a cidade e a sua morfologia urbana

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  • 7/27/2019 A Cidade e a Sua Morfologia Urbana

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    MALHA URBANA N 10 2010 25A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    Captulo 1

    A cidade e a sua morfologia urbana

    1.1 A cidade

    Teresa Barata Salgueiro, no seu livro A cidade em Portugal,comea por afirmar que a cidade refere-se a um aglomerado

    populacional que a dada altura foi elevado a esta categoria por uma

    entidade poltico-administrativa (Rei ou Parlamento)19. Mais frentelembra que tradicionalmente para a Geografia cidade uma forma

    de povoamento e que a cidade uma entidade individualizada

    com certa dimenso e densidade onde se desenrola um conjuntoexpressivo e diversificado de actividades20.

    A cidade no apenas um ttulo, uma qualificao. Tambm

    no s uma forma de povoamento21; um espao destinado

    produo e distribuio de bens e servios ou, ainda, um modode vida22. antes de tudo o espao produzido resultante do meio

    fsico e da aco humana, que participou no nascimento e

    desenvolvimento urbano e oferece agora, cidade contempornea,um quadro susceptvel de ser modificado e de pesar, por sua vez,

    na cidade numa longa sequncia de pontos e contrapontos nunca

    19 Salgueiro, T. (1992). A cidade em Portugal. Uma Geografia Urbana. Porto:Edies Afrontamento, pg. 19.20 Idem, op. cit., pg. 26.21 Entendida como forma de ocupao do territrio.22

    Pois o modo de vida urbano, sendo um produto da cidade, no exclusivodesta. (Ibidem)

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    interrompidos23, ou seja, o produto acumulado das caractersticas

    do lugar e de sucessivas decises de diferentes actores, com

    objectivos e recursos diversos, que ao longo do tempo se voinfluenciando mutua e continuamente pelas suas decises.

    A cidade o resultado de uma relao ntima entre o lugar24 eo espao25, um palco de transformaes e interaces de

    apropriao e de memrias dessas mesmas apropriaes.

    Em cada cidade existe um antes e um depois, da que ela

    seja a sntese de vrios momentos. De um modo geral o stio

    26

    mantm-se, alterando-se a forma, o desenho urbano. Em

    consequncia, hoje os stios so uma sntese de vrios momentos

    da histria, com permanncias, sem que no entanto ocorra um corteepistemolgico com o passado.

    A sua forma apenas a forma de um momento da cidade. Aforma urbana, tal como diz J. Lamas, no s depende da sociedade

    que a produz e das condies histricas, sociais, econmicas epolticas em que a sociedade gera o seu espao e o habita27, mas

    tambm de teorias e posies culturais e estticas de quem as

    idealiza e constri28. Nesta perspectiva a cidade um organismo

    23 Beaujeu-Garnier, J. (1980). Geografia urbana. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, pg. 37.24 Entendido como espao social, dado que um espao transformado ao longoda histria de determinada formao social (Prof. Teresa V. Heitor).25 Enquanto suporte fsico das reas construdas e livres de um aglomerado.26 Relacionado com o espao geogrfico, o stio , segundo Jacqueline Beaujeu-Garnier, o lugar preciso da implantao inicial da cidade (op. cit., pg.94), oucomo define Aldo Rossi (Rossi, A. (1966). A arquitectura da cidade. Lisboa:Edies Cosmos, pg. 84), a rea sobre a qual surge uma cidade; a superfcieque ela realmente ocupa.27 Lamas, J. M. R. G. (2004). Morfologia urbana e desenho da cidade. Porto:

    Fundao Calouste Gulbenkian/Fundao para a Cincia e a Tecnologia, pg. 31.28Ibidem.

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    MALHA URBANA N 10 2010 27A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    vivo, um artefacto arquitectnico e humano em constantetransformao, que cresce sobre si prpria.

    A leitura da cidade torna-se assim complexa. J. Lamas

    escreve que a primeira leitura da cidade ser sempre ao nvel

    fsico-espacial e morfolgico, pois s esta pode mostrar asingularidade de cada espao e de cada forma, e ainda explicar as

    caractersticas de cada parte da cidade. Afirma, ainda, que a estaprimeira leitura juntam-se necessariamente outras que vo dar a

    conhecer diversos contedos histricos, econmicos, sociais e

    outros. No entanto, salienta que este conjunto de leituras s possvel porque a cidade existe como facto fsico e material e que

    todos os instrumentos de leitura lem o mesmo objecto o espaofsico, a forma urbana29.

    1.2 A morfologia urbana

    A morfologia urbana, segundo o livro Espace Urbain

    vocabulaire et morphologie, :

    tude de la forme physique de lespace urbain, de sonvolution en relation avec les changements sociaux,

    economiques et dmographiques, les acteur et lesprocessus loeuvre dans cette volution.30

    Tendo em ateno esta definio e seguindo o raciocnio de

    J. Lamas

    31

    , poder-se- ento utilizar o termo morfologia paradesignar o estudo da estrutura e da configurao exterior de um

    objecto. Ou seja, a morfologia enquanto cincia que estuda asformas e as interliga com os fenmenos que lhes deram origem.

    29Ibidem.30 Gauthiez, B. (2003). Espace urbain vocabulaire et morphologie. Paris:

    Monum, ditions du patrimoine, pg. 110.31 J. Lamas, op. cit., pg. 37.

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    Nesta perspectiva, Lamas afirma que a morfologia urbana ir

    estudar essencialmente os aspectos exteriores do meio urbano e as

    suas relaes recprocas, definindo e explicando a paisagemurbana32 e a sua estrutura33.

    Assim sendo, e ainda segundo Jos Lamas34, a morfologiaurbana a disciplina que estuda o objecto a forma urbana nas

    suas caractersticas exteriores, fsicas, e na sua evoluo notempo. Ou seja, o estudo da forma do meio urbano tendo em

    ateno os seus elementos morfolgicos, a sua gnese e

    transformao no tempo. Contudo, Lamas sublinha que um estudomorfolgico no se ocupa do processo de urbanizao, quer dizer,

    do conjunto de fenmenos sociais, econmicos e outros, motores da

    urbanizao. Estes convergem na morfologia como explicao daproduo da forma, mas no como objecto de estudo. Esse estudo

    deve no entanto ocupar-se dos elementos morfolgicos da cidade e

    da sua articulao entre si e com os lugares que constituem o

    espao urbano. Lamas afirma, ainda, que um estudo da morfologiaurbana no s tem que ter em ateno os momentos de produodo espao urbano, como tambm identificar esses mesmosmomentos e as suas inter-relaes.

    Jos Lamas acaba por salientar que, ao longo da histria, a

    produo do espao urbano foi o resultado, no s, de regras legaise de convenes sociais, mas tambm do modo como as vrias

    partes ou elementos da cidade foram organizados e combinados, ou

    seja, do seu desenho urbano. E que, s mais recentemente, houvea preocupao de planificar e programar as quantidades

    (densidades, fluxos, volumetria, ...), as utilizaes (uso do solo) e as

    32 Paisagem urbana enquanto parte de um territrio ou pas que a naturezaapresenta ao observador, portanto no sentido da descrio dos aspectosexteriores de uma realidade.33

    Ibidem.34 Idem, op. cit., pg. 38.

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    MALHA URBANA N 10 2010 29A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    localizaes, o que, de um modo geral, preceder o desenhourbano.35

    Pelo que em cima ficou dito, podemos afirmar que a

    morfologia urbana o estudo da evoluo das formas

    urbanas, tendo em ateno o desenvolvimento urbano36 e a

    reutilizao37 das partes da cidade.

    1.2.1 A forma urbana e a sua anlise

    A palavra forma pode significar:

    1. s.f. conjunto dos limites exteriores de um objecto ou de um corpoque lhe conferem um feitio, uma configurao ou uma determinada

    aparncia; feitio; formato;

    (...).

    Dicionrio PRO de Lngua Portuguesa, Porto Editora

    Neste sentido, a forma de um objecto refere-se suaconfigurao ou aparncia exterior, o que implica apenas umaleitura - visual - exterior, que no revelar certamente todos os

    contedos da forma38. Contudo, Jos Lamas afirma que morfologia urbana no interessa apenas esta leitura visual,

    interessa sobretudo aquilo a que designa por a leitura da cidade

    como facto arquitectural39. Segundo este autor, a construo do

    espao fsico [da cidade] passa necessariamente pela arquitectura,correspondendo assim a noo de forma urbana ao meio urbano

    35 Idem, op. cit., pg. 39.36 Entendido como o conjunto de processos que conduzem ao crescimento dascidades, por expanso ou por alteraes no seu interior (J. Lamas, op. cit., pg.111)37 Reutilizao resultante de opes administrativas ou de particulares que nos alteram o uso, como tambm modificam a forma. (J. Lamas, op. cit., pg. 112)38

    J. Lamas, op. cit., pg. 41.39Ibidem.

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    30 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    como arquitectura, ou seja, um conjunto de objectosarquitectnicos

    ligados entre si por relaes espaciais. Onde a arquitectura,

    segundo a opinio deste autor, a chave da interpretao correctae global da cidade como estrutura espacial40.

    Mas ser de facto a arquitectura a chave da interpretao dacidade como estrutura espacial? Ser ela a nica ferramenta

    correcta e global?

    Bruno Zevi, no livro Saber ver a arquitectura41, define a

    arquitectura como uma grande escultura escavada, em cujo interioro homem penetra e caminha, salientando mais frente que a

    arquitectura provm do vazio, do espao encerrado, do espao

    interior em que os homens andam e vivem, e acrescenta que oespao interior (...) o protagonista do fato arquitetnico42. Diz,

    ainda, que tudo o que no tem espao interior no arquitectura43,

    mas que a experincia espacial prpria da arquitectura prolonga-sena cidade, nas ruas e praas, nos becos e parques, nos estdios e

    jardins, onde quer que a obra do homem haja limitado vazios, isto ,tenha criado espaos fechados44.

    Uma vez que a cidade constituda por espaos interiores,definidos perfeitamente pela obra arquitetnica, e por espaos

    exteriores ou urbansticos, encerrados nessa

    obra e nas contguas45, a construo do seu espao fsico resulta

    da sua arquitectura46.

    40Ibidem.41 Zevi, B. (1984). Saber ver a arquitectura. So Paulo: Martins Fontes, pg. 17.42 Idem, op. cit., pg. 18.43 Idem, op. cit., pg. 24.44 B. Zevi justifica deste modo: (...) todo o espao urbanstico, tudo o que visualmente limitado por cortinas, quer sejam muros, fileiras de rvores oucenrios, caracterizado pelos mesmos elementos que distinguem o espao

    arquitetnico. (op. cit., pg. 25)45 B. Zevi, op. cit., pg. 25.

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    MALHA URBANA N 10 2010 31A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    Esta ideia corroborada por Aldo Rossi, quando afirma que aforma [da cidade] resume-se na arquitectura da cidade , podendo

    esta ser entendida como um grande manufacto, uma obra deengenharia e de arquitectura (...) que cresce no tempo, ou como

    factos urbanos caracterizados por uma arquitectura e, portanto,por

    uma sua forma. No entanto, este autor reconhece que aarquitectura no representa seno um aspecto de uma realidademais complexa47.

    importante ter presente que a cidade no s uma

    estrutura espacial, onde necessariamente existe uma relao entreos elementos que a constituem e o seu espao, como tambm o

    resultado da sociedade que a produz e das condies histricas,sociais, econmicas e polticas em que essa sociedade gera o seu

    espao e o habita. Deste modo a apropriao social e cultural do

    espao da cidade determina tambm a sua forma.Quando se analisa a forma urbana48 fundamental falar de

    dimenso49 e de escala, uma vez que, como afirma J. Lamas, a

    compreenso e concepo das formas urbanas ou do territriocoloca-se a diferentes nveis, diferenciados pelas unidades de

    leitura e de concepo50.

    46 Arquitectura entendida como disciplina produtora do espao.47 Rossi, A. (1966). A arquitectura da cidade. Lisboa: Edies Cosmos, pg. 43.48 Independentemente de ser a forma fsica de uma praa, de uma rua ou deuma cidade ou, ainda, a composio de diferentes unidades espaciais eelementos morfolgicos (J. Lamas, op. cit., pg. 73).49 J. Lamas (op. cit., pg. 73 e 74) considera existir trs dimenses espaciais namorfologia urbana: a dimenso sectorial a escala da rua; a dimenso urbana a escala do bairro e a dimenso territorial a escala da cidade. importante aquireferir que esta classificao das dimenses espaciais na morfologia urbanaapoia-se, como afirma Lamas (op. cit., pg. 75), nas classificaes de J. Tricart ede A. Rossi, os quais consideram haver trs escalas: uma a nvel da rua; outra a

    nvel de bairro e uma ltima a nvel da cidade.50 Idem, op. cit., pg. 73.

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    32 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    Depreende-se, assim, que a leitura da cidade e do territrio

    dever ser feita simultaneamente a diversas dimenses e escalas,

    ou seja, em diversos nveis.

    No presente estudo, em que nos propomos a analisar amorfologia urbana da cidade do Funchal e os seus espaos pblicos

    estruturantes, a partir de elementos de trabalho e de compreenso

    do espao como a cartografia e a iconografia, optamos portrabalhar fundamentalmente com duas dimenses, a que J. Lamas51

    designa por dimenso territorial52 e por dimenso urbana53. A

    primeira escala da cidade e a segunda escala do bairro.

    A utilizao destas dimenses e escalas d a liberdade para

    seguir um mtodo de anlise que permite realizar aproximaessucessivas, que nos leva do geral ao particular e vice-versa, sem no

    entanto chegar ao detalhe que a dimenso sectorial54 prope. As

    mudanas de escala mais dilatadas e abrangentes ou maisdiminutas e detalhadas vo contribuir para o enriquecimento do

    trabalho atravs da introduo de novas informaes sobre oselementos morfolgicos, ou seja, as partes fsicas exteriores do

    espao urbano.

    51 Idem, op. cit., pg. 74.52 Dimenso territorial - Nesta dimenso a forma estrutura-se atravs daarticulao de diferentes formas dimenso urbana, diferentes bairros ligados

    entre si. A forma das cidades define-se pela distribuio dos seus elementosprimrios ou estruturantes: o macrossistema de arruamentos e os bairros, aszonas habitacionais, centrais e produtivas, que se articulam entre si e com osuporte geogrfico. (J. Lamas, op. cit., pg. 74)53 Dimenso urbana - a partir desta dimenso, ou escala, que existevardadeiramente a rea urbana, a cidade ou parte dela. Pressupe uma estruturade ruas, praas ou formas de escalas inferiores. Corresponde numa cidade aosbairros, s partes homogneas identificveis, e pode englobar a totalidade da vila,aldeia, ou da prpria cidade. (Ibidem)54

    Dimenso sectorial - Ser a mais pequena unidade, ou poro de espaourbano, com forma prpria (uma rua, uma praa). (J. Lamas, op. cit., pg. 73)

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    MALHA URBANA N 10 2010 33A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    Assim, cada uma das dimenses e escalas acimamencionadas vai permitir fazer leituras diferentes dos diversos

    elementos morfolgicos55. Enquanto na dimenso territorial, ouescala urbana, os elementos morfolgicos identificam-se com os

    bairros, as grandes infra-estruturas virias e as grandes zonas

    verdes relacionadas com o suporte geogrfico e as estruturasfsicas da paisagem, na dimenso urbana, ou escala de bairro, soos traados e praas, os quarteires e monumentos, os jardins ereas verdes que so identificveis56.

    Neste estudo privilegiamos fundamentalmente os seguinteselementos morfolgicos: o solo, entendido como a topografia, ou

    seja, como o suporte geogrfico preexistente e o traado/a rua, queliga os vrios espaos e partes da cidade e que se relaciona

    directamente com a formao e crescimento da cidade.

    claro que quando analisamos a topografia, o traado e a

    rua inevitavelmente esto associados a estes outros elementos

    morfolgicos, nomeadamente as praas, os quarteires, osmonumentos, os jardins e as reas verdes, aos quais tambm

    daremos a devida ateno.

    Na realidade, para o habitante da cidade, enquanto homem

    da rua, a cidade vista a partir de fragmentos. Nos seus percursosdirios ele passa pelas ruas, atravessa diferentes espaos da

    cidade, descansa nas praas e nos jardins. So estes os elementos

    morfolgicos que o transeunte apreende quando circula pela cidade.S quando olhamos a cidade de cima que temos uma

    noo do todo, e por conseguinte da continuidade do espao, da autilidade da cartografia urbana no estudo da cidade. O urbanista ao

    intervir na cidade tem necessariamente que ter estas duas

    55 A identificao destes diferentes elementos morfolgicos no espao urbano

    varia de acordo com a dimenso ou escala escolhida para a anlise.56 Jos Lamas, op. cit., pg. 110.

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    34 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    perspectivas a do cidado que percorre a cidade a p ou de carro

    e a do especialista que observa a cidade atravs da cartografia ou

    dos planos. A cidade o resultado de um conjunto de fragmentos osquais s tm coerncia se forem pensados e integrados num

    espao maior que a prpria cidade.

    1.2.2 Os espaos pblicos urbanos

    Para o urbanista os espaos pblicos urbanos so espaos

    exteriores, livres e abertos, com zonas pblicas, movimento eactividades.

    O autor do livro Espace Urbain vacabulaire et morphologie57

    faz a distino entre espao pblico e espao pblico livre,

    salientando que este ltimo que o urbanista apreende.

    Vejamos as definies que nos apresenta:

    Espace public Il est form des espaces libres publics,

    pouvant tre couverts dun vert dense ou arbor et gnralement

    affects des usages publics, et de ce qui est visible depuis cesespaces. Il comprend donc pour partie le paysage urbain et les

    faades formant interface entre lespace public et lespace priv de

    lintrieur des btiments. Il peut tre souterrain.

    Espace libre public Espace libre accessible au public etgnralement de proprit publique.

    Nesta perspectiva, enquanto o espao pblico corresponde,no caso de uma praa ou de uma rua, ao seu espao livre e ao

    cenrio arquitectnico que o envolve, ou seja, ao conjunto dos seuselementos construdos e no construdos, o espao pblico livre

    tem apenas em ateno os arranjos da via pblica e a iluminao.

    57 B. Gauthiez, op. cit., pg. 348.

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    MALHA URBANA N 10 2010 35A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    Os espaos pblicos englobam uma diversidade de lugares,de onde se destacam os parques, jardins, avenidas, ruas, praas,

    largos, pracetas e frentes de mar e de rios. Estes encontram-seinterligados formando uma rede de percursos que atravessam a

    cidade, no s estruturando o meio envolvente como tambm

    dando-lhe continuidade. Alm disso, cada um deles apresentafunes, formas, dimenses, arquitectura e valor patrimonialdistintos, constituindo uma referncia na cidade, que contribui paraenriquecer e dar vida prpria urbe.

    A cidade foi ao longo da histria, como nos lembra Jan Gehl eLars Gemze, espao de encontro e reunio de pessoas, lugar de

    troca de informao e de bens e servios, local de cultura e dediverso. Foi, ainda, a via pblica que proporcionava acesso e

    conectava os vrios usos da cidade 58.

    Segundo este ponto de vista, os espaos pblicos so

    lugares de encontro, de comrcio e de circulao, que oferecem e

    asseguram uma multiplicidade de usos. No entanto, verificamos quehoje, ao contrrio do passado, h uma tendncia para uma

    separao e diversificao desses usos, que nos so assegurados

    por uma rede contnua de espaos pblicos que se estendem portoda a cidade.

    Embora o uso tradicional destes espaos se mantenha,

    constituindo desta forma uma herana que nos foi legada e que

    transmite parte da identidade da cidade, a verdade que novasfunes e usos tm surgido. Hoje, os espaos pblicos constituem

    importantes lugares de lazer, de passeio, de descanso, de cultura,

    de prticas desportivas ou, ainda, reas de preservao ambiental.

    Verifica-se, no entanto, que alguns espaos pblicos dacidade contempornea tm vindo a ser alvo de um distanciamento

    58

    Gehl, J. e Gemze, L. (2002). Novos espaos urbanos. Barcelona: EditorialGustavo Gili, pg. 10 e 13.

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    por parte dos seus utilizadores no s porque o trfego de veculos

    e os estacionamentos usurparam gradualmente espao nas ruas e

    praas59, mas tambm porque o rudo e a poluio os invadiram.

    Alm disso, como afirma Camillo Sitte, a excessiva

    regularizao urbana, com tudo dividido em blocos isolados (casas,praas, jardins) e circunscrito pelo traado das ruas, sem arte e

    beleza, torna os diferentes espaos da cidade tristes e montonos,afastando as pessoas. 60

    Na obra A construo das cidades segundo seus princpiosartsticos61, Camillo Sitte apresenta princpios e mtodos de

    execuo para a construo de cidades com qualidade urbana,

    semelhante da cidade antiga. Verifica-se que quando este autorse refere construo e/ou intervenes em praas, ruas e jardins,

    refora frequentemente a necessidade de haver um efeito de

    conjunto, ou melhor, um efeito artisticamente coeso62 salientandoque para tal necessrio ter em ateno determinadas regras, de

    onde destaca a disposio harmoniosa dos diferentes elementosdesse espao, sobretudo daqueles que podem ser vistos

    simultaneamente; a relao entre a dimenso desses mesmoselementos, que dever ser proporcional; a necessidade de existir

    obras de arte e de reas verdes, localizadas sobretudo nos lados

    desses espaos, libertando desta forma as reas centrais paraespaos de lazer tanto para crianas quanto para adultos; evitar

    59 Idem, op. cit., pg. 14.60 Esta uma ideia que Sitte faz passar ao longo de toda a sua obra, Aconstruo das cidades segundo seus princpios artsticos, a qual apesar de tersido escrita em 1889 continua a ter uma leitura muito actual. (Sitte, C. (1889). Aconstruo das cidades segundo seus princpios artsticos. So Paulo: Editoratica., pg. 94, 95, 100, 110)61

    C. Sitte, op. cit., pg. 145 160.62 Idem, op. cit., pg. 149.

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    MALHA URBANA N 10 2010 37A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    praas com um terreno aberto em todas as direces, semfechamento algum, sem nenhuma coeso dos efeitos artsticos.63

    Sitte alerta ainda para a questo do trnsito nas ruas,

    considerando que um factor de opresso do espao, e como tal

    dever ser transferido para um lugar onde ele no incomode, masque seja til. Para atrair pessoas s praas, o autor sugere a

    construo de edificaes para diferentes actividades culturais,cafs e restaurantes. Defende que cada praa, com dimenses no

    muito grandes e com lugares para monumentos e o verde, dever

    ter a sua prpria identidade contribuindo, desta forma, para adiversidade da imagem urbana.64

    Fala ainda da importncia do verde e da gua na cidade,

    defendendo que a sua introduo no meio urbano no s tem

    benefcios para a sade, como tambm para a xtase do espritoque encontra repouso nestes espaos naturais espalhados pela

    cidade65. Relativamente sua introduo na cidade, Sitte diz que,

    tal como as praas, estes devem estar em harmonia com o espaoenvolvente, uma vez que pode ocorrer um incmodo conflito

    estilstico entre o realismo da natureza e o idealismo de certas

    edificaes66. Alm disso, semelhana das cidades antigas, osespaos naturais devem ter um tamanho pequeno e estar

    espalhados por entre os edifcios da cidade.

    Segundo Camillo Sitte, para alm dos pequenos jardins que

    constituem verdadeiros lugares de repouso67

    , a permanncia develhas e solitrias rvores ou de pequenos grupos de rvores na

    cidade, por exemplo no canto de uma praas ou no desvio de uma

    63 Idem, op. cit., pg. 150-153.64 Idem, op. cit., pg. 153-160.65 Idem, op. cit., pg. 167.66

    Idem, op. cit., pg. 108.67 Idem, op. cit., pg. 109.

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    38 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    rua, formam igualmente agradveis recantos com sombra que

    convidam ao descanso68.

    Sitte defende ainda que para garantir a harmonia do efeito

    conjunto desejado e realizar belas coisas necessrio efectuar

    um estudo atento dos elementos pertinentes envolvidos em umgrande parcelamento, inclusive o aspecto artstico69, abandonar

    definitivamente o parcelamento em blocos e ter em considerao aopinio no s dos tcnicos mas tambm dos cidados. Alm disso,

    estes espaos da cidade, sobretudo as praas e os jardins, devem

    ser repousantes e oferecer proteco no s do sol e dos diferenteselementos climticos (vento e precipitao), mas tambm do tumulto

    e dos rudos das ruas70.

    A utilizao e vivncia dos espaos pblicos est tambm

    dependente da sua segurana, ou melhor, do sentimento de

    segurana que transmite.

    Segundo o que Jane Jacobs escreve no seu livro Morte e vidade grandes cidades71, o controlo ou vigilncia social que ocorre nos

    espaos exteriores pblicos resulta da multiplicidade de contactos

    sociais que diariamente ocorrem nas ruas da cidade e atravs dosquais h uma vigilncia, individual e colectiva, sobre as actividades

    e comportamentos dos diferentes intervenientes na vida urbana.

    Na realidade, esta vigilncia depende do nmero de pessoas

    que percorrem os diferentes espaos da cidade, do modo como estas

    se deslocam a p ou de automvel e, ainda, do tipo de funesexistentes nas reas adjacentes ao espao pblico. Quanto maior avariedade funcional, maior o nmero de pessoas que so atradas ao

    local e, consequentemente, mais eficais ser a vigilncia.

    68 Idem, op. cit., pg. 171.69 Idem, op. cit., pg. 164.70

    Idem, op. cit., pg. 164.71 Jacobs, J. (2000). Morte e vida de grandes cidades. So Paulo: Martins Fontes.

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    MALHA URBANA N 10 2010 39A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    Associada segurana est a legibilidade e apermeabilidade. A legibilidade a facilidade com a qual as

    partes [da cidade] podem ser reconhecidas e organizadas numaestrutura coerente72. Desta forma, quanto mais acessvel for a

    leitura da cidade, mais clara a imagem que cada indivduo tem

    dela, o que permite uma melhor orientao e deslocao na urbe e,tambm, mais confiana e segurana.

    Por seu lado, a permeabilidade depende do nmero de

    percursos alternativos para a deslocao das pessoas no espao

    urbano. Assim, quanto maior esta for, maior ser a intensidade domovimento urbano e a diversidade de comportamentos de

    deslocao, proporcionando aos transeuntes uma maior segurana.

    A legibilidade e a permeabilidade vo, ainda, facilitar a

    mobilidade intencional ou espontnea dos indivduos atravs dosespaos pblicos, garantindo a continuidade na cidade.

    Em suma, os espaos pblicos para continuarem a ser locais

    por excelncia de socializao, de comunicao, de troca, dedescanso e lazer tm necessariamente que ser locais agradveis e

    harmoniosos, onde cada indivduo se sinta confortvel e seguro;espaos com grande legibilidade e permeabilidade que permitam

    alm de segurana, uma fcil mobilidade e a continuidade dosdiferentes percursos da cidade; locais de incluso e de coeso

    social, onde sejam salvaguardados os interesses e as necessidade

    de todos os que utilizam a cidade e os seus espaos pblicos.Alm disso, hoje importante que estes espaos sejam

    entendidos como lugares emergentes de novas culturas e prticasurbanas, em equilibrio com o ambiente, destinados a contribuir para

    uma melhoria da qualidade de vida urbana e para a reanimao davida pblica.

    72 Lynch, K. (1960). A imagem da cidade. Lisboa: Edies 70, pg. 13.

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    40 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    Os espaos pblicos devem ainda ter um papel unificador na

    cidade, ligando o antigo ao novo de forma a que no ocorram

    processos de segregao.

    1.3 A morfologia urbana das cidades portuguesas

    Ao observar as cidades portuguesas verificamos que estas

    apresentam caractersticas morfolgicas muito particulares. Vriosautores, dos quais se destacam Jos M. Fernandes, Manuel

    Teixeira e Margarida Valla, salientam que esta particularidade dasformas urbanas das nossas cidades se deve a mltiplos factores,relacionados, na maior parte das vezes, com os seguintes aspectos:

    as diferentes influncias e concepes de espao que esto naorigem da cultura urbana portuguesa; a escolha dos locais para a

    implantao dos ncleos iniciais dos aglomerados urbanos; a ntima

    articulao dos traados das cidades com as particularidadestopogrficas locais; a localizao de edifcios singulares de acordo

    com a topografia, e o importante papel destes edifcios naestruturao dos traados urbanos; a lenta estruturao formal daspraas urbanas, associadas a diferentes ncleos geradores e a

    funes distintas; a permanncia da estrutura de loteamento e dastipologias de construo a ela associadas; o processo de

    planeamento e de construo da cidade portuguesa, que sempreprojectada no stio e com o stio.

    Para explicar as mltiplas referncias e formas urbanaspresentes na cidade portuguesa, Manuel Teixeira e Margarida

    Valla73 referem a existncia de componentes de natureza verncula

    e erudita74 articuladas, que resultaram respectivamente da influncia

    73 Teixeira, M. C., Valla, M. (1999). O urbanismo portugus. Sculos XIII XVIII.Portugal Brasil. Livros Horizonte.74 Sendo a componente verncula o resultado de uma cidade que construda

    sem recurso a tcnicos especializados e em que se observa uma estreita relaodo traado urbano com as caractersticas topogrficas dos seus locais de

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    MALHA URBANA N 10 2010 41A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    da cultura mediterrnica, grega que mais tarde se expressartambm atravs da cultura mulumana75, e da cultura romana.76

    Cada uma destas componentes vai dar origem a um modelo

    de cidade distinto. No caso da verncula, ser uma cidade menos

    regular, estruturada essencialmente a partir de funes e deedifcios singulares, civis ou religiosos, situados em lugares

    elevados da malha urbana, os quais vo dar sentido e estruturar osespaos urbanos envolventes. Quanto ao modelo de cidade

    associado componente erudita, verifica-se que este origina

    cidades com um traado regular (ou mais regular), planeadas econstrudas de acordo com um projecto, onde definida uma ordem

    (geomtrica) que estrutura o traado urbano e define a posio dosdiferentes tipos de edifcios e de funes.77

    implantao, enquanto a componente erudita a consequncia da participaode tcnicos especializados, detentores de um saber intelectual, no desenho da

    cidade. (Idem, op. cit.)75 Relativamente influncia da cultura mulumana, M. Teixeira e M. Vallaafirmam que ainda hoje possvel apercebermo-nos desta influncia nostraados de algumas cidades, acontecendo o mesmo a nvel da permanncia decertos hbitos de vida urbana, nomeadamente alguma incapacidade de entendere de usufruir plenamente os espaos abertos da cidade (op. cit., pg. 19).76 A este respeito, Teixeira e Valla salientam que na cultura urbana portuguesacada um dos plos desta dupla realidade acentua-se ou esbate-se conforme ascircunstncias histricas ou geogrficas. Por um lado, temos a cultura martima,costeira e comercial, o imprio no territorial do controlo das rotas, que nos vem

    dos Gregos (...). Por outro lado, temos a cultura territorial e material, o imprioefectivo do controlo territorial, que nos vem dos Romanos. Estes autoresreferem, ainda, que a cultura urbanstica grega est associada a um conceito deespao arquitectnico e urbano em que o objecto preponderante: os elementosestruturantes fundamentais do espao urbano grego so os objectosarquitectnicos, que so plos aglutinadores e do sentido aos espaos emvolta.A cultura urbana romana, pelo contrrio, est associada a um conceito de espaoem que, mais do que os edifcios, o prprio espao urbano que o elementofundamental, sendo este moldado pelas massas construdas que lhe do forma.

    (op. cit., pg. 18)77Ibidem.

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    42 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    Assim, pode-se afirmar que a concepo espacial da cidade

    portuguesa est directamente relacionada com o modo, a forma e o

    momento da construo da prpria cidade, ou seja, com ascircunstncias culturais, histricas ou geogrficas e, sobretudo, com

    a existncia de um maior ou menor controlo central, associado ao

    poder78.

    O certo que, em resultado da sobreposio e articulaodas componentes verncula e erudita ao longo dos sculos, as

    nossas cidades so o resultado da sntese destas duas

    concepes de espao79.

    1.3.1 A forma urbana das cidades portuguesas

    Quando se fala da forma urbana das cidades portuguesas

    importante ter presente que a passagem de diferentes povos peloterritrio continental, desde o sculo XII a.C., com os Fencios, at

    ao sculo XIII, com os Muulmanos, deixou, inevitavelmente,

    marcas nas estruturas urbanas, da que estejam sempre visveiscaractersticas de diferentes culturas urbanas nos traados urbanos

    portugueses.

    Por outro lado, h a salientar que desde meados do sculoXIII se verificou uma constante adopo de modelos racionais,

    promovidos pelo poder. Esta componente erudita foi sobretudo

    visvel nos traados regulares medievais dos sculos XIII e XIV, nostraados com influncias renascentistas a partir do sculo XVI, nos

    traados urbanos ligados s fortificaes do sculo XVII e nos

    traados iluministas do sculo XVIII. Nos sculos que se seguiram

    78Relativamente a esta aco do poder poltico e administrativo, importantereferir que quanto mais centralizado e mais forte o poder mais a racionalidadee a geometria se afirma na cidade, aumentando a regularidade do traado.

    (Idem, op. cit.).79 Idem, op. cit., pg. 18.

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    MALHA URBANA N 10 2010 43A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    esta componente esteve associada, em oitocentos, continuaoda utilizao dos traados barrocos, de que so exemplo as

    avenidas de Lisboa desenhadas por Ressano Garcia e, na primeirametade do sculo XX, influncia de um urbanismo ps-

    industrial80, visvel nos planos resultantes da poltica

    desenvolvimentista do Eng. Duarte Pacheco, e influncia doUrbanismo Moderno e da Carta de Atenas.

    Faamos aqui uma breve caracterizao dos traados das

    cidades portuguesas entre os sculos XIII e XX.

    Segundo Manuel Teixeira, as cidades medievais planeadas

    construdas em Portugal nos sculos XIII e XIV apresentavam umconjunto de quarteires com uma forma rectangular alongada, cada

    um deles constitudo por uma sucesso de estreitos lotes urbanos

    paralelos uns aos outros e orientados no mesmo sentido, com umafrente para uma rua principal e outra frente para uma rua de

    traseiras81. Esta disposio paralela das ruas em ruas principais e

    ruas de traseiras que se alternavam, era cortada por outras vias queas cruzavam perpendicularmente.

    Nesta organizao ortogonal de ruas e quarteires, aspraas, como afirma o mesmo autor, ou no existiam como tal ou

    iam se estruturando gradualmente ao longo do tempo. 82

    80 No s preocupado em encontrar solues para os problemas que a

    industrializao trouxe s cidades, mas tambm com a valorizao do desenhourbano. Um urbanismo cientfico e esttico (Pelletier, J., Delfante, C. (1969).Cidades e Urbanismo no Mundo. Lisboa: Instituto Piaget, pg. 246).81 M. Teixeira e M. Valla, op. cit., pg. 26.82 Segundo M. Teixeira, nesta altura era frequente existirem os largos onde selocalizavam os edifcios institucionais mais importantes e que resultavam doalargamento da rua (principal), obtido atravs de um recuo da igreja; e osterreiros, que tinham origem em terrenos residuais entre o permetro dasmuralhas e os quarteires construdos. Este autor, refere ainda que estes

    logradouros cumpriam originalmente as funes de praa. (Teixeira e Valla, op.cit., pg. 26 e 27)

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    44 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    Estas cidades medievais apresentavam ainda uma outra

    caracterstica, que era a existncia de muralhas defensivas.

    A partir dos finais do sculo XV e durante o sculo XVI, refere

    M. Teixeira, ocorreu em Portugal um importante movimento de

    renovao urbanstica83, cujo objectivo era o de modernizar ascidades, e que consistiu fundamentalmente na reforma, alterao

    e/ou expanso das cidades existentes. Este autor mencionatambm que, nalguns casos, estas intervenes incidiram na

    reforma dos espaos pblicos das cidades, particularmente na

    criao de praas, associadas construo de novos edifciosinstitucionais, tais como as casas de Cmara, as Misericrdias e as

    Igrejas Matrizes que constituram os edifcios estruturantes da maior

    parte destas praas. Noutros casos, tratou-se da construo denovas expanses urbanas planeadas, em que foram aplicados

    novos princpios de regularidade e de ordenamento, de influncia

    renascentista84.

    Este autor diz, ainda, que foram adoptadas no nosso pas trstipologias urbanas: o traado rectilneo e ordenado das ruas, a

    construo de praas rectangulares fechadas e a utilizao de umamalha urbana ortogonal. Relativamente s estratgias de desenho e

    de composio urbana, J. Teixeira refere que:

    (...) incluam a simetria, referida a um ou mais eixos; a

    utilizao da perspectiva e o fechamento de vistas

    atravs da colocao de edifcios, monumentos ou

    83 Este autor, mais do que uma vez, atribuiu este movimento de renovaourbanstica em Portugal ao desenvolvimento de uma nova atitude para com oespao urbano da cidade - influenciada pelos novos conceitos de espao urbanoligados redescoberta da tradio urbana da Antiguidade veiculada peloRenascimento, que chegaram a Portugal atravs de vrios tratados italianos - e reforma de leis e normas urbansticas, iniciadas por D. Afonso V e prosseguidaspor D. Joo II e D. Manuel I, e que deram origem s Ordenaes Afonsinas e

    mais tarde s Ordenaes Manuelinas. (Teixeira e Valla, op. cit., pg. 27, 83)84 Idem, op. cit., pg. 83.

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    MALHA URBANA N 10 2010 45A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    elementos urbanos significativos no enfiamento de ruasou de grandes eixos; a utilizao do mesmo tipo de

    elementos como pontos focais de praas ou deespaos urbanos que se viriam a estruturar como

    praas em torno destes elementos; a integrao de

    edifcios individuais em conjuntos arquitectnicosharmnicos, muitas vezes atravs do ordenamento eda repetio das fachadas.85

    O sculo XVII trouxe a Portugal novos desafios a nvel de

    intervenes urbansticas. Por um lado, a Restaurao daIndependncia de Portugal (1640) fez com que muitas cidades

    tivessem sido alvo de intervenes com o objectivo de reforar e demelhorar o seu sistema defensivo. E, por outro lado, a necessidade

    de ocupar e defender os novos territrios ultramarinos implicou a

    construo de fortes e de novos conjuntos fortificados. Estasintervenes, baseadas nos sistemas que ento vigoravam na

    Europa, tiveram implicaes na estrutura urbana das cidades

    portuguesas.

    As cidades seiscentistas, segundo Margarida Valla86,

    apresentavam vrias cinturas de fortificao. Uma primeira definidapelas cortinas e pelos baluartes, seguida de outra composta, por

    exemplo, por fossos e esplanadas. Era, ainda, frequente aexistncia de fortes, redutos e baterias, implantados na rea

    envolvente ao burgo, que constituam uma terceira cintura de

    fortificao e tinham como funo dificultar o ataque inimigo. Nestascidades os edifcios militares localizavam-se junto s muralhas, e

    ficavam separados do resto da cidade pela estrada de armas que

    acompanhavam o permetro das fortificaes. Surgiu tambm a

    85

    Idem, op. cit., pg. 85 e 86.86 Teixeira e Valla, op. cit., pg. 149.

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    46 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    Praa de Armas87, que normalmente era independente das

    restantes praas, destinadas a usos civis.

    M. Valla salienta, ainda, que como neste sculo a

    preocupao defensiva era dominante, a interveno no tecido

    urbano procurava sobretudo uma relao entre as funes urbanase militares para que pudessem coexistir dentro do mesmo

    espao88.

    No sculo XVIII, a experincia adquirida nos territrios

    ultramarinos

    89

    juntou-se aos princpios racionais iluministas e, emconjunto, transformaram as cidades portuguesas, tornando-as mais

    racionais e, assim, afastando-as cada vez mais do espao, do lugar,

    onde eram implantadas. Manuel Teixeira90 salienta que aracionalizao do traado colocou em segundo plano a correcta

    compreenso do stio, chegando mesmo ao ponto de em algumas

    cidades, construdas de raiz, a racionalidade e a abstracorelativamente ao stio serem totais.

    Este autor91 refere ainda que neste sculo surgiram cidades

    construdas com planos regulares, concebidos segundo traados

    geomtricos, na maior parte das vezes ortogonais, onde a praaaparecia como o elemento central da malha urbana.

    O sculo XIX, sculo de charneira, caracterizado pela

    continuidade da cidade clssica e barroca e pelo aparecimento de

    87 A Praa de Armas era o local de exerccio e de reunio dos regimentosmilitares (op. cit., pg. 153)88 Idem, op. cit., pg. 154.89 importante no esquecer que a expanso martima portuguesa para as Ilhasdo Atlntico, frica, Brasil, ndia e Extremo Oriente constituiu um grande factor dedesenvolvimento para o urbanismo portugus. Na realidade, estes novosterritrios, sobretudo os no urbanizados, foram um campo privilegiado a nvel daexperimentao e do desenvolvimento de traados regulares em cidadesconstrudas de raiz.90

    Idem, op. cit., pg. 285 e 286.91 Idem, op. cit., pg. 286.

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    MALHA URBANA N 10 2010 47A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    novas tipologias urbanas que vo preparando a cidade moderna92,continuou a distinguir-se pela utilizao dos sistemas de traados

    regulares, quadrculas, quarteires, ruas, avenidas e praas, tendono entanto sido introduzidas algumas inovaes tais como jardins,

    parques, alamedas, passeios pblicos e avenidas.

    Na realidade, verifica-se que neste sculo, um pouco por todo

    o mundo, houve uma tendncia para as grandes transformaesurbansticas e para o crescimento das cidades. Na Europa, estas

    transformaes caracterizaram-se essencialmente pela criao de

    grandes expanses93 e de traados e renovaes que, na maiorparte das vezes, destruram grande parte da malha urbana

    existente94. Os centros das cidades foram modernizados e ascidades fortificadas viram as suas muralhas serem demolidas.

    Abriram-se grandes avenidas, construiram-se sistemas de

    drenagem de guas e de recolha de esgotos, criaram-se grandespraas e jardins. Este processo, que acabou por ser de destruio e

    de renovao, no s marca a segunda metade do sculo XIX,

    como prolongou-se pelo sculo XX at Segunda Guerra Mundial.

    Portugal, naturalmente, no ficou indiferente a todo este

    processo e as principais cidades portuguesas passaram, assim, aser de algum modo subjugadas pelo progresso e pelo

    cosmopolitismo, sendo Paris o principal modelo da poca.

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, com a influncia da

    urbanstica Formal, do urbanismo Moderno e da Carta de Atenas,continuou-se a assistir renovao dos centros histricos e

    conservao parcial e limitada, isto , descontextualizada do seu

    conjunto, de monumentos e de partes dos centros urbanos.

    92 J. Lamas, op. cit., pg. 203 e 204.93 Expanses que foram, em parte, motivadas pela generalizao da utilizao doautomvel que aumentou e facilitou a mobilidade da populao.94

    O Plano de Haussmann para a cidade de Paris , sem dvida, um dosmelhores exemplos.

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    48 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    A partir dos anos 60, com a revalorizao do patrimnio,

    assistiu-se redescoberta do centro da cidade e dos bairros

    antigos. Surgindo, assim, todo um movimento de reestruturao,remodelao, reabilitao, melhoramento do habitat, salvaguarda e

    restauro, que ainda hoje se faz sentir nas nossas cidades.

    No entanto, nas ltimas dcadas tem sido cada vez mais

    notria a globalizao das cidades. A transio da sociedadeindustrial para a sociedade do conhecimento tem vindo a traduzir-se

    numa profunda alterao dos processos e formas de urbanizao e

    de ocupao do territrio. Algumas cidades portuguesas comeam amostrar sinais desta mutao, tornando-se aos poucos cada vez

    mais globalizadas, ou seja, indiferentes ao local95.

    Em suma, como diz M. Teixeira96, possvel afirmar que, de

    um modo geral, a cidade portuguesa foi uma cidade com grande

    coerncia interna, resultante de uma prtica urbanstica que,embora articulada com a cultura europeia, no se limitou a

    reproduzir modelos abstractos, tendo procurado responder realidade material e cultural de cada situao.

    No entanto, importante salientar que a partir da segundametade do sculo XIX, com o prevalecimento da racionalizao das

    cidades, a crescente abstraco relativamente aos espaos ondeestas se implantam e a renovao do centro das cidades, a

    originalidade da cidade portuguesa parece ter comeado a ficar

    ameaada. No sculo XX, ainda que a partir da dcada de 60 tenhasurgido uma nova preocupao com o patrimnio e,

    consequentemente, com a cidade antiga, o certo que algumascidades portuguesas continuaram a transformar-se e a adquirir

    formas cada vez mais globalizadas.

    95 Brando, P. (2006). A cidade entre desenhos. Profisses do desenho, tica e

    interdisciplinaridade. Lisboa: Livros Horizonte, pg.96 Teixeira e Valla, O Urbanismo Portugus, sculos XIII XVIII, Portugal Brasil.

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    MALHA URBANA N 10 2010 49A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    1.3.2 Os primeiros ncleos urbanos construdos fora do

    territrio continental o exemplo das cidades das Ilhas Atlnticas

    A expanso martima portuguesa teve incio no sculo XV

    com a descoberta e ocupao dos arquiplagos da Madeira e dos

    Aores. Com a colonizao destes arquiplagos, de onde sedestaca o da Madeira dado que foi o primeiro a merecer uma

    ocupao efectiva, estes transformaram-se em reas pioneiras deexperimentao e depois de modelo de referncia. A urbanizao

    destes territrios insulares, enquanto primeiras experincias fora

    de Portugal Continental, no constituiu uma excepo,destacando-se como exemplos as cidades do Funchal, de Ponta

    Delgada, da Horta e de Angra do Herosmo.

    Nestas cidades das Ilhas Atlnticas possvel verificar e

    confirmar a capacidade que os portugueses tinham emcompreender e articular as suas cidades com o territrio. M.

    Teixeira97 explica que a partir de um modelo de referncia, que

    eram as cidades construdas em territrio continental, os colonose, posteriormente, os tcnicos de arruao foram adaptando, de

    um modo quase intuitivo, esse modelo s caractersticas de cada

    lugar. O autor afirma ainda que, apesar da diversidade decondies locais e da forma aparentemente casual como estes

    ncleos urbanos eram construdos, a tradio urbana que lhesestava na base era suficientemente forte para assegurar uma

    identidade e uma coerncia formal bastante fortes entre todas

    elas98.

    Todas estas cidades insulares apresentam caractersticas

    morfolgicas semelhantes, o que sobretudo visvel na sualocalizao junto costa, na escolha do stio para a implantao

    do ncleo original e no traado das ruas. O certo que, de um

    97

    Teixeira e Valla, op. cit., pg. 4898Ibidem.

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    50 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    modo geral, nestas ilhas os ncleos urbanos primitivos eram

    implantados em baas abrigadas e com boa capacidade de defesa.

    Alm disso, era comum estes ncleos urbanos desenvolverem-se,inicialmente, ao longo de um caminho paralelo ao mar, que ligava

    o ncleo de ocupao primitiva casa do donatrio ou a uma

    capela localizada num dos extremos deste caminho. Numa faseposterior, iam surgindo ruas paralelas e perpendiculares pri

    mitiva, por onde os ncleos se expandiam.

    1. A semelhana das caractersticas morfolgicas das cidades insulares Planta das forteficaoens, e Bahia da Ilha do Faial, 1804 (Teixeira e

    Valla, O urbanismo portugus. Sculos XIII XVIII. Portugal Brasil.,

    pg. 59); pormenor do Plan of the Town of Funchal By Cpt. Skinner,1775 (C.M.F.F.)

    M. Teixeira faz a seguinte sntese relativamente ao modo

    como, inicialmente, estas cidades insulares se estruturaram e

    evoluram:

    Numa primeira fase a estrutura de ocupao era

    essencialmente condicionada pelas condies fsicasdo territrio: o ncleo de ocupao primitivo

    implantava-se num local com boas condies de

    defesa e boas condies como porto natural, e aprimeira rua, que viria a tornar-se a principal,

    acompanhava a curvatura da baa. A estrutura de

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    MALHA URBANA N 10 2010 51A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    ocupao que da resultava era essencialmente linear.Numa fase subsequente, desenvolviam-se uma ou

    duas outras ruas, paralelas primeira e a curtadistncia desta para o interior. Apoiando-se nesses

    eixos fundamentais, construam-se

    perpendicularmente a eles algumas ruas transversaisde pequena dimenso que os ligavam. Estruturava-seassim um pequeno nmero de quarteires, de formasensivelmente rectangular, que se dispunham na sua

    maior dimenso paralelamente linha da costa e queconstituam a primeira fase de urbanizao. 99

    O mesmo autor diz ainda que:

    Nas fases seguintes de desenvolvimento urbano das

    cidades insulares, eram construdas ainda outras ruasparalelas rua primitiva que se desenvolvia ao longo

    da costa. No entanto, dada a distncia cada vez maior

    a que cada uma das ruas era traada relativamente santeriores, os quarteires formados por elas e pelas

    transversais eram agora mais alongados edispunham-se perpendicularmente ao mar. Se bem

    que os grandes eixos estruturantes da cidade

    continuassem a ser as ruas paralelas linha de costa,as ruas que as cruzavam e se dispunham

    perpendicularmente ao mar tendiam a adquirir uma

    importncia crescente na estrutura da cidade,tornando-se progressivamente a direco dominante

    do traado.100

    E acrescenta que a inovao nos traados urbanos destas

    cidades observa-se a partir das primeiras dcadas do sculo XVI,

    99

    Idem, op. cit., pg. 49.100 Idem, op. cit., pg. 50.

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    52 MALHA URBANA N 10 2010Lusa Catarina Freitas Andrade Bettencourt

    sobretudo quando so construdas novas zonas de expanso e/ou

    feita a reestruturao de algumas partes centrais da malha urbana101.

    No caso especfico do Funchal, nos finais do sculo XV, incio

    do sculo XVI, que ocorre a primeira modernizao da ento vila102.

    Na verdade, data de 13 de Setembro de 1484 a carta onde o Duque D.Manuel mostra a preocupao em saber has cousas que som

    necessareas aesta villa103, tendo posteriormente o futuro monarcamandado fazer a ygreja do fumchall104 e praa E camara E paao de

    tabaliees E picota, no lugar mais conveniente e no meio da

    povoao 105. , ainda, sob o governo deste monarca que construdono Funchal um novo sector da malha urbana, composto por um

    conjunto de quarteires organizados segundo uma estrutura ortogonal

    regular.

    D. Manuel I teve um papel muito importante no crescimento e na

    modernizao do Funchal no final de quatrocentos, incio dequinhentos. Na realidade, o prprio Gaspar Frutuoso que nos diz que

    o Funchal sempre foi vila at o tempo de el-Rei Dom Manuel, que afez cidade e a acrescentou, e enobreceu com obras que nela mandou

    fazer106.

    101Ibidem.102 O Funchal s elevado categoria de cidade em 1508.103 Doc. n 90, 13 de Setembro de 1484, Carta do duque em que manda queRequerem has cousas que som necessareas aesta villa Arquivo Distrital doFunchal (1972). Arquivo Histrico da Madeira. Boletim do Arquivo Distrital doFunchal., Vol. XV, Funchal: D.R.A.C., pg. 139 e 140.104 Doc. n 95, 22 de Maro de 1485, Apomtamentos del Rey dom manuell SendoDuque pera esta ylha Da madeyra - in op. cit., pg. 147 a 156.105 Doc. n 112, 3 de Outubro de 1486, Carta do duque em que manda fazer praaE camara E paao de tabaliees E picota em esta vila in op. cit., Vol. XVI,1973, pg. 200 e 201.106

    Frutuoso, G. (1584). Livro Segundo das Saudades da Terra. Ponta Delgada:Instituto Cultural de Ponta Delgada, pg. 98.

  • 7/27/2019 A Cidade e a Sua Morfologia Urbana

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    MALHA URBANA N 10 2010 53A Morfologia Urbana da Cidade do Funchal e os seus espaos pblicos estruturates

    Assim, e no seguimento da anlise do que escreve M. Teixeira,podemos afirmar que estas obras, devido s suas caractersticas e ao

    modo como foram implementadas, podem ser consideradas umainovao na prtica urbanstica portuguesa no s porque a praa junto

    igreja, neste caso a S, e a nova malha urbana passam a ser um

    espao urbano regular planeado107 mas, sobretudo, porque resultamde uma aco deliberada, ou seja, de uma estratgia dedesenvolvimento e de modernizao urbana.

    A cidade de Angra do Herosmo outro exemplo onde estes

    princpios foram aplicados. Esta cidade, que apresenta caractersticastopogrficas e de desenvolvimento distintas das suas congneres, vai a

    partir da primeira metade do sculo XVI estruturar-se segundo umtraado regular inovador onde so explorados conceitos e formas

    urbanas com influncia renascentista.

    M. Teixeira, nos seus textos, deixa passar a convico de que foi

    nestas cidades dos Arquiplagos da Madeira e dos Aores que se fez a

    sntese entre a prtica do planeamento medieval e os princpiostericos emergentes do urbanismo renascentista. O mesmo afirma que

    com estas cidades, e em particular com a cidade de Angra do

    Herosmo, que se inicia a inovao e a experimentao urbansticaque nos sculos seguintes se ir desenvolver em Portugal Continental,

    no Brasil e no Oriente108.

    107 Segundo M. Teixeira, as praas das igrejas deixam de ser um espao residualque resultava do encontro de vrias ruas ou ento de um espao situado margem da malha urbana edificada. A estrutura de ruas tambm deixa de sermedieval e passa a ser constituda por lotes orientados para as quatro frentes doquarteiro, que vo criar uma estrutura de ruas mais urbana, sendo a hierarquiafeita pelo seu perfil, pelas funes e pela arquitectura dos edifcios que nelas se

    vm construir. (Teixeira e Valla, op. cit., pg. 315)108 Idem, op. cit., pg. 50.