a condiçao interdependente e prestacional dos direitos humanos
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Monografia sob o viés da teoria geral dos direitos fundamentais e sua construção histórica, a qual pretende identificar os standards da relação entre os diversos tipos de direitos humanos.TRANSCRIPT
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UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO CURSO DE DIREITO
SAULO FERREIRA SILVA OLIVEIRA NASCIMENTO
A CONDIO INTERDEPENDENTE E PRESTACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
SO LUS
2011
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SAULO FERREIRA SILVA OLIVEIRA NASCIMENTO
A CONDIO INTERDEPENDENTE E PRESTACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, como requisito parcial para obteno do titulo de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Msc. Jairo Rocha Ximenes Pontes
SO LUIS
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2011 SAULO FERREIRA SILVA OLIVEIRA NASCIMENTO
A CONDIO INTERDEPENDENTE E PRESTACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS Monografia apresentada ao Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, como requisito parcial para obteno do titulo de Bacharel em Direito.
Aprovada em ___/___/2011
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________________ Prof. Msc. Jairo Rocha Ximenes Pontes (Orientador)
UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO - UNDB
____________________________________________________________________ Examinador 1
UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO - UNDB
____________________________________________________________________ Examinador 2
UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO- UNDB
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minha me.
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AGRADECIMENTOS
Em agradecimento no s por estes trabalho e pela concluso do curso, como tambm por tudo que me foi permitido desde os primeiros anos de vida, pelas pessoas que me acompanham e pela condio humana e espiritual que hoje tenho no seio da minha famlia, Deus e ao Nosso Senhor Jesus Cristo, o que primeiro trouxe o valor da fraternidade como o caminho a ser trilhado em toda relao humana, que prima pela concrdia e pelo entendimento, no devendo ser outro o objetivo de um bacharel em direito.
Agradeo tambm aos amigos da academia, sem os quais no seria possvel enfrentar o dia-a-dia cansativo de estudo e estgio, alm da minha formao profissional s pode ter sido em boa parte possvel com eles. Aos amigos de LUTAS, aos amigos do NUPEDD, aos amigos da sala, do convvio dirio da vida. Este trabalho um agradecimento Joo Carlos Cunha Moura e Layla Gonalves, estes, que me acompanham desde sempre, sabem no seu ntimo que sem as suas contribuies, ainda teria podido pretender dizer o que disse, mas nem sempre teria logrado dizer o que realmente pretendi. Agradeo, tambm, ao meu amigo capitalista Wanderson Campos e suas inapelveis lies sobre a vida e o poder. Sem suas interpelaes, no me sentiria preparado em defender as minhas posies.
Aos Professores Jairo Ponte, por me apresentar a temtica abordada a partir de uma rpida conversa que ns tivemos na oportunidade em que nos conhecemos, Erika Juliana Dmitruk, a qual capitaneou o meu retorno s discusses e embates sociais, alm do amplo apoio e sermes respeito da disciplina, rigor e seriedade nos trabalhos.
Agradeo Lucia Maria Ferreira Silva, minha madrinha. Sem a qual no teria o mpeto da justia e nem ao menos teria uma profisso. Obrigado pelo entusiasmo e apoio constantes, mais ainda por no mover-se um s passo da confiana que tens em mim. Agradeo ao meu irmo por vida, Jorge Felipe da Silva Costa, homem de fibra, que me agenta e me d constantes lies de temperana e sobriedade, compartilho com ele todas as minhas conquistas.
Em eterno, constante e profundo agradecimento Telma Maria Ferreira Silva, como eu a chamo, me. Motivo do meu envolvimento com a vida, motivo da minha fora para lidar com as intempries, motivo, razo e existncia do meu empenho e esforo. Agradeo por ter me proporcionado seus ombros para que eu pudesse ter uma viso mais ampla da vida e das relaes humanas. Agradeo por ter me proporcionado tudo o que estava ao seu alcance e pelo que no estava tambm. Todo dia dia de honr-la.
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Apurar, cus, pretendo, j que me tratais assim,
que delito cometi contra vs outros, nascendo;
que, se nasci, j entendo qual delito hei cometido: bastante causa h servido
vossa justia e rigor, pois que o delito maior
do homem ter nascido.
Monlogo de Segismundo Pedro Caldern de La Barca
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RESUMO
Trata-se de monografia que investiga o carter prestacional e a relao de interdependncia entre as espcies de direitos humanos. A partir da exposio de uma inicial de uma classificao metodolgica usual desses direito em dimenses e geraes, cuida-se de verificar se alguma espcie de escalonamento ou hierarquizao entre os institutos. Para tanto, delineado um panorama histrico geral de afirmao dos direitos humanos, onde, a priori, reside a justificao para aquela classificao. No segundo captulo, com apoio na literatura constitucional alem e autores ptrios, desenvolve-se o tema acerca da natureza jurdica dos direitos humanos/fundamentais atravs da exposio da teoria do status e suas posteriores crticas e snteses. No terceiro captulo, a partir do fenmeno da internacionalizao dos direitos humanos, cuida-se de fazer um balano da aplicao desses institutos, correlacionando os matizes histrico-polticos e jurdicos j expostos aos mecanismos principiolgicos do direito internacional dos direitos humanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Direitos Prestacionais, Direitos de Defesa, Direito Internacional dos Direitos Humanos.
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ABSTRACT The following monograph investigates the supplying character and the interdependence relation between the kinds of human rights. From the initial exposition of an usual methodological classification of those rights in dimensions and generations, it has the objective to verify if there is any kind of scheduling or hierarchy between the institutes. In order to understand, it will be delineated a general historical view that legitimize the human rights, that, in a first view, resides the justification for the classification. The second chapter, helped by german constitutional literature and brazilians authors, develops the subject about the legal character of human/fundamental rights by the exposition of the status theory and your future critical and syntheses. In the third chapter, using the phenomenon of human international rights, it tries to make a balance from the application of those institutes, correlating the legal and historical-political tinges already exposed to the principles mechanisms of human international rights. Keywords: Human Rights. Supplying Rights. Defense Rights. Human International Rights.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo
BVerfGE Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, amtliche Sammlung
Decises do Tribunal Alemo, Coletanea Oficial
CDH Comisso de Direitos Humanos
ECOSOC Conselho Econmico e Social
EUA Estados Unidos da Amrica
ONU Organizao das Naes Unidas
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
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SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................................. 11
2 CONSOLIDAO HISTRICA DOS DIREITOS HUMANOS .......................................... 14
2.1 Marco histrico da Revoluo Francesa e a Declarao dos direitos do homem:
a superao do antigo regime ....................................................................................................... 16
2.2 O breve Sculo XX ................................................................................................................... 21
2.2.1 Revoluo de Outubro: igualdade e comunismo ............................................................... 23
2.2.2 Composio entre EUA e URSS .......................................................................................... 27
2.2.3 Oposio entre EUA e URSS ............................................................................................... 29
3 CONSIDERAES ACERCA DA NATUREZA DOS DIREITOS HUMANOS
E A SUA PRESTACIONALIDADE ............................................................................................ 32
3.1 A Natureza jurdica dos direitos humanos e a teoria dos status ......................................... 32
3.2 A Transcendncia do subjetivismo e os direitos humanos como princpios da
ordem jurdica .............................................................................................................................. 37
3.3 As Prestaes positivas e negativas do Estado atravs da tica dos direitos humanos ..... 41
4. AFIRMAO DA TUTELA E PROTEO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS ................................................................................................................ 49
4.1 A Proteo Internacional da Pessoa Humana ....................................................................... 49
4.2 Panorama Geral da Organizao das Naes Unidas .......................................................... 52
4.2.1 A Declarao Universal dos Direitos Humanos: composio e integrao de direitos ... 57
4.2.2 A Declarao e Programa de Viena .................................................................................... 61
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................ 64
REFERNCIAS .............................................................................................................................. 67
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1 INTRODUO
inegvel que o direito, como fenmeno social, est correlacionado a
outras foras da sociedade e com elas mantm um permanente estado de troca e
influncia. A regulao da vida pela instituio de determinada ordem jurdica
condicionada por fatores que no se encerram nos institutos jurdicos, mas, de outra
forma, encontra como fundamento fenmenos de ordem poltica, econmica, tica e
moral. Superada a existncia de uma cincia jurdica axiologicamente neutra e
indiferente s demais correlaes de fora que existem numa sociedade, pensando
sobre os vrios substratos que compe o empreendimento humano coletivo que
descortinamos os interesses, razes de ser e o modo como determinada ordem jurdica
se organiza.
O direito, como forma de controle social estabelecido para regulao da
convivncia pacfica entre os indivduos, o faz com o estabelecimento de uma ordem
jurdico-poltica de onde se cria a figura do Estado como instituio primeira capaz de
viabilizar os grupos humanos. Desta forma, alm de estabelecer-se na relao entre
particulares, a regulao social tambm responsvel pela relao estabelecida entre o
poder do Estado e os concidados. Nesta assertiva, existe uma questo historicamente
construda, a qual ser objeto do nosso trabalho.
Os direitos humanos, primeiramente pensados como direitos a serem
exercidos em face do Estado limitando a sua ingerncia sobre a vida dos sujeitos,
determinam um contedo mnimo que se funda na prpria condio humana e dela so
inafastveis vez que seu fundamento reside na prpria abstrao da formao do Estado,
ao tempo que, a concesso da parcela de poder poltico e liberdade a um ente central por
fora do bem comum paralela manuteno de um espao inviolvel no qual esto
resguardados os sujeitos de direito do arbtrio do poder central.
Contudo, os direitos humanos no se encerram na existncia de liberdades
em face do Estado. Devido complexidade do fenmeno humanos, vrias outras
componentes, de ordem comunitria e social so necessrias para que a vida possa
existir dentro de uma reproduo material mnima adequada a um pressuposto de
dignidade ligado condio humana, ou seja, alm das liberdades contra o arbtrio
estatal, o homem possui demandas outras inerentes prpria condio de sujeito
relacional, que s existe em constante interao com o meio social.
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No outro o fundamento do Estado que no a viabilizao de formas
adequadas reproduo material da vida. Ou seja, para alm do escopo da regulao, o
Estado existe, como empreendimento humano coletivo, para empreender as condies
bsicas queles que esto sujeitos sua ordem possam usufruir de condies ou
pressupostos fticos mnimos necessrios para solucionar as demandas mnimas. No
acirramento das demandas sociais originrias da sofisticao dos processos polticos e
econmicos, surge a necessidade do direito tutelar outras relaes, as quais, devido
intensa dinmica e eletricidade social, tornam-se igualmente bsicas condio
humana.
Direitos sociais, econmicos, culturais, ambientais, tnicos, entre outros,
exigem do Estado uma posio diferente quando do momento da defesa das liberdades
e, mais alm, essas liberdades dependem da articulao de diversos fatores para que
sejam plenamente usufrudas. O fenmeno social atinge uma complexidade onde se
criam direitos ligados condio humana e sua dignidade que extrapolam a mera
preservao de uma esfera particular autodeterminante. A priori, reservado ao estrato de
direitos coletivos, se exige que o Estado concorra ativamente para a criao de
pressupostos substanciais para que esses determinados direitos logrem efetividade.
Contudo, a composio poltica em torno desses direitos fundou uma
tradicional oposio entre formas de direitos humanos prestacionais e de no-
interveno. Esses fenmenos, os quais sero devidamente abordados, sistematizaram
por certo tempo uma distino e no-comunicao entre as diversas faces do bloco de
direitos humanos, excluindo-os ou ignorando-os pela convenincia de um modelo
poltico ou modo de produo. E sobre essa necessria comunicao entre os diversos
direitos humanos para que os mesmos existam na realidade ftica, que debruamos
nosso empenho acadmico.
Pensando os fenmenos histricos que moldaram esses direitos, a natureza
jurdica que se criou a partir da observao cientifica e da maneira como so
desenvolvidos normativa e politicamente, busca-se alcanar bases seguras de como e
porqu se relacionam e qual a influncia disso na sua observao e efetividade.
Utilizando-se do mtodo hipottico-dedutivo, revisita-se a literatura que j
se debruou sobre o assunto comparando em trs nveis, os processos histricos, a
natureza jurdica e a aplicao em nvel internacional, com o fito de concluirmos a
respeito da possvel correlao de interdependncia e o carter prestacional do grupo de
direitos considerados mnimos dignidade da pessoa humana, alm de ambicionar uma
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reflexo a respeito da unicidade dos mesmos. Optou-se pela discusso dos direitos
humanas no espectro de aplicao internacional, haja vista este fenmeno ser o que
melhor representa o encadeamento entre os fatos histricos que impulsionam a temtica
de direitos humanos e a construo tcnico-jurdica acumulada sobre o tema.
Para tanto, iniciamos a discusso com um panorama geral das Revolues
que fundam os principais ncleos de direitos humanos, a saber, a liberdade e a
igualdade. Desta feita, apresentamos a Revoluo Francesa de cunho liberal ocorrida no
sculo XVIII, a qual tem sua maior contribuio temtica com a Declarao de
Direitos do Homem, expondo os reflexos desse diploma normativo na construo do
homem como sujeito de direito. Mais adiante, discute-se os fenmenos histricos
ocorridos dentro do Breve Sculo XX, fatos estes que mudam completamente a
perspectiva na qual os direitos humanos so concebidos. Da Revoluo de Outubro, a
emergncia da igualdade material como direito humano e os demais direitos sociais
econmicos dela decorrente, at o perodo das Grandes Guerras marcado por uma
intensa agresso aos direitos humanos.
No segundo captulo, discute-se a natureza jurdica dos direitos humanos a
partir da teoria do status, meio pelo qual pode se analisar as diversas posies jurdicas
em que o sujeito de direito pode se encontrar em face do Estado e os direitos que
decorrem dessas situaes.
Consolidado o paradigma histrico e estabelecida a natureza jurdica dos
direitos humanos, enfrentamos agora as questes atinentes a sua aplicao, tendo como
paradigma a ordem jurdica internacional. Isso se faz porque questes como a relao
Estado-sujeito abordado nos captulos anteriores confluem com as demandas
apresentadas pelos processos histricos debatidos no primeiro captulo. Desta forma, a
partir da compreenso do estabelecimento da Organizao das Naes Unidas e da
consolidao de uma concepo contempornea dos direitos humanos, identificamos os
princpios gerais para sua aplicao e efetividade, dentro da questo maior sobre a sua
interdependncia e necessria prestao.
Buscamos, assim, estabelecer os direitos humanos como institutos que
precisam adquirir realidade em face s graves crises que a condio humana enfrenta. A
pouca sensibilidade aos direitos humanos como fator de aproximao entre os sujeitos e
forma de convivncia pacifica tem acarretado grave transgresses aos valores da
sociedade, fazendo existir um vcuo moral e de desesperana na viabilidade do homem
como ser coletivo.
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2 CONSOLIDAO HISTRICA DOS DIREITOS HUMANOS
O fundamento para construo dos direitos humanos repousa na eletricidade
da experincia histrica do homem em relao com a sociedade e com o Estado. A
priori, preciso atentar que essa espcie de direitos, denominados humanos ou
fundamentais, podem ser estabelecidos pela sua materialidade, quando tocante aos
valores e princpios consagrados numa sociedade que vislumbrem o homem como
artfice e destinatrio da ordem jurdica, ao passo que podem ser direitos de mesma
espcie aqueles que a disposio legal assim os determina (BONAVIDES, 2001, P.
561).
Fato que a tcnica de positivao para afirmao de um ou outro direito
pouco nos tem a dizer sobre o fundamento histrico-social no qual repousa e mostra os
fins que se pretende quando da tutela de um bem jurdico. Para reflexo sobre a
normatividade desses direitos, os estudos direcionam-se reflexo dos processos
histricos que lanaram e consolidaram a intangibilidade de certos atributos no homem
que lhe garantia a existncia digna correspondente sua condio de sujeito de direito.
A teoria dos direitos fundamentais, portanto, monta-se a partir da construo
e acmulo de lutas histricas em favor do reconhecimento do significado de
universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana (BONAVIDES,
2001, P. 561). O arranjo histrico da construo em torno dos direitos fundamentais
utilizou-se de uma perspectiva temporal para sistematiz-los, agrupando-os em
dimenses ou geraes, podendo sugerir uma relao de sucesso, mas que, ao
contrrio, limita-se a viabilizar a organizao do raciocnio cientfico a respeito da
matria. No entanto, haja vista o quadro de coliso e concorrncia de direitos
fundamentais durante a experincia humana, preciso ressaltar que esses direitos tem
carter de um processo cumulativo, de complementaridade, e no de alternncia
(SARLET, P. 45, 2011)1.
O marco histrico de maior importncia de titulao dos direitos
fundamentais remonta a Revoluo Francesa ocorrida no sc. XVIII, culminando com a
Declarao dos Direitos do Homem de 1789 (BONAVIDES, 2001, 562). Como ser 1 O mesmo autor, em referncia Canado Trindade, Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. I p. 25: Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais no aponta, to-somente, para o carter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para alm disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos.
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articulado no dercorrer do trabalho, esta experincia revolucionria lanou a ideia de
uma universalidade abstrata dos direitos fundamentais que exaltava a condio humana.
Tal fato demonstrado quando da observao das bases para classificao para as
dimenses dos direitos fundamentais, percebe-se a sistematizao a partir do lema
liberdade, igualdade e fraternidade, uma das foras motrizes da ocupao da divisa
republicana francesa ao poder anteriormente ocupada pelo ancien regime (BAGGIO, p.
07, 2008). BONAVIDES (2001, p. 564) corrobora a tese quando diz:
Em rigor, o lema revolucionrio do sc. XVIII, esculpido pelo gnio poltico francs, exprimiu em trs princpios cardeais todo o contedo possvel dos direitos fundamentais, profetizando at mesmo a sequncia histrica de sua gradativa institucionalizao.
Desta feita, e nos debruando sobre a sistematizao em torno das
dimenses ou geraes dos direitos fundamentais, necessrio trilhar um panorama
geral sobre a referida classificao e seus reflexos na realidade jurdica de concreo
desses direitos. Com efeito, para superao do nvel abstrato da universalidade desses
comandos normativos, os direitos foram agrupados dessa forma para propiciar a sua
particularizao concreta dentro do direito interno dos pases (BOBBIO, p. 27, 1992).
A primeira dimenso dos direitos fundamentais recorre ao corolrio da
liberdade, produto do pensamento liberal-burgus do sc. XVIII dentro do paradigma
do exerccio arbitrrio do poder de imprio exercido pelo monarca soberano.
Centralmente, tutela-se os direitos civis e polticos, a liberdade do indivduo frente ao
Estado, demarcando uma zona de no-interveno, totalmente fortalecida pela
autonomia individual (SARLET, p. 46, 2011). So considerados de natureza negativa,
status negativus, porque infringem ao Estado o dever de no agir, de manter-se fora da
vida privada, sem que seja exigida uma prestao ou ao do Estado para que o direito
se concretize. Esta mesma dimenso de direitos carrega consigo o amplo espectro de
liberdades seja de expresso, associao, manifestao, contrato, iniciativa e outros.
A segunda dimenso de direitos localiza-se no sculo XX e acompanham
processos como a Revoluo Industrial, urbanizao e a sociedade de massa. Na lio
de Bonavides (2001, p. 564), so direitos sociais, culturais e econmicos bem como os
direitos coletivos ou de coletividades, produtos do esforo terico antiliberal que
promovem o princpio da igualdade alicerado na viabilizao material dessa condio,
contrapondo-se igualdade formal, entendida como tratamento igualitrio perante a lei.
Esses direitos fundam-se num quadro de intensa contradio social advinda do
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fortalecimento dos meios de produo capitalistas e do aumento do acmulo de riqueza
de forma desigual. O inchamento das cidades e o quase nenhum direito de grande parte
da populao urbana europia articularam as massas em tornos de reivindicaes que se
norteiam por esse nvel de direitos. Essa dimenso de direitos fundamentais, divergindo
da liberdade, exige do Estado uma conduta positiva de prestao social referente
assistncia social, saneamento bsico, sade, trabalho e educao. Portanto, o Estado,
aqui, agente promotor da efetivao desses direitos, tendo que operar na realidade
social a partir de mecanismos que salvaguardem o bem-estar do indivduo (SARLET,
2011, p. 47).
A terceira dimenso de direitos tem como nota distintiva o fato de se
desprender, em princpio, da figura do homem-indivduo como seu titular, destinando-se
proteo dos grupos humanos, constituindo na fraternidade, uma categoria poltica de
lao social universal que agrupa os homens em torno de uma comunidade (BAGGIO,
2008, p. 133). Esses direitos alcanam a globalizao das demandas do homem, onde a
ideia de cooperao necessria para a viabilizao da humanidade no decorrer dos
anos. Nesses termos, busca-se a integrao entre os diversos interesses nas reas onde a
coletividade est mais exposta, como na questo do desenvolvimento, meio ambiente,
paz, comunicao e patrimnio comum da humanidade (BONAVIDES, 2001, p. 569).
Os autores ainda divergem com a existncia de uma ou mais categorias de
direitos humanos, mas concordam que, em grande parte, esses novos direitos so s a
leitura das velhas liberdades a partir das demandas cotidianas, o que no redundaria na
mudana da sistemtica de classificao.
O aprofundamento dessas questes s possvel com a construo do
momento histrico em que surgem e como esses direitos fundamentais articularam-se
politicamente durante as ltimas dcadas e chegaram s demandas atuais. Portanto, a
partir da anlise histrica dos fatos polticos desencadeadores de cada dimenso de
direito fundamental, proporemos apresentar como esses direitos comportam-se
unicamente considerados e em relao com os demais.
2.1 Marco histrico da Revoluo Francesa e a Declarao dos Direitos do homem:
a superao do antigo regime
A caminhada para consolidao dos direitos do homem face ao arbtrio do
Estado e estruturao da sociedade moderna e contempornea de tendncia liberal-
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democrata inicia-se com os movimentos revolucionrios do sc. XVIII, tendo por centro
gravitacional as convulses sociais que desencadearam a Revoluo Francesa, de vis
republicano, contra a soberania monrquica e o Antigo Regime, o qual a sustentava
(CHAU, 2004, p. 376). A Revoluo Francesa se impe, portanto, contra o regime
absolutista e estamental que privilegiava um sistema colonial centralizador que
amontoava grande parte da populao francesa condio miservel. Expondo o
quadro, afirma HOBSBAWM (2007, p. 87):
As 400 mil pessoas aproximadamente que, entre os 23 milhes de franceses, formavam a nobreza, a inquestionvel primeira linha da nao, embora no to absolutamente a salvo da intromisso da linhas menores como na Prssia e outros lugares, estavam bastante seguras. Elas gozavam de considerveis privilgios, inclusive de iseno de vrios impostos (mas no de tantos quanto o clero, mais bem organizado), e do direito de receber tributos feudais.
Entre severas crises de abastecimento, renda e sade, alm de severa
instabilidade da economia devido aos gastos com o nus de uma inchada corte, a
participao efetiva do campons e do assalariado francs na vida poltica era nula e, no
tocante economia, figurava to-somente como mo-de-obra a ser extorquida nas
lavouras e nas feiras de comrcio. Aliado a isso, a instabilidade financeira e
administrativa do Estado fez com que grande aristocratas, nobres diretos e burgueses
enobrecidos, comeassem a ocupar o funcionalismo pblico a fim de capitalizar o alto
padro demandado pelo status da corte.
HOBSBAWM (2007, p. 88) aponta que o processo de corroso do Estado
catalisado com a assuno pela nobreza colonial da administrao central e provinciana,
tendo por nica motivao, aparelhar-se junto ao errio, tendo em vista o declnio de
suas rendas. O que chamado pelo autor de a extravagncia de Versailles mina as
possibilidades econmicas de suportar a corte e eleva o grau de descontentamento das
massas a ponto insuportvel. Portanto, o absolutismo que no mais era suportado por
um modelo de produo mercantilista, ao tempo que propagava um quadro poltico
extremamente excludente e vicioso, entra em colapso nas duas pontas, a saber, a grave
crise social da pequena burguesia, dos trabalhadores assalariados e do campesinato, e a
falncia dos sistemas de privilgios da nobreza.
Ento, a Frana envolve-se na guerra da independncia americana. A vitria contra a Inglaterra foi obtida ao custo da bancarrota final, e assim a revoluo americana pde proclamar-se a causa direta da Revoluo Francesa. (...) A crise deu aristocracia e aos parlaments a sua chance. Eles se recusavam a
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pagar pela crise se seus privilgios no fossem estendidos. A primeira brecha no fronte do absolutismo foi uma assemblia de notveis escolhidos a dedo, mas assim mesmo rebeldes, convocada em 1787 para satisfazer as exigncias governamentais. A segunda e decisiva brecha foi a desesperada deciso de convocar Estados Gerais, assim, a Revoluo comeou como uma tentativa aristocrtica de recapturar o Estado. Esta tentativa foi mal calculada por duas razes: ela subestimou as intenes independentes do Terceiro Estado a entidade fictcia destina a representar todos os que no eram nobres nem membros do clero, mas de fato dominada pela classe mdia e desprezou a profunda crise scio-economica no meio da qual lanava suas exigncias (HOBSBAWM, 2007, p.90).
A Revoluo que se desencadeia nessa crise geral do Estado que afeta todos
os seguimentos sociais da poca ao reativa ocupao do poder de imprio estatal
na autonomia privada, expresso pelo inchao do poder de tributao, do controle da
circulao de mercadorias e demais riquezas, da estratificao dos sujeitos segundo um
critrio excludente e hereditrio que privilegiava parte da sociedade e a insistncia num
sistema produtivo invivel. Por tudo isto, ela a expresso primeira do vocabulrio da
poltica liberal, baseada numa revoluo de massa e sustentada por um racionalismo
burgus, produto do liberalismo clssico, o qual rapidamente prope a substituio do
velho regime.
A consagrao dos direitos individuais baseados em liberdades civis funda o
reconhecimento dos direitos livre iniciativa, propriedade privada, legalidade e demais
institutos que fortalecem a designao particular frente opulncia estatal (CHAU,
2004, p. 376). A Assemblia Constituinte burguesa moderada que se estabelece nos
anos de 1789 a 1791 tem perspectiva inteiramente liberal e, no obstante fundar os
direitos humanos ligados liberdade, no institui uma democracia participativa,
formulando o direito de voto censitrio aos cidados produtivos (HOBSBAWM, 2007,
p. 98).
Percebe-se, desta forma, ainda que a Revoluo Francesa tornou-se
aspirao libertria em desfavor do poder absoluto, objetiva ela, como questo de fundo,
a fundao da sociedade e ideologia burguesa e neste ponto, o autor retrocitado formula:
As rpidas alternncias de regime Diretrio (1795-9), Consulado (1799-1804), Imprio (1804-14), a restaurao da Monarquia Bourbon (1815-30), a Monarquia Constitucional (1830-48), a Repblica (1848-51), e o Imprio (1852-70) foram todas tentativas para se manter uma sociedade burguesa evitando ao mesmo tempo o duplo perigo da repblica democrtica jacobina e do velho regime (HOBSBAWM, 2007, p. 108).
Pode-se inferir, portanto, que o programa liberal de 1789-91 montado a
partir da estabilidade poltica ps-revolucionria e o avano econmico, no guarda
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estrita fidelidade ao princpio da participao democrtica, alm de reforar um critrio
de liberdades dentro do paradigma da auto-determinao privada e de igualdade formal,
baseada no estrito tratamento no-diferenciado dos sujeitos perante a lei.
Coerentemente, e afirmando o compromisso com a agenda das liberdades civis, a
sociedade francesa ps-revolucionria gravita em torno do Bonapartismo, movimento
militarista que produto dos ideais revolucionrios e da nova racionalidade liberal.
O exercito era uma carreira como qualquer outra das muitas abertas ao talento pela Revoluo Burguesa, e os que nele obtiveram sucesso tinham um interesse investido na estabilidade interna como qualquer outro burgus. Foi isto que fez do exrcito, a despeito do seu jacobinismo embutido, um pilar do governo ps-termidoriano, e de seu lder Bonaparte uma pessoa adequada para concluir a revoluo burguesa e comear o regime burgus. (HOBSBAWM, 2007, p. 110-11)
Napoleo Bonaparte ascendeu no exrcito como soldado de carreira e foi
alcanando espaos de comando pela competncia aos fins revolucionrios. sob seu
comando que a Frana consolida o Cdigo Civilista que torna-se fonte e marco para
todo o direito baseado na civil Law e consolida a estabilidade do Estado burgus,
fortalecendo a economia francesa. Os produtos da Revoluo Francesa so, portanto, o
lanamento da racionalidade liberal e proteo da autonomia privada, diminuindo o
Estado mero regulador da ordem pblica, onde os concidados esto legalmente iguais
para se relacionar e viver a vida civil.
Assentada a ideia de que a Revoluo Francesa possui agenda liberal,
diversos autores (entre eles, HOBSBAWM, 2007; GOYARD-FABRE, 2002) apontam a
Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado como o manifesto formal das
aspiraes burguesas que discorre contra a sociedade estamental do regime absolutista,
contudo, sem tangenciar a construo de uma sociedade democrtica e igualitria sob o
ponto de vista material. A sntese das liberdades civis no discurso poltico burgus tinha
por inteno viabilizar a autonomia privada e no a consolidao de um principio
democrtico e uma vida digna coletiva e socialmente considerada. Sobre isso,
Uma monarquia constitucional baseada em uma oligarquia possuidora de terras era mais adequada maioria dos liberais burgueses do que a repblica democrtica que poderia ter parecido uma expresso mais lgica de suas aspiraes tericas, embora alguns tambm advogassem esta causa. Mas, no geral, o burgus liberal clssico de 1789 (e o liberal de 1789-1848) no era um democrata mas sim um devoto do constitucionalismo, um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de contribuintes e proprietrios. (HOBSBAWM, 2007, P. 91)
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De mesma forma, esse iderio encontra-se em aparente oposio quando a
Carta de Direitos se reporta nao francesa. Tratada como fonte da soberania em
contraponto ao regime desptico, a vontade geral do povo aparece como fundamento
para soberania republicana e a instituio do novo regime que tem por fundamento a
promoo dos interesses dos sujeitos de direitos. Sopesando a fraca ideia de democracia
participativa na revoluo e a instituio do voto censitrio, direito concedido ao sujeito
quando contribuinte, produtor, ou seja, sujeito economicamente ativo, a participao h
de restar prejudicada, conquanto, o povo, dentro do programa liberal, tem acepo
severamente restrita.
Escolhida como Prembulo da Constituio que viera a lhe seguir no ano de
1791, a Declarao mecanismo do humanismo jurdico de tendncia legalista que
almeja sobrepor-se racionalidade abstrata pretensamente geral, no caso, universal,
superando o vis metafsico do pensamento jurdico ali exposto, construindo uma
finalidade objetiva, prtica e efetiva dos direitos que anuncia (GOYARD-FABRE,
2002, p. 86). A criao de um estatuto jurdico objetivo tem carter tambm poltico,
pois, a exclamao da igualdade na lei e pela lei onde se funda o critrio de homens
livres, j que, tornar os homens iguais em direitos significa politicamente proteger-lhes
a liberdade de modo que ningm possa conspurc-la: o Antigo regime est superado
(GOYARD-FABRE, 2002, p. 88).
Ao contrrio do que guarda a memria coletiva, os textos normativos tanto
revolucionrios como napolenicos no proclamam o indivduo como sujeito portador
de direitos pela sua simples condio de homem, obstante isso, da apropriao pela
ordem jurdica positiva do poder de determinar e prescrever uma situao objetiva que
submeta o indivduo a uma regra de direito que o qualifica como sujeito de direitos, se
no, vejamos:
De maneira geral, os direitos subjetivos atribudos aos sujeitos de direito, por exemplo em matria de propriedade, de responsabilidade, de capacidade de contratar... resultam da subsuno de uma qualidade emprica sob um conceito jurdico da ordem positiva: o direito objetivo o sistema de regras pelo qual o direito do sujeito, ao se institucionalizar, se realiza. A efetividade do direito isto , sua realizao prtica, exterior e objetiva hic et nunc , desse modo, um dos traos mais marcantes do positivismo: um direito do sujeito s tem realmente carter jurdico quando consagrado pelas normas da ordem estatal (GOYARD-FABRE, P. 89, 2002).
Desta forma, possvel concluir que a igualdade legal pedra de toque para
o exerccio da vida privada, circunscrevendo o homem uma determinada ordem que
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estabelece um status de segurana jurdica tal, capaz de definir e delimitar o campo de
exerccio dos direitos tanto do Estado, quanto do particular, dando previsibilidade
jurdica s relaes, nomenclatura essa, necessria para produo de efeitos na ordem
estabelecida para que se torne exigveis os institutos da vida civil, principalmente, a
livre assuno de deveres e exigibilidade de uma obrigao correspondente, como
corolrios da auto-determinao individual.
2.2 O breve sculo XX
da lavra do historiador Eric Hobsbawm (1999) a localizao histrica do
perodo que compreende os anos de 1914 a 1991 como o breve sculo XX. O faz para
determinar a sucesso de eventos de propores imensurveis e que assentaram o
destino poltico da ordem mundial at os dias de hoje. Os processos de reforma e
revoluo, a ocorrncia de guerras totais e a alternncia e disputa entre modelos e
centralidades polticas e econmicas fazem do perodo entre a Primeira Guerra Mundial
e o colapso da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas o marco de uma era em que
a volatilidade dos cones histricos se deu de forma a desestabilizar todas as potncias
mundiais e questionar amplamente os modelos de reproduo social existentes.
Por fora da grave caracterstica do sculo de guerras, os processos
violentos foram marca comum nos fatos sociais que se sucedem em torno da discusso
de um projeto vivel para a sociedade considerada globalmente. A partir do colapso das
estruturas lanadas pelo projeto burgus que remotam a Revoluo Francesa e a
Revoluo Industrial Inglesa, e se estendem durante um perodo de prosperidade at o
final do sc. XIX, neste nterim importante ressaltar o surgimento por volta do ano
1860 do capitalismo, assinala-se a Primeira Grande Guerra, conflito armado que faz
ruir uma civilizao que,
Tratava-se de uma civilizao capitalista na economia; liberal na estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemnica caracterstica; exultante com o avano da cincia, do conhecimento e da educao e tambm com o progresso material e moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa, bero das revolues da cincia, das artes, da poltica e da indstria e cuja economia prevalecera na maior parte do mundo, que seus soldados haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas populaes (incluindo-se o vasto e crescente fluxo de emigrantes europeus e seus descendentes) haviam crescido at somar um tero da raa humana; e cujos maiores Estados constituam o sistema da poltica mundial (HOBSBAWM, 1999, p. 16).
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22
Em vista panormica, sem ainda nos debruarmos sobre causas e efeitos dos
fatos histricos ora narrados, HOBSBAWM (1999, p. 17) fala sobre a ocorrncia de
grave crise econmica entre os anos de 1917 a 1942, apontando como principais efeitos
a derrocada das economias capitalistas e da democracia liberal, sendo isto a chama que
faz surgir os movimentos revolucionrios e regimes autoritrios. Contudo, no prprio
produto entre a combinao da Primeira Grande Guerra e a crise econmica geral
sucessiva, que forma-se a experincia social histrica na qual se busca uma nova
viabilidade para a empresa humana. A Revoluo de Outubro, donde surge a Unio das
Repblicas Socialistas Soviticas, debrua-se sobre o contedo da igualdade material a
partir das demandas vivas da sociedade do leste europeu, objetivando uma agenda
comunista, modelo que com a sucesso dos fatos toma-se em relao constante ao
capitalismo e que com ele determina as mudanas mais profundas na sociedade humana,
reitero, vivenciadas de certa forma at hoje, enfrentando os perodos de conflitos
armados, ideolgicos e econmicos, chegando ao processo de bipolarizao da ordem
mundial das potncias emergentes da Segunda Grande Guerra (HOBSBAWM, 1999, p.
14).
nessa relao entre capitalismo-comunismo, binmio correspondente
liberdade-igualdade, vivenciada no perodo de antifascismo e luta contra a Alemanha de
Hitler, que os regimes se compem para enfrentar um modelo autoritrio de extrema
direita que ignora simultaneamente as teorias racionalistas e humanistas acerca do
homem em sociedade e, neste turno, ubi societas ibi ius, derrotando o modelo nacional-
socialista em favor da reorganizao dos direitos do homem e sua tutela transnacional
(ou universal) e tambm, a partir da, que o Breve Sculo XX v surgir a coexistncia
permanente entre religies seculares rivais que definiro, na Guerra Fria, os
fundamentos do final do milnio (HOBSBAWM, 1999, P. 20 e SS.).
Ao final, o Autor destaca como saldo do Sculo XX trs aspectos fulcrais, a
saber, (a) o fim do eurocentrismo, (b) a runa das potncias de 1914 e o processo de
globalizao e (c) a desintegrao de velhos padres de relacionamento social humano.
possvel inferir que os processos histricos que operaram mudanas profundas e que
radicalizaram os modelos existentes deram o aspecto de brevidade ao Sculo XX, ou
seja, o acumulo de processos revolucionrios e de reformas, as viradas ideolgicas e
oposies que vieram a se seguir constituem momento indito na historiografia humana
e esto contidas num espao de tempo relativamente curto. De outra forma, so esses
processos que fundaram o discurso de oposio entre modelos jurdicos-polticos
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baseados na liberdade liberal e na igualdade. So esses fatos que determinam a forma
com que a promoo dessas agendas e desses direitos so desenvolvidas no
racionalismo humano.
2.2.1 Revoluo de Outubro: igualdade e comunismo
A Revoluo de Outubro, como ficou conhecido o levante revolucionrio
russo no ano de 1917, o produto do colapso dos modelos econmico e poltico do Ps
Primeira Grande Guerra impulsionado por presses da massa diante da inviabilidade
que a condio social humana atingiu poca. Essa experincia revolucionria
direciona os caminhos do Breve Sculo XX, oferecendo um novo modelo de produo,
como veremos a seguir, o socialismo comunista, mas tambm o episdio de movimento
revolucionrio organizado sem paralelo na histria, esta considerada dos fatos da poca
at a contemporaneidade (HOBSBAWM, 1999, p. 62).
O projeto de lanar um novo sistema de relaes humanas, a saber, o
socialismo, ainda que guarde paralelo Revoluo Francesa, ela no se compara. A
Revoluo de Outubro alm de fundar-se na crena universal do socialismo como sada
e inevitabilidade histrica para a crise dos modos de produo, tem conseqncias
prticas muito mais incisivas e eficientes ao pensar no s liberdade e socialismo
Rssia, mas para trazer a revoluo do proletariado mundial (HOBSBAWM, 1999, p.
63). A agenda comunista tinha, portanto, a ambio de lanar-se como projeto em escala
universal, onde, o bolcheviquismo, ideologia prpria dos revolucionrios soviticos de
tendncia esquerdista-radical, avanaria por sobre todas as naes, livrando-as do
sistema opressivo e promotor de extensos quadros de desigualdade social liberal
(REED, 2002, p. 39-42).
A queda do Czarismo, a construo de um Governo Provisrio baseado na
burguesia moderada e a ascenso ao poder pelos Bolcheviques, a sucesso de fatos
que marcam a nota da revoluo: o descontentamento do povo russo com a submisso
de regimes de autoridade que no estavam alinhados com os sovietes e mantinham o
intenso quadro de atraso e precariedade dos povos russos. O regime do czar o primeiro
a desmoronar por fora dos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial, e cai por fora
de levantes espontneos tanto do proletariado quanto dos industriais:
Na verdade, o governo do czar demoronou quando uma manifestao de operrias (no habitual Dia da Mulher do movimento socialista - 8 de
-
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maro) se combinou com um lock-out industrial na notoriamente militante metalrgica Putilov e produziu uma greve feral e a invaso do centro da capital, do outro lado do rio gelado, basicamente para exigir po. A fragilidade do regime se revelou quando as tropas do czar, mesmo os leais cossacos de sempre, hesitaram e depois se recusaram a atacar a multido, e passaram a confraternizar com ela. Quando, aps quatro dias de caos, elas se amotinaram, o czar abdicou, sendo substitudo por um governo liberal provisrio (...) Mais que isso: to pronta esta a Rssia para a revoluo social que as massas de Petrogrado imediatamente trataram a queda do czar como uma proclamao de liberdade, igualdade e democracia direta universais (HOBSBAWM, 1999, p. 67).
Importante ressaltar que, em paralelo a instituio do Governo Provisrio, o
debate poltico acerca da democracia e promoo da igualdade entre os homens na
Rssia tem como importante protagonista os conselhos de bases, sovietes, o que REED
(2002, p. 31-32) determina como tipo de assemblia eleita pelas organizaes
econmicas da classe operria, ou seja, organizaes de trabalhadores de forte apelo
democrtico que expressavam o Poder Local e a relevncia da necessidade de figurarem
como os centros de tomada de deciso para a nova Rssia. Mais tarde, os sovietes
estendem-se organizaes de soldados e camponeses, tornando-se sinnimo das
assemblias promovidas pelos revolucionrios.
A tentativa de reestabelecer a ordem no ambiente revolucionrio sovitico
tomado por bolcheviques em franca expanso o ponto de partida para a derrocada do
Governo Provisrio e a consolidao do Partido Comunista e o Socialismo na Rssia. O
fortalecimento da radicalizao frente agenda liberal moderada do Governo
estabelecido na queda do czar faz com que at o exrcito alinhe-se com os
revolucionrios radicais. Isto se deve pela deciso do Governo Provisrio em lanar
uma ofensiva militar em junho de 1917, fato que causa desero nos postos oficiais e
alastramento dos ideais bolcheviques (HOBSBAWM, 1999, p. 68). Fora questo de
tempo para que, aps arregimentar campesinato, trabalhadores assalariados no-
industriais e exrcito, para que o Governo Provisrio perdesse a sustentao e que o
Partido Comunista ascende-se ao poder. Fato que ocorreu em 07 de novembro de 1917.
A liderana revolucionria radical bolchevique, sob o desgnio do Partido
Comunista e da liderana de Vladimir Ilyich Lenin, verdadeira promotora da Revoluo
de Outubro dentro da ideia de Todo o Poder aos Sovietes (HOBSBAWM, 1999, p.
68), propem a imediata insurreio proletria e a conquista do poder governamental a
fim de acelerar a realizao do socialismo. O termo bolchevique, o qual deriva de
Bolchinstvo, nada mais significa que membros da maioria (REED, 2002, p. 27 28).
Disso, possvel constatar agenda comunista como socializante dos meios de produo
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e democraticamente participativa, em contraposio ao capitalismo liberal, aprofunda o
conceito de igualdade a partir da teoria do materialismo histrico marxista.
Contudo, diverge-se sob as condies ou no da Rssia promover a
Revoluo Socialista e, ainda mais, de como ela seria o modelo para o avano desse
sistema em outras naes. HOBSBAWM (1999, p. 64) relata que os revolucionrios
marxistas russos partilhavam da ideia de que a revoluo Russa no possua os
pressupostos necessrios para viabilizar o projeto socialista, limitando-se a substituir o
czarismo por uma reforma burguesa.
E no entanto, com exceo dos romnticos que viam uma estrada reta levando das prticas coletivas da comunidade alde russa a um futuro socialista, todos tinham como igualmente certo que uma revoluo da Rssia no podia e no seria socialista. As condies para uma tal transformao simplesmente no estavam presentes num pas campons que era sinnimo de pobreza, ignorncia e atraso, e onde o proletariado industrial, o predestinado coveiro do capitalismo de Marx, era apenas uma minscula minoria, embora estrategicamente localizada (HOBSBAWN, 1999, p. 64).
Obstante isso, LOWY (2005, p. 55) comentando a contribuio terica e militante de Leon Trotsky, lder bolchevique, Revoluo, aponta:
Trotsky rejeita explicitamente o economicismo, um dos traos essenciais do marxismo de Plekhanov. Esta ruptura uma das pressuposies metodolgicas fundamentais da teoria da revoluo permanente, como atesta esta passagem bastante conhecida de Balano e Perspectiva: Imaginar que a ditadura do proletariado depende de algum modo automaticamente do desenvolvimento e dos recursos tcnicos de um pas, tirar uma concluso falsa de um materialismo econmico simplificado ao absurdo. Este ponto de vista no tem nada a ver com o marxismo.
De outra forma, os dois autores retrocitados acordam que no existiam
condies para uma Reforma Burguesa, haja vista esta parcela da populao no ser
relevantemente representativa junto aos povos russos, constituda por uma burguesia
fraca e parcialmente estrangeira (LOWY, 2005, p. 55), sendo uma minscula minoria
sem posio moral, apoio poltico ou tradio institucional de governo representativo
em que pudesse encaixar-se (HOBSBAWM, 1999, p. 64). Fato que fora determinante
para a construo do modelo de governo comunista a existncia de um proletariado
organizado o qual contava com o apoio do campesinato que articulava-se em torno da
ojeriza autocracia e poltica latifundiria existentes, situaes que alarmavam-se com
as presses do Ps Guerra, as separaes regionais provocadas pelo conflito contra a
Alemanha e a imposio da paz punitiva quando a Rssia retira-se do conflito em meio
ao ambiente revolucionrio e beira de uma guerra civil, somando-se a tudo isso, a
grave crise econmica (HOBSBAWM, 1999, p. 70 e SS).
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A Revoluo de Outubro e a consolidao do regime comunista como um
processo que superava a tomada de poder na Rssia e se estenderia at as demais naes
como ocorrncia histrica de superao do modo de produo capitalista por este
modelo que se sugeria superior, d-se com a teorizao a respeito das tarefas histricas
a serem percorridas a partir da denominada revoluo permanente, determinada da
seguinte forma:
(...) Era a ideia de que a revoluo russa poderia ultrapassar os limites de uma profunda transformao democrtica e comear a tomar medidas anti-capitalistas de contedo nitidamente socialista. Seu principal argumento para justificar esta hiptese iconoclasta era simplesmente que a dominao poltica do proletariado era incompatvel com sua escravido econmica. Por que o proletariado, uma vez no poder, e controlando os meios de coero, deveria continuar a tolerar a explorao capitalista? Mesmo se quisesse se limitar inicialmente a um programa mnimo, ele seria conduzido pela prpria lgica de sua posio, a tomar medidas coletivistas. Isto posto, Trostsky estava convencido de que sem a extenso da revoluo na Europa ocidental, o proletariado russo dificilmente poderia se manter muito tempo no poder, grifo nosso (LOWY, 2005, p. 56).
A sujeio do capitalismo frente ao socialismo, para os revolucionrios,
significava a prpria consolidao do poder nas mos do proletariado e seu livre
exerccio frente s demandas sociais, fortalecendo, paralelamente, a participao
coletiva. A vitria do bolchevismo ao redor do mundo seria atingida com a exposio e
recrudescimento das distores do capital que faria despertar, a partir do exemplo
sovitico, a alternativa comunista como soluo para a crise econmica e poltica
vivenciada no turbilho da Primeira Guerra Mundial e do Entreguerras. Aponta
HOBSBAWM (1999, p. 71) que, uma onda de revoluo varreu o globo nos dois anos
ps Outubro, e as esperanas dos aguerridos bolcheviques no pareceram irrealistas.
O vocativo em alemo Volker hort die Signale (Povos, escutem os sinais)
demonstrava o redirecionamento dos movimentos revolucionrios ao redor do mundo
em torno do bolchevismo, tradio esta que absorveu ou colocou margem todas as
demais tradies revolucionrias, expandindo suas reflexes e influncias. As
experincias histricas da Amrica Central e Latina, China, ndia e Turquia, alm da
frica do Sul, v.g., demonstraram como a Revoluo de Outubro abalou a ordem
mundial e a modificou irreversivelmente. A partir do final da Segunda Grande Guerra,
os blocos hegemnicos Sovitico e Capitalista iriam contar a histria mundial a partir
do seu duelo diretamente poltico e econmico e reflexivamente armado, constituindo a
Guerra Fria.
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O projeto comunista preconizava a ampla participao dos sovietes, sendo
todo o poder poltico exercido diretamente por eles. A Declarao dos Direitos dos
Povos da Rssia, assinada por Yussuf Djugatchivili Stalin, ento presidente do
Conselho dos Comissrios do Povo, dispunha de uma ampla tutela a respeito dos
direitos de autodeterminao, igualdade, soberania, liberdade de desenvolvimento para
todos os povos da Rssia, dando especial nfase supresso de todas as restries e
privilgios de carter nacional ou religioso. Concretizava-se assim o controle das aes
do Estado nas mos do movimento proletrio bolchevique pelo Partido Comunista, a
agora Unio das Repblicas Socialistas Soviticas contava com um programa de
prestaes estatais efetivas e de participao dos ncleos de poder local para promover
o interesse da maioria, bolchinstvo.
2.2.2 Composio entre EUA e URSS
Anterior bipolarizao da ordem mundial em torno dos blocos econmicos
sovitico e americano, respectivamente, as agendas comunista e (neo)liberal, o Breve
Sculo XX assiste a um evento, em tese, incoerente, o que, contudo, determina os rumos
da Segunda Grande Guerra e fazem retornar as potncias mundiais uma era de
bonana econmica e estabilidade poltica. a causa comum contra a Alemanha de
Hitler e os regimes fascistas da Itlia e Japo, o meio que viabiliza uma experincia,
ainda que temporria, de aliana entre as naes que historicamente seguiriam um curso
de rivalidade ideolgica contnuo at 1991 (HOBSBAWM, 1999, p. 114).
O avano dos regimes autoritrios promovido no s pela crise do
liberalismo e da depresso econmica, como tambm da paz punitiva inserta nos
tratados internacionais impostos aos perdedores da Primeira Grande Guerra por
intermdio do organismo internacional denominado Liga das Naes, toma conta de
parte da Europa, a iniciar-se pela Itlia e o fascismo do perodo de Mussolini
(ARENDT, 2007, p. 358). A ponta extremada desses fenmenos atinge-se com a
ressurreio alem atravs do regime nacional-socialista e o estabelecimento do III
Reich, comandado por Adolf Hitler.
o completo desprezo do regime nacional-socialista, ou simplesmente
nazismo, pelo acmulo da experincia social humana a respeito dos valores da
civilizao que promovem a relativizao dos conflitos ideolgicos entre URSS e EUA
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e os articula perante um inimigo nico, a expanso do terror atroz promovido pela
Alemanha.
Sob certos aspectos, era provvel que o apelo unidade antifascista conquistasse a resposta mais imediata, pois o fascismo tratava publicamente todos os liberais, socialistas e comunistas ou qualquer tipo de regime democrtico e sovitico, como inimigos a serem igualmente destrudos. Na velha expresso inglesa, eles tinham de unir-se, caso no quisessem ser eliminados um por um, Os comunistas, at ento a fora que mais tendia diviso da esquerda do Iluminismo, concentrando seu fogo no contra o inimigo bvio , mas contra o competidor potencial mais prximo, acima de tudo os social-democratas, mudaram de curso um ano e meio depois da ascenso de Hitler ao poder e transformaram-se nos mais sistemticos e, como sempre, mais eficientes defensores da unidade antifascista (HOBSBAWM, 1999, P. 149)
HANNA ARENDT (2007, p. 300) determina que o ataque estrutura da
civilizao europia capitaneado pela poltica totalitria ousa desintegrar os sistemas
polticos e de direitos das minorias na Europa Oriental e Meridional, e dos povos sem
Estado na Europa Central e Ocidental, desafia direitos humanos historicamente
alicerados, tanto sob o desgnio das liberdades civis, como da fruio de direitos
sociais e coletivos, ao passo que a racionalidade desses regimes era monoltca e
centralizadora, apoiada na promoo da incessante hostilidade com as demais naes e
seus povos.
Por essa total ignorncia em relao aos pilares poltico-constitucionais
tanto norte-americano quanto sovitico, foi possvel a articulao de uma aliana entre
as frentes nacionais a partir da relativizao dos conflitos ideolgicos intrnsecos,
esfumaados pela ameaa comum que marchava para o colapso do mundo tal qual como
era compreendido poca. Contudo, ainda que as agendas de expanso de cada um dos
blocos ideolgicos esfriassem durante o perodo do conflito, no ficou afastada a
conscincia de que a aliana existia contra uma ameaa militar, produto das agresses
promovidas pela Alemanha URSS, quando da ofensiva militar que pretendeu invadir o
territrio russo, quanto declarao de guerra daquela contra os EUA.
Por outro lado, o antifascismo, por mais heterogneo e transitrio que fosse sua mobilizao, conseguiu unir uma extraordinria gama de foras. E o que mais, essa unidade no foi negativa, mas positiva, e em certos aspectos do Iluminismo e da Era das Revolues: progresso pela aplicao da razo e da cincia; educao e governo popular; nenhuma desigualdade baseada em nascimento ou origem; sociedades voltadas mais para o futuro que para o passado (HOBSBAWM, 1999, p. 176).
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Em suma, um modelo poltico de supresso de direitos bsicos e mnimos
para determinados nveis da sociedade e uma administrao estatal centralizada, apoiada
num forte aparato de represso figurou como ameaa comum aos demais regimes que
historicamente se estruturavam. Disputava-se no s a ampliao para as demais naes
da agenda ideolgica correspondente, mas a co-existncia humana apoiada em valores
de civilidade e respeito, valores que correspondiam aos direitos inerentes condio
humana. Assim, sendo a proteo do invivduo, seja ele unicamente considerado ou em
sua coletividade, era o ponto que fazia convergir as ideologias centrais da poca,
relativizando as adversidades especficas para viabilizar o projeto humano.
2.2.3 Oposio entre EUA e URSS: guerra fria
A derrocada dos regimes autoritrios e o fim da Segunda Grande Guerra
tiveram como efeito imediato a afirmao dos Estados Unidos da Amrica e da Unio
das Repblicas Socialistas Soviticas como as centralidades mundiais. Efeito imediato,
de mesma forma, fora a desarticulao da aliana para o combate da Alemanha de
Hitler e o reconduzimento disputa ideolgica entre capitalismo e comunismo, levando
uma metodologia de dicotomia entre as aspiraes acerca da liberdade e da igualdade.
O capitalismo ocidental encontra no discurso construdo em torno da ameaa
vermelha maneira de reinventar-se, adequando de certa forma o clssico liberalismo s
demandas apresentadas no perodo entreguerras e no ps segunda guerra, a criao do
Estado de Bem-Estar Social. Do outro lado, a URSS crendo na mobilizao poltica
revolucionria e no intenso processo de descolonizao mundial, aposta numa era de
transformao social que s concebe o comunismo como alternativa.
Sobre esse paradigma, aponta HOBSBAWM (1999, p. 17):
Uma das ironias deste estranho sculo que o resultado mais duradouro da Revoluo de Outubro, cujo objetivo era a derrubada global do capitalismo, foi salvar o seu antagonista, tanto na guerra quanto na paz, fornecendo-lhe o incentivo o medo para reformar-se aps a Segunda Guerra Mundial e, ao estabelecer a popularidade do planejamento econmico, oferecendo-lhe alguns procedimentos para sua reforma.
A emergncia da nova ordem mundial ps-guerra decreta o incio da disputa
ideolgica, territorial, cientifica e armamentista entre os projetos postos em
antagonismo da experincia capitalista e da comunista. Criou-se no imaginrio coletivo
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a incapacidade da existncia mtua, onde as alternativas expostas eram excludentes e
que estavam dispostas num espao de disputa onde s uma permaneceria existente. Essa
disputa marca intensamente a forma poltica dos direitos relacionados liberdade e
igualdade, j que estes so corolrios de um e outro sistema poltico.
As disputas, ainda que fortemente marcadas pela corrida armamentista, no
se conduziram ao embate frontal entre as superpotncias. A Guerra Fria era muito mais
uma disputa tranversal e reflexa para promoo das agendas polticas e afirmao da
capacidade de influncia sobre o mundo. A URSS por afastar-se cada vez mais do
programa revolucionrio por fora da agudez autoritria exercida pelo stalinismo, j
ocupava-se de estabelecer zonas de atuao vermelha para evitar o avano da capital, na
outra face da moeda, os EUA investiam nessa polarizao para incutir o terror sobre a
ameaa de um novo modelo totalitrio paralelo Alemanha Nazista, para que, assim,
estabelecesse o capitalismo como modelo de convivncia humana democrtica
(HOBSBAWM, 1999, p. 245).
A Guerra Fria, de certa forma, estabiliza a situao poltica europia,
reforma o sistema capitalista e traa o curso do colapso do regime sovitico stalinista. A
economia arcaica e burocrtica na qual o regime revolucionrio havia se tornado no
dava conta do processo de globalizao do capital, muito menos, dos enormes gastos
com o auxlio s naes que refugiava sob a bandeira comunista. O fim da guerra fria e
o fim do sistema sovitico, ainda que no sejam inseparveis, esto intimamente
ligados. A perda na crena do socialismo como alternativa global paralela a perda da
capacidade de competir na economia mundial capitalista, faz com que o regime entre
em colapso. Contribuiu tambm a oposio ao comunismo como um novo sistema
totalitrio. O fim da Guerra Fria o reconhecimento mutuo dos desgastes econmicos
promovidos pela corrida armamentista, mais precisamente nuclear, e do carter
autodestrutivo de um conflito aberto (HOBSBWAM, 1999, p. 245).
Assim, a derrocada do sistema sovitico e a emergncia do neoliberalismo,
o qual reformula as prticas capitalistas em conjunto com o Estado de Bem-Estar
Social, sela o destino da URSS e inicia um processo de multipolarizao da ordem
mundial, com uma intensa atividade de tutela dos direitos na esfera internacional e o
intenso debate respeito da necessidade da abertura democrtica nas reas do leste
europeu, frica e sia. A Guerra Fria opera o final das grandes mudanas vivenciadas
no Breve Sculo XX.
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Deste cenrio histrico exposto, para o desenvolvimento do trabalho
necessrio destacar as conseqncias na seara jurdica das graves violaes aos direitos
humanos na 2 Guerra Mundial e a consolidao de modelos de direitos humanos
fundada na oposio da Guerra-Fria. O primeiro fato, como ser tratado adiante, muda a
compreenso a respeito da tutela jurdica dos direitos humanos, fundando uma nova
compreenso. J o segundo, funda, na ideologia de cada agenda, seja liberal ou
sovitica, o primado dos direitos de humanos de defesa e de direitos humanos a
prestao. Tais institutos sero desenvolvidos a seguir.
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3 CONSIDERAES ACERCA DA NATUREZA DOS DIREITOS HUMANOS E
SUA PRESTACIONALIDADE
3.1 A natureza jurdica dos direitos humanos e a teoria dos status
A sistematizao dos direitos humanos em torno de categorias denominadas
geraes ou dimenses repousam no esforo jurdico de determinao da natureza
desses direitos para que assim se construa um conhecimento tal, suficiente para a
concreo dos mesmos. Sobre esse proceder cientifico, a departamentizao dos
direitos fundamentais da lavra do jurista Georg Jellinek que, com o desenvolvimento
da teoria dos status, determina padres gerais e abstratos que almejam apontar a
natureza de um dado direito considerado fundamental (SARLET, 2011, p. 45). Essas
determinaes, se sugerem um processo de substituio gradativa conforme se faz sentir
na experincia histrica humana tal como j debatido, ou apontam para uma
complementaridade e vital interdependncia, o que se procurar investigar.
Antes de mais nada, cuida-se da necessidade de definir o status sob o ponto
de vista da teoria. Alexy (2008, p. 255) afasta a confuso entre status e direito, onde
aquele um parmetro conhecido sob o critrio relacional, ou seja, o status caracteriza
uma situao, uma situao onde o sujeito de direito tomado em relao com o Estado
e, a partir da, adquire uma qualificao jurdica. Por tudo isto, h de se falar numa
completa diferenciao entre status e direito, j que o direito a aplicao social de uma
possibilidade jurdica e o status a possibilidade e modo do sujeito figurar em relaes
jurdicas.
Para melhor explicar essa teoria e determinar sua relevncia para a
sistematizao dos direitos humanos, o terico distingue quatro relaes de status, cada
uma apresentando a condio do sujeito e da realizao dos seus direitos, criando
princpios ou modos-de-agir que obrigam Estado e Sociedade a tomarem um
comportamento a depender do caso e da esfera de direitos ou obrigaes a que se
referem.
Para tal intento, Georg Jellinek cunhou o status passivo (status subiectionis),
o status negativo (status libertatis), o status positivo (status civitatis) e o status ativo
(status activius). sua maneira, de forma sinttica e respectivamente, correspondem
eles s posies de sujeio da vontade privada s competncias e poder de imprio do
Estado, a livre disposio e proteo das relaes jurdicas eminentemente privadas que
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so irrelevantes esfera pblica, o direito do sujeito de perceber o fazer estatal em
prestaes positivas que garantem a fruio de um direito e as omisses estatais
caractersticas de no-impedimento e a capacidade potencial de conferncia de
poderes e direitos ao cidado para participar na formao poltica do Estado
(SAMPAIO, 2005, p. 142 - 146).
O status passivo representa a categoria mais bsica da relao entre sujeito
Estado. Representa ele a sujeio do sujeito de direito rbita de deveres e proibies
estabelecidas pela ordem jurdica e garantidas pelo monoplio da fora pelo ente
poltico. Ademais, significa simplesmente que existe algum dever ou proibio estatal
ao qual (o indivduo) est sujeito, ou que poderia legitimamente existir algum dever ou
proibio (ALEXY, 2008, p. 256). a contrao pelo sujeito de um dever tal que
vincula o indivduo subordinar-se ao poder pblico (MENDES, 2008, p. 150).
Com relao ao status negativo, o qual se pode relacionar com a agenda da
Revoluo Burguesa Liberal, cuida-se dos direitos em face do Estado que dele exige
aes negativas, ou seja, um espao de determinao privada que se caracteriza por
liberdades jurdicas no-protegidas porque facultativas e que apresentam irrelevncia
jurdica. Estas liberdades so consideradas na acepo original da usurpao estatal, o
que, nas democracias polticas tomam assento tanto contra o Estado como aos demais
indivduos que participam da sociedade (MOREIRA, 2002, p. 37 38). Sobre o
controverso significado do critrio de irrelevncia, ALEXY (2008, p. 259) esclarece que
o que se pretende dar cabo do carter facultvel e de no-exigibilidade de determinada
conduta, no seu dizer, quando tanto sua realizao quanto sua no-realizao so
permitidas.
Observando de forma mais abrangente, o autor retrocitado formula uma
comparao entre os status, esclarecendo-os, afirmando que,
Segundo Jellinek, submisso e liberdade em face da submisso so as duas possibilidades, mutuamente excludentes, que disposio do Estado em todas as regulaes de sua relao com os sditos. Isso corretamente expressa que os status passivo e negativo se encontram em uma relao de contradio entre si. Todas as aes que a um indivduo no so nem obrigatrias nem proibidas pertencem ao seu espao de liberdades. E pode-se dizer que todas as aes que ou lhe so obrigatrias ou proibidas pertencem ao seu espao de obrigaes. Da mesma forma que o espao de liberdades o contedo do status negativo, o espao de obrigaes o contedo do status passivo. (ALEXY, 2008, p. 261)
possvel concluir que o carter reflexivo entre a natureza dos dois status
acaba por revelar seus prprios contedos. Por inferncia lgica, a no-obrigao de um
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dever revela uma liberdade, ampliando o espao para a auto-determinao. Contudo, a
revelao da liberdade pode obstar na existncia de uma proibio que sobrevenha ao
no-dever, no podendo se afirmar que da liberdade surge um direito ao no-embarao
da pretenso. Desta forma, para assegurar a liberdade, necessrio faz-lo por direitos
autnomos, proteo a ela, afastando a possibilidade do Estado de imiscuir-se
proibitivamente quela conduta.
Prosseguindo, preciso ater-se tambm que a Sociedade organiza-se em
Ente Poltico para a articulao de recursos e esforos coletivos tendo em vista
interesses comuns, ou seja, o Estado existe para realizar prestaes em favor do
indivduo na concreo de um direito por intermdio dos poderes constitudos
(MENDES, 2008, p. 155). Alm da prestao efetiva, a instrumentalizao desse status
resguarda tambm prestaes jurdicas positivas formais, meios jurdicos e
burocrticos para a realizao em sentido material.
O fato de o indivduo ter esse tipo de pretenso em face do Estado significa, em primeiro lugar, que ele tem direitos a algo em face do Estado e, em segundo lugar, que tem uma competncia em relao ao seu cumprimento. (...) a existncia de uma tal competncia uma condio necessria para que o individuo se encontre no status positivo. A formula utilizada para resumir as pretenses jurdicas individualizadas, reconhecidas formalmente, que surgem do status positivo, ou seja, a capacidade protegida juridicamente para exigir prestaes positivas do Estado, deve ser compreendidas nesse duplo sentido (ALEXY, 2008, p. 264).
Inobstante isso, no simples a relao entre os status positivo e negativo,
quando se trata da pretenso ao no-constrangimento em face do Estado. Claramente
uma posio omitiva, os denominados direitos de defesa no acomodam-se to
facilmente na disciplina de Jellinek, j que, por possurem um comando de vinculao
para uma ao negativa, uma absteno, e o terico identificar a natureza prestacional
dessa ao, ilgico referendarmos a isso a ideia bsica do status positivo relativo ao
agir estatal. Ato contnuo, sabido que, de uma liberdade no-protegida, no emerge
espontaneamente uma pretenso ou direito. Portanto, os direitos de defesa correm o
risco de, na definio de Jellinek, restarem margem da teoria e no se acomodarem em
categoria alguma (SARLET, 2011, p. 157).
ALEXY (2008, p. 266), sobre esta problemtica que aqui se assenta, reflete
sobre a concluso inevitvel de que os direitos de defesa, nesse balanar entre as
categorias, no teria lugar nas proposies dos status. Determina o autor retrocitado,
chegar-se-ia concluso de que uma das posies mais importantes no mbito dos
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direitos fundamentais no teria lugar no sistema de Jellinek. A principal crise dessa
assertiva est contida no fato de que a organizao, sistematizao e os processos de
internacionalizao e defesa dos direitos humanos esto ancorados na teoria ora em
comento. preciso realocar as categorias para que dem conta das demandas fticas
apresentadas. Neste desiderato, Robert Alexy, em Teoria dos Direitos Fundamentais,
torna a compreenso dos status negativo e positivo mais abrangente, concebendo
sentidos amplo e estrito para cada categoria de forma que o status negativo em sentido
estrito permanece na espcie como liberdade jurdica no-protegida; seu sentido amplo
seriam os direitos de defesa, ou seja, a pretenso em face do Estado de aes negativas
para assegurar aquelas liberdades. No tocante ao status positivo, seu sentido amplo
condensa direitos ao estatal positiva ou negativa, sendo seu corte stricto, as aes
positivas, ou melhor, fazer positivo do Estado.
Tratando o status ativo, a lio sobre os direitos fundamentais extrapola o
mbito privado e refere-se capacidade do sujeito de direito atuar na formao poltica
do Estado. Guarda-se, portanto, a relao entre o Ente Poltico e o cidado no que diz
respeito ao exerccio da cidadania e participao, haja vista o sujeito de direito agir na
formao da vontade estatal (SARLET, 2011, p. 157). O status ativo a condio
jurdica que d azo s liberdades polticas de carter pblico.
Ainda que se afirme que a teoria dos status pedra fundamental para a
sistematizao dos direitos humanos (CANOTILHO, 1992; FARIAS, 1996; SARLET,
2011) e que ela o mais formidvel exemplo de construo terica analtica no mbito
dos direitos fundamentais (ALEXY, 2008), as proposies foram alvo de fortes
questionamentos, entre os quais, o mais evidente a discusso acerca do contedo
abstrato e formal das proposies que tratam de direitos que s podem ser vividos na
efervescncia do fenmeno social e do constante agir poltico to singular ao homem.
Konrad HESSE (1998, p. 228), prima facie, destaca a natureza plrima dos
direitos fundamentais. Contm, portanto, vrias possibilidades de significados.
Afirmando tal carter, revela que,
Por um lado, eles so direitos subjetivos, direitos do particular, e precisamente, no s nos direitos do homem e do cidado no sentido estrito (...) mas tambm l onde eles, simultaneamente, garantem um instituto jurdico ou a liberdade de um mbito da vida. Por outro lado, eles so elementos fundamentais da ordem objetiva da coletividade. Isso reconhecido para garantias, que no contem, em primeiro lugar, direitos individuais, ou , que em absoluto, garantem direitos individuais, no obstante esto, porm, incorporadas no catlogo de direitos fundamentais da Constituio.
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Em sua dimenso subjetiva, os direitos fundamentais revelam uma
pretenso em face do Estado para a sua existncia ftica. Desta forma, vislumbra-se a
possibilidade do sujeito se valer de normas processuais formais no sentido de
instrumentalizar a exigncia dos interesses tutelados no que diz respeito esfera
individual (SARLET, P. 152, 2011). Contudo, na esteira das diversas facetas em que
esses direitos se apresentam, demonstrando assim um alto grau de distino entre as
espcies, preciso pensar nessa definio um objeto amplo para os direitos subjetivos
fundamentais, haja vista sua justiciabilidade (ALEXY, P. 461, 2008) e eficcia estarem
intimamente ligadas ao contedo e implicaes sociais desses direitos.
De modo geral, possvel afirmar que este espectro de variaes no que concerne ao objeto do direito subjetivo (fundamental) se encontra vinculado aos seguintes fatores: a) o espao de liberdade da pessoa individual no se encontra garantido de maneira uniforme; b) a existncia de inequvocas distines no que tange ao grau de exigibilidade dos direitos individualmente considerados, de modo especial, em se considerando os direitos a prestaes sociais materiais; c) os direitos fundamentais constituem posies jurdicas complexas, no sentido de poderem conter direitos, liberdades, pretenses e poderes das mais diversas naturezas e at mesmo pelo fato de poderem dirigir-se a diversos destinatrios (SARLET, P. 153, 2011).
Com efeito, os direitos fundamentais correspondem exigncia de uma
ao negativa ou positiva (...) em que no se cogita de exigir comportamento ativo ou
omissivo de outrem, mas o poder de modificar-lhe posies jurdicas (MENDES, P.
266, 2008). Inobstante isso, cumpre ressaltar que esta condio de exigibilidade
consistente na dimenso subjetiva desse nvel de direitos no encontra limites nos
direitos ligados s liberdades, ainda que a tutela destas seja mais facilmente deduzida
em face do Estado a partir de um processo judicial2.
2 Sobre essas inferncias, Ingo Wolfgang Sarlet (p. 154, 2011) melhor esclarece: Aliado noo de direito subjetivo em sentido amplo, est, de outra banda, o reconhecimento de determinado grau de exigibilidade que, no entanto, de intensidade varivel e dependente da normatividade de cada direito fundamental. Para traarmos uma distino suficientemente precisa entre a perspectiva objetiva e subjetiva (sem prejuzo da possibilidade de uma eventual subjetivao de posies em princpio limitadas juridicidade meramente objetiva), consideramos necessria a clarificao do significado desta exigibilidade, j que, de certa forma, a mera possibilidade de suscitar-se judicialmente o controle da constitucionalidade de um ato normativo no deixa de constituir, sob o ngulo de uma efetivao judicial, uma faceta da subjetivao inerente a todas as normas constitucionais na condio de direito objetivo. Neste contexto, quando no mbito da assim denominada perspectiva subjetiva falamos de direitos fundamentais subjetivos, estamo-nos referindo possibilidade que tem o seu titular (considerado como tal a pessoa individual ou ente coletivo a quem atribudo) de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito ao ou s aes negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questo.
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3.2 A transcendncia do subjetivismo e os direitos humanos como princpios da
ordem jurdica
da lavra de Robert Alexy (2008) a ideia da ampla subjetivao dos
direitos humanos, o que se faz com fundamento em duas teses, a saber, que a
centralidade da tutela reside, sempre, na proteo do individuo, ainda que se trate de
direitos coletivos, e que a considerao do carter principiolgico desses direitos
significa um grau maior de realizao do que a preciso de obrigaes de cunho
meramente objetivo (SARLET, P. 155, 2011), ao passo que a consistncia de um
direito subjetivo potencialmente mais realizvel do que um dever objetivo de
atentar-se a certa proibio.
Em geral, certo que o reconhecimento de direitos subjetivos significa um maior grau de realizao que o simples estabelecimento de um dever objetivo. Assim, uma simples proibio objetiva de interveno significaria menos que um direito subjetivo de defesa de contedo similar. Nesse sentido, a subjetivizao dos deveres de proteo pode ser fundamentada por meio da natureza principiolgica dos direitos fundamentais. (...) Somente a subjetivizao dos deveres de proteo faz justia ao sentido original e permanente dos direitos fundamentais como direitos individuais (ALEXY, P. 455, 2008).
Ainda que a perspectiva subjetiva tenha grande profuso na temtica de
direitos humanos, h que se cuidar da face desses direitos quando figuram como
elementos fundamentais da ordem objetiva da coletividade, ou seja, sua dimenso
jurdico-objetiva, ambas mantendo uma relao de remisso e de complemento
recproco (...) operando como limite do poder e como diretriz para a sua ao
(MENDES, P. 266, 2008). Neste turno, notamos a transcendncia da tutela fundamental
do sujeito no mbito individual at o alcance da tecitura do ordenamento jurdico em
sua totalidade, fundando o complexo de valores e objetivos a serem observados pela
sociedade. Funcionando como componentes estruturais bsicos da ordem jurdica,
alcanam todo o ordenamento moldando-o para a consecuo ftica dos direitos
humanos (SARLET, P. 143, 2011).
Sob um ponto de vista axiolgico, ou seja, quando os direitos fundamentais
na sua perspectiva objetiva determina valores para a ordem jurdica, adquirem uma
prerrogativa diretiva sob o exerccio da jurisdio, sempre impondo atividade de
concreo da norma, seja constitucional ou infraconstitucional, seu programa
teleolgico, desta forma, reconhece-se o carter de princpio que este instituto contm.
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Pari passu, carregam uma funo objetiva reflexa, ou seja, os direitos humanos ficam
excees competncia e ao do Estado naquilo que tutelam. Com efeito, a esfera de
liberdade do indivduo representa comando objetivo-negativo, retirando a legitimidade
dos rgos estatais em interferir nesse campo. Derivado a isso, a dimenso axiolgica,
ainda que se detenha sob as questes individuais, cuida por promover uma ordem
jurdica para a coletividade, ou seja, no se encerra na preservao do espao individual,
perquirindo a construo coletiva dos fins e valores fundamentais (SARLET, 2011, p.
142 - 145).
Em coaliso ao fundamento valorativo da perspectiva objetiva, os direitos
humanos encerram uma eficcia dirigente, uma ordem genrica de efetivao.
Funcionando como mandados de otimizao (ALEXY, 2008), atua complementarmente
para a aplicao normativa dos direitos fundamentais, o que a doutrina alem e a
jurisprudncia do Tribunal Constitucional Federal Alemo3 denominominaram
Ausstrahlungswirkung, ou a eficcia irradiante dos direitos fundamentais, interferindo
na exegese do direito infraconstitucional.
Em se tratando do dever objetivo do Estado, na assertiva da necessidade de
prover no s aes negativas de no-embarao, como tambm agir providencialmente
para a consecuo dos pressupostos necessrios para o exerccio ftico da liberdade
(ALEXY, 2008, p. 438 - 439), reconhecido Schutzpflichten, deveres de proteo do
Estado, que amplia a tutela de proteo contra outros, que no o prprio ente poltico.
Agindo como garantidor, o Estado deve propiciar condies reais para o exerccio dos
direitos, onde os deveres estatais passam a ser diretamente vinculados tutela dos
direitos fundamentais, representando obrigaes jurdicas vinculativas que atuam como
garantias dos direitos e que implicam direitos subjetivos a medida de proteo
(SARLET, 2011, p. 149).
3 BVerfGE 7, 198: O TCF julgou a Reclamao procedente e revogou a deciso do Tribunal Estadual. Trata-se, talvez, da deciso mais conhecida e citada da jurisprudncia do TCF. Nela, foram lanadas as bases, no somente da dogmtica do direito fundamental da liberdade de expresso e seus limites, como tambm de uma dogmtica geral (Parte Geral) dos direitos fundamentais. Nela, por exemplo, os direitos fundamentais foram, pela primeira vez, claramente apresentados, ao mesmo tempo, como direitos pblicos subjetivos de resistncia, direcionados contra o Estado e como ordem ou ordenamento axiolgico objetivo. Tambm foram lanadas as bases dogmticas das figuras da Drittwirkung e Ausstrahlungswirkung dos direitos fundamentais, do efeito limitador dos direitos fundamentais em face de seus limites (Wechselwirkung), da exigncia de ponderao no caso concreto e da questo processual do alcance da competncia do TCF no julgamento de uma Reclamao Constitucional contra uma deciso judicial civil. SCHWABE (org.) In: Cinquenta Anos de Jurisprudncia do Tribunal Federal Constitucional Alemo, p. 381.
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Ademais, restam as implicaes nas normas procedimentais por uma
derivao lgica. Seria desarrazoado aplicar um direito material que no encontra
arrimo nos seus prprios procedimentos. O direito em tese, como norma geral e
abstrata, precisa de meios reais de aplicao que condigam aos fins pretendidos. Neste
turno, a localizao sistemtica da perspectiva jurdico-objetiva dos direitos humanos
pode ser considerada fundamento para outras funes, assumindo um papel de alta
relevncia na construo eficaz e racional da sua efetivao (SARLET, 2008, p. 151).
HESSE (1998, p. 280) acredita que por fora do duplo carter dos direitos
fundamentais, eles constituem um efeito fundamentador de status. Ainda que designe
o mesmo termo que Georg Jellinek, a sua acepo totalmente diversa e, neste turno,
mostra-se a crtica teoria. O status que sobrevm da relao do sujeito com o Estado
dentro do ordenamento normativo tem carter jurdico material, ou seja, certo e
determinado por direitos e deveres que impe limite quela relao. Se se trata de
direitos e garantias fundamentais, estamos diante do status jurdico-constitucional, do
mesmo modo, se fala de direitos e deveres determinados pela lei dentro dos
delineamentos da matria constitucional fundamental, estamos a tratar do status cvico
geral.
Adverte o constitucionalista que o status relativo aos direitos fundamentais
so elementos histricos, sociais e normativos porque jurdicos, onde estes no so
decorrncia espontnea ou natural do ser humano. Entende que esse sistema de direitos
s pode ser eficaz em articulao com a totalidade da ordem constitucional, primeiro
na instalao na ordem total democrtica e estatal-jurdica, constituda pela
Constituio, e como seu elemento essencial, (...) pode o status do particular, garantido
pelos direitos fundamentais, ganhar configurao e realidade (HESSE, 1998, p. 232).
O homem, portanto, sendo a equao de elementos subjetivos-individuais e elementos
de massa e objetivos que esto em constante relao reativa (BADALONI, 1977, p. 54),
os direitos que dele decorrem processo de em face das organizaes sociais e a partir
delas, sendo necessrio garantia, organizao e limitao jurdica pelo Estado, no
lograriam xito na experincia ftica social.
A leitura da teoria dos status, a partir de HESSE (1998, p. 231), pode ser
sintetizada da seguinte forma,
(...) o status negativus, ao qual G. Jellinek atribui, no essencial os direitos fundamentais, um meramente formal, secundrio diante da forma bsica do status subjectionis: a pessoa, qual cabe o status negativus, no o homem ou cidado em sua realidade da vida, seno o indivduo abstrato na
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reduo sua capacidade de ser titular de direitos e deveres. (...) A liberdade que o status negativus garante no est relacionada com condies de vida concretas determinadas, seno com um estar livre geral e abstrato de coao no-legal. E o destinatrio das pretenses do status negativus, o poder estatal, no est limitado de antemo justamente por aquela liberdade, seno , em principio, poder ilimitado, que simplesmente obrigou-se mesmo por concesso daquela liberadade que, porm, nem est obrigado concesso de determinadas liberdades, nem pode ser juridicamente impedido de eliminar novamente essa autovinculao, a no ser que o Estado deva perder seu carter como sujeito de vontade onipotente e, com isso, como Estado, ser abolido. At onde o potencialmente ilimitado status subjetctionis se estende, ele exclui autodeterminao e, por