a comensalidade dos rituais na festa do divino espírito santo em
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LÍLIAN PACHECO FERREIRA PAIVA
A COMENSALIDADE DOS RITUAIS NA FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM
ALCÂNTARA – MA E SUA POTENCIALIDADE TURÍSTICA
Balneário Camboriú – SC
2015
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
VICE-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM TURISMO E HOTELARIA – PPGTH
CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM TURISMO E HOTELARIA
LÍLIAN PACHECO FERREIRA PAIVA
A COMENSALIDADE DOS RITUAIS NA FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM
ALCÂNTARA – MA E SUA POTENCIALIDADE TURÍSTICA
Dissertação apresentada ao colegiado do PPGTH como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Turismo e Hotelaria – área de concentração: Planejamento e Gestão do Turismo e da Hotelaria – (Linha de Pesquisa: Planejamento do Destino Turístico – PLAGET)
Orientador: Prof. Dr. Luciano Torres Tricárico
Balneário Camboriú – SC
2015
3
Dedico este trabalho a minha querida sogra –
Professora Ocirema Fernandes Paiva – por sempre
acreditar e incentivar minha carreira docente. Ainda
que hoje não esteja mais entre nós, sempre seus
ensinamentos estarão presentes em nossas
lembranças.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus, por que sem ele nada seria possível, e ao Divino
Espírito Santo, que me deu forças para ter chegado até aqui.
À minha Família e aos meus amigos pela força e por terem entendido minhas ausências
nos encontros durante o período do mestrado.
Ao meu Marido pelo amor e ajuda incondicional.
Ao Professor Luciano Tricárico pela orientação desta dissertação e pelo
direcionamento a novos caminhos nunca antes percorridos.
Aos Professores Carlos Alberto Tomelin, Yolanda Flores e Sênia Bastos pelas
consideráveis colaborações ao trabalho.
A todos os outros Professores do Programa de Mestrado pela formação.
Aos Amigos da turma do Minter pelo companheirismo.
Ao IFMA pelo convênio com a UNIVALI.
Aos alunos do IFMA do Curso Superior de Gestão de Turismo que colaboraram
voluntariamente com a pesquisa na aplicação dos formulários, em especial Angélia, Anita, Cleide,
Dalva, Glícia, Izabela, Luciana, Nogueira, Regiana e Rosa.
Agradeço ao aluno Leandro Reis, egresso de Hospedagem e atualmente aluno do Curso
Técnico em Eletrônica, pela colaboração na captação de imagens e na aplicação dos formulários e
ao fotógrafo Cláudio Farias.
Aos amigos do IFMA pelo incentivo nas horas difíceis.
A Erivaldo pela contribuição para a normalização.
A seu Moacir, Porrudo, Jadson, D. Roxa, Rosário, Nailton e Valdeci pelos
esclarecimentos e atenção.
Aos festeiros por terem aberto as portas de suas Casas de Festas para a realização da
pesquisa.
Aos Moradores e turistas que participaram da pesquisa respondendo os formulários.
“Com o pão”, deu o companheiro.
(Câmara Cascudo, 1967)
RESUMO
O presente trabalho aborda a comensalidade dos rituais da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara e tem como objetivos avaliar o cerimonial e a comensalidade da festa como potencializadores da atividade turística na região, descrever o cerimonial dos alimentos e bebidas da festa, identificar a comensalidade, seus símbolos e investigar a hospitalidade da festa por essa perspectiva. Para alcançar tais objetivos procedeu-se metodologicamente a uma pesquisa do tipo exploratória e descritiva, de natureza qualiquantitativa. Adotou-se como técnicas de coleta de dados a observação participante, pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, entrevistas fenomenológicas e a aplicação de formulários. Alguns dos resultados obtidos foram que os moradores e turistas entendem a hospitalidade como essencial à experiência vivida na festa. A Casa de Festa e o Doce de Espécie são símbolos da hospitalidade nesse período. Os alimentos e bebidas de maior destaque para os turistas pesquisados foram o Doce de Espécie, o licor e o chocolate, nessa ordem; e 65,69% deles aprovaram a culinária da festa como produto turístico. A comensalidade da festa é uma manifestação cultural que poderá ser divulgada para fortalecer a imagem do destino diante dos interessados na prática do Turismo Cultural.
Palavras-chaves: Festa do Divino Espírito Santo, Alcântara-MA, Comensalidade, Patrimônio, Turismo Cultural.
ABSTRACT
This work addresses the comensality of the rituals of the Festa do Divino Espírito Santo (Festival of the Divine Holy Spirit) in Alcântara, with the aims of evaluating the ceremonies and comensality of the festival as potential activities for promoting tourism activity in the region; describing the ceremony involving food and drink at the festival; identifying the commensality and its symbolism; and investigating the hospitality of the festival from this perspective. To achieve these objectives, a qualitative and quantitative survey of the exploratory and descriptive type was conducted. The data collection techniques used were participant observation, bibliographic research, document research, phenomenological interviews, and the application of forms. Some of the results obtained were that the inhabitants and tourists understand hospitality as an essential component of the festival experience; the Casa de Festa (festival Building) and the Doce de Espécie (Spiced Sweet) are symbols of hospitality during this period. The most popular foods and drinks, for the tourists surveyed, were Doce de Espécie, liqueur, and chocolate, in that order; and 65.69% of them took advantage of the culinary offerings of the festival as tourism products. The commensality of the festival is a cultural manifestation that can be promoted, to strengthen the image of the destination for those interested in the practice of cultural tourism.
Keywords: Festa do Divino Espírito Santo, Alcântara-MA, Commensality, Patrimony, Cultural Tourism.
LISTA DE FIGURAS
Imagem 1 - Banquete …... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Imagem 2 - Carta do Mordomo Régio ao Imperador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Imagem 3 - Convite do Imperador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Imagem 4 - Carta do Mordomo Régio ao Imperador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Imagem 5 - Carta do Imperador ao Mordomo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Imagem 6 - Carta de autorização ao Mordomo .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Imagem 7 - Desenho do Cortejo do Mastro pedindo licor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Imagem 8 - Desenho da Pomba do Divino .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Imagem 9 - Desenho do chocolate e Doce de Espécie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Figura 1 - Desenho da dissertação... . . . . . . . . . .…... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Figura 2 - Desenho da segunda parte da dissertação relacionando os capítulos com os
objetivos específicos da pesquisa ................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Figura 3 - Desenho explicativo sobre os meios utilizados para alcançar
os objetivos específicos propostos na pesquisa …... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Figura 4 - Desenho do esquema dos assuntos abordados na fundamentação
teórica da pesquisa …... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Figura 5 - Imagem do conhecimento construído . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Mapa 1 - Trajeto via ferry boat e MA-106 …... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
Mapa 2 - Trajeto via MA-135 e MA-106 ….... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Coroa do Imperador …...................................................................................... 23
Foto 2 – Pessoas da comunidade no preparo dos doces .................................................. 24
Foto 3 – Arrumação dos doces em porções a serem servidas …..................................... 24
Foto 4 – Mesa de doces em casa de festeira em 2014 …................................................. 25
Foto 5 – Preparo do Doce de Espécie ….......................................................................... 26
Foto 6 – Preparo de alimentos em caldeirões ….............................................................. 26
Foto 7 – Círio de Nazaré em Belém-PA .....................…................................................. 58
Foto 8 – Visita do Império …........................................................................................... 89
Foto 9 – Livro de assinaturas …....................................................................................... 90
Foto 10 – Texto do livro de assinaturas …....................................................................... 91
Foto 11 – Cortejo do Mastro …........................................................................................ 99
Foto 12 – Imperador ….................................................................................................... 101
Foto 13 – Mastro do Mordomo Régio ….......................................................................... 102
Foto 14 – Altar ….............................................................................................................. 103
Foto 15 – Visita do Mordomo Régio ao Império .............................................................. 103
Foto 16 – Banquete na Visita ao Imperador ..................................................................... 104
Foto 17 – Mesa no Paço do Mordomo Régio ................................................................... 104
Foto 18 – Missa no Domingo do Meio ............................................................................. 105
Foto 19 – Cortejo do Imperador – Visita a Mordomos ..................................................... 105
Foto 20 – Visita do Imperador a Mordoma ....................................................................... 106
Foto 21 – Altar e Tribuna na Casa do Império .................................................................. 106
Foto 22 – Balões artesanais para cortejo ........................................................................... 107
Foto 23 – Mesa preparada para receber convidados do Imperador ................................... 108
Foto 24 – Altar e Tribuna em Casa de Festa ..................................................................... 109
Foto 25 – Doação de carne e verduras .............................................................................. 110
Foto 26 – Bodo aos idosos ................................................................................................ 111
Foto 27 – Doações de cestas básicas aos pobres ............................................................... 111
Foto 28 – Pessoas conversando na Casa do Divino .......................................................... 119
Foto 29 – Reza antes do almoço ....................................................................................... 120
Foto 30 – Comensalidade entre as “cozinheiras” .............................................................. 121
Foto 31 – Forno a lenha .................................................................................................... 122
Foto 32 – Batendo o chocolate ......................................................................................... 122
Foto 33 – Mastro das crianças .......................................................................................... 157
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 …........................................................................................................................... 124
Quadro 2 …........................................................................................................................... 125
Quadro 3 …........................................................................................................................... 126
Quadro 3a …......................................................................................................................... 127
Quadro 3b ............................................................................................................................. 128
Quadro 4 …........................................................................................................................... 129
Quadro 5 …........................................................................................................................... 130
Quadro 6 …........................................................................................................................... 131
Quadro 7 …........................................................................................................................... 132
Quadro 8 …........................................................................................................................... 133
Quadro 9 …........................................................................................................................... 134
Quadro 10 ............................................................................................................................. 134
Quadro 11 ............................................................................................................................. 136
Quadro 12 ............................................................................................................................. 137
Quadro 13 ............................................................................................................................. 138
Quadro 14 ............................................................................................................................. 139
Quadro 15 ............................................................................................................................. 139
Quadro 16 ............................................................................................................................. 140
Quadro 17 ............................................................................................................................. 141
Quadro 18 ............................................................................................................................. 142
Quadro 19 ............................................................................................................................. 143
Quadro 20 ............................................................................................................................. 144
Quadro 21 ............................................................................................................................. 145
Quadro 22 ............................................................................................................................. 146
Quadro 23 – Síntese das entrevistas ..................................................................................... 148
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CNFCP - Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural
EUA – Estados Unidos da América
IFMA – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
INRC – Inventário Nacional de Referência Cultural
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
M8 – Mito oito
M90 – Mito noventa
MINC – Ministério da Cultura
PACA – Programa de Apoio a Comunidades Artesanais
SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Maranhão
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.…............................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........................................................... 15
1 INTRODUÇÃO …....................................................................................................................... 16
1.1 Contextualização …......................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......................... 16
1.2 Problema da pesquisa …............................................................................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.2.1 Pergunta da pesquisa …......................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.3 Objetivos da pesquisa…................................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........................................... 21
1.3.1 Objetivo geral …...................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............. 21
1.3.2 Objetivos específicos …...................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 21
1.4 Justificativa …...................................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... 21
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................... 28
2.1 A comensalidade e seus ritos …................................................................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 28
2.1.1 Comensalidade: aspecto intrínseco da hospitalidade................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.1.2 Culinária e identidade: dos prazeres da mesa à comensalidade ............ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.2 Festas populares: aspectos culturais ….......................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2.3 A relação complementar e interdependente entre patrimônio cultural e turismo .............. . . . . . 50
2.3.1 A culinária enquanto patrimônio local e recurso turístico …................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
3 METODOLOGIA …...................................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
3.1 Caracterização da pesquisa …................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
3.2 Procedimentos da pesquisa …................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
4 A FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO NO BRASIL E EM ALCÂNTARA-MA. . . . . 82
5 RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO .................................................. . . . . . . . . . . . . . . . . ... 92
5.1 Signos do Cerimonial e Comensalidade …....................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . ... 92
5.2 Dados Quantitativos …............................................................................................................. 123
5.3 Dados Qualitativos …............................................................................................................... 147
5.3.1 Entrevistas ........................................................................................................ . . . . . . . . . . . . . . . 147
5.3.2 Avaliação Imagética ............................................................................................................. 173
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ . . . . . . . . . . . . . . 177
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .182
APRESENTAÇÃO
O presente estudo encontra-se estruturado em seis capítulos para uma melhor
compreensão do objeto estudado nessa pesquisa, a comensalidade dos rituais da Festa do Divino
Espírito Santo em Alcântara-MA. A possibilidade de um estudo com um enfoque sobre a festa
diferente da literatura encontrada determinou a escolha dessa temática como objeto de estudo.
No primeiro capítulo a introdução subdivide-se em uma contextualização do assunto
abordado na pesquisa, no problema e na pergunta da pesquisa que permeia o trabalho, no objetivo
geral, nos objetivos específicos e na justificativa para realização da pesquisa.
No segundo capítulo realiza-se uma revisão da literatura que fundamenta teoricamente
esta pesquisa e tem a finalidade de apresentar reflexões e discussões sobre as relações existentes
entre hospitalidade, alimentação, comensalidade, festas populares e patrimônio imaterial e a
interdependência que se pode inferir entre eles e o desenvolvimento turístico.
O terceiro capítulo apresenta o plano metodológico seguido durante o processo de
investigação. Está subdividido pela caracterização e procedimentos da pesquisa.
O quarto capítulo é uma investigação sobre a origem da Festa do Divino Espírito Santo
no Brasil e sua chegada no estado do Maranhão, especificamente na cidade de Alcântara.
No quinto capítulo inicia-se o trabalho de campo com a descrição dos signos do
cerimonial e da comensalidade dos rituais da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara,
apresenta-se os resultados quantitativos obtidos com a aplicação de formulários a moradores e
turistas e os resultados qualitativos a partir das análises das entrevistas fenomenológicas e de uma
avaliação imagética feita a partir de desenhos de moradores sobre a festa.
E por fim, no sexto e último capítulo encontram-se as considerações finais acerca do
trabalho, nele sintetiza-se resumidamente todo o conteúdo abordado e discorre-se sobre os pontos
considerados relevantes após os resultados demonstrados na pesquisa.
16
1 INTRODUÇÃO
Com este capítulo pretende-se contextualizar a temática da pesquisa desenvolvida,
apresentar a motivação e a importância para realizá-la, descrever o objetivo geral e os objetivos
específicos propostos no estudo, assim como demonstrar na Figura 1, por meio do desenho da
dissertação, como será dividido e estruturado o trabalho.
1.1 Contextualização
A hospitalidade, a alimentação e a comensalidade sempre estiveram presentes na
história da humanidade, o convívio em grupo foi característica fundamental para a sobrevivência da
espécie humana. Desde que se passou a viver em grupos, criaram-se regras para disciplinar essa
convivência e manifestações coletivas que pudessem ser a expressão daquele grupo social.
Em um cenário de construção de uma “cultura globalizada”, há um movimento de busca
de suas origens para que na imensidão de iguais se reconheçam como diferentes e autênticos, com
uma identidade singular e plural ao mesmo tempo. Para que esse movimento global seja benéfico e
em direção à paz, é preciso que cada vez mais sejam cultivadas no mundo virtudes como a
hospitalidade, a convivibilidade, a tolerância e a comensalidade, no sentido de humanizar-se cada
vez mais as relações sociais. A comensalidade pode ser entendida como uma das maiores
expressões nesse sentido (BOFF, 2005).
Os hábitos da humanidade modificaram-se ou aperfeiçoaram-se, não obstante a isso a
sociabilidade também passou por processos de modificação. Mas os alimentos, em qualquer época,
estiveram presentes como condutor dessa socialização.
Com o desenvolvimento do “gosto”, a partir da cocção dos alimentos com a descoberta
do fogo controlado, deu-se início a culinária e posteriormente surge a gastronomia.
Assim, o homem descobre que o comer e estar junto com o outro, oferecer-lhe
alimentos, ser hospitaleiro são determinantes para a aproximação entre as pessoas. A comensalidade
está diretamente associada a alimentação, que por sua vez é uma das principais vertentes da
hospitalidade, junto ao abrigo e ao deslocamento (CASTELLI, 2010).
Então com a refeição institui-se o ritual, logo o homem quis manifestar-se pela sua
cultura, e uma dessas formas de expressão configurou-se através das festas, que desde sempre
17
tiveram suas origens nas celebrações aos deuses, pelo prazer dionísico e como escape dos
problemas do dia a dia (FRANCO, 2001).
As festas populares constituíram-se em importantes espaços para o convívio social e
como forma de comunicação entre os membros de uma comunidade, reinterpretadas a cada
realização, reconstituídas pelo imaginário social coletivo e pelo conhecimento comum, dessa forma
apresentando-se como valioso patrimônio cultural a ser salvaguardado, principalmente pelo
significado que possam representar em seu contexto social (MAFFESOLI, 2007).
Muitas dessas manifestações estão ligadas de alguma forma à religião, talvez por
tratarem-se de uma importante forma de troca de solidariedades e de manifestações identitárias.
(RODRIGUES, 2012) Possuem muitos símbolos e tradições que são vivenciadas e mantidas há
séculos.
Seria difícil enumerar as festas populares religiosas que acontecem a cada ano em todo
o país, mas sabe-se que muitas delas têm possibilidades reais de serem reconhecidas como
Patrimônio Cultural Brasileiro, fator que seria relevante para contribuir na sua preservação e para a
melhoria da qualidade de vida das pessoas onde estão inseridas.
Esta última condição pode se dar por meio do desenvolvimento do turismo, utilizando-
se de recursos como a hospitalidade, a gastronomia, as manifestações culturais locais, entre outros
patrimônios locais, como atrativos para os turistas. Nesse caso, principalmente, os que preferem a
segmentação do Turismo Cultural. Nessa relação entre turismo e cultura são muitas as interações
sociais que as pessoas estabelecem pelo contato com a cultura do “outro”, e que exatamente pelas
diferenças encontradas em sua construção social, são interessantes por quem procura esse tipo de
turismo. (DIAS, 2006)
Através das festas populares com seus ritos, cerimoniais e símbolos, da culinária
regional, da cultura gastronômica, pode-se caracterizar a identidade social de uma comunidade.
(CASTELLI, 2010) Para o homem todo alimento partilhado em grupo faz parte de um todo
complexo que exige ritual cerimonioso ao ser consumido, por vezes ele mesmo torna-se o objeto
ritual por seu valor simbólico. (FRANCO, 2001)
Em suma, daí surge a ideia de investigar a simbologia dos alimentos e das bebidas
tradicionalmente ofertados na Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara e a comensalidade
decorrente dessa oferta.
Na cidade de Alcântara-MA, intitulada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
18
Artístico Nacional, Cidade Monumento Nacional desde 19481, predominantemente destaca-se o
patrimônio histórico e cultural, por seu casario colonial, pela influência da colonização portuguesa,
pelas inúmeras comunidades quilombolas pertencentes a seu território, sua trajetória é marcada
também pelo remanejamento de algumas dessas comunidades devido à instalação do Centro de
Lançamento de foguetes.
Em meio a esse cenário dicotômico entre passado e futuro que sobrevive à celebração
em louvor ao Divino Espírito Santo, por meio de um movimento comunitário que luta para que sua
história não seja perdida no tempo e para o qual a realização da festa com suas tradições simboliza
sua continuidade.
Para uma melhor compreensão sobre como procedeu-se o desenvolvimento deste
trabalho, demonstra-se na Figura 1 por meio do desenho da dissertação, de que forma ela está
estruturada, o número de capítulos, como apresenta-se e como subdividem-se esses capítulos.
Inicialmente o trabalho foi dividido em duas partes: a primeira, contendo a introdução
subdividida em apresentação, contextualização, problema da pesquisa, pergunta da pesquisa,
objetivo geral, objetivos específicos e justificativa; seguida da fundamentação teórica que aborda
assuntos como a comensalidade e seus ritos, comensalidade: aspecto intrínseco da hospitalidade,
culinária e identidade: dos prazeres da mesa à comensalidade, festas populares: aspectos culturais, a
relação complementar e interdependente entre patrimônio cultural e turismo e a culinária enquanto
patrimônio local e recurso turístico; e como último capítulo dessa primeira parte têm-se a
metodologia com a caracterização e procedimentos da pesquisa.
A segunda parte é separada da primeira no desenho para destacar o início do trabalho de
campo, que deu-se a partir do mês de maio de 2014. Nessa parte são discutidos e analisados
resultados como aspectos específicos sobre a festa, os signos do cerimonial, a comensalidade
presente ao ritual, resultados quantitativos e qualitativos e as considerações finais.
1 Disponível em http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/345
19
20
1.2 Problema da pesquisa
“A Festa do Divino Espírito Santo chegou ao Maranhão, ao que tudo indica, trazida por
emigrantes açorianos e é, atualmente, parte de um conjunto de rituais do catolicismo popular,
realizada em todo o Estado, principalmente em São Luís e Alcântara”. (ROCHA, 2010, p.144)
A Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara – MA é uma das mais conhecidas do
estado, principalmente por suas peculiaridades locais, como a presença das Caixeiras do Divino, os
aspectos religiosos, e a diversificada cultura gastronômica. “As caixeiras constituem elemento
imprescindível e típico da festa do Divino no Maranhão. São senhoras idosas com o encargo de
tocar caixas e entoar cânticos […]” (FERRETI, 2005, p.09).
Entende-se de acordo com o pensamento de Dias (2006), que essas peculiaridades e
outras práticas tradicionais existentes na festa podem ser mantidas ou reavivadas como recursos
turísticos que gerem benefícios aos residentes e como valorização do que lhe é singular, podendo
ocasionar por isso o resgate de costumes antigos, saberes, fazeres, identidades locais e até regionais.
“Os aspectos tradicionais da cultura, como as festas, as danças e a gastronomia, ao conter
significados simbólicos e referirem-se ao comportamento, ao pensamento e à expressão dos
sentimentos de diferentes grupos culturais, também fazem parte do consumo turístico”
(SCHLÜTER, 2003, p. 10).
Ainda que não sejam o fator de motivação principal esses aspectos culturais
complementam a oferta turística para qualquer segmentação de mercado do Turismo.
E ainda para Schlüter (2003), essa perspectiva de uso do patrimônio cultural como
recurso para a atividade turística apresenta a gastronomia local como elemento importante na
competitividade para a promoção do destino.
Apesar de ser a mais importante manifestação cultural da cidade, a Festa do Divino
Espírito Santo em Alcântara – MA é pouco promovida como atrativo cultural para incrementar o
crescimento da demanda turística do município, principalmente no que se refere à comensalidade e
aos rituais da festa. A exemplo disso referencia-se o documento Planejamento de Turismo para o
município de Alcântara, elaborado pela comunidade local em oficina de trabalho realizada no dia 7
de junho de 2005 junto ao SEBRAE, Petrocci Consultoria e Prefeitura Municipal de Alcântara, pois
percebe-se que nele a Festa do Divino Espírito Santo não foi citada de forma relevante e a
hospitalidade e comensalidade praticada nesse período da festa não foram citados no documento,
21
nem como forças propulsoras para o desenvolvimento do turismo na cidade, nem nas estratégias de
marketing e nem no planejamento tático para o mesmo fim. (SEBRAE, 2005)
1.2.1 Pergunta da pesquisa
Como o cerimonial e a comensalidade, presentes na Festa do Divino Espírito Santo em
Alcântara – MA podem contribuir para o desenvolvimento da atividade turística no município, para
a preservação da memória da festa e da identidade cultural dos alcantarenses?
1.3 Objetivos da pesquisa
1.3.1 Objetivo geral
Avaliar os processos do cerimonial e a comensalidade dos rituais alimentares existentes na
Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara – MA enquanto atrativos culturais e
potencializadores da atividade turística.
1.3.2 Objetivos específicos
Descrever o cerimonial que envolve os alimentos e as bebidas na Festa do Divino Espírito
Santo em Alcântara – MA, tendo como ênfase a comensalidade;
Identificar a comensalidade da festa e sua origem no cerimonial;
Investigar a simbologia dos alimentos e das bebidas tradicionalmente ofertados na Festa do
Divino Espírito Santo em Alcântara – MA e a comensalidade decorrente dessa oferta;
Investigar a hospitalidade da festa pela oferta dos alimentos e bebidas.
1.4 Justificativa
Atualmente o Turismo é considerado um fenômeno social. Pode-se dizer que alguns
fatores contribuíram para a prática dessa atividade, como o desenvolvimento da tecnologia, dos
22
meios de comunicação e dos meios de transportes. Junto a ele vieram seus impactos que, quando
positivos, podem gerar a conservação dos patrimônios locais.
A cidade de Alcântara no Maranhão é um exemplo disso, Cidade Monumento Nacional
pelo IPHAN desde 1948 pela arquitetura de seus casarões, igrejas, conventos e ruínas oriundas da
colonização portuguesa no Brasil. Lima (1988, p. 15) descreve Alcântara: “Em 1817, era vila
grande com boa casaria vistosamente situada em terreno levantado, e em 19, tinha muitas casas
sólidas de cantaria, grandes negócios e seus 8.000 moradores desfrutavam de florescente e crescente
bem-estar”. Somando a esse Patrimônio Histórico, Alcântara possui um vasto Patrimônio Natural e
uma cultura local expressa nas festas populares, na culinária étnica, artesanatos das comunidades
quilombolas, entre outros que dentro do contexto atual da globalização podem favorecer ao
desenvolvimento da atividade turística, apesar das inúmeras dificuldades e desafios a serem
vencidos.
Uma das vocações do local é o Turismo Cultural que será o enfoque nesta pesquisa. Em
Alcântara destacam-se duas importantes manifestações culturais e religiosas que são a Festa de São
Benedito e a Festa do Divino Espírito Santo. Esta última é a mais tradicional festividade da região,
ela possui muitos rituais e simbologias presentes em diversos momentos da festa: escolha do
Imperador ou Imperatriz, côrte, mastros, missas, procissões, orquestras, cortejo pelas ruas, esmolas,
casas de festas, corrida do boi e etc. Ferreti (2005, p. 09), diz:
A festa do Divino Espírito Santo é um ritual do Catolicismo que, como o Carnaval, o bumba-meu-boi e outras festas populares, possui características específicas em diferentes regiões. Enquanto na maior parte do país a festa é um ritual do Catolicismo popular, no Maranhão, embora vinculada ao catolicismo, o Divino possui duas peculiaridades que a distinguem. Primeiro, a presença marcante de mulheres – as caixeiras, que tocam instrumentos musicais denominados caixas do Divino […].
Outros aspectos da festa que chamam a atenção são o seu cerimonial e a hospitalidade
do povo alcantarense explicitada através da comensalidade nesse período, pois alimentos e bebidas
estão presentes em quase todas as etapas da Festa. Segundo Melo Neto (2007, p. 213), “a ênfase, no
caso das festas típicas, devem ser as tradições da culinária, do artesanato local, a cultura e as
tradições dos colonizadores e estória dos seus fundadores”.
Por essa premissa é que se percebe a importância de pesquisar as simbologias do
cerimonial e das relações que envolvem os processos da comensalidade nesse evento popular, tendo
em vista que a Culinária tradicional presente durante as comemorações da Festa do Divino Espírito
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Santo em Alcântara, assim como seus modos de fazê-la, devem ser entendidos como um elemento
do Patrimônio Cultural local, possuindo representantes de sabores incomparáveis como os típicos
Doces de Espécie2 e o Licor de Jenipapo.
Na foto 1 segue em cortejo pelas ruas de Alcântara o Imperador da Festa do Divino, em
destaque a Coroa, um dos símbolos que representa o poder real:
Foto 1 – Coroa do Imperador
Fonte: (FARIAS, 2011)
O empenho das pessoas da comunidade no preparo dos alimentos que serão servidos nas
Casas de Festas, merece destaque, pois existe uma preparação sistematizada para servir os fartos
banquetes ofertados nos almoços e bolos, doces e pastilhas acompanhados do tradicional chocolate
quente servidos à noite, por ocasião da visita do Imperador ou Imperatriz.
Agente (sic) ver durante a festa que muitas pessoas vão para o hospital de cansaço, porque é muito trabalhoso fazer a festa e o doce de espécie, mais esse cansaço é satisfatório, pois agente tem amor por essa tradição, depois que passa a festa estão morrendo de cansaço, mais ficamos com saudade, já tenho 17 anos dentro da festa, é uma alegria só, agente trabalha junto é uma harmonia só. Hoje sinto saudade, pois não posso mais participar das confecções dos docinhos da festa, eu tenho amor por isso, e hoje só vejo passar de longe. (ENTREVISTADO A Apud RODRIGUES. FERNANDES, SILVA, 2014, p. 15)
2 O Doce de Espécie é um doce típico da cidade de Alcântara feito a base de coco.
24Foto 2 - Pessoas da comunidade no preparo dos doces
Fonte: (PAIVA, 2014)
As fotos 2, 3 e 4 evidenciam o envolvimento dos moradores em diferentes fases de
preparo e arrumação de doces servidos na Festa. Cada Casa de Festa possui uma equipe de trabalho,
pois todos os anos são preparados milhares de doces para que sejam servidos gratuitamente aos
devotos do Divino e aos turistas:
Foto 3 - Arrumação dos doces em porções a serem servidas
Fonte: (PAIVA, 2014)
25Foto 4 - Mesa de doces em casa de festeira em 2014
Fonte: (PAIVA, 2014)
Tendo em vista a comensalidade e o cerimonial percebidos durante a festa, a exemplo
da arrumação da mesa na foto 4, é que corroboramos com a ideia de Franco (2001, p. 23) que diz
que,
O prazer da mesa é a sensação que advém de várias circunstâncias, fatos, lugares, coisas e pessoas que acompanham a refeição. É prazer peculiar à espécie humana. Pressupõe cuidados com o preparo da refeição, com a arrumação do local onde será servida e com o número e tipo de convivas.
Esta investigação pretende contribuir para a divulgação, a valorização e, principalmente,
para a preservação do cerimonial, da herança étnica alimentar e dos costumes que envolvem os
processos de sociabilidade à mesa, encontrados em todas as etapas de realização da Festa do Divino
Espírito Santo de Alcântara-MA.
Um dos exemplos a serem citados é o Doce de Espécie, seu modo de fazer é repassado
de geração a geração para que permaneça presente nas festas, para que continue sendo um dos
principais alimentos ofertados nesse período e para que, por meio dele, seja sentida a hospitalidade
alcantarense para com os que visitam a festa em terras maranhenses. Na foto 5 a seguir, o detalhe da
decoração de massa sendo colocada durante o preparo do Doce de Espécie, um detalhe considerado
essencial para a caracterização desse doce:
26Foto 5 - Preparo do Doce de Espécie
Fonte: (PAIVA, 2014)
A herança étnica da culinária da festa pode ser percebida também no preparo de outros
alimentos, através do uso de grandes caldeirões, tachos, alguidares e grandes gamelas de pau. Com
isso, entende-se que estudos como esse ampliam os conhecimentos (CASTELLI, 2010) acerca da
hospitalidade, podendo dizer muito sobre a construção e evolução de uma sociedade, assim como
incentivam à pesquisa nesse campo de estudo. A seguir é ilustrada na foto 6 uma das formas de
preparo dos alimentos para a festa, cozimento a lenha em caldeirões em cima de pedras:
Foto 6 - Preparo de alimentos em caldeirões
Fonte: (FARIAS, 2011)
27
Esta pesquisa tem interesse no estudo e análise desses aspectos do evento, pois
presume-se que podem ser utilizados como recursos turísticos devido a seu potencial para atrair
visitantes, pois “a gastronomia faz parte da nova demanda por parte dos turistas de atrativos
culturais” como observa Schlüter (2003, p. 70), que sugere também que essa segmentação de
turismo tenha como estímulo a geração de receitas e emprego para as localidades que conseguem
desenvolver a atividade de forma sustentável e endógena, com a participação ativa da comunidade
no planejamento turístico local e na elaboração desses produtos. (SCHLÜTER, 2003)
28
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 A comensalidade e seus ritos
As práticas sociais ocasionam a criação de símbolos e ritos. O homem como ser social
que é, único capaz de produzir cultura, em sua convivência coletiva cria simbologias e rituais que
permitam uma melhor compreensão do mundo e que imponha a sua dominação sobre ele
(FERNANDES, 1997). Os símbolos e ritos integram-se ao imaginário social das coletividades
expressando e reavivando suas construções culturais de outrora.
O imaginário revela-se muito especialmente como um lugar de “entre saberes” (DURAND, 1996, p. 215- 227), senão mesmo como o lugar do espelho (Lima de Freitas), um Museu (palavra que Durand muito aprecia), que designa o conjunto de todas as imagens possíveis produzidas pelo animal simbólico (Ernst Cassirer) que é o homem. (ARAÚJO; TEIXEIRA, 2009, p. 07)
Os ritos e símbolos estão presentes em todas as etapas da vida do ser humano, do
nascimento à morte, e são materializados através de cerimônias: como batizados, aniversários,
casamentos, festas tradicionais e religiosas, velórios e outros, essa materialização também poderá se
dar pela eleição ou pelo culto a objetos e pela oferta de alimentos e bebidas. Esta última, por sua
significação e poder, encontra-se presente em quase todas as cerimônias, mesmo nas religiosas.
Ainda para Fernandes (1997, p.07):
A ritualização confere igualmente uma forma constante, reforçada, de operar à vida social. Toda a encenação anda associada a uma perpetuação dos modos de fazer. As práticas da comensalidade constituem um campo de particular expressão da ritualização. A absorção de alimentos não tem uma mera função biológica, reveste-se também de inúmeras outras dimensões simbólicas. A pluralidade de significações que possui tem a ver com as diferentes camadas sociais e as situações existenciais em que ocorrem.
Foi a partir do uso do fogo que se aperfeiçoou o prazer em comer, o que levou à criação
de utensílios de pedra e barro que muito contribuíram para o desenvolvimento da Arte Culinária,
assim como os de inox que foram importantes para o desenvolvimento da Gastronomia (FRANCO,
2001).
É historicamente perceptível que “o início das civilizações está intimamente relacionado
com a procura dos alimentos, com os rituais e costumes de seu cultivo e preparação, e com o prazer
29
de comer” como diz Franco (2001, p. 21). O prazer da mesa, peculiar ao ser humano, é resultado de
inúmeros fatores que envolvem o lugar, as pessoas, as coisas, o cuidado com o preparo das
refeições, com a arrumação do ambiente que será servido o alimento, entre outros elementos
(FRANCO, 2001).
Quanto ao gosto, que para Franco (2001, p.25) muitos acreditam ser próprio:
[…] é uma constelação de extrema complexidade na qual entram em jogo, além da identidade idiossincrática, fatores, como: sexo, idade, nacionalidade, religião, grau de instrução, nível de renda, classe e origem sociais. O gosto é, portanto, moldado culturalmente e socialmente controlado.
Para Castelli (2010, p. 17), “repartir a comida, a bebida, e o espaço é praticar o processo
da hospitalidade, um dos fundamentos da condição humana”. Assim, “[...] a história nos mostra que
o homem encontrou, no ato de comer junto, formas ímpares de sociabilidade e de convivibilidade,
fazendo da refeição um momento que vai além do mero ato de saciar a fome [...]”:
A comensalidade, desde que constitua, no interior da sociedade, um sistema de comunicação formado na base da intersubjectividade, situa-se num campo de inter-relacionamentos. Estas inter-ações, compreensíveis em espaços sociais delimitados, encontram a sua explicação no âmbito de teorias mais amplas acerca da sociedade. No mundo moderno, ao lado da tendência para a globalização, parecem avultar progressivamente, de modo paradoxal, os sistemas menos abrangentes, em que as clivagens sociais se estruturam em formas espontâneas de associação. As diferenciações sociais definem os espaços onde se forma a diversidade dos modos de vida e se organizam as identidades sociais. (FERNANDES, 1997. p.08)
Como a prática da comensalidade faz parte das relações humanas e está presente
durante o ato das refeições, ela é usada para reafirmar as diferenças entre as classes sociais nesse
momento. O ato de se alimentar é uma atividade complexa que engloba o alimento, como será
servido, em quê, as relações com quem se come, entre outros. São inúmeras as maneiras como isso
pode ser feito e por isso, cada uma dessas etapas poderá ser usada como divisor de classes sociais.
Segundo Fernandes (1997, p.12):
A comensalidade aparece frequentemente como expressão de poder. A abundância e o cerimonial da mesa são frequentemente utilizados como manifestações de diferenciações sociais. Os diversos segmentos da população não se alimentam sempre das mesmas coisas ou, sobretudo, não as tomam de idêntica maneira. Porque "tudo o que se come é objecto de poder", então "a refeição em comum fornece uma ocasião natural de fazer dela parada". Uma estreita ligação parece existir entre o poder e as práticas da mesa. As pessoas são também aquilo de que se alimentam e a maneira como o fazem.
30
Utilizamo-nos do pensamento de Franco (2001, p.126) para enfatizar que “a história
humana é marcada pela troca intensa de alimentos e pela migração de plantas e de animais”. A
exemplo disso, mais claramente têm-se a busca da humanidade por alimentos, sendo os mais
difíceis de serem conseguidos e caros, os mais desejados e os eleitos para consumo pelas classes
com maior poder aquisitivo, por reconhecerem nele um elemento de diferenciação.
A forma de alimentar-se é um dos elementos usados pelos círculos sociais superiores para sua distinção. Desse fato decore, em parte, sua maior propensão em aceitar as novidades sensoriais, pois elas funcionam também como elemento de diferença. Quando, porém aquilo que um dia foi inovação se propaga, os círculos sociais privilegiados tratam de assimilar outras novidades, imprimindo assim dinamismo à moda e aos hábitos alimentares. (FRANCO, 2001, p. 246)
Na percepção de Fernandes (1997, p. 13) “A mesa tem sido, em todas as épocas, objeto
de especiais ritualizações. Prestam-se à sua encenação os lugares e os instrumentos destinados à
refeição”. A fartura e riqueza à mesa apresenta-se na sociedade como expressão de poderio.
A ritualização das cerimônias e dos atos que envolvem a comensalidade significa
realizá-los de acordo com a norma e em caráter de espetáculo (FERNANDES, 1997).
Ainda de acordo com Fernandes (1997, p. 30):
As classes sociais marcam as suas distâncias e afirmam a sua respeitabilidade mediante a observância de conveniências, de ritualizações e de cerimoniais. Na grande sala de espelhos que é a sociedade, cada um reflete-se e reflete os outros, dando-se em espetáculo mais ou menos coletivo.
E para Maffesoli (2002, p. 132):
O teatral atinge seu apogeu, e a refeição não é nada mais que um puro espetáculo, que se passa em um palco e só vale pela qualidade de seus atores. Sem atingir sempre essa forma pura, a refeição – expressão da provocação – deve ser compreendida como um fato social que lembra a todos que o que chama-se sociedade é uma ordem fundada na diferença. De fato, a refeição conduz a comunicação, mas esta se consolida frequentemente no conflito, sendo também a refeição um conflito [...].
Além do cerimonial, do tipo de alimento servido, os objetos e utensílios, o
comportamento à mesa, o uso da etiqueta social, o tipo de serviço escolhido também podem servir
de códigos de diferenciação. Portanto, complementando a essas ideias observa-se que “a
comensalidade, presente em todas as camadas sociais, reveste-se, em cada uma delas, de
ritualizações próprias. Não é apenas o que se come, mas sobretudo a maneira como se tomam as
31
refeições que serve intuitos de distinção”, como diz Fernandes (1997, p. 29). Ainda tratando-se da
totalidade dos elementos que compõem ao ato da comensalidade Franco (2001, p. 246) reforça
ainda a importância da Gastronomia para as relações humanas, dizendo que:
A gastronomia induz a fazer do comer uma imensa fonte de satisfações, uma experiência sensorial total. Assim, além dos sabores, consistências, texturas e odores são importantes o cenário, os sons, as cores, a intensidade da luz, as alfaias, o flamejar das velas, o tilintar dos cristais e, evidentemente, a interação entre os convivas.
A Gastronomia além de arte é ciência e nunca é inerte, sempre evoluindo, ou mesmo
resgatando o passado, ou valorizando o regional através principalmente das trocas de cultura
alimentar dos povos.
Na Grécia Antiga, o exercício da comensalidade foi considerado como um dos
indicativos do homem civilizado, considerando às regras de boas maneiras à mesa e também a
conduta para com o outro. (CASTELLI, 2010, p. 77).
Chamar alguém à mesa para o ato de comer junto sempre teve um grande significado, independentemente de civilizações e de épocas. Contudo nas civilizações antigas, em especial quando se tratava da mesa do banquete, era algo muito forte no seio das comunidades. (CASTELLI, 2010, p.40).
O comer e beber junto estreitam as relações, amenizam os conflitos no convívio, une os
contrários (MAFFESOLI, 2002), representam oportunidades de consolidarmos os relacionamentos,
as amizades e redefinir nossas crenças e valores (CASTELLI, 2010).
Ainda Castelli (2010, p.77) enfatiza que:
O processo de hospitalidade passa, necessariamente, pelas boas maneiras que podem ocorrer em diversas circunstâncias da vida em sociedade, entre as quais se encontram aquelas em que as pessoas realizam, com outras, suas refeições; refeições simples e descontraídas, ou ainda refeições pomposas e protocolares, como os banquetes. Para cada caso existem normas que devem ser seguidas, para que as pessoas presentes não se sintam agredidas. Daí a importância de alguns princípios capazes de nortear o comportamento das pessoas em sociedade […] São esses princípios que regem as boas maneiras das pessoas em sociedade, inclusive por ocasião das refeições. Esses princípios não são padronizados e imutáveis para todas as nações do mundo. Ao contrário variam muito de uma civilização para outra e de um período da história para outro: variam, inclusive, dentro de uma mesma coletividade.
A ação da comensalidade poderá ser usada para a conquista da permuta de estima social
por meio da mesa. Assegurando a esse pensamento entre a mesa e a estima social Fernandes diz que
32
(1997, p. 17): “Os consumos significativos de status são frequentemente também potenciadores de
grande visibilidade. Os palácios e os frequentes e concorridos banquetes servem, no passado, de
parada aos senhores no grande teatro do mundo”. Conviver com quem é possuidor de estima pela
sociedade assegura conquistá-la também.
Percebe-se que há consideração recíproca e companheirismo entre as pessoas que
partilham o alimento, transformando-o em objeto para aproximação entre as pessoas, assim como
proporcionando o estreitamento das relações sociais. Porém, a mesa também poderá ser um espaço
de discórdia ou traição, devido ao caráter polivalente e ambíguo das relações humanas. Em muitas
sociedades os alimentos eram provados antes de serem servidos aos nobres, senhores, eclesiásticos,
reis, pois a desconfiança e medo de envenenamento era comum, porque nesse período houve muitos
casos de envenenamento, a prova acontecia também inclusive nas cerimônias litúrgicas onde os
cerimoniários provavam um pouco do vinho que seria utilizado na realização da missa antes do
bispo (FERNANDES, 1997). “Por causa da riqueza de significação que a comensalidade encerra,
nas sociedades tradicionais, as religiões históricas transpõem o cerimonial da mesa para a
ritualização sagrada” explica ainda Fernandes (1997, p.15).
Mesmo as bebidas possuindo uma importância secundária em relação aos alimentos,
estão presentes em quase todas as datas festivas, em comemorações, em celebrações de toda ordem
e nos encontros onde sejam praticados à comensalidade, não devem ser desprezados pelo seu valor
simbólico e pelos seus poderes Dionísicos (FERNANDES, 1997).
Franco (2001, p.24) cita a refeição como:
Momento privilegiado de intercâmbio e de comunicação, a refeição em comum pode marcar uma nova direção nas relações humanas. […] No entanto, as refeições são também uma oportunidade para a exteriorização de conflitos latentes. Muitas delas, concebidas para comemorar datas festivas ou com o mero objetivo de reunir familiares, se convertem em ocasião para colisão e desavença. Não obstante, a refeição copiosa e bem regada permanece símbolo de hospitalidade e amizade na maioria das culturas.
A mesa é espaço para comunicação, que “[...] não é unicamente verbal, ainda que a
palavra aí ocupe um bom lugar. É um sistema total, um misto de palavras, de objetos e de gestos
que se refere a uma “poética” globalizante” (MAFFESOLI, 2002. p. 136).
O alimento também poderá expressar uma ideia ou sentimento através de sua aparência,
apresentação, forma de cocção. A refeição em comemoração a alguma coisa, celebrações casuais,
costumes diferentes entre grupos sociais e os rituais de hospitalidade utilizados à mesa são
33
elementos capazes de exprimirem interpretações diferentes, trocas e “diálogos” sob diversas formas.
A fragmentação da sociedade e dos modos de vida recriam novos e diferentes estilos.
Essa multiplicidade de estilo gera certa dificuldade na construção da identidade individual e na
escolha da sua memória coletiva, com isso vai-se perdendo a importância de manter-se símbolos e
ritos comuns. Em contra partida, assistimos a um retorno das ritualizações e cerimonialidades nos
eventos religiosos, políticos e sociais. (FERNANDES, 1997).
Há um redescobrimento da “festa”, onde os acontecimentos mais significativos são
ritualizados (FERNANDES, 1997).
2.1.1 Comensalidade: Aspecto intrínseco da hospitalidade
Abordar e conceituar a temática da hospitalidade exige complexidade, devido às suas
variadas dimensões simbólicas. Baptista (2002, p. 157) define a hospitalidade como “um modo
privilegiado de encontro interpessoal marcado pela atitude de acolhimento em relação ao outro” e
diz que:
[…] é importante sublinhar aqui a dimensão ética desse encontro, na linha do que é advogado por Emmanuel Levinas. Na obra de referência do filósofo, Totalidade e Infinito, a hospitalidade surge justificada como um dos traços fundamentais da subjetividade humana na medida em que representa a disponibilidade da consciência para acolher a realidade do fora de si. Quando esta realidade se refere às coisas do mundo, à natureza ou aos objetos, a abertura da consciência pode traduzir-se em conhecimento, alimentação ou posse. Mas quando se refere à exterioridade testemunhada por outra pessoa, a abertura da consciência só pode afirmar-se como hospitalidade.
Jacques Derrida (2008, p.40) complementa a este pensamento dizendo que “[…] uma
paráfrase interna, também uma espécie de perífrase, uma série de metonímias expressam a
hospitalidade, o rosto, o acolhimento: tensão em direção ao outro, intenção atenta, atenção
intencional, sim ao outro [...]” e que “a relação ao outro é deferência” (DERRIDA, 2008, p. 64).
A constituição de grupos e comunidades, gerados pela convivência humana, são frutos
dos laços e vínculos criados pela aproximação entre as pessoas. Para que a convivibilidade tenha
qualidade é necessário que incorporemos a prática da hospitalidade (CASTELLI, 2010). Partindo
desse pressuposto a hospitalidade é essencial para a construção de uma cultura de paz mundial.
A hospitalidade reconhecida por palavras, pelo acolhimento, por expressões e gestos,
pelas leis, pela atenção dada ao outro e pelos espaços que vivemos, relacionados à identidade e à
34
memória (BAPTISTA, 2002). Mas deve-se lembrar que a hospitalidade de que se trata é a
incondicional (BOFF, 2005), interpretada como um dever e um direito a ser exercidos por todos.
A prática da hospitalidade não é um privilégio reservado ao trato com o turista, deve
estar presente em nossa vida, ela precisa ser estendida a todo o próximo, de maneira que essas
práticas de acolhimento e de civilidade permitam tornar a cidade e os espaços mais humanos
(BAPTISTA, 2002). E de acordo com Derrida (2008, p.43) “Só se pode apreender ou perceber o
que receber quer dizer a partir do acolhimento hospitaleiro, do acolhimento aberto ou oferecido ao
outro”. A hospitalidade também é relacionada ao estudo das condutas alimentares,
contextualizando-as pelas crenças, pelos valores e estruturas sociais das sociedades, em diferentes
épocas (CASTELLI, 2010).
Alguns autores, a exemplo de Perlès (1998, p. 39) e Castelli (2010, p.15), acreditam que
a busca por alimento através da caça fez com que o homem se organizasse socialmente e cooperasse
entre si, principalmente para obter êxito junto às presas maiores, gerando consequentemente
momentos de sociabilidade que é um dos fundamentos da hospitalidade. Além de terem
desenvolvido pelo mesmo motivo um conjunto de signos que evoluiria para o processo de
comunicação humana. Assim, a partilha de alimentos e bebidas passou a estar presente na vida das
pessoas, e muitas vezes, foi a responsável pela sobrevivência da família humana, com isso a
hospitalidade constitui-se em elemento integrador da essência da condição humana.
Castelli (2010, p.25) apresenta a seguinte reflexão:
Cabe perguntar: esses detalhes ou aspectos contribuíram ou não para forjar novos padrões em relação ao exercício da hospitalidade e, consequentemente, para desenvolver novas formas de sociabilidade e de convivibilidade? A história da alimentação nos tem mostrado que os tipos de alimentos consumidos, bem como a utilização de novos utensílios aliados à arte culinária, foram determinantes na formação de novas formas de sociabilidade, principalmente em relação aos cerimoniais do ato do comer junto.
Prioristicamente, as regras à mesa e o comportamento no convívio social eram
considerados pelos gregos pressupostos básicos da atitude hospitaleira, logo presentes na educação
de todos os povos, como percebe-se na descrição de Geraldo Castelli “[…] Assim a comensalidade,
caracterizada por rituais e ritos sobre o saber portar-se à mesa e em público, era para os gregos um
dos valores fundamentais do modelo de vida civilizada, sobretudo por fortificar a relação entre as
pessoas” (CASTELLI, 2010. p. 37-38).
Sob a mesma ótica, além da mesa ser um excelente espaço para comunicação
(MAFFESOLI, 2002), “as refeições são importantes momentos para o exercício da hospitalidade”
35
(CASTELLI, 2010. p. 44), por que por meio delas podem ser externadas ou reconhecidas diversas
manifestações culturais.
2.1.2 Culinária e identidade: dos prazeres da mesa à comensalidade
A alimentação constitui-se uma das principais vertentes para a construção do que
compreende-se hoje por hospitalidade. (CASTELLI, 2010) Inicialmente tinha como função a
manutenção do corpo humano, mas essa função foi modificada com o passar do tempo ao ocupar
espaço de destaque na vida social e cultural dos homens, estabeleceu-se uma relação cíclica e
indissociável entre o ato de se alimentar e essas dimensões.
Antes da descoberta do fogo controlado, por volta de 500 mil anos a.C, a alimentação
humana tinha como base as frutas, folhas e grãos encontrados na natureza. A teoria do maior
consumo de vegetais na era Pré-histórica é decorrente do comportamento humano pela exploração
de pequenas áreas e pelo tipo de desgaste dos dentes de fósseis humanos. Ainda assim, como
deixaram menos vestígios históricos e por falta de métodos adequados para tal, a maioria dos
estudos refere-se às atividades de caça e pesca. (FLANDRIN, 1998)
Nesse período, eventualmente alimentavam-se de alguns animais mortos e (ou) que
haviam passado por processo de combustão natural, por meio das queimadas que aconteciam
espontaneamente na natureza. As dificuldades encontradas e o tempo empregado para conseguir os
alimentos na Pré-história eram diferentes dos atuais.
Muito discutiu-se entre os historiadores (MENESES; CARNEIRO, 2007) e outros
estudiosos da Pré-história sobre o papel dos primeiros hominídeos na aquisição de alimentos por
meio da caça, se eram “caçadores ou ladrões de carcaça”. De acordo com os estudos de Perlès
(1998, p. 40), pode ser que algumas vezes se alimentasse de sobras, “os hominídeos eram
suficientemente organizados para roubar dos carnívoros presas recém-abatidas, ainda com bastante
carne, estas teriam sido transportadas para as proximidades dos locais onde escondiam seus
instrumentos de pedra”. Mas existem indícios e estudos que confirmam a participação ativa do
homem na caça de animais (FLANDRIN, 1998).
Os homens organizaram-se em grupos para obter mais sucesso em caçadas a grandes
animais. Após a caça, a carne era dividida entre as famílias que haviam participado da labuta. Essa
organização social levou ao aperfeiçoamento das técnicas de elaboração das ferramentas usadas
pelo homem e a menos tempo dedicado à caça. (FLANDRIN, 1998) “Desde o final do paleolítico
36
médio, aparecem os primeiros indícios de uma caça não circunstancial ou de animais isolados, mas
praticada em massa, visando manadas inteiras”, assegura Perlès (1998, p. 45).
A estocagem de alimentos, devido à caça de grandes presas, levava aos processos de
conservação das carnes por meio de técnicas como “secagem, defumação e congelamento em covas
feitas na terra” diz Perlès (1998, p. 46), pode ter contribuído para o início das “plantas cultivadas”,
ou seja, aponta-se esse como um dos motivos do desenvolvimento da agricultura, que Flandrin
(1998, p. 27) propõe ter começado na região do Oriente Médio.
A diferença de alimentos que existe entre as diversas culturas se dá de acordo com a
localização territorial por meio da oferta natural, de acordo com as escolhas entre as possibilidades
de alimentos que existem na região, por traços e regras culturais e (ou) religiosas. (FLANDRIN,
1998)
As preferências alimentares são moldadas culturalmente, tornando relativo o que é
considerado bom ou ruim quanto ao gosto para cada povo ou para cada indivíduo. A formação do
gosto deu-se quando os alimentos ficaram mais digeríveis e agradáveis ao paladar humano após
passarem por modificações com o uso do fogo.
O uso diário do fogo no preparo de alimentos, ou melhor dizendo, o uso do fogo
coletivo, propiciou a refeição em comum, fazendo assim com que o alimento desempenhasse uma
função social e a comensalidade entre os homens. O comportamento humano, através da cozinha,
da dietética, das prescrições religiosas e, principalmente, da comensalidade, diferenciam os homens
dos demais animais. (FLANDRIN, 1998) “Ora, é impressionante constatar que, com as primeiras
fogueiras, aparecerem também os primeiros indícios de cocção de alimentos” observa Perlès (1998,
p. 44), com isso percebeu-se que além de modificar o gosto dos alimentos favorecia a
comensalidade.
Apesar de a carne ter sido símbolo da distinção da alimentação dos homens da dos
deuses, é o pão o alimento que simboliza o pertencimento à civilização, acompanhado do vinho e do
óleo, por serem produtos culturalmente produzidos pelos homens a partir de produtos naturais.
(MONTANARI, 2008)
Montanari (1998, p. 108) observa que:
No sistema de valores elaborado pelo mundo grego e romano, o primeiro elemento que distingue o homem civilizado das feras e dos bárbaros (que estão eles próprios ainda próximos do estado animal) é a comensalidade: o homem civilizado come e não somente (e menos) por fome, para satisfazer uma necessidade elementar do corpo, mas, também, (e sobretudo) para transformar essa ocasião em um momento de sociabilidade, em um ato
37carregado de forte conteúdo social e de grande poder de comunicação: “Nós não nos sentamos à mesa para comer–lemos em Plutarco–, mas para comer junto.[…] Mas são as regras que definem a especificidade do banquete “civilizado”–por exemplo, as que regem a mistura do vinho e da água–, ou seja, normas de comportamento que marcam as diferenças em toda sociedade [...].
Assim, os banquetes tiveram papel importante na prática da comensalidade e para a
instituição do cerimonial das festas, “a partir do início do terceiro milênio na Suméria ou, no mais
tardar, no segundo milênio em outras regiões da Mesopotâmia e da Síria, inúmeros textos
comprovam a existência de banquetes com ritos precisos”, lembra Flandrin (1998, p. 33). Para
Cascudo (2011, p. 343), “o bancquet documenta o alto gosto fidalgo no momento”.
Um alimento que parece presente a essas ocasiões em todos os tempos e regiões é a
carne fresca. Também eram consumidas nos banquetes as bebidas fermentadas como cervejas e
vinhos, muito embora provou-se por meio da arqueologia a existência da cerveja no Irã no sexto
milênio a.C, não se sabe que posição elas ocupavam, se eram importantes nesses eventos e nem se
descarta a possibilidade da realização de festas sem o consumo de bebidas alcoólicas.
A gastronomia da Grécia era comedida, sem excessos, destacaram-se, principalmente
durante o Império Romano, evidenciam-se sua padaria artesanal e variada e seus vinhos. Em Roma,
durante esse período, quase todos os cozinheiros eram gregos ou descendentes deles. Os banquetes
romanos sofisticaram-se com a presença dos gregos em suas cozinhas, os romanos assimilaram
conhecimentos culinários, regras à mesa e incorporaram utensílios mais refinados. Conseguinte a
isso e ao crescimento do Império Romano, os romanos foram influenciadores na cultura alimentar
de muitos povos, como afirma Longo (2008, p. 275-276):
Para além das representações literárias e ideológicas - as mesas dos ricos, em Roma e na província, oferecem sem dúvida alguma uma grande variedade de alimentos “nacionais” e “exóticos”-, a alimentação dos outros, ao que tudo indica, não representava um problema para os romanos. Os “outros”, quando não escapam à esfera de influência de Roma, assimilavam progressivamente os hábitos do império, em especial, seus gostos alimentares. […] E, se a cidade de Roma é também, como Atenas no tempo de Péricles, a “vitrine do mundo” no campo da alimentação, o império em seu conjunto baseia sua expansão e sua resistência secular em um processo de conquista que é, ao mesmo tempo, um processo de expansão cultural, no interior do qual a homogeneidade do consumo alimentar se revela de fundamental importância.
Durante o Império, houve a difusão dos modos de vida dos romanos, da cultura e de
seus hábitos alimentares. Ressalta-se que a produção agrícola no Império Romano era baseada no
cultivo de cereais, oliveiras e vinhas, desconsiderando a diferença climática entre a Europa e a bacia
38
mediterrânea. (LONGO, 1998) Os recursos que dispunham possibilitaram o desenvolvimento de
uma culinária rica.
Os cozinheiros, antes escravos, ganharam seus espaços como pessoas importantes na
sociedade, atribui-se a isso a proliferação da realização de grandes banquetes em palácios e casas de
nobres. (CASCUDO, 2011)
Na imagem 1 a seguir a representação de um desses banquetes oferecidos em palácios
ou pela nobreza que são apontados por Cascudo:
Imagem 1- Banquete
Fonte: Bibliothèque Nationale de France, 2015.
De acordo com as ideias de Gerd Althoff (2008, p. 306):
Se o banquete era um espaço em que se estabeleciam laços de amizade ou solidariedade de grupo (e isso até por volta dos séculos XI ou XII), também os senhores e os soberanos da Idade Média se valiam das refeições e dos banquetes para unir-se a seus vassalos e àqueles que lhes eram devotados. Com efeito, eles exploravam a emoção ou o entusiasmo que se apoderava dos participantes para afirmar sua dominação. Por volta do século XII parece ter ocorrido uma transformação estrutural: a festa organizada pelo senhor começou sua marcha triunfal e marcou profundamente o que chamamos de cultura cortês.
Os banquetes sempre tiveram uma ligação restrita com o poder, os oferecidos pelos
monarcas, imperadores, czares e presidentes sempre foram a base da “alta cozinha”. Nomes como
39
Alexandre I, Luís XIII, Luís XIV, Luís XV, Carlos V, Confúcio, Lao Tsé juntamente a seus
cozinheiros influenciaram de alguma forma no conceito atual de gastronomia. Vale lembrar que os
mosteiros incluem-se como importantes colaboradores no que se refere aos legados dos doces.
(FRANCO, 2001)
Outro marco a ser citado como importante para a gastronomia é o casamento de
Catarina de Médicis da Itália com Henrique II da França, que levou consigo seus cozinheiros
italianos, novas formas de comportamento à mesa, levou também utensílios como o garfo e com
isso fez com que as famílias nobres a imitassem, fator que pode ser entendido como determinante
para impulsionar a cozinha francesa como referência em alta gastronomia mundial até os dias
atuais. “Com efeito, todos nós sabemos que os franceses, depois de terem aprendido com os
italianos, têm o gosto mais requintado do mundo”, diz Flandrin (2008, p. 688). Contudo, Campos
(2005, p. 111) ressalta a respeito dos talheres que Catarina de Médicis “não conseguiu difundi-los
no país”, atribui a difusão a seu filho Henrique III, pelo fato de impô-los em seus eventos, após ter
retornado de um banquete em Veneza na Itália.
Esse movimento da influência da cozinha francesa sobre outras cozinhas pode ser
percebido nas palavras de Flandrin (2008, p. 663):
A influência da cozinha francesa sobre a preferência das elites sociais européias é marcante particularmente no plano dos tratados de culinária: em vários países, nos séculos XVII e XVIII, estes não passavam de traduções ou adaptações de tratados franceses. Tal constatação torna difícil o estudo das práticas características desses países e de suas transformações. No entanto, mesmo nas cozinhas que conseguiam escapar, mais ou menos, dessa influência – por exemplo, as da Itália barroca, da Espanha do Século de Ouro ou de livros ingleses hostis às práticas francesas, tal como o de Hannah Glass, no século XVIII-, encontramos algumas das evoluções descritas a respeito da cozinha francesa.
Entre os cozinheiros dos reis um dos de maior destaque foi Guillaume Térel (século
XV), conhecido como Taillevent, autor de Le Viandier, onde descreve os gostos e costumes de reis
que serviu. Taillevent, “o mais famoso queux de Felipe V” (CASCUDO, 2011, p. 343), ficou
conhecido por aperfeiçoar receitas antigas, pela criação de molhos, pela sobreposição de
ingredientes e pelos faustosos pratos, a exemplo de gansos e cisnes recobertos artisticamente por
suas plumas e penas depois de assados.
No século XVIII, foram o francês Marc Antoine Carême e Brillat Savarin, o primeiro
sobressaiu-se por reproduzir gravuras da arquitetura em seus pratos, e simultaneamente por propôr a
simplificação na combinação dos sabores, ele conseguiu prestígio e alto salário, cozinhou para
40
Alexandre I, Barão de Rothschild, Luís XVIII e Jorge IV da Inglaterra. Brillat Savarin em sua obra
Physiologie Dü Goût trata das questões sobre comida e bebida de forma mais científica. (FRANCO,
2001)
A arte culinária, a dietética e a gastronomia evoluíram a serviço do bom gosto. Autores
antigos denominavam como “friands” aos amantes da boa refeição, absolvendo-os do pecado da
gula. O enciclopedista Jaucourt em 1757 e Grimond de La Reynière em 1803 renomeara-os de
gourmands. (FLANDRIN, 1998)
A respeito de Grimond de La Reynière (1758-1838), é curioso saber que “era um
gastrônomo profissional, requintado, original, exigente, advogado no Parlamento, seus déjeuners
philosophiques deram-lhe renome de prodigilidade irregular e um lettre de cachet meteu-o dois
anos entre os cônegos de Domevre” como declara Cascudo (2011, p. 346).
Nesse período surge, inspirado no modelo de taverna londrina, o restaurante, fundado
em 1765 na França por Boulanger (CÂNDIDO; VIERA, 2003; CAMPOS, 2005). Multiplicou-se o
número de estabelecimentos em todo o mundo na velocidade em que as cidades cresciam e se
urbanizavam. Não obstante a isso, os alimentos vendidos na rua também conquistaram seu espaço,
preconizando o que chamamos de “cozinha de rua”. Esses alimentos são e sempre foram os mais
vendidos. (PITTE, 2008)
“Assim, a revolução permite que a alta cozinha abandone a corte” contextualiza Pitte
(2008, p. 757), pois muitos dos cozinheiros que ocupavam esses postos perderam seus patrões
porque haviam fugido ou porque haviam morrido.
No final do século seguinte e início do século XX, Auguste Escoffier marcou a
gastronomia quando dividiu a cozinha em setores interdependentes, criou processos que facilitaram
o preparo e diminuíram o tempo de preparo entre os pratos com essa nova organização do fluxo do
serviço. Seu trabalho foi fundamental para a difusão da gastronomia francesa no mundo, treinou
mais de 2.000 cozinheiros que posteriormente levaram os costumes e hábitos alimentares franceses
a vários países. Escoffier simplificou os menus e pode ser considerado o pai da Nouvelle Cuisine
que teve como principais representantes os chefs Paul Bocuse, Jean e Pierre Troisgros, Roger
Vergé, Michel Guerárd, e Raymond Olivier. (FRANCO, 2001)
Nessa época foi intensificada a arte de comer bem fora de casa, associada ao
desenvolvimento dos transportes e do turismo, mas o que foi determinante para a abertura de novos
restaurantes foi o crescimento das viagens de lazer por toda a Europa. (DÓRIA, 2001; PITTE,
2008)
41
A França ficou reconhecida como berço da alta gastronomia e por isso exportou
profissionais para o mundo inteiro, que divulgaram os preceitos da cozinha francesa e
consubstanciaram a cozinha internacional. Muitos chefes franceses desembarcaram no Brasil
contratados por hoteis, como Claude Troisgros e Laurent Suaudeau.3
Os chefes franceses ensinaram suas técnicas mas também buscaram conhecimentos
sobre a culinária de outros países, acrescentando assim influências como da cozinha chinesa nos
novos movimentos e originando a ideia da Fusion Cuisine, que no entendimento de Dória (2001, p.
43) “o resultado prático é a desconstrução das totalidades culturais em que se inserem as várias
tradições culinárias”, e posteriormente a Fusion Cuisine Cabocle, desagradando aos mais
tradicionalistas por suas releituras de receitas clássicas - “Criação culinária não é o mesmo que
alquimia, como parece para os neófitos” diz ainda Dória (2001, p. 43).
Contrapondo a esse ponto de vista, a cozinha Catalã teve seu momento de maior
evidência com a gastronomia molecular. O principal representante dessa cozinha foi Ferrán Adriá
que propôs a desconstrução dos alimentos servidos para oferecer novas sensações e prazeres à mesa
aos seus comensais. No Brasil, à frente dessa “cozinha transformadora” e “inovadora” está o Chef
Alex Atala, destacando-se no cenário mundial por utilizar ingredientes brasileiros da região
amazônica.
Na mão contrária a esse movimento que exige tempo para a apreciação da refeição,
acontece o que chamamos de McDonaldização (FISCHLER, 1998; FRANCO, 2001), cresce o
consumo de sanduíches na maioria dos países em decorrência da atribulação cotidiana e da falta de
tempo da vida moderna. “Cada vez há menos refeição e cada vez mais comidas, fáceis,
encontráveis, vendidas nos botequins elegantes ou nas cantinas universitárias”, explica Cascudo
(2011, p. 350).
Concorda-se com o pensamento de Cascudo (2011, p. 357) quando expõe que
dificilmente um restaurante mantêm “a pureza dos quitudes oferecidos”, quando se compreende
como pureza a aproximação com a autenticidade da receita culinária, pois pode carregar consigo
uma carga histórica e patrimonial que não seja entendida de forma explícita e permaneça
desconhecida após o consumo do prato. Nesse sentido, os alimentos oferecidos na “cozinha de rua”
e nas festas populares aproximam-se mais do que possa ser entendido como culturalmente
autêntico.
3 Disponível em: <http://www.laurent.com.br/home/ver_noticia.php?id=24> Acesso em: 24 março 2015
42Todos os grupos humanos têm uma fisionomia alimentar. Pode ampliar-se mas conserva os traços essenciais característicos. A cozinha dos povos colonizadores não erradicou a cozinha dos povos colonizados. Houve, naturalmente, uma interdependência tanto maior quanto o grau de assimilação seja mais alto (CASCUDO, 2011, p. 373).
A exemplo aqui do Brasil que a relação de interdependência é nítida entre colonizados e
colonizadores, os processos permanecem diferenciados, com o uso de condimentos que o português
incorporou em sua alimentação desde o século XVI. A chegada de D. João e D. João VI
(1808-1821) e sua comitiva com cerca de quinze mil pessoas determinou novos comportamentos
aos moradores do Rio de Janeiro, influenciando em seguida o restante do território brasileiro.
Os portugueses trouxeram consigo “os fogões de abóboda e de chapa, panelas, grelhas,
frigideiras”, “talheres, cadeiras e mesas” descreve Cascudo (2011, p. 416), estas últimas
contraporiam aos costumes dos indígenas que comiam no chão. A contribuição da cozinha africana
é perceptível principalmente na cozinha baiana, muito embora “todos os pratos vindos da África
foram reelaborados, recriados no Brasil, com os elementos locais e o azeite de dendê indispensável
que já no século XV era do agrado negro”.
Marcaram o período da sociedade colonial brasileira a riqueza doméstica, a ostentação
individual, o gosto pelo animal de sela, a luxuosidade do traje feminino, os banquetes que os
senhores não poupavam gastos para realizá-los, por vezes, gastavam o quanto tinham para assegurar
sua posição social, esses banquetes eram tidos como sinônimo de posses e poder. (CASCUDO,
2011)
A culinária brasileira é originária da mistura de heranças étnicas materializadas pelas
tradições, ingredientes e alimentos que foram inseridos pelos indígenas como pelos imigrantes que
aqui fixaram-se. Pode-se inferir com isso que as regiões do país têm diferenças gastronômicas e que
a culinária local é adaptada ao clima e à geografia. Na região Centro-Oeste, por exemplo, a
preferência é pelas carnes bovina, caprina e suína. Há a presença de traços das culinárias africana,
portuguesa, italiana, síria e indígena que é responsável pelo gosto regional por raízes. Mas o Mato
Grosso do Sul apresenta influência da culinária latino-americana nos ensopados de peixes como o
Pacu, o Pintado e o Dourado.
O Pequi, mandioca, carne seca, erva-mate, milho são muito utilizados no preparo de
pratos como o arroz com pequi, picadinho com quiabo, sopa paraguaia, empadão goiano, caldo de
piranha, vaca atolada.4
4 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/10/gastronomia> Acesso em: 24 mar. 2015
43
Já o Sudeste, até no século XIX sua cozinha era em sua essência formada pela tríade das
origens portuguesas, indígenas e africanas. A gastronomia de seus estados é similar na escolha dos
ingredientes e no preparo dos alimentos, com exceção do Espírito Santo onde são muito apreciados
os peixes e frutos do mar nos pratos regionais. Por meio da contribuição de imigrantes japoneses,
libaneses, sírios, italianos e espanhóis, ampliou-se a diversidade gastronômica, principalmente em
São Paulo. Nessa região são apreciados como ingredientes: arroz, feijão, ovo, carnes, massas,
palmito, mandioca, banana, batatas e polvilho.
E como principais pratos típicos estão o tutu de feijão, virado à paulista, moqueca
capixaba, feijoada, picadinho paulista, pão de queijo.5
Na região sul misturam-se as cozinhas italiana e alemã à portuguesa e espanhola,
implicando em uma culinária diferente se comparada as outras regiões. O churrasco é reconhecido
nacionalmente como principal prato do Rio Grande do Sul.6
Os italianos inseriram as massas, a polenta e o frango. No Paraná é perceptível essa
culinária italiana, mas também a culinária indígena a exemplo das raízes e grãos utilizados nos
pratos, os alemães influenciaram com seus costumes principalmente às colônias no interior do Rio
Grande do Sul e de Santa Catarina. Alguns dos ingredientes mais usuais são a carne bovina e ovina,
farinha de milho, e a erva-mate. Quantos aos pratos mais populares na Região sul figuram o
barreado, churrasco, galeto, sopa de capeletti, arroz carreteiro e a sopa catarinense.7
No norte, é visível a herança indígena associada a imigração europeia, chegando até a
ser apontada como a maior representante da culinária tipicamente nacional, estão presentes:
mandioca, cupuaçu, açaí, pirarucu, urucum (açafrão brasileiro), jambu, guaraná, tucunaré, castanha
do Pará. Estão entre os principais pratos típicos da região o Pato no Tucupi, Caruru, Tacacá e a
Maniçoba.8
A culinária nordestina sofre influências dos climas tropical e semiárido. Portanto do
litoral de Pernambuco até o da Bahia é marcante a contribuição africana. O consumo de frutos do
mar é abundante no estado de Alagoas devido à presença de lagoas costeiras. Entretanto, onde
percebe-se melhor a influência portuguesa na culinária é no Maranhão, que diferentemente de
outros estados de litoral não faz uso de muitos temperos picantes. No nordeste utilizam-se como
principais ingredientes nas preparações culinárias: azeite de dendê, mandioca, leite de coco,
5 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/10/gastronomia> Acesso em: 24 mar. 2015.6 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/10/gastronomia> Acesso em: 24 mar. 20157 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/10/gastronomia> Acesso em: 24 mar. 2015 8 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/10/gastronomia> Acesso em: 24 mar. 2015
44
gengibre, milho, graviola, camarão, caranguejo. E entre os pratos reconhecidos como tipicamente
nordestino estão a carne de sol, acarajé, vatapá, caranguejada, buchada, paçoca, tapioca, sarapatel,
cuscuz e a cocada.9
No Maranhão destacam-se dois ingredientes na culinária regional: a farinha e o arroz.
Eles estão presentes na preparação dos pratos maranhenses mais conhecidos como o arroz de cuxá,
arroz de Maria Izabel, arroz de toucinho, arroz de jaçanã, chibé, pirão, caruru, paçoca de carne,
entre outros.
Entre os principais produtos típicos presentes na culinária maranhense estão os
camarões secos, peixes secos, aguardente de mandioca (tiquira), castanhas, geleias de pimenta,
farinhas de mandioca (em especial do tipo biriba), doces com frutas regionais como o de bacuri e o
tradicional refrigerante cor-de-rosa Guaraná Jesus. (SANTOS; LORÊDO, 2013)
A cozinha maranhense apresenta-se em uma diversidade de pratos à base de peixes,
maricos e crustáceos como a peixada maranhense e a caldeirada de camarão.
Como herança da colonização portuguesa ficaram incorporados doces e os “cozidos,
guisados ou ensopados que aqui se abrasileiraram por arte e engenho de componentes afro-
indígenas onde entram em linha de conta quiabo, jerimum, batata-doce, cará, inhame, macaxeira,
tarioba, azeite de dendê, óleo e leite de coco-babaçu e, leite de coco-da-praia”, podem ser feitos de
carnes, vísceras, peixes e mariscos.10
Também é visível essas mesmas influências em outras cidades maranhenses como no
caso de Alcântara que possui uma culinária similar à da capital São Luís, baseada em peixes,
maricos e crustáceos, justificada pela presença do mar em ambas as cidades. Em Alcântara
destacam-se especialmente o Doce de espécie e o licor de jenipapo.
Althoff (2008, p. 301) nos diz que “a refeição era reconhecida e utilizada como sinal de
criação ou de reconhecimento de um laço social”, assim sendo o significado da refeição permanece
inalterado em alguns aspectos, a refeição continua sendo um importante espaço de socialização
independente de em quais “movimentos gastronômicos” ou tempo possam estar inseridos.
2.2 Festas populares: aspectos culturais
O conceito de cultura vem sendo amplamente discutido pelos estudiosos das ciências
9 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cultura/2009/10/gastronomia> Acesso em: 24 mar. 201510 Disponível em: <http://saoluisdomara.xpg.uol.com.br/pagb.htm> Acesso em: 10 out. de 2015
45
sociais, e ao longo do tempo passou por modificações. Clifford Geertz em seu livro “A
interpretação das culturas” aborda a importância de se reduzir o conceito de cultura para um
conceito mais limitado e especializado, com maior argumentação teórica e que possa ser melhor
aproveitado pela antropologia moderna.
Esse pensamento reducionista é colocado em contraposição às ideias de E. B. Tylor
(1832 – 1917) que definiu pela primeira vez o termo culture da seguinte forma: “tomado em seu
amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis,
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade”, mas que embora tendo “sua força criadora” é muito amplo e complexo como o nome
sugere, que na opinião de Geertz parece “ter chegado ao ponto em que confunde muito mais do que
esclarece” (GEERTZ, 2008. p.03).
Rompendo com a ideia de relação do cultural com o biológico, Tylor em 1871 define
cultura “como sendo todo comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma
transmissão genética” (LARAIA, 2013. p. 28).
O mesmo autor observa que:
Para se manter vivo, independentemente do sistema cultural ao qual pertença, ele tem que satisfazer um número determinado de funções vitais, como a alimentação, o sono, a respiração, a atividade sexual etc. Mas, embora estas funções sejam comuns a toda a humanidade, a maneira de satisfazê-las varia de uma cultura para outra. É esta grande variedade na operação de um número tão pequeno de funções que faz com que o homem seja considerado um ser predominantemente cultural (LARAIA, 2013. p. 38).
E por isso ele é produto do meio cultural no qual foi socializado, herdando a
sedimentação cultural do conhecimento e das experiências das gerações antepassadas. Porém é
preciso salientar que a participação do indivíduo em sua cultura é limitada, pois não há
possibilidade de participação em todos os elementos que compõem aquela cultura.
A cultura diferencia o homem dos demais animais, principalmente pela capacidade do
ser humano se comunicar de forma oral e de fabricar instrumentos, que facilitem sua vida e
melhorem seu aparato biológico (LARAIA, 2013).
Para Geertz (2008, p.10) cultura é uma ciência interpretativa e seu conceito é
essencialmente semiótico:
Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os
46processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível — isto é, descritos com densidade. [...] Trata-se, portanto, de ficções; ficções no sentido de que são "algo construído", "algo modelado" — o sentido original de fictio — não que sejam falsas, não-fatuais ou apenas experimentos de pensamento.
Em sua obra etnográfica intitulada “O cru e o cozido”, parte integrante da tetralogia
Mitológicas, Lévi-Strauss descreve que na filosofia dos índios ameríndios, onde referem-se à
oposição da passagem da natureza à cultura, a origem do fogo está relacionada à cultura e as plantas
cultivadas à origem da vida civilizada. Pois segundo seu pensamento “a vida civilizada requer não
apenas o fogo, mas também as plantas cultivadas que esse mesmo fogo permite cozinhar” (LÉVI-
STRAUSS, 2010. p. 181).
De acordo com a interpretação de Lévi-Strauss (2010, p. 222):
Localizamos, com efeito, entre os Jê, duas séries míticas estreitamente paralelas, para dar conta da passagem da natureza à cultura. Num caso, a cultura começa com o roubo do fogo do jaguar; no outro, com a introdução das plantas cultivadas. Mas, sempre, a origem da vida breve está ligada ao surgimento da vida civilizada, concebida mais como cultura lá onde se trata da origem do fogo (conquista dos “bens do jaguar”, M⁸: fogo de cozinha, arco e flechas, algodão fiado), e mais como sociedade quando se trata das plantas cultivadas (M⁹⁰: multiplicação dos povos, diversificação das línguas e dos costumes).
Corroborando com essa ideia, entende-se que concomitantemente à descoberta do fogo
controlado o homem começa a produzir cultura e consequentemente, por meio dela e das técnicas e
tecnologia, passa a desenvolver a culinária e a gastronomia.
A agricultura possibilitou uma sobra de alimentos que impulsionou as relações de troca
e comércio entre a humanidade. Além disso, o armazenamento de alimentos disponibilizou tempo
para que os homens se dedicassem a outras atividades, como o desenvolvimento tecnológico e
cultural.
Era a revolução do Neolítico em pleno andamento, trazendo a noção de acumulação de estoques, do incremento das trocas comerciais, do crescimento demográfico e da divisão do trabalho, agora com classes dedicadas, entre outras, à interpretação do místico e do sagrado. Os cultos agrários foram a origem das festas populares. Com danças e cânticos em torno de fogueiras, logo incorporando máscaras e adereços, os festejos eram dedicados aos deuses para a proteção do plantio e da colheita. (MURRAY, 2008. p. 95-96)
Muitas manifestações foram criadas para celebrar e homenagear passagens e elementos
da natureza, as divindades e as narrativas místicas arraigadas no imaginário coletivo das diversas
sociedades. “Gaston Bachelard […] não mediu esforços para evidenciar a grande importância da
47
imaginação criadora como uma via real”, analisam Araújo e Teixeira (2009, p. 08)
Com as festas o homem pode exercer seu imaginário, servindo de fuga do seu cotidiano
normal e de seus problemas, nesses momentos era permitido que ele descobrisse a magia do
reencantamento do mundo, por meio do reino da fantasia, da utopia e da re-significação das coisas
(MURRAY, 2008). Essas considerações podem ser afirmadas no pensamento de Maffesoli que diz
que (2007. p.195-196):
Pode parecer surpreendente que, para descrever as evoluções de fundo de nossas sociedades, sejamos levados periodicamente a dar ênfase ao irreal como determinação do real. E no entanto é algo que pode ser observado historicamente: toda grande mudança civilizatória é antes de tudo uma mutação de épistémê. Um imaginário deixa de ser pregnante, satura-se e surge um outro. As idéias tem uma autonomia muito maior do que imaginamos. Sua eficácia torna-se cada vez mais evidente.
Posteriormente tratando sobre socialidade Maffesoli (2010, p. 219) diz que, “demo-nos
conta, de diversas maneiras, de que a pregnância do imaginário enfatiza a pluralidade dos aspectos
da vida social”.
Provenientes do apreço pelas festas agrárias emergiram as festas pagãs, que eram
destinadas ao culto do belo. Nelas coadunavam-se o sagrado e o profano na mesma comemoração.
Representantes dessa categoria destacam-se as Sáceas, “inspiradas nas licenciosidades sexuais e na
inversão de papéis entre servos e senhores” (MURRAY, 2008. p. 96), os cultos a Dionísio ou Baco:
o Deus dos vinhos, as Bacanais (orgias) em 370 a.C, as Festas Saturnálias em homenagem a
Saturno que era o Deus da agricultura, eram “marcadas pelas transgressões sociais”, as Lupercais:
comemorações em homenagem ao deus dos pastores e protetor dos rebanhos, Pã (MURRAY,
2008).
Devido aos excessos cometidos nessas festas em 560, o papa Gregório I “regulamentou
o calendário de festas com a expressão: dominica ad carne levandas – que ao longo do tempo foi
sendo abreviada até a palavra Carnaval” como afirma Murray (2008. p. 97).
Muitos elementos compõem essas festas: procissões, êxtases coletivos, danças
tradicionais, orquestras musicais - que traduzem a cultura de determinado grupo social, neles estão
implícitos os símbolos, conhecimentos, as técnicas, os artefatos, padrões de comportamento e
atitudes, e na maioria delas a cultura também é expressa por meio da comensalidade (MURRAY,
2008).
A arte culinária sempre foi tida como uma força agregadora dos homens e sempre
48
esteve presente na vida em sociedade, através dela oportunizamos momentos de troca entre as
diferentes culturas. Alguns alimentos se revestem de um valor simbólico para as comunidades,
sendo reavivados e reafirmados nos encontros sociais, nessas festas populares, onde até “os ritos
religiosos (pagãos ou cristãos), locais ou folclóricos, passam sempre por disputas gastronômicas. As
famílias de um mesmo vilarejo lançam-se em verdadeiros desafios culinários, vencendo aquela que
atuar com mais requinte (MAFFESOLI, 2002. p. 131)”
[...] Vê-se bem como essa “guerra gastronômica” simboliza o conflito social e se torna, por esta razão, momento de sociabilidade. Ao redor desses produtos culinários, todos os falansterianos se confrontam, mas se encontram também. Esses produtos representam momentos de troca. […] É nesse sentido que, como arma, os produtos culinários tomam seu lugar no que se pode chamar de trajeto antropológico. Não se pode esquecer que a gastronomia pode ser um meio de sociabilidade, pelo fato de dar lugar à diferença. […] Se a mesa pode ser o lugar em que se estabelecem as mais sólidas amizades e os mais suaves laços afetivos, é igualmente o lugar onde se desencadeiam e se manifestam as mais ferozes discórdias. Em torno dela é possível se amar ou se ultrajar. Em suma, a mesa é o trono do ambíguo e perturbador Dionísio, e os efeitos do vinho que este oferece aos homens são muito variados e perfeitamente imprevisíveis. […] (MAFFESOLI, 2002, p.133).
“Na ideia de grupo e de cooperação está implícito o ato de pertencimento a uma
comunidade, um dos fundamentos da hospitalidade (CASTELLI, 2010. P. 16)”. Esse sentimento de
pertencimento pode ser manifestado através das festas populares, pois nelas o indivíduo poderá
reconhecer a reprodução e caracterização de sua cultura.
No Brasil, as festas populares:
[…] demarcam culturalmente o nosso país, por serem dotadas de um impressionante significado e um sentido permeado de conotação simbólica, mítica e de função coletiva, enriquecendo o cotidiano do povo brasileiro, pois de alguma maneira, têm significado particular relacionado com a história da cidade e com o passado, mais ou menos longínquo, de formação da cultura popular (CAPONERO; LEITE, 2010. p 100).
Murray diz que elas (2008. p. 97-98 ):
[…] são o símbolo máximo da nossa identidade nacional e espelho coreográfico da alma do povo. Peça-destaque do nosso patrimônio, onde sagrado e profano se unem e se completam, elas permitem uma leitura das características étnico-culturais de cada região do país, ao mesmo tempo em que sintetizam a natureza mestiça do brasileiro. Com seus cânticos, ritmos, danças, instrumentos, figurinos e adereços característicos, celebrados em forma de procissão, de romaria, de roda, de bloco ou de desfile, nossas festas traduzem nossa diversidade multicultural e multirracial, fazendo do Brasil o grande laboratório cultural da Idade Moderna.
49
Considera-se que o carnaval é a maior manifestação cultural brasileira a exemplo de
várias outras espalhadas por diversas regiões do país que foram propiciadas pela mistura étnica que
o povo brasileiro é formado (MURRAY, 2008), conforme descreve ainda o mesmo autor:
O encontro das culturas indígena, européia e africana promoveu no Brasil um diversificado repertório de festas, grande parte baseadas no calendário religioso que, algumas vezes, coincide com o calendário civil. São os Autos de Natal, Auto dos Quilombos, Bom Jesus dos Navegantes, Círio de Nazaré, Corpus Christi, Divino Espírito Santo, Drama da Paixão, Festa do Bonfim, Folia de Reis, Festas Juninas (consagradas a Santo Antônio, São João e São Pedro), Festa de Iemanjá, Nossa Senhora de Aparecida, Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora dos Navegantes, Padre Cícero, entre muitas outras. Temos também os folguedos de espírito lúdico – onde se destacam Afoxés, Congadas, Maracatus, Caboclinhos, Tambor de Crioula, Marujadas, Vaquejadas, Bumba-meu-Boi e suas variantes de Boi-Bumbá, Boi de São Cristóvão e Boi-de-Mamão, Blocos Afro e o Festival Folclórico de Parintins – e os bailados populares, como Marabaixo, Maculelê, Cateretê, Coco de Zambê, entre muitos outros (MURRAY, 2008, p. 98).
As festas populares possuem signos e ícones interpretativos da cultura de uma
localidade, com características peculiares, traduzidas na releitura de lutas, batalhas, e conquistas,
homenagem a heróis, personalidades, mitos e rituais. E em consonância com a reflexão de
Maffesoli (2007, p.80), “aí se encontra o “segredo” comunitário por excelência”.
Uma espécie de instinto pré-individual ou hiperindividual que faz com que o eu de cada
um só exista em função de um Eu coletivo”.
Murray (2008, p.46) enfatiza que representamos velhos papéis que repetem nossos
antigos instintos enraizados, que estamos em uma busca desenfreada por símbolos, que retornamos
ao uso das figuras míticas nas comemorações atuais, reverenciamos nossas origens e que estamos
desejosos por estarmos ligados novamente à alteridade através de “arquétipos que não se
representam”, mas que são vivenciados. Em consonância com o que foi mencionado acrescentamos
o que diz Schneider (2012, p. 17) “não nos é possível recuperar a memória, seja individual ou
coletiva, mas reconstruí-la a partir do presente. É através do presente que recebemos estímulos para
rememorar e para efetivar estas lembranças”.
E essas manifestações também podem ser consideradas encenações que estão associadas
à religiosidade ou ao calendário anual das comemorações coletivas (CAPONERO; LEITE, 2010).
Essa amálgama de personagens e sentimentos, como a devoção, podem ser percebidos na
teatralização existente na repetição dos rituais e cerimoniais das festas populares.
Pelo viés econômico, as festas populares possuem sua atratividade aos visitantes,
curiosos quanto à cultura popular local, mesmo que não tenha sido esse o motivo principal da
50
viagem e que não tenha interesse especial pela temática cultural, o turista visita atrações culturais
quando lhes são oferecidas facilidades para que realizem essa experiência (PIRES, 2002). Baseado
nesse pressuposto e nas qualidades atribuídas ao perfil do turista cultural é que o Turismo Cultural
vem despontando como uma segmentação do Turismo em permanente crescimento nas últimas
décadas.
2.3 A relação complementar e interdependente entre patrimônio cultural e turismo
O conceito de patrimônio relacionado ao sentido de propriedade coletiva deu-se a partir
da Revolução Francesa no século XVIII, impulsionado pela necessidade dos franceses em deterem
revolucionários na destruição de monumentos que representavam marcos de sua história. Logo
houve reações de protesto contrárias a essas ações de destruição dos monumentos franceses por
parte dos intelectuais europeus, que argumentavam a importância da preservação daqueles objetos e
monumentos pelo seu valor econômico e artístico, por contarem a história da França, não só a
história dos ricos, como também dos camponeses, dos comerciantes, dos pobres, ou seja, de todos,
pelo que representavam para aquele país. Desde então, o conceito de patrimônio histórico é
associado à noção de cidadania. (BRAYNER, 2007)
Choay (1993) observou que o termo patrimônio, em sua origem, estava ligado a uma
sociedade estável por meio de suas estruturas familiares, econômicas e jurídicas elencadas em
função do espaço e do tempo.
Após a II Guerra Mundial surgiu o pensamento de um patrimônio cultural que fosse tido
como de interesse comum a todos para a preservação da história da humanidade, esse pensamento
surge em defesa da preservação dos diversos bens culturais localizados nos países participantes da
guerra, onde muitos monumentos foram destruídos (BRAYNER, 2007).
“O impacto da destruição causada pelos bombardeios decorrentes da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) catalisou a atenção dos estudiosos, tornando peremptória a reconstrução das
cidades e a restauração dos monumentos”, como atentam Funari e Pelegrini (2006, p.31).
Mas realmente efetivou-se esse conceito de “patrimônio cultural” com o pedido do
governo egípcio por ajuda financeira a outros países para transpor seus bens históricos para outro
local, em detrimento da construção da barragem de Assuam no sul do Egito. Sua construção
inundaria templos antigos e túmulos de faraós. Com isso, o Ministro da Cultura da França, o
escritor André Malraux, apelou para a comunidade internacional argumentando que aqueles bens
51
culturais não pertenciam apenas ao Egito, mas a toda humanidade. Compartilhando dessa forma a
responsabilidade e a importância de preservação e salvaguarda desses monumentos com todos os
países.
Devido a isso, a UNESCO, órgão da Organização das Nações Unidas, sensibilizou-se
com a causa inferindo ações nesse sentido.
A partir de então, surge a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural em 1972 e a Lista do Patrimônio Mundial.
Todavia, após um período, observou-se que a Lista do Patrimônio Mundial era
composta por bens considerados de valor excepcional e que eram selecionados de acordo com o
padrão de valoração europeu, representados por palácios, igrejas, conjuntos urbanos, entre outros.
Percebeu-se que não estavam incluídas nessa lista as manifestações indígenas das Américas, assim
como as das tribos da África e da Oceania, expressadas através de rituais, “narrativas sobre sua
origem”, a relação entre natureza e religiosidade, técnicas de fabricação de objetos e outros.
(BRAYNER, 2007)
Nos anos 60 o conceito de patrimônio cultural abrangia somente os bens móveis e
imóveis, nesse período ainda suprimia-se os bens imateriais da categoria de patrimônio.
(RODRIGUES, 2006)
Rodrigues (2006, p.09) reporta-se ao pensamento de Poener para pontuar alguns dos
momentos relevantes na preservação do patrimônio cultural do Brasil como “a extensão do instituto
do tombamento a conjuntos arquitetônicos e paisagísticos, o lançamento do Programa Integrado de
Reconstrução das Cidades Históricas, o surgimento do Centro Nacional de Referência Cultural
(CNRC) e a criação da Fundação Nacional Pró-memória”. Outro acontecimento valoroso para a
ampliação desse conceito, e que não poderia deixar de ser mencionado, é a criação do Ministério da
Cultura no país.
Até meados de 1980 o conceito de patrimônio cultural compreendia somente produções
de artistas ou intelectuais de renome, a partir de então engloba-se as criações populares que
expressam as singularidades e a criatividade de um povo, como os ritos, as crenças, a linguagem, os
símbolos, as produções artísticas e científicas. (FUNARI; PELEGRINI, 2006)
Partindo dessas análises, a UNESCO passou a desenvolver programas que ocasionaram
a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial em 2003. (BRAYNER, 2007)
A manutenção das manifestações culturais antigas com suas singularidades e (ou)
pluralidades convive com as tendências do mundo pós-moderno, essas dicotomias quando bem
52
integradas poderão ser usadas a favor da comunidade, como no desenvolvimento da atividade
turística. (PORTUGUEZ, 2004)
Desse modo, o patrimônio cultural funciona como um elemento agregador de
determinado grupo social e como recurso turístico pode atrair turistas, em especial os que praticam
o turismo cultural. A esse tipo de turista são atribuídas qualidades como “alto nível de consciência
ambiental, com visão politicamente ampla” e motivadas em conhecer outras culturas. (DIAS, 2006)
Esse segmento do turismo, Turismo Cultural, é um dos principais mercados da
atividade, uma outra característica tida como positiva é que também pode ser ofertado associado a
outras atividades turísticas. (DIAS, 2006)
Ao crescimento do Turismo Cultural, podem-se relacionar muitos fatores, entre eles, o
movimento de valorização como recurso econômico e cultural dos patrimônios locais e regionais
que as cidades, países ou coletividades estão manifestando na contemporaneidade.
Pinheiro (2013, p.06), ressalta que o conceito de Turismo Cultural no Brasil deu-se mais
especificamente quando:
O Ministério do Turismo (2009), em parceria com o Ministério da Cultura e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), estabeleceu, com base na representatividade da Câmara Temática de Segmentação do Conselho Nacional de Turismo, um recorte nesse universo abrangente da cultura e do turismo e dimensionou o seguimento da seguinte maneira: “Turismo Cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura”.
Desde que os países perceberam que seus patrimônios retratam e afirmam sua
identidade e que podem ser usados como recurso turístico a favor do seu desenvolvimento,
ganharam cada vez mais importância no contexto social, político e econômico. Passou-se a
desenvolver um olhar diferenciado para a necessidade de preservá-los e de usá-los de forma
sustentável.
De acordo com Rodrigues (2006, p. 01), aqui no Brasil:
A primeira iniciativa concreta em defesa de acervo, interessante para a memória nacional, deu-se por iniciativa de D. André de Melo e Castro, conde de Galvéias, vice-rei do Brasil, que formulou, por carta datada de 05 de abril de 1742, ao governador da capitania de Pernambuco, Luís Pereira Freire de Andrade, oposição à instalação de quartéis no Palácio das Duas Torres, construído em Recife a mando do conde holandês Maurício de Nassau, em nome da preservação de memória tão ilustre e da glória de toda a nação.
53
Pode-se dizer que o conceito de patrimônio no Brasil foi construído e ampliado a longo
prazo e que alguns fatos foram relevantes nesse processo, como a Semana de Arte Moderna de
1922, o Estado Novo e a criação do SPHAN.
Nesse período, alguns intelectuais brasileiros manifestaram sua preocupação com a
preservação do patrimônio colonial, fato que pode ter influenciado para a criação do decreto nº
22.928 de 12 de julho de 1933, o qual concedeu o título de patrimônio histórico nacional à cidade
de Ouro Preto – MG. (RODRIGUES, 2006)
A Constituição brasileira de 1934 passa a responsabilizar o poder público pela
preservação do patrimônio nacional, como descreve Tomaz (2010, p. 08):
Na Constituição de 1934, artigo 10, observa-se pela primeira vez no Brasil a noção jurídica de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Esse artigo tinha como objetivo responsabilizar o poder público pela preservação dos monumentos de valor histórico ou artístico de importância nacional: Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: III-proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte.
A criação do SPHAN deu-se através de um projeto de lei de autoria atribuída a Rodrigo
Melo Franco de Andrade, gerou o Decreto-Lei nº 25/37 de 30 de novembro de 1937, permitindo a
criação do órgão e regulamentando o tombamento no intuito de proteger o patrimônio histórico
nacional. Simultaneamente à criação deste último, destaca-se a Constituição Federal de 1937 onde
se incluiu os municípios como participantes nesse processo de preservação. (RODRIGUES, 2006)
Apesar da importância do Decreto-Lei nº 25/37 na evolução do conceito de patrimônio,
por ele os patrimônios somente seriam preservados por meio de tombamento e no documento não
eram reconhecidas as manifestações culturais, tradicionalmente presentes na formação da sociedade
brasileira.
Sobre a preservação de bens culturais imateriais, o Brasil posicionou-se como um dos
pioneiros com a elaboração, por Mário de Andrade, de um anteprojeto de lei para criação do
Serviço do Patrimônio Artístico Nacional, que diferenciou-se do Decreto-Lei nº 25/37 porque
incluía a preservação da “arte popular, folclore, contos, danças, histórias populares, lendas
superstições, medicinas, provérbios, ditos, danças dramáticas, entre outros”, como descreve
Rodrigues (2006, p.04).
Sobretudo esse projeto foi considerado uma proposta ousada para o pensamento da
época, pois somente eram discutidos os valores do patrimônio material. “O anteprojeto de Mário de
54
Andrade mostrou-se inovador, dando atenção às manifestações tanto eruditas como populares, algo
incomum naquela época, que normalmente privilegiava o erudito em detrimento do popular”.
Tomaz (2010, p.09)
No entanto, não teve efeito concreto, pois a preservação do patrimônio imaterial
brasileiro somente veio a ser regulamentado por meio do Decreto nº 3551 de 04 de agosto de 2000,
que estabeleceu a criação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. (MARTINS, 2006)
A partir daí, começa-se a perceber a importância da preservação do patrimônio pelo
registro e pela salvaguarda do que nos seja significativo, pelo fortalecimento e continuidade de
nossa cultura popular, entendida por uma ótica antropológica como “um conjunto de códigos que
permite aos grupos humanos pensar, classificar, agir e interagir”. (CAPONERO; LEITE, 2010,
p.108). Assim, entende-se que salvaguardar um bem imaterial é rememorar suas raízes,
transmitindo e reproduzindo esses códigos, preservando as tradições, como também considerando
as transformações pelas quais ele possa ter passado com o decorrer do tempo.
É perceptível que a dimensão geográfica de nosso país, assim como o fluxo de
imigrantes que por aqui aportaram, contribuíram para a diversidade cultural existente nele.
Entende-se que a cultura renova-se a cada vez que é reinterpretada e (re)transmitida às
novas gerações pelo conjunto de códigos que envolve a forma como as pessoas se comunicam, suas
formas de expressão e arte, suas técnicas, modos de fazer e o saber fazer, a forma de preparo de
seus alimentos e como se alimentam dele, sua religião, seus valores e crenças, suas celebrações e
festas. Essa reinterpretação da tradição pode ser justificada pela tentativa de explicar e solucionar os
problemas sociais ou individuais que cada indivíduo possa enfrentar em sua existência.
Aos indivíduos integrantes de um mesmo grupo social é comum compartilharem
histórias, memórias, visões de mundo e modos de organização sociais próprios. Eles estão
agrupados a um passado comum e por traços culturais que os identificam.
A diversidade cultural que hoje é tida como uma característica do povo brasileiro nem
sempre foi valorizada. Era apresentada uma identidade nacional a partir da contribuição de três
raças: a indígena, a portuguesa e a africana. Essa perspectiva começa a ser ampliada em 1920 com o
início do movimento modernista, que reunia um grupo de artistas e intelectuais da época no intuito
de descobrir e valorizar as “diferentes raízes da cultura brasileira”. (BRAYNER, 2007)
Alguns participantes desse movimento contribuíram também em 1937 para a criação do
então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, a exemplo de Mário de
Andrade. Ainda em funcionamento, atualmente intitulado de Instituto do Patrimônio Histórico e
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Artístico Nacional (IPHAN), continua sendo responsável pela preservação do patrimônio cultural
nacional. (BRAYNER, 2007)
Outros nomes foram importantes para a valorização da cultura popular como Câmara
Cascudo (1898-1986), Gilberto Freyre (1900-1987), Sílvio Romero (1851-1914) e Édison Carneiro
(1912-1972), contribuíram na produção de conhecimentos, registros e documentações sobre as
festas populares, costumes, técnicas de produção, de saberes e fazeres do cotidiano das
comunidades, originados pela preservação de suas raízes culturais. (BRAYNER, 2007)
Ainda a mesma autora (BRAYNER, 2007, p. 20):
[...] ter uma manifestação cultural documentada (por meio de descrições textuais, fotos, vídeos, desenhos, entre outros) pode servir a diversos fins: como fonte de pesquisa, como referências do passado para que possamos entender quem somos hoje, como memória de uma manifestação cultural que não mais ocorre, mas que permanece viva na memória das pessoas e que pode vir a ser reorganizada.
Assim sendo, tudo aquilo que é reconhecido, que é tido como pertencente a uma cultura,
a uma história, ou que está presente na memória coletiva ou que seja considerado como relevante no
dia a dia de uma comunidade, podem ser considerados como patrimônio daquela localidade.
Tendo em vista essa proporção, é que podem haver discordâncias em relação ao que
realmente deve ser declarado legalmente como patrimônio, em virtude do significado que aquele
elemento representa para cada um. Mas, é preciso lembrar que muitas vezes a preservação de um
bem cultural poderá afetar interesses pessoais, de algum grupo especificamente ou de uma
coletividade como um todo. (BRAYNER, 2007)
Essas diferenças de opiniões resultam em dificuldades na escolha de quais bens e
práticas culturais são mais importantes e significativas para serem preservadas e valorizadas.
(BRAYNER, 2007)
Entretanto, afirma Corá (2013, p. 120) que:
os detentores dos bens culturais fazem uso do título de Patrimônio Cultural do Brasil para alcançar benefícios pontuais como acesso aos direitos sociais, possibilidade de geração de trabalho e renda, resgate da memória social, formação de parcerias, intermediação com outros agentes públicos.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) foi o responsável
pelos estudos que originaram o Decreto 3.551, de 04 de agosto de 2000, que “institui o Registro de
Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial”, objetiva
56
que o governo federal apoie e fomente o patrimônio cultural brasileiro. Ainda no ano 2000,
consolidou-se o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) também para conhecimento e
catalogação dos bens culturais nacionais, bem como a identificação de problemas e soluções para a
salvaguarda desses bens.
Ainda quanto a preservação do patrimônio cultural, importante ferramenta é o Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Por meio dele, sabe-se o que é reconhecido como
patrimônio cultural do país. (BRAYNER, 2007)
O Registro se efetiva por meio da inscrição do bem em um ou mais de um dos seguintes Livros:Livro de Registro dos Saberes – para a inscrição de conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; Livro de Registro das Celebrações – para rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;Livro de Registro das Formas de Expressão – para o registro das manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; e Livro de Registro dos Lugares – destinado à inscrição de espaços como mercados, feiras, praças e santuários, onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas (BRAYNER, 2007, p. 21).
Quando um bem é inscrito em um ou mais de um desses livros, ele recebe o título de
Patrimônio Cultural do Brasil, o que implica na obrigação por parte do poder público na
documentação e divulgação sobre as informações desse bem, tornando-o acessível a toda a
sociedade. Os Livros de Registro do IPHAN contribuem ainda para o reconhecimento e valorização
do que significa “uma determinada manifestação cultural na formação da cultura brasileira”,
estimulando também o envolvimento da sociedade na preservação dos bens. (BRAYNER, 2007)
“O esclarecimento relativo aos instrumentos legais devotados à preservação como o
inventário, o tombamento e os planos diretores das cidades são fundamentais para garantir o acesso
e a fruição ao patrimônio”, complementa Pelegrini (2009, p. 40).
Fazem parte do Patrimônio Cultural do Brasil: o Modo Artesanal de Fazer Queijo de
Minas nas Regiões do Serro, na Serra da Canastra e Serra do Salitre em Minas Gerais; o Modo de
Fazer Cuias do Baixo Amazonas; o Modo de Fazer Viola de Cocho; o Modo de Fazer Renda
Irlandesa – Sergipe; o Ofício das Baianas de Acarajé; o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras; o
Ofício dos Mestres de Capoeira; o Ofício de Sineiro; Produção Tradicional e Práticas Socioculturais
Associadas à Cajuína no Piauí; Saberes e Práticas Associados aos Modos de Fazer Bonecas Karajá;
Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro; o Círio de Nossa Senhora de Nazaré; Complexo
Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão; Festa do Divino Espírito Santo de Paraty; Festa do
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Divino Espírito Santo de Pirenopólis; Festa de Saint' Ana de Caicó; Festa do Senhor Bom Jesus do
Bonfim; Festividades do Glorioso São Sebastião na Região do Marajó; Ritual Yaokwa do Povo
Indígena Enawene Nawe; Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi; Carimbó; Cavalo-
Marinho; Fandango Caiçara; Frevo; Jongo no Sudeste; Maracatu Nação; Maracatu de Baque Solto;
Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: Partido Alto, Samba de Terreiro e Samba-Enredo; O Toque
dos Sinos em Minas Gerais; Roda de Capoeira; Rtixòkò: Expressão Artística e Cosmológica do
Povo Karajá; o Samba de Roda do Recôncavo Baiano; o Tambor de Crioula do Maranhão; Teatro
de Bonecos Popular do Nordeste; Cachoeira de Iauaretê, considerada um lugar sagrado para os
povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri no Amazonas; a Feira de Caruaru e Tava, Lugar de
Referência para o Povo Guarani.11
Brayner (2007, p. 28) recorda que:
É importante também ressaltar que não apenas o IPHAN tem desenvolvido trabalhos de apoio e fomento à preservação da diversidade cultural do nosso país. Outras áreas do Ministério da Cultura têm atuado de forma a estimular a continuidade e a valorização das diferentes manifestações culturais de natureza imaterial existentes em nosso país, e também de forma a divulgá-las em âmbito nacional. Dentre os programas e ações desenvolvidos pelo MinC, cumpre destacar o Programa Cultura Viva, que viabiliza a instalação de Pontos de Cultura em várias partes do país e fomenta a transmissão de saberes tradicionais. E também o Programa de Apoio a Comunidades Artesanais-PACA que, sob a coordenação do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular-CNFCP, promove a valorização de artesãos, a preservação de tecnologias tradicionais e a melhoria das condições de produção e comercialização dos produtos.
Atualmente entre as manifestações culturais, ainda não reconhecidas oficialmente como
patrimônio cultural do país e, com potencial para esse reconhecimento estão as festas populares,
devido a variada herança étnica cultural. Elas diversificaram-se e são reinterpretadas ao longo do
tempo pelas sociedades as quais simbolizam um elo com o passado pela manutenção de suas
tradições, e com o futuro pelas perspectivas de valorização econômica desse bem cultural a partir do
interesse dos turistas por eles, como afirma Caponero e Leite (2010, p.108) “as festas constituem-se
como recursos culturais privilegiados, sobretudo para o segmento denominado turismo cultural, que
vem crescendo em larga escala nos últimos quarenta anos”.
De acordo com o IPHAN, estão inscritos no Livro de Registro das Celebrações: o Círio
de Nossa Senhora de Nazaré, a Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis/GO, a Festa do
Divino Espírito Paraty/RJ, o Ritual Yaokwa do povo indígena Enawene Nawe, a Festa de Sant´Ana
de Caicó/RN, o Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão, a Festa do Divino Espírito
11 Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> Acesso em: 09 fev. de 2016.
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Santo de Paraty, a Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim e as Festividades do Glorioso São
Sebastião na Região do Marajó.
Ainda são poucas as celebrações religiosas que figuram oficialmente como Patrimônio
Cultural Brasileiro, entre elas o Círio de Nazaré em Belém-PA e as Festas do Divino Espírito Santo
de Pirenópolis-GO e Paraty-RJ.
A Festa do Círio de Nazaré em Belém do Pará, inscrita no Livro das Celebrações desde
2004 é maior celebração religiosa que acontece no país, participam entorno de 2 milhões de
peregrinos. No ano de 2014 o Círio de Nazaré foi inscrito na Lista Representativa do Patrimônio
Cultural Imaterial da Humanidade. (UNESCO, 2016)
Foto 7 – Círio de Nazaré em Belém-PA
Fonte: (PAIVA, 2008)
Na foto 7 o Círio de Nazaré apresenta-se como um dos maiores símbolos de afirmação e
reconhecimento da identidade paraense, por sua importância chega a ser comparado ao Natal
Cristão. Pode-se considerar um acontecimento social, solidário, um momento de louvor, devoção e
agradecimento à Nossa Senhora de Nazaré. A festa é formada tanto por rituais religiosos como por
manifestações culturais.
A Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis, no Estado de Goiás, é outra festa
expressiva quanto à significação da religiosidade e identidade do povo goiano, foi reconhecida
como Patrimônio Cultural Brasileiro desde sua inscrição no Livro de Registro das Celebrações, em
2010. A festa mobiliza os moradores, que tem participação ativa nas várias celebrações e eventos
59
que compõe a estrutura de realização da Festa do Divino Espírito Santo na cidade de Pirenópolis.12
Em Paraty-RJ a inscrição da Festa do Divino Espírito Santo no Livro de Registro das
Celebrações aconteceu em 2013.
Sua chegada ao Brasil por volta do Século XIV13 tem origem na colonização
portuguesa, a Festa do Divino Espírito Santo é celebrada em várias outras cidades brasileiras a
exemplo de Formosa-GO, Mogi das Cruzes-SP, São Luiz do Paraitinga-SP, Florianópolis-SC,
Penha-SC, São Luís-MA, Alcântara-MA, entre outras.
Apresentam-se muitas similaridades nessas diversas celebrações ocorridas em louvor ao
Divino Espírito Santo pelo país afora, porém pode-se perceber elementos singulares na realização
de cada uma delas. Por vezes essas diferenças podem ser marcantes até quando acontecem dentro
do mesmo estado, a exemplo de São Luís e Alcântara, apesar de ambas se localizarem no
Maranhão. Quanto ao aspecto religioso, em São Luís relaciona-se aos terreiros de religiões afro-
brasileiras e em Alcântara ao catolicismo.
Os fatores referentes a diversidade cultural também refletem de várias formas nas
muitas festas populares que acontecem em todo o Brasil.
São muitas as festas populares religiosas tradicionalmente mantidas e reproduzidas a
cada ano no território nacional, são legítimas representantes da cultura brasileira, estão inseridas no
processo histórico de formação da sociedade brasileira.
Por esse contexto, pela variedade de características nesses eventos populares, é que
abordou-se neste estudo as festas populares, representantes valorosas das expressões culturais do
país, tidas como manifestações identitárias, com possibilidades de serem reconhecidas como
Patrimônio Cultural do Brasil.
A cada ano consolidaram seus espaços em suas comunidades, e por isso passaram a
serem observadas de forma mais contundente nas últimas décadas, resultando em legislações
específicas com a finalidade de catalogar, definir e preservar o patrimônio nacional, como a
Constituição Federal Brasileira de 1988, que em seu artigo 216, considera como patrimônio cultural
brasileiro “os bens de natureza material e imaterial tombados, individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira” e o decreto 3.551/2000, onde se define claramente patrimônio cultural
12 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/montarDetalheConteudo.do?id=17764&sigla=Institucional&retorno=deta lheInstitucional>. Acesso em: 24 mar. 2014.
13 Disponível em: <http://www.cidadeshistoricas.art.br/cidadeshistoricas/hac/especiais/esp_div_p.php.> Acesso em: 24 mar. 2014.
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imaterial como “os saberes, os ofícios, as festas, os rituais, as expressões artísticas e lúdicas, que,
integrados à vida dos diferentes grupos sociais, configuram-se como referências identitárias na
visão dos próprios grupos que as praticam”. (MARTINS, 2006)
A despeito de qualquer coisa, as festas podem significar momentos importantes para a
vida das pessoas, da comunidade e do território em que elas vivem, perpassando a preocupação em
oferecer um bom produto turístico ao receber visitantes, ou de ser uma oferta a mais na experiência
turística. (CAPONERO; LEITE, 2010)
Os mesmos autores, Caponero e Leite (2010, p. 101) apresentam uma divisão das festas
populares de acordo com as suas origens, para eles:
Podem estar associadas à religiosidade como acontece com as festas litúrgicas ou em louvor dos santos padroeiros de cada localidade; podem estar ligadas aos ciclos do calendário para comemorar os momentos importantes da vida cotidiana, como no caso das festas de colheitas ou festas da culinária; podem ser festas folclóricas que recriam algo que ficou na memória coletiva; podem ser festas étnicas por expressarem a tradição cultural das comunidades imigrantes, sobretudo europeias ou podem, ainda, ser festas do peão, tão difundidas no interior do país.
Muitas das festas populares no Brasil têm cunho religioso, elas podem representar as
referências de cada indivíduo por meio dos símbolos e tradições mantidas ao longo do tempo e que
são reafirmadas nesses eventos. Essas festas foram retransmitidas e reproduzidas por meio de uma
memória coletiva. Rodrigues (2012, p. 03 e 04) atenta para a importância da religião para a
construção da identidade:
Associado (quase) sempre ao étnico (Jenkins 1994; Fenton 2004), o fator religião desempenha um papel muito importante no processo de construção identitária; o sistema religioso, na lógica funcionalista (Durkheim 1912), é um dos principais meios de construção de solidariedades e de representações identitárias. Como já referimos em outros trabalhos (Rodrigues 2007, 2012), toda a religião, todo o universo simbólico-religioso, implica uma mobilização específica da memória coletiva e de sua transmissão e reprodução social. A religião é um modo de construção social da realidade, um sistema de referências ao qual os atores sociais recorrem, espontaneamente, para refletir o universo (contexto social, cultural e identitário) no qual vivem.
O mesmo autor nos diz “a memória coletiva está na base da construção da identidade.
Esta reforça o sentimento de pertença identitária e, de certa forma, garante unidade/coesão e
continuidade histórica do grupo” (RODRIGUES, 2012, p.05), esse pensamento reforça os motivos
que impulsionam a resistência e o fortalecimento das festas populares religiosas por parte das
comunidades, apesar de todas as dificuldades que encontram para realizá-las, como as financeiras,
61
concorrência de novas tecnologias, aculturação, desinteresse dos jovens, entre outros.
A religiosidade popular ocupa espaço essencial no processo civilizatório e nas
expressões de cooperação social, criatividade, crenças e imaginários coletivos. (MARTINS E
LEITE, 2006)
Ainda sobre os enlaces entre religião e identidade Martins e Leite (2006, p. 111)
contextualizam que o indivíduo por meio da religião delimita campos de significação e de
identidade:
Nessa rede de significados, a representação do indivíduo por intermédio da religião nos leva a vários paradigmas culturais e relações sociais. A construção dessas personagens não acontece de forma mecânica e linear, já que se encontram dimensões e domínios diferenciados em termos de construção social da realidade. Essas relações complexas elaboram um mapa sociocultural e acabam definindo campos de significação e demarcação de identidade.
Seguindo nessa linha de raciocínio Christoffoli et al (2012, p. 598) entendem que “a
estratégia de transformação dos ambientes religiosos em atrativos turísticos com diferentes atrações
populares acaba desembocando na associação de motivação religiosa com outras motivações [...]”.
Entendendo-se que as festas populares são manifestações populares culturais que
representam a expressão da identidade de uma comunidade, respaldada em sua historicidade e
memória coletiva, pode-se fundamentar a resistência de suas existências, emprestando-se o
pensamento de Claude Lévi-Strauss sobre identidade, que a define como entidade abstrata sem
existência real, muito embora indispensável como referência. (RODRIGUES, 2006)
As festas populares brasileiras são patrimônios intangíveis que deveriam passar por um
processo de valorização e reconhecimento como importantes ferramentas a serem usadas por meio
da atividade turística, por uma perspectiva sustentável para o desenvolvimento socioeconômico das
localidades nas quais estão enraizadas. A prática do Turismo deve ter como diretriz o respeito à
originalidade das culturas, à diversidade e ao direito das comunidades manifestarem-se de
diferentes formas no tempo e no espaço de acordo com o contexto vivido (CARDOSO, 2006).
Há os impactos que o turismo de massa e a “cultura globalizada” ocasionam à cultura
local, como as adequações advindas a partir do gosto dos turistas ou dos mais jovens, não
considerando a sua essência e historicidade.
Os impactos advindos da atividade turística podem ser positivos e negativos e estão
proporcionalmente relacionados a seu planejamento, que deve ser feito tanto por parte das
autoridades como por parte dos moradores locais. Tendo em vista que essa interação implica
62
sempre em mudanças em todos os participantes do processo, algumas relacionadas à assimilação de
novos comportamentos que conflitam com o que é moralmente aceito pela comunidade.
A atividade pode gerar problemas como adaptação dos recursos culturais de acordo com
o esperado pelo turista ou a aculturação, aumento dos conflitos culturais, imitação de
comportamentos relacionados a roupas, modos de falar, música, entre outros, diferentes dos
praticados e aceitos na comunidade, modificações das crenças e valores sociais da comunidade,
estabilidade social em risco, turistificação da cultura local, modificação ou extinção do artesanato
em detrimento de souvenirs produzidos em escala local, choques de classes sociais e culturais entre
moradores e visitantes.
Em contrapartida, entre os benefícios socioculturais destacam-se a interação cultural em
vários aspectos, reafirmação da identidade coletiva do grupo, incentivo à criatividade e inovação, a
absorção de novos valores pelo contato com os visitantes, ressurgimento e manutenção de costumes
locais, melhoria da infraestrutura da cidade em decorrência do turismo, valorização e aguçamento
do sentimento de pertença com relação aos patrimônios, maior tolerância e compreensão à
diversidade cultural, fortalecimento da cultura da paz no mundo, entre outros (DIAS, 2006).
No tocante ao patrimônio imaterial, mais especificamente quanto às festas populares,
essas transformações podem levar ao enfraquecimento ou decadência das festas, por vezes por meio
da descaracterização das mesmas e até mesmo sua extinção quando essas consequências não são
pensadas em detrimento dos benefícios econômicos gerados pelo turismo, fazendo com que alguns
governos e empresários se preocupem somente com os aspectos financeiros, esquecendo-se de
considerar a capacidade de carga, a infraestrutura, o controle do fluxo de turistas, entre outros.
Resultando no comprometimento da qualidade do produto turístico e no exercício da hospitalidade
por parte da comunidade por passarem a enxergar o turista como responsável pela banalização de
sua cultura.
No entanto, não entende-se que todas as mudanças implicam em descaracterização ou
prejuízos para a cultura de um povo, pois como disse Dias (2006, p. 19), a cultura “, é um produto
histórico, sujeito a interações, complementações e contradições inerentes ao processo evolutivo,
portanto está sempre mudando, em um processo dinâmico que nunca acaba”.
O Turismo cultural quando bem planejado movimenta a economia e promove alguns
aspectos que são interessantes para a comunidade receptora, como descreve Dias (2006, p. 188) ele
oportuniza:
63a) uma redução da sazonalidade turística na localidade ou na região; b) uma maior diversificação da economia local;c) a criação de postos de trabalho diretos e indiretos;d) o surgimento de novas oportunidades de negócio; e) a melhoria do nível de vida da população;f) o ressurgimento do interesse pelo passado, que passa a ter valor econômico e pode servir para vitalizar e reavivar profissões e áreas de estudo como história, arqueologia, paleontologia, restauração etc, ligados ao patrimônio, e outras ligadas ao turismo;g) a modernização, em termos de infra-estrutura e de equipamentos, de áreas antigas nos núcleos urbanos;h) a recuperação e o ressurgimento de atividades tradicionais e de artesanato;i) uma maior fixação da população no território.
Mas, deve-se evitar que o Turismo Cultural seja praticado de maneira que “cause
prejuízos a valores centrais que comprometam a manutenção de elementos expressivos da cultura
não havendo a tomada de certos cuidados com a proteção do legado histórico-cultural”, como
pontua Caponaro e Leite (2010, p.109). Deve ser considerada a autenticidade das manifestações, o
envolvimento e o esclarecimento da população local quanto à necessidade de preservação dela para
as gerações futuras, por simbolizar suas raízes e para que seja um produto turístico competitivo e
sustentável.
O turismo e o patrimônio cultural complementam-se e são interdependentes entre si se
ele for utilizado como fomentador do desenvolvimento local, como dito anteriormente. Com a
prática do turismo o patrimônio poderá tornar-se renovável pelo deslocamento de turistas
interessados na oferta cultural, em geral esse bem cultural está relacionado ao território que está
inserido, dessa forma sendo melhor valorizado, pois se entende que pode ser usado para a melhoria
da qualidade de vida dos moradores locais, sendo assim imprescindível a adoção de perspectiva
sustentável para tal, assegurando esses mesmos benefícios e direitos de uso às próximas gerações
(DIAS, 2006).
É importante também desenvolver uma cultura turística por parte da população em
geral, baseada no desenvolvimento turístico sustentável, para que haja um melhor envolvimento e
aceitação da atividade por parte dos atores locais. Dias (2006, p. 30 e 31) define cultura turística
como:
Conjunto de comportamentos sociais fundamentados em valores que têm por base a hospitalidade e constitui-se em um sistema de significados e de símbolos coletivos segundo os quais a comunidade interpreta suas experiências e orienta suas ações referentes aos turistas. Constitui, assim, um sistema de orientação coletivo, no qual se estabeleceu uma espécie de acordo que interpreta os valores sociais do turismo e que, por consequência, determina a atitude de cada um, os turistas em particular, perante essa atividade. […] Consequentemente, podemos definir cultura turística como um conjunto de atitudes, de hábitos e de costumes fomentados por uma série de conhecimentos e de valores que
64favorecem o desenvolvimento da atividade turística. Boa acolhida, prestância, hospitalidade, disponibilidade, entre outras práticas e atitudes em relação aos visitantes, são indicadores de uma cultura turística.
Ruschmann (1997) observa que a falta de “cultura turística” dos turistas pode ser
decisiva em relação ao comportamento dos visitantes no local visitado. Seu estado de alienação faz
com que se achem inofensivos quanto aos prejuízos em relação ao meio natural, assim como não se
vinculam à preservação e originalidade das destinações.
Mesmo sabendo-se hoje que o turismo é um fenômeno de variadas dimensões, com
possibilidades de ganhos para ambas as partes, ou seja, turistas e moradores, quando bem
“explorado”, ainda é pouco utilizado como recurso turístico.
A gestão do patrimônio cultural é de responsabilidade também dos municípios, porém
suas ações devem ser permeadas por princípios éticos que se relacionam com o valor identitário
desses elementos para as comunidades as quais pertencem. Os governos não compreendem o
turismo como uma opção a favor do desenvolvimento, a atividade deve ser planejada e incluída no
texto de elaboração das políticas públicas nas esferas municipais, estaduais e federais (DIAS, 2006).
Ainda concernente as políticas públicas municipais, para o desenvolvimento local têm-
se que aproveitar e valorizar os recursos endógenos com o propósito de melhoria contínua da
qualidade de vida dos moradores locais, independentemente das ações governamentais centrais em
quaisquer instâncias (DIAS, 2006).
Um fator contrário aos resultados positivos que o turismo cultural pode ocasionar a uma
localidade são os riscos decorrentes da dependência excessiva da atividade turística, pois quando
uma cidade depende economicamente do turismo, sem quaisquer perspectivas de negócios em
outras áreas, o setor produtivo local provavelmente será afetado por mudanças no quadro da
demanda turística (DIAS, 2006).
Como visto, a atividade turística pode incentivar ou motivar o resgate de manifestações
culturais de uma comunidade que foram esquecidas ao longo do tempo, reavivando-as e
recuperando seu valor por meio da memória coletiva daquela sociedade. Essas manifestações
culturais são reinterpretadas e reproduzidas de acordo com seu ambiente, sua história e sua
identidade. Assim, promovendo o respeito à diversidade cultural e à inovação (CAPONERO;
LEITE, 2010).
O Turismo Cultural mostra-se como um elemento dinamizador para a obtenção de
recursos voltados à preservação do legado cultural, e como ferramenta catalisadora de
65
desenvolvimento econômico. Vale inferir que quando a prática do segmento desse tipo de turismo é
utilizado como forma principal para evidenciar a identidade local, não significa que não devam ser
pensadas outras formas de turismo para aquela localidade (DIAS, 2006).
2.3.1 A culinária enquanto patrimônio local e recurso turístico
No Brasil embora saibamos da diversidade dos patrimônios culinários e criações
gastronômicas existentes, não os temos usado de forma significativa nas ações voltadas para a
promoção turística. Apesar de já serem inúmeros a quantidade de pratos típicos por região, muitos
alimentos que nos são “culturais” não sabemos sua origem, outros ingredientes, como frutas por
exemplo, nem mesmo as conhecemos (ATALA, 2014)14, ainda tem-se muito o que conhecer sobre
os temperos, condimentos nacionais e sobre os “sabores regionais” de nosso país. Nós brasileiros
precisamos apropriar-nos de nossos recursos, valorizá-los e então difundi-los para o mundo inteiro.
Peccine (2013) já abordava as limitações e dificuldades para identificar o que pode ser
considerado como nosso patrimônio alimentar:
No Brasil, país com dimensões continentais, ainda encontramos dificuldades em salvar as nossas características regionais. Primeiro, porque não conhecemos as nossas características suficientemente. Em segundo lugar, porque a legislação ainda não dialoga com as necessidades de salvaguarda do patrimônio alimentar. (PECCINE, 2013, p. 216)
A gastronomia e cultura não se dissociam, pois pelo caráter simbólico que a
gastronomia apresenta, e por meio da significação desses símbolos, pode revelar a cultura de um
povo, seus costumes, história, modos de vidas, crenças, tabus, religião, entre outros. (RODRIGUES
et al, 2014) Nesse mesmo raciocínio Mascarenhas e Gândara (2012, p. 138) afirmam que “a
gastronomia é portadora de laços culturais podendo ser compreendida como um fato cultural que
demonstra os modos de ser, viver e fazer das sociedades as quais representa”.
Assim pelo aspecto cultural, a gastronomia e identidade também possuem sua
correlação direta, por vezes pode ser reafirmada como a identidade de uma comunidade, sendo
reconhecida como patrimônio imaterial local e usada como recurso para o desenvolvimento do
Turismo. O negócio turístico pode fundamentar e contribuir para a valorização e manutenção das
tradições culturais, como acontece com muitos pratos antigos e que eram tradicionais, que foram
reavivados, reinterpretados em seu novo contexto cultural como símbolos histórico-culturais que
14 Disponível em: <http://www.publico.pt/mundo/noticia/o-pior-inimigo-da-cozinha-brasileira-chamase-alex-atala- 1626319> Acesso em: 24 mar. 2015.
66
devem ser preservados (MASCARENHAS; GÂNDARA, 2012).
“A identidade é uma construção simbólica, uma forma de classificação que cria uma
posse”, define Schlüter (2003, p. 32). Portanto, ela não é estática, é passível a preferências e gera
um sentimento de pertencimento àquele lugar.
É muito comum o uso de pratos identitários nas festas populares, e muitas vezes, são
nessas festas que os turistas têm contato mais próximo com os pratos típicos locais na forma mais
genuína, mais próximo do autêntico. Para o turista, esta autenticidade tem uma importância
significativa, visto que objetiva vivenciar uma experiência real em cultura diferente da sua, e isto
inclui as comidas locais que conhecerão e experimentarão em seus destinos.
A cultura alimentar apresenta-se nos pratos consumidos no cotidiano de uma
comunidade como na escolha dos alimentos servidos como representativos nas festas da região,
estes últimos, carregados de características simbólicas que os diferenciam dos alimentos do dia a
dia, tornando-os especiais para aquele momento de celebração. (MASCARENHAS; GÂNDARA,
2012) Os mesmos autores advertem ainda que “a comida de festa também evolui conforme a cultura
e todos os seus aspectos, assim como também é uma das formas de saudar uma época anterior e
mostrar isto às novas gerações em um ambiente de comemorações” (2012, p. 138).
Dessa forma, tem surgido a preocupação com a preservação desses patrimônios
culinários tradicionais, por compreender-se que estão relacionados às raízes culturais.
(MASCARENHAS; GÂNDARA, 2012)
Para Schlüter (2003, p. 11),
A busca pelas raízes culinárias e a forma de entender a cultura de um lugar por meio de sua gastronomia está adquirindo importância cada vez maior. A cozinha tradicional está sendo reconhecida cada vez mais como um componente valioso do patrimônio intangível dos povos. Ainda que o prato esteja à vista, sua forma de preparação e o significado para cada sociedade constituem os aspectos que não se vêem, mas que lhe dão seu caráter diferenciado.
Nota-se que há um movimento no sentido de resgatar receitas antigas, adaptá-las e
reproduzi-las, em especial, nos ambientes em que acontecem as festas populares, como uma forma
de reafirmar sua cultura e como se moldasse-se mais um produto representativo a ser oferecido ao
turista como percebido nas palavras de Peccine (2013 p. 207), “a gastronomia é, muitas vezes,
colocada no centro das discussões do turismo como um dos pontos de referência para festas, nas
quais se coloca como atrativo e como tema, ou como parte da arte de bem receber os visitantes”.
As maiores possibilidades de deslocamentos e acesso fácil às informações, a busca pelo
67
conhecimento a outras culturas, bem como por novos sabores, fez com que a culinária regional e a
gastronomia estejam inclusas como fator relevante para o desenvolvimento do turismo mundial.
O turismo gastronômico tem sido considerado um viés importante da segmentação do
turismo cultural, pois “a gastronomia está assumindo cada vez mais importância como mais um
produto para o turismo cultural” como assegura Schlüter (2003, p.11).
Para acentuarmos a esse pensamento recorremos a Coelho Neto e Azevedo (2010, p. 02)
que nos dizem que:
A gastronomia converteu-se num fenômeno de massa ao projetar a imagem de charme e glamour que lhe são atribuídas nos dias de hoje. O valor simbólico da gastronomia deve-se a, pelo menos, três motivos. Primeiro, ao vínculo emocional e identitário que acompanha os hábitos alimentares.[...}Segundo, a relação com o alimento não se esgota apenas nas necessidades de sobrevivência. A comida manifesta história, crenças e valores (CORNER, 2006).[...] Terceiro motivo, a oferta de serviços gastronômicos cria oportunidades para os que buscam distinção social e reconhecimento público.
A gastronomia assume lugar de destaque quando percebe-se que ela é um patrimônio e
que poderia ser usada como recurso turístico na promoção das cidades e na captação de turistas
(FIGUEIREDO, 2009).
Então, o turismo gastronômico passa a ser visto como uma alternativa ao
desenvolvimento local, com isso ampliam-se as possibilidades de ofertas e fortalecimentos de
roteiros turísticos somente com atividades gastronômicas ou associados ao turismo cultural e ao
patrimônio (JAROCKI, 2009).
Na concepção de Figueiredo (2009) os roteiros culturais estão relacionados aos valores
culturais locais, descreve que:
As rotas gastronômicas associadas à cultura têm por objetivo mostrar os valores culturais de determinadas localidades, tendo como destaque as receitas, pratos típicos, o cultivo de certas especiarias, a forma de preparo do alimento, além de outros fatores que muitas vezes estão desvalorizados pelos autóctones e são valorizados pelo turista. (FIGUEIREDO, 2009, p.38).
A comida faz parte da memória turística, o turista terá contato com ela mesmo que esse
não seja o principal motivo influenciador da viagem. Assim, a culinária regional, os restaurantes e
os bares fazem parte da experiência turística e da percepção do destino. De acordo com as ideias de
Krause (2014, p.21) “o ato de comer enquanto em viagem pode formar, de maneira geral, a
concepção de turismo”.
Tanto a culinária como a gastronomia local, ou ambas, podem se destacar como atrativo
68
turístico que funcione como um diferencial competitivo para a localidade, tendo em vista o valor
simbólico histórico-cultural. Sobre essa perspectiva, Krause (2014, p.21) observa que a gastronomia
é:
Carregada de simbolismos sociais e culturais, além de artísticos, nos quais participar de uma refeição é participar da cultura de um local, a gastronomia age na valorização da alimentação. Para destinações turísticas, é um fator de atratividade, tomando dimensões de interação social que outros atrativos turísticos não conseguem suprir. Comer o que uma pessoa local come e, principalmente, comer com as pessoas do local de viagem pode ser considerado o ápice da experiência turística [...]
Ao entender-se a relação direta e proporcional entre a experiência turística considerada
positiva e o grau de atratividade de um destino dever-se-ia considerar melhor a importância da
subjetividade nessa relação. De acordo com Coelho Neto e Urias (2011, p. 323), “o turismo é uma
atividade simbólica. A relação entre o viajante e o lugar realiza seu sentido no plano da experiência.
No final das contas, são as sensações e impressões que restam ancoradas na subjetividade”.
Para ser um destino competitivo é preciso saber atrair os turistas, que ao escolherem
privilegiam um destino em detrimento de outro, ainda que com pouco conhecimento baseiam suas
decisões nas suas percepções e impressões do lugar.
Então, para um destino propagar boas impressões, que convençam os turistas é fato
determinante o nível de atratividade, não só para o turismo gastronômico como para outros tipos de
turistas. Os autores Coelho Neto e Azevedo (2010, p. 03) lembram que:
[...] essa noção de atratividade sugere que um destino pode “trabalhar” algumas de suas características para reforçar sua imagem e tornar-se mais atrativo. Se bem-sucedido, o lugar ganha competitividade. No campo do turismo, as variáveis que influenciam a competitividade são, em geral, numerosas.
Essas variáveis englobam temas como meio ambiente, infraestrutura, segurança, entre
outros. Mas para isso, é preciso que fique claro quais as vantagens que o destino oferece em relação
a outros. (COELHO NETO; AZEVEDO, 2010)
Como ferramenta para fortalecer o grau de atratividade, tem sido usada a estratégia de
segmentação turística, que contribui tanto oferecendo melhores serviços para um público específico,
como aumentando as opções para o lazer, o entretenimento e o convívio cultural dos turistas.
(COELHO NETO; AZEVEDO, 2010) No que se refere ao turismo gastronômico, ainda existem
muitas possibilidades de crescimento, pois ainda é um segmento pouco explorado que poderia ser
melhor aproveitado para promover os destinos turísticos do país.
69
O perfil do turista que é atraído pelo turismo gastronômico é interessante
economicamente porque são turistas que gastam mais, e do ponto de vista social porque em sua
maioria possuem um alto nível de educação. Mesmo com todos esses predicativos que possam
favorecer o desenvolvimento desse tipo de turismo, ainda assim são insuficientes as ações de
divulgação de nossos patrimônios alimentares que possam impactar na atração de maiores números
de turistas (COELHO NETO; AZEVEDO, 2010).
Baseado nos estudos de Rand et al. (2003), especifica-se que para fortalecer a
atratividade da culinária local deve-se valorizá-la como patrimônio local, conhecer a origem desses
patrimônios, sejam as receitas, os modos de fazer ou os produtos em si, identificar o que lhe
representa para a criação de uma identidade de marca, estimular o consumo dos produtos em
quaisquer circunstâncias (COELHO NETO; URIAS, 2011).
Possuir uma imagem de uma gastronomia sofisticada ou diversificada gera resultados
positivos tanto quanto uma culinária mais peculiar e restrita a uma região. Contudo, vale lembrar
que alguns pratos ou outras manifestações culinárias locais serão motivo de repulsa pela estranheza
que possam lhes causar, somente uma pequena parte de turistas estão abertos ao que lhes é muito
incomum ou exótico.
Uma marca gastronômica com base na culinária tradicional ou em uma rede de ofertas e
serviços só será percebida e captará turistas, se divulgadas aos mercados desejados. Nesse contexto
entende-se que as percepções sobre a gastronomia local devem ser moldadas por meio de um
processo de construção e gestão de marca que deve ser pensada para as políticas de promoção da
atividade turística. (COELHO NETO; AZEVEDO, 2010) “A imagem é um ativo que precisa ser
gerenciado”, endossam Coelho Neto e Urias (2011, p. 326).
Ressalte-se como fundamental para a construção de uma “imagem positiva”, capaz de
captar turistas, a boa qualidade dos produtos e serviços que serão oferecidos a eles, Krause (2014,
p.21) lembra-nos que “a qualidade deixou de ser um diferencial e passou a tomar proporções
essenciais para empreendimentos nas mais diversas áreas”.
Algumas vezes a autenticidade atribuída aos serviços e produtos é atrelada ao conceito
de qualidade nas impressões e percepções dos visitantes, visto que o turista cultural quer conhecer
algo que seja “considerado autêntico” (BAHL; MURAD,2012).
No processo de escolha do local a ser visitado, consideramos as informações que temos
das várias dimensões daquele destino, essas várias dimensões podem ser representadas pela imagem
do lugar, que pode contribuir para a atratividade ou para afastar turistas. (COELHO NETO; URIAS,
70
2011)
Muitos consideram que a comida e todas as tradições que a envolvem pode representá-
los nessa relação entre imagem e atratividade turística. Ainda se sabe pouco sobre como chega a
informação e se a forma como chega é suficiente para manter uma personalidade gastronômica. A
imagem é resultado entre as boas e más impressões do que parece bom ou ruim ao olhar de quem
está referenciando (COELHO NETO; URIAS, 2011).
Para fins de esclarecimento sobre o significado de imagem territorial recorremos ainda a
Coelho Neto e Urias (2011, p. 327):
Entendemos a imagem territorial como o conjunto de impressões e associações afetivas e cognitivas que representam para um público específico as características gerais – humanas e naturais - de um espaço geográfico. Esse espaço pode se confundir com um bairro, uma cidade, um conjunto de cidades, estados ou países. Portanto, trabalhamos com a noção de que qualquer território ou partição dele que, numa relação com um público específico, seja capaz de sustentar uma impressão de singularidade é portador de uma imagem territorial.
A imagem territorial pode significar a soma das informações, crenças, impressões e
pensamentos que caracterizem o lugar, muito embora por sua complexidade não se consiga um
resultado único, é preciso perceber a pluralidade de sua constituição e a subjetividade decorrente da
idiossincrasia dos que visitam o território. Para o turista, a gastronomia e a culinária estão
associados à imagem territorial, o saber fazer a comida e seus significados estão arraigados na vida
social, mesmo que o valor e a importância simbólica da comida na imagem territorial sejam
diferentes entre as localidades, dificilmente se conhece um território sem ter contato com os
costumes e alimentos locais.
A força da gastronomia e da culinária na imagem de um lugar é produto da interação de dois elementos. Em primeiro lugar, o interesse dos públicos que compõem os principais mercados emissores do destino nas experiências gastronômicas. Quanto maior a parcela de turistas gastronômicos no total de visitantes, tanto maior a contribuição da comida na imagem do local. Em segundo lugar, na capacidade da culinária e dos serviços de alimentação do destino mostrarem-se atraentes na perspectiva do visitante. (COELHO NETO; URIAS, 2011, p. 329).
No que se refere a culinária e gastronomia, a singularidade é importante porque
evidencia as peculiaridades de cada lugar, que quando bem aproveitadas se sobressaem como
componente da personalidade gastronômica. Ambos são recursos importantes na construção e
fixação da imagem territorial, consequentemente para o desenvolvimento do Turismo, porém ainda
são poucas as cidades que mantêm políticas específicas para promoção por meio da culinária e da
71
gastronomia (COELHO NETO; URIAS, 2011).
Precisa-se que haja um equilíbrio entre as ações para o desenvolvimento econômico do
turismo por meio da utilização do patrimônio como recurso turístico e as ações para a preservação
dos mesmos, assegurando seus usos para as gerações futuras (SCHLÜTER, 2003).
Não pode-se falar em desenvolvimento turístico sem falar da responsabilidade social e
ambiental que isso implica, o planejamento turístico constitui-se como fator fundamental e
prioritário devido aos impactos que a atividade turística pode ocasionar.
Dessa maneira, o planejamento turístico local deve ser pautado por uma perspectiva
sustentável, sem desconsiderar os valores, a cultura local e o potencial do patrimônio gastronômico
e culinário em fomentar a cultura local e como alternativa econômica para o aumento da renda dos
pequenos produtores locais.
A ideia de sustentabilidade pode ser entendida como forma de valorização cultural,
reforçada pela oferta de produtos e serviços “autênticos”, como os alimentos que são específicos de
um local, como as práticas culinárias peculiares decorrentes de um preparo artesanal. Assim,
entende-se que os alimentos, as receitas e as técnicas culinárias tomam proporções que perpassam
simplesmente ao ato de seu consumo por motivo de nutrição, tomando dimensões simbólicas bem
mais significativas. Dessa forma, compreende-se que a capacidade que a gastronomia tem de
afirmar o patrimônio cultural é uma expressão em si do seu caráter sustentável (KRAUSE; BAHLS,
2013).
Ainda temos muito o que descobrir e o que mostrar quando falamos em turismo
gastronômico no Brasil, ainda aproveita-se pouco o mercado internacional, apesar de seu potencial
para exploração em várias segmentações turísticas, precisa-se que o país torne-se mais competitivo
nesse cenário internacional, assim como internamente, para que realmente venha a ser beneficiado
com a atividade turística. Em qualquer uma das circunstâncias, para que o turismo provoque
reflexos na economia e geração de emprego será preciso desenvolver ações de promoção do país no
exterior, ações que melhorem e fortaleçam a imagem diante dos principais países emissores e
principalmente que melhorem a infraestrutura para atender aos públicos segmentados (TOMELIN,
2011).
Na figura 4, desenho do esquema dos assuntos abordados na fundamentação teórica da
pesquisa, apresenta-se uma esquematização e sistematização dos assuntos pesquisados neste
trabalho para a construção da fundamentação teórica.
72
Fonte: Elaborado pela autora.
73
Na figura 5 a seguir está disposta uma estrutura esquemática do conhecimento
construído pelos caminhos percorridos em parte do referencial teórico adotado nesta pesquisa,
elaborado no sentido de organizar os conteúdos em uma representação gráfica para uma melhor
compreensão.
Figura 5 – Imagem do conhecimento construído
Fonte: Elaborado pela autora.
Iniciou-se o modelo teórico pela relação apresentada por Lévi-Strauss em O Cru e o
Cozido entre a origem do fogo e a cultura e das plantas cultivadas com a vida civilizada, a partir daí
também surge o pensamento quanto à construção e importância dos mitos e símbolos para os grupos
sociais.
As plantas cultivadas (ou seja, a agricultura), a caçada em grupos, assim como outros
fatores, gerou sobras de alimentos que estocados facilitaram o ato de se alimentar. O alimento
sempre foi um importante agrupador social, e um importante meio de convivibilidade, como no
74
caso das refeições em grupo. Nessas ocasiões o fato de comer, sentar, estar junto ao outro
evidenciou à prática da comensalidade como essencial ao convívio humano e a uma cultura
hospitaleira.
Com a ritualização das refeições, instituiu-se o festar que normalmente justifica-se no
louvor aos Deuses, em agradecimento ao plantio e à colheita dos alimentos ou como um escape dos
problemas do cotidiano. Por essa última condição, as festas populares podem ser tidas como uma
forma de reencantamento do mundo, por isso também geralmente fundamentam-se no ethos
religioso.
As Festas populares tornaram-se excelentes espaços de comunicação, sociabilidade e
comensalidade, e pelo que representam para suas comunidades configuraram-se em patrimônios
culturais a serem valorizados e preservados para as gerações futuras. Uma das formas de
valorização tanto social como econômica poderá se dar por meio do Turismo Cultural
75
3 METODOLOGIA
Para cumprir os objetivos geral e específicos propostos na pesquisa sistematizou-se
metodologicamente este estudo dividindo-o em duas partes:
Na primeira etapa realizou-se durante toda pesquisa coleta de dados bibliográfica,
pautada em uma revisão literária baseada em livros, periódicos e sites oficiais de órgãos públicos ou
que abordassem a temática estudada. Esta parte da pesquisa complementou-se com um
levantamento de informações obtidas por meio de pesquisa documental.
A segunda etapa foi direcionada ao trabalho de campo, estudo de caso, com a aplicação
de formulários aos moradores e turistas, entrevistas semiestruturadas e registro de imagens durante
a realização da Festa do Divino Espírito Santo no município de Alcântara – MA nos anos de 2014 e
2015. Posteriormente foi feita uma análise de todos os dados coletados para apresentação dos
resultados encontrados.
Este capítulo que compreende a metodologia está dividido em dois tópicos:
caracterização da pesquisa, onde se expõem a natureza e o tipo de pesquisa; e no outro tópico são
detalhados os procedimentos da pesquisa como as estratégias adotadas, as técnicas de coletas e
análise de dados, assim como o universo e amostra do trabalho.
Apresenta-se também a tabela 1 – Resumo da metodologia e autores, que demonstra a
metodologia adotada e autores utilizados como referência bibliográfica deste capítulo, uma figura
relacionando os capítulos da dissertação aos objetivos específicos e por último, uma figura
explicativa de quais meios utilizou-se para alcançar os objetivos específicos da pesquisa.
3.1 Caracterização da pesquisa:
Quanto à natureza a pesquisa apresenta uma abordagem qualiquantitativa, pois ao
mesmo tempo em que se tem como base dados mensuráveis também se lida com a interpretação da
realidade para alcançar os objetivos da pesquisa. (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2002).
No método quantitativo, os pesquisadores valem-se de amostras amplas e de informações numéricas, enquanto que no qualitativo as amostras são reduzidas, os dados são analisados em seu conteúdo psicossocial e os instrumentos de coleta não são estruturados. (LAKATOS; MARCONI, 2011, p. 269).
76
O tipo de pesquisa adotada estrutura-se de acordo com a proposição de Vergara (1990)
que a apresenta quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins será exploratória e descritiva,
exploratória porque a investigação realiza-se “em área na qual há pouco conhecimento acumulado e
sistematizado” e a escolha da pesquisa descritiva dá-se porque “expõe características de
determinada população ou de determinado fenômeno” como diz Vergara (2011, p. 42). E porque
“busca descrever uma realidade, sem nela interferir”, como descreve Appolinário (2011, p. 63).
3.2 – Procedimentos da pesquisa:
A pesquisa se vale, predominantemente, da observação participante e das entrevistas
não estruturadas e semiestruturadas para obter “dados sobre pessoas, espaços, interações, símbolos
e tudo o mais que interessar”, Vergara (2011, p. 05). Neste método o pesquisador deverá ser neutro,
imparcial, descobrir as informações, os dados coletados, as características e a dinâmica do grupo
social estudado. (LAKATOS; MARCONI, 2011)
Ainda quanto aos meios, utilizou-se como procedimentos metodológicos de coleta de
dados a observação participante, a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, aplicação de
entrevistas fenomenológicas (RANIERI; BARREIRA, 2010) semiestruturadas qualitativas com os
festeiros e organizadores da Festa do Divino Espírito Santo – MA e a aplicação de formulários
(VERGARA, 2011) voltados aos moradores em 2014 e 2015 e aos turistas durante o período de
realização do festejo nesses mesmos anos.
“O método fenomenológico constitui-se numa abordagem descritiva, partindo da ideia
de que se pode deixar o fenômeno falar por si, com o objetivo de alcançar o sentido da experiência,
ou seja, o que a experiência significa para as pessoas” observa Holanda (2006, p. 371).
O universo da pesquisa compreende os moradores da zona urbana do município de
Alcântara – MA, os turistas que frequentaram as “Casas de Festa” durante a realização da Festa do
Divino Espírito Santo em Alcântara – MA nos anos de 2014 e 2015, pessoas entrevistadas e os que
colaboraram com seus desenhos sobre os principais símbolos da festa para a avaliação imagética
apresentada nos resultados.
Para o cálculo amostral no caso dos moradores utilizou-se a fórmula n0 = 1/e
0²
(BARBETTA, 2001) onde e0 é o erro amostral tolerável e n
0 é a primeira estimativa do tamanho da
77
amostra. Desta forma considerando uma margem de erro amostral tolerável 5%, obteve-se n0=
1/0,05² = 400 formulários.
Em seguida prosseguiu-se a correção da primeira estimativa, por meio da fórmula n=
(N. n0)/(N+n
0), onde N = tamanho (número de elementos) da população; n = tamanho (número de
elementos) da amostra; n0 = uma primeira aproximação do tamanho da amostra; E
0² = erro amostral
tolerável. O tamanho da população estudada foi definido baseado nos dados do Censo do IBGE de
2010 (ANEXO A), onde a população urbana do município de Alcântara-MA é 6400 moradores:
n = (N. n0)/(N+n
0), onde N = 6400 e n
0 = 400
n = (6400. 400)/(6400+400)
n = 2560000/6800, então tem-se n = 376,47
Portanto para um grau de confiabilidade de 95% com uma margem de erro tolerável de
5% foram necessários uma quantidade mínima de aproximadamente 377 formulários aplicados aos
moradores. O processo de escolha se deu de forma aleatória.
A seleção dos turistas participantes desta pesquisa foi realizada por meio de
procedimento censitário, buscando-se obter respostas do maior número de turistas que tivessem
frequentado as casas de festas, na Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara, durante o período
de realização da pesquisa nos anos de 2014 e 2015. (GIL, 2010) Outro fator influenciador na
escolha pelo procedimento metodológico censitário deve-se ao tamanho da população estudada, que
nesse caso pode ser considerada pequena. Os turistas possuem duas portas de entrada na cidade, em
uma delas as embarcações seguem especificamente para Alcântara e há uma relação de passageiros,
mas na travessia via ferry boat não há como identificar os destinos dos passageiros, assim como não
há nenhum controle de entrada na cidade pela rodovia MA-106. Os trajetos de São Luís-MA para
Alcântara-MA via MA-106 encontram-se ilustrados nos mapas 1 e 2 que seguem:
78Mapa 1 – Trajeto via ferry boat e MA-106
Fonte: Maps.google.com, 2015
Mapa 2 – Trajeto via MA-135 e MA-106
Fonte: Maps.google.com, 2015
O tipo de amostragem será a probabilística pela “maior garantia da representatividade
real da amostra em relação à população estudada” (APPOLINÁRIO, 2009, p. 127) e estratificada
porque essa população será dividida em subgrupos, o que para Appolinário (2009, p. 129) “melhora
a eficiência amostral, na medida em que as amostras estratificadas tendem a refletir melhor a
realidade da população estudada, sob determinado ponto de vista”.
79
Além da autora participaram da pesquisa colaboradores voluntários alunos do Curso
Superior de Tecnologia em Gestão do Turismo do Instituto Federal do Maranhão – Campus
Alcântara (IFMA). Em 2014 e 2015 foi realizado um pré-teste para verificar a aplicabilidade e
estruturação do formulário, erros e ambiguidades, nesta fase foram aplicados 136 formulários, dos
quais entre os pesquisados 42 (30, 88%) eram turistas e 94 (69, 12%) moradores. Após a aplicação
do instrumento preliminar de coleta de dados percebeu-se a necessidade de algumas mudanças com
relação a estrutura do formulário.
No ano de 2015 aplicou-se um total de 611 formulários da pesquisa, dos quais entre os
pesquisados 204 (33, 44%) eram turistas e 407 moradores (66,56%). Para os formulários procedeu-
se a análise quantitativa e qualitativa.
Também foram coletados vídeos, imagens, fotos e desenhos para uma posterior
avaliação imagética e para contribuição nas análises dos resultados de pesquisa.
Na tabela 1, que segue abaixo, apresenta-se um resumo da metodologia descrita neste
capítulo junto aos autores utilizados como sustentação teórica, relacionando-os às escolhas
delimitadas para a caracterização dessa pesquisa de acordo as seguintes dimensões: natureza, tipo
de pesquisa, estratégia, coleta de dados, e técnica de análise de dados. Para consubstanciar esse
modelo emprestamo-nos da definição de Martins e Theófilo (2009, p. 37) na qual “o objetivo da
metodologia é o aperfeiçoamento dos procedimentos e critérios utilizados na pesquisa.
Tabela 1 – Resumo da metodologia e autores
Natureza Tipo de pesquisa Estratégia Téc. de coleta de dados Téc. de análise de dados
Quantitativa/qualitativa Exploratória e
descritiva
Fenomenologia Observação participante,
pesquisa bibliográfica,
pesquisa documental,
entrevistas e formulários.
Leitura de Imagem
Quantitativa/qualitativa
Análise Interpretativa.
Autores Autores Autores Autores Autores
BAUER;
GASKELL; ALLUM,
2002
LAKATOS;
MARCONI, 2011
VERGARA, 2011
APPOLINÁRIO,
2011
MARTINS;
THEÓFILO,
2009
HOLANDA, 2006
RANIERI;
BARREIRA, 2010.
VERGARA, 2011
LAKATOS; MARCONI,
2011
APPOLINÁRIO, 2011
HOLANDA, 2006
RANIERI;
BARREIRA, 2010
GEERTZ, 2008.
Fonte: Elaborado pela autora.
80
Na figura 2, para efeito de norteamento quanto às etapas da pesquisa, esboçou-se um
desenho da segunda parte da dissertação correlacionando os objetivos específicos que se espera
alcançar com a realização dos capítulos 4 e 5 desta pesquisa, ou seja, espera-se que cada etapa de
finalização de cada capítulo da pesquisa esteja condicionada ao cumprimento dos objetivos
específicos propostos, pondera-se que alguns capítulos necessitam correlacionarem-se a mais de um
objetivo específico devido a sua complexidade para atingi-lo, conforme demonstrado na figura.
Já na figura 3 a seguir, o desenho pretende descrever quais os instrumentos de coleta de
dados que serão utilizados para se conseguir realizar os objetivos específicos da pesquisa. Para
alcançar o primeiro objetivo específico descrever o cerimonial da Festa do Divino Espírito Santo
em Alcântara – MA que envolve alimentos e bebidas, tendo como ênfase a comensalidade, os
procedimentos utilizados serão a pesquisa bibliográfica e documental, a observação participante,
entrevistas semiestruturadas, fotos, vídeos e imagens. Outro objetivo específico é identificar a
comensalidade da festa e sua origem no cerimonial através de pesquisa bibliográfica e documental,
a observação participante, entrevistas semiestruturadas, fotos, vídeos, imagens e por meio da
81
aplicação de 1 (um) formulário aplicado aos turistas e 1 (um) formulário aplicado aos moradores. A
pesquisa também pretende investigar a simbologia dos alimentos e das bebidas tradicionalmente
ofertados na Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara – MA e a comensalidade decorrente
dessa oferta. Para tanto utilizar-se-á os dados coletados nos formulários aplicados aos turistas e
moradores locais citados anteriormente, além de pesquisa bibliográfica e documental, a observação
participante, entrevistas semiestruturadas, fotos, vídeos e imagens. E para alcançar o último objetivo
específico que é investigar a hospitalidade da festa pela oferta dos alimentos e bebidas serão
utilizados também as análises dos formulários aplicados aos turistas e moradores locais e a
observação participante.
Os critérios usados para seleção dos entrevistados foram a participação na organização
da festa em geral, a participação na elaboração e preparo dos alimentos e bebidas que serão servidos
durante o período do festejo, assim como o grau de devoção à Festa do Divino Espírito Santo em
Alcântara – MA.
82
4 A FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO NO BRASIL E EM ALCÂNTARA-MA
Para se entender o início do culto ao Divino é necessário saber que em tempos antigos
já se comemoravam três grandes festas: a Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos (VELOSO, 2009).
A Páscoa que significa “passagem do Senhor”, representada pela abstinência de fermento de qualquer espécie, era também chamada de “Festa dos Pães Asmos”. Simbolizava a primeira colheita da primavera. Nesse dia os primeiros frutos da cevada eram apresentados ao Senhor na Casa de Deus, como ação de graças. Relembrava também a primeira colheita do povo de Israel após a emancipação física da escravidão no Egito. E as condições impostas a Moisés para que ocorresse a libertação. […] Para afirmar e relembrar essa distinção é que o povo de Israel comemora a Páscoa. É a junção dos dois fatos marcantes em suas vidas: o dia em que Deus sacrificou os primogênitos dos egípcios para que os judeus se libertassem, e o dia da primeira colheita de cevada. Pela tradição judaica, é Deus redimindo fisicamente seu povo e demonstrando suas possibilidades de sobrevivência pelo alimento que é consagrado no altar.A segunda das grandes festas, chamada de Pentecostes ou de Chavuot, ocorria no quinquagésimo dia a contar da primeira, a Páscoa. Também em ação de graças pela colheita, agora do trigo, ceifado sete semanas depois da cevada. Dois pães, assados com fermento, eram levados à casa de Deus. Acentua Jorge das Graças Veloso (2009, p. 58 e 59)
As duas festas parecem antagônicas porque em um momento (Páscoa) o fermento
assume um papel de instrumento de pecado, relacionando-o a significação de “humanidade e sua
completude” e ao retirá-lo em ação de graças pela colheita da cevada e pela saída do Egito tornamo-
nos mais puros. Já em Pentecostes, o pão com fermento é usado em agradecimento ao trigo, nesse
período é relembrado a relação do homem com a matéria, reconhecidamente pecador e a espera da
purificação pela vinda do Espírito Santo. Essas festas contavam com uma multidão de adeptos, até
mesmo na festa ao Tabernáculo aumentava o número de pessoas em Jerusalém (VELOSO, 2009).
Para Sousa (2013, p.108), “a igreja ‘cristianizou’ uma celebração pagã que fazia parte
de uma cultura popular e, sobretudo, folclórica”.
Então a Igreja Católica, nos séculos XVII e XVIII, utiliza-se do Barroco como uma
forma de manifestação, devido as possibilidades que ele apresenta de aceitação da dualidade dos
contrários.
No embate entre o espírito medieval cristão e o espírito renascentista racionalista, surge a festa católica de feição barroca. Em vez de escolher entre isto ou aquilo, o Barroco e a festa barroca se expressam por uma profusão de pares contrários que lhe dão forma e sentido – o espírito e a carne, a religiosidade e o erotismo, o eterno e o efêmero, o céu e a terra, o deus e o diabo, enfim, o sagrado e o profano. Se a vida significa encarar esse impasse, o melhor a fazer é festar rezando ou rezar festando. (SILVA, 2013, p.34)
83
Para uma aproximação entre fé e razão, o Barroco aparece como uma proposta para que
fossem discutidas as relações entre a natureza humana e a divina, suas semelhanças e diferenças. “O
Barroco foi a principal manifestação cultural em reação à Reforma protestante e o Renascimento”
considera Silva (2013, p.33).
Para Veloso, fatores simbólicos foram pilares para a instituição da festa: “Em
homenagem ao Divino, ‘fonte de sabedoria e amor, em comemoração à sua descida sobre os
apóstolos e ao nascimento da Igreja católica’ (ABREU, 1999, p. 38) foi criada a Festa do Divino
Espírito Santo” (VELOSO, 2009, p. 62).
Assim entende-se que a Festa do Divino Espírito Santo “é a (re)significação, na ótica do
catolicismo popular, de uma festa cristã – Pentecostes, com a manifestação do Espírito Santo aos
Apóstolos - assentada em rituais barrocos de uma “Corte Imperial Simbólica”, diz Carvalho (2008,
p. 03).
O que veio depois foi que a igreja de Cristo se alastrou pelo mundo. Pelo que consta,
por obra daqueles 120 escolhidos que já não mais se escondiam para levar a palavra de Jesus,
crucificado, a quem “Deus fez Senhor e Cristo” (ATOS. 2:36). Dessa maneira. E desde então, o
Divino Espírito Santo é comemorado pela cristandade no dia do Pentecostes judaico, o
quinquagésimo de ação de graças pela colheita do trigo. Necessário se faz, entretanto, o registro de
que as citações bíblicas ao Espírito Divino antecedem a esta ligação com o dia de Pentecostes
(VELOSO, 2009, p. 60).
“Segundo o imaginário que explicava a fundação de Portugal, Afonso I recebera em
Ourique, a 25 de julho de 1139, da boca do próprio Jesus Cristo, a investidura política que
conduziria a nação lusitana, pela “Ordem Terceira” franciscana, ao último vicariato, o do
paracletismo”, ressalta Veloso (2009, p.64). Nessa perspectiva de que a Santíssima Trindade
(Paracleto) precisaria de um intermediário na terra, que o reinado de Portugal sustentado em ideias
franciscanas ocupou esse lugar dissipando essa festa que é um culto de adoração ao Divino Espírito
Santo. (VELOSO, 2009)
Atribui-se à Rainha de Portugal, Isabel de Aragão, a difusão da Festa do Divino Espírito
Santo para muitos países, “a Festa do Divino teria sido instituída em Portugal pela rainha Isabel,
esposa de dom Diniz” afirma Silva (2013, p.30). Consta que a Rainha Santa, pela sua fé, teria
recorrido ao Divino para que ele intercedesse trazendo paz a um conflito que envolvia seu filho
Dom Afonso e seu marido D. Diniz, o primeiro alegava privilégios do pai ao filho “bastardo ou
84
ilegítimo”, caso fosse agraciada levaria a Festa do Divino Espírito Santo a todo território português
(VELOSO, 2009).
Após popularizar-se pela Europa, durante a Idade Média, as tradições da festa são
levadas a África, Índia e outras regiões de Portugal como as Ilhas da Madeira e dos Açores. Após
alguns séculos a Festa do Divino Espírito Santo passa a ser celebrada no Brasil no período colonial
e a partir de então passa a desenvolver características regionalizadas que são construídas e
reconstruídas a cada realização, consagrando-se como uma das mais antigas e conhecidas festa do
catolicismo popular que celebramos.(SILVA, 2013)
Sousa (2013, p.108) apresenta o que alguns autores acreditam ter influenciado na
divulgação da Festa do Divino Espírito Santo pela Europa,
Lopes (2004), Milheiro (1996) e Benevides (2009) explicam que o que ocasionou a expansão do culto ao Espírito Santo foi a divulgação por toda a Europa Ocidental, durante o século XII, dos cultos espiritistas; a influência fomentadora de ordens religiosas como os franciscanos; o patrocínio do poder real e, por arrastamento, das classes sociais mais abastadas; caráter caritativo do bodo aos pobres, o que tinha grande popularidade; cortejos e cerimoniais ricos e suntuosos, com espetáculos impressionantes; e implementação desse culto preferencialmente em zonas de influência dos grandes centros.
Maria Michol Pinho de Carvalho (2008, p.03) relata que:
Na busca de demarcar suas origens, chega-se a Portugal, remontando-se às celebrações a partir do século XIII em torno da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, reverenciada com banquetes e distribuição de esmola aos pobres, constituindo a chamada prática do “bodo”. O pesquisador Carlos de Lima assim explicita tais origens: “A Festa do Divino Espírito Santo teve sua origem em Portugal, com a construção da Igreja do Espírito Santo, em Alenquer, estabelecida pela rainha Dona Isabel, no século XIII (LIMA, 1981:21) “De começo um simples bodo, ou seja, singela distribuição de esmolas, só se tornaria assembléia festiva e alvissareira no século XVII, sob o reinado de D. João IV, o primeiro rei português a ter tratamento de Vossa Majestade, segundo Cascudo. É na euforia da Restauração que o Divino toma ares de festa majestática, com corte organizada, seu principal personagem ganhando o título de Imperador, título que Carlos V popularizaria na península ibérica, como Imperador do Sacro Império Romano e Rei da Espanha (LIMA, 2001:8).
A Rainha de Portugal, Isabel Aragão, século XIII, reverenciada pelos portugueses como
a “Rainha Santa”, por sua devoção ao Espírito Santo constrói em 1325 em Alenquer – Portugal uma
igreja em honra ao Divino, dando início dessa forma a “festa do Império do Espírito Santo”.
Contudo, alguns teóricos atribuem a ela a continuação e reforma da celebração ao Divino, mas a sua
invenção é remetida ao monge cisterciense Joaquim de Fiori (1135 - 1202), que também era
considerado santo e suas ideias, como o franciscanismo, ficaram conhecidas na Europa. Essas ideias
85
de aproximação dos pobres rompiam com as ideias da rica Igreja Medieval (CARVALHO, 2008).
Segundo registros históricos, o monge Fiori, depois de longos anos de retiro no deserto, teve uma revelação acerca da vinda próxima de uma nova era de relações entre os homens sobre a Terra: a época do Espírito Santo. Nesta sua visão profética, Fiori sustentava uma compreensão dos tempos divididos em “eras” a partir do modelo da Trindade. Nesta lógica, a humanidade teria já ultrapassado a “época do Pai” e estaria terminando a “era do Filho”. E, assim, estaria para chegar a “era do Espírito Santo”, marcada pelo advento da paz, do amor, da bondade entre os homens do mundo. Joaquim de Fiori procurou difundir essas suas idéias e, sobretudo, essa sua revelação, sendo então, perseguido e conquistado muito adeptos que, também, sofreram castigos e perseguições. (CARVALHO, 2008, p. 03)
Então, “tal tradição de que a Rainha Santa Isabel é a precursora do culto ao Espírito
Santo é contrariada pela existência de documentação mais antiga, que se refere à existência de
modelos culturais desta natureza anteriores” relacionados as confrarias do Espírito Santo como
afirma Souza (2013, p.110).
Uma outra teoria sobre a origem da festa propõe que “as festividades do Divino Espírito
Santo são oriundas dos “Estados Alemães” onde, inicialmente, foi praticada durante a dinastia dos
Othons” salienta Sousa (2013, p.118). A festa incumbia-se a assemelhar-se a uma instituição que
pelas esmolas acumuladas amenizasse o sofrimento dos pobres nos anos de penúria. (SOUSA,
2013)
Mas, independente de qual origem histórica é certo que a Festa do Divino Espírito Santo
chega ao Brasil pelos portugueses, por volta do século XVI, devido à colonização. (CARVALHO,
2008) Ideia confirmada na concepção de Veloso (2009, p. 71) que também sugere que “os primeiros
impérios do Divino por estas bandas se deram por obra dos portugueses que aqui primeiro
permaneceram. Principalmente a partir da efetiva colonização que se inicia por volta de 1530”. E
para Sousa (2013, p. 110), “Alenquer constitui, sim, como a grande festa modelo da qual, direta ou
indiretamente, evoluíram todos os impérios encontrados no espaço português e brasileiro”.
Para assegurar o domínio português no norte do Brasil nos séculos XVII e início do
século XVIII era preciso ocupar a costa brasileira que estava vulnerável a ameaças francesas,
inglesas e holandesas. Essa preocupação fundamenta-se no fato de os franceses, século XVII, terem
desrespeitado o tratado de Tordesilhas estabelecendo uma colônia na região do Maranhão. Logo,
Portugal que nesse período estava anexado a Espanha (União Ibérica) enviou ao Brasil um
contingente de 400 militares portugueses que em 1615 expulsaram os franceses. (RODRIGUES;
FERNANDES; SILVA, 2014)
Ainda Rodrigues, Fernandes e Silva (2014, p. 09) contextualizam que:
86
Daí a ocupação na região sofre outros rumos, para garantir a fronteira é iniciado um povoamento de homens livres, quem seriam eles? os açorianos. A imigração açoriana para o Brasil teve início no Século XVII, em 1619, com trezentos casais que chegaram ao Maranhão. [...] Naquela época o norte do país era selvagem, não era marcado pela busca do ouro, ou as grandes plantações de algodão; o açoriano, como sempre, ficou com a tarefa mais difícil, de desbravar, garantir fronteiras. No início da colonização brasileira o açoriano dividia o papel de povoador com os jesuítas que catequizavam os índios. Estes 300 casais chegavam a mil pessoas, pois vinham com seus filhos e criadagem, então para os padrões da época, era uma considerável massa de pessoas, tanto que, logo tiveram influência para ocupar importantes cargos na administração regional (GONÇALVES, 2010). Podemos ser considerados o reflexo desse povo, pois toda a cultura e culinária que temos hoje, por mais que tenha sofrido adaptação, traz consigo os traços dos açorianos, que muitas vezes vinham pela escassez de alimento ou por causa de tragédias naturais.
Carvalho (2008, p. 05) observa ainda que a Festa do Divino Espírito Santo:
É uma simbologia de realeza associada ao culto à divindade, numa tradução popular dos vínculos terra e céu. De fato, encarna o mistério da religião cristã de um “Deus feito pomba” e o fascínio que a realeza exerce nas representações populares. São (re)significações da fé, da sacralidade e da realeza. Assim, o império do Divino, com suas figuras reais e seus personagens populares, encarnando história e imaginário, cultos cristãos tradicionais e rico conjunto de rituais parece estabelecer um elo entre Portugal e Brasil, articulando diferentes espaços e tempos distintos.
A Festa do Divino Espírito Santo ultrapassou as fronteiras de Portugal, chegando ao
Brasil e a outras terras colonizadas. (VELOSO, 2009) Essa festa também teve “importância na
mistificação de Portugal como um reino santificado, que teria como missão maior unificar todos os
povos em torno de uma adoração única aos princípios propostos pela Igreja Católica” afirma Veloso
(2009, p. 57). Parece então que esta é uma representação também auxiliar na busca da afirmação de uma identidade nacional sustentada na figura dos reis de Portugal. Seriam eles, os reis, simbolicamente, os vigários da intermediação com a divindade, legitimados, inclusive, para a “conquista apostólica do Mundo” (DURAND, 2000, p.24). Ressalvando todas as motivações, principalmente as de ordem econômica, que levaram Portugal a realizar a expansão de seus domínios para além das fronteiras europeias, existiu também este ideário religioso legitimador das viagens de colonização, realizadas por suas caravelas.
Aderir a religião oficial da coroa portuguesa era uma imposição aos índios que aqui
estavam e aos africanos escravizados na Colônia, a catequese deu-se pelas “mãos barrocas” dos
jesuítas que por meio da Companhia de Jesus mediaram e influenciaram as relações entre
colonizadores e colonizados (SILVA, 2013).
A Festa do Divino Espírito Santo tornou-se uma festa celebrada em todo o Brasil, “ela é
dedicada à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade – o Espírito Santo, e geralmente, acontece
87
cinquenta dias após a Páscoa, no Domingo de Pentecostes” como observa Sousa (2013, p.117). Em
cada região brasileira onde é celebrada foi reinterpretada, mantendo seu cerne, seus principais
fundamentos, mas se diferenciando em algumas características que podem ser ocasionadas por
inúmeros fatores como cultura, colonização, território, economia local, etc.
“Já no século XX, as festas do Divino Espírito Santo tomaram corpo e foram celebradas
com maior ênfase nas regiões Centro-Oeste e Sudeste” Sousa (2013, p.114), a exemplo de São Luiz
do Paraitinga – SP, Pirenópolis – GO e Monte do Carmo e Natividade – TO.
A Festa do Divino se tornou tão importante no Brasil que o então ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva, quando da fundação do Império na Colônia, sugeriu Dom Pedro I ostentasse o título de imperador – e não de rei -, devido à popularidade do Imperador do Divino entre nós.As festas religiosas e, em especial, a Festa do Divino, eram uma forma privilegiada de reunir num mesmo tempo e espaço diferentes grupos, e promover diálogos, muitas vezes tensos, entre diferentes culturas. (SILVA, 2013, p. 31)
Mesmo com a negação do Barroco após a independência da Colônia do domínio
português, festas católicas sobreviveram mantendo seu estilo Barroco distanciando-se do novo
modelo francês onde o homem dotado de razão que é, age sobre a natureza e a sociedade sem levar
em consideração a ajuda do divino. (SILVA, 2013)
No Brasil algumas dessas festas começam a serem salvaguardadas pelo IPHAN, como é
o caso da Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis-GO e Paraty-RJ, respectivamente em 2010
e 2013, constando no livro de registros dos bens culturais do país (IPHAN). 15
Acredita-se que a Festa do Divino tenha chegado ao Maranhão no século XVII por
casais de colonos vindos dos Açores que aportaram em terras maranhenses entre 1615 e 1625,
instituindo assim a festa em Alcântara que depois difundiu-se para várias cidades no Maranhão. A
popularização da festa deu-se principalmente entre os mais pobres, entre os escravos, talvez por ser
uma festa em que as pessoas irmanam-se pela fartura de alimentos e por ser celebrada tendo como
princípios a fraternidade e a igualdade. (CARVALHO, 2008) A festa possui uma organização
própria em que qualquer lógica social poderá ser invertida, onde qualquer um poderá assumir papéis
que cotidianamente não seriam acessíveis.
Uma curiosidade é que em nenhum outro lugar a Festa do Divino Espírito Santo
relaciona-se com as religiões afro-brasileiras como no Maranhão, está nos calendários de festas de
terreiros, paróquias e casas particulares. (BARBOSA, 2009)
15 Disponível em: <http://www.portal.iphan.gov.br> Acesso em: 22 out. de 2015
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No Maranhão a Festa do Divino Espírito Santo acontece em muitas cidades e em cada
uma delas apresenta características que lhes são peculiares:
O Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, órgão da Superintendência de Cultura Popular da Secretaria de Estado da Cultura, tem cadastradas 150 festas do Divino do Maranhão, sendo 66 da capital e 84 do interior do Estado, num total de 23 municípios: São Luis, Alcântara, Anajatuba, Bacurituba, Bequimão, Cajari, Caxias, Cedral, Codó, Humberto de Campos, Icatu, Itapecuru-Mirim, Matinha, Marinzal, Paço do Lumiar, Palmeirândia, Penalva, Pinheiro, São Bento, Santa Helena, São José de Ribamar, Rosário e Viana. (CARVALHO, 2008, p. 06)
Alcântara, cidade do litoral ocidental maranhense, apresenta população total de 21.852
habitantes segundo os últimos dados do IBGE de 2010, em sua maioria habitam a zona rural. Sua
sede foi instalada em 1648, é monumento nacional desde 1948. É um território étnico formado por
mais de 150 povoados camponeses que se reconhecem como quilombolas e ao mesmo tempo é o
território de instalação do Centro de Lançamentos de Foguetes da Aeronáutica, o que provocou o
remanejamento de centenas de famílias do litoral para as agrovilas e, até hoje, as terras são motivos
de disputas entre quilombolas e a Aeronáutica. Em Alcântara, os proprietários de fazendas de
algodão e de engenhos de açúcar (séculos XVIII e XIX) “fugiram”16 e abandonaram suas terras após
entrarem em “derrocada econômica”, assim surgem campesinatos caracterizados pelo uso comum,
que só veio a ser modificado mais tarde com a instalação da base aeroespacial. (SOUZA FILHO;
ANDRADE, 2012)
As festas religiosas, conhecidas como festas de santo, em um dos seus muitos sentidos
podem ser compreendidas como um símbolo de resistência e da liberdade conquistada pelos
antepassados. (SOUZA FILHO; ANDRADE, 2012)
Em Alcântara a festa “foi ressignificada pela mistura das populações que ali viviam,
chegaram ou para lá foram levadas, incorporando outros sentidos e musicalidades”. diz Barbosa
(2009, p.24) A exemplo disso pensamos na alternância que acontece todos os anos entre Imperador
e Imperatriz, também nos remete ao fato de as caixas (tambores) serem tocadas exclusivamente por
mulheres.
Na foto 8 o registro do início das visitas do Imperador aos mordomos:
16 Fugidos é um termo que alguns quilombolas utilizam para se referir aos antigos fazendeiros que saíram da cidade.
89Foto 8 - Visita do Império
Fonte: (PAIVA, 2015)
Na cidade histórica e monumento está ligada ao dia de Pentecostes, e apresenta uma
forte influência portuguesa demonstrada nos modos de fazer a festa e na culinária de seus
banquetes. A história da festa confunde-se com sua história.
Em 2009 o IPHAN realizou o inventário de referências culturais de Alcântara, pois para
o IPHAN “os levantamentos, no âmbito do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC),
buscariam identificar um repertório de manifestações culturais que merece ser alcançado pelas
políticas de salvaguarda” (SOUZA FILHO; ANDRADE, 2012, p.76).
Entre as manifestações inventariadas estão as festas do Divino Espírito Santo e de São
Benedito. Filho e Andrade apontam (2012, p.79-80) os itens referentes a Festa do Divino Espírito
que foram levados em consideração no inventário, e enfatizam que muitos elementos importantes
para o contexto não foram registrados:
[…] abordaram-se apenas alguns, como: confecção de altares e vestimentas para o santo (pomba, que representa o Divino Espírito Santo) e preparação de alimentos rituais. Outros não chegaram a ser objeto de inventário, como: a confecção das lanternas que iluminam a procissão; do bordado das bandeiras do Divino; do chamado mastaréu (bandeira no cimo do mastro); das vestimentas dos integrantes da corte simulada, chamada império; das caixas tocadas pelas caixeiras; dos enfeites que decoram as mesas e das chamadas lembrancinhas ofertadas aos visitantes. Da mesma forma, saberes específicos – caso das rezas em latim proferidas por especialistas locais, da condução dos rituais pelo chamado mestre-sala, não foram abordados. Não foram focalizados no inventário, igualmente, lugares envolvidos na realização das cerimônias, como aqueles onde são fincados os mastros.No tocante aos ofícios e modos de fazer, foi inventariada a preparação de alimentos rituais, destacando-se o chamado doce de espécie, iguaria apreciada por moradores e turistas, cuja popularização se deve à sua distribuição como dádiva durante a festa do Divino. Os doces são itens imprescindíveis nos rituais de comensalidade estabelecidos entre os festeiros, sendo distribuídos aos presentes também após as ladainhas.
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Entre algumas das fragilidades apontadas pelo processo está o fato de que “muitos
elementos dessas manifestações ou lugares podem ser descritos em sua materialidade, mas não se
separam das dimensões imateriais a eles associadas”. observam Souza Filho e Andrade (2012, p.84)
Desde 2013 o IPHAN notificou a Prefeitura Municipal de Alcântara – MA e a
Secretaria Municipal de Cultura para assegurar o início do processo de registro para o
reconhecimento da Festa do Divino Espírito Santo como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro,
que a partir de então estão trabalhando em parceria a outros órgãos do município, como a Diretoria
de Cultura, na tentativa de reunir material que justifique a aprovação e registro da Festa do Divino
Espírito Santo como bem cultural, para a sua salvaguarda e inscrição no Livro das Celebrações –
IPHAN. Mas somente em 2015 o processo foi iniciado. Para Valdeci Cantanhede, então diretor de
Cultura da Secretaria Municipal de Alcântara, “a primeira etapa para que a festa seja transformada
em Patrimônio imaterial é a coleta de assinaturas de pessoas que reconhecem a importância do
ritual ser caracterizado como esse tipo de patrimônio”.17
Para tanto, na Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara de 2015 foram coletadas
assinaturas que serão entregues ao IPHAN para contribuição no processo de registro. Na foto 9 a
capa do livro de assinaturas que será entregue ao IPHAN, presente a Festa do Divino Espírito Santo
em 2015:
Foto 9 - Livro de assinaturas
Fonte: (PAIVA, 2015)
17 Disponível em: <http://www.imirante.com/mobile/oestadodoma/noticias/2015/05/14/alcantara-divino-podera-se-tornar-patrimonio-imaterial> Acesso em: 22 out. de 2015
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A seguir na foto 10, o texto que entre outras coisas, explicava para quê a coleta de
assinaturas, o que é o registro, assim como importância e benefícios da salvaguarda da festa.
Foto 10 - Texto do livro de assinaturas
Fonte: (PAIVA, 2015)
Neste capítulo identificou-se a comensalidade da festa e sua origem no cerimonial,
mostrando qual a importância do alimento dentro da Festa do Divino Espírito Santo, como foi a
origem dessa festa, os preceitos que a acompanham como a caridade, chamada também de Bodo aos
pobres e o fato de as pessoas irmanarem-se por meio da partilha do alimento como uma de suas
principais características.
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5 RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos neste capítulo deram-se principalmente por meio da observação
participante da autora em 2014 e 2015, pela aplicação de formulários, pela realização de entrevistas
fenomenológicas e pela avaliação imagética de desenhos relacionados à Festa do Divino Espírito
Santo.
5.1 Signos do Cerimonial e Comensalidade
Todos os anos quando se encerram as celebrações da Festa do Divino Espírito Santo é
muito recorrente ouvir-se dos alcantarenses envolvidos com a festa o sentimento de estarem com a
“sensação de dever cumprido!” Dessa forma, expressam como é importante que a tradição da festa
seja mantida. Essa importante celebração que acontece anualmente na cidade de Alcântara no
Maranhão possui como pilares de sustentação em sua composição: a irmandade – que constitui o
núcleo organizacional do culto ao Divino, o Império – onde todas as irmandades são estruturadas
em torno dele, e os mordomos – que são as pessoas escolhidas em pelouro para esse fim.
Na Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara – MA integram-se entre si rituais
litúrgicos como missas, ladainhas e procissões; aos rituais não litúrgicos como os cortejos e os ritos
das caixeiras em louvor ao Divino Espírito Santo e aos rituais profanos como as folias das esmolas,
dos mastros, da subida do boi, prisão dos mordomos e os shows na Praça da Matriz abertos ao
público.
Não há registro preciso sobre quando se deu a primeira manifestação do culto em
Alcântara, mas entre os séculos XVIII e XIX já figuram registros em jornais da época sobre festejos
religiosos ocorridos no Largo do Carmo, Santa Quitéria e São Matias, e no século XIX pode ser
entendido como o maior evento religioso do município de Alcântara e do estado do Maranhão.
(COSTA, 2010)
Em Alcântara a primeira cerimônia do ano da Festa do Divino Espírito Santo é realizada
no sábado de Aleluia quando acontece a Missa do Fogo, nela estarão presentes todos os festeiros,
caixeiras e mestres-salas vestidos na cor branca. A Missa do Fogo é o mesmo que a Vigília Pascal,
nessa ocasião é acessa a vela que é chamada de Círio Pascal.
Após a missa se inicia a comensalidade da festa pois serão servidos os primeiros
banquetes ofertados pelos festeiros em suas casas, onde todos são convidados.
93Com duração entre 12 e 15 dias, sua corte completa, este ano, formada por 10 festeiros, tem seus nomes revelados, no Domingo de Pentecostes, quando logo após a procissão, se dá a leitura do pelouro7 – a primeira cerimônia da nova festa – a partir da qual toda a cidade passa a vivê-la intensamente. Cada um dos festeiros alcantarense do ano prepara-se para fazer a festa numa casa, que geralmente é cedida ou alugada para esse fim, sendo que o Imperador ou a Imperatriz conta com a Casa do Divino, um sobrado de dois pavimentos, mantido pelo Governo do Estado, para funcionar como a sede do Império. Em cada casa em que se dá a festa é feita uma ambientação com a Tribuna, mesas de doce (com destaque para o famoso “doce de espécie”), bem como figuras da Corte, cortejos e músicos (RODRIGUES; FERNANDES; SILVA, 2014, p.11).
Porém durante treze dias acontece a maior movimentação de rituais e cerimônias, o
ápice do festejo nesses dias se dá no dia de Pentecostes, que acontece cinquenta dias após a Páscoa.
Na semana anterior à da Quinta-feira de Ascensão o mastro (de aproximadamente 10 a 15 metros) é
cortado na mata e no domingo dessa semana, é trazido pelo Império e pelo Mordomo Régio.
Imagem 2 - Carta do Mordomo Régio ao Imperador
Fonte: (BARBOSA, 2015)
Durante o domingo de Páscoa acontece a esmola do Império, onde o Império e sua côrte
saem pelas ruas em busca de doações para a festa, esta “esmolagem” pode durar alguns dias, na
segunda-feira após a Páscoa é a vez do Mordomo Régio ou Mordoma Régia e dos demais
Mordomos-Baixos arrecadarem doações para suas festas.
Para a “esmolagem” também é usada a expressão “tiramento de joias”, ela está inserida
nas Folias do Divino. A Folia “é a divindade que se dispersa, que espalha pelo mundo. O Divino
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não escolhe o caminho mais fácil, não calcula o lucro de ir ou não ir. Simplesmente segue”.
(SILVA, 2013, p. 58)
Antigamente a Folia do Divino acontecia durante meses, percorriam a zona rural e
interiores maranhenses vizinhos à Alcântara. Nessa época em toda casa, fazenda, sítio, era uma
honra receber e hospedar a “Folia” que esmolava para a celebração do culto ao Divino levando a
Santa Croa18. Eram ofertadas as “joias”, um jantar, bailes e ladainhas e para descanso dos foliões
um pouso. Com a diminuição do número de fazendas em Alcântara, com o envelhecimento das
caixeiras (pois antigamente o percurso era feito a pé) e com a diminuição das contribuições na zona
rural e interiores as folias hoje, em sua maioria, são realizadas na sede do município e nas
comunidades mais próximas a ela (BARBOSA, 2009).
Para os dias oficiais de festa no calendário do município, durante a Festa do Divino
Espírito Santo em Alcântara é respeitado o seguinte cerimonial:
1º Dia – Cortejo do Mastro da Imperatriz ou Imperador e levantamento do Mastro.
2º Dia – Quinta-feira da Ascensão: Alvorada das Caixeiras no Mastro do Império, Missa
solene na Igreja de Nossa Senhora do Carmo com a coroação do Imperador ou da Imperatriz,
Cortejo pelas principais ruas retornando até a Casa do Divino, Prisão dos Mordomos pelo Império.
3º Dia – Cortejo, Levantamento do Mastro do Mordomo Régio ou Mordoma Régia e
Ladainha na Igreja do Carmo.
4º Dia – Alvorada das Caixeiras e Músicos no Mastro do Mordomo Régio ou Mordoma
Régia, Ladainha na Igreja do Carmo e Visita do Mordomo Régio ou Mordoma Régia ao Império.
5º Dia – Domingo do Meio: Missa solene na Igreja do Carmo seguida de Visita do
Império aos Mordomos.
6º Dia – Ladainha na Igreja do Carmo e Visitas de Mordomos ao Império.
7º Dia – Ladainha na Igreja do Carmo e Visitas de Mordomos ao Império.
8º Dia – Ladainha na Igreja do Carmo e Visitas de Mordomos ao Império.
9º Dia – Ladainha na Igreja do Carmo e Visitas de Mordomos ao Império.
10º Dia – Subida do Boi, Ladainha na Igreja do Carmo e Visitas de Mordomos ao
Império.
11º Dia – Distribuição de Esmolas aos Idosos e Ladainha na Igreja do Carmo com
presença do Império e Mordomo.
18 A Santa Croa simboliza a presença do Espírito Santo, é a coroa que sobre a salva ou no altar santifica-se. (ROCHA, 2008)
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12º Dia – Domingo de Pentecostes: Missa solene na Igreja de Nossa Senhora do Carmo,
Cortejo pelas principais ruas retornando até a Casa do Divino, Procissão com a Coroa do Divino
pelas principais ruas retornando dessa vez à Igreja do Carmo para que ao final seja feita a Leitura do
Pelouro com os próximos festeiros.
13º Dia – Entrega dos postos aos novos festeiros. 19
“Como traz Martinez (2001), a origem do cerimonial está na preocupação que o ser
humano sentiu em criar normas ou patamares para conduzir encontros e, acredita-se, para exercer e
demonstrar poder” diz (HASCKEL; RIFFEL, 2011, p.04).
No Antigo Egito, segundo Meirelles, o cerimonial era um ritual sagrado, e tudo girava em torno da pessoa do Faraó. Todos seus passos eram acompanhados e o ritual cerimonioso traduzia sua autoridade de Deus. […] Outro grande marco, este tido como o primeiro registro sistematizado do cerimonial, data do século XII a.C., com os chineses, que escreveram três obras que traduziam sentimento ético, respeito mútuo, dignidade, obediência às leis e costumes, para o desenvolvimento harmônico da sociedade.(INÁCIO; SILVA, 2008, p.04)
No cerimonial da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara, no último dia, em frente
à Igreja Nossa Senhora do Carmo, é feita a leitura do Pelouro, onde serão revelados os festeiros do
próximo ano.
Em Alcântara-MA, o pelouro é utilizado desde o ano de 1930 para registrar os nomes de
imperadores e imperatrizes ao longo desses anos de realização da festa do Divino Espírito Santo.
Esse pelouro que foi repassado como herança entre gerações, esteve com o Sr. Galdino, que depois
foi sucedido pelo Sr. Ricardo Leitão e que posteriormente repassou-o ao Sr. Moacir Amorim, que é
uma das maiores referências sobre a festa e personagem importante na organização para que a festa
seja realizada tradicionalmente todos os anos. (RODRIGUES; FERNANDES; SILVA, 2014)
Mesmo com a nomeação do imperador ou imperatriz do ano seguinte através da leitura
do Pelouro, o ciclo do novo imperador ou imperatriz do próximo ano só “começa” a partir da
derrubada do mastro que se dá no dia 15 de agosto.
Assim se dá o início de um novo ciclo, por meio do culto ao Divino, em que é
anunciada novamente “a chegada de um novo tempo através da propagação de seus sete dons:
fortaleza, sabedoria, ciência, conselho, entendimento, piedade e temor de Deus”. (SOARES, 2013,
p. 13)
19 Programação baseada no material do Museu Casa Histórica de Alcântara “As Caixeiras do Divino Espírito Santo. Texto: DIAS, Liz Renata L.
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A Festa do Divino é uma festa que possui rituais cerimonialísticos complexos,
carregados de normas e detalhes como explica Pereira que, “[...] por sua natureza ritual implica em
uma série de procedimentos detalhados que devem ser seguidos à risca, sem alteração. Esta
característica própria do ritual situa a performance dos personagens dentro dos limites interditos do
universo místico da festa” (PEREIRA, 2012, p.66).
A seguir será feita uma descrição mais detalhada de parte do cerimonial e da
comensalidade praticados na Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara:
Como parte do cerimonial existem o convite do Imperador ou Imperatriz do ano para as
pessoas em geral participarem e colaborarem com a festa, e as correspondências trocadas entre
Mordomos e Imperador ilustradas a seguir.
Imagem 3 – Convite do Imperador
Fonte: (LOBATO, 2013)
Imagem 4 – Carta do Mordomo Régio ao Imperador
Fonte: (BARBOSA, 2015)
97Imagem 5 – Carta do Imperador ao Mordomo
Fonte: (BARBOSA, 2015)
E além das Folias do Divino, onde as contribuições podem ser em dinheiro ou
alimentos, muito comuns são a doação de cocos, ovos e arroz, pois são ingredientes muito utilizados
no preparo dos pratos que serão servidos na festa, somam nesse sentido as cartas que os mordomos
distribuem aos amigos pedindo contribuições para sua festa, e que em sua grande maioria são
atendidas. “Quem recebe a carta entende que tem que dar uma “jóia” para a festa, ficando a quantia
de acordo com a possibilidade de cada um”. (PACHECO; GOUVEIA; ABREU, 2005)
Segue carta do Imperador autorizando o Mordomo a arrecadar donativos:
Imagem 6 – Carta de autorização ao Mordomo
Fonte: (BARBOSA, 2015)
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Para que as Folias do Divino sejam feitas em outro município, além da autorização do
Imperador, é necessário que sejam emitidos documentos da Igreja e da delegacia de Polícia Civil,
para que atestem a legitimidade do grupo.
Durante os dias oficiais de festa, no primeiro dia, como abertura oficial, acontece o
Cortejo do Mastro da Imperatriz ou Imperador e o levantamento desse Mastro. A origem da tradição
dos mastros pode ser discutida utilizando-se a proposição de Amaral (1998) que diz que os “mastros
de maio”, comuns na Europa camponesa, em comemorações aos santos juninos, antecederam-se aos
“mastros comemorativos”. Câmara Cascudo observa sobre a conservação desse costume do mastro
no Brasil:
O [É] costume plantar uma árvore pelos três santos de junho (Santo Antônio, São João e São Pedro e pendurar-lhe frutos, flores, enfeites de papel, ao som dos cantos. Nalgumas partes o mastro recebe as mesmas honras votivas. As premissas das colheitas são dispostas nessas árvores, replantadas em cantos especiais e, depois da festa, queimadas e guardado um tição que tem efeito mágico contra tempestade […]. A intenção proclamada é que a terra dará melhores e mais abundantes frutos depois dessas árvores e mastros enfeitados, muitos com sua história desaparecida e reduzidos a manter a bandeira do santo. Essas árvores e mastros votivos são reminiscências dos cultos agrários, homenagens propiciatórias às forças vivas da fecundação das sementes, ocorrendo especialmente no solstício do verão, junho, correspondendo ao do inverno para nós do Brasil”. (CASCUDO, 1969:179/189 apud AMARAL, 1998, p. 76)
Mastro é um dos símbolos mais importantes da festa, também é um dos momentos que
reúne a maior quantidade de pessoas das etapas do festejo, o levantamento e a derrubada do mastro
são os momentos que a população geralmente mais jovem assume os rituais da festa. Normalmente
o mastro é fincado próximo da Casa do Divino (Paço Imperial) na Praça da Matriz, que também é a
mais central e principal praça da cidade.
Esse é um dos dias mais alegres do período, principalmente porque são distribuídos
licores aos foliões durante o cortejo do mastro, com a banda de músicos e caixeiras, quando o
mastro para em todas as casas de festa para que seja batizado e defumado e para que sejam
distribuídos mais licores.
É por esse batismo que o mastro, que antes era um pau comum, se sacraliza. Baseado
nas ideias de Barbosa (2006) pode ser entendido como a morada do Espírito Santo, funcionam
como um ponto de vigília sobre o mar simbólico, para aguardar a chegada do Bento Filho de
Portugal. (BRITO,2014)
Na foto 11, a seguir, o mastro em cortejo pela Rua Grande em Alcântara:
99Foto 11 – Cortejo do Mastro
Fonte: (REIS, 2014)
No alto do mastro colocam-se cachos de cocos e bananas e garrafas de licor. Em
seguida ao levantamento do mastro há a distribuição de doces, principalmente bolos de tapioca,
armazenados em cofos de palha, para que sejam disputados “No muro”. Esses bolos são produzidos
somente para o levantamento de cada mastro.
BUSCAMENTO E LEVANTAMENTO DO MASTRO – indica o início da festa a partir de um dos seus principais símbolos: o mastro37 em cuja ponta é colocado o mastaréu (pequena bandeira de madeira com uma pomba pintado ao centro). Além disso, o mastro também é utilizado como elemento de demarcação e localização da festa (PEREIRA, 2012. p.32).
O “Mastro é o elemento central que compõe o espaço externo do festejo” analisa Brito
(2014, p.61), antes de haver o Levantamento do mastro, ele é ornamentado com uma planta
chamada Murta e em cima dele é colocado o Mastaréu, que a mesma autora (2014, p.62) conceitua
como:
Estrutura feita de madeira com forma retangular. Contém a imagem da pomba branca ou a coroa retratada na bandeira, depositada no alto do Mastro. Dentro desse recipiente costuma-se colocar um bolo de tapioca. Em algumas bibliografias, como vemos em Barbosa (2006), a palavra Mastaréu aparece escrita dessa forma. No entanto, Pacheco et al (2005) a descrevem como – mastarel. As duas formas, mesmo que diferentes em sua etimologia apresentam os mesmos significados.
Na Quinta-feira da Ascensão têm-se a Alvorada das Caixeiras no Mastro do Império,
Missa solene na Igreja de Nossa Senhora do Carmo com a coroação do Imperador ou da Imperatriz,
Cortejo pelas principais ruas retornando até a Casa do Divino e a Prisão dos Mordomos pelo
100
Império.
As caixeiras são as mulheres que tocam caixa e cantam em louvação ao Divino Espírito
Santo e que há muitos anos conduzem o culto no Maranhão, podem ser entendidas como as
sacerdotisas dessa celebração. É considerado um ofício, “uma prática socialmente reconhecida”.
Características como afinação, vasto repertório, capacidade de improviso, conhecimentos dos
rituais, saber ensinar e liderar o grupo são qualidades que as distinguem e lhes conferem
consideração e respeito. (BARBOSA, 2009)
“Alvorada é o momento em que as Caixeiras entoam cantigas diante do Mastro ou da
Tribuna, destacando as horas marcantes do ciclo do dia: por volta de 4h30, antes do nascer do sol;
no pino do dia, às 12 horas; e no findar do dia, às 18 horas”. (BRITO, 2014, p.49) A Alvorada em
Alcântara acontece às 05:00 h ao pé do mastro. Quando acaba saem juntos as bandeirinhas e
mestre-sala acompanhados da orquestra, seguindo até a casa do Imperador, onde será servido um
café da manhã. Então os músicos, as caixeiras, os mestres-salas se dirigem a casa de seus
respectivos mordomos para levá-los até a Casa do Divino, para em seguida saírem em cortejo até a
Igreja do Carmo, onde será realizada Missa Solene da Ascensão do Nosso Senhor.
Na Missa solene, às 09:00 h o Imperador ou Imperatriz é coroado(a) pelo pároco. Em
Alcântara o trono é alternado a cada ano entre Imperador ou Imperatriz.
Essa cerimônia nos remete ao cerimonial de sagração da coroa portuguesa que para
Oliveira (2007, p. 145). “vem ratificar aquele que fora escolhido por Deus e pelo povo como seu
representante, marcando-o com o selo sagrado da inviolabilidade”
Nesta ocasião é solta durante a celebração uma pomba branca, que representa a Festa do
Divino Espírito Santo e simboliza a paz.
Neste dia está reservada a cor branca a todos os festeiros do trono para suas roupas.
Depois da coroação ao final da missa, todos seguem em cortejo até a Casa do Divino onde será
servido um farto banquete com doces, licores e chocolate. Entre os doces servidos estão o doce de
espécie, o doce seco, o bolo de chocolate, doce de buraco, uma xícara de chocolate quente e
pastilhas, o doce de espécie é o de maior destaque.
A principal bebida alcoólica servida nas Casas de festa é o licor que é produzido durante
todo o ano. Mas apesar da resistência do licor como um dos principais símbolos da Festa em
Alcântara, houve algumas mudanças durante o passar dos anos, atualmente também são consumidos
a cerveja, o refrigerante, o vinho (mesa das caixeiras). Assim como as pastilhas que eram
tradicionalmente feitas de forma artesanal passam a serem trocadas por bombons industrializados.
101
Na Foto 12 a seguir, o Imperador da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara no
ano de 2015 em frente ao altar na Casa do Divino:
Foto 12 – Imperador
Fonte: (REIS, 2015)
Neste mesmo dia, às 15:00h, o Império ordena ao Vassalo da Espada para fazer a prisão
de todos os mordomos, iniciando pelo Mordomo Régio. Então ele sai pelas ruas para fazer as
prisões ao som do batuque cadenciado das caixeiras. Os presos são levados ao Mastro do Império e
somente são libertados ao oferecerem prendas ao Divino, retornando acompanhados da orquestra
aos seus respectivos Paços.
No terceiro dia do evento acontece o Cortejo, logo após do Levantamento do Mastro do
Mordomo Régio ou Mordoma Régia e a Ladainha na Igreja do Carmo.
Normalmente é durante a tarde que é feito o levantamento do Mastro do Mordomo
Régio em cerimônia similar à do Mastro do Império. Nele também são colocadas as frutas como
cocos e bananas e garrafas de licores. Na foto 13 o Mastro identifica o Paço do Mordomo Régio por
estar fincado à sua frente:
102Foto 13 – Mastro do Mordomo Régio
Fonte: (REIS, 2015)
Sua representação simbólica também se dá na tessitura que está na ligação entre céu e
terra. Nessas polaridades, na terra ele é enraizado na cultura dos atores sociais. Pela sua altura, ele
sinaliza a localização da casa da festa e se torna um eixo daquele mundo imaginário e de fé que se
instala naquele período, após seu levantamento, um mundo movido pela esperança de um tempo
novo, que se dará o Império do Espírito Santo, tempo de abundância, que nesse momento do festejo
também é representado pelas refeições compartilhas entre as pessoas (BRITO, 2014).
O quarto dia é marcado pela Alvorada das Caixeiras e músicos no Mastro do Mordomo
Régio ou Mordoma Régia, Ladainha na Igreja do Carmo e Visita do Mordomo Régio ou Mordoma
Régia ao Império.
Na festa o posto de Imperatriz/Imperador é correspondente à autoridade máxima, depois
vem os mordomos que subdividem-se em Mordomo Régio e Mordomos-Baixos. O Mordomo Régio
é a segunda pessoa nessa hierarquia, é o encarregado das ordens de serviços do Império. A sua cor
oficial é o verde, na foto 14 o altar do Mordomo Régio em 2015:
103Foto 14 – Al tar
Fonte: (PAIVA, 2015)
Esse é o principal dia para esse festeiro, às 05:00h acontece a Alvorada no Mastro desse
Mordomo, ao meio dia será servido banquete para almoço de convidados e visitantes no Paço do
Mordomo. Após a Ladainha na Igreja do Carmo, por volta das 22:00h, a primeira visita é a do
Mordomo Régio que, após receber autorização do Imperador, vai a todas as casas dos outros
mordomos para “dar o vivo” e ao final segue para a casa do Império onde será oferecido um farto
banquete de doces servidos com chocolate quente e licores.
A seguir na foto 15, a Visita festiva e solene do Mordomo Régio à Casa do Império:
Foto 15 – Visita do Mordomo Régio ao Império
Fonte: (PAIVA, 2014)
Na foto 16 o Imperador retribui a Visita do Mordomo Régio oferecendo-lhe um
banquete e após essa cerimônia é o Mordomo Régio quem recebe em sua casa seus convidados com
o tradicional banquete de doces servidos em mesas ornamentadas como na foto 17:
104Foto 16 – Banquete na Visita ao Imperador
Fonte: (REIS, 2014)
Foto 17 – Mesa no Paço do Mordomo Régio
Fonte: (PAIVA, 2014)
No Domingo do Meio, que é o quinto dia oficial do festejo estão na programação a
Missa solene na Igreja do Carmo seguida de Visita do Império aos Mordomos.
Nesse dia todos os mordomos reúnem-se às 10:00h na Casa do Divino para seguirem à
missa. Depois da cerimônia litúrgica o cortejo é recebido na casa de todos os festeiros que até as
17:00h serão visitados, sendo que as visitas do Imperador iniciam-se pelo Paço do Mordomo Régio.
Na foto 18 a Missa no Domingo do meio na festa de 2015:
105Foto 18 – Missa no Domingo do Meio
Fonte: (REIS, 2015)
Para este dia não existe uma cor pré-determinada, ela é previamente combinada com a
coordenação da festa, normalmente é dito que essa cor pode ser verde, azul, amarelo e creme. Mas
se abre espaço para algumas variações, como foi o caso da cor salmão escolhida em 2015.
No ano do Imperador quem o acompanha são os Vassalos da Espada e da Santa Croa,
são os guardiões do trono, responsáveis por sua segurança, para a Imperatriz servem de damas de
companhia as Aias e para sua proteção tem-se o Vassalo da Espada.
Todas as casas são ritualmente defumadas antes da chegada da visita do Imperador,
como uma forma de purificação do ambiente para recebê-lo e ao mesmo tempo abençoar aquela
morada que recebe o Divino Espírito Santo. Nesse momento todos os festeiros estão devidamente
preparados com seus banquetes para receber a todos os que acompanham o Imperador em cortejo.
A seguir na foto 19, segue o cortejo do Imperador em direção a casa dos Mordomos
para cumprir o cerimonial das visitas, composto por dois Vassalos, três Caixeiras, três
Bandeirinhas, um Bandeireiro, Mestres-salas, Mordomas, banda de músicos e outros:
Foto 19 – Cortejo do Imperador – Visita a Mordomos
Fonte: (REIS, 2015)
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Na foto 20 o Imperador visita a Mordoma e é recebido com banquete de doces e
chocolate servidos a todos os que acompanham o Imperador em cortejo e aos convidados da
Mordoma:
Foto 20 – Visita do Imperador a Mordoma
Fonte: (REIS, 2015)
Em todas as visitas acontece o mesmo ritual, existe um cerimonial para recebimento do
Império na sala em que está disposta a tribuna, com a participação das Caixeiras e Bandeirinhas
para que em seguida todos os presentes irmanem-se por meio do alimento. Nas visitas são muito
perceptíveis os momentos de comensalidade que existem entre os presentes.
Durante o sexto ao nono dia acontecem as Ladainhas na Igreja do Carmo seguidas das
Visitas de Mordomos ao Império.
A seguir na foto 21, o salão do altar e da tribuna onde serão recebidos inicialmente os
Mordomos em Visita ao Império:
Foto 21 – Altar e Tribuna na Casa do Império
Fonte: (PAIVA, 2014)
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As festivas e solenes visitas, como são chamadas, representam um ato de cortesia entre
os festeiros de cada ano. Cada festeiro (mordomo) tem o dia que ficará sob seu comando a visita
que se dá seguindo o seguinte ritual: às 05:00h tem a Alvorada de toque de caixa ou banda de
música, seguida da ciganagem feita por meninos e meninas da cidade que passam pedindo nas
casas: “bota uma coisinha aqui!”, logo são agraciados com dinheiro, temperos para o almoço que
será servido por esse festeiro e quaisquer outras coisas. Atualmente a ciganagem é uma forma de
expressão que corre o risco de desaparecimento, pois quase já não é praticada. Nesse dia o festeiro
do dia serve o seu principal banquete no Almoço, os moradores mais idosos contam que esse
banquete servido no almoço pelos festeiros surgiu da necessidade de alimentar as pessoas que
trabalhavam voluntariamente nas Casas de Festa, mas com o tempo tornou-se uma tradição
alimentar quantos fossem que aparecessem naquele dia. Esse é um dos momentos mais esperados
pela comunidade e turistas, as casas estão sempre cheias, mas sempre há a partilha do que é servido
entre todos que ali se encontram, assim a comensalidade se mostra como algo essencial nessa troca,
porque ali o comer junto e estar junto ao outro são o mais importante. Depois do almoço a casa é
ornamentada para a noite, quando a banda de música daquele mordomo, em cortejo vai buscar os
outros mordomos para a Ladainha.
Foto 22 – Balões artesanais para cortejo
Fonte: (PAIVA, 2015)
Após a Ladainha o festeiro do dia sai em cortejo pelas casas dos outros festeiros, junto
às Caixeiras, Bandeiras, Mestre-sala, banda de música e com luminárias coloridas com velas, como
na foto 22, para iluminar o percurso como no tempo em que não havia iluminação elétrica nas ruas
(feitos artesanalmente em madeira e recobertos com papel-celofane), fogueteiros que anunciam a
chegada do cortejo e outras pessoas da comunidade que acompanham o festejo, deixando os
108
festeiros em casa e seguindo somente o Mordomo do dia para a parte mais esperada da cerimônia
que é a visita ao Imperador ou Imperatriz.
Na chegada à casa, o Mestre-sala se pronuncia, fazendo a seguinte saudação: “Viva o
Espírito Santo no Paço!” Em seguida responde o dono da casa: “Viva o mordomo no transe!”
O Vassalo da Espada diz: “Caminha-se a Casa do Império e lá encontrará a corte
completa”, onde acontece a troca da Santa Croa com o Divino Espírito Santo. Quando se encontram
o representante do império com os Mordomos há uma troca de Croa e bandeiras.
Na chegada ao Império o Mestre-sala faz a saudação: “Viva sua Majestade Imperial!”
Responde em seguida o Mestre-sala do Império: “Viva o Divino Espírito Santo! O Mordomo que
veio visitar sua Majestade Imperial!”
Por fim, é concluído o cortejo na casa do Mordomo do dia cantando o viva, dizendo:
“Viva O Divino Espírito Santo que acabou de chegar de visitar sua Majestade Imperial!”, seguido
do ritual de defumação da casa, a dança das caixeiras e novamente o tradicional banquete de doces
com chocolate quente “no ovo” e licores. Para esses banquetes as mesas são cuidadosamente
arrumadas como na foto 23.
Foto 23 – Mesa preparada para receber convidados do Imperador
Fonte: (PAIVA, 2015)
Pereira define a Visita (2012, p.32) e atenta para a disputa social que existe entre os
componentes do Império:
VISITA DOS IMPÉRIOS – trata-se de visitas que, em cortejos, os personagens do Império fazem uns aos outros em suas residências. É um momento repleto de descontração, mas
109também de tácita disputa entre os personagens que buscam, através de investimentos feitos por sua família, superar aos outros na oferta de doces e bebidas. Este é um dos momentos da festa cujo cenário é a rua por onde passam os personagens em cortejo.
Um destaque especial para a decoração das casas dos festeiros, toda casa onde terá festa
é reconhecida pela decoração com bandeirinhas na sua porta ornamentando a rua de um lado ao
outro.
No salão principal, na casa de cada mordomo, é montada a tribuna e montado um altar
de madeira geralmente revestido com tecidos brilhosos como cetim e ornamentados com rendas e
flores como na foto 24:
Foto 24 – Altar e Tribuna em Casa de Festa
Fonte: (PAIVA, 2015)
É costume que todo festeiro ofereça um boi para a festa, às 15:00h desse dia os bois de
todos os Mordomos passam em desfile ou “corrida”, amarrados por questão de segurança dos
brincantes, e percorrem um caminho pela cidade passando na casa de todos os festeiros ao som do
toque das caixeiras que marca o momento do início da Subida do Boi e da banda de música. O
nome Subida do Boi é devido ao ponto de partida ser em uma das maiores e mais tradicionais ruas
de Alcântara, a Ladeira do Jacaré.
Neste ritual os jovens se divertem provocando os bois que reagem perseguindo esses
brincantes mais corajosos.
Muitas pessoas locais e turistas acompanham somente observando a brincadeira. Depois
quando acaba a Subida do Boi, eles são devolvidos aos seus respectivos donos. Durante a
madrugada do décimo primeiro dia da festa são sacrificados os bois colocados na Subida do Boi
110
pelos festeiros no dia anterior, para que seja repartida a carne e parte dela, durante o dia, distribuída
como o tradicional “bodo”, que em Alcântara é entendido como a doação de esmolas aos idosos
pobres, à noite ocorre a Ladainha na Igreja do Carmo com a presença do Império e Mordomo,
seguida da visita do Imperador aos Mordomos.
Junta-se à carne, verduras, ou pães, ou outros gêneros alimentícios para que sejam
doados aos mais necessitados.
Quase não existem registros conhecidos a respeito da existência de celebrações ao
Espírito Santo anteriores ao modelo instituído em Alenquer – Portugal, é conhecido que por volta
de 1295 já havia o bodo aos pobres nessas festas. (SOUSA, 2013)
A seguir na foto 25 o tradicional bodo português praticado na festa de Alcântara:
Foto 25 – Doação de carne e verduras
Fonte: (PAIVA, 2014)
A outra parte da carne repartida é dada em agradecimento as pessoas que ajudaram
trabalhando para a realização da festa naquele “Paço”.
Essas pessoas que trabalham arduamente para que a festa aconteça, em sua maioria, são
voluntários que dedicam muitas horas por dia para que tudo seja repetido e reencenado de acordo
com a tradição, a cada ano. Entre eles estão costureiras, bordadeiras, ornamentadores, cozinheiras,
doceiras, forneiros, ajudantes de cozinha, ajudantes em geral, entre outros.
As fotos 26 e 27 registram outras manifestações de caridade e amor ao próximo no dia
destinado para as doações das “esmolas” aos pobres.
É extensa a rede de interações que é construída a partir do convívio desses grupos nas
111
casas de festas, onde esforços e satisfação são justificados pela busca em cumprir seu dever
religioso e também o social perante a comunidade a qual está inserido.
Uma outra forma em que os festeiros praticam o bodo20 é pela distribuição de cestas
básicas, utilizando os mantimentos que foram arrecadados por meio de doações. O costume é
dividir e doar todos os mantimentos que sobraram aos que precisam, às Caixeiras e a todos os que
ajudaram na realização da festa, como uma forma de retribuição e agradecimento.
Foto 26 – Bodo aos idosos
Fonte: (PAIVA, 2014)
Foto 27 – Doações de cestas básicas aos pobres
Fonte: (REIS, 2015)
À noite inicia-se o final do ciclo de visitas, pois a visita do Imperador/Imperatriz é a 20 Doação de alimentos aos pobres comum em Portugal
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última, ela também poderá ser realizada na sexta-feira de acordo com cada festeiro, mas geralmente
acontece no último sábado. Nesse dia todos os festeiros, sem exceção, o recebem. Sendo que por
sua vez ele é o único que recebe todas as visitas.
Nas visitas, os Mestres-salas possuem papel fundamental para que tudo ocorra bem no
cerimonial a ser rigorosamente obedecido no percurso das visitas, nos Paços dos Mordomos e na
Casa do Império. É de sua responsabilidade a organização e governança nesses lugares. Geralmente
comandam os serviços administrativos da realeza.
O décimo segundo dia é o ponto alto da festa, denominado Domingo de Pentecostes.
Domingo de Ramos, início da Semana Santa, anúncio do drama da Paixão, festa da Aleluia, Páscoa da Ressurreição…Cinquenta dias depois disso, é a hora de celebrar Pentecostes, a vinda do Espírito Santo, trazendo aos discípulos iluminados pelo fogo do seu poder a certeza de que o Cristo vive e que eles devem peregrinar pelo mundo levando a todos a palavra da salvação por Ele prometida. (SILVA, 2013, p.29 e 30)
Nesse dia é celebrada uma Missa solene na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, às
10:00h, seguida de Cortejo pelas principais ruas retornando até a Casa do Divino onde será servido
o principal banquete para o almoço aos Mordomos e demais convidados. Depois, às 16:00h,
acontece a Procissão com a Coroa do Divino pelas principais ruas retornando dessa vez à Igreja do
Carmo para que ao final seja feita a Leitura do Pelouro com os próximos festeiros. Em seguida, no
período noturno, são realizadas as ladainhas nas casas dos festeiros em louvação ao Divino Espírito
Santo.
Sobre o dia em comemoração a Pentecostes consta:
Como retribuição a graça divina, a Rainha teria promovido uma grande festa para o Espírito Santo, com o tradicional costume de distribuir o bodo, que se constituíam em esmolas para os pobres. Teria sido nessa ocasião, dia de Pentecostes, que a Rainha coroou um rei, alguém do povo, numa clara inversão de papéis e possivelmente inspirada pelas teorias milenaristas de Joachim di Fiori. (PEREIRA, p. 22, 2012)
Por isso é considerado um importante dia, sua comemoração se dá em função de seus
principais preceitos como igualdade e irmandade, simbolizados pelos atos da Rainha Santa ceder
seu trono para o cristão mais pobre que se encontrasse na capela real e por servi-lhe um banquete.
(JACHEMENT, 2006)
No último dia da festa ocorre a entrega dos postos aos novos festeiros do próximo ano,
esses recebem seus postos em suas casas ao som dos toques das caixeiras do Império, junto aos
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mestres-salas, bandeireiro, bandeirinhas e outros.
“As Festas nos Açores e no Maranhão mantêm muitos pontos em comum, no que diz
respeito ao ritual e à essência da festa” afirma Rocha (2010, p.144). Entre algumas das
similaridades existentes na Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara no Maranhão e a Festa do
Divino Espírito Santo da Ilha do Pico nos Açores – Portugal estão a presença da coroa, bandeirinhas
de papel, o uso das caixas, o compasso do toque de caixas, cortejos, presença de crianças no cortejo,
bandeiras, presença do padre, celebração de missas, banda de músicos, altares, bodo, as rosquilhas
(estas são bem menores em Alcântara e chamam-se rosquinhas) e a tradição e sentido da
distribuição das rosquilhas portuguesas como símbolo de solidariedade e amizade parecido com o
que representa a distribuição do Doce de Espécie em Alcântara durante os dias de festa.
Corrêa consubstancia essa ideia:
Podemos encontrar um ritual semelhante em Alcatra (sic), no Maranhão, região que recebeu uma grande leva de povoadores ilhéus, no século XVII, e onde as vacas são enfeitadas com flores e laços para seguirem em uma espécie de desfile em direção ao matadouro, inclusive com distribuição de leite, lembrando um pouco o que acontece nos Açores403 (CORRÊA, 2012, p.192).
Entre os principais signos da Festa do Divino Espírito Santo figuram o fogo sagrado, a
pomba, a Santa Croa, a bandeira do Divino, caixas, altares, a coroa, o cetro e as indumentárias.
O Fogo e a Pomba simbolizam o próprio Divino Espírito Santo:
Sem forma física humana, gênero ou idade, sua iconografia pode ser encontrada nos vários relatos bíblicos que discorrem sobre suas aparições na terra, a saber; como língua de fogo ou sarça ardente, e como pomba branca, aliás, referências bastante encontradas nas concepções estéticas e simbólicas da Festa do Divino. As menções ao Espírito Santo se encontram tanto no Antigo quanto no Novo Testamento e, por ora, pode-se pensar em um momento crucial para o início da adoração ao Espírito Santo no Ocidente: a descida do Divino sobre os apóstolos narrada pela Bíblia, e que contribuiu fundamentalmente para a compreensão sobre a aproximação entre o Espírito Santo e os cristãos. É no Novo Testamento que o Espírito Santo manifesta-se através de 'línguas de fogo' aos apóstolos e à virgem Maria no dia de Pentecostes, cinquenta dias após a ressurreição de Cristo representada pela Páscoa Cristã. (PEREIRA, 2012, p.17)
A Santa Croa é uma coroa de prata maciça com uma pombinha, pertencente à Igreja, ela
é entregue e confiada ao Imperador/Imperatriz até o término da festa, sendo sua guarda de
responsabilidade do Vassalo ou da Aia.
A Coroa que na cabeça do Imperador é símbolo de poder, quando colocada na salva ou
114
no altar da tribuna é a representação da presença do Divino Espírito Santo, a Santa Croa. (ROCHA,
2008) O Divino Espírito Santo dos mordomos pode ser na cor branca, vermelha ou da cor que será
usada no quinto dia (domingo do meio), possui uma pombinha de gesso ou madeira e é todo
enfeitado.
A Bandeira é quem anuncia a chegada do Divino, é conduzida à frente do Cortejo
Imperial. Nos rituais cerimonialísticos da festa ocupa um lugar de destaque que para Corrêa (2012,
p.81) é explicado pela sacralidade que lhe atribuem:
Para além das interpretações dada aos elementos simbólicos contidos na bandeira, esta atinge, em épocas das festas, um caráter propriamente divino, sendo mesmo adorada pela população. Assim como a coroa, a bandeira sai do espaço sagrado e transforma em sagrado as residências por onde passa, ao menos por um determinado período de tempo, acompanhando as outras insígnias por sua peregrinação durante as domingas ou os peditórios.
As Bandeiras do Divino são parecidas em quase todos os lugares, com isso indicando
fraternidade e igualdade diante do Divino Espírito Santo. Sua cor vermelha, simboliza a cor de
Pentecostes, torna presente as línguas de fogo que envolveram as cabeças dos apóstolos em
Jerusalém, onde esperavam a vinda do Espírito de Jesus. (SILVA, 2013)
As Caixas “são instrumentos musicais de percussão, do tipo membranofone, que
produzem som quando percutidas por baquetas” (ROCHA, 2008, p. 48) sempre tocadas por
mulheres em Alcântara, as Caixeiras do Divino Espírito Santo.
O altar sempre é montado no salão principal da Casa de Festa, fica disposto entre a
tribuna e “na festa são as crianças que ocupam o lugar mais nobre, em torno do altar do Divino, em
suas cadeiras adornadas de símbolos imperiais, onde são contemplados por todos”. (BRITO, 2014,
p.84) Por ser local sagrado que eleva o Divino Espírito Santo, nele são colocadas as insígnias
sagradas da festa que simbolizam o Divino.
Tais altares contêm ao seu lado uma espécie de trono, onde se sentam os representantes do império. Alguns dos artesãos que os produzem também dominam o saber e as técnicas relativas à ambientação e ornamentação das casas dos festeiros, que, no caso de Alcântara, podem chegar a 12. Alguns deles desempenham também a função de guias dos rituais, como mestres-salas, por deterem o conhecimento sobre todos os detalhes das cerimônias (SOUZA FILHO; ANDRADE, 2012, p.80).
A confecção de altares e a confecção da roupa do santo são uns dos ofícios que devem
ser salvaguardados seu saber-fazer, o primeiro surge da necessidade de estruturas próprias
115
adequadas à realização da festa e o segundo relaciona-se ao primeiro, porque trata-se do trabalho de
mulheres que vestem e adornam a imagem que será colocada sobre o altar, estas ornamentam
também a Santa Croa. (SOUZA FILHO; ANDRADE, 2012)
A Coroa e cetro são os símbolos do poder real. A Coroa investe poder a quem é
escolhido para usá-la, é o “símbolo do Reinado do Divino Espírito Santo, é lavrada em prata e faz
parte do Conjunto Império, com o cetro e a salva (bandeja de prata). Na maior parte das localidades
onde se realiza a festa, a coroa foi trazida dos Açores em anos remotos”. (SCHAUFFERT, 2003,
p.57) A Coroa da festa de Alcântara é de prata maciça, permanece durante todo o ano sob a guarda
da Igreja Católica e durante o período do festejo a guarda é repassada ao Imperador/Imperatriz
escolhido.
No período Renascentista, as cortes europeias apresentavam características diferentes no
modo de vestir, mas muito se assemelhava devido às influências que umas exerciam sobre as outras.
No movimento Barroco a indumentária é marcada pela ostentação e exagero, contudo as cortes
europeias mantiveram cada uma, suas características particulares (SILVA, 2009).
Sugere-se que a indumentária usada pelos componentes do Império da Festa do Divino
de Alcântara seja influenciada por características do que era usado pelas cortes europeias no século
XVII, inspiradas principalmente nos modelos da corte portuguesa.
Nas indumentárias figuram entre as principais cores o vermelho: que representa o
Espírito Santo e o Branco: que representa a paz do Divino e o advento de nosso senhor a terra.
Na Quinta-feira de Ascensão quem impera é a cor branca, Mordomos, Festeiros,
Mestres-salas, Caixeiras e Bandeirinhas, se caracterizam com ela para que possa ser visto a paz
derramada pelo Espírito Santo na cidade.
Como dito anteriormente, para o domingo do meio não existe uma cor pré-determinada,
é decidida entre os festeiros e a organização do evento.
O vermelho e o branco também são as principais cores dos trajes dos Mordomos que
simbolizam a nobreza. Podem escolher a cor que usarão em alguns dias, mas no dia de sua Visita e
nas entregas das esmolas suas vestimentas são tradicionalmente brancas. O dia de entregas das
esmolas é o mesmo dia da Visita do Imperador aos Mordomos, na véspera de Pentecostes a cor
usada por toda corte também é o branco.
No Domingo de Pentecostes a cor usada é a vermelha, representa o Fogo Divino
irradiando sobre a cidade os sete dons: piedade, conselho, divina ciência, temor a Deus, sabedoria,
fortaleza e entendimento.
116
E particularmente em Alcântara, o Licor de Jenipapo e o Doce de espécie ocupam lugar
de destaque no quesito de signos que tenham representatividade na festa do Divino Espírito Santo.
Câmara Cascudo (2011, p.784) esclarece que “os licores são do século XVIII, franceses
em maioria, vindos de Portugal e prelibados lentamente pela gente poderosa e rica do vice-reinado.
Nunca o licor se popularizou nas camadas humildes”.
Reafirmando a esse pensamento Souza (2004, p. 06) observa que:
O vinho não chegou a fazer parte – como ainda não faz – do cotidiano nacional, a não ser de setores da elite, e de um ou outro bebedor minoritário. Eram consumidos – os importados de Portugal, especialmente das ilhas portuguesas – basicamente nos engenhos, e apreciados também por seu atribuído valor terapêutico.
No Brasil Colonial a cachaça era a bebida mais popular, era dada aos escravos para
“incentivá-los” ao trabalho ou como uma forma de “premiá-los”. O vinho e o licor eram tidos como
bebidas de rico ou somente consumidas em festas e que pelo preço nunca foram bebidas apreciadas
cotidianamente pelo povo e pela classe média. (SOUZA, 2004)
A inserção do licor na festa de Alcântara pode ter um significado correlacionado aos
ideais de igualdade e sua origem encontra-se nas raízes portuguesas da colonização brasileira:
Para além dos alimentos, o português levou “conhecimentos e práticas de cozinha e de produtos que conhecera em outras culturas. Trouxeram também modos de temperar, preparar, confeccionar e conservar alimentos” (Hamilton, 2005:65). A matrona portuguesa aprimorou muitos pratos indígenas, criou doces, conservas com frutas e raízes da terra, vinho e licor de caju, castanha de caju no lugar da amêndoa, etc. (Dutra, 2005). (MARTINS; BAPTISTA, 2010, p. 537)
O licor de Alcântara é muito conhecido no Maranhão, sua divulgação se deu
principalmente por serem distribuídos gratuitamente milhares de garrafas de licores durante a Festa
do Divino Espírito Santo na cidade. Muitas famílias trabalham meses arduamente na produção dos
licores para que a tradicional distribuição de licores seja mantida nos dias dos Mastros e para que
sejam sempre oferecidos nas Visitas ao Império e às casas dos Mordomos.
É tradicional que cada membro da corte colabore para que haja fartura dessas bebidas a
cada ano, estima-se que cada Mordomo colabora com no mínimo 500 litros de licores, o Mordomo
Régio com 2.000 e o Imperador/Imperatriz doa em torno de 4.000 a 5.000 litros de licores para que
sejam distribuídos e oferecidos durante os dias de festa.
“Do mesmo modo, a fabricação de licores de frutas diversas, assim como a do chamado
117
chocolate, são atividades inerentes à festa do Divino, pois, como o doce de espécie, são fartamente
servidos em vários momentos das cerimônias”. (SOUZA FILHO; ANDRADE, 2012, p.80)
Os licores de Alcântara têm como principal matéria-prima as frutas regionais, entre eles
o mais procurado é o Licor de Jenipapo, mas eles também são produzidos por meios da infusão do
caju, maracujá, canela, cravinho, abacaxi, cajazinho, graviola, tamarindo, acerola, murici,
vinagreira, café, entre outros.
O Licor e o Doce de Espécie estão presentes em momentos importantes das cerimônias
de celebração ao Divino Espírito Santo e podem ser considerados os principais símbolos materiais
da comensalidade praticada na festa. O Doce de Espécie, apesar de ser muito apreciado e ter seu
lugar garantido como principal doce a ser oferecido no festejo, pouco se sabe sobre a sua origem.
Sabe-se que a miscigenação entre várias culturas fez com que a culinária maranhense se
diversificasse por meio das influências portuguesa, africana e indígena.
Para destacar a contribuição portuguesa na culinária maranhense emprestamo-nos do
pensamento de “Zelinda Lima, culinarista maranhense, também fala em seu livro (Pecado da gula),
que é herança portuguesa a arte de preparar doces entre os maranhenses, assinalando então,
progresso de aculturação (LIMA, 1998)”. (RODRIGUES; FERNANDES; SILVA, 2014, p.07)
Os doces foram uma das maiores contribuições que os portugueses nos deixaram e nos
seus preparos podem ser percebidas muitas de suas técnicas culinárias. O desenvolvimento dessa
doçaria foi propiciado pelas plantações da cana-de-açúcar do século XVII, deve-se ao açúcar a
criação de muitos doces brasileiros inspirados em criações portuguesas. (MARTINS; BAPTISTA,
2010, p. 537)
Uma das possibilidades apontadas sobre o Doce de Espécie é de que ele seria de origem
portuguesa, mais precisamente da Ilha de São Jorge, nos Açores. (RODRIGUES; FERNANDES;
SILVA, 2014)
Em Portugal existe um doce chamado “Espécie”, mas não é igual ao doce de Alcântara21
e nem é feito com os mesmos ingredientes, sua semelhança está no nome, no uso de forno de barro
para assá-lo e no formato lembra um pouco o de Alcântara, que também pode ser feito redondo com
um cabinho de massa para segurá-lo ou em formato de coração.22
Mesmo que o doce tenha se originado a partir do tradicional “Espécie” da região
Açoriana, é nítido que sofreu mudanças em seus ingredientes, para adaptá-lo aos que havia
21 No Doce de espécie de Alcântara o principal ingrediente é o coco ralado.22 Disponível em https://youtu.be/S5cQ8Px5NQA
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disponível na Colônia, e nos modos de fazer por causa da miscigenação.
O doce de espécie é produzido em grande escala na Festa do Divino Espírito Santo, são
muitos os envolvidos na produção desses doces em cada Casa de festa, eles além de serem
alimentos, significam também parte da história dos alcantarenses. Para Rodrigues et al (2014, p.05):
Os produtos tradicionais também são denominados ‘produtos com história’, pois se constituem e fazem parte da história social de uma determinada cultura. Vindos de um longo tempo, através de gerações que os foram produzindo e recriando, esses produtos marcam um processo que reúne relações sociais e familiares, num encontro entre o saber e a experiência; portanto, a produção desses alimentos é, ainda, uma arte construída ao longo do tempo através da tradição familiar (ZUIN, 2008, p. 13).
Para alguns moradores o doce de espécie é responsável pela geração de renda, mas
acima disso ele está presente nas relações sociais e familiares. O saber fazer é repassado e
construído sucessivamente, (re)definindo assim uma identidade cultural própria. É importante
lembrar que um produto tradicional envolve os ingredientes, os métodos e técnicas de preparo, as
“formas de sociabilidade e sistemas de significados que se fundamentam nas características do
território” e na experiência idiossincrática de quem o produziu. A culinária típica de uma região é
moldada nos ingredientes disponíveis na região em conjunto com os costumes alimentares nativos e
com as técnicas que lhes foram ensinadas. (RODRIGUES; FERNANDES; SILVA, 2014)
“Não se preserva um prato, mas sim o saber-fazer. (MÜLLER; AMARAU, Revista
Thema, 2012). Conforme Sena (2008) os bens patrimoniais nacionais representam uma narrativa
sobre a trajetória do que é ser brasileiro, ou ainda o que se busca ser”. (RODRIGUES;
FERNANDES; SILVA, 2014, p.05) por isso é importante ressaltar que no inventário de referências
culturais de Alcântara feito em 2009 pelo IPHAN,
No tocante aos ofícios e modos de fazer, foi inventariada a preparação de alimentos rituais, destacando-se o chamado doce de espécie, iguaria apreciada por moradores e turistas, cuja popularização se deve à sua distribuição como dádiva durante a festa do Divino. Os doces são itens imprescindíveis nos rituais de comensalidade estabelecidos entre os festeiros, sendo distribuídos aos presentes também após as ladainhas. Entre estes, se estabelece uma ampla rede de reciprocidade, configurada pelo intercâmbio de gestos, versos e fórmulas de tratamento, cânticos, danças e banquetes. (SOUZA FILHO; ANDRADE, 2012, p.80)
O Doce de espécie de Alcântara possui uma relação muito especial com a Festa do
Divino Espírito Santo, as pessoas não lembram de ter havido uma Festa que não tenha tido o doce.
Para se ter uma ideia, em Alcântara “a aprendizagem do doce pode acontecer em duas situações, as
119
que ocorrem através do conhecimento passado por gerações e as que conheceram por participar da
festa do divino espírito santo” (RODRIGUES; FERNANDES; SILVA, 2014, p.07).
Mais importante do que serem símbolos da festa, os licores, o doce de espécie e os
outros alimentos consumidos nas Casas de festas são os responsáveis pelas interações sociais e pela
comensalidade proporcionada pelas refeições, vimos que em quase todos os rituais da festa está
presente a comensalidade. Da Aleluia ao Dia de Pentecostes, nas cerimônias nas Casas de Festas e
na Casa do Império são ofertados banquetes de doces ou banquetes com pratos salgados, estes
últimos somente para almoço.
Sobre a importância da alimentação nas interações sociais, Moreira (2010, p.23) nos diz
que:
O comportamento alimentar do homem não se diferenciou do biológico apenas pela invenção da cozinha, mas também pela comensalidade, ou seja, pela função social das refeições. A cocção do alimento adquiriu enorme importância nesse plano, por favorecer as interações sociais. Logo, a carne fresca, a bebida fermentada, o sal e o azeite tornaram-se características das festas e das relações de boa convivência e símbolos das relações de amizade.
A foto 28 demonstrada a seguir registra um dos momentos de comensalidade das
pessoas à espera do banquete na casa do Imperador.
Foto 28 – Pessoas conversando na Casa do Divino
Fonte: (REIS, 2015)
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Todos os alimentos partilhados na festa são alimentos “santos”, porque são produzidos
para o Divino. Através deles as pessoas presentes comungam. Veloso (2009, p.121) considera que
“é a busca do estado original de estar juntos em comunhão por um mesmo símbolo, seja a fogueira,
[…] a imagem de Nossa Senhora Aparecida ou o giro da Folia do Divino Espírito Santo”. Antes das
pessoas servirem-se, o festeiro/festeira pronuncia-se agradecendo a presença de todos à sua casa,
em seguida todos rezam junto ao pároco agradecendo a Deus pelo alimento, que será abençoado
antes que seja partilhado.
Por causa da riqueza de significação que a comensalidade encerra, nas sociedades tradicionais, as religiões históricas transpõem o cerimonial da mesa para ritualização sagrada. Esta, com um alcance agora de comunhão com transcendente na partilha simultânea com todos. (FERNANDES, 1997, p.15)
E assim a festa segue “restaurando um tempo cíclico, de irmandade, em que o dom mais
importante é dar, receber e retribuir, que, como vimos, também é o dom do Espírito Santo”.
(SILVA, 2013, p.159)
No momento em que são servidos os banquetes, retribui-se por aquilo que foi recebido,
para então proceder a tradição de repartir com os que precisam, o que foi doado e não foi utilizado.
Durante os banquetes, todos, convidados e não convidados, podem se servir à vontade, nos almoços
principalmente na casa do festeiro do dia e na Casa do Divino no dia de Pentecostes.
Na foto 29, o agradecimento antes do início da refeição que será partilhada por todos
igualmente.
Foto 29 – Reza antes do almoço
121 Fonte: (PAIVA, 2015)
A interação social e a comensalidade estão presentes não só entre os que partilham o
alimento, mas também entre os que os produzem. Geralmente esses momentos estreitam as relações
entre as pessoas da comunidade que estão ali reunidos para este fim: servir ao Divino Espírito Santo
mais um ano na tradicional Festa de Alcântara.
Sempre é um momento de alegria estar junto ao outro e de satisfação por contribuir com
a comunidade.
Os principais momentos de interações entre os que fazem os licores, os doces, os pratos
estão quando alimentam-se nestas ocasiões e quando estão preparando o que será servido.
Muitas vezes o trabalho pode ser regado a conhaque ou cerveja, principalmente entre os
forneiros por causa da alta temperatura que estão submetidos por longas horas por dia, mas eles não
são os únicos, as cozinheiras fazem a cocção e assam alimentos em várias fontes de calor como
fogareiros, pedras, fornos a lenha (os doces de espécie obrigatoriamente são assados nesse forno),
fogão e fornos a gás.
São preparados por essas pessoas muito quilos de comida por dia, ao final do período da
festa serão algumas toneladas de alimentos que foram servidos somadas todas as Casas de Festa. O
trabalho é árduo, mas é prazeroso pela causa. E sempre há a esperança que o Divino abençoe os que
contribuem tanto com o próprio trabalho, como aqueles que contribuíram com doações materiais
para que se cumprisse com a festa e com as doações aos que mais precisem naquele momento.
Foto 30 – Comensal idade entre as “cozinheiras”
Fonte: (PAIVA, 2014)
122
A foto 30 ilustra as cozinheiras trabalhando e praticando a comensalidade na festa. Para
os banquetes dos almoços são preparados uma variedade de pratos como a torta de camarão, peixe-
frito, cuxá, galinha ao molho pardo, pato ao molho pardo, galinha assada, carne de boi assada, carne
de porco assada, massas, saladas, vários tipos de arroz, etc. Durante qualquer hora do dia também é
possível ser servido de doces e licores por uma cortesia do festeiro que sempre quer demonstrar sua
hospitalidade também pela comensalidade. Mas, eles são produzidos para serem servidos em
grandes quantidades nas Visitas da noite: milhares de Doces de Espécie, Bolos de Tapioca, Doce
Seco, Doce de Coco de Buraco, bolos de trigo variados e pudins, assados no forno a lenha.
Para o preparo de muitos alimentos da festa é utilizado o forno a lenha como o da foto
31:
Foto 31 – Forno a lenha
Fonte: (PAIVA, 2014)
Outros elementos importantes quanto à comensalidade da festa são as pastilhas de
sabores variados, feitas artesanalmente, e o tradicional “chocolate no ovo”, chocolate feito com ovo
e aromatizado com chá de erva-doce, preparado no Alguidar que é um tipo de tacho de cerâmica de
origem portuguesa, a exemplo da foto 32.
Foto 32 – Batendo o chocolate
Fonte: (PAIVA, 2015)
123
As mesas das Casas de Festas também se constituem em espaços importantes da
comensalidade dentro da festa. Por isso se dá seu destaque nessas casas, no mínimo sempre estão
dispostas duas mesas muito bem ornamentadas, uma com a finalidade de receber a corte e
convidados e a outra as caixeiras. Para isso têm-se duas interpretações, uma refere-se a valorização
das caixeiras dentro da cerimônia e a outra está relacionada a resquícios do período onde não era
permitido sentar-se junto aos seus senhores.
Em Alcântara chamam a atenção os centros de mesa que são dispostos em todas as
mesas da casa onde haverá banquete, geralmente são uma atração à parte da cerimônia na casa dos
festeiros, sempre muito bem planejados e muitas vezes são tidos como homenagens, retratando
assuntos diversos que podem ser relacionados aos elementos da festa, da Igreja, da cidade ou até
assuntos que sejam interesses de todos. Alguns dos temas retratados nesses centros de mesa foram:
o Santíssimo Sacrário da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, o trono imperial, Fonte de água
atentando para o desperdício e seu reaproveitamento, o Ostensório, a Pia Batismal, a Caixa das
caixeiras, a Pomba do Divino derramando a paz sobre o globo terrestre, o estádio do Maracanã
representando a Copa do Mundo de Futebol de 2014, entre outros.
Nessas mesas as pessoas se socializam e praticam a comensalidade, nelas também são
construídos e decodificados valores sociais por meio dessa interação e convivibilidade que dão
sentido a festa.
5.2 Dados Quantitativos
Neste capítulo apresenta-se os resultados quantitativos da pesquisa obtidos pela
aplicação de formulários em 2015 aos turistas e moradores de Alcântara.
Para isso contou-se com a participação de alunos do Curso Superior de Gestão de
Turismo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão Campus Alcântara
como colaboradores voluntários à pesquisa na coleta de dados quantitativos.
Primeiro segue os resultados e análises da pesquisa quantitativa feita com 407
moradores, seguido dos resultados dos 204 turistas pesquisados neste trabalho, ressalta-se que não
foram contabilizados os pesquisados que responderam mais de uma opção ou que não responderam:
124
FORMULÁRIO APLICADO AOS MORADORES
Quadro 1
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
No quadro 1 quando perguntado ao morador há quantos anos participa da Festa do
Divino Espírito Santo em Alcântara, 3,23% responderam que pela Primeira Vez; 8,96% Menos de 5
anos; 28,11% Menos de 10 anos e 59,70% Mais de 10 anos.
Por esses resultados percebe-se dois aspectos bem importantes, um aponta que
possivelmente os moradores que mais participam da festa são a população com uma idade mais
avançada e que quem participa geralmente a tendência é participar por muitos anos, pois passam a
se reconhecer pela repetição daquela tradição.
A tradição diz através do tempo, e é por meio dela que o passado serve de base para que
a sociedade futura seja construída. Ela media o passado e o presente, vinculando as pessoas de antes
às de hoje, preserva seus patrimônios, estabelecendo assim uma relação de continuidade.
(GONÇALVES, 2007)
Porém é preciso observar que mesmo mantendo sua essência, a tradição também sofre
mudanças, no caso da Festa do Divino Espírito Santo percebe-se formas diferentes de festejar em
todo o Brasil e no estado do Maranhão.
Em Alcântara vê-se que a festa de hoje já não é a mesma de ontem, a exemplos a
diminuição da esmolagem na zona rural, a entrada da banda de música acompanhando as Caixeiras,
os shows na praça, o consumo de cerveja, entre outros.
Primeira Vez 3,23% 13Menos de 5 anos 8,96% 36Menos de 10 anos 28,11% 113Mais de 10 anos 59,70% 240
Total 402
1. Quantos anos você participa da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
125
Quadro 2
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
No quadro 2 sobre a principal motivação dos moradores em participar da Festa do
Divino Espírito Santo em Alcântara, 29,56% responderam Cultura; 12,85% Religião; 46,79%
Tradição e 10,80% Lazer.
Manter a tradição aparece como a principal motivação para a realização da Festa do
Divino Espírito Santo de Alcântara. É por meio dessa festa que a cidade ganha destaque e é
conhecida. Os moradores da cidade orgulham-se de entre todas as Festas do Divino Espírito Santo
que existem no Maranhão a de Alcântara ser a mais popular, fatores como organização e
envolvimento da comunidade influenciam nesse reconhecimento.
Os moradores de Alcântara fazem questão de reproduzir a festa a cada ano seguindo a
tradição de seus fundamentos, dos rituais, do cerimonial e de seus símbolos.
Compreende-se a festa como um bem de todos os alcantarenses e que ela está
relacionada também à sua identidade cultural.
A Festa do Divino Espírito Santo também é um meio de divulgação da cultura de
Alcântara. A cultura é o segundo fator na motivação para participação dos moradores, o que pode
ser entendido de acordo com Geertz que diz que a “etnociência ou análise componencial ou
antropologia cognitiva afirma que a cultura é composta de estruturas psicológicas por meio das
quais os indivíduos ou grupos de indivíduos guiam seu comportamento”. (2008, p.8)
Entende-se como relevante que a motivação religiosa tenha aparecido após tradição e
cultura já que se trata de uma festa religiosa, com isso atenta-se para todo o contexto social em que
está inserida. “Em suas múltiplas faces e alternativas pessoais de fé e de vivência comunitária da fé,
a tradição católica do cristianismo interage, conecta-se e incorpora-se polissemicamente às várias
Cultura 29,56% 115Religião 12,85% 50Tradição 46,79% 182Lazer 10,80% 42
Total 389
2. Qual sua principal motivação em participar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
126
culturas e às várias situações dos universos culturais em que existe”, observa Carlos Brandão (2010,
p.11)
Exitem também os moradores que são motivados pelo lazer, pois é instaurado na cidade
um tempo de festa que é diferente do vivido no cotidiano, nele as pessoas confraternizam-se nas
casas de festas e multiplicam-se as opções de entretenimento disponíveis, relacionados à festa ou
não, pois “o homem religioso conhece duas espécies de Tempo: profano e sagrado”. (ELIADE,
1992, p.54)
Quadro 3
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
O quadro 3 indica quantas horas por dia o morador dedica à organização da Festa do
Divino Espírito Santo em Alcântara, sendo que 32,00% não participam; 15% de 1 a 2 horas;
19,75% de 3 a 5 horas e 33,25% Mais de 5 horas.
As pessoas da comunidade que participam da organização da festa dedicam muitas
horas de seus dias durante o ano para que tudo saia igual ou melhor do que no ano que passou,
envolvem-se de tal maneira que muitas vezes a própria vida pessoal fica em segundo plano em
função da coletividade.
Muitas delas o fazem por devoção ao Divino Espírito Santo, outras por promessa,
algumas a dedicação é justificada pela satisfação em ver a festa realizada e pelo prazer de ajudar os
amigos, embora muitas delas temam que ao não colaborarem/participarem, o Divino não as
abençoem naquele ano. “As pessoas creem juntas e juntas praticam a festa do que creem”.
(BRANDÃO, 2010, pg, 88)
Muitas pessoas que não participam da festa em Alcântara é porque pertencem a outra
religião, normalmente são evangélicos. Nos últimos anos se percebe um aumento de Igrejas
Evangélicas na cidade, consequentemente já não é incomum encontrar moradores que não
participem da festa.
Não participo da organização 32,00% 1281 a 2 horas 15,00% 603 a 5 horas 19,75% 79Mais de 5 horas 33,25% 133
Total 400
3. Quantas horas por dia você dedica à organização da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
127
Quadro 3a
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
No quadro 3a pergunta-se qual a principal atividade: 11,36% Ajudante; 5,19% Ajudante
de Cozinha; 2,47% Carregador do Mastro; 6,91% Cerimonial/Organização; 2,72% Esmolas; 2,22%
Fazer Chocolate; 13,09% Fazer Doces; 2,47% Fazer e arrumar o Altar; 1,48% Fazer Licor; 0,49%
Músico; 31,11% Não participa; 12,35% Ornamentação/Decoração; 1,73% Servir.
Dos respondentes 68,89% participam colaborando de alguma forma para a realização da
festa e 31,11% não participam. Essas pessoas que colaboram com seu trabalho, em sua grande
maioria são voluntários e sem elas não seria possível que a festa fosse realizada como o é, com
muitos detalhes e muita fartura.
Dos 68,89% que participam, 30,13% trabalham diretamente com os alimentos e bebidas
que serão servidos à festa e 38,76% em outras atividades.
Outro fator que reafirma a comensalidade da festa e a coloca como característica
essencial dessa celebração é que quase metade dos que participam, mais precisamente 43,74% das
pessoas colaboram produzindo e servindo os alimentos e bebidas feitos para a festa.
Essas pessoas sabem a importância da presença desses alimentos e bebidas para a
identidade cultural da festa e da cidade e que eles geram os principais momentos de comensalidade
e convivibilidade da festa. Esse é um dos motivos pelos quais esses grupos comunitários se
3a. Qual a principal atividade?Ajudante 11,36% 46Ajudante de Cozinha 5,19% 21Carregador do Mastro 2,47% 10Cerimonial/Organização 6,91% 28Cozinheiro(a) 6,42% 26Esmolas 2,72% 11Fazer Chocolate 2,22% 9Fazer Doces 13,09% 53Fazer e arrumar o Altar 2,47% 10Fazer Licor 1,48% 6Músico 0,49% 2Não participa 31,11% 126Ornamentação/Decoração 12,35% 50Servir 1,73% 7
Total 405
128
reestabelecem a cada ano com esse objetivo comum que é dar continuação a Festa do Divino
Espírito Santo em Alcântara no Maranhão.
Também não deve ser esquecido que entre os 38,77% que declararam trabalhar em
outras atividades estão os que trabalham indiretamente ornamentando as mesas em que serão
servidos os alimentos e entre os que se definiram somente como ajudante certamente há os que
desenvolvem os trabalhos de cozinha, como a lavagem das louças por exemplo.
Quadro 3b
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
E o quadro 3b mostra para o morador qual a maior recompensa em participar da
organização da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara sendo que 0,25% responderam Comer
e beber muito; 7,86% Cultura/Conhecimento; 19,41% Fortalecer as relações comunitárias; 4,67%
Não participa; 16,46% Não respondeu; 0,74% Reconhecimento; 24,57% Religião/Bençãos; 0,49%
Salário; 9,83% Satisfação; 0,98% Satisfazer os visitantes; 14,74% Tradição.
Todos os que trabalham para a realização da festa acreditam que por estarem cultuando
o Divino receberão bençãos para si e suas famílias.
A Religião é portadora de uma funcionalidade intelectual e coletiva, gerando unidade,
condutas comportamentais, visão de futuro, consubstanciando o sentido da vida, desenvolvendo
uma capacidade intelectual cognitiva em quem a pratica, tornando-se indispensável à vida desses.
Comer e beber muito 0,25% 1Cultura/Conhecimento 7,86% 32Fortalecer as relações comunitárias 19,41% 79Não participa 4,67% 19Não respondeu 16,46% 67Reconhecimento 0,74% 3Religião/Bençãos 24,57% 100Salário 0,49% 2Satisfação 9,83% 40Satisfazer os visitantes 0,98% 4Tradição 14,74% 60
Total 407
3b. Na sua opinião, qual a maior recompensa em participar da organização da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
129
Mesmo com a globalização, com a racionalidade do mundo atual, a religião ainda ocupa um espaço
relevante na vida social. (SOARES JUNIOR, 2011)
“É através da religião que um campo de relações sociais e humanas fica estabelecido. É
também sob sua mediação que os homens estabelecem uma significação sacralizada e de máxima
abrangência para seu mundo” como destaca Brandão (2010, p.199). A manutenção da tradição da
festa está ligada diretamente às relações comunitárias que se desenvolvem em busca do
cumprimento do objetivo comum, que é a repetição da festa obedecendo os costumes e as
hierarquias tradicionais.
Para a realização da Festa do Divino de Alcântara formam-se redes de trabalho em cada
casa de festa, pessoas que subdividem-se em tarefas pré estabelecidas de acordo com as
necessidades do trabalho de cada casa. A escolha no subgrupo é definida pela afinidade e
conhecimento do saber-fazer de cada tarefa.
Quadro 4
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
O quadro 4 indica, para o morador, em uma escala de 1 a 3, qual a importância da
hospitalidade na cidade no período da Festa do Divino Espírito Santo obtendo-se 2,03% 1 Pouco
importante; 29,70% 2 Importante e 68,27% 3 Muito importante.
“Um dos aspectos fundamentais da representação da hospitalidade é sua dimensão
sagrada” afirma Marie-Claire Grassi (2011, p.51). Tratar bem, ser hospitaleiro, acolher a quem
chega a uma Casa de Festa, seja morador ou turista, são condições essenciais a esses lugares, no
caso da festa de Alcântara essa hospitalidade é demonstrada principalmente por meio da
comensalidade.
A maior parte dos moradores que responderam aos formulários entendem como muito
importante a hospitalidade praticada por eles durante o período da Festa do Divino Espírito Santo,
1 Pouco importante 2,03% 82 Importante 29,70% 1173 Muito importante 68,27% 269
Total 394
4. Em uma escala de 1 a 3, qual a importância da hospitalidade na cidade no período da Festa do Divino Espírito Santo?
130
inclusive acreditam que a hospitalidade local é uma das características que a evidencia em relação
às outras festas realizadas no Maranhão.
Outrossim, correlacionando a hospitalidade com os preceitos da festa referimo-nos a
Philippe Bornet (2011, p.131) que diz que “num plano normativo, a hospitalidade é, com efeito, um
dever religioso, legitimado pelo texto bíblico e que apresenta semelhanças com o exercício da
caridade”.
Quadro 5
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
O quadro 5 pergunta qual o principal símbolo da hospitalidade alcantarense nesse
período sendo que 52,97% responderam o Divino Espírito Santo; 15,10% o Doce de Espécie;
13,37% o Acolhimento/receptividade e 18,56% a Casa de Festa.
“Uma vez que a festa do Divino é compartilhada por todos, suas simbologias também
são entendidas e interpretadas de maneira coletiva”. (PEREIRA, p.53)
Por se tratar de uma festa religiosa o próprio Divino assume a principal colocação como
símbolo que represente a hospitalidade no período em que acontece a festa. Para Geertz “os
símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo — o tom, o caráter e a qualidade
da sua vida, seu estilo e disposições morais e estéticos — e sua visão de mundo” (GEERTZ, 2008,
p. 66- 67).
Sobre a sacralidade dos símbolos da festa Pereira adverte que,
Como um ritual de celebração a uma divindade, a Festa do Divino exige uma separação radical que seus símbolos e personagens devem ter em relação ao mundo profano. Na lógica de constituição do pensamento religioso a elaboração do sagrado depende do que se estabelece na separação com o profano e mesmo que em alguns momentos esses elementos se misturem, na compreensão do rito pela comunidade o sagrado e o profano, mesmo coexistindo, formam categorias bem separadas. (PEREIRA, 2012, p.84)
Divino Espírito Santo 52,97% 214Doce de Espécie 15,10% 61Acolhimento/receptividade 13,37% 54Casa de Festa 18,56% 75
Total 404
5. Qual o principal símbolo da hospitalidade alcantarense nesse período?
131
Não é de se estranhar que o Doce de Espécie apareça como o segundo representante da
hospitalidade alcantarense, pois no período fora da festa ele aparece como um dos principais
elementos da culinária local. A cidade o identifica como um representante legítimo de sua cultura.
Os doces de espécie são os principais alimentos servidos nas Casas de Festas, que são citadas como
o terceiro símbolo da hospitalidade, nelas os festeiros recebem os visitantes e seus convidados
sempre preocupados em acolhê-los e bem servi-los.
Quadro 6
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
O quadro 6 informa qual a principal obrigação de um festeiro: 29,68%
Hospitalidade/receber bem as pessoas; 54,61% Manter a tradição; 8,23% Cumprir suas obrigações
religiosas e 7,48% Fazer uma festa farta em alimentos e bebidas.
Um pouco mais da metade dos moradores que responderam aos formulários acham que
a principal obrigação de um festeiro é manter a tradição, ou seja, todos os anos os rituais da festa
devem ser reproduzidos da mesma forma, obedecendo o mesmo cerimonial e hierarquias. Um
exemplo disso é que tem que ser respeitado a ordem em que as cerimônias são celebradas ou que o
número de caixeiras de um festeiro obrigatoriamente terá que ser somente duas porque no Império
serão três ou que em toda Casa de Festa sempre terá o Doce de Espécie.
“Além de celebrar momentos especiais, os festejos religiosos mantêm viva a tradição
das comemorações dentro dos espaços das cidades coloniais, possibilitando assim, que os
acontecimentos festivos, tornem-se um verdadeiro patrimônio cultural”. (ARAGÃO; MACEDO,
2011, p.401)
Ser festeiro é cumprir seu papel diante da comunidade e diante do Divino. A tradição da
festa se perpetua principalmente pela oralidade.
Desde pequenos os moradores já são inseridos no contexto da festa, eles crescem vendo
ela acontecer a cada ano, ter um filho que seja Imperador ou Imperatriz é um grande desejo social
6. Qual a principal obrigação de um festeiro?Hospitalidade/receber bem as pessoas 29,68% 119Manter a tradição 54,61% 219Cumprir suas obrigações religiosas 8,23% 33
7,48% 30
Total 401
Fazer uma festa farta em alimentos e bebidas
132
de quase todas as famílias de Alcântara, é equivalente a um debute para a sociedade. Assim como, é
um orgulho para as famílias que seus filhos sejam mordomos, aias e vassalos.
O posto de festeiro/festeira vem acompanhado de certa distinção social porque todos
sabem que não é fácil realizar uma festa e custa muito caro. Muitos assumem esse posto
principalmente por tradição familiar, outros por pagamento de promessas.
Os festeiros são os maiores responsáveis pela comensalidade existente na festa, entende-
se que a festa foi boa quando é farta, pois um festeiro tradicionalmente deve ser hospitaleiro e
alimentar a todos que adentrarem em sua casa, cumprindo assim suas obrigações religiosas em
Louvor ao Divino Espírito Santo. Cada festeiro quer oferecer o melhor que pode em busca de
assegurar a tradição, fator que por vezes pode gerar competitividade entre os festeiros do ano.
Quadro 7
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
No quadro 7 quando perguntados porque há essa farta oferta de alimentos e bebidas nas
Casas de festas durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara 14,25% dos moradores
responderam Promessa/Religião; 9,34% Hospitalidade/comensalidade; 75,68% Tradição e 0,74%
Distinção Social.
Quanto à tradicional oferta e distribuição de alimentos e bebidas pode-se considerar que
“ano após ano, o que era em sua origem expressão local para propagar a força régia e religiosa
portuguesa, tornou-se parte da cultura brasileira”. (ARAGÃO; MACEDO, 2011, p.401)
Curioso notar que novamente manter a tradição aparece em primeiro lugar, mas dessa
vez como o principal motivo para o porquê da farta oferta de alimentos e bebidas nas “casas de
festas”, e se inverteram os resultados, a religião passando à frente da hospitalidade. Com isso
verifica-se que em Alcântara, assim como em outros lugares onde a festa é realizada, os alimentos
Promessa/religião 14,25% 58Hospitalidade/comensalidade 9,34% 38Tradição 75,68% 308Distinção Social 0,74% 3
Total 407
7. Porque há essa farta oferta de alimentos e bebidas nas “casas de festas”durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
133
são revestidos de uma sacralidade e que continuam a serem relacionados a ideia originária da
prática da caridade.
Quadro 8
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
O quadro 8 indica em uma escala de 1 a 3 o quanto o morador considera importante os
alimentos e bebidas oferecidos nas “casas de festas” da Festa do Divino Espírito Santo em
Alcântara sendo 1,27% 1 Pouco importante; 37,22% 2 Importante e 61,52% 3 Muito importante.
A maioria dos que responderam ao formulário compreendem como muito importante os
alimentos e bebidas oferecidos nas Casas de Festas, licores, doces e outros pratos são muito
esperados e procurados durante os dias de festa, tornam-se essenciais para ocasionar os momentos
de sociabilidade e para que as pessoas possam irmanar-se por eles.
Os alimentos e bebidas ocasionam a comensalidade que está presente em muitos
momentos da festa, ela contribui para consolidar as redes comunitárias que são formadas no interior
da organização da festa e entre moradores e visitantes. É principalmente através deles que os
festeiros demonstram sua hospitalidade. Boff (2006, p.09) enfatiza que “a culminância do processo
de hospitalidade, da convivência, do respeito e da tolerância é alcançada com a comensalidade”.
Nessas ocasiões “os alimentos são mais do que coisas materiais. São símbolos do
encontro e da comunhão. O alimento é apreciado e feito objeto de comentários” (BOFF, 2006, p.10)
No quadro 9, também em uma escala de 1 a 3, o morador informa como vê a
atratividade dos banquetes oferecidos nas Casas de Festas: 1,28% 1 Pouco importante; 33,08% 2
Importante e 65,64% 3 Muito importante.
A atratividade dos banquetes das Casas de festas é entendida como muito importante
para a festa, por esse resultado deve-se considerar que por meio da alimentação podem ser
revelados e preservados muito dos costumes locais, da cultura e dos valores simbólicos de cada
alimento que será servido. (MASCARENHAS; GÂNDARA, 2015).
1 Pouco importante 1,27% 52 Importante 37,22% 1473 Muito importante 61,52% 243
Total 395
8. Escolha em uma escala de 1 a 3, o quanto você considera importante os alimentos e bebidas oferecidos nas “casa de festas”da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara esse ano?
134
A mesa na qual come-se e bebe-se junto, comunga-se e celebra-se junto, onde se dá a
comensalidade, é a mesma a qual se demonstra a familiaridade humana, a qual se vivencia uma
experiência existencial e a qual participa-se de um rito. (BOFF, 2006)
A culinária vista por uma perspectiva cultural pode se relacionar à identidade de uma
localidade e pode ser utilizada pela atividade turística como um dos representantes do patrimônio
imaterial daquela região. O turismo pode contribuir para a manutenção da cultura tradicional, da
culinária local, ocasionando também o resgate e a reinterpretação dos pratos que são oferecidos nas
festas, pois os turistas buscam experiências diferentes das que conhecem, geralmente querem
experimentar as comidas e bebidas tradicionais do local visitado. (MASCARENHAS; GÂNDARA,
2012)
Quadro 9
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
No quadro 10 o morador avalia em uma escala de 1 a 3, se a comensalidade (comer
junto/estar junto) existente nas Casas de Festas em Alcântara é importante como atrativo cultural
para potencializar a atratividade turística na cidade durante a Festa do Divino Espírito Santo. 3,22%
consideram 1 Pouco importante; 33,42% 2 Importante e 63,37% 3 Muito importante.
Quadro 10
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
1 Pouco importante 1,28% 52 Importante 33,08% 1293 Muito importante 65,64% 256
Total 390
9. Numa escala de 1 a 3 como você vê a atratividade dos banquetes oferecidos nas Casas de Festa?
1 Pouco importante 3,22% 132 Importante 33,42% 1353 Muito importante 63,37% 256
Total 404
10. Avalie em uma escala de 1 a 3, se a comensalidade (comer junto/estar junto) existente nas Casas de Festas em Alcântara é importante como atrativo culturalpara potencializar a atratividade turística na cidade durante a Festa do Divino Espírito Santo.
135
A cultura está inserida em todos os segmentos turísticos, pois independente de qual foi a
motivação da viagem sempre haverá um elemento cultural a ser presenciado ou vivenciado durante
a viagem. A gastronomia, as festas e as celebrações estão entre esses elementos culturais que os
turistas têm contato em suas experiências. (MYANAKI et al, 2007)
Outros pontos a serem destacados como fomentadores da comensalidade da festa é que
os alimentos estão presentes a quase todos os rituais da festa e o fato de que todos os alimentos e
bebidas servidos na festa são inteiramente gratuitos.
Sobre a Festa do Divino Espírito Santo, os autores Gonçalves e Contins (2008, p.86)
apontam que,
Tudo nessas festas passa necessariamente pelas comidas e bebidas e pela comensalidade.33
As categorias de “escassez” e “fartura”, usadas com freqüência pelos devotos açorianos, parecem nortear o sistema culinário presente nas festas. O conjunto de práticas e itens que integram o sistema visa sobretudo a “fartura”, dimensão intensamente ritualizada na festa
A comensalidade da festa constitui-se pelo comer e beber junto, pela afirmação de uma
identidade coletiva e pelo compartilhamento de toda uma maneira de viver. Esses traços sociais e
culturais podem interessar e atrair pessoas que queiram ter uma experiência autêntica e única. Na
qual os símbolos, a simbologia da construção do laço social e identitário da comunidade, os
alimentos, os modos de fazer também são entendidos como formas de expressões e podem dizer
muito sobre as sociedades. (BOUTAUD, 2011) Pensamento afirmado por Leonardo Boff (2006, p.
60) quando diz que “comer e beber é a alma de uma cultura. Conhecer o que se come, quando,
como e com quem se come é penetrar no âmago de uma sociedade”.
O turismo cultural está entre os segmentos mais promissores para desenvolvimento e
promoção dos municípios na atividade. O turista cultural quer vivenciar e ter contato com os
elementos significativos do patrimônio histórico e cultural. (MYANAKI et al, 2007)
No quadro 11 o morador respondeu qual o alimento ou bebida que o faz lembrar da
Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara sendo 46,43% Doce de Espécie; 36,48% Licor;
16,84% Chocolate e 0,26% Outros.
136
Quadro 11
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
O Doce de espécie representa a autenticidade e originalidade da cidade, pois ele é tido
como exclusividade de Alcântara e as variações que existem em locais próximos como São Luís,
Cujupe são considerados imitações do doce de Alcântara. E realmente em experiência in loco pode-
se afirmar que a qualidade e sabor do doce alcantarense são incomparáveis com os demais. O que
pode ser também comprovado pelo fato de Alcântara ser referência em fornecer o doce considerado
autêntico para outras cidades.
O Doce de espécie representa de certa forma a hospitalidade da cidade, dentro e fora do
período da festa, junto a ele figuram também como principais símbolos da comensalidade da Festa
do Divino Espírito Santo de Alcântara iguarias como o licor e o chocolate quente. A imagem da
festa está diretamente relacionada ao Doce de espécie, ele causa curiosidade e é procurado o ano
inteiro pelos turistas que visitam a cidade.
Os licores e o chocolate estão relacionados aos modos de receber que herdamos dos
colonizadores europeus, precisamente dos portugueses. O licor sempre foi considerado uma bebida
luxuosa que não era de alcance dos menos favorecidos, fator que pode sugerir que sua inserção na
festa aconteceu para que naqueles momentos de celebração ao Divino Espírito Santo não houvesse
distinção social, pobres e ricos comungando-se e irmanando-se pelo alimento e pela bebida
igualitariamente.
O licor de Jenipapo que é o mais tradicional da festa é preparado e maturado meses
antes da festa, é um líquido encorpado de cor marrom caramelo, com sabor adocicado e levemente
azedo no final, o que é característico da fruta. Alguns moradores contam que antigamente as
garrafas eram colocadas em baixo da terra para maturar por no mínimo três meses.
Compreende-se em acordo com Mascarenhas e Gândara (2012, p.135) a cultura como
um “conjunto de valores em seus aspectos morais, materiais, intelectuais, de sistemas, de signos,
Doce de Espécie 46,43% 182Licor 36,48% 143Chocolate 16,84% 66Outros Doces 0,26% 1
Total 392
11. Qual o alimento ou bebida que o faz lembrar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
137
estilos que caracterizam uma civilização. Estes valores são interpretados também pelo que as
comunidades produzem, são e representam”..
No quadro 12 o morador opina em uma escala de 1 a 3, sobre a importância da oferta
dos alimentos e bebidas no fortalecimento da tradição da Festa do Divino Espírito Santo em
Alcântara. 0,98% acham 1 Pouco importante; 29,73% 2 Importante e 69,29% 3 Muito importante.
Quadro 12
Fonte: Moradores de Alcântara-MA, 2015.
Os alimentos e bebidas tradicionalmente ofertados na festa são reconhecidos como
muito importantes para o fortalecimento da tradição da festa em Alcântara, eles representam a
fartura que há nela. Os moradores reconhecem a importância da presença desses alimentos e
bebidas durante a celebração da festa, sabem seu significado religioso e seus valores simbólicos
dentro da festa. Entende-se que “é na comida e na bebida oferecidas igualmente a todos – a
comensalidade – que se dá a presença de Deus e a atualização do significado da vida e da gesta de
Jesus neste mundo”. (BOFF, 2006, p.65)
Os alimentos e bebidas oferecidos na festa também são importantes porque por meio
deles se estabelecem “relações coletivas de aprendizagem criadas pela própria maneira como a
equipe ritual trabalha, facultando a aquisição do saber através da própria prática de 'participar e
fazer'”. (BRANDÃO, 2010, p.112) O que é imprescindível para a continuidade da tradição.
A oferta desses alimentos no período da Festa do Divino Espírito Santo faz parte da
cultura da cidade há pelo menos três séculos e contribui para uma imagem de uma cidade
hospitaleira e culturalmente atraente.
1 Pouco importante 0,98% 42 Importante 29,73% 1213 Muito importante 69,29% 282
Total 407
12. Na sua opinião, em uma escala de 1 a 3, qual a importância da oferta dos alimentos e bebidas no fortalecimento da tradição da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
138
FORMULÁRIO APLICADO AO TURISTA
Quadro 13
Fonte: Turistas, 2015.
No quadro 13 sobre a principal motivação dos turistas em participar da Festa do Divino
Espírito Santo em Alcântara, 48,68% responderam Cultura; 17,46% Religião; 6,88% Gastronomia e
26,98% Tradição.
A principal motivação dos turistas que participam da Festa do Divino Espírito Santo em
Alcântara é ter contato com a cultura local, participando da festa eles vivenciam a tradição por meio
das cerimônias religiosas e dos rituais presentes na manifestação.
Ao viajar o turista tem experiências culturais. Ainda que nem todo turista seja um
turista cultural, ao se deslocar ele tem contato com a culinária, com as formas de expressões locais,
modus vivendi, entre outros. Mas se pode dizer que em Alcântara os turistas que participam da festa
podem ser definidos em sua maioria como turistas culturais, já que principalmente são motivados
por temas culturais. (MTur, 2010)
A gastronomia aparece como a última motivação, ainda que alimentos e bebidas estejam
presentes em muitos rituais, comprovando que esse aspecto é pouco valorizado e que a culinária
típica à festa não é divulgada como produto cultural e turístico.
Dias (2006, p.65) define Turismo Cultural como “toda prática turística que envolva a
apreciação ou a vivência de qualquer tipo de manifestação cultural, seja tangível, seja intangível,
mesmo que esta não seja a atividade principal praticada pelo viajante no destino”.
O quadro 14 indica como foi a hospitalidade sentida pelo turista na(s) “Casa(s) de
Festa(s)” em Alcântara obtendo-se 65,02% 1 Gostei; 29,56% 2 Indiferente e 5,42% 3 Não gostei.
Cultura 48,68% 92Religião 17,46% 33Gastronomia 6,88% 13Tradição 26,98% 51
Total 189
1. O que mais lhe motivou a conhecer/participar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
139
Quadro 14
Fonte: Turistas, 2015.
Por uma perspectiva diferente de Lévinas, de igualdade quanto aos significados de
acolhida e hospitalidade, Binet-Montandon (2011, p.1173) os distinguem ao afirmar que a
hospitalidade “implica a acolhida como momento inaugural do encontro; mas, se a hospitalidade
pressupõe sempre a acolhida, uma resulta de uma lei superior da humanidade, […] a outra se traduz
[…] segundo as formas jurídicas e políticas próprias a cada Estado”.
Os turistas que responderam ao formulário da pesquisa em sua maioria sentiram-se bem
recebidos nas Casas de Festas, sentiram-se acolhidos de forma hospitaleira. A hospitalidade é fator
essencial na cultura turística. (DIAS, 2006)
Nem sempre a hospitalidade alcantarense é percebida de imediato, porque muitas vezes
a comida não é oferecida, simplesmente pelo fato de estar ali para ser partilhada e já está implícito a
participação “do outro”. Os principais códigos de hospitalidade das Casas de Festas são
demonstrados pela abertura das portas dessas casas a todos e pelas farturas dos doces, bebidas e
banquetes oferecidos nesses lugares. Nessas casas os alimentos não são negados a qualquer pessoa.
Normalmente as pessoas responsáveis por essas casas entendem como uma das
obrigações dos festeiros tratar de forma hospitaleira a todos que visitarem sua casa.
Quadro 15
Fonte: Turistas, 2015.
1 Gostei 61,88% 1252 Indiferente 31,19% 633 Não gostei 6,93% 14
Total 202
3. Responda em uma escala de 1 a 3, o que você achou para a oferta de alimentos servidos nas casas dos festeiros?
1 Gostei 65,02% 1322 Indiferente 29,56% 603 Não gostei 5,42% 11
Total 203
2. Em uma escala de 1 a 3, diga como foi a hospitalidade sentida por você na(s) “Casa(s) de Festa(s)” em Alcântara?
140
No quadro 15 quando perguntados em uma escala de 1 a 3, o que você achou da oferta
de alimentos nas casas dos festeiros, os turistas responderam: 61,88% 1 Gostei; 31,19% 2
Indiferente e 6,93% 3 Não gostei.
Os alimentos e bebidas da festa fazem parte do ritual de celebração ao Divino e junto a
eles estão muitas simbologias e significados.
Enfatizando a relação que existe entre hospitalidade e comensalidade Jean Jacques
Boutaud (2011, p.1213) enfatiza que:
Podemos nos arriscar a dizer que uma das formas mais reconhecidas de hospitalidade, em qualquer época e em todas as culturas, é compartilhar sua mesa, ou então sua refeição com alguém. Comer juntos assume, então, um significado ritual e simbólico muito superior à simples satisfação de uma necessidade alimentar. Essa forma de partilha, de troca e de reconhecimento é chamada comensalidade.
Além da hospitalidade incondicional, existe o caráter religioso entre a partilha dos
alimentos e as festas populares, os alimentos servidos nas casas dos festeiros demonstram sua
hospitalidade, mas também sua retribuição e agradecimento pelo gesto dos turistas em visitá-los em
suas casas ou em seus “Paços Imperiais”.
Quadro 16
Fonte: Turistas, 2015.
Já no quadro 16 quando perguntados em uma escala de 1 a 3, o que você achou da
oferta de bebidas servidas nas casas dos festeiros, os turistas responderam: 51,74% 1 Gostei;
40,30% 2 Indiferente e 7,96% 3 Não gostei.
“É no comer e no beber juntos que os seres humanos mais celebram a alegria de viver e
conviver” diz Boff (2006,p.14). O alimento é tido como mais importante do que a bebida na Festa
do Divino Espírito Santo em Alcântara, ainda assim mais da metade dos que responderam aos
formulários gostaram das bebidas e acharam que foram bem servidos.
1 Gostei 51,74% 1042 Indiferente 40,30% 813 Não gostei 7,96% 16
Total 201
4. Responda em uma escala de 1 a 3, o que você achou para a oferta de bebidas servidas nas casas dos festeiros?
141
A bebida é tida como sinônimo de alegria nas festas e, há muitos séculos faz parte dos
elementos constitutivos dessas celebrações. “Desde muito tempo o consumo de bebidas alcoólicas é
objeto de cultos e celebrações, inclusive na esfera religiosa”. (SOUZA, 2004, p.07)
O tradicional licor é tido como uma insígnia que identifica uma Casa de festa, mas nela
seu consumo é simbólico. As cervejas que hoje estão inseridas ao contexto da festa também são
oferecidas aos turistas mas não em grandes quantidades.
O chocolate quente é a principal e mais abundante bebida servida durante os banquetes
nas Casas de Festas, os refrigerantes também são servidos em abundância.
Quadro 17
Fonte: Turistas, 2015.
O quadro 17 pergunta qual o alimento ou bebida que o turista mais gostou obtendo-se
50,99% Doce de Espécie; 27,23% Licor; 14,85% Chocolate e 6,93% Outros doces.
Esse resultado demonstra como o Doce de Espécie ocupa um lugar relevante na
memória gustativa dos turistas, que aprovam sua autenticidade e o seu sabor. Ele quase sempre está
presente a experiência turística em Alcântara e, para a Festa do Divino, lá há muito se tornou um
alimento-signo dessa festa. “O prato típico torna-se, assim, não apenas um prato emblemático, […],
mas também um alimento-signo”. (GIMENEZ, 2011, p. 24)
Observou-se em Festas do Divino em outras localidades a presença de alimentos que
são ritualmente servidos durante a realização da festa como o caso das Rosquilhas nos Açores, das
Verônicas de Alfenim ou Veronquinhas de Pirenópolis-GO (VEIGA, 2008) e a “Cangalhinha – um
tipo de biscoito de farinha de trigo e água, levemente adocicado, barato e gostoso, bastante comum
no Vale do Paraíba e muitas vezes distribuído na casa de festa (lugar onde se organiza o banquete
do Divino) como biscoito do Santo”. (SILVA, 2013, p. 44)
Rodrigues et al (2014, p. 02) discorrem sobre o doce, “O ‘Doce de Espécie’ é um doce a
base de coco típico de Alcântara, no estado brasileiro do Maranhão e considerado uma herança dos
açorianos, sua popularização deve-se a sua distribuição durante a Festa do Divino”.
5. Qual o alimento e (ou) bebida que você mais gostou?Doce de espécie 50,99% 103Licor 27,23% 55Chocolate 14,85% 30Outros doces 6,93% 14
Total 202
142
O Doce de Espécie pode ser considerado um alimento-ritual da Festa do Divino de
Alcântara. Os alimentos e bebidas fazem parte de importantes rituais tradicionais da festa, repetidos
minunciosamente a cada ano, de acordo com o pensamento de Carlos Rodrigues Brandão (2010, p.
65), “o rito é uma fala conhecida e ela é legítima, porque é uma tradição antiga. Essa fala não é tida
por sagrada apenas porque é religiosa, porque é, justamente consagrada de tanto ser ritualmente
repetida ao longo dos anos da história da vida das pessoas do lugar”.
Ainda sobre o Doce de Espécie Rodrigues, Fernandes e Silva (2014, p. 18) observam
que o doce “é muito importante na ‘Festa do Divino’, pois este representa a hospitalidade do povo
alcantarense, que durante a festa nas casas dos festeiros aberta para a visita, é considerado como
uma forma de recepcionar esses visitantes, pelo simples ato de servir o ‘Doce de Espécie’”.
O contato com a culinária de uma localidade representa uma experiência sensorial e
cultural, principalmente quando envolve pratos típicos. Ao consumi-los o turista estabelece de certa
forma uma interação com a cultura local, por meio dos sabores e sensações, técnicas e de rituais em
que eles se fazem presentes. (GIMENEZ, 2011)
Quadro 18
Fonte: Turistas, 2015.
No quadro 18, tendo como parâmetro uma escala de 1 a 3, o turista diz como foi servido
na(s) casa(s) do(s) festeiro(s) sendo 48,50% 1 Gostei; 41,50% 2 Indiferente e 10,00% 3 Não gostei.
A maioria dos turistas que participaram da pesquisa gostaram da forma como foram
servidos nas Casas de Festas na Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara. Durante o dia podem
se servir nos banquetes do almoço dessas casas onde são oferecidos pratos típicos e pratos que estão
presentes em dias festivos ou em seus cotidianos, dos doces mais tradicionais, como o Doce de
Espécie e de licores. À noite, os banquetes dessas casas oferecem principalmente doces, chocolate
quente e licores.
1 Gostei 48,50% 972 Indiferente 41,50% 833 Não gostei 10,00% 20
Total 200
6. Tendo como parâmetro uma escala de 1 a 3, diga como você foi servido na(s) casa(s) do(s) festeiro(s)?
143
O autor do texto Banquetes públicos: redes de sociabilidade no mundo, Yves Schemeil
(2011, p. 1197) propõe que “os banquetes são redes de sociabilidade, escolas de civilidade e pontes
entre […] o profano e o sagrado. As refeições públicas são também elos com o passado que tecem
os laços do futuro. Nelas celebramos os ancestrais fundadores e as grandes figuras que
desapareceram […].
Para uma perspectiva turística, acredita-se que caibam medidas que possam elevar o
número de turistas que tenham gostado de como foram servidos. Aponta-se como um dos fatores
que contribuíram para esses resultados o número de pessoas que se fazem presentes a essas casas, o
que faz que às vezes algumas pessoas não consigam adentrar em seus interiores, mais
especificamente quando são servidos os banquetes.
Quadro 19
Fonte: Turistas, 2015.
No quadro 19, em uma escala de 1 a 3, o turista avalia a gastronomia da Festa do Divino
Espírito Santo em Alcântara como produto turístico obtendo-se 65,69% 1 Gostei; 26,96% 2
Indiferente e 7,35% 3 Não gostei.
Sempre o alimento esteve ligado ao desaparecimento e a existência das populações. Ao
longo do tempo, devido a dimensão de sua importância e pelo que representa socialmente, o
alimento adquiriu outras funções para além da nutrição do corpo humano, ganhou outros
significados, como o de ser atraente ao visitante. (P0SSAMAI, 2011)
A impressão que o turista tem do destino é o que define a atratividade. A atratividade é
percebida pelas opiniões e impressões dos turistas quanto à capacidade do local em satisfazer as
suas necessidades. Assim, entende-se que o destino possa reforçar sua imagem, tornando-se
turisticamente mais atrativo e competitivo. (COELHO NETO; AZEVEDO, 2010) O turista
pesquisado em Alcântara em sua maioria aprova a gastronomia da festa como atrativo turístico,
1 Gostei 65,69% 1342 Indiferente 26,96% 553 Não gostei 7,35% 15
Total 204
7. Avalie em uma escala de 1 a 3 a gastronomia da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara como produto turístico.
144
demonstrando assim que é um elemento existente na festa, de interesse do turista, que precisa ser
valorizado e divulgado como produto cultural.
O tipo de turista interessado na gastronomia é interessante economicamente e
socialmente. As pessoas que praticam o turismo gastronômico possuem boa renda e um nível de
estudo elevado. Geralmente seus gastos são superiores a outros tipos de turistas, procuram conhecer
novos sabores, antigas receitas e principalmente novas experiências culturais. (COELHO NETO;
AZEVEDO, 2010)
Entende-se que o Brasil é um país que investe pouco na imagem relacionada a
gastronomia e na divulgação dela como produto turístico.
A gastronomia e a culinária podem influenciar positivamente na imagem e atratividade
dos destinos através de um esforço de promoção específico em que se destacam a gastronomia e a
culinária.(COELHO NETO; AZEVEDO, 2010)
“A gastronomia é considerada não apenas um produto cultural fundamental, capaz de
atrair seus próprios consumidores, mas também um complemento valioso ao portfólio tradicional de
produtos culturais[...]”. (BITTENCOURT; MACHADO, 2011, p.86) A gastronomia da Festa do
Divino Espírito Santo de Alcântara no Maranhão, além de um produto cultural, foi aprovada pela
maioria dos turistas pesquisados e considerada atrativa como produto turístico.
Esses resultados sugerem uma convergência de esforços privados e públicos para que a
gastronomia da festa seja reconhecida e divulgada como atrativo turístico.
Quadro 20
Fonte: Turistas, 2015.
No quadro 20 o turista avalia em uma escala de 1 a 3 a comensalidade/relações sociais
vividas nas Casas de Festas durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara. 50,99% 1
Gostei; 38,61% 2 Indiferente e 10,40% 3 Não gostei.
1 Gostei 50,99% 1032 Indiferente 38,61% 783 Não gostei 10,40% 21
Total 202
8. Avalie em uma escala de 1 a 3 a comensalidade/relações sociais vividas por você nas Casas de Festas durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara.
145
Durante as festivas Visitas às Casas de Festas os turistas também interagem socialmente
entre si e com os moradores locais, geralmente desejam obter informações sobre a tradição, sobre os
alimentos que são servidos e seus modos de preparo, principalmente durante os banquetes nessas
casas é que eles praticam e fazem parte do processo de comensalidade que é inerente à
hospitalidade dessas casas. “Um sinal de hospitalidade inteira e um convite à convivência aberta;
dar de comer, pois a hospitalidade se concretiza maximamente na comensalidade”. (PLENTZ, 2007,
p.13)
A maior parte dos turistas gostou de se irmanar comendo e bebendo com outros, das
interações e da convivibilidade vivenciada em sua permanência nas Casas de Festas.
Sobre o ato de se alimentar em companhia do outro Moreira (2010, p. 23 e 24) pontua
que:
Comer é realizado pelo indivíduo em seu interesse mais pessoal; comer acompanhado, porém, coloca necessariamente o indivíduo diante do grupo, usando-se o ato de comer como veículo para relacionamentos sociais: a satisfação da mais individual das necessidades torna-se um meio de criar uma comunidade. Neste mesmo raciocínio, a origem da palavra companhia deriva da palavra latina companion significa: “uma pessoa com quem partilhamos o pão”.
Boutaud (2011, p.1218) define a mesa como “lugar de partilha, em épocas ordinárias, a
mesa é também o lugar de festa e de celebração, do vínculo social e de convivência, mas também
dos grandes momentos da vida”.
A comensalidade vivenciada na Casas de Festa e em outros rituais gastronômicos na
Festa do Divino em Alcântara são atraentes aos turistas por representarem principalmente
momentos de relações sociais e de trocas culturais.
Quadro 21
Fonte: Turistas, 2015.
Doce de Espécie 57,95% 113Licor 29,23% 57Chocolate 11,28% 22Outros Doces 1,54% 3
Total 195
9. Qual o alimento ou bebida que o fará lembrar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
146
No quadro 21 o turista responde qual o alimento ou bebida que o fará lembrar da Festa
do Divino Espírito Santo em Alcântara sendo 57,95% Doce de Espécie; 29,23% Licor; 11,28%
Chocolate e 1,54% Outros Doces.
O alimento-memória nos remete a uma experiência nostálgica e a simbolismos
relacionados à memória individual e à memória coletiva, estas últimas provenientes de lembranças
de situações experienciadas ou aprendidas nos grupos sociais, constituindo-se na memória
gustativa. (RODRIGUES et al, 2014)
O Doce de Espécie é também para os turistas o principal signo gastronômico da festa, é
tido como alimento-signo do Culto ao Divino Espírito Santo em Alcântara. O fator de ter sido
escolhido pelos turistas como o elemento que referencia a festa do ponto de vista gastronômico,
pode se dar por ser o doce mais popular, ou o que será distribuído em maior quantidade, ou por ser
considerado um “doce com história” e por sua autenticidade. Os produtos tradicionais, como o Doce
de Espécie, fazem parte da história sociocultural de uma localidade. Há tempos, por meio das
gerações que os foram produzindo e recriando, esses produtos tradicionais estabelecem um encontro
social e familiar, num encontro entre o saber e a experiência. Por meio da gastronomia é possível
criar vínculos identitários, aproximar-se de festas e comemorações. (RODRIGUES et al, 2014)
Quadro 22
Fonte: Turistas, 2015.
No quadro 22 o turista opina em uma escala de 1 a 3, sobre a importância de serem
servidos alimentos e bebidas para o fortalecimento da tradição da Festa do Divino Espírito Santo
em Alcântara. 2,96% acham 1 Pouco importante; 19,21% 2 Importante e 77,83% 3 Muito
importante.
1 Pouco importante 2,96% 62 Importante 19,21% 393 Muito importante 77,83% 158
Total 203
10. Na sua opinião, em uma escala de 1 a 3, qual a importância de serem servidos alimentos e bebidas para o fortalecimento da tradição da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
147
A presença dos alimentos e bebidas na festa faz-se indispensável, pois seus principais
preceitos de igualdade, caridade e partilha estão diretamente ligados aos alimentos e bebidas,
servidos principalmente nas Casas de Festas.
O turista reconhece que a confecção e a permanência desses alimentos na festa
significam que o conhecimento tradicional está sendo reproduzido e repassado entre as gerações. O
que parece explicar porque que a maioria dos turistas pesquisados opinaram como muito importante
os alimentos e bebidas serem servidos na festa para o fortalecimento da tradição.
O conhecimento tradicional é o saber-fazer enraizado nas populações tradicionais, este
conhecimento é empírico, não existe padronização e registro, ele desenvolve-se ao longo de anos
pela repetição de práticas locais.
5.3 Dados Qualitativos
5.3.1 Entrevistas
As entrevistas constituíram-se em parte fundamental do trabalho para que se pudesse
compreender de forma holística a organização da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara, o
contexto em que ela acontece, o que representa para os envolvidos no processo e o significado da
comensalidade para essa festa.
Para esta parte adotou-se as entrevistas fenomenológicas como procedimento
metodológico de coleta para a interpretação qualitativa da pesquisa. Foram realizadas três
entrevistas com pessoas da comunidade de relevante participação na organização da Festa do
Divino Espírito Santo em Alcântara: o coordenador, um mestre-sala e um festeiro, por se entender
que são funções diretamente relacionadas ao cerimonial e a comensalidade da festa.
As entrevistas com o coordenador e com o festeiro foram realizadas em suas
residências, o mestre-sala concedeu-nos a entrevista em seu trabalho, aconteceram nos meses de
junho a outubro de 2015.
O sentido das entrevistas foi analisar os fenômenos “visíveis e ocultos” nos discursos,
aliados à observação participante da autora durante o período da pesquisa (2014-2015), permitindo
assim refletir sobre a subjetividade e intersubjetividade dos fenômenos, sobre a experiência
vivenciada pelas pessoas e sobre o reconhecimento da “vivência estranha”, procurando identificar o
que representam aquelas experiências vividas por eles, para então tentar compreender a essência e
148
descrever o objeto estudado. Para isso selecionou-se partes das entrevistas, relacionadas
principalmente aos objetivos da pesquisa. (HOLANDA, 2006; RANIERI; BARREIRA, 2010)
As entrevistas basearam-se de acordo com o conceito de Holanda que cita que “o
método fenomenológico constitui-se numa abordagem descritiva, partindo da ideia de que se pode
deixar o fenômeno falar por si, com o objetivo de alcançar o sentido da experiência, ou seja, o que a
experiência significa para as pessoas que tiveram a experiência em questão […]”. (2006, p.371)
Inicialmente se apresenta uma síntese das entrevistas para demonstrar com maior
clareza o que fora observado e analisado durante a pesquisa, no que se refere a variáveis
relacionadas aos objetivos da pesquisa como a comensalidade, os símbolos, a hospitalidade e a
atratividade do cerimonial e da comensalidade da Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara-MA.
Quadro 23 – Síntese das Entrevistas
Fonte: Moradores, 2015.
A seguir destacam-se trechos das entrevistas que foram realizadas com o coordenador,
um mestre-sala e um festeiro, nessa mesma ordem, seguidos de análises interpretativas do
fenômeno estudado.
Quando perguntado ao coordenador do evento sobre qual a sua primeira lembrança da
Festa do Divino:
VARIÁVEL SÍNTESE DAS ENTREVISTAS
Comensalidade Alguns rituais da festa surgem pela necessidade dentro da própria festa. É comum a fartura em cada Casa de Festa.Os alimentos e bebidas são parte integrante e essenciais à sua realização.A comensalidade está presente em todos os dias de festa.O Doce de Espécie e o Licor de Jenipapo são considerados alimentos-signos da Festa.
Simbologias Mastro = Fartura.Doce de Espécie = Hospitalidade, Originalidade e Exclusividade.Licor = Luxo, Igualdade e Nobreza.Bodo = Fraternidade, Irmandade.Banquete do almoço = Agradecimento, Irmandade
Hospitalidade É obrigação de todo festeiro receber todos nas Casas de Festas.Atratividade turística do cerimonial e da comensalidade da festa
Os turistas são bem-vindos à Alcântara para a Festa do Divino, em especial o turista que tem interesse na cultura local.A Festa também é preparada pensando nos turistas e visitantes.
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Coordenador: Eu vou lhe dizer como eu comecei a participar dessa Festa do Divino. Eu trabalhava no comércio do senhor Galdino Ribeiro que era o coordenador da Festa do Divino na época. E além do comércio ele fazia altares, esses altares que você vê, altares, fazia centro de mesa e escolhia, coordenava toda a festa e eu trabalhava pra ele. E ele me ensinou tudo isso e eu fui Mestre-sala também por ele, ele que me indicou pra festeira pra ser Mestre-sala no primeiro ano. E eu podia ter mais ou menos meus 16 anos por aí e eu fui servir o Divino, gostei daquele movimento, sabe, a gente jovem né, comecei a gostar e daí eu comecei a participar da Festa do Divino e ele me ensinou toda essa tradição da Festa. Quando ele tava doente tinha o senhor Ricardo Leitão que era Coletor do Estado aqui que também era Mestre-sala e como ele era um jovem senhor na época de seus quarenta e poucos anos e eu ainda jovem ele passou para ele a coordenação e dizendo a ele que quando ele tivesse também já não tivesse condições me entregasse a coordenação. Isso foi feito. Depois que ele morreu o Ricardo assumiu a coordenação e eu comecei a trabalhar junto com ele para dar um suporte pra ele na Festa do Divino e quando esse senhor também estava doente eu assumi diretamente até hoje a Festa do Divino (COORDENADOR, 2015).
Logo no início da narrativa identifica-se a preocupação dos envolvidos na organização
da Festa do Divino em Alcântara em transmitir o conhecimento acerca desse patrimônio para as
gerações mais novas e com isso assegurar a continuidade da Festa.
Acerca das pessoas que ocupam as funções de Mestres-salas e da hierarquia existente entre
eles, declara:
Coordenador: É, nós temos um total de 15 Mestres-salas. E depois, na época que eu comecei eram poucas pessoas e já de idade. Quando eu assumi a coordenação eu resolvi, até porque os outros já tinham morrido, eu resolvi ter muitos rapazes jovens que com muita dificuldade eu consegui porque você sabe que o jovem hoje não gosta de se preocupar com essas coisas, ele quer está livre pra dança, pra festa. E então eu consegui trazer eles pra Festa e meter na cabeça deles o que é a Festa, a importância da Festa pra eles e eles começaram a gostar e tão comigo até hoje. Nós temos 15 Mestres-Salas.Coordenador: Veja bem, é... isso aí é um...(risos) vou lhe dizer sinceramente é a maior preocupação para mim é saber que eu vou deixar esse trabalho e saber quem vai me substituir? Eu estou trabalhando em cima de vários mas até hoje se a senhora me perguntar quem será o beneficiado eu não sei te dizer.Pesquisadora: Quem escolhe é o senhor mesmo?Coordenador: Eu que escolho. É, porque como eu lhe disse hoje o jovem não quer compromisso com nada (COORDENADOR, 2015).
Os jovens desenvolvem a pertença por aquela manifestação cultural pela sua vivência
cotidiana em meio à festa e pelos ensinamentos que lhes são repassados pelos mais antigos,
principalmente por meio da oralidade.
Outro fator relevante junto a isso é que o posto de coordenador é vitalício, alternando-se
naturalmente por meio de uma lógica tripartite entre os Mestres-salas, o que garante uma maior
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possibilidade de que sempre haverá um deles para “assumir a festa”. É comum que o coordenador
escolha um jovem para que lhe seja repassado todo o conhecimento que ele adquiriu sobre a festa
durante sua vida, para que esse jovem no futuro, quando tiver obedecido a ordem de precedência
que se dá entre os Mestres-salas, possa assumir o posto que um dia fora ocupado por ele.
O posto de Coordenador é de muito prestígio diante a comunidade, sempre é muito
respeitado por todos, é reconhecido como a pessoa na cidade que detêm o maior conhecimento
sobre os rituais e elementos da festa. Percebe-se que há uma valorização dessas pessoas que
ocuparam o posto de coordenador mesmo após seu falecimento, pois sempre são lembrados nas
oratórias, são homenageados nas Casas de Festas e principalmente na Casa do Divino, que é um
museu da festa durante o ano, mantido pelo Governo do Estado, e que no período da festa é
oficialmente a Casa do Imperador, onde ele receberá seus convidados e visitantes durante todo o
festejo.
Como há essa preocupação que sejam inseridos jovens que aprendam as tradições da
festa para que sejam renovados hierarquicamente os postos, muitas vezes lhes é despertado o
interesse de continuar participando diretamente da festa e, consequentemente, é ocasionada também
uma disputa interna entre eles quanto a esses postos. Tradicionalmente são os homens quem
participam como Mestres-salas, mas não há proibição caso algum festeiro escolha uma mulher.
Entende-se assim que a Festa do Divino é “compreendida como um patrimônio
imaterial das comunidades, que fala sobre os saberes e fazeres dos grupos sociais, transmitida de
geração em geração, desta forma é entendida como festa popular”. (RAMOS; CRUZ, 2014, p. 02)
Todos os anos são (re)formadas redes de trabalhos constituídas por mulheres e homens
que são os responsáveis de fato para que a festa aconteça tradicionalmente com a mesma
expressividade e fartura. Eles trabalham exaustivamente nos bastidores da festa produzindo os
alimentos que serão servidos dia e noite tanto para convidados quanto para turistas e para seu grupo
de trabalho de cada Casa de Festa. Mesmo que a maioria dessas pessoas trabalhem voluntariamente,
os custos são altos para o festeiro porque terá que garantir a alimentação de todo o grupo durante
todos os turnos de trabalho.
Quando questionado quanto a origem dos banquetes do almoço e dos doces, explica:
Coordenador: Quando eu recebi essa Festa já tinha isso. Veja bem, naquela época, todo o pessoal gostava de trabalhar e trabalhava isso com amor, com gosto, sem um centavo de recompensa. Então, quê que são 12 dias de festa? o que acontece: cada festeiro, ele tem uma quantidade de 15, 20 pessoas diariamente trabalhando,
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então o festeiro dá almoço, dá janta e merenda todo dia para esse pessoal. E o Império como o custo dele é maior ele se responsabiliza não só para dar alimentação para o pessoal que trabalha como para o pessoal que vêm de fora que às vezes não tem alimentação e então ele dá. E no último dia é uma tradição já da Festa fazer um almoço pra todas as autoridades e toda pessoa que compõe a festa e que vai visitar a festa (COORDENADOR, 2015).
Identifica-se na narrativa do coordenador, e nas narrativas dos participantes mais
antigos, de que forma os costumes vão se transformando de acordo com as necessidades que vão
emergindo, pois essa alimentação do turno diurno que antes seria para suprir as pessoas que
trabalhavam na Casa de festa foi crescendo, ganhando a conotação de banquete, popularizou-se na
cidade, foi recebendo a presença de turistas e hoje, esse almoço é parte integrante das cerimônias
que compõem a festa. Essas transformações e incorporações nos fazem lembrar a ideia de Silva que
(2013 p. 14) “as festas populares instalaram um modo de compartilhar a vida extremamente
significativo também nos dias de hoje.
Festas são ótimas ocasiões para pensar as relações entre a tradição e a modernidade”.
Coordenador: Porque esse Doce veio do começo da Festa, a festa... o que se servia dessa festa era o Doce de Espécie, era o bolo de tapioca, era aqueles bolinhos de côco redondinhos e os doces secos que se chamava... que era sequinho que a gente parte ele gostoso. Esses eram os doces da Festa. Não tinha pudim, não tinha pão-de-ló, não tinha essas coisas todas, isso veio depois. A Festa foi formada com esses doces para fazer. Como as bebidas, não tinha cerveja, não tinha nada, não tinha nada, era licor, cachaça e vinho. Hoje com a evolução do tempo ninguém quer mais saber disso, quer é cerveja (COORDENADOR, 2015).
Em contraposição a esse depoimento questionou-se ao coordenador a resistência do
licor, uso e quantidades produzidas para a Festa:
Coordenador: É tradicional. Não pode deixar de ter o licor.Coordenador: Olha, isso depende da condição financeira de cada um, o que eu posso lhe dizer que nenhum festeiro, por menos condição que esteja, ele não faz menos de 500 litros de licor.[…] É que se gasta mais licor é no mastro. Depois é para servir… hoje, já se serve mais para turista, essas coisas e tal, que eles gostam. Porque o turista quando vêm visitar a Festa do Divino ele não quer cerveja, não quer uísque, não quer nada, isso ele já faz por lá; ele quer é licor e doce de espécie (COORDENADOR, 2015).
Uma das formas dos alcantarenses representarem sua cultura é por meio do Doce de
Espécie, considerado o maior signo identitário da gastronomia alcantarense. Ele é tido como um
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produto genuinamente alcantarense, ainda que alguns reconheçam as influências portuguesas na sua
criação e sua origem confunde-se com a origem da festa em Alcântara.
Mais uma vez se percebe que o processo cultural é dinâmico e permite a entrada de
novos elementos, embora permanece a preocupação em não se deixar perder a essência da
manifestação, mas é um processo natural que, com o contato com outras culturas, com as
tecnologias utilizadas atualmente e com a mudança de visão do mundo pelos mais jovens, alguns
processos transformem-se nessas manifestações.
Uma das garantias para a continuidade da tradição é justamente esse exercício de
resgate da memória que é percebido no discurso quando é enumerado o que era servido
originalmente no seio da festa e que se somando aos outros discursos, são o que sedimentam a
memória coletiva desse e de outros grupos sociais. “A memória desempenha importante papel
individual e social. Representa a perpetuação da história por meio das lembranças e surge como
fator de destaque em grupos sociais de todos os tempos” enfatiza Possamai (2011, p.33).
Mesmo com as inúmeras inserções e mudanças ocorridas com o passar dos anos, como
a entrada de bebidas como a cerveja, que é atualmente uma das mais populares e consumidas no
país, foi mantida a tradicional distribuição de licor que ocorre abundantemente nos dias de
levantamento do mastro, assim como é “obrigatório” sua presença permanentemente nas Casas de
Festas. Os licores podem ser entendidos como um elemento que compõe a manifestação da
hospitalidade em cada casa.
Observa-se pelos estudos de Câmara Cascudo que o próprio licor sofreu
transformações, pois teve que passar por adaptações em seus ingredientes, pois normalmente para
se seguir os preparos culinários utiliza-se os ingredientes disponíveis em cada localidade. Além da
criatividade isso é um fator que contribui para a variedade de sabores de licores que são servidos a
cada ano na Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara.
O Licor de Jenipapo e o Doce de Espécie são percebidos como os itens da culinária
tradicional preferidos pelos turistas.
Não há um consenso sobre as tradições relacionadas ao mastro e todos os rituais que o
envolvem, como sua ornamentação com murta e frutas, alguns atribuem somente à estética do
Mastro, outros a costumes antigos relacionados com a fartura. Encontra-se mais fundamento da
literatura na segunda proposição, pois de acordo com as ideias do pesquisador Câmara Cascudo
esses mastros comemorativos que existem no Brasil teriam sua origem nos mastros de maio, uma
tradição europeia, onde também se ornamentavam esses mastros com flores e frutas.
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Coordenador: Aquilo é apenas para enfeitar o mastro, né... apenas para enfeitar o mastro. A pessoa bota para não ficar feinho, bota coco, bota banana, bota tudo, mas eles não querem dizer... aquilo foi mais da festa, está dentro da cultura da festa? não está... é uma coisa que veio depois para fazer... (COORDENADOR, 2015).
O que se percebe implícito na fala do entrevistado é que dos mastros existentes nas
celebrações em Alcântara, o do Divino é o mais importante, acredita-se ser esse diferente pois esse
é o Mastro do Divino Espírito Santo. O mastro em Alcântara faz relembrar a época da escravidão,
acredita-se que contribuem para isso a constituição histórica do município que é formada por muitos
quilombos e pela proximidade que esse Mastro do Império é fincado à terra na Praça da Matriz a
poucos metros de um pelourinho, um dos maiores símbolos dessa época.
Em contrapartida é muito claro a representação da Corte portuguesa, por meio da corte
mirim que é composta a cada ano em homenagem ao Divino Espírito Santo, assim como a presença
das Caixeiras que representam a herança africana da miscigenação.
Coordenador: É, pode até ser, está vendo, mas não é... agora, tem outra coisa diferenciada da coisa, o mastro, todas as festas mesmo sem ser do Espírito Santo, o mastro... Mas a nossa festa, o mastro, para nós aqui em Alcântara, ele simboliza a época do Império que tinha o pelouro, que ainda tem aí, que se castigava os, como se chamava na época, os escravos. Ele é o símbolo desse mastro... Então essa festa é o símbolo disso (COORDENADOR, 2015).
Quando perguntado se todo Festeiro é Mordomo? E como são organizados a cada ano,
responde:
Coordenador: É, são. Porque tem o Mordomo Baixo que são os mordomos e tem o Mordomo Régio que é a segunda pessoa do Império.[…] Nós chamamos 13, 13 pessoas, agora é muito difícil fazer. Na época que eu comecei as coisas eram muito mais baratas, todo mundo fazia. Hoje não, escolhe 13, tem ano que faz... por exemplo neste ano foi 7, tem ano que faz 12, que faz 11, neste ano agora que vai começar...Mas o chamamento é 13 (COORDENADOR, 2015).
O número tradicional de festeiros da festa são treze, e assim todos os anos é feito o
chamamento pela coordenação da festa de treze pessoas, algumas delas são pessoas que procuram a
coordenação interessadas em se candidatar para fazer uma festa, normalmente para pagamento de
promessa ou por tradição em participar da festa. Para Brandão (2010, p.198) “em seu campo
próprio, o religioso produz uma estrutura original de troca de serviços e de significados
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concretamente sociais e ideologicamente consideradas por seus agentes como mediatizadoras entre
os homens e o sagrado”.
Hoje conseguir reunir os treze festeiros é uma das dificuldades encontradas para a
realização da festa, por implicar em uma participação que envolve muitas responsabilidades e um
custo considerável, por isso não são muitas as pessoas que podem assumir esse compromisso.
Dos treze que serão chamados nem todos terão condições de realizar a festa, algumas
vezes por dificuldades financeiras ou por problemas de saúde.
Exemplificando o cerimonial da Festa, esclarece a formação da Côrte e as crianças à
frente do cortejo:
Coordenador: Quando é homem é o Imperador e dois Vassalos. Quando é mulher é a Imperatriz, duas Aias e um Vassalo. Uma Aia ela é a dama da Imperatriz, é a pessoa de confiança dela; a outra Aia é responsável pela corôa e o Vassalo é o homem da segurança da corte.Coordenador: São os mordomos que representam o mordomo que é chamado na igreja. Ele é o Mordomo. Ele é como se fosse um conde, uma condessa da época.[…] O Império tem direito a 3 caixeiras, 3 bandeiras e 1 bandeireiro que é o estandarte que traz o símbolo da festa. O Mordomo Régio ...2 caixeiras, 2 bandeiras e uma bandeira dessa maior (COORDENADOR, 2015).
O cerimonial da festa é bem definido e segue uma ordem que deve ser obedecida a cada
reprodução da festa, a cada ano é estabelecida uma formação diferente de acordo com quem estiver
representando o trono, acredita-se que esse modelo deriva da composição existente nas cortes
europeias. Cada membro da corte possui uma função diferente como no caso dos Vassalos que são
os responsáveis pela segurança do Imperador/Imperatriz (Vassalo da Espada) e pela Santa Croa
(Vassalo da Santa Croa), As Aias fazem companhia para a Imperatriz e a auxiliam, Os Mestres-
salas são os responsáveis por conduzir as cerimônias, entre outros. Todos conhecem seu papel na
festa e o que representarão a partir daquela teatralização.
É importante lembrar que as hierarquias são muito respeitadas dentro da festa, não é
permitindo atropelá-las em nenhuma hipótese, exemplificando-se a afirmação remetemo-nos ao
caso de um futuro festeiro que queria ter um número de cinco Caixeiras por que assim o tinha
prometido, no entanto, não foi aceito pela coordenação por ser superior ao número de Caixeiras que
é peculiar ao Império.
Ainda questionado sobre suas lembranças e participação na Festa, observa:
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Coordenador: Minha filha, é tanta coisa que eu não vou nem saber responder. Eu já tenho medo é de eu não poder mais participar da festa, vai chegar um tempo que eu não posso mais.Essa festa para mim… Só para te dizer em 12 dias de festa se você chegar aqui e me procurar uma hora dessa não me acha. Vai me achar em uma das casas, porque eu tenho que percorrer para ver o que falta, o que não falta, o quê que se pode fazer, a ajuda que se pode conseguir.Coordenador: Olha, eu vou lhe dizer com certeza, eu tenho muitas pessoas me vem assim: “Que eu já me preocupo quando tu morrer porque eu não sei se vai ter alguém que venha te substituir e fazer o que tu faz nesta festa” eu me dedico o tempo todo na festa, a festa são doze dias mas eu trabalho nela é no ano, eu faço reuniões, eu explico para os festeiros o que eles tem que fazer, eu entro em contato com os órgãos de competência, Secretaria de Cultura de São Luís, do município, de outra secretaria, o Governo do Estado, para cuidar, pra conseguir recursos pra se fazer…(COORDENADOR, 2015).
Como nos diz Silva (2013, p. 36), “a festa interrompe o cotidiano, ainda que a ele se
tenha que retornar, e, assim, instaura tempo cíclico um eterno retorno – o tempo da divindade”.
É visível na narrativa primeiramente o receio por causa da idade, em não ser mais
possível sua participação na festa, pois o posto requer certo vigor físico para acompanhar as
cerimônias e cumprir todos os rituais e em segundo a preocupação com a manutenção da tradição.
Compreende-se que as pessoas que participam da organização da festa passam a
reconhecer a importância da salvaguarda como um bem cultural para a permanência da festa no
futuro e para a segurança de obter recursos que permitam sua realização como é descrita
tradicionalmente. Na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, realizada em
Paris, em 17 de outubro de 2003, definiu-se “salvaguarda” como sendo “as medidas que visam
garantir a viabilidade do patrimônio cultural imaterial, tais como a identificação, a documentação, a
investigação, a preservação, a proteção, a promoção, a valorização, a transmissão”, ressaltou-se
ainda que pode ser através da educação formal ou não e que esses patrimônios devem ser
revitalizados em todos os aspectos.
Atualmente a obtenção de recursos públicos tem sido outra dificuldade para sua
realização, são poucos os recursos disponibilizados que são conseguidos, ou são liberados após o
período da festa influenciando diretamente no padrão da festa ou nem estão previstos recursos.
Identificou-se que no imaginário das pessoas a comensalidade está presente desde o
início da festa em Alcântara e que quando referimo-nos a alimentação, o pensamento é remetido a
alimentação que é dada em retribuição ao trabalho das pessoas que ajudam a fazer a Festa do
Divino Espírito Santo, dedicando horas de seus dias para contribuir nos afazeres das Casas de
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Festas. Essas pessoas também são as responsáveis pela produção do Doce de Espécie, que como
visto, é entendido como uma “lembrança” para o turista, que será presenteado em referência a
hospitalidade local. Para Leonardo Boff (2006, p.17), “outro elemento produtor de humanidade,
estreitamente ligado à comensalidade, é a culinária; vale dizer, a preparação os alimentos”.
Coordenador: Tudo sempre teve, porque você quando começa essa festa, uns com mais, uns com menos, mas nunca deixa de ter na casa menos de 20 pessoas trabalhando o tempo todo. Então você tem que... e eles não ganham nada, então você tem que dar a alimentação pra eles, tem que dar almoço, tem que dar jantar, tem que dar merenda, tem que dar tudo pra eles...[…] Olha, pelo menos o Doce de Espécie é aquilo... ele traz assim como se fosse... para quem vem de fora uma lembrança da Festa do Divino (COORDENADOR, 2015).
No trecho seguinte discute-se a presença de turistas e visitantes na cidade no período da
Festa do Divino de Alcântara:
Coordenador: Em parte, por exemplo, eu até digo isso com tristeza. Se você pegar uma parte do pessoal que vem de São Luís, eles vem para a Festa do Divino, não como se fosse a Festa do Divino, vem como se fosse uma coisa qualquer. Primeiro, essa festa tem a tradição assim: você não pode entrar no altar de bermuda, você não pode entrar na sala do altar com uma camisa manga cavada, você não pode entrar fumando, você não pode ter chapéu, essas coisas. O pessoal que vem de São Luís, não são todos, mas a maioria que vem pra essa festa, eles já pegam o barco já só de bermuda e diz “eu vou na casa de festa”. Ele não sabe o que é festa. Já o turista é diferente, ele chega na casa da festa, antes de entrar ele pergunta como é que é a festa e como ele pode entrar e o que ele deve fazer, entendeu?Coordenador: Olha, a maioria do nosso pessoal que é daqui, nosso mesmo do Maranhão, não são todos né, mas não tem quem respeite, eles acham que aqui é como se fosse um carnaval, aquela coisa e tal... (COORDENADOR, 2015).
O turista é bem-vindo à cidade durante a Festa desde que respeite as tradições locais. A
festa também é preparada para o turista que tem motivação cultural ou religiosa, os moradores,
festeiros, organizadores tem prazer em difundir os preceitos da festa e divulgar a cultura
alcantarense. Entende-se que o perfil de turistas almejados na festa são principalmente “aqueles
com interesse específico na cultura (motivação principal), isto é, que desejam viajar e aprofundar-se
na compreensão das culturas visitadas, se deslocando especialmente para esse fim”. (Ministério do
Turismo, 2010)
O Doce de Espécie e o Licor são as representações dos principais signos gastronômicos
da festa, podem ser considerados os responsáveis por maior parte dos momentos da comensalidade
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existente na festa. Eles são considerados alimentos signos da festa, ao alimento-signo estão
relacionados valores e significados simbólicos, onde sua degustação perpassa a experiência
gustativa e sensorial, configurando-se também em experiências culturais. (GIMENEZ, 2011, p.24).
Para as pessoas de Alcântara eles pertencem à memória da festa porque de certa forma a
representam. São também os principais alimentos partilhados na festa, o que lhe dá sentido.
Outro fator é a tipicidade local evidenciada por eles, eles são alimentos essenciais à
Festa do Divino e por isso identificam as Casas de festas e estão relacionados a identidade da
própria festa em Alcântara.
Coordenador: A Festa do Divino sem licor e sem, sem doce de espécie não tem sentido. […] Porque são as duas coisas que trazem a lembrança da Festa do Divino.Coordenador: Representa isso e muito mais. Representa como se fosse uma coisa, vamos dizer assim, você tem um prato típico na sua casa, o dia que você não botar ele parece que a casa não, não tomou pé, tem alguma coisa diferente. É justamente se você não tiver o doce de espécie na Festa do Divino e o chocolate, você não está fazendo uma festa e essa festa não é do Divino. É um marco da Festa do Divino. Se você não tiver nada na festa, mas tiver o chocolate e o doce de espécie aqui tem uma Casa de Festa do Divino, aqui se faz uma Festa do Divino.Coordenador: Símbolos da Festa do Divino, não da cidade, da Festa do Divino (COORDENADOR, 2015).
Principalmente durante os dias de festa, as crianças convivem intensamente nesse
universo da celebração ao Divino Espírito Santo, tanto que reproduzem o que veem os adultos
praticando, como no caso do Mastrinho, uma iniciativa das próprias crianças que se reúnem para
levar seu próprio Mastro imitando os Mastros maiores, param nas casas e em vez de licor pedem
refrigerante, numa alusão à distribuição de licores. A seguir a foto do Mastrinho de 2015:
Foto 33 – Mastro das cr ianças
Fonte: (REIS, 2015)
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Para os adultos é muito satisfatório essa iniciativa das crianças, dá-lhes a certeza de que
o farão quando estiverem adultos também.
Coordenador: (risos) Não, isso, olha isso, é... eu outro dia até disse e repito aqui... menino, isso dá para eles incentivo, é muito bonito, eles mesmo que criaram isso, eu acho lindo, lindo, lindo demais. Eu vou, eu vou ajudar eles pra que não perca mais e todo ano... (COORDENADOR, 2015).
Essa reprodução de um símbolo carregado de significados sociais e históricos pode
representar a continuidade do Mastro na festa, pela manifestação cultural estabelecida no
imaginário dessas crianças.
É importante a inserção das crianças e adolescentes no contexto da festa para a
conservação do patrimônio imaterial, muitos deles, a exemplo dos Mestres-salas que normalmente
são inseridos adolescentes, permanecem participando da festa por muitos anos, reproduzindo-a a
cada ano, (re)transmitindo seu conhecimento sobre ela, para que seja realizada de acordo com a
tradição. “A preservação do patrimônio cultural, significa, principalmente, cuidar dos bens aos
quais esses valores são associados, ou seja, cuidar de bens representativos da história e da cultura de
um lugar, da história e da cultura de um grupo social” como afirma Brayner (2009, p.12).
Coordenador: O Mestre-sala ele tem por obrigação de saber tudo da festa. Horário que vai chegar um visitante, horário que o festeiro vai ter que esmolar, a hora da missa, o que o mordomo representante tem que vestir, tem que fazer, é o responsável por tudo porque o festeiro em si ele vai fazer a festa, por exemplo, da primeira vez ele não sabe nada.
Ao ser perguntado se a presença dos turistas nas Casas de Festas invadem a privacidade
da comunidade, pontua:
Coordenador: Eu acho que não, acho que não. Pelo contrário eu acho até bom que tenha porque vai divulgar, vai mostrar, vai ver o trabalho que o festeiro tem, muitos deles até perguntam quanto custa aquilo e tal, o verdadeiro turista, né? e ficam admirados daquilo né? e aquilo vai servir como uma mostragem lá fora do que é a Festa do Divino em Alcântara, a divulgação dela né? Por tanto pra mim é importante ter turista dentro da festa (COORDENADOR, 2015).
A presença de turistas na festa fora dos sábados, que são os dias de shows em praça
pública, pode ser considerada ainda pequena. A interpretação é que o espetáculo também é
preparado para o turista que estará na cidade durante o festejo, ele é visto como uma pessoa que
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divulgará seu patrimônio cultural no seu retorno, o entendimento é que os “verdadeiros turistas”
valorizam a cultura local, querem aprender sobre a festa e sobre os costumes locais.
O Turismo Cultural “pode reafirmar a identidade da localidade através do resgate da
memória da comunidade e promover a evolução da cultura local, com o contato entre diferentes
culturas, cujos elementos podem ser ou não incorporados pela comunidade” observam Monteiro e
Oliveira (2006, p.06).
Manter a tradição também implica em despertar o interesse dos mais jovens, porque
serão eles que a interpretarão no futuro. Muitos jovens após participarem de forma ativa da festa
despertam o interesse pela cultura, pois reconhecem-se por meio da tradição e com isso criam entre
si um vínculo identitário.
Alguns desses jovens são inseridos pela necessidade da própria estruturação da festa,
com seus “personagens” e do cumprimento das ritualizações das cerimônias. Sobre a necessidade de
reorganização para manutenção da tradição Tomaz (2010, p.02) considera que “nessa busca pela
coesão, pelo passado comum e pelo sentimento de pertença, com vista a traçar uma trajetória
comum, a cidade pode até escrever e reescrever seu passado, juntando fragmentos e reorganizando-
os”.
Mestre-sala: Eu não tinha muita … Festa do Divino não. Eu fui mais porque tinha uma irmã Aia e aí convidaram minha irmã e aí eu passei a frequentar mais a Festa do Divino, eu passei a acompanhar ela, chegava na Igreja quem acompanhava ela era eu.Mestre-sala: Bem, na verdade foi minha cunhada. A mãe dela ia ser festeira e não tinha Mestre-sala e eu por brincadeira eu me ofereci: não, eu vou ser o Mestre-sala da tua mãe. Como o tempo foi passando e eu falei por brincadeira e quando chegou eu acho que uns dois meses da festa ela: Porrudo, tá pronto? Eu: não, pronto para quê?… não tu não disse que vai… eu falei por brincadeira… não, tu vai por mim, e então desde esse tempo eu fiquei sendo Mestre-sala (MESTRE-SALA, 2015).
Outros aspectos analisados no discurso são a presença mais uma vez do Doce de
Espécie desde o início na memória da festa e a escolha dele, do Doce de Buraco e da bolacha como
escolhas de produtos considerados como autênticos à origem da festa em Alcântara. A
comensalidade também parece estar presente desde que a festa foi instituída na região.
Perguntou-se ao Mestre-sala se quando havia começado a participar da Festa há 24 anos
já eram servidos o Doce de Espécie e os outros doces, relatou:
Mestre-sala: Já.
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Mestre-sala: Os outros também. Pudim, doce… tem até um que acompanha o doce de tapioca, é o pudim que eles chamam doce velho, não sei para onde foi doce velho para pudim, para mim é a mesma coisa. Mas tem uma diferença.
A Festa do Divino Espírito Santo faz parte da identidade cultural do povo alcantarense.
Além do motivo cultural, a religião também se faz presente na essência da festa, muitos fazem
promessas para que sejam cumpridas por meio de sua participação com trabalho, por meio de
doações ou assumindo o posto de festeiro.
“Ao realizar a festa sacraliza-se o lado profano da existência e, ao mesmo tempo, retira-
se do lado sagrado a sensação de motivo abstrato (intocado = sanctus). Festejar, assim, é antecipar o
alcance da graça esperada ou consolidar suas dimensões mais significativas”. diz Oliveira (2004, p.
34).
Mestre-sala: Há, é uma festa que eu gosto, uma festa que eu me identifico. Fiz uma promessa, a promessa está quase sendo toda cumprida e assim que concluir o que foi pedido eu vou fazer uma festa por parte da minha família, na verdade (MESTRE-SALA, 2015).
Curioso notar que são os próprios filhos que escolhem quais funções que querem
desempenhar dentro da festa, independente dos postos que seus pais assumam, eles assumem
personalidade própria de acordo com suas aptidões.
Percebe-se também que existem exceções quanto à resistência em assumir alguns
postos, como os das Caixeiras que sempre são colocados como um dos postos de pouco interesse
para os mais jovens.
Descrevendo a participação de sua filha como Bandeirinha e a possibilidade de se tornar
Imperatriz, respondeu:
Mestre-sala: Bandeirinha e Seu Moacir já quer que ela seja caixeira, mas eu acho muito pequena, porque na verdade ela é uma criança, só é comprida, tá entendendo? E ela trabalha de caixa. Mestre-sala: Nunca quis. Ela só gosta de bater caixa.[…] Já fizeram essa pergunta para mim. Eu disse, rapá… Pessoas nunca convidaram. Mamãe quer fazer uma festa, diz que ela vai ficar mordoma dela, durante o dia ela é caixeira, a noite ela pode ser mordoma, mas durante o dia ela é caixeira (MESTRE-SALA, 2015).
A tradição na comunidade é perpetuada a cada ano ocasionando assim uma
consolidação de uma irmandade unida pelo objetivo de realização da festa. Na maioria das famílias
161
de Alcântara sempre tem alguém que participa ou já participou direta ou indiretamente da Festa do
Divino Espírito Santo.
A relação entre a religião e a comida é intrínseca à festa, é por meio dela que as pessoas
irmanam-se e praticam a caridade. Por isso muitos por estarem pagando suas promessas não
aceitam recursos financeiros que sejam públicos ou de pessoas que participem dos governos.
“As festas e celebrações em geral apresentam-se nas mais diferentes culturas sempre
ligadas a algum tipo de alimento. Não só o alimento está presente nas celebrações, como existem
rituais e celebrações dedicadas a ele”, observa Possamai (2011, p. 31).
Ao ser indagado se há relação entre os alimentos e bebidas que são oferecidos nas Casas de
festa com aspectos religiosos, afirmou:
Mestre-sala: Eu acho que tem, com certeza.Mestre-sala: Porque muitas das vezes, algumas pessoas fazem promessa para fazer a festa e lá eles dizem o que eles querem fazer, muitos deles, eles ofe…, eles não… não… podemos dizer assim… eles não aceitam ajuda das outras pessoas na base de governo, tá entendendo? Porque eles fazem a promessa para dar realmente a comida realmente que eles têm por dia, para o momento (MESTRE-SALA, 2015).
Quando chega o momento da festa, todos esperam que como em todos os anos sejam
servidos muitos doces com chocolate, muitos licores, os banquetes diários nos almoços dos
festeiros. A fartura tem que estar presente nessa celebração ao Divino Espírito Santo e para isso em
cada casa, pessoas da comunidade se agrupam para tal fim, subdivididas de acordo com seu
conhecimento e aptidão para a atividade, assim o trabalho é segmentado e o conhecimento também
é repassado nesses pequenos grupos, neles é que é aprendido como se “dá o ponto na Espécie”,
como se “bate o chocolate”, como se descasca o coco, como se prepara um Pato ao molho pardo,
etc.
Mestre-sala: Muito importante. A maioria das pessoas vão só para fazer chocolate, tem outras que vão para fazer comida, tem umas que vão para fazer doce, tem outras que são mais preparadas para fazer o doce de espécie (MESTRE-SALA, 2015).
Esses grupos também são responsáveis pela comensalidade da festa, pois uma das
maiores preocupações identificadas nas características da festa é a obrigação de servir alimentos e
bebidas a essas pessoas como forma de gratidão ao trabalho desempenhado por elas em suas Casas
de Festas, esses alimentos e bebidas também se fazem necessários devido a reposição de energia
para a lida no preparo deles. A comensalidade para Leonardo Boff (2006, p.18), “é sempre um rito
162
comunitário cercado de símbolos e significados que reforçam a pertença ao grupo e que consolida o
salto para dentro do especificamente humano”.
Perguntado se a Festa interfere na união e cooperação da comunidade no período da
Festa e a razão para isso, declarou-me:
Mestre-sala: Mais unida. Mais unida.Mestre-sala: É a festa em si, aí tem a questão da pessoa que tá fazendo a festa, tem umas que é promessa, é promessa? Se é promessa a gente vai lá para ajudar mais ainda. Aonde é promessa, lá com certeza, tem algumas pessoas para ajudar (MESTRE-SALA, 2015).
O vínculo que une as pessoas no período devocional da festa é principalmente a
solidariedade que existe entre a comunidade, para que o culto ao Divino Espírito Santo seja mais
uma vez celebrado e traga bençãos para toda a cidade a cada ano, com isso configuram-se bens
identitários, culturais e religiosos, e os sentidos de apropriação desses bens como fator de
demarcação social. (LOPES, 2012)
As redes de trabalho que são construídas em função da festa ocasionam uma maior
interação social entre membros da comunidade e contribuem expressivamente para a manutenção
dessa significativa manifestação religiosa e cultural em Alcântara. Assim compreende-se que “tal
complexidade, ao expor sentidos de apropriação e demarcação social que os atores operam, também
permite pensar que a festa torna-se o ápice de um conjunto de “interações sociais multidirecionais”
(R. Almeida 2010: 381) que para ela convergem, no período devocional”. (LOPES, 2012, p.360)
O posto de festeiro é acompanhado de certa distinção social, quem o assume está entre
um pequeno grupo que tem condições financeiras para proceder aos gastos que se farão necessários,
assim como são os responsáveis por de fato possibilitar que a festa aconteça dentro da tradição.
Quando o número de interessados em ser festeiro é maior do que treze, para priorização
de uns sobre os outros são levados em consideração critérios como se é pagamento de promessa? Se
já realizou com êxito a festa anteriormente? Se terá condições de realizá-la de acordo com a
tradição? Mas precisa-se esclarecer que a “qualidade” da festa de cada festeiro independe de sua
condição financeira, porque os que não possuem muito dinheiro para investir na festa podem
conseguir fazê-la por meio de doações e da solidariedade das pessoas.
Questionado se há disputa para ser festeiro, de que maneira é escolhido e se é levado em
consideração a condição financeira do candidato a Festeiro, respondeu-me:
163
Mestre-sala: Às vezes até… às vezes pessoas fazem promessa… tem pessoas que fazem… que querem… aí vem a questão, quem quer? Coordenação! E aí, decidimos como… É na votação? É no sorteio? A gente procura as pessoas que realmente estão preparadas.Mestre-sala: Muitas das vezes sorteio.[…] Quando há mais de um que tem promessa, a gente faz o sorteio. Quando só tem uma promessa não é necessário que faça sorteio.Mestre-sala: Não, leva não. Porque já tiveram pessoas que fizeram a festa que tinham condições mais fracassados do que quem tem menos recurso (MESTRE-SALA, 2015).
Essa organização interna para definir quem estará no posto de festeiro, por vezes, pode
ocasionar uma certa disputa social ou desconforto pelo processo da escolha. Pois como define Silva
(2013, p.36), “nesse jogo de identidades e diferenças, de festa e cotidiano, o Imperador do Divino
cria uma monarquia paralela e desorganiza a ordem cotidiana. Esse Império do eterno – os dias da
festa – faz coroas se assentarem em múltiplas cabeças […]”.
Mais uma vez a resposta é negativa para o questionamento quanto a origem do Doce de
Espécie na Festa, porém acham importante continuar a tradição de oferecer essas comidas:
Mestre-sala: Não sei isso aí, infelizmente.Mestre-sala: É importante porque se a gente não manter a tradição… com o tempo ela vai.. a festa vai decaindo até que chega um ponto que termina porque não manteve a tradição (MESTRE-SALA, 2015).
Existem poucos estudos que contenham dados históricos acerca do Doce de Espécie e
dos licores de Alcântara, sobre em que momento foram inseridos no contexto da festa. E oralmente,
as pessoas sabem poucas informações quanto a isso. Mas elas sabem o significado deles para a
preservação desse patrimônio cultural de Alcântara, que é a Festa do Divino Espírito Santo.
Percebe-se que no Brasil há uma valorização da culinária, mas sua importância ainda é
subestimada, muitos países latinos diferenciam-se dos europeus por não terem os alimentos
regionais e típicos como componentes de seu patrimônio cultural. (MEDEIROS; PASSADOR;
BECHELENI, 2011)
Nas Visitas que acontecem nas Casas de Festas e na Casa do Império, todos os
alimentos e bebidas são oferecidos gratuitamente aos moradores e aos turistas.
Para a produção dos alimentos e bebidas tradicionais, é valorizado principalmente o
saber-fazer, por isso determinadas pessoas são conhecidas na cidade por deterem o conhecimento
do saber-fazer do que é considerado mais próximo do autêntico das receitas originais. Compreende-
164
se que essas pessoas têm orgulho de possuir esse conhecimento que dá continuidade à festa e são
solidárias e colaborativas com os festeiros, tradicionalmente ajudam a quem precisa.
O conhecimento acumulado é repassado por meio das relações coletivas de
aprendizagem que são estruturadas nas Casas de Festas, de forma natural durante o trabalho da
“equipe ritual”, aprendem participando e fazendo. (BRANDÃO, 2010)
Para que todos os rituais onde está presente a comensalidade aconteça de forma
organizada, respeitando as tradições, dedicam-se os Mestres-salas.
Os Mestres-salas conduzem o cerimonial para que todos os rituais sejam cumpridos nas
cerimônias e na passagem do Imperador/Imperatriz nas festivas Visitas aos Mordomos.
É retratada a necessidade de reorganização de algumas estruturas para que a festa
aconteça da melhor forma possível, como no caso da atual definição da localização exata dos
Mestres-salas durante os dias de festa.
Mestre-sala: Eu fiquei divido, meio a meio. Meio na Casa do Mordomo Régio, meio na Casa do Divino. […] A coordenação achou que o melhor é a gente definir quem é do Mordomo Régio e quem é do Mordomo Baixo.Mestre-sala: Se o dono da festa não está quem responde é o Mestre-sala, é ele que faz toda a orientação lá, para coordenar a casa da festa do dia (MESTRE-SALA, 2015).
Os Mestres-salas conhecem os detalhes da festa e coordenam os trabalhos nas Casas de
Festas, orientam os festeiros transmitindo seu conhecimento sobre a tradição, principalmente quanto
ao cerimonial e ao protocolo dos rituais.
Para Costa (2014) em seu Guia sobre as graduações sociais na História, o Mestre-sala
(master of cerimonies) era o chefe de cerimônias. Esse cargo e cargos como o Armeiro-mor
(encarregado dos brasões e de seu registro e dos torneios), Arauto (encarregado das proclamações),
Passavante (mensageiro) e o Escrivão da nobreza (subscrevia as cartas de armas), eram cargos de
distinção e nobreza, quando em nome de um rei ou grande senhor podiam ter mais poder do que os
Vassalos. Sob as suas ordens estavam serviçais plebeus ou “lacaios”.
A comensalidade da festa é percebida como um elemento com capacidade de atrair
turistas que se interessem pela cultura e gastronomia local, que divulguem a cidade e a cultura,
capazes de ocasionar melhorias na qualidade de vida dos moradores, principalmente pelos recursos
deixados no local. A hospitalidade da festa, da cidade é demonstrada explicitamente nas Casas de
Festas por meio dos banquetes servidos a todos os presentes. Para Boff (2006, p.60), “a
comensalidade está vinculada essencialmente à hospitalidade”.
165
O turista é esperado, é um espetáculo em que ele também faz parte, pois vale mostrar ao
outro como tudo é feito e com que empenho e devoção, pois os moradores já conhecem e aquilo
tudo faz parte naturalmente de suas vidas. Dessa forma, todos querem se destacar nessa releitura a
cada ano, assim os festeiros planejam e guardam segredos a serem revelados somente no início da
festa ou no dia específico de Visita em sua casa, acirrando a competitividade e criatividade entre
eles.
Mestre-sala: Mais turistas na cidade, mais divulgada ela fica, mais recurso fica na cidade, comerciantes… (o final não foi compreensível)Mestre-sala: Com certeza, não fica só para nós alcantarenses, já sabe cada um o que vai sentir, avisar os segredos que fica para a última hora pro dia da sua festa, cada dia a gente já sabe né, tem um dia de um festeiro, então o festeiro se programa para a festa dele. …É uma coisa simples…, No dia de minha festa eu vou botar tudo que eu tenho de melhor. Para dar pra comer e beber e outras coisas, para mostrar isso aí…[…] Geralmente a festa em si, os turistas preferem são o licor e o doce de espécie, o doce de espécie… tem gente que gosta mais do doce de buraco do que o doce de espécie… então para o turista que vem atrás do doce de espécie e muitas das vezes quando ele conhece o doce de buraco, já quer o doce de buraco mas não gosta do doce de espécie (MESTRE-SALA, 2015).
Mais uma vez os alimentos servidos na festa, no caso o chocolate quente e o Doce de
Espécie, são tidos como pertencentes à memória da festa.
A narrativa remete-nos ao Turismo Cultural, vale ressaltar que esse tipo de turismo vem
se desenvolvendo, “buscando promover ações que revitalizem a história tanto no aspecto material
quanto imaterial, sendo essa uma das preocupações presentes nas diretrizes dos órgãos de proteção
ao patrimônio (Iphan, Iphae)”. (POSSAMAI, 2011, p.35)
Por vezes, o gosto em participar da festa pode ser repassado entre as gerações por
tradição familiar. Entre as pessoas da comunidade existe e é permanente a preocupação com a
resistência da festa no futuro e em que formato se dará.
“A continuidade dos rituais das festas religiosas, nos mostra a necessidade humana de
religação periódica ao sagrado como forma de não esquecer sua origem e sua concepção divina”,
analisa Schauffert (2003, p.27).
Mestre-sala: Ela pergunta: “Há pai, será que vai manter a tradição ou será que a coordenação que vem vai mudar alguma coisa, vai diminuir, vai aumentar?” Fica assim… sempre envolve os mestres-salas… para reunir… conversam… A festa na verdade para o turista começa no dia do mastro, para a gente que participa ela já começa desde quando vai a escolha do pau que é do mastro. A festa já começa aí.
166
Vai dois representantes um mês antes pra escolher o pau que represente o mastro, 10 dias antes a pessoa vai já corta esse mastro, faltando 3 dias para a festa vai ser deslocado à comunidade, as caixeiras já vão para buscar ele, então para nós alcantarenses é desde a escolha. Então é porque... a gente sempre questiona... esse trabalho... pessoas vem pesquisar só os momentos, só falam da festa o início do mastro, eles não falam desde a escolha do pau. E quando derruba o mastro que é o dia 15 de agosto, aí acaba o compromisso de um e começa o de outro. Acabou o dia 15 de agosto, acabou o compromisso do imperador e começa o da imperatriz. Corta pela manhã ou pela tarde, é a critério deles e a noite tem a missa já domingo... (MESTRE-SALA, 2015).
Compreende-se que a observação no discurso quanto a não serem abordados todos os
momentos da festa, incluindo a escolha do tronco que se transformará no mastro por sua
sacralização até sua derrubada e todo o trabalho de muitas pessoas durante o ano antes do início
oficial da festa, interfere na significação de sua dimensão e do espaço que a Festa do Divino espírito
Santo ocupa para a sociedade de Alcântara.
Outra tradição da festa em que a comensalidade está presente e que possui um
cerimonial a ser seguido durante o ritual é a Prisão dos Mordomos. Nesse ritual todos os Mordomos
são presos e levados em cortejo como uma representação do poder do Império, são levados ao
Mastro e depois de pagarem suas prendas são simbolicamente libertados do “castigo”,
permanecendo ao redor do Mastro até que o último Mordomo seja preso e posteriormente solto.
Mestre-sala: O intuito é para… é prender a segunda pessoa com os demais, mais baixas… quem manda na festa é o Império, então todos são subordinados a ele, aquele que desacatar a regra da festa são punidos.Mestre-sala: O primeiro a ser preso é o mordomo régio ou mordoma régia, dependendo do ano… o dono da festa em si tem que se esconder… ele tem que se esconder… quando a pessoa não pode ir pode envolver alguém da família ou o coordenador da festa vai… quando chega: “oh, o dono da festa teve que se ausentar, então”… alguém vai… só se for alguém da família…(MESTRE-SALA, 2015).
Costa (2014) aborda que na Idade Média ocidental, o termo Imperador geralmente
designava-se ao soberano do Império Carolíngio e posteriormente ao seu sucessor do Sacro Império
Romano-Germânico, ainda que no Mediterrâneo Oriental ainda existisse o Império Romano do
Oriente, denominado atualmente como Império Bizantino. O título era destinado aos chefes
militares vitoriosos que ganhavam o direito de comemorar as glórias obtidas nas batalhas em desfile
triunfal na capital. O poderio militar dos senhores feudais, do rei ou imperador, estava diretamente
167
relacionado a sua capacidade de mobilizar recrutas para a guerra e sua riqueza era medida pela
quantidade de terras sob seu controle.
Perguntou-se como é feita a troca de bandeiras:
Mestre-sala: O Império tem a dele e o Mordomo Régio tem a dele. Quando eles vão se encontrar há um troca de bandeiras, a bandeira do império vai pro Mordomo Régio e do Mordomo Régio para o Império… aí fazem essa troca… só eles que trocam de bandeira.Mestre-sala: A croa também é trocada. A Santa Croa com o Divino Espírito Santo (MESTRE-SALA, 2015).
Entre os signos da festa estão os Mordomos, à frente deles está o Mordomo Régio que é
considerado o Mordomo-mor. Em sua tese de doutoramento, Troni (2012, p.90) cita o regimento
dos «ofíciosmores do reino» elaborado por Gomes Eanes de Zurara a mandado de D. Afonso V.
Descreve que “este texto começa por referir que o maior ofício da Casa Real era o de mordomo-mor
«como se vê do seu nome» porque tanto vale de «maior domus» como «maior da casa». Faz
menção que em outras partes chamavam a este cargo Senescal [...]”. A este cargo inclusive cabia
presidir as contas do rei, como rendas e despesas.
A resposta dada pelo Mestre-sala para a simbologia do Mastro e para os mitos criados
em seu entorno foram:
Mestre-sala: Fartura… fartura.Mestre-sala: Tem duas situações. Umas pessoas falam que é a murta outras falam que é a terra que é colocada no pé do mastro. Tipo assim, os mais velhos com quem já conversei dizem: quando é cavado o buraco que a terra sobra no pé do mastro é fartura, quando fica faltando terra no pé do mastro é um pouco de pobreza na sua festa (MESTRE-SALA, 2015).
Pela narrativa descrita também se evidencia a criação de mitos em torno das cerimônias
da tradição, como no caso dos mitos criados sobre o Mastro: o nascimento de plantas na areia ao pé
do Mastro e sobre a sobra de areia após ser fincado, ambos relacionados à fartura ou à falta dela.
Para analisar a criação desses mitos mencionados e de outros relacionados à festa, recorremos a
Claude Lévi Strauss (2010, p.60) quando diz que “um mito pode perfeitamente contradizer a
realidade etnográfica à qual pretende se referir, e essa distorção, entretanto, faz parte de sua
estrutura. Ou, então, o mito preserva a lembrança de usos desaparecidos ou, ainda, em vigor num
outro ponto do território tribal”. Isso explicaria o fato de algumas vezes haver mais de uma
168
interpretação sobre o mesmo mito, e o fato de que nem todos conhecem todos os mitos que são
criados.
É muito difícil se mensurar a quantidade de alimentos servidos em uma Casa de festa,
porque existe pouco controle, a única regra é que a festa deverá ser farta para servir a todos os que
se fizerem presentes, pois “comida abundante, igualdade, dignidade constituíam a essência do
banquete idealizado por Cristo”. (BOFF, 2006, p. 62)
Mestre-sala: Há é muita gente… é muita.. é muita comida.. não tenho ideia não, mas é mais de 200, com certeza… porque ela é colocada pra todos se servirem, o que tem na sala é o que tem na cozinha, então são mais de 200 refeições (MESTRE-SALA, 2015).
“Em razão deste caráter numinoso do comer/ consumir/comungar, toda comensalidade é
de certa forma sacramental”, diz ainda Leonardo Boff (2006, p.19).
Entre os alimentos servidos nessas casas está o chocolate quente que também é
considerado por alguns um signo de referência da festa.
Pela realização da Festa do Divino Espírito Santo a cidade de Alcântara mantem viva
sua memória e constrói parte de sua História. A festa é um patrimônio cultural de Alcântara e uma
tradição identitária da cidade, pois se reconhece através dela.
A brincadeira do Murro é um ponto interessante da festa e em que a comensalidade
também está presente por meio da fartura de doces para esse dia e dos momentos de sociabilidade
entre os moradores. Nessa brincadeira são arremessados bolos de tapioca e outros doces, o principal
objetivo da brincadeira é pegar os doces e se livrar dos murros destinados aos felizardos que
conseguem pegá-los ao serem arremessados. Por vezes os festeiros também deixam bacias e
bandejas repletas de porções de doces a serem disputadas pelo mais ágeis.
Mestre-sala: Após enterrar o mastro são jogados os boletos para cima e se ganha dando murro. […] Os bolos são jogados para cima, são de várias partes e tipos de bolo…Mestre-sala: Tem umas pessoas que colocam, parte de higiene, né? Eles botam num saco e jogam para cima e a pessoa que agarrar, que se abaixar e que estiver próximo de um outro apanha um murro, só se às vezes a pessoa é mais rápida pega, e sai pulando no meio de todo mundo e se livra… esse é bom…(MESTRE-SALA, 2015).
169
Um dos momentos mais importantes e significativos da festa por retratar sua essência é
o dia das esmolas aos idosos, também denominado de bodo aos pobres. Nessa ocasião a
solidariedade e a caridade são praticados em muitos lugares da cidade.
Os moradores que ajudam nas Casas de Festa formam verdadeiras redes de
solidariedade e cooperação, muitas vezes essas pessoas ajudam em troca de nada e ainda doam os
alimentos que lhes são destinados.
Mestre-sala: É meio a meio. Determinadas pessoas que ajudam e onde, às vezes muitas pessoas nem aceitam e dizem que é para doar a outra pessoa e a outra parte é dada às pessoas mais carentes. (MESTRE-SALA, 2015).
Boff (2006, p. 16) acredita que “a comensalidade que supõe a solidariedade e a
cooperação de uns para com os outros permitiu o primeiro salto da animalidade em direção a
humanidade… A comensalidade que ontem nos fez seres humanos continua tal tarefa ainda hoje”.
Quanto ao reconhecimento da Festa de Alcântara pelo IPHAN declara:
Mestre-sala: Nós estamos trabalhando para isso. Nós já nos reunimos alguns mestres-salas com o IPHAN, eles explicaram como é o procedimento, não é fácil…Mestre-sala: Não, pediram que a gente se reunisse, a comunidade, algumas pessoas que tem, ela pediu que a gente reunisse para juntar tudo da festa, fotos, as mais antigas, as atuais, o quê que é caixeira, o quê que a caixeira faz, batendo, registrando tudo, conhecimento e gravando, filmando tudo, para quando chegar que vai grifando isso aí é que vai formar um outro procedimento, um outro pessoal, para avaliar se aprovado, não é fácil (MESTRE-SALA, 2015).
A vontade e a preocupação com a Salvaguarda da festa para, entre outras coisas,
assegurar a manutenção da tradição passa a ser percebida e entendida pela população. Após
orientações do IPHAN, foi iniciado um processo de mobilização por parte da Prefeitura Municipal e
dos atores envolvidos em registrar e reunir informações que ajudem na aceitação da candidatura e
na aprovação da Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara como Patrimônio Imaterial do Brasil.
No país é o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial/PNPI que foi instituído pelo
Decreto n° 3.551, de 4 de agosto de 2000, que viabiliza os projetos de identificação,
reconhecimento, salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do patrimônio cultural.
(MYANAKI, 2007)
“É um programa de fomento, que busca estabelecer parcerias com instituições dos
governos federal, estadual e municipal, universidades, organizações não-governamentais, agências
170
de desenvolvimento e organizações privadas ligadas à cultura, à pesquisa e ao financiamento”.
(MYANAKI , 2007, p.17)
O ritual do Levantamento do Mastro atrai naturalmente a presença das crianças,
inclusive muitas delas vêm tradicionalmente sentadas em cima do Mastro, tornando-o mais pesado
ainda para os homens que o estão carregando. Muitas dessas crianças que sentam no Mastro no
momento em que está sendo levado em cortejo são os mesmos que quando adultos dão continuidade
à tradição do cortejo e levantamento do Mastro.
Festeiro: Do Mastro. Eu via as crianças montadas em cima do mastro quando eu era criança, também nunca fui em cima do mastro, mas eu ia para a casa das minhas tias, da minha avó, eu recordo muito dessa cena das crianças que hoje são adultas sentadas no mastro e logo após, via elas brincando na corrida do boi, na corrida do boi também, essas são as duas lembranças mais polêmicas da festa (FESTEIRO, 2015).
O patrimônio cultural imaterial também pode se manifestar por meio das tradições orais,
pelos rituais e pelas festas, esses elementos são constituintes da vida comunitária. O processo de
revitalização das “culturas tradicionais e populares” é importante para a sobrevivência das
manifestações e da diversidade cultural das comunidades e do país. (MYANAKI, 2007)
O Festeiro respondeu-me com relação as suas responsabilidades para com as visitas
solenes:
Festeiro: Meu dia, meu dia em si foi a sexta-feira que era a visita, mas tem... Mas tem o dia que a gente recebe o …, Quinta de Ascensão, tem o dia que o Imperador passa nas casas né?Festeiro: A gente vai para a casa do Imperador, lá a gente é servido e depois vem para cá e também se serve.Festeiro: É um pouco mais rápido porque é passagem. No dia da visita a gente não tem horário para começar nem terminar, vai depender da maioria das pessoas permanecerem, então uma coisa que a gente não sabe como vai desenrolar, né? Tem hora para começar mas não tem hora para terminar (FESTEIRO, 2015).
Os dias de maior responsabilidade para o festeiro são: o dia que é designado para ser
sua Visita e nos dias de Visita do Imperador/Imperatriz a sua casa e a de todos os outros Mordomos.
Nesses dias o festeiro terá que servir a todos, mas no dia de sua Visita é mais intenso o
movimento de pessoas e é maior a quantidade de refeições a serem servidas nesse dia.
Alguns dias a comensalidade é iniciada na Casa do Império onde é servido o primeiro
banquete e encerra-se novamente com um banquete, mas dessa vez oferecido na casa do festeiro.
171
“A mesa é uma das fontes permanentes de refazimento da humanidade em seu sentido mais pleno”,
diz Boff (2006, p. 11), ela ocupa um lugar central nas cerimônias dessas casas.
Em todos os discursos identifica-se a fartura que há na festa, são toneladas de comidas e
doces servidos nas cerimônias de celebração ao Divino Espírito Santo em Alcântara. Para a
sistematização de uma festa que não tem quantidade certa de convidados recorre-se à experiência
obtida pela vivência em festas anteriores.
Pediu-se que o Festeiro estimasse uma quantidade de quilos de carne utilizada por
semana, explicou-me:
Festeiro: Não tem como. Só na terça? Na quarta-feira passada a gente comprou 260 quilos de carne.Festeiro: Tanto de porco, boi, aí fora o frango, pato, camarão. […] Mais, acho que deve chegar quase uns 800 quilos, porque camarão eram 8 quilos praticamente por dia, 5 quilos por dia, dia do almoço acho que se não me engano foram 10 quilos (FESTEIRO, 2015).
Outro aspecto que deve ser considerado é que pelos banquetes os visitantes têm contato
com a cultura local, por meio deles podem ser interpretados os costumes e modos de vida das
pessoas pois muitas comidas que são servidas são aquelas que estão incorporadas no cotidiano das
famílias festeiras.
A devoção ao Divino Espírito Santo é o que move a maioria das pessoas que trabalham
dia e noite nas cozinhas das Casas de Festas e por esse motivo muitas delas trabalham em regime de
voluntariado, o que se configura na base de sustentação para que a festa seja realizada todos os
anos.
Festeiro: Na verdade todos são voluntários, nenhum foi contratado em si, não é pago. [...]Todos, sem exceção. Todos se ofereceram para trabalhar.Festeiro: Porque são amigos da família, meus amigos, porque já é tradição de trabalhar, também porque só essas determinadas pessoas saberem o trabalho, como o doce, o doce de espécie, tem alguns modelos de doce que só o grupo que trabalhou aqui sabe fazer, coração, uma folhinha que é feita, só elas sabem fazer. Esse mesmo tem que ser só elas (FESTEIRO, 2015).
Por essa rede de trabalho são desenvolvidas interações e vínculos como contextualiza
Oliveira (2004, p.34):
A realização da festa é, via de regra, tão antiga quanto a devoção coletiva à divindade. Sua explicação encontra-se amparada nas originais interpretações de Emile Durkheim, que em seu clássico As formas elementares da vida religiosa
172
interpretam a função da identidade dos cultos religiosos na construção de vínculos comuns de um povo e de uma nacionalidade. A festa, nesse sentido, manifesta o encontro que só o sagrado pode proporcionar…Prova imediata e didática (acessível a todos) de que todo sacrifício vale a pena.
O conhecimento é repassado entre os voluntários que participam desses grupos que são
formados nas Casas de Festas pelos que vivenciaram e colaboraram em edições da festa em anos
anteriores e detêm o saber-fazer desses alimentos tradicionais.
Existe um grupo itinerante, com doceiras especialistas em saber fazer o Doce de Espécie
considerado o principal alimento-signo da festa.
Quando os festeiros arrecadam uma quantidade de alimentos superior ao suficiente para
servir as pessoas que frequentarem as Casas de Festas por todos esses dias do festejo, é procedida
uma sistematização para a divisão e doação desses alimentos. São conferidos todos os alimentos,
divididos, para posteriormente serem doados aos que precisam e aos voluntários que trabalharam
naquela Casa de Festa. Como já foi dito, muitos desses voluntários abrem mão do que lhes está
sendo doado para colocar novamente para doação a parte que lhes cabe.
Esta solidariedade implica na memória ancestral da passagem do estado animal para o
reino humano, principalmente pela solidariedade em partilhar os alimentos. (BOFF, 2006)
Festeiro: A gente contabiliza tudo que tem na casa, o que restou, contabiliza e aí faz a divisão.Festeiro: Não, não fica com nada para si próprio. (FESTEIRO, 2015).
Durante os banquetes do almoço a movimentação na cozinha é constante devido à
reposição dos pratos. Normalmente não há sobras, mas caso exista, os alimentos são reaproveitados
e transformados em novos alimentos em algumas casas. As quantidades a serem servidas são
testadas no dia a dia com a prática.
Festeiro: Sobrou um pouco, tanto que ainda vieram visitantes de tardezinha... vieram almoçar.Festeiro: É muito difícil estragar. […] No dia da visita tinha uma senhora que trabalha aqui que tinha uma noção porque ela trabalhou numa casa de festa ano passado então ela tinha mais ou menos uma noção do que era usado (FESTEIRO, 2015).
173
“O imaginário e o trabalho simbólico populares recriam o aprendizado feito e o
transformam no corpus religioso de seus sistemas comunitários de devoção católica”, observa
Carlos Brandão (2010, p.43) sobre a construção das festas populares religiosas.
Pesquisadora: Qual foi a maior recompensa de fazer a festa?Festeiro: A sensação de missão cumprida, as pessoas agradecendo, elogiando por isso (FESTEIRO, 2015).
Os estudos sobre religião e festa se desenvolveram após os estudos de Durkheim
(1989), que considerou a religião como algo social, a partir daí analisou-se esses estudos pelos
rituais. Os ritos religiosos mantêm e refazem os estados mentais grupais. (FERRETI, 2011).
5.3.2 Avaliação imagética
Segue uma avaliação imagética de desenhos feitos por 25 moradores da cidade de
Alcântara nos anos de 2014 e 2015. Para tanto, pediu-se que o morador desenhasse o que lhe viesse
à memória ao pensar na Festa do Divino Espírito Santo na cidade de Alcântara. Optou-se manter o
anonimato das pessoas que colaboraram voluntariamente para a avaliação porque não foram todos
que se identificaram.
Para Gordo Cullen (1971), desenha-se aquilo que está armazenado na mente, o que é
memorável, por vezes signo de uma memória coletiva, evidenciando o desenho como instrumento
de lugares memoráveis e como bens que constituem o patrimônio.
O intuito é que os desenhos representem uma forma de interpretação e representação
imagética da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara, contribuindo para um melhor
entendimento do contexto em que se dá a festa e dos discursos e manifestações locais.
174
Imagem 7 – Desenho do Cortejo do Mastro pedindo licor
Fonte: Moradores de Alcântara-Ma, 2015.
No resultado da avaliação imagética percebeu-se que as imagens reforçam a memória
local dos signos da festa e da comensalidade, principalmente dos elementos relacionados à tradição.
Como na imagem 7 onde o mastro, que é um signo importante e bem representativo do
reinado imaginário que se instaura no período da festa, está sendo relacionado à distribuição de
licores, o que é bem tradicional e característico no dia do cortejo dos Mastros do Imperador e do
Mordomo Régio. Esta imagem é uma narrativa repleta de significados que podem ser interpretados
pelos aspectos da comensalidade e da sociabilidade que ocorrem durante o cortejo.
O mastro com suas frutas e licores pendurados foram lembrados por 09 moradores,
correspondendo a 36% do universo dos participantes da avaliação, o que demonstra o quanto ele é
simbolicamente importante na concepção da festa na cidade. Pinheiro (2006, p.84) diz que “a
mímese no desenho, não é apenas “imitação”, mas uma reprodução subordinada, haja vista que sua
configuração, embora tampouco chegue à aparência real, está acoplada a reproduzir aspectos da
realidade”.
Os signos tradicionais e relacionados aos aspectos religiosos da festa como a pomba e o
altar foram desenhados por 07 moradores, 28% dos participantes. Nesse caso, “As imagens embora
possam proporcionar diferentes interpretações, estão muitas vezes atreladas a uma decodificação
muito fechada”. (PINHEIRO, 2006, p.86)
175
Imagem 8 – Desenho da Pomba do Divino
Fonte: Moradores de Alcântara-Ma, 2015.
As imagens apesar de não terem legendas podem ser carregadas de significados e
interpretadas como fragmentos da memória coletiva de um indivíduo.
Imagem 9 – Desenho do Chocolate e Doce de Espécie
Fonte: Moradores de Alcântara-Ma, 2015.
De acordo com o pensamento de Araújo (2007, p.31), acredita-se que “o homem se vale
do desenho como um recurso para a memória, o desenho como signo representativo…O homem,
portanto, através do desenho (se) representa”.
176
Outro aspecto relevante a ser abordado na avaliação é que 18 desenhos dos 25
continham algum tipo de alimentos ou bebida, correspondendo a 72% do total de participantes. Esse
resultado vem corroborar a relação da festa com a partilha de alimentos e bebidas e
consequentemente com a prática da comensalidade.
Em 12 desenhos foi registrada a presença do licor, equivalendo assim a 48% dos
participantes. Uma quantidade expressiva de pessoas colocou os licores nos desenhos, denotando
assim qual espaço ele ocupa na história e na memória da festa.
Nas imagens os licores estavam desenhados sozinhos ou pendurados ao mastro, como
tradicionalmente é feito.
Ainda se tratando da comensalidade da festa, os alimentos-signos não poderiam ficar
de fora: o Doce de Espécie aparece em 24% dos desenhos avaliados (6 moradores), seguido do
chocolate que foi desenhado por 16% (4 moradores).
Esses alimentos mesmo tendo sido de origem europeia estão impregnados da cultura
alcantarense, através deles é possível se aproximar e conhecer um pouco da essência do que foi
construído ao longo desses anos no imaginário popular e na memória das pessoas que ali vivem e
viveram.
Assim compreende-se que “do ponto de vista da diversidade cultural, podemos dizer
que o patrimônio local contribui para a construção simbólica de um imaginário coletivo de uma
comunidade”. (DIAS, 2006, p.99)
Com o capítulo 5 descreveu-se o cerimonial que envolve os alimentos e as bebidas na
Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara – MA, tendo como ênfase a comensalidade, por meio
do subcapítulos “Signos do Cerimonial e Comensalidade” e “Entrevistas”. Investigou-se também a
simbologia dos alimentos e das bebidas tradicionalmente ofertados na Festa do Divino Espírito
Santo em Alcântara – MA e a comensalidade decorrente dessa oferta. E por fim investigou-se a
hospitalidade da festa pela oferta dos alimentos e bebidas, ambas apresentadas nos resultados em
todos os subcapítulos deste capítulo.
177
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este trabalho não se pretendeu esgotar a discussão sobre a comensalidade e o
cerimonial da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara, tendo em vista a complexidade e
amplitude do tema em questão. Acredita-se que se fazem necessários outros estudos que deem
continuidade e aprofundamento na construção desse conhecimento.
O presente trabalho busca retratar todos os momentos da festa, começando pela Aleluia,
passando pela retirada do pau do mastro até a derrubada em 15 de agosto quando se inicia um novo
ciclo.
As principais dificuldades encontradas para a realização da pesquisa foram a carência de
literatura com abordagem histórica sobre a comensalidade da festa e o fato dos relatos pouco
esclarecerem quanto à origem de elementos da festa. A maioria das pessoas que vivenciam a festa
sabe que é assim, mas não sabe exatamente quando isso começou a ser feito assim, repassa-se o
saber-fazer para que a festa saia sempre igual ou melhor que nos anos anteriores.
Percebeu-se que durante a pesquisa ocorreu uma mudança quanto ao que se pensava ser
a dimensão da Festa do Divino no Brasil e no mundo, pois descobriu-se que a festa é celebrada em
muitos países em diferentes continentes. Outra descoberta interessante foi a divulgação dos
preceitos da Igreja Católica por meio da Festa do Divino Espírito Santo, uma festa com
característica barroca, oficializada pela Igreja em resposta à Reforma Protestante e ao Cristianismo.
A Festa está relacionada ao dia de Pentecostes e é uma das mais tradicionais e
importante festa popular do município de Alcântara e do Maranhão. A devoção ao Divino, muda o
cotidiano da maior parte dos moradores, não só durante o período em que é instituída na cidade
como durante o ano todo, devido aos preparativos referentes à organização e participação na festa.
A maior parte das pessoas que participam da festa (ou a organizam) o fazem para que a tradição da
festa seja mantida e para que seus rituais sejam igualmente reproduzidos a cada ano.
Curiosamente na Festa do Divino de Alcântara a tradição apresentou-se à frente da
religião como demonstrado nos resultados quantitativos da pesquisa. O passado é uma importante
referência para a preservação da festa e de sua memória. É muito comum que as pessoas que
participam diretamente, tenham sempre alguém na família, ou entre os vizinhos que participe ou já
tenha participado ativamente na festa. O pensamento é que: é quase um dever religioso a
participação na festa.
178
É notável em vários segmentos da sociedade alcantarense a vontade e a preocupação
com a continuidade da festa, bem como com sua valorização como patrimônio imaterial dessa
sociedade. A história da Festa mistura-se à história da cidade, nela há um reconhecimento cultural, a
Festa do Divino Espírito Santo assume um valor identitário em Alcântara.
A Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara é uma festa tradicional, mas da mesma
forma que as outras festas religiosas, ao longo do tempo foi incorporando novos elementos, novos
significados, novos valores, pautados pelas mudanças na sociedade. Como exemplos, a raridade
atual da Folia do Divino no interior pelo envelhecimento das caixeiras e pelas pessoas acreditarem
que como há ajuda financeira do governo não precisam mais colaborar como antigamente, o
encarecimento das festas para os festeiros que agora não contam mais com as doações dos antigos
fazendeiros, a inserção da banda de músicos como uma alternativa às poucas Caixeiras disponíveis,
o rompimento da tradição de trazer o pau do mastro à pés com a entrada do carro devido a
atualmente ele ser retirado mais longe da sede de Alcântara, o rareamento da Ciganagem, o almoço
para os grupos de trabalhos das casas que se tornou um banquete tradicional nas Casas de Festas,
entrada do refrigerante e da cerveja. Essas são algumas das transformações percebidas pelos
moradores com o passar dos anos.
Existem muitas redes de solidariedades que são formadas no período da festa, são elas
que sustentam a tradição da devoção ao Divino Espírito Santo.
Na Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara também estão presentes muitas formas
de expressão como “o toque das Caixeiras e seu repertório”, “a construção dos altares”, “as
indumentárias da Corte Imperial celestial”, “a arte de vestir os santos”, “os centros de mesas” e a
própria “decoração das Casas de Festas”, funcionam como instrumentos de comunicação ao
expressarem ideias. Pode-se dizer que a Festa do Divino Espírito Santo, entre outras festas
populares religiosas, é um dos meios que possibilita vivenciar-se o “reencantamento do mundo”.
Esse reencantamento pode ser visto pela interpretação do mundo através de personagens
como imperadores/imperatrizes, vassalos, aias, mordomos, mestres-salas, bandeirinhas, caixeiras,
entre outros que compõem o imaginário da festa.
Os Mestres-salas são personagens que também contribuem muito para que a festa seja
mantida na cidade, a hierarquia formada por eles dá segurança quanto ao repasse dos seus
conhecimentos tradicionais, e é o que orienta a realização da festa a cada ano.
Como resultados relevantes do trabalho obteve-se que a maioria dos moradores
(68,27%) acham muito importante a hospitalidade no período da festa e os turistas também em sua
179
maioria (65,02%) gostaram da hospitalidade recebida nas Casas de Festas. Sendo que para os
moradores os principais símbolos da hospitalidade são o Divino, a Casa de Festa e o Doce de
Espécie, respectivamente. São nas Casas de Festas onde acontecem os maiores momentos da
comensalidade da festa, nessas casas cada festa é única e mesmo que o festeiro não seja rico poderá
fazer uma festa hospitaleira e grandiosa, pois depende da ajuda que terá da comunidade e do
montante que é destinado para ser investido na festa, muitas vezes economizado por anos para esta
finalidade. Os alimentos e bebidas que mais agradaram os turistas foram o Doce de Espécie, o licor
e o chocolate, nessa ordem. Mas curiosamente somente um pouco menos da metade (48,50%)
gostaram de como foram servidos nas Casas de Festas, abrindo um espaço para que a hospitalidade
das Casas de Festas seja discutida para que o turista se sinta melhor servido, principalmente porque
esses mesmos turistas em sua maioria (65,69%) aprovam a gastronomia da festa como produto
turístico.
Entre os moradores pesquisados 61,52% acham muito importante os alimentos
oferecidos nas Casas de Festas e 65,64% também acham muito importante a atratividade dos
banquetes dessas casas. A comensalidade existente na festa foi avaliada por 63,37% desses
moradores como muito importante e 50,99% dos turistas gostaram dessa comensalidade.
Para moradores e turistas são iguais os alimentos e bebidas que lembram a Festa do
Divino de Alcântara: o Doce de Espécie, o licor e o chocolate.
O principal motivo da oferta de alimentos e bebidas nessas casas é a tradição seguida da
religião e da hospitalidade/comensalidade. E 61,88% dos turistas gostaram desses alimentos e
51,74% das bebidas que são servidos nessas casas. Os moradores (69,29%) e os turistas (77,83%)
também concordam que é muito importante a oferta de alimentos e bebidas para que a tradição seja
mantida e para seu fortalecimento.
Concluiu-se também com a pesquisa que os principais símbolos relacionados à
comensalidade são o Mastro por estar relacionado às colheitas e à fartura e por sustentar a tradição
da distribuição de garrafas de licores durante seu cortejo e levantamento; o Doce de Espécie que
representa a originalidade e a própria hospitalidade alcantarense nesse período; os licores que estão
relacionados aos modos de receber da nobreza europeia e por serem pouco consumidos pelos
pobres, sua presença em abundância na festa pode significar que seu consumo nos torna iguais
naqueles dias de festa, onde são oferecidos para todos; o bodo aos pobres, herdado pelos
portugueses, significa um ato de fraternidade e igualdade com o próximo e os banquetes do almoço
180
oferecidos pelos festeiros em agradecimento e retribuição, onde todos os presentes irmanam-se pelo
alimento que foi preparado especialmente para recebê-los.
O alimento é o sentido da festa, pois as doações ou “joias” são para se converterem em
alimentos que serão compartilhados com quem os doou e com quem não teve nada para doar, com
todos!
Identificou-se como principais alimentos simbólicos da festa em Alcântara o Doce de
Espécie e o Licor de Jenipapo, nessa ordem. Eles são tidos como verdadeiros alimentos signos
dessa manifestação cultural e religiosa.
O Doce de Espécie embora tenha influências portuguesas em sua criação não é o mesmo
“Espécie” doce dos Açores. Apesar de não existir uma receita padronizada para o doce de
Alcântara, tem-se como principais ingredientes coco, trigo, açúcar e a manteiga, os demais
ingredientes podem variar ao gosto de cada doceira(o), podem ser acrescentados cravinhos, corante,
gemas para pincelar…No doce português não tem o coco que é o que caracteriza o doce
alcantarense, no “Espécie” doce os principais ingredientes são o trigo, açúcar, erva doce, canela,
aguardente, pimenta, entre outros.
Observou-se que outras localidades onde a Festa do Divino Espírito Santo é celebrada
também elegeram um alimento que fosse um signo representativo importante para a Festa. Muitos
deles são culturalmente construídos e são verdadeiros patrimônios alimentares, como no caso do
Doce de Espécie de Alcântara.
Percebeu-se que a religião é um fator de aproximação entre as pessoas.
Em contrapartida percebeu-se que a festa também enfrenta dificuldades para sua
realização, a principal dificuldade é conseguir incentivo e recursos públicos. Mas é muito claro para
a comunidade que a festa acontecerá independente de ajuda externa.
O cerimonial e a comensalidade da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara podem
contribuir no desenvolvimento da atividade turística no município por serem recursos culturais
valiosos na composição da festa, se melhores divulgados podem atrair mais turistas interessados em
conhecer e ter contato com as singularidades da cultura local. Para tanto é preciso que haja um
planejamento para um melhor aproveitamento da cultura gastronômica. Eles podem contribuir
também para a preservação e memória da festa e para a afirmação da identidade cultural do
alcantarense através do resgate de modos de fazer, do resgate de receitas antigas que não se veem
mais e acima de tudo pela divulgação da cultura local e da valorização justamente do que lhes é
singular.
181
Considera-se o uso do patrimônio como uma alternativa de desenvolvimento econômico
em pequenas cidades, ele agrega consigo a representação do que é significativo para a coletividade.
Concluiu-se que o destino deveria utilizar-se da culinária e da comensalidade da Festa
do Divino Espírito Santo para fortalecer a imagem da cidade e assim contribuir na potencialização
da atividade turística na região.
A especificidade do Doce de Espécie já o faz como interesse turístico.
Acredita-se que este trabalho poderá contribuir com informações relevantes
principalmente acerca do sentido, dos signos e dos significados da festa para os alcantarenses no
processo de reconhecimento da Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara como Patrimônio
Cultural Imaterial Brasileiro.
182
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193
ANEXO A – TOTAL DA POPULAÇÃO DO MARANHÃO/IBGE 2010
Fonte: IBGE, 2010/ Disponível em: < http://igbe.gov.br >
194
ANEXO B – Conheça a receita do doce de espécia, iguaria de Alcântara - Paladar - Estadão
20/09/2015 Conheça a receita do doce de espécia, iguaria de Alcântara Paladar
Conheça a receita do doce de espécia, iguaria de AlcântaraRUSTY MARCELLINI*, ESPECIAL PARA O ESTADO31 Outubro 2007 | 22h 50
Popularização do doce na cidade deve-se à distribuição gratuita na Festa do Divino
O doce de espécie, iguaria semelhante a um bom-bocado, é uma exclusividade da pequena cidade histórica de Alcântara, no Maranhão, a 22 km de São Luís, do outro lado da baía de São Marcos. A travessia de barco dura uma hora (tomar uma pílula antienjôo 30 minutos antes da partida, pois a embarcação corta as ondas em ritmo de bumba-meu-boi). Antigo reduto da aristocracia rural maranhense, Santo Antônio de Alcântara foi fundada pelos portugueses em 1648. Seu apogeu ocorreu no século 18, período dos barões da cana-de-açúcar. Com o fim da escravidão a cidade entrou em declínio econômico. Em 1948 foi tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional. Entre suas atrações, destaca-se o conjunto das ruínas da Igreja Matriz e pelourinho. Ao desembarcar em Alcântara, o visitante tem a opção de seguir até o centro histórico a pé ou em carroça puxada por burrinho. A maioria opta pela caminhada. Começa então uma espécie de ritual para aqueles que chegam à cidade: a subida da Ladeira do Jacaré. Devido à forte inclinação, o percurso é feito em passo lento, sem pressa – no mesmo ritmo de um vilarejo que parece parado no tempo. Ao chegar ao topo do morro, surgem crianças carregando tupperwares debaixo do braço. Por entre ruas de pedra, casarões coloniais, e igrejas imponentes, a garotada se aproxima e oferece doces de espécie. O doce de espécie é uma guloseima herdada dos açorianos. Feito com coco e açúcar, tem o formato de uma tartaruguinha. Sua popularização em Alcântara deve-se à distribuição gratuita na Festa do Divino. Além da criançada que vende os doces quentinhos, recém preparados pelas mães no forno de casa, outra opção de compra é a loja do seu Antônio, na Rua das Mercês 401. Ali nasceu a idéia de vender doces de espécie. Três décadas depois do início da empreitada, seu Antônio é hoje o mais respeitado vendedor da guloseima. Seus docinhos, já mostrados em rede nacional de televisão, são comprados aos montes por turistas. Além de saborosos, são uma recordação do charmoso vilarejo histórico. *Autor da série ‘Caminhos do Sabor’. Escreve para Paladar sobre curiosidades do Brasil Receita de Doce de Espécie Ingredientes para o recheio: 3 xícaras de coco ralado grosso 2 xícaras de açúcar 1 xícara de água Ingredientes para a massa: 2 xícaras de farinha de trigo 5 colheres (sopa) de óleo ¼ colher (chá) de sal ½ xícara de água Modo de preparo do recheio: Colocar os ingredientes numa panela. Mexer em fogo alto sem parar. Após a fervura da calda, misturar ocasionalmente. Quando cremoso, desligar o fogo. Passar a mistura para tabuleiro untado com manteiga e esfriar. Modo de preparo da massa: Colocar os ingredientes numa tigela. Misturar até a massa ficar homogênea. Polvilhar farinha de trigo sobre uma superfície de trabalho. Abrir a massa com um rolo até ficar bem fina. Com a ajuda de um copo, cortá-la em discos. Polvilhar uma assadeira com farinha de trigo e colocar os discos de massa. Preparo final: No meio de cada disco de massa, colocar uma colher de sopa generosa da cocada já fria. Decorar cada docinho com tiras finas da massa, fazendo um laço. Assar em forno quente por aproximadamente 20 minutos.
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,conhecaareceitadodocedeespeciaiguariadealcantara,
195
APÊNDICE A – FORMULÁRIO APLICADO AOS MORADORES – (INSTRUMENTO
PRELIMINAR DE COLETA DE DADOS)
FORMULÁRIO APLICADO AOS MORADORES
1. Sexo:
( ) Feminino ( ) Masculino
2. Idade:
( ) 18 a 35 anos ( ) 36 a 49 anos ( ) 50 a 75 anos
( ) Acima de 75 anos
3. Profissão __________________________________________________
4. Quantos anos você participa da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Primeira vez ( ) menos de 5 anos ( ) Menos de 10 anos
( ) Mais de 10 anos
5. Qual sua principal motivação em participar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Cultura ( ) Religião ( ) Tradição
( ) Outros. Quais?__________________________________________
6. Quantas horas por dia você dedica a organização da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Não participo da organização ( ) 1 a 2 horas ( ) 3 a 5 horas
( ) Mais de 5 horas
a) Qual a principal atividade?
____________________________________________________________
b) Na sua opinião, qual a maior recompensa em participar da organização da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
____________________________________________________________
7. Já participou da Festa do Divino Espírito Santo em outra cidade?
( ) Sim ( ) Não
Se sim, qual?______________________________________________________
8. Você acha que a cidade fica mais hospitaleira nesse período?
196
( ) Sim ( ) Não
Na sua opinião, qual o principal símbolo da hospitalidade alcantarense nesse período?_________________________________________________________
9. Você seria um festeiro?
( ) Sim ( ) Não
a) Se sim, porquê?
____________________________________________________________
b) Qual a principal obrigação de um festeiro?
____________________________________________________________
10. Porque há essa farta oferta de alimentos e bebidas nas “casas de festas” durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Promessa/religião ( ) Hospitalidade ( ) Tradição
( ) Outros?________________________________________________
11. O que você está achando da oferta de alimentos e bebidas nas “casa de festas” durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara esse ano?
( ) Ruim ( ) Regular ( ) Boa ( ) Excelente
12. Na sua opinião, os alimentos e bebidas servidos durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara podem ser considerados um atrativo turístico para a cidade nesse período?
( ) Sim ( ) Não
13. Você conhece pessoas/ faz amigos durante sua permanência na(s) “Casa(s) de Festa”?
( ) Sim ( ) Não
14. Qual o alimento ou bebida que o faz lembrar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
____________________________________________________________
15. Você considera importante a oferta dos alimentos e bebidas para o fortalecimento da tradição da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Sim ( ) Não
197
APÊNDICE B – FORMULÁRIO APLICADO AO TURISTA – (INSTRUMENTO PRELIMINAR
DE COLETA DE DADOS)
FORMULÁRIO APLICADO AO TURISTA
1. Sexo:
( ) Feminino ( ) Masculino
2. Idade:
( ) 18 a 35 anos ( ) 36 a 49 anos ( ) 50 a 75 anos
( ) Acima de 75 anos
3. Profissão __________________________________________
4. Você veio de qual estado?_____________________________
5. Quanto tempo será sua permanência na cidade?
( ) 1 a 3 dias ( ) 4 a 6 dias ( ) 7 a 10 dias
( ) mais de 10 dias
6. Como você ouviu falar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara:
( ) Família ( ) Amigos ( ) Internet/TV
( ) Material de divulgação da Prefeitura Municipal de Alcântara
7. Já participou da Festa do Divino Espírito Santo em outra cidade?
( ) Sim ( ) Não
Se sim, qual?_________________________________________
8. O que mais lhe motivou a conhecer/participar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Cultura ( ) Religião ( ) Gastronomia
( ) Outros ________________________________________
9. Na sua opinião, a hospitalidade sentida por você na(s) “Casa (s) de Festa (s)” em Alcântara é?
( ) Ruim ( ) Regular ( ) Boa ( ) Excelente
10. O que você achou da oferta de alimentos e bebidas durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Ruim ( ) Regular ( ) Boa ( ) Excelente
198
11. Dê uma nota de 0 a 10 para a oferta de alimentos servidos nas casas dos festeiros?
__________________
12. Dê uma nota de 0 a 10 para a oferta de bebidas servidas nas casas dos festeiros?
__________________
13. Qual o alimento e bebida que você mais gostou?
____________________________________________________________
14. Você considera que foi bem servido na(s) casa(s) do(s) festeiro(os)?
( ) Sim ( ) Não
15. Na sua opinião, os alimentos e bebidas servidos durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara podem ser considerados um atrativo turístico para a cidade nesse período?
( ) Sim ( ) Não
16. Você conheceu pessoas/ fez amigos durante sua permanência na(s) “Casa(s) de Festa”?
( ) Sim ( ) Não
17. Qual o alimento ou bebida que o fará lembrar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
___________________________________________________________
18. Você considera importante a oferta dos alimentos e bebidas para o fortalecimento da tradição da
Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Sim ( ) Não
199
APÊNDICE C – FORMULÁRIO APLICADO AOS MORADORES
FORMULÁRIO APLICADO AOS MORADORES
1. Quantos anos você participa da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Primeira vez ( ) menos de 5 anos ( ) entre 5 e 10 anos
( ) Mais de 10 anos
2. Qual sua principal motivação em participar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Cultura ( ) Religião ( ) Tradição ( ) Lazer
3. Quantas horas por dia você dedica a organização da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Não participo da organização ( ) 1 a 2 horas ( ) 3 a 5 horas
( ) Mais de 5 horas
a) Qual a sua principal atividade na organização da festa?
_________________________________________________________________
b) Na sua opinião, qual a maior recompensa em participar da organização da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
_________________________________________________________________
4. Em uma escala de 1 a 3, qual a importância da hospitalidade na cidade no período da Festa do Divino Espírito Santo?
( )1 Pouco importante ( )2 Importante ( )3 Muito importante
5. Qual o principal símbolo da hospitalidade alcantarense nesse período?
( )Divino Espírito Santo ( )Doce de espécie
( )Acolhimento/receptividade ( )Casas de festa
6. Qual a principal obrigação de um festeiro?
( )Hospitalidade/receber bem as pessoas ( )manter a tradição
( )Cumprir suas obrigações religiosas
( ) Fazer uma festa farta em alimentos e bebidas
7. Porque há essa farta oferta de alimentos e bebidas nas “casas de festas” durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Promessa/religião ( ) Hospitalidade/comensalidade
( ) Tradição ( )Distinção social
200
8. Escolha em uma escala de 1 a 3, o quanto você considera importante os alimentos e bebidas oferecidos nas “casa de festas” da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara esse ano?
( )1 Pouco importante ( )2 Importante ( ) 3 Muito importante
9. Numa escala de 1 a 3 como você vê a atratividade dos banquetes oferecidos nas Casas de Festas?
( )1 Pouco importante ( )2 Importante ( ) 3 Muito importante
10. Avalie em uma escala de 1 a 3, se a comensalidade (comer junto/estar junto) existente nas Casas de Festas em Alcântara é importante como atrativo cultural para potencializar a atividade turística na cidade durante a Festa do Divino Espírito Santo?
( )1 Pouco importante ( )2 Importante ( ) 3 Muito importante
11. Qual o alimento ou bebida que o faz lembrar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Doce de espécie ( ) Licor ( ) Chocolate
( )Outros doces
12. Na sua opinião, em uma escala de 1 a 3, qual a importância da oferta dos alimentos e bebidas no fortalecimento da tradição da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( )1 Pouco importante ( )2 Importante ( ) 3 Muito importante
201
APÊNDICE D – FORMULÁRIO APLICADO AOS TURISTAS*
FORMULÁRIO APLICADO AO TURISTA
1. O que mais lhe motivou a conhecer/participar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Cultura ( ) Religião ( ) Gastronomia
( ) Tradição
2. Em uma escala de 1 a 3, diga como foi a hospitalidade sentida por você na(s) “Casa (s) de Festa (s)” em Alcântara?
( )1 Gostei ( )2 indiferente ( )3 Não gostei
3. Responda em uma escala de 1 a 3, o que você achou para a oferta de alimentos servidos nas casas dos festeiros?
( )1 Gostei ( )2 indiferente ( )3 Não gostei
4. Responda em uma escala de 1 a 3, o que você achou para a oferta de bebidas servidas nas casas dos festeiros?
( )1 Gostei ( )2 indiferente ( )3 Não gostei
5 Qual o alimento e (ou) bebida que você mais gostou?
( ) Doce de espécie ( ) Licor ( ) Chocolate
( ) Outros doces
6. Tendo como parâmetro uma escala de 1 a 3, diga como você foi servido na(s) casa(s) do(s) festeiro(os)?
( )1 Gostei ( )2 indiferente ( )3 Não gostei
7. Avalie em uma escala de 1 a 3 a gastronomia da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara como produto turístico.
( )1 Gostei ( )2 indiferente ( )3 Não gostei
8. Avalie em uma escala de 1 a 3 a comensalidade/relações sociais vividas por você nas Casas de Festas durante a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara.
( )1 Gostei ( )2 indiferente ( )3 Não gostei
9. Qual o alimento ou bebida que o fará lembrar da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( ) Doce de espécie ( ) Licor ( ) Chocolate
( ) Outros doces
10. Na sua opinião, em uma escala de 1 a 3, qual a importância de serem servidos alimentos e bebidas para o fortalecimento da tradição da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara?
( )1 Pouco importante ( )2 importante ( )3 Muito importante
* O termo Gastronomia utilizado no formulário refere-se aos alimentos e bebidas servidos na Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara.
202
APÊNDICE E – TERMO DE COMPROMISSO
UNIVALI – UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – COMUNICAÇÃO, TURISMO E
LAZER – CECIESA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSO EM TURISMO E HOTELARIA –
MESTRADO ACADÊMICO MINTER/IFMA
TERMO DE COMPROMISSO
Através deste, estamos convidando-(a) você para participar da pesquisa “A
COMENSALIDADE DOS RITUAIS NA FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM
ALCÂNTARA – MA E SUA POTENCIALIDADE TURÍSTICA”, que tem como objetivo geral
avaliar se os processos do cerimonial e a comensalidade dos rituais alimentares existentes na Festa
do Divino Espírito Santo em Alcântara – MA, enquanto atrativos culturais, podem potencializar a
atividade turística na região?
Para contribuir ao alcance de nosso objetivo geral proposto foram elaborados alguns
objetivos específicos, são eles:
1. Descrever o cerimonial que envolve os alimentos e as bebidas na Festa do Divino Espírito
Santo em Alcântara – MA, tendo como ênfase a comensalidade;
2. Identificar a comensalidade da festa e sua origem no cerimonial;
3. Investigar a simbologia dos alimentos e das bebidas tradicionalmente ofertados na Festa do
Divino Espírito Santo em Alcântara – MA e a comensalidade decorrente dessa oferta;
4. Investigar a hospitalidade da festa pela oferta dos alimentos e bebidas.
A justificativa para a realização dessa investigação baseia-se na importância de
pesquisar as simbologias do cerimonial e das relações que envolvem os processos da comensalidade
nesse evento popular, tendo em vista que a Gastronomia/Culinária tradicional presente durante as
comemorações da Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara, assim como seus modos de fazê-la,
devem ser entendidos como um elemento do Patrimônio Cultural local com possibilidade de ser
usado como recurso cultural e turístico.
Quanto a sua participação, sinta-se completamente livre para decidir participar ou não,
mas ressaltamos a importância de sua participação e contribuição nessa investigação. Igualmente
203
esclarecemos que seu anonimato será garantido; isso, porque as informações serão sigilosas; a não-
participação não acarretará prejuízo algum a sua pessoa; as informações sobre os resultados ficarão
a sua disposição, sendo que sua participação não acarretará quaisquer constrangimentos, danos,
riscos, ônus ou desconforto à sua pessoa. Os dados coletados serão utilizados para fins de pesquisa
acadêmica e divulgação do conhecimento sobre o tema proposto. Caso concorde com os termos
propostos, solicitamos o preenchimento e sua assinatura neste documento, conforme segue:
Eu, ___________________________________________________,
Portador documento de identidade nº _____________________________ declaro que, de forma
livre e esclarecida, aceito participar do estudo “A COMENSALIDADE DOS RITUAIS NA
FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM ALCÂNTARA – MA E SUA
POTENCIALIDADE TURÍSTICA”, desenvolvido pela mestranda Lílian Pacheco Ferreira Paiva,
sob a coordenação e orientação do Professor Dr. Luciano Torres Tricárico, na modalidade de
Projeto de Pesquisa Científica, vinculada ao Programa de Pós-graduação Stricto Senso em Turismo
e Hotelaria – Mestrado Acadêmico MINTER/IFMA.
ASSINATURA: LOCAL e DATA:
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APÊNDICE F – ENTREVISTA COM COORDENADOR
Pesquisadora: Qual é a sua primeira lembrança da Festa do Divino?Coordenador: Eu vou lhe dizer como eu comecei a participar dessa Festa do Divino. Eu trabalhava
no comércio do senhor Galdino Ribeiro que era o coordenador da Festa do Divino na época. E além do comércio ele fazia altares, esses altares que você vê, altares, fazia centro de mesa e escolhia, coordenava toda a festa e eu trabalhava pra ele. E ele me ensinou tudo isso e eu fui Mestre-Sala também por ele, ele que me indicou pra festeira pra ser Mestre-Sala no primeiro ano. E eu podia ter mais ou menos meus 16 anos por aí e eu fui servir o Divino, gostei daquele movimento, sabe, a gente jovem né, comecei a gostar e daí eu comecei a participar da Festa do Divino e ele me ensinou toda a essa tradição da Festa. Quando ele tava doente tinha o senhor Ricardo Leitão que era Coletor do Estado aqui que também era Mestre-Sala e como ele era um jovem senhor na época de seus quarenta e poucos anos e eu ainda jovem ele passou para ele a coordenação e dizendo a ele que quando ele tivesse também já não tivesse condições me entregasse a coordenação. Isso foi feito. Depois que ele morreu o Ricardo assumiu a coordenação e eu comecei a trabalhar junto com ele para dar um suporte pra ele na Festa do Divino e quando esse senhor também estava doente eu assumi diretamente até hoje a Festa do Divino.
Pesquisadora: Atualmente quem são os Mestres-Salas que estão também nessa Hierarquia?Coordenador: É, nós temos um total de 15 Mestres-Salas. E depois, na época que eu comecei eram
poucas pessoas e já de idade. Quando eu assumi a coordenação eu resolvi, até porque os outros já tinham morrido, eu resolvi ter muitos rapazes jovens que com muita dificuldade eu consegui porque você sabe que o jovem hoje não gosta de se preocupar com essas coisas, ele quer está livre pra dança, pra festa. E então eu consegui trazer eles pra Festa e meter na cabeça deles o que é a Festa, a importância da Festa pra eles e eles começaram a gostar e tão comigo até hoje. Nós temos 15 Mestres-Salas.
Pesquisadora: Desses 15 quais os que estão hierarquicamente na fila para substituição?Coordenador: Veja bem, é... isso aí é um...(risos) vou lhe dizer sinceramente é a maior preocupação
para mim é saber que eu vou deixar esse trabalho e saber quem vai me substituir? Eu estou trabalhando em cima de vários mas até hoje se a senhora me perguntar quem será o beneficiado eu não sei te dizer.
Pesquisadora: Quem escolhe é o senhor mesmo?Coordenador: Eu que escolho. É, porque como eu lhe disse hoje o jovem não quer compromisso
com nada.Pesquisadora: Não tem compromisso de ser hereditário? Eu vejo que o senhor tem um filho que
todos os anos ele participa, mas está como músico?Coordenador: É, eu ingressei ele como Mestre-Sala e ele teve uns anos comigo mas depois ele
optou pela música, né? Então ele acompanha isso e vai, faz contrato com o pessoal e gosta daquilo, dessa parte musical ele gosta demais. Então eu estou investindo em dois, duas pessoas aqui pra mim ver se eu consigo trazer para me substituir, eu espero que daqui mais um ano ou dois ou três eu possa confiar em algum deles para trazer para me substituir. Porque não é fácil.
Pesquisadora: Agora são três coordenadores? O senhor, seu Antônio e?Coordenador: Não, o coordenador é um só. Só eu. Agora, Seu Antônio é o Mestre-Sala Mor. O
Mestre-Sala Mor é a pessoa que tá coordenando e orientando os outros Mestres-Salas
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para que eu fique só na coordenação da festa no todo. E tem o outro rapaz que eu tô botando fé nele que é o Rodrigo prá também... é... é o meu braço direito né... prá ver se quando eu não puder mais fazer alguma coisa eu traga ele prá me substituir junto com o Antônio.
Pesquisadora: O “Porrudo” é Mestre-Sala também?Coordenador: É, é Mestre-Sala, inclusive eu daqui há uns anos, daqui quatro anos ou mais eu trouxe
ele prá assumir o Mestre-Sala do Mordomo-Régio que é na hierarquia a segunda pessoa do Império. Já ir dando essa responsabilidade prá ver se ele gosta pra ir assumindo...
Pesquisadora: Então Seu Antônio é o Mestre-Sala do Imperador ou da Imperatriz?Coordenador: Não. Ele trabalha comigo no Império, na coordenação. Agora a responsabilidade dele
é gerir, é orientar os Mestres-Salas. Por isso ele tem o cargo de Mestre-Sala Mor.Pesquisadora: O almoço, o senhor lembra como surgiu?Coordenador: Quando eu recebi essa Festa já tinha isso. Veja bem, naquela época, todo o pessoal
gostava de trabalhar e trabalhava isso com amor, com gosto, sem um centavo de recompensa. Então, quê que são 12 dias de festa? o que acontece: cada festeiro, ele tem uma quantidade de 15, 20 pessoas diariamente trabalhando, então o festeiro dá almoço, dá janta e merenda todo dia para esse pessoal. E o Império como o custo dele é maior ele se responsabiliza não só para dar alimentação para o pessoal que trabalha como para o pessoal que vêm de fora que às vezes não tem alimentação e então ele dá. E no último dia é uma tradição já da Festa fazer um almoço pra todas as autoridades e toda pessoa que compõe a festa e que vai visitar a festa.
Pesquisadora: Agora já foi uma tradição mais recente? Coordenador: Não, essa quantidade de alimentação que se dá não é recente, agora ela foi
aumentando de acordo com a quantidade de gente que foi chegando. Pesquisadora: Porque antes era com a intenção mais de alimentar os que estavam trabalhando na
casa?Coordenador: É, só os que estavam trabalhando.
Pesquisadora: Qual a relação que o senhor faz desses alimentos, por exemplo, o Doce de Espécie que já virou um símbolo da Festa do Divino de Alcântara com…, na verdade hoje em dia a gente não imagina a festa sem o Doce...
Coordenador: Porque esse Doce veio do começo da Festa, a festa... o que se servia dessa festa era o Doce de Espécie, era o bolo de tapioca, era aqueles bolinhos de côco redondinhos e os doces secos que se chamava... que era sequinho que a gente parte ele gostoso. Esses eram os doces da Festa. Não tinha pudim, não tinha pão-de-ló, não tinha essas coisas todas, isso veio depois. A Festa foi formada com esses doces para fazer. Como as bebidas, não tinha cerveja, não tinha nada, não tinha nada, era licor, cachaça e vinho. Hoje com a evolução do tempo ninguém quer mais saber disso, quer é cerveja.
Pesquisadora: Mas o interessante é que mesmo com a presença da cerveja, o licor não se deixou de produzir, já é um momento esperado da festa?
Coordenador: É tradicional. Não pode deixar de ter o licor.Pesquisadora: Como é aquela musiquinha do Licor, seu Moacir?Coordenador: Qual?Pesquisadora: Sem licor o mastro não sai. É areia, areia?Coordenador: Isso aí é... Porque na época... Quando eu conheci... Essa festa tem muitos anos... Se
você me perguntar quantos anos tem essa festa? eu não sei te dizer. E se alguém te
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disser que é 100 anos, 200, tá mentindo, porque não sabe também, a gente já vai pegando ela andando, né? com o decorrer do tempo. Então o que acontece: não tinha música, orquestra no mastro, era só caixa, só as caixeiras gritando areia, areia, né? Então quando chegava no determinado paço que se chama as casas de festas onde o mastro para, ai que o pessoal diz: “Licor, Licor!” Ai vem aquele pessoal a servir licor. Porque não sei se você observou que em cada paço que o mastro chega que é uma Casa de Festa, um Altar, a primeira coisa que o festeiro faz é sair botando um incenso né, defumando o mastro. Aí então o pessoal vai dar para o pessoal que começa a gritar “Licor, Licor!”
Pesquisadora: É uma média de quantos licores para cada Mordomo e para o Imperador ou Imperatriz?
Coordenador: Olha, isso depende da condição financeira de cada um, o que eu posso lhe dizer que nenhum festeiro, por menos condição que esteja, ele não faz menos de 500 litros de licor.
Pesquisadora: Menos de 500 litros não dá nem para o começo?Coordenador: Porque são 12 dias. 12 dias de festa. Isso sem interrupção, porque quando é de
manhã, de tarde e de noite. A noite, tem a noite toda, às vezes tem de manhã e tem de tarde, tem de manhã e tem de tarde.
Pesquisadora: Os principais dias do licor são dos dias do mastro?Coordenador: É que se gasta mais licor é no mastro. Depois é para servir... hoje, já se serve mais
para turista, essas coisas e tal, que eles gostam. Porque o turista quando vêm visitar a Festa do Divino ele não quer cerveja, não quer uísque, não quer nada, isso ele já faz por lá; ele quer é licor e doce de espécie.
Pesquisadora: Ele quer conhecer o que tem aqui. O licor mais tradicional é o de jenipapo?Coordenador: Jenipapo, é.Pesquisadora: E o segundo?Coordenador: Aí varia, porque tem muita gente que gosta de goiaba, de murici, de canela...Pesquisadora: Só tem o primeiro mais tradicional que é o de jenipapo?Coordenador: Esse é... Se a casa de festa não tiver o licor de jenipapo não está casa de festa.Pesquisadora: Os outros vão depender da criatividade do festeiro, porque produz com as frutas da
época?Coordenador: E do sabor de cada um.Pesquisadora: Seu Moacir, vamos aproveitar que se falou do mastro. Na sua opinião aquelas frutas,
o coco, a banana, que se prende no mastro, aquilo representa o quê?Coordenador: Aquilo é apenas para enfeitar o mastro, né... apenas para enfeitar o mastro. A pessoa
bota para não ficar feinho, bota coco, bota banana, bota tudo, mas eles não querem dizer... aquilo foi mais da festa, está dentro da cultura da festa? não está... é uma coisa que veio depois para fazer...
Pesquisadora: Eu estou perguntando poque existem algumas festas agrárias antigas que é para a celebração da colheita, da fartura...isso que eu queria saber se poderia ter no início dessa tradição alguma relação com essa questão das pessoas pedirem fartura para o ano todo?
Coordenador: É, pode até ser, está vendo, mas não é... agora, tem outra coisa diferenciada da coisa, o mastro, todas as festas mesmo sem ser do Espírito Santo, o mastro... Mas a nossa festa, o mastro, para nós aqui em Alcântara, ele simboliza a época do Império que tinha o pelouro, que ainda tem aí, que se castigava os, como se chamava na época, os escravos. Ele é o símbolo desse mastro... Então essa festa é o símbolo disso.
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Pesquisadora: Há, então o mastro é o símbolo da escravatura?Coordenador: Tem muita coisa nessa festa que o pessoal não entende, por exemplo, as caixeiras. As
caixeiras elas simbolizam a senzala na época do, como é que se diz, do Império, desse pessoal que tinha os seus criados e tinha um dia do mês que eles davam folga e eles se reuniam na senzala para tocar, para agradecer, para pedir saúde. Então isso aí é que nem as caixeiras para compor a Festa do Divino e o mastro simboliza o...
Pesquisadora: O que também é uma característica de Alcântara, né. Porque eu já vi por aí outras festas no Brasil que tem o toque de caixa, mas necessariamente não são as mulheres e aqui quem toca caixa são as mulheres, né?
Coordenador: É só as mulheres e elas representam as escravas na época que a festa delas na senzala, elas cantavam, tocavam para brincar, para se divertir pelo menos uma vez por mês, é por isso que vem a Festa do Divino... que vem o Império na Festa do Divino, porque a festa é do Divino, mas ela tem o Império que representa na época do Império.
Pesquisadora: Existem algumas pessoas que acreditam que essa corte, ela foi criada a partir do momento que não teve a vinda de D. Pedro a Alcântara e a partir daí começa a sair a corte para a rua?
Coordenador: É, de todas essas informações é quando a Princesa Isabel libertou a escravatura, acabou com ela, segundo os que vem dela... ela doou essa corôa ao Brasil. Por isso... é aí que vem essa corôa Portugal Alcântara para simbolizar esse período da alforria. Então ela entrou na Festa do Divino. Essa Festa do Divino aqui ela tem três partes. Tem a parte religiosa, que é a principal; tem a parte cultural que são os mordomos que representam os mordomos com aqueles, aquelas vestes de coisas antigas e tem a parte profana que é a música, aquela dança, aquela coisa toda.
Pesquisadora: O que entra agora para a polêmica das bandas, porque tem uns anos que tem show e aí a comunidade às vezes reclama...
Coordenador: Não aceita, não aceita mesmo.Pesquisadora: Existe uma certa discussão sobre isso...Coordenador: Até porque essa banda não tinha existência. Porque essa festa era uma festa de
Alcântara, com o pessoal de Alcântara, não tinha ninguém de fora. Era o pessoal daqui e os alcantarenses que moravam em São Luís ou em outros estados e que sabia da festa e vinha...
Pesquisadora: Mas é certamente a maior Festa do Divino do Estado do Maranhão?Coordenador: É, porque as outras são 2 dias, 3 dias, um fim de semana. A nossa não, são 12 dias e
é totalmente diferente porque você vê em São Luís e em outros lugares ela tem Imperador e Imperatriz ao mesmo tempo. Aqui não, são alternados, um ano é Imperador o outro ano é Imperatriz.
Pesquisadora: Muitos sonham em ser Imperador ou imperatriz...Coordenador: Os meus netos já foram todos.Pesquisadora: Muitos querem ser festeiros...Coordenador: Quando não é Imperador, é Mordomo, Vassalo, todos eles...Pesquisadora: Muitos querem ser festeiros. A gente pergunta para o jovem, tu queres ser festeiro?Coordenador: E vou te dizer outra coisa, é um custo muito alto, né.Pesquisadora: Quando tiver dinheiro... Pois é, os que falam que ainda não, sempre a questão
financeira é o determinante.Coordenador: Porque você gasta um dinheiro à toa.Pesquisadora: Na média quanto seu Moacir?
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Coordenador: Nós temos mais de 20 vestidos de minha neta quando foi Imperatriz, caríssimos, que está estragando, depois porque isso aqui na festa... não vai usar aquilo ali, vai se jogar fora... a gente gasta muito dinheiro com isso... se você alugar hoje é para R$ 800, R$ 600 um, agora são 12.
Pesquisadora: E todo mundo quer guardar de recordação da época que foi Imperatriz...Coordenador: Se mandar fazer é mais caro. Porque você vai ter que comprar a fazenda, comprar os
enfeites, pagar quem faz, tudo isso né... é só mais quem gosta mesmo e quem tem vontade e que tem a situação financeira equilibrada, senão não dá.
Pesquisadora: Todo festeiro ele é Mordomo?Coordenador: É, são. Porque tem o Mordomo Baixo que são os mordomos e tem o Mordomo Régio
que é a segunda pessoa do Império.Pesquisadora: Como é definida a quantidade de festeiros a cada ano?Coordenador: Nós chamamos 13, 13 pessoas, agora é muito difícil fazer. Na época que eu comecei
as coisas eram muito mais baratas, todo mundo fazia. Hoje não, escolhe 13, tem ano que faz... por exemplo neste ano foi 7, tem ano que faz 12, que faz 11, neste ano agora que vai começar...
Pesquisadora: Ano passado foram mais?Coordenador: Sete só.Pesquisadora: Não, sete foi agora?Coordenador: No ano passado foram 10.Pesquisadora: É, eu lembro que tinha sido uma quantidade maior.Coordenador: Já no próximo ano pelo menos eu já... está contactado 11, né.Pesquisadora: Então já vai ser maior?Coordenador: Mas o chamamento é 13.Pesquisadora: Agora o tamanho também da festa independe da quantidade de festeiros porque às
vezes até tem mais festeiros mas às vezes a festa com menos ela pode também tomar uma proporção maior?
Coordenador: E da situação financeira.Pesquisadora: E também muitos não fazem pela questão...Coordenador: Porque veja bem...Pesquisadora: Mas a corte mesmo é formada pelo Imperador?Coordenador: Quando é homem é o Imperador e dois Vassalos.Pesquisadora: Dois Vassalos.Coordenador: Quando é mulher é a Imperatriz, duas Aias e um Vassalo. Uma Aia ela é a dama da
Imperatriz, é a pessoa de confiança dela; a outra Aia é responsável pela corôa e o Vassalo é o homem da segurança da corte.
Pesquisadora: E as crianças que vêm a frente do cortejo?Coordenador: São os mordomos que representam o mordomo que é chamado na igreja. Ele é o
Mordomo. Ele é como se fosse um conde, uma condessa da época.Pesquisadora: Então eles representam os mordomos?Coordenador: Isso.Pesquisadora: Todas as casas dos festeiros tem uma criança dessa representando o Mordomo?Coordenador: Representando o dono da Festa que é chamado.Pesquisadora: E qual o papel das Bandeirinhas?Coordenador: As Bandeirinhas são auxiliar das Caixeiras para auxiliar a cantar e reproduzir os
versos que elas cantam, e elas vão...Pesquisadora: As Caixeiras fazem parte da Corte?
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Coordenador: Faz parte da Corte.Pesquisadora: As Caixeiras e as Bandeirinhas...?Coordenador: Caixeiras faz parte da corte.Pesquisadora: No total são quantas pessoas a corte completa?Coordenador: O Império tem direito a 3 caixeiras, 3 bandeiras e 1 bandeireiro que é o estandarte
que traz o símbolo da festa...Coordenador: Mordomo Régio ...2 caixeiras, 2 bandeiras e uma bandeira dessa maior.Pesquisadora: O Mordomo Régio é a segunda pessoa do Imperador?Coordenador: Só que em vez de 3 caixeiras são só 2, 2 bandeiras e o bandeireiro.Pesquisadora: Agora, da sua primeira lembrança que o senhor tem da festa, se o senhor for parar
para pensar, o que o senhor se lembra da Festa do Divino?Coordenador: Minha fila, é tanta coisa que eu não vou nem saber responder. Eu já tenho medo é de
eu não poder mais participar da festa, vai chegar um tempo que eu não posso mais.Pesquisadora: Mais ainda vai participar por muitos anos...Coordenador: Essa festa para mim... Só para te dizer em 12 dias de festa se você chegar aqui e me
procurar uma hora dessa não me acha. Vai me achar em uma das casas, porque eu tenho que percorrer para ver o que falta, o que não falta, o quê que se pode fazer, a ajuda que se pode conseguir.
Pesquisadora: Como o senhor se sente com a consideração da comunidade? Eu vejo como é recepção das pessoas em cada casa que o senhor passa como coordenador da festa, o senhor e o Padre, né? A gente vê que são pessoas bem... nesses dias, são pessoas bem vindas nas suas casas...
Coordenador: Olha, eu vou lhe dizer com certeza, eu tenho muitas pessoas me vem assim: “Que eu já me preocupo quando tu morrer porque eu não sei se vai ter alguém que venha te substituir e fazer o que tu faz nesta festa” eu me dedico o tempo todo na festa, a festa são doze dias mas eu trabalho nela é no ano, eu faço reuniões, eu explico para os festeiros o que eles tem que fazer, eu entro em contato com os órgãos de competência, Secretaria de Cultura de São Luís, do município, de outra secretaria, o Governo do Estado, para cuidar, pra conseguir recursos pra se fazer...
Pesquisadora: Qual o papel da Associação, seu Moacir, da Festa?Coordenador: A Associação é justamente para isso. Para procurar angariar recursos, só que...Pesquisadora: Eles trabalham independente da Coordenação, né?Coordenador: A Coordenação, até porque a Associação ela tem dois anos de duração, de dois em
dois anos tem eleição. Já a Coordenação, ela é vitalícia.Pesquisadora: Seu Moacir, na sua opinião, o que está faltando para essa festa ser salvaguardada
pelo IPHAN? Virar patrimônio imaterial?Coordenador: É esse o trabalho que eu tenho, graças a Deus está começando, não sei se eu vou
alcançar ela ainda com... mas pelo menos, começamos. Eu briguei muito... briguei assim na maneira de falar...porque não é possível que um Governo Federal ou mesmo Estadual não olhe pra essa festa para que dê uma segurança para que essa festa não morra. Porque aí se nós formos esperar pela esmola que nos dão ela vai acabar, porque o custo é muito grande.É porque essa festa é o seguinte... se vocês, por exemplo... se você é chamado por mim para ser mordomo você começa a trabalhar desde a época... desde que eu lhe chamo e quando chega a Aleluia você já vai ter que ter alguma coisa para essa festa. Se você não tiver na época da Aleluia pelo menos para começar, pra comprar alguma coisa, 5 mil reais na mão, você não faz a festa. Se você for anotar tudo que você
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fosse tirando do bolso, chega no fim da festa você ainda pensa: ou eu roubei ou eu não sei da onde deu esse dinheiro.
Pesquisadora: E dessa parte da alimentação, o que o senhor lembra se sempre teve essa importância a comida para a Festa?
Coordenador: Sempre, sempre.Pesquisadora: A oferta de Doces?Coordenador: Tudo sempre teve, porque você quando começa essa festa, uns com mais, uns com
menos, mas nunca deixa de ter na casa menos de 20 pessoas trabalhando o tempo todo. Então você tem que... e eles não ganham nada, então você tem que dar a alimentação pra eles, tem que dar almoço, tem que dar jantar, tem que dar merenda, tem que dar tudo pra eles...
Pesquisadora: Mas eu lhe digo assim, o senhor imagina hoje em dia uma Festa do Divino sem os festeiros oferecerem as comidas e bebidas?
Coordenador: Se eu imagino? Não, porque o dia que acontecer isso nesse ano não vai ter festa...Porque ninguém vai mais, eu já faço... eu já trabalho para você sem nada e outra ele não me dá a alimentação, eu ainda tenho que ir procurar em outra parte? na minha casa... É difícil, é difícil que isso aconteça.
Pesquisadora: E os doces, qual o senhor acha que é o principal sentido de oferecer aqueles doces?Coordenador: Olha, pelo menos o Doce de Espécie é aquilo... ele traz assim como se fosse... para
quem vem de fora uma lembrança da Festa do Divino. Pesquisadora: Quando o senhor vê as pessoas que vêm de fora na festa? Na sua opinião, na opinião,
o senhor acha que para a comunidade elas são bem-vindas?Coordenador: Em parte, por exemplo, eu até digo isso com tristeza. Se você pegar uma parte do
pessoal que vem de São Luís, eles vem para a Festa do Divino, não como se fosse a Festa do Divino, vem como se fosse uma coisa qualquer. Primeiro, essa festa tem a tradição assim: você não pode entrar no altar de bermuda, você não pode entrar na sala do altar com uma camisa manga cavada, você não pode entrar fumando, você não pode ter chapéu, essas coisas. O pessoal que vem de São Luís, não são todos, mas a maioria que vem pra essa festa, eles já pegam o barco já só de bermuda e diz “eu vou na casa de festa”. Ele não sabe o que é festa. Já o turista é diferente, ele chega na casa da festa, antes de entrar ele pergunta como é que é a festa e como ele pode entrar e o que ele deve fazer, entendeu?
Pesquisadora: Então o problema é respeitar as tradições?Coordenador: Olha, a maioria do nosso pessoal que é daqui, nosso mesmo do Maranhão, não são
todos né, mas não tem quem respeite, eles acham que aqui é como se fosse um carnaval, aquela coisa e tal...
Pesquisadora: Tem uns que vem mais para o show da praça? Do dia do mastro?Coordenador: Às vezes os festeiros falam assim: “Vamos acabar com esse negócio da festa de
banda?” Aí eu digo pra eles: “Gente, vejam bem, não pega bem para nós. Aí nós temos aqui a cidade... nós não temos uma cidade bem preparada para o turismo”. então ela agora se faz necessária.
Pesquisadora: Então dessa parte da comida, o que vem na sua cabeça? Pode ser do chocolate, pode ser do licor, pode ser do doce de espécie...
Coordenador: A Festa do Divino sem licor e sem, sem doce de espécie não tem sentido.Pesquisadora: Por quê, seu Moacir?Coordenador: Porque são as duas coisas que trazem a lembrança da Festa do Divino.Pesquisadora: O senhor acha que eles representam a hospitalidade do povo alcantarense?
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Coordenador: Representa isso e muito mais. Representa como se fosse uma coisa, vamos dizer assim, você tem um prato típico na sua casa, o dia que você não botar ele parece que a casa não, não tomou pé, tem alguma coisa diferente. É justamente se você não tiver o doce de espécie na Festa do Divino e o chocolate, você não está fazendo uma festa e essa festa não é do Divino. É um marco da Festa do Divino. Se você não tiver nada na festa, mas tiver o chocolate e o doce de espécie aqui tem uma Casa de Festa do Divino, aqui se faz uma Festa do Divino.
Pesquisadora: E o senhor lembra se alguém lhe contou se esse doce realmente veio de Portugal? a inserção do chocolate?
Coordenador: Não, isso foi uma coisa daqui mesmo, não veio de fora para cá, não veio, não veio, diz assim não, esse chocolate foi feito em tal parte e trouxeram ele para Alcântara. O doce também, ele foi uma coisa criada aqui.
Pesquisadora: Aqui em Alcântara?Coordenador: Em Alcântara e dentro da Festa do Divino que se espalhou depois para outras festas
que você vê hoje, você vai no Reviver e tem doce que é daqui e eles vêm comprar aqui e levam pra vender lá. Os comércios aqui também vendem fora da época da Festa do Divino porque tem turista que vem: “onde é que posso comprar doce da Festa do Divino, doce de espécie, então já tem a casa reservado para vender, como também tem o licor, tem que... de jenipapo, tem os outros, mas o de jenipapo, esse é o ...
Pesquisadora: O senhor considera que são símbolos da cidade ou símbolos da Festa do Divino?Coordenador: Símbolos da Festa do Divino, não da cidade, da Festa do Divino.Pesquisadora: E, seu Moacir, na época que o senhor era criança existia essa questão do mastrinho
que as crianças hoje estão fazendo?Coordenador: (risos) Não, isso, olha isso, é... eu outro dia até disse e repito aqui... menino, isso dá
para eles incentivo, é muito bonito, eles mesmo que criaram isso, eu acho lindo, lindo, lindo demais. Eu vou, eu vou ajudar eles pra que não perca mais e todo ano...
Pesquisadora: E seu Moacir, outra coisa, então a gente já falou que o senhor começou de certa forma por tradição familiar, depois veio o convite para o senhor ser Mestre-sala e a partir daí começa todo o seu envolvimento com a festa. Qual é a função do Mestre-Sala?
Coordenador: O Mestre-Sala ele tem por obrigação de saber tudo da festa. Horário que vai chegar um visitante, horário que o festeiro vai ter que esmolar, a hora da missa, o que o mordomo representante tem que vestir, tem que fazer, é o responsável por tudo porque o festeiro em si ele vai fazer a festa, por exemplo, da primeira vez ele não sabe nada. Tem que ter uma pessoa que vá orientar ele. E o Mestre-Sala é esse... Tem que fazer esse trabalho, ele tem que saber tudo isso pra dizer: está na hora de fazer isso, tá na hora de tocar o foguete, vem o Santo ali, você tem que pegar esse Santo, trazer pra cá. Vem uma pessoa você tem que levar aquela pessoa pra aquela mesa, aquela pra aquela outra...
Pesquisadora: A presença dos turistas nas Casas de Festas tira a privacidade dos moradores? Da comunidade? O senhor acha que a comunidade acredita que os turistas que frequentam as casas de festa durante o período da festa de alguma forma tiram a privacidade da comunidade?
Coordenador: Eu acho que não, acho que não. Pelo contrário eu acho até bom que tenha porque vai divulgar, vai mostrar, vai ver o trabalho que o festeiro tem, muitos deles até perguntam quanto custa aquilo e tal, o verdadeiro turista , né? e ficam admirados
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daquilo né? e aquilo vai servir como uma mostragem lá fora do que é a Festa do Divino em Alcântara, a divulgação dela né? Por tanto pra mim é importante ter turista dentro da festa.
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APÊNDICE G – ENTREVISTA COM MESTRE-SALA
Mestre-Sala: Meu nome é Antônio Luís Moraes Barbosa, alcantarense...
Pesquisador: Há quanto tempo tu participas da Festa do Divino?Mestre-Sala: 24 anosPesquisador: Qual a tua primeira lembrança da Festa do Divino Espírito Santo?Mestre-Sala: Como Mestre-sala?Pesquisador: Não, a primeira lembrança que tu tens mesmo?Mestre-Sala: Eu não tinha muita ... Festa do Divino não. Eu fui mais porque tinha uma irmã Aia e aí
convidaram minha irmã e aí eu passei a frequentar mais a Festa do Divino, eu passei a acompanhar ela, chegava na Igreja quem acompanhava ela era eu.
Pesquisador: Tu passou mais a acompanhar depois que passou a ser mestre-sala?Mestre-Sala: (balança com a cabeça que sim)Pesquisador: Nessa época que tu era criança, que tua irmã foi Aia, qual a tua lembrança dessa parte
da comida da Festa? O que era oferecido nessa época?Mestre-Sala: É quase a mesma coisa ainda de hoje, peixe, carne, macarrão, carne de porco ao
molho, peixe frito, salada, torta de camarão, torda de sururu, de carne moída...Pesquisador: Já era servido o Doce de Espécie?Mestre-Sala: Já.Pesquisador: E os outros Doces?Mestre-Sala: Os outros também. Pudim, doce... tem até um que acompanha o doce de tapioca, é o
pudim que eles chamam doce velho, não sei para onde foi doce velho para pudim, para mim é a mesma coisa. Mas tem uma diferença.
Pesquisador: Cada casa faz seu tipo de doce e alguns são, vamos dizer assim, presença obrigatória como o doce de coco, o outro de coco que tem um buraco no meio?
Mestre-Sala: O doce obrigatório é o doce que chama doce de buraco, a bolacha que a gente chama e o doce de espécie. Agora os outros ficam a critério do festeiro. Cada casa, quem vai ficar na coordenação... um doce diferente... quer fazer uma coisa diferente das outras pessoas e botam.
Pesquisador: Mas assim, dessa tua primeira lembrança, qual a parte da festa, quando tu nem sonhavas ser Mestre-Sala, qual a parte da festa que mais te lembras?
Mestre-Sala: A minha é Quinta-feira de Ascensão. O pessoal todo vestido de branco... para mim ali é uma marca da festa.
Pesquisador: Esse o que ficou marcado na tua cabeça?Mestre-Sala: Para mim é o dia mais importante que tem é aquele ali.Pesquisador: Me conta um pouquinho como foi esse convite para ti começar a ser Mestre-Sala...Mestre-Sala: Bem, na verdade foi minha cunhada. A mãe dela ia ser festeira e não tinha Mestre-Sala
e eu por brincadeira eu me ofereci: não, eu vou ser o Mestre-Sala da tua mãe. Como o tempo foi passando e eu falei por brincadeira e quando chegou eu acho que uns dois meses da festa ela: Porrudo, tá pronto? Eu: não, pronto para quê?... não tu não disse que vai... eu falei por brincadeira... não, tu vai por mim, e então desde esse tempo eu fiquei sendo Mestre-Sala.
Pesquisador: Faz quanto tempo isso?Mestre-Sala: Tem 24 anos, foi desde o primeiro ano isso.Pesquisador: 24 anos? Faz tempo?Mestre-Sala: Foi por brincadeira.
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Pesquisador: E o que mais te motiva a todos os anos estar na festa, ser Mestre-Sala que é uma das funções mais importantes da festa porque é quem organiza todo o cerimonial para a passagem do Imperador, para todas as etapas da festa. Todo ano tu pensas em participar porquê?
Mestre-Sala: Há, é uma festa que eu gosto, uma festa que eu me identifico. Fiz uma promessa, a promessa está quase sendo toda cumprida e assim que concluir o que foi pedido eu vou fazer uma festa por parte da minha família, na verdade.
Pesquisador: Essa festa que tu quer fazer tu quer ser Mordomo Baixo ou Mordomo Régio?Mestre-Sala: Não, não. Não tem justificação. Só que queria fazer a festa, mas próximo do meu fim,
mas eu vou fazer como Mordomo Baixo, para poder fazer como manda o figurino.Pesquisador: Tu tens uma filha que sempre participa de bandeirinha?Mestre-Sala: Bandeirinha e Seu Moacir já quer que ela seja caixeira, mas eu acho muito pequena,
porque na verdade ela é uma criança, só é comprida, tá entendendo? E ela trabalha de caixa. Dona, a caixeira Marlene, que é chamada de Colega, para todo evento que ela vai ela leva minha filha para tocar, estava em São Bento num evento que teve e ela só ia se minha filha fosse e aí o Valdeci, secretário de cultura foi falar comigo para ver quem ficava responsável por que ele ficava e depois que ele falou que era eu disse não, deixe que Dona Marlene fica responsável porque ela já se acostumou com ela mesmo. Ficou na casa do Mordomo Régio, não quer nem ir comigo para a casa de festa. Dona Fátima me pediu que ela ficasse com ela aí eu... é uma pessoa que eu gosto, mais velha do que eu, aí eu fiz a vontade dela, né?
Pesquisador: Tu já pensaste alguma vez, surgiu alguma vontade de algum dia ela ser a Imperatriz?Mestre-Sala: Nunca quis. Ela só gosta de bater caixa.Pesquisador: Ela nunca quis mas e tu? Já tiveste essa vontade?Mestre-Sala: Já fizeram essa pergunta para mim. Eu disse, rapá... Pessoas nunca convidaram.
Mamãe quer fazer uma festa, diz que ela vai ficar mordoma dela, durante o dia ela é caixeira, a noite ela pode ser mordoma, mas durante o dia ela é caixeira.
Pesquisador: Na tua família teus pais já realizaram, já fizeram festa alguma vez?Mestre-Sala: Não, a minha mãe já foi mordoma da madrinha dela. Dois irmãos meus fizeram festa e
mamãe que coordenou.Pesquisador: Mas tu achas que tu começaste a participar da festa por tradição familiar?Mestre-Sala: Não. Não foi por tradição familiar.Pesquisador: Mais pela tradição da comunidade mesmo?Mestre-Sala: É.Pesquisador: Tu achas que os alimentos e bebidas que são oferecidos na casa de festa tem algum
aspecto religioso? Alguma coisa com esse lado religioso da festa?Mestre-Sala: Eu acho que tem, com certeza.Pesquisador: Em que sentido, Porrudo?Mestre-Sala: Porque muitas das vezes, algumas pessoas fazem promessa para fazer a festa e lá eles
dizem o que eles querem fazer, muitos deles, eles ofe..., eles não... não... podemos dizer assim... eles não aceitam ajuda das outras pessoas na base de governo, tá entendendo? porque eles fazem a promessa para dar realmente a comida realmente que eles tem por dia, para o momento.
Pesquisador: Tu achas que pode existir uma Festa do Divino em Alcântara sem ter essa fartura de alimentos e bebidas oferecidos?
Mestre-Sala: Talvez haverá daqui há não sei quantos anos. Mas para substituir a Festa do Divino não. Não tem não.
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Pesquisador: E essa festa, tua acha que ela pode se realizar sem os alimentos e bebidas? Fazem parte integrante da festa já?
Mestre-Sala: Não, acho que não. Tem que ter alimentos e bebidas. Ela, é um número muito grande de pessoas que vêm para ajudar, então a pessoa tem que estar preparada para dar com qualquer pessoa que fique para ajudar, com comida e bebida... é muito difícil... o forneiro depende muito da bebida, passa do lado, passa... daquele forno, do quente ali, já no caso ele quase não come é mais a bebida para segurar.
Pesquisador: Mas isso tu está falando mais para os que ajudam a ajudar a fazer a festa na casa do festeiro, mas eu te falo aquela movimentação da noite, existiria Festa do Divino sem ter aquela cerimônia do chocolate? Sem a oferta de doces? Sem servir os refrigerantes? Tu imagina a festa sem essa parte?
Mestre-Sala: É meio complicado. Pesquisador: Porquê?Mestre-Sala: É meio complicado. Porque tem muitas pessoas que elas... elas vão para saborear o
chocolate que está na Festa. É por isso que eu falei naquela hora. Já quem tá coordenando... quem for o hospedeiro que conhece... pô fulano faz um chocolate gostoso... vamos lá provar? Eu acho que se não tiver isso que não existe festa não.
Pesquisador: O que tu acha dessa parte de como essa festa agrega a comunidade na confecção desses doces, no preparo do chocolate? Essa parte é uma parte importante para a realização da festa?
Mestre-Sala: Muito importante. A maioria das pessoas vão só para fazer chocolate, tem outras que vão para fazer comida, tem umas que vão para fazer doce, tem outras que são mais preparadas para fazer o doce de espécie.
Pesquisador: A comunidade fica mais unida nesse período?Mestre-Sala: Mais unida. Mais unida.Pesquisador: E o que une principalmente os moradores?Mestre-Sala: É a festa em si, aí tem a questão da pessoa que tá fazendo a festa, tem umas que é
promessa, é promessa? Se é promessa a gente vai lá para ajudar mais ainda. Aonde é promessa, lá com certeza, tem algumas pessoas para ajudar.
Pesquisador: Então conta isso também. A ajuda é proporcional ao motivo de realização da festa?Mestre-sala: Também. Ao motivo...Pesquisador: Existe uma disputa social na cidade para ser festeiro ou para ocupar funções na festa
do divino? Porque é um período importante para a cidade. A maior festa de Alcântara provavelmente, né? E existem algumas funções, alguns postos, né? A questão dos festeiros? Ainda há essa disputa para ser festeiro?
Mestre-Sala: Às vezes até... às vezes pessoas fazem promessa... tem pessoas que fazem... que querem... aí vem a questão, quem quer? Coordenação! E aí, decidimos como... É na votação? É no sorteio? A gente procura as pessoas que realmente estão preparadas.
Pesquisador: E como é que geralmente vocês decidem? Quem vai ser o Mordomo Régio? Por exemplo.
Mestre-Sala: Muitas das vezes sorteio.Pesquisador: Tem os candidatos?Mestre-Sala: Candidatos. A gente faz quando há promessa. Quando há mais de um que tem
promessa, a gente faz o sorteio. Quando só tem uma promessa não é necessário que faça sorteio.
Pesquisador: Mas existe isso de alguém ficar chateado porque não foi o Mordomo Régio foi outro que foi o Mordomo Régio?
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Mestre-Sala: Às vezes, é porque ele quer ir primeiro, ele acha que ele deva levar vantagem. E às vezes não, quem tá por fora não sabe como é que funciona.
Pesquisador: Não sabe quais os critérios... Mas quando vocês sentam para conversar, tem X pessoas interessadas em ser Mordomo?
Mestre-Sala: Tem uma avaliação... aqui... no caso do Mordomo Régio, se todos eles já fizeram festa de Mordomo Baixo a gente avalia quem foi o melhor festeiro, a melhor coordenação. Esse já leva vantagem.
Pesquisador: Aí junta o motivo também de querer ser, se for promessa já ganha vantagem...Mestre-Sala: E pela organização, né.Pesquisador: É levado em consideração o poder aquisitivo da pessoa que se candidata? Se realmente
vai ter condição de arcar com aquela festa?Mestre-Sala: Não, leva não. Porque já tiveram pessoas que fizeram a festa que tinham condições
mais fracassados do que quem tem menos recurso.Pesquisador: E também pode contar com a ajuda de outras pessoas... com doações...?Mestre-Sala: Às vezes tem gente que tem dinheiro mas não tem ajuda e as pessoas que tem menos
recursos já tem muita ajuda. Então leva vantagem desse lado. Depende do Mestre-Sala que vai tá por lá. Tudo isso vai influenciando.
Pesquisador: Tu sabes se desde a primeira vez que foi realizada a festa em Alcântara já foi oferecido o doce de espécie, o licor? Ou não sabe informar?
Mestre-Sala: Não sei isso aí, infelizmente.Pesquisador: E para ti, é importante essa tradição de oferecer essas comidas tanto de dia como de
noite, tanto para os moradores como para os turistas?... Tu acha importante para manter a tradição da festa?
Mestre-Sala: Com certeza.Pesquisador: Porquê?Mestre-Sala: É importante porque se a gente não manter a tradição... com o tempo ela vai.. a festa
vai decaindo até que chega um ponto que termina porque não manteve a tradição.Pesquisador: Quais são os sentimentos que te motivam a participar da festa todos os anos?Mestre-Sala: Eu tenho muita fé no Divino.Pesquisador: Então teu principal motivo é a fé no Divino Espírito Santo?Mestre-Sala: Fé no Divino.Pesquisador: Como é que tu vês essa presença dos turistas na festa do Divino? É bem-visto por ti? É
bem-visto pela comunidade?Mestre-Sala: Olha, eu particularmente, eu acho... não querendo assim te dizendo, mas... falta uma
parte assim que... muitas das vezes os nossos guias eles distorcem totalmente a questão da festa, eles não falam realmente a realidade da festa, eles dizem que o governo estadual, municipal, federal ajudam, então, por isso eles tem que dar... e na verdade não funciona assim. tem ano... que não tem ajuda nenhuma... de ninguém...O pessoal fazia festa sem a ajuda de nada. Então se os guias realmente falasse a verdade, com certeza os turistas vão ajudar muito mais.
Pesquisador: Eu li uma matéria que também teve uma ajuda, se não me engano, foi do Astro de Ogun esse ano?
Mestre-Sala: Teve.Pesquisador: Então esse ano os dinheiros que entraram, fora os dos festeiros e do Imperador, foi da
Prefeitura e do Astro de Ogun? Não teve recurso da Secretaria Estadual?Mestre-Sala: Chegou praticamente há um mês atrás...Pesquisador: Aí agora fica o quê para o ano que vem?
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Mestre-Sala: Aí pro próximo ano é um outro projeto que tem que ser feito.Pesquisador: Mas esse dinheiro foi devolvido, essa ajuda que chegou esse ano?Mestre-Sala: Não, ele é rateado entre os festeiros.Pesquisador: Há tá certo, porque eles tiveram também os custos deles para manter a festa...Mestre-Sala: É rateado.Pesquisador: É uma média de qual quantidade de licor para o Mordomo Régio, por exemplo?Mestre-Sala: Para o mastro ou pra festa toda?Pesquisador: Para festa toda?Mestre-Sala: Há são mais de dois 2 litros... mais de 2 mil.Pesquisador: E para o Imperador?Mestre-Sala: De 4 a 5 mil.Pesquisador: E o Mordomo Baixo?Mestre-Sala: O Mordomo Baixo leva pouco, chega uma faixa de 500 litros, 250.Pesquisador: O licor está presente em toda festa, mas os dias mais tradicionais do licor são os dias
dos mastros?Mestre-Sala: Dos mastros.Pesquisador: São 15 Mestres-Salas agora né isso?Mestre-Sala: 15 Mestres-Salas.Pesquisador: Como que é feita essa distribuição desses Mestres-Salas? Tu já trabalhas na Casa do
Divino?Mestre-Sala: Esse ano eu trabalho na Casa do Divino.Pesquisador: Esse ano de 2016 ou 2015?Mestre-Sala: Não, 16. Vou para a Casa do Divino já.Pesquisador: E em 2015 tu trabalhaste onde? Mestre-Sala: Eu fiquei divido, meio a meio. Meio na Casa do Mordomo Régio, meio na Casa do
Divino.Pesquisador: Quem que define isso?Mestre-Sala: A coordenação achou que o melhor é a gente definir quem é do Mordomo Régio e
quem é do Mordomo Baixo.Pesquisador: Qual a função do Mestre-Sala?Mestre-Sala: Se o dono da festa não está quem responte é o Mestre-Sala, é ele que faz toda a
orientação lá, para coordenar a casa da festa do dia.Pesquisador: Então toda vez que vai ter uma festa, que vai ter visita nessa casa tem sempre um
Mestre-Sala responsável lá pela coordenação, para receber o Imperador, receber toda a corte, não é isso?
Mestre-Sala: Por isso.Pesquisador: Aí, o que tu verifica quando tu estás numa casa? Assim, o andamento de quê?Mestre-Sala: Analisa o seguinte, a gente fica observando... se chegar um grupo de pessoas, a gente
fica atento, se eles já foram atendidos, se precisa de alguma coisa, se já comeram...Pesquisador: Tu acha que essa parte dos comes e bebes, a parte da comensalidade que toda
comunidade se junta, tu acha que isso é um produto cultural que pode ser aproveitado para aumentar a demanda turística, para aumentar o número de turistas nesse período em Alcântara?
Mestre-Sala: Com certeza.Pesquisador: Principalmente por quais motivos?Mestre-Sala: Mais turistas na cidade, mais divulgada ela fica, mais recurso fica na cidade,
comerciantes... (o final não foi compreensível)
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Pesquisador: Tu acha que esses turistas invadem a privacidade das casas de festa?Mestre-Sala: Invadem.Pesquisador: Em qual sentido?Mestre-Sala: Em quase todos os sentidos.Pesquisador: Vocês preferiam que não tivessem os turistas?Mestre-Sala: Não, o turista é importante para a cidade, para divulgar, para a festa não ficar só para
os alcantarenses.Pesquisador: Mas tu acha que invade em qual sentido?Mestre-Sala: Não, vamos dizer assim... a parte de cozinha, pra observar os segredos, entra aí toda
vez acaba ouvindo, a questão dos altares...Pesquisador: Mas aí tu está falando do pré preparo. Eu te digo no momento que está tudo pronto,
que a comida está posta, que a casa já está toda decorada, que o altar está decorado. Na tua opinião o turista é bem-vindo?
Mestre-Sala: É.Pesquisador: Ele incomoda a privacidade da comunidade durante a festa?Mestre-Sala: Não. Nessa parte não.Pesquisador: Tu acha que o zelo, o empenho que a comunidade faz tudo para que realize a festa
também é para ser mostrado para o visitante?Mestre-Sala: Com certeza, não fica só para nós alcantarenses, já sabe cada um o que vai sentir,
avisar os segredos que fica para a última hora pro dia da sua festa, cada dia a gente já sabe né, tem um dia de um festeiro, então o festeiro se programa para a festa dele. ...É uma coisa simples..., No dia de minha festa eu vou botar tudo que eu tenho de melhor. Para dar pra comer e beber e outras coisas, para mostrar isso aí...
Pesquisador: Quais os alimentos que tu acha que podem ser esse atrativo para o turista? Quais os alimentos da festa?
Mestre-Sala: Geralmente a festa em si, os turistas preferem são o licor e o doce de espécie, o doce de espécie... tem gente que gosta mais do doce de buraco do que o doce de espécie... então para o turista que vem atrás do doce de espécie e muitas das vezes quando ele conhece o doce de buraco, já quer o doce de buraco mas não gosta do doce de espécie.
Pesquisador: No caso o doce de espécie e o chocolate tu acha que são itens gastronômicos da cidade de Alcântara ou da Festa do Divino?
Mestre-Sala: Da Festa do Divino.Pesquisador: Como que tu pensa que vai ser na tua casa a continuação com a tua filha, a
participação nessa tradição, tu acha que ela vai herdar de ti o mesmo gosto pela participação?
Mestre-Sala: Ela já herdou, com certeza.Pesquisador: Ela já participa por gosto?Mestre-Sala: Por gosto.Pesquisador: O que ela te fala sobre o futuro da festa em casa?Mestre-Sala: Ela pergunta: “Há pai, será que vai manter a tradição ou será que a coordenação que
vem vai mudar alguma coisa, vai diminuir, vai aumentar?” Fica assim... sempre envolve os mestres-salas... para reunir... conversam... A festa na verdade para o turista começa no dia do mastro, para a gente que participa ela já começa desde quando vai a escolha do pau que é do mastro. A festa já começa aí. Vai dois representantes um mês antes pra escolher o pau que represente o mastro, 10 dias antes a pessoa vai já corta esse mastro, faltando 3 dias para a festa vai ser deslocado à comunidade, as caixeiras já vão para buscar ele, então para nós alcantarenses é desde a escolha. Então é
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porque... a gente sempre questiona... esse trabalho... pessoas vem pesquisar só os momentos, só falam da festa o início do mastro, eles não falam desde a escolha do pau. E quando derruba o mastro que é o dia 15 de agosto, aí acaba o compromisso de um e começa o de outro. Acabou o dia 15 de agosto, acabou o compromisso do imperador e começa o da imperatriz. Corta pela manhã ou pela tarde, é a critério deles e a noite tem a missa já domingo...
Pesquisador: A prisão dos mordomos é feita no mastro?Mestre-Sala: No mastro.Pesquisador: Qual é o sentido dessa prisão? Qual o intuito? Mestre-Sala: O intuito é para... é prender a segunda pessoa com os demais, mais baixas... quem
manda na festa é o Império, então todos são subordinados a ele, aquele que desacatar a regra da festa são punidos.
Pesquisador: Quem prende é o vassalo?Mestre-Sala: O vassalo da espada acompanhado do mestre-sala mor.Pesquisador: Quando é Imperatriz tem também um vassalo que é responsável pela segurança da
Imperatriz?Mestre-Sala: É.Pesquisador: E como é que é feita a prisão dos mordomos?Mestre-Sala: O primeiro a ser preso é o mordomo régio ou mordoma régia, dependendo do ano... o
dono da festa em si tem que se esconder... ele tem que se esconder... quando a pessoa não pode ir pode envolver alguém da família ou o coordenador da festa vai... quando chega: “oh, o dono da festa teve que se ausentar, então”... alguém vai... só se for alguém da família...
Pesquisador: E vai em cortejo? Todos os mordomos presos?Mestre-Sala: Vai, aí quando encontra taca uma fita nele ou nela, ou uma ou duas pessoas e tal... A
fita simboliza que tá preso, aí vai todo mundo em cortejo a casa dos outros festeiros, até prender todo mundo e vem em encontro com o mastro em pé na praça... e lá a caixeira toca uma alvorada para simbolizar... aí depois o mestre-sala chama o mestre-sala do mordomo régio para soltar, e vai acompanhado com o mordomo do trono e o mordomo do trono entrega o licor né... que simboliza lá a prenda dele... desamarra a fita do braço da pessoa e é amarrado na garrafa de bebida e vai fazendo nos demais, se o último chegar 7 horas da noite, só cai quando o último for solto, não saem, ninguém sai, fica todo mundo lá...
Pesquisador: Fica todo mundo lá? Aí vai amarrando ao redor do mastro?Mestre-Sala: Não, ficam todos ao redor do mastro lá quando a pessoa chega... mestre-sala com
mordomo aí pega a bebida como símbolo da liberdade dele, é tirada a fita do braço e amarrada na bebida... lá retira e bota a bebida no pé do mastro... a pessoa que é solta só fica do lado, não pode sair... e após todo esse ritual todos são deslocados nas caixeiras, aí a caixeira não toca, quem toca são os músicos, até na casa do império, na casa do império são servidos doces, bolo, refrigerantes e bebida... cerveja, o próprio licor que às vezes vão para a festa lá do festeiro local e deixa tudo para ele mesmo...
Pesquisador: É feita quantas vezes a prisão do império?Mestre-Sala: É só uma. A prisão é só uma.Pesquisador: É só um dia?Mestre-Sala: É na quinta-feira da Ascensão, entre três e meia e quatro horas...Pesquisador: Esse dia que todos saem de branco?
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Mestre-Sala: Ele chega as caixas já estão tudo amarradinha na fita, as bandeiras elas estão todas amarradas, elas só são soltas quando chegam na praça... lá que a bandeira do império do mordomo régio, se tiver outra caixeira do mordomo baixo lá que elas vão presas enquanto isso se encontrar a bandeira solta o mestre-sala leva presa.. porque já tem que deixar presa.
Pesquisador: Por falar em bandeira, como é feita a troca de bandeiras?Mestre-Sala: O Império tem a dele e o Mordomo Régio tem a dele. Quando eles vão se encontrar há
um troca de bandeiras, a bandeira do império vai pro Mordomo Régio e do Mordomo Régio para o Império... aí fazem essa troca... só eles que trocam de bandeira.
Pesquisador: E a croa?Mestre-Sala: A croa também é trocada. A Santa Croa com o Divino Espírito Santo.Pesquisador: No mastro são colocados alguns alimentos, o que esses alimentos simbolizam?Mestre-Sala: Fartura... fartura.Pesquisador: Tu sabes de onde que veio isso? Qual a origem? Quando começou?Mestre-Sala: Exatamente assim eu não sei te falar não.Pesquisador: Como é o nome daquele mato que cresce?Mestre-Sala: Murta.Pesquisador: Murta né? E como é aquela crendice sobre a murta quando a festa é boa e quando a
festa é ruim?Mestre-Sala: Tem duas situações. Umas pessoas falam que é a murta outras falam que é a terra que
é colocada no pé do mastro. Tipo assim, os mais velhos com quem já conversei dizem: quando é cavado o buraco que a terra sobra no pé do mastro é fartura, quando fica faltando terra no pé do mastro é um pouco de pobreza na sua festa.
Pesquisador: O mastro é um dos momentos da festa que mais comparece a comunidade?Mestre-Sala: É.Pesquisador: O mastro e as visitas?Mestre-Sala: O mastro e as visitas.Pesquisador: Mas qual a que reúne mais pessoas?Mestre-Sala: O mastro.Pesquisador: O mastro é considerado uma parte profana ou religiosa da festa?Mestre-Sala: Profana... profana...Pesquisador: Tu tem uma média da quantidade de refeições servidas?Mestre-Sala: Para almoço, jantar, ou incluindo café, merenda e tudo?Pesquisador: Para o almoço, no dia que é ofertado lá sendo o responsável pelo almoço? Quantos
almoços?Mestre-Sala: Quando é a festa da pessoa na verdade é o dia da visita. Os outros dias são parte do
compromisso. Agora tu quer saber do dia a dia ou do dia da visita dele?Pesquisador: Do dia da visita dele?Mestre-Sala: Há é muita gente... é muita.. é muita comida.. não tenho ideia não, mas é mais de 200,
com certeza... porque ela é colocada pra todos se servirem, o que tem na sala é o que tem na cozinha, então são mais de 200 refeições.
Pesquisador: Para calcular todos os dias da festa é bem difícil, né?Mestre-Sala: Muito difícil. Pesquisador: Qual o alimento que representa a Festa do divino se tu fosse escolher um?Mestre-Sala: Um, o arroz.Pesquisador: Porque o arroz?
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Mestre-Sala: Porque na verdade o arroz ele acompanha... porque é o mais usado é o arroz no dia a dia, depois dos frios é o arroz.
Pesquisador: E de alimentos tradicionais da festa, que simbolizam a festa? Que a pessoa olha... há essa é da festa do divino, qual o alimento?
Mestre-Sala: Camarão e peixe. Tem casa de festa que você vai almoçar é peixe e camarão, você volta para jantar é peixe e camarão... carne tem, mas mais são esses...
Pesquisador: E qual o papel do doce de espécie nessa festa?Mestre-Sala: É o acompanhante do chocolate.Pesquisador: O chocolate é o principal na tua opinião?Mestre-Sala: Sim.Pesquisador: Qual a parte que tua acha mais complexa e a parte mais bonita da Festa do Divino?Mestre-Sala: Eu prefiro a Quinta-feira de ascensão, que está todo mundo vestido de branco.Pesquisador: A pomba, ela é usada na igreja?Mestre-Sala: Na igreja, na Quinta-feira de ascensão quando o Imperador ou Imperatriz é coroado,
após ser coroado, é solta uma pomba branca, dentro da igreja para simbolizar a paz.Pesquisador: Se tu pudesse deixar uma mensagem para os futuros moradores, os que são crianças
hoje, uma mensagem sobre a festa, qual seria?Mestre-Sala: De muita paz para eles no futuro e que eles não deixassem a nossa tradição acabar.Pesquisador: Qual é o dia do murro?Mestre-Sala: Após enterrar o mastro são jogado os boletos para cima e se ganha dando murro.Pesquisador: Como começou essa tradição? Você lembra.Mestre-Sala: Há, eu não sei...Pesquisador: Ela não é tão antiga, é?Mestre-Sala: Eu acho que ela deve ter uns 80, 90 anos...Pesquisador: É, então é antiga... Explica como é o murro?Mestre-Sala: É jogado, os bolos são jogados para cima, são de várias partes e tipos de bolo...Pesquisador: Em sacos ou não?Mestre-Sala: Tem umas pessoas que colocam, parte de higiene, né? Eles botam num saco e jogam
para cima e a pessoa que agarrar, que se abaixar e que estiver próximo de um outro apanha um murro, só se às vezes a pessoa é mais rápida pega, e sai pulando no meio de todo mundo e se livra... esse é bom...
Pesquisador: Mas quem agarrou o doce os outros vêm e dão o murro?Mestre-Sala: Vão dar o murro.Pesquisador: E esse murro é em qual parte do corpo?Mestre-Sala: Na costa, é na costa. E tem a outra parte do doce que é colocado dentro de uma bacia
ou numa bandeja, colocado no pé do mastro... quando é colocado depois que o mestre-sala colocar o doce lá no pé do mastro, sai e é que... alguns levam na mão, outros no murro e tem uns mais espertos levam tudo e sai na carreira e ninguém agarra.
Pesquisador: Então nesse dia do mastro é distribuído muito licor e muito doce com essa brincadeira do murro?
Mestre-Sala: Muito doce...Pesquisador: Na prisão dos mordomos não tem comida? Nenhum tipo?Mestre-Sala: Não, só bebida... tem comida de doce só após toda a cerimônia a gente sai de junto do
pé do mastro... as caixeiras cantam algumas músicas, aí sai se organiza todo mundo, e os músicos saem tocando até a casa do império e na casa do Império são servidos licores, cerveja, doces.
Pesquisador: Mas já lá na casa do Império?
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Mestre-Sala: É no Império.Pesquisador: E a subida do boi... no mesmo dia da subida do boi que os bois são sacrificados para
fazer a divisão para dar esmola aos idosos?Mestre-Sala: Isso, nesse mesmo dia.Pesquisador: Essa esmola aos idosos, porque eu já vi algumas pessoas comentando que esse boi ele
é sacrificado e ele é dividido para aquelas pessoas que ajudaram a fazer aquela festa na casa de festa... aí é o que sobra ou no caso uma parte é destinada a eles?
Mestre-Sala: É meio a meio. Determinadas pessoas que ajudam e onde, às vezes muitas pessoas nem aceitam e dizem que é para doar a outra pessoa e a outra parte é dada às pessoas mais carentes.
Pesquisador: Tu sabes o que falta? Por quê que a Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara ainda não foi salvaguardada pelo IPHAN como patrimônio imaterial?
Mestre-Sala: Nós estamos trabalhando para isso. Nós já nos reunimos alguns mestres-salas com o IPHAN, eles explicaram como é o procedimento, não é fácil...
Pesquisador: Qual seria o procedimento para salvaguardar?Mestre-Sala: Não, pediram que a gente se reunisse, a comunidade, algumas pessoas que tem, ela
pediu que a gente reunisse para juntar tudo da festa, fotos, as mais antigas, as atuais, o quê que é caixeira, o quê que a caixeira faz, batendo, registrando tudo, conhecimento e gravando, filmando tudo, para quando chegar que vai grifando isso aí é que vai formar um outro procedimento, um outro pessoal, para avaliar se aprovado, não é fácil.
Pesquisador: E existe uma data para começar esse processo da salvaguarda?Mestre-Sala: Já, já começamos a fazer os trabalhos já, já fizemos duas reuniões já. Essa , a gente... a
primeira foi com a representante do IPHAN, ela explicou como seria e a segunda foi sem a presença dela porque é para a gente tirar e simplesmente para se organizar e ir atrás das coisas que serão necessárias para ser reconhecido.
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APÊNDICE H – ENTREVISTA COM FESTEIRO
Pesquisadora: Qual a tua primeira lembrança da Festa, Jadson?Festeiro: Do Mastro. Eu via as crianças montadas em cima do mastro quando eu era criança,
também nunca fui em cima do mastro, mas eu ia para a casa das minhas tias, da minha avó, eu recordo muito dessa cena das crianças que hoje são adultas sentadas no mastro e logo após, via elas brincando na corrida do boi, na corrida do boi também, essas são as duas lembranças mais polêmicas da festa.
Pesquisadora: Será que para as pessoas da tua geração o mastro tem essa força grande por ser o lado profano da festa, o lado da diversão, é o lado onde tem a bebida?
Festeiro: Eu creio também que sim porque dos caras da época que também criança andavam em cima do mastro são também os caras que...
Pesquisadora: É o segundo ano eles fazem mais organizado a história do mastrinho, né?Festeiro: Já virou tradição já!Pesquisadora: Do refrigerante? Quando tu eras pequeno, alguma vez já brincou disso? Assim como
brincadeira lúdica de tentar reproduzir?Festeiro: Não, não que eu me lembre.Pesquisadora: Nas visitas tu recebes quantas vezes aqui na tua casa que é o teu dia?Festeiro: Meu dia, meu dia em si foi a sexta-feira que era a visita, mas tem...Pesquisadora: Sexta foi a visita do Mordomo-Baixo? É isso?Festeiro: Mas tem o dia que a gente recebe o …, Quinta de Ascensão, tem o dia que o
Imperador passa nas casas né?Pesquisadora: Que foi sábado agora né? Aí esses são os dias que tem que caprichar mais na festa?Festeiro: É porque tem que servir no caso né?Pesquisadora: A Quinta-feira da Ascensão é o quê?Festeiro: A Quinta-feira da Ascensão? É o início da festa.Pesquisadora: Mas esse dia o Imperador também passa nas casas? Por quê é importante?Festeiro: A gente vai para a casa do Imperador, lá a gente é servido e depois vem para cá e
também se serve.Pesquisadora: Vai todos os festeiros?Festeiro: Sim, começa láPesquisadora: Vai todos os festeiros, fazem isso, aí depois todas as casas oferecerem nesse dia?Festeiro: É um pouco mais rápido porque é passagem no dia da visita a gente não tem horário
para começar nem terminar, vai depender da maioria das pessoas permanecerem, então uma coisa que a gente não sabe como vai desenrolar, né? Tem hora para começar mas não tem hora para terminar.
Pesquisadora: Esse almoço quando ele surgiu não era intenção ser oferta ao público?Festeiro: Era só para amigos e convidados.Pesquisadora: Ele surgiu principalmente para o pessoal que ajuda a fazer os doces, ajuda na casa a
fazer a festa, aí acabou virando também uma tradição?Festeiro: Isso, é!Pesquisadora: Quando tu te programastes, esse almoço tu pensavas ele só para teus amigos na
verdade?Festeiro: Não. Na verdade eu já sabia do público. Porque também, quando eu fiz a festa...
(pausa), quando eu pensei em fazer a festa eu já tinha uma noção básica de como funcionava, porque há dois anos eu frequentei várias casas de festa né? sondando assim, olhando, percebendo, vi como funcionava a estrutura desse almoço, as
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pessoas que se servem, eu pensava que a gente que servisse eles... eu nunca tinha ido. Tem que ter aquela fartura, tem que ter uma quantidade muito grande de comida porque vem muita gente e a pessoa não sabe quantos são, é uma festa que não tem número de convidados, é à vontade, boca-livre como falam.
Pesquisadora: Todos os dias vocês produziam almoço aqui?Festeiro: Sim, sim, para o pessoal que trabalha aqui, para os músicos, para a gente mesmo e às
vezes até para visitantes que vinham e pediam.Pesquisadora: Tu sabe totalizar a quantidade de quilos de carne?Festeiro: Não tem como. Só na terça? Na quarta-feira passada a gente comprou 260 quilos de
carne.Pesquisadora: Só para esse dia?Festeiro: Não, de quarta até domingo, não, até sábado porque sábado a gente comprou de novo
carne e tinha a carne da corrida do boi também. Antes disso eu não tenho noção quanto é?
Pesquisadora: Agora essa carne da corrida do boi, ela é doada crua?Festeiro: Isso, é. São partes que são divididas.Pesquisadora: E esses 260kg foi o que foi para a panela virar comida né?Festeiro: Tanto de porco, boi, aí fora o frango, pato, camarão.Pesquisadora: Então fora esses 260 se fosse somar esses kilos de outros?Festeiro: Ah, acaba a quantidade de por dia...Pesquisadora: De quarta a sexta dava o quê? Uns quinhentos quilos de comida?Festeiro: Mais, acho que deve chegar quase uns 800 quilos, porque camarão eram 8 quilos
praticamente por dia, 5 quilos por dia, dia do almoço acho que se não me engano foram 10 quilos.
Pesquisadora: E a gente ainda tem que ver... essa parte do arroz, do feijão, da farofa?Festeiro: Macarrão. Até tinha lasanha.Pesquisadora: Essa parte fica até difícil de descrever porque tem algumas comidas que sempre tem
em todas, mas algumas já começaram a variar...Festeiro: É porque a gente serviu aqui em casa tudo aquilo que a gente costuma comer em
casa também no cotidiano. Só não teve mocotó, porque é uma comida que se for colocar na mesa vai gerar uma certa confusão porque todo mundo vai querer, é complicado mocotó e feijoada são duas comidas que é muito complicado, mas o restante todo daquela culinária a gente consome normalmente em casa.
Pesquisadora: E as pessoas aí que te ajudaram? Deve ter umas que são contratadas, outras não?Festeiro: Na verdade todos são voluntários, nenhum foi contratado em si, não é pago.Pesquisadora: Todos, todos?Festeiro: Todos, sem exceção. Todos se ofereceram para trabalhar.Pesquisadora: E normalmente essas pessoas elas se oferecem porque são teus amigos ou elas
também estão pagando promessa?Festeiro: Porque são amigos da família, meus amigos, porque já é tradição de trabalhar,
também porque só essas determinadas pessoas saberem o trabalho, como o doce, o doce de espécie, tem alguns modelo de doce que só o grupo que trabalhou aqui sabe fazer, coração, uma folhinha que é feita, só elas sabem fazer. Esse mesmo tem que ser só elas.
Pesquisadora: Todos os anos elas trabalham para alguém?Festeiro: Geralmente são várias casas, elas trabalham aqui, aí no outro dia vão para outra casa
aí vão ralar coco, vão fazer massa, elas ajudam todas as casas.
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Pesquisadora: Então elas fazem é por devoção?Festeiro: É também pelo Divino. Algumas dizem que é promessa, outras dizem que é porque
“eu gosto de trabalhar para o Divino”, tem esse detalhe.Pesquisadora: E aí como foi a história ontem da partilha, como é que foi esse momento final, tu
dividiste o teu boi com essas pessoas aqui ou com...?Festeiro: Vai ser hoje, a gente ainda vai dividir direitinho.Pesquisadora: Como é feita essa parte? Me explica.Festeiro: A gente contabiliza tudo que tem na casa, o que restou, contabiliza e aí faz a divisão.Pesquisadora: Tu fala da tua dispensa, o que foi de joia, o festeiro ele acaba não ficando com nada?Festeiro: Não, não fica com nada para si próprio.Pesquisadora: Tudo o que tiver lá tu vai dividir entre as pessoas? Festeiro: Isso, as da cozinha, as que trabalham com doce.Pesquisadora: Vai dar para todo mundo ou tu vai escolher algumas pessoas?Festeiro: Na verdade eu não sei se vai dar para todo mundo, é minha mãe quem vai organizar,
são muitas pessoas então, a gente vai ver o que tem...Pesquisadora: Talvez será ela que vai escolher pelas pessoas que mais trabalharam?Festeiro: Não, porque elas trabalharam de forma igual. Eu também vou para São Luís ainda
vou ver lá uma forma, uma lembrança que possa dar para elas, fora isso...Pesquisadora: Sobra comida no dia da visita que foi aqui? Eu vi que tinha muita movimentação na
cozinha?Festeiro: Sobrou um pouco, tanto que ainda vieram visitantes de tardezinha... vieram almoçar.Pesquisadora: Mas nada estraga? Mesmo que não chegue mais gente tem o pessoal aí?Festeiro: É muito difícil estragar. Por exemplo, carne que é uma comida que você tempera e
assa, aí se sobrar muito no outro dia já não fica tão bom, aí vai fazer como a gente fez aqui, arroz de carne, torta, já dá outro prato, para não perder, não estraga não, principalmente aqui nós nos preocupamos muito com isso da comida para não ficar desperdiçando. Então a gente fazia uma quantidade X todo dia, percebia que não dava, aí no outro dia aumentava um pouquinho até que ficou uma quantidade X todo tempo. No dia da visita tinha uma senhora que trabalha aqui que tinha uma noção porque ela trabalhou numa casa de festa ano passado então ela tinha mais ou menos uma noção do que era usado.
Pesquisadora: Da quantidade que ela via fazer por dia?Festeiro: É, então a gente se baseou no que ela sabia, com o que a gente tinha para poder não
estragar e... Pesquisadora: Quantos pacotes de macarrão, tu sabes?Festeiro: Olha, até aonde eu contabilizei foram 12, 12 pacotes que vi, porque ainda comprei
aqui.Pesquisadora: Isso por dia?Festeiro: Não, só no dia da visita, por dia vai em média 5, 6 pacotes.Pesquisadora: Qual foi a maior recompensa de fazer a festa?Festeiro: A sensação de missão cumprida, as pessoas agradecendo, elogiando por isso.