é concomitante ao marco
temporal futuro “à la fin de la crise”, porém o tempo verbal utilizado não é o “futur simple”
(com valor de présent du futur) e sim o “futur antérieur”. Essa neutralização tem como efeito
apresentar o apoio e o obstáculo como sendo certamente os últimos, enfatizando a
terminatividade e certeza da ação.
23. anterioridade pela posterioridade: futur antérieur por futur du futur:
Demain, France Soir, ses 112 salariés et ses pigistes seront fixés sur leur sort.
Le tribunal de commerce de Lille aura fait son choix entre un projet qui licencie
plus de 80 personnes (...) (Le Monde 12/abril/2006).
124O marco temporal é “demain” e, concomitante a ele, está o momento de
referência “être fixés” no tempo “futur simple”. Posterior a esse momento de referência
futuro, temos a ação “faire son choix”; entretanto ao invés desse verbo ser expresso pelo
tempo verbal “futur simple” (com valor de futur du futur), ele é apresentado pelo futur
antérieur. Essa neutralização tem como efeito apresentar a escolha como já definida e certa,
enfatizando a terminatividade da ação, como na embreagem 21.
No grupo A, das 24 possibilidades de embreagem, quatro das hipóteses teóricas
não são encontradas na prática, todas pertencentes ao sistema enuncivo futuro:
19. concomitância pela anterioridade: présent du futur por futur antérieur;
20. concomitância pela posterioridade: présent du futur por futur du futur;
22. posterioridade pela concomitância: futur du futur por présent du futur e
24. posterioridade pela anterioridade: futur du futur por futur antérieur.
Não há diferenças morfológicas entre présent du futur e futur du futur, apenas
certas preposições, advérbios ou conjunções podem dar a nuance de concomitância ou
posterioridade ao momento de referência futuro; dessa forma, é bastante complexo encontrar
os mecanismos de neutralizações em tempos verbais que não apresentem morfemas
característicos.
GRUPO B: Neutralizações entre os mesmos termosda categoria de sistemas diferentes
ENUNCIATIVO E ENUNCIVO PRETÉRITO
1. concomitância enunciativa pela
concomitância pontual
présent por passé simple
2. concomitância enunciativa pela
concomitância durativa
présent por imparfait
3. concomitância pontual pela concomitância
enunciativa
passé simple por présent
1254. concomitância durativa pela
concomitância enunciativa
imparfait por présent
5. anterioridade enunciativa pela
anterioridade do pretérito
passé composé por plus-que parfait
6. anterioridade do pretérito pela
anterioridade enunciativa
plus-que parfait por passé composé
7. posterioridade enunciativa pela
posterioridade do pretérito
futur simple por futur (antérieur) du passé
8. posterioridade do pretérito pela
posterioridade enunciativa
futur (antérieur) du passé por futur simple
ENUNCIATIVO E ENUNCIVO FUTURO
9. concomitância enunciativa pela
concomitância do futuro
présent por présent du futur
10. concomitância do futuro pela
concomitância enunciativa
présent du futur por présent
11. anterioridade enunciativa pela
anterioridade do futuro
passé composé por futur antérieur
12. anterioridade do futuro pela
anterioridade enunciativa
futur antérieur por passé composé
13. posterioridade enunciativa pela
posterioridade do futuro
futur simple por futur du futur
14. posterioridade do futuro pela
posterioridade enunciativa
futur du futur por futur simple
ENUNCIVO PRETÉRITO E ENUNCIVO FUTURO
15. concomitância pontual pela
concomitância do futuro
passé simple por présent du futur
16. concomitância durativa pela
concomitância do futuro
imparfait por présent du futur
17. concomitância do futuro pela
concomitância pontual
présent du futur por passé simple
12618. concomitância do futuro pela
concomitância durativa
présent du futur por imparfait
19. anterioridade do pretérito pela
anterioridade do futuro
plus-que parfait por futur antérieur
20. anterioridade do futuro pela
anterioridade do pretérito
futur antérieur por plus-que- parfait
21. posterioridade do pretérito pela
posterioridade do futuro
futur (antérieur) du passé por futur du futur
22. posterioridade do futuro pela
posterioridade do pretérito
futur du futur por futur (antérieur) du passé
Enunciativo e Enuncivo Pretérito
1. concomitância enunciativa pela concomitância pontual: présent por passé
simple:
M. Berlusconi achève son mandat sur une année 2005 à croissance zéro, avec
une économie atone, la plus fragile de la zone euro. (Le Monde 08/abril/2006)
O verbo “achever” marca a concomitância ao ano 2005, um marco temporal
pretérito, entretanto, em vez de ser utilizado o “passé simple”, emprega-se o “présent”. Essa
embreagem também é chamada de “presente histórico” e cria o efeito de presentificação de
um fato passado, assim como a ilusão de concomitância ao momento da enunciação, trazendo
o acontecimento para perto do enunciatário.
Outro exemplo:
Abdel Salam, écrivain syrian, est mort, mercredi 5 avril, dans sa ville natale de
Raqqa. Il était agé de 88 ans. Romancier, nouveliste et poète, il laisse une
oeuvre empreinte de réalisme et marquée par son expérience de médecin. (Le
Monde 08/abril/2006)
2. concomitância enunciativa pela concomitância durativa: présent por imparfait:
127Rudolph Giuliani retrace son jour le plus long. “Ça ressemblait à une zone de
guerre. Autour du World Trade Center, je regarde en l´air pour éviter les débris
qui tombent des tours: C´est alors que j´ai vu un homme vers le 104e étage” (Le
Monde 08/abril/2006)
O verbo “regarder” é concomitante ao momento em que Rudolph Giuliani retraça
o seu dia mais longo. Ele descreve o que viu e sentiu no dia 11 de setembro de 2001. Como
vimos, para descrever e marcar concomitância durativa à anterioridade, o tempo verbal é o
“imparfait”, como é utilizado em “Ça ressemblait à une zone de guerre”. No entanto, o verbo
“regarder” é empregado no “présent” para criar o efeito, como no exemplo anterior, de
presentificação do passado, mostrando que a lembrança do dia 11 ainda é muita viva para o
prefeito de Nova York e também para o enunciatário.
4. concomitância durativa pela concomitância enunciativa: imparfait por présent:
“Nous voulons que dans notre pays, la Russie, les citoyens contrôlent le
gouvernement, et non l´inverse. Et si, pour cela, il nous fallait descendre dans la
rue, on le ferions!” (Le Monde 13/abril/2006).
Nesse excerto, o momento de referência expresso pelo verbo “falloir” é
concomitante ao verbo “vouloir”, logo, o tempo verbal deveria ser o mesmo para os dois
verbos; porém, para destacar o presente da realidade e marcar a ação do verbo “falloir” como
irrealizada, mas fortemente possível, o tempo verbal utilizado é o “imparfait”.
5. anterioridade enunciativa pela anterioridade do pretérito: passé composé por
plus-que-parfait:
Le 26 avril 1986 à l´aube, Igor est reveillé par le téléphone. Un ami lui propose
de l´emmener en hélicoptère à la centrale nucléaire de Tchernobyl où, selon la
rumeur, un incendie s´est declaré (Le Monde 12/abril/2006).
Os momentos de referência “être reveillé” e “proposer” são concomitantes ao
marco temporal pretérito “Le 26 avril 1986 à l´aube”. Esses momentos estão no tempo
128présent neutralizando o passé simple (embreagem número 1 do grupo B) e expressa uma
ação passada. Anterior a esse momento de referência pretérito há um outro: “un incendie s´est
declaré”, se esse momento é anterior a outro momento passado, ele deveria ser representado
pelo “plus-que-parfait”, já que, quando o telefone acordou Igor e seu amigo propôs leva-lo a
Tchernobil, o incêndio já tinha sido declarado.
6. anterioridade do pretérito pela anterioridade enunciativa: plus-que-parfait por
passé composé:
Le président tchadien a affirmé, jeudi matin, sur Radio France internationale que
les colonnes de rebelles du FUC qui ont attaqué plus tôt N'Djamena avaient été
détruites et que la situation était "sous contrôle". Toutefois, selon les rebelles,
cités par l'agence d'informations Alwihda, la situation est critique pour le
président tchadien, qui "aurait pris la poudre d'escampette, mercredi vers 17
heures, vers une destination inconnue". Selon d'autres sources, il pourrait se
trouver dans un camp retranché près de N'Djamena (Le Monde 14/abril/2006).
O momento de referência expresso pelo verbo “détruire” é anterior ao marco
temporal “jeudi matin”, porém é expressa pelo “plus-que-parfait”, tempo verbal que expressa
a anterioridade ao MR pretérito. A neutralização do “passé composé”, aqui, afasta a cena para
um passado mais longínquo e afastado da cena enunciativa à qual pertence o “passé
composé”.
7. posterioridade enunciativa pela posterioridade do pretérito: futur simple por
futur (antérieur) du passé:
Boris, lui, dit avoir envoyé une carte au domicile du nouveau premier secrétaire
du PS, en 1981: "Quelque chose comme: "Bravo, j'aurais fait la même
chose"."Lui ne "lui pardonnera jamais" son silence, en 1966 puis en 1968:
"C'était un homme de qualité. Nous avions des rapports vraiment exceptionnels."
Pour le reste... "C'est idiot de mentir. Le trotskisme, c'est quand même pas la
syphilis. Il a tout refoulé. Pour lui, ça n'a pas eu lieu." (Le Monde 01/mai/2006).
Em relação ao marco temporal “1981”, o momento de referência expresso pelo
verbo “pardonner” é anterior, porém, ao invés de ser utilizado o “futur antérieur du passé”, é
129utilizado o “futur simple” para que, dessa forma, seja criado o efeito de aproximação da
cena enunciativa e de dramatização do acontecimento.
8. posterioridade do pretérito pela posterioridade enunciativa: futur (antérieur) du
passé por futur simple:
Passer de l´un à l´autre signifierait pour l´Italie un retour à une certaine éthique
politique après une longue parenthèse pendant laquelle l´exemple de la
transgression est venu du sommet. (Le Monde 08/abril/2006).
O momento de referência expresso pelo verbo “signifier” no “futur du passé”
marca a posterioridade ao momento da enunciação, no entanto tal marcação deveria ser
realizada pelo “futur simple”. O efeito dessa neutralização é tornar a ação expressa pelo
verbo “signifier” algo sobre o qual o sujeito da enunciação não tem qualquer certeza, trata-se
de um fato totalmente incerto.
Enunciativo e Enuncivo Futuro
12. anterioridade do futuro pela anterioridade enunciativa: futur antérieur por
passé composé:
Le CPE est mort, mais combien de blessés ? Comparable, par certains aspects,
aux grands événements sociaux de ces quinze dernières années (mouvements
contre le CIP proposé par Edouard Balladur en 1994, la réforme des retraites
d'Alain Juppé en 1995, les projets de Claude Allègre sur l'éducation nationale en
mars 2000, le plan retraite de François Fillon en 2003), celui-ci en diffère sur un
point essentiel: jamais une crise sociale n'aura jeté une lumière aussi crue sur
les failles et les faiblesses de notre système institutionnel et les hommes censés
lui donner vie (Le Monde 12/abril/2006).
130“Le CPE est mort” marca a concomitância ao momento da enunciação e a
ação expressa pelo verbo “jeter”, enfatizada pelo advérbio “jamais”, indica anterioridade a
esse momento; porém, esse verbo é usado no “futur antérieur” e não no “passé composé”,
como deveria. Essa embreagem torna a assertiva do sujeito da enunciação mais polida e
atenuada.
Enuncivo Pretérito e Enuncivo Futuro
21. posterioridade do pretérito pela posterioridade do futuro: futur (antérieur) du
passé por futur du futur :
Si ce scenário se confirme, il n´y aurait plus une grande distance à franchir pour
que ce relâchement de la lettre et de l´esprit ouvre la voie à une loi de jungle
nucléaire (Le Monde 08/abril/2006).
Em relação ao momento da enunciação, “a confirmação do cenário” é posterior. E
em relação a esse momento futuro, “não haver uma grande distância a ultrapassar” também é
posterior. No entanto, o tempo verbal empregado aqui é o “futur du passé”. O efeito dessa
embreagem é amenizar o impacto da certeza que seria expresso pelo futuro; o uso do “futur
du passé” diminui essa certeza e o fato é visto apenas como provável.
No grupo B, todas as neutralizações entre sistema enunciativo e sistema enuncivo
pretérito são possíveis e encontradas.
Nas neutralizações entre sistema enunciativo e sistema enuncivo futuro, não são
encontradas as seguintes embreagens:
9. concomitância enunciativa pela concomitância do futuro: présent por présent
du futur;
10. concomitância do futuro pela concomitância enunciativa: présent du futur por
présent;
12. anterioridade do futuro pela anterioridade enunciativa: futur antérieur por
passé composé;
13. posterioridade enunciativa pela posterioridade do futuro: futur simple por
futur du futur e
13114. posterioridade do futuro pela posterioridade enunciativa: futur du futur
por futur simple.
Nas neutralizações entre sistema enuncivo pretérito e sistema enuncivo futuro,
não são encontradas as embreagens seguintes:
15. concomitância pontual pela concomitância do futuro: passé simple por
présent du futur;
16. concomitância durativa pela concomitância do futuro: imparfait por présent
du futur;
17. concomitância do futuro pela concomitância pontual: présent du futur por
passé simple;
18. concomitância do futuro pela concomitância durativa: présent du futur por
imparfait e
22. posterioridade do futuro pela posterioridade do pretérito: futur du futur por
futur (antérieur) du passé.
Tais embreagens não foram encontradas pelas mesmas razões pelas quais as
neutralizações do grupo A não são encontradas: por não haver distinção morfológica entre os
tempos présent du futur e futur du futur.
GRUPO C: Neutralizações entre termos diferentesda categoria de sistemas diferentes
ENUNCIATIVO E ENUNCIVO PRETÉRITO
1. concomitância enunciativa pela
anterioridade do pretérito
présent por plus-que-parfait
2. anterioridade do pretérito pela
concomitância enunciativa
plus-que-parfait por présent
3. concomitância enunciativa pela
posterioridade do pretérito
présent por futur (antérieur) du passé
4. posterioridade do pretérito pela
concomitância enunciativa
futur (antérieur) du passé por présent
1325. anterioridade enunciativa pela
concomitância pontual
passé composé por passé simple
6. concomitância pontual pela anterioridade
enunciativa
passé simple por passé composé
7. anterioridade enunciativa pela
concomitância durativa
passé composé por imparfait
8. concomitância durativa pela anterioridade
enunciativa
imparfait por passé composé
9. anterioridade enunciativa pela
posterioridade do pretérito
passé composé por futur (antérieur) du passé
10. posterioridade do pretérito pela
anterioridade enunciativa
futur antérieur du passé por passé composé
11. posterioridade enunciativa pela
concomitância pontual
futur simple por passé simple
12. concomitância pontual pela
posterioridade enunciativa
passé simple por futur simple
13. posterioridade enunciativa pela
concomitância durativa
futur simple por imparfait
14. concomitância durativa pela
posterioridade enunciativa
imparfait por futur simple
15. posterioridade enunciativa pela
anterioridade do pretérito
futur simple por plus-que-parfait
16. anterioridade do pretérito pela
posterioridade enunciativa
plus-que-parfait por futur simple
ENUNCIATIVO E ENUNCIVO FUTURO
17. concomitância enunciativa pela
anterioridade do futuro
présent por futur antérieur
18. anterioridade do futuro pela
concomitância enunciativa
futur antérieur por présent
19. concomitância enunciativa pela présent por futur du futur
133posterioridade do futuro
20. posterioridade do futuro pela
concomitância enunciativa
futur du futur por présent
21. anterioridade enunciativa pela
concomitância do futuro
passé composé por présent du futur
22. concomitância do futuro pela
anterioridade enunciativa
présent du futur por passé composé
23. anterioridade enunciativa pela
posterioridade do futuro
passé composé por futur du futur
24. posterioridade do futuro pela
anterioridade enunciativa
futur du futur por passé composé
25. posterioridade enunciativa pela
concomitância do futuro
futur simple por présent du futur
26. concomitância do futuro pela
posterioridade enunciativa
présent du futur por futur simple
27. posterioridade enunciativa pela
anterioridade do futuro
futur simple por futur antérieur
28. anterioridade do futuro pela
posterioridade enunciativa
futur antérieur por futur simple
ENUNCIVO DO PRETÉRITO E ENUNCIVO DO FUTURO
29. concomitância pontual pela anterioridade
do futuro
passé simple por futur antérieur
30. anterioridade do futuro pela
concomitância pontual
futur antérieur por passé simple
31. concomitância durativa pela
anterioridade do futuro
imparfait por futur antérieur
32. anterioridade do futuro pela
concomitância durativa
futur antérieur por imparfait
33. concomitância pontual pela
posterioridade do futuro
passé simple por futur du futur
13434. posterioridade do futuro pela
concomitância pontual
futur du futur por passé simple
35. concomitância durativa pela
posterioridade do futuro
imparfait por futur du futur
36. posterioridade do futuro pela
concomitância durativa
futur du futur por imparfait
37. anterioridade do pretérito pela
concomitância do futuro
plus-que-parfait por présent du futur
38. concomitância do futuro pela
anterioridade do pretérito
présent du futur por plus-que-parfait
39. anterioridade do pretérito pela
posterioridade do futuro
plus-que-parfait por futur du futur
40. posterioridade do futuro pela
anterioridade do pretérito
futur du futur por plus-que-parfait
41. posterioridade do pretérito pela
concomitância do futuro
futur (antérieur) du passé por
présent du futur
42. concomitância do futuro pela
posterioridade do pretérito
présent du futur por
futur (antérieur) du passé
43. posterioridade do pretérito pela
anterioridade do futuro
futur (antérieur) du passé por
futur antérieur
44. anterioridade do futuro pela
posterioridade do pretérito
futur antérieur por futur du futur
Enunciativo e Enuncivo Pretérito
4. posterioridade do pretérito pela concomitância enunciativa: futur (antérieur) du
passé por présent:
Toujours selon cette étude, l'armée serait responsable de la mort de 8.277
personnes, les maoïstes de 4.579 (Le Monde 08/abril/2006).
135“Être responsable” é um fato concomitante ao momento da enunciação,
porém o enunciador optou pelo “futur du passé” neutralizando o “présent”, para que, dessa
forma, ele não seja incisivo na afirmação que faz e dê margem à incerteza e à probabilidade,
trata-se de uma maneira de diminuir a sua responsabilidade mostrando cautela e prudência
em relação ao enunciado.
Vejamos este outro exemplo:
Selon lui, le joueur européen le mieux payé par un sponsor serait le Nord-
Irlandais Darren Clarke, avec un contrat de 1 million d´euros par an chez le
fabricant Taylor Made, une manne justifée par son statut de vainqueur de
plusieurs tournois et de joueur de la Ryder Cup. (Le Monde 08/abril/2006)
O enunciador apresenta argumentos para explicar porque o jogador irlandês
Darren Clarke é o mais bem pago, diz até mesmo o valor de seu contrato; contudo, não utiliza
o “présent”, mas sim o “futur du passé” (serait). Dessa forma, por polidez ou prudência, a
afirmação é atenuada.
5. anterioridade enunciativa pela concomitância pontual: passé composé por
passé simple:
La lumière de son enquête sur les éventuelles activités illégales de la CIA en
Europe, le secrétaire général du Conseil de l'Europe, Terry Davis, a dénoncé,
mercredi 1er mars, l'absence de contrôle des activités des agents secrets
étrangers en Europe et déploré les lacunes du droit européen en la matière (Le
monde 01/março/2006)
No excerto, o marco temporal é “mercredi 1er mars”, usado para marcar a
concomitância do momento de referência expresso pelo verbo “dénoncer” no passé composé .
Entretanto, o tempo verbal que marca a concomitância no pretérito, como já vimos, é o passé
simple, que está sendo neutralizado pelo passé composé. Essa é a embreagem mais ocorrida
na língua francesa, pois, cada vez mais, o passé composé vem substituindo o passé simple,
cujas ocorrências têm se tornadas raras.
1368. concomitância durativa pela anterioridade enunciativa: imparfait por passe
composé :
Placé hors du green (le gazon), Woods tapait une balle en cloche qui
rabondissait sur son bord, traçait ensuite une grande courbe sur son flanc puis
se laissait aller à quelques virages. (Le Monde 08/abril/2006).
Concomitante à ação de estar colocado fora do green (campo de golf), o jogador
Woods realizou uma série de ações pontuais; para o passado pontual, usa-se o passé composé,
porém aqui é empregado o imparfait, cujo efeito é criar a sensação de duratividade e
alongamento da ação.
9. anterioridade enunciativa pela posterioridade do pretérito: passé composé por
futur (antérieur) du passé:
M. Borloo a confié à plusieurs interlocuteurs “avoir pris bonne note du calendrier
de l´intersyndicale”, dont la prochaine réunion officielle a été fixée au lundi 10
avril au soir. Le lendemain, mardi, les étudiants et lycéens ont prévu une journée
de mobilisation (Le Monde 08/abril/2006).
Existem dois momentos de referência: um é a data da reunião, que foi fixada para
segunda 10 de abril e a outra é o dia seguinte, “le lendemain mardi”. A ação expressa pelo
verbo “prévoir” é anterior ao momento da enunciação, em que M. Boloo fez sua declaração e,
ao mesmo tempo, é posterior aos momentos de referência. Dessa forma, o tempo verbal
adequado seria o “futur antérieur du passé”, porém, o emprego do “passé composé” aproxima
o fato do enunciatário e torna-o mais definitivo, pontual e certo.
10. posterioridade do pretérito pela anterioridade enunciativa: futur (antérieur) du
passé por passé composé:
En septembre 2005, ses avocats ont déposé une requête en révision sur la base
d´éléments nouveaux recueillis lors de procédures en diffamation contre Le
Monde, qui avait formulé, en 2002, l´hypothèse que le décès d´Émilie Taunay
pouvait être la résultante d´un accident domestique survenu au domicile des
personnes qui hébergeaient l´enfant le soir du drame, accident qui aurait été
camouflé. (Le Monde 08/abril/2006)
137A ação de camuflar o acidente foi anterior ao momento de referência, no
entanto, o emprego do tempo verbal “futur antérieur du passé” neutralizando o “passé
composé” tem como efeito a diminuição da responsabilidade do enunciador pelo dito, pois
não mostra suas afirmações como sendo irrefutáveis, já que o uso do “futur antérieur du
passé” expressa apenas probabilidade e não certeza diante dos fatos narrados.
Enunciativo e Enuncivo Futuro
28. anterioridade do futuro pela posterioridade enunciativa: futur antérieur por
futur simple:
Après tout, la naissance d´une opinion publique mondiale aura moins été la
conséquence directe des mouvements sociaux que la retombée “secondaire”
d´une prise de conscience collective à l´égard des dangers qui embarquent
désormais les peuples dans un seul et même destin. (Le Monde 08/abril/2006)
“O nascimento de uma opinião pública mundial” é posterior ao momento da
enunciação, porém ao invés de ser expresso pelo “futur simple”, esse momento de referência
é expresso pelo “futur antérieur”. Por meio dessa neutralização é possível afastar o fato da
cena enunciativa e fazer com que pareça já consumado.
Enuncivo pretérito e enuncivo futuro
30. anterioridade do futuro pela concomitância pontual: futur antérieur por passésimple:
Le Théâtre de Camps-Elysées aura rarement été en transe comme samedi 1er
pour le récital de Rolando Villazon – un public ex-voto (Le Monde
13/março/2006).
O momento de referência “raramente ter estado em transe” é concomitante ao
marco temporal pretérito “samedi 1er”, no entanto, no lugar de ser usado o “passé simple”, o
tempo verbal utilizado é o “futur antérieur”. Por meio dessa neutralização, o efeito de
probabilidade é enfatizado.
13841. posterioridade do pretérito pela concomitância do futuro: futur (antérieur)
du passé por présent du futur :
Tout le monde attend donc de ce petit chien fou, actuel 6e joueur mondial, une
action d´éclat, qui lui vaudrait une place de choix dans l´Olympe golfique. (Le
Monde 08/abril/2006).
A ação expressa pelo verbo em itálico, “valoir”, marca a posterioridade em
relação ao momento de referência presente “tout le monde attend (...) une action d´éclat”. No
entanto, no lugar do “futur simple”, o tempo utilizado é “futur du passé”; essa embreagem faz
com que a assertiva do sujeito da enunciação não seja tão incisiva, isto é, ameniza a
afirmação feita no enunciado.
O grupo C é o mais problemático, no sentido de que as hipóteses de
neutralizações são mais raras, impossíveis ou difíceis de acontecer. Vejamos quais
embreagens não foram encontradas e por quais razões:
Nas neutralizações entre sistema enunciativo e sistema enuncivo pretérito:
1. concomitância enunciativa pela anterioridade do pretérito: présent por plus-
que-parfait;
2. anterioridade do pretérito pela concomitância enunciativa: plus-que-parfait por
présent;
6. concomitância pontual pela anterioridade enunciativa: passé simple por passé
composé;
11. posterioridade enunciativa pela concomitância pontual: futur simple por passé
simple;
12. concomitância pontual pela posterioridade enunciativa: passé simple por futur
simple;
13. posterioridade enunciativa pela concomitância durativa: futur simple por
imparfait;
14. concomitância durativa pela posterioridade enunciativa: imparfait por futur
simple;
15. posterioridade enunciativa pela anterioridade do pretérito: futur simple por
plus-que-parfait e
13916. anterioridade do pretérito pela posterioridade enunciativa: plus-que-
parfait por futur simple.
Nesse caso, todos os tempos verbais “neutralizantes” (primeiro verbo) e
“neutralizados” (segundo verbo) pertencem, ao mesmo tempo, a sistemas diferentes, um
pertence ao enunciativo e outro ao enuncivo, ou vice-versa, e também pertencem a categorias
topológicas diferentes: concomitância, anterioridade ou posterioridade.
É possível haver neutralizações entre termos diferentes de categorias de sistemas
diferentes, mas é menos comum.
Nas neutralizações entre sistema enunciativo e sistema enuncivo futuro:
17. concomitância enunciativa pela anterioridade do futuro: présent por futur
antérieur;
18. anterioridade do futuro pela concomitância enunciativa futur antérieur por
présent;
19. concomitância enunciativa pela posterioridade do futuro présent por futur du
futur;
20. posterioridade do futuro pela concomitância enunciativa futur du futur por
présent;
21. anterioridade enunciativa pela concomitância do futuro passé composé por
présent du futur;
22. concomitância do futuro pela anterioridade enunciativa présent du futur por
passé composé;
23. anterioridade enunciativa pela posterioridade do futuro passé composé por
futur du futur;
24. posterioridade do futuro pela anterioridade enunciativa futur du futur por
passé composé;
25. posterioridade enunciativa pela concomitância do futuro futur simple por
présent du futur e
26. concomitância do futuro pela posterioridade enunciativa présent du futur por
futur simple.
A hipótese de número 17 é difícil porque o verbo neutralizante pertence à
categoria concomitância do sistema enunciativo enquanto o verbo neutralizado pertence à
categoria anterioridade do sistema enuncivo e a 18, pela mesma razão, mas ao inverso.
140As demais hipóteses são complicadas por haver termos nelas que pertencem
ao sistema enuncivo futuro e nele não há, nos verbos, morfemas que diferenciem os tempos.
Nas neutralizações entre sistema enuncivo pretérito e sistema enuncivo futuro:
33. concomitância pontual pela posterioridade do futuro: passé simple por futur
du futur;
34. posterioridade do futuro pela concomitância pontual: futur du futur por passé
simple;
35. concomitância durativa pela posterioridade do futuro: imparfait por futur du
futur;
36. posterioridade do futuro pela concomitância durativa: futur du futur por
imparfait;
37. anterioridade do pretérito pela concomitância do futuro: plus-que-parfait por
présent du futur;
38. concomitância do futuro pela anterioridade do pretérito: présent du futur por
plus-que-parfait;
39. anterioridade do pretérito pela posterioridade do futuro: plus-que-parfait por
futur du futur;
40. posterioridade do futuro pela anterioridade do pretérito: futur du futur por
plus-que-parfait;
41. posterioridade do pretérito pela concomitância do futuro: futur (antérieur) du
passé por présent du futur;
42. concomitância do futuro pela posterioridade do pretérito: présent du futur por
futur (antérieur) du passé;
43. posterioridade do pretérito pela anterioridade do futuro: futur (antérieur) du
passé por futur antérieur e
44. anterioridade do futuro pela posterioridade do pretérito: futur antérieur por
futur du futur.
O que tornam complicadas essas neutralizações, como temos visto e explicado, é
o fato de haver termos pertencentes ao sistema enuncivo futuro.
Com exceção das neutralizações entre passé simple e passé composé, é pouco
usual haver embreagens em que o passé simple neutraliza outro tempo verbal, isso acontece
141porque se trata de um tempo cujo uso é muito limitado e cuja função é muito bem
determinada: marcar a concomitância à anterioridade enfatizando a distância da cena
enunciativa e o afastamento total do momento da enunciação. Por isso, com o seu propósiro
claro, não foram encontrados exemplos para várias das hipóteses de neutralizações em que o
passé simple esteja neutralizando um outro tempo verbal.
Para terminar esse capítulo, vejamos um quadrado semiótico feito por Fiorin para
esquematizar os efeitos de sentido criados pelas neutralizações verbais (2001:227):
concomitância posterioridade
conjunto deslocado
real virtual
inacabado não-começado
anterioridade anterioridade
não-deslocado não-conjunto
não-virtual não-real
começado acabado
Todos os efeitos de sentido vistos nos exemplos citados e comentados acima -
objetividade/ veracidade/ credibilidade ou subjetividade/probabilidade, certeza ou incerteza,
142dramaticidade/ exagero ou prudência/atenuação em relação aos fatos; aproximação ou
distanciamento do passado ou do futuro em relação à cena; a ênfase dos aspectos perfectivo,
durativo, iterativo ou pontual - podem ser resumidos nesse quadrado semiótico. Isso quer
dizer que todos os efeitos de sentido, ocorridos dentro de um mesmo sistema ou em sistemas
diferentes, “estão subordinados à categoria semântica: aproximação vs distanciamento”
(Fiorin:2001:227).
Conclusão
“Nada há como começar para ver como é árduo concluir”, dizia Victor Hugo.
Mesmo sendo uma tarefa árdua, ainda é a nossa última chance de convencer o enunciatário.
Durante esse trabalho, tentamos mostrar e comprovar, de acordo com As Astúcias
da enunciação, de José Luiz Fiorin, algumas questões sobre a categoria de tempo na língua
francesa. E pudemos constatar que a categoria de tempo em francês, assim como em
português, é regida por alguns princípios:
● O tempo lingüístico nada tem a ver com o tempo físico e cronológico, ele não
reflete o tempo real; ele é construído dentro da enunciação.
●A categoria de tempo apresenta dois sistemas:
-um enuncivo, cujo tempo é instaurado no enunciado, sem elos diretos
com a enunciação e
-um enunciativo, que contem os tempos vinculados ao momento da
enunciação.
●A instância da enunciação está implicitamente presente e orientando o sistema
temporal enuncivo, pois o sentido do tempo do então estabelece sentido por meio da relação
com o momento do agora.
●A categoria de tempo é desdobrada tanto na enunciação quanto no enunciado já
que em ambos existe temporalização.
● A categoria de tempo pode apressentar-se em:
143- uma debreagem temporal enunciva, em que os tempos
verbais pertencem ao sistema enuncivo, sem relação direta com a enunciação;
- uma debreagem temporal enunciativa cujos tempos verbais
fazem parte do sistema enunciativo estão intrinsecamente relacionados ao
momento da enunciação.
● Dentro do sistema temporal enuncivo, pudemos constatar que há tempos
verbais em francês que apresentam peculiaridades:
- o passé simple, como vimos no nosso córpus, está cada vez mais dando lugar
ao passé composé. No entanto, ele ainda é utilizado segundo os efeitos
buscados pelo sujeito da enunciação como reforçar o distanciamento do
momento de referência em relação ao momento da enunciação;
- a partir do nosso córpus (exemplares dos primeiros cinco meses de 2006 do
quotidiano Le Monde), observamos que o passé antérieur não é mais utilizado
nesse tipo de texto ou tornou-se raro e escasso.
- O passé surcomposé limita-se somente ao uso oral e somente a algumas
regiões da França.
● No discurso direto, a voz é delegada pelo narrador a um interlocutor, que
instaura um novo enunciado, dando origem a uma debreagem de segundo grau e criando-se
diferentes instâncias da enunciação. Quando se passa do discurso direto para o indireto,
passa-se de dois momentos de enunciação para um só e isso pode acarretar mudanças nos
sistemas verbais, assim como em outras marcas temporais: advérbios, preposições e
conjunções.
●O modo subjuntivo, embora não tenha sido enfatizado, também mereceu
destaque no momento de falar em concordância de tempos, em que o tempo verbal deve ser
compatível ao momento de referência, lembrando que o verbo da oração subordinada pode
expressar simultaneidade, anterioridade ou posterioridade.
● A categoria de tempo, assim como as outras, pode, de acordo com as intenções
do sujeito da enunciação e os efeitos de sentido por ele almejados, sofrer instabilidades no
discurso, dando origem a uma série de embreagens, algumas hipotéticas e outras realizáveis.
As embreagens podem aproximar ou distanciar o enunciado do momento da enunciação e, no
que concerne ao tempo verbal, essas embreagens podem promover vários efeitos.
144Fechamos com uma frase daquele que esteve presente em toda essa pesquisa,
José Luiz Fiorin:
“Se a narrativa é um simulacro da ação do homem no mundo, sua temporalidade é
uma simulação da experiência do tempo, que se constitui a partir do momento em que o eu
toma a palavra, em que o presente é o transcurso, o passado é a memória e o futuro é a
espera” (2001:248).
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