a construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES FELIPE DE SOUZA COSTA A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS EM MANCHETES DO JORNAL POPULAR MEIA HORA DE NOTÍCIAS Mogi das Cruzes, SP 2011

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Page 1: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES

FELIPE DE SOUZA COSTA

A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

EM MANCHETES DO JORNAL POPULAR MEIA HORA DE NOTÍCIAS

Mogi das Cruzes, SP 2011

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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES

FELIPE DE SOUZA COSTA

A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

EM MANCHETES DO JORNAL POPULAR MEIA HORA DE NOTÍCIAS

Monografia apresentada ao curso de especialização de Estudos da Linguagem, Programa de Pós-Graduação Lato Sensu, da Universidade de Mogi das Cruzes, como parte dos requisitos para obtenção do título de especialista.

Prof Orientador: Dr. Franciscus Willem Antonius Maria van de Wiel

Mogi das Cruzes, SP 2011

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FELIPE DE SOUZA COSTA

A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

EM MANCHETES DO JORNAL POPULAR MEIA HORA DE NOTÍCIAS

Monografia apresentada ao curso de especialização de Estudos da Linguagem, Programa de Pós-Graduação Lato Sensu, da Universidade de Mogi das Cruzes, como parte dos requisitos para obtenção do título de especialista.

Aprovado em ______ / ______ / ______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________

___________________________________________________________

___________________________________________________________

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A todos os alunos bolsistas do Programa Universidade Para Todos

(PROUNI) do Governo Federal, que, como eu, conseguiram provar que nas

escolas públicas ainda há alunos que querem e precisam de uma oportunidade

como essa para poder ingressar no mundo acadêmico...

Aos meus pais, com quem aprendi a ser...

À minha avó, Avelita, sinônimo de saudade.

Page 5: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

A Deus, autor e consumador da minha fé em Jesus Cristo. Sem Ele jamais teria chegado até aqui

Aos meus pais, com quem aprendi a driblar todos interpeles da vida. Obrigado pela dedicação e confiança em mim

Aos meus irmãos, Edson e Eduardo, que mesmo silenciosamente sempre me

apoiaram em tudo que desejei realizar À minha esposa, Wirlaine, com quem descobri a importância de se conjugar o verbo

amar na primeira pessoa do plural e no tempo presente do indicativo Ao professor Frank, pela competência com que conduziu todas as disciplinas

ministradas durante o curso e, principalmente, pelo carinho e paciência na orientação deste trabalho

À professora Dra. Vera Lúcia Meira Magalhães, pela brilhante atuação na

coordenação dos cursos de Letras e Estudos da Linguagem e, também, pelas leituras cuidadosas e dicas sempre bem-vindas

Aos professores da Graduação, por me ensinarem a balbuciar as primeiras palavras

no mundo das letras À Universidade de Mogi das Cruzes, pelo compromisso com a formação de

professores Aos meus queridos professores da Escola Estadual Jardim São Fernando, hoje

colegas de profissão, pelo incentivo ímpar À minha amiga Maria Cláudia, companheira das letras e da linguagem. Impossível

pensar em UMC sem me lembrar de como aprendemos juntos e, acima de tudo, do quanto fomos felizes nessa caminhada acadêmica

Às minhas “amiguirmãs” da Terceira Igreja Batista em Ferraz de Vasconcelos,

Regiane e Rozilda, pela torcida e estímulo

AGRADECIDO

Page 6: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

“Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é

maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua

tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé

contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de

sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio

para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas

a primeira capa de superficialismo”.

Clarice Lispector

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RESUMO

Esta monografia tem como objetivo analisar de que maneira são construídos

sentidos nas manchetes do jornal popular Meia Hora de Notícias. A partir dos

enunciados relativamente estáveis, conhecidos como manchetes, concentramos

nosso olhar nesta unidade textual, presente em qualquer periódico, como sendo um

gênero do discurso de suma importância para análise que desenvolvemos neste

trabalho. Nesse sentido, consideramos necessário inscrever nosso estudo na

perspectiva da análise do discurso de linha francesa, a fim de que possamos

verificar de que forma língua, ideologia, história e sociedade se associam para

assegurar a legitimação do discurso produzido, haja vista que a noção de

neutralidade no jornalismo é obsoleta e ilusória. Para tanto, selecionamos

aleatoriamente exemplares do referido jornal durante o mês de setembro de 2010.

Em seguida, consideramos, primeiramente, partir da macroestrutura do texto para,

em seguida, investir na compreensão de como se dão os sentidos nos enunciados.

De modo que, ao final deste estudo, conseguimos entender que os sentidos

construídos partem de um contexto de exclusão social e cultural, principalmente

daqueles que são encarados como sujeitos instaurados no processo de interlocução.

Além disso, percebemos que a linguagem materializa o que a sociedade, muitas

vezes, procura esconder, de modo que sua indissociabilidade com a história e a

ideologia é constada em cada enunciado analisado.

Palavras-chave: Análise do Discurso; jornalismo popular; manchetes;

Meia Hora de Notícias; discurso jornalístico

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ABSTRACT

This study aims at analyzing how meanings are constructed in the Meia Hora de

Notícias, popular newspaper headlines. In the statements from the relatively stable,

known as headlines, we focus our gaze on this textual unit, present in any journal, as

a genre of discourse analysis, critical to have been developed in this work. In this

sense, we need to sign our study from the perspective of discourse analysis of the

French line, so that we may verify how language, ideology, history and society come

together to ensure the legitimacy of the discourse produced, given that the notion of

neutrality in journalism is obsolete and misleading. To this end, we have randomly

selected copies of the newspaper during the month of September 2010. Then we

have considered, first, from the macrostructure of the text and, from there, invest in

understanding how to give directions into the statements. So, at the end of this study,

we assume that the meanings are constructed from a context of social and cultural

exclusion, especially those that are viewed as subject which initiated the process of

dialogue. Also, we have realized that the language embodies what society often tries

to hide, so its inseparability from history and ideology which appear on each

utterance is analyzed.

Keywords: Discourse analysis, popular journalism,

Headlines in Meia Hora de Notícas; journalistic discourse

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................... 1

CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS .............................................................. 7

1. Entre o Sensacionalismo e o Popular ............................................................ 7

1.1. Da Manchete ............................................................................................... 9

1.2. Da Análise do Discurso ............................................................................. 10

CAPÍTULO II – A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NAS MANCHETES DO JORNAL

POPULAR MEIA HORA DE NOTÍCIAS ................................................. 13

2. O Projeto gráfico na construção de sentidos ................................................ 13

2.1. Aspectos linguístico-discursivos na construção de sentidos ...................... 18

2.1.1. Os tópicos das/nas manchetes ..................................................... 18

2.1.2. Subjetividade: A anulação de uma objetividade ............................ 22

2.1.3. A Língua: Da seleção lexical e estruturação sintática nas

manchetes ................................................................................... 26

2.2. Da Violência: O princípio de uma discussão ............................................... 32

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 38

ANEXOS ......................................................................................................................... 40

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 Mapa da Zona Ótica das PPs ..........15

Quadro 2 PP do Jornal Meia Hora de Notícias do

dia 25/09/2010 e o Mapa da Zona Ótica ............16

Quadro 3 Palavras das manchetes na Zona Ótica

Primária ............................................................. 17

Quadro 4 Percentual dos assuntos coletados do

Jornal Meia Hora de Notícias, no período de 02/09

a 30/09/2010...................................................... 21

Quadro 5 Representação dos enunciadores:

Jornal x Leitor .................................................... 24

Quadro 6 Rede semântica das palavras coletadas

nas manchetes do Jornal Meia Hora................. 29

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Assuntos presentes nas manchetes do

Jornal Meia Hora de Notícias, período de 01/09 a

30/09/20101 ...................................................... 19

TABELA 2: Nível sintático nas manchetes do

Jornal Meia Hora de Notícias ............................ 27

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1

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O mundo contemporâneo é o resultado de diversas transformações pelas

quais o homem optou por passar ao longo da sua existência. Os sentidos produzidos

em um determinado momento passado da história da humanidade não são

facilmente transportados para o tempo presente. A língua e as formas de se

significar estão, também, abarcadas nessas mudanças.

A produção da linguagem escrita, em especial no que diz respeito à imprensa,

não está à margem dessa situação inerente ao ciclo da vida. Ao analisarmos, por

exemplo, um jornal impresso e produzido em séculos anteriores, entendemos que a

mutação não está apenas na língua e no que ela pode engendrar e, a esse respeito,

parece-nos que não deixar de falar em sociedade, ideologia, história e tecnologia

seria, a priori, a maneira mais adequada para enxergarmos com mais nitidez a

diversidade dos meios que o homem escolheu para se comunicar e se apropriar do

discurso como uma forma de poder constituir-se como sujeito integrante de um

grupo extremamente heterogêneo e que, cada vez mais, quer fazer da lucratividade

capitalista um porto seguro que possa garantir a existência.

Nesse sentido, este estudo apresenta como corpus de análise, dentre os

diversos meios de comunicação que poderiam ter sido escolhidos para este estudo,

um jornal impresso de nome Meia Hora de Notícias, cuja circulação se dá no âmbito

do estado de São Paulo, o qual se autodeclara popular. Sua venda e distribuição

são realizadas em bancas de jornal e revista, não possui assinaturas e é

encontrado, ordinariamente, em periferias da cidade de São Paulo. De segunda a

sábado sua comercialização é feita a partir de um preço fixado de R$ 0,50, sendo

que aos domingos há um acréscimo, esse valor é dobrado e o seu custo passa a ser

de R$ 1,00. No tocante à quantidade de páginas, O Meia Hora de Notícias,

doravante Meia Hora, possui, em média, trinta e duas folhas impressas. Sua

diagramação segue um padrão de trinta e dois centímetros de altura por vinte e oito

de largura.

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2

As editorias são inscritas por nomes sugestivos e que se coadunam ao

discurso que o jornal pretende legitimar. A primeira é intitulada “Trânsito”. Nela, o

leitor pode encontrar informações rápidas sobre o tempo e, é claro, situações gerais

do tráfego na cidade. A segunda, que é, na verdade, a maior de todas, é chamada

de “Geral”. Ela materializa em forma de notícias todas as chamadas existentes na

primeira página e algumas outras que não constam num índice sistemático que

geralmente existiria em um jornal de referência. A “Voz do Povo” está preocupada

em abrir espaços para os leitores participarem e, nela, podemos encontrar desde um

simples desabafo a um sítio reservado para anúncios de pessoas desaparecidas.

Em “De tudo um pouco” é possível localizar notícias rápidas a respeito de

fatos curiosos que aconteceram ao redor do mundo, mais precisamente nos Estados

Unidos da América. “Esportes” é uma seção que compete pari passu com a Geral,

no tocante ao número de páginas e, nesta editoria, obviamente, o substantivo

abrangente e no plural, “esportes”, traz informações, na verdade, de uma única

modalidade esportiva, o futebol . Ao final dela, brilha em praticamente uma página a

“De primeira”, na qual “A gata da hora” ganha contornos eróticos. “Saúde” oferece

dicas de vida saudável para um cidadão metropolitano. “Televisão” aborda e narra

fatos contundentes envolvendo atores e atrizes das TVs abertas e aproveita para

discutir, rapidamente, os capítulos das telenovelas. Em “Alto Astral” o leitor é

presenteado com palavras cruzadas, horóscopos e assuntos afins. Por fim, “Roteiro

Cinema” e “Babado” são impressas nas últimas folhas e tratam, respectivamente,

dos filmes em cartazes e de fofocas “picantes” das vidas dos famosos, acontecidas

em dias anteriores.

Há, entre estudiosos atuais, um debate que também procuramos abarcar no

presente trabalho. A discussão consiste em uma dicotomia classificatória, que

intenta dividir os jornais produzidos para a grande massa, como o Meia Hora, entre

sensacionalista ou popular. Os meios de comunicação sensacionalistas apoiam-se

em um pêndulo que transita unicamente entre transgressão e punição1, enquanto

1 ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo sobre o sensacionalismo na imprensa.

São Paulo: Summus, 1995.

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3

para os defensores de outra linha o termo mais apropriado, abrangente e menos

preconceituoso seria o popular 2.

Isso posto, parece-nos que o jornal pode oferecer um vasto e rico campo para

análises de ordem linguística. Entretanto, por se tratar de uma monografia, optamos

pela unicidade e delimitação do tema3, a fim de que pudéssemos, no deslizar teórico

deste trabalho, nos dedicar de maneira mais atenta a um assunto tangível. Nosso

recorte se dá, justamente, a partir das manchetes localizadas nas primeiras páginas

e, para tanto, selecionamos exemplares no período de dois a trinta de setembro de

2009.

De modo amplo, o nosso objetivo é, a partir do corpus selecionado, analisar

de que maneira o discurso é produzido nas manchetes e como e quais sentidos

podem ser arrolados a partir dos influxos históricos e sociais que ele, o discurso,

recebe no momento de sua produção. Pretende-se responder a algumas indagações

que nortearão todo o trabalho, a saber: Quais elementos discursivos auxiliam na

construção de sentido de neutralidade numa manchete em que se tem claramente

alguém declarado culpado ou qualificado? Por que jornais conhecidos por seu

popularismo se utilizam de matérias como as apresentadas aqui para a construção

de discursos que se apoiam essencialmente no sensacionalismo? Que imagem o

jornal constrói de si e das personagens envolvidas no noticiário? Que vontade de

verdade latente na sociedade se coaduna à explicitada no jornal?

As questões supracitadas apoiam-se em inquietações não apenas subjetivas,

mas refletem suscitações de ordem científica que, sustentadas em pressupostos

teóricos, procuram corroborar com o que se tem divulgado em estudos na área da

ciência da linguagem.

De modo restrito, tem-se por finalidade investigar qual o grau de recorrência

dos tópicos violência e subjetividade e o que, de fato, eles podem significar na

relação entre instância enunciadora, o jornal Meia Hora, e o leitor. Está claro que

não se pretende, neste trabalho, esgotar as possibilidades de significações que essa

2 AMARAL, Márcia Franz. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006.

3 SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23.ed. São Paulo: Cortez, 2007.

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4

injunção pode produzir, mas o que se intenta evidenciar aqui é a maneira como se

dá essa interação, reconhecendo a importância do veiculador e daquele que se

apropria do discurso veiculado para a construção e validação dos sentidos.

A pesquisa surge a partir de uma coleta pessoal e significativa de textos que

compõem o corpus do presente trabalho, os quais foram veiculados no jornal

mencionado anteriormente. A análise primária consiste em reconhecer que os textos

veiculados poderiam ser, a priori, uma fonte inesgotável de análises linguísticas,

especialmente no que diz respeito a construções de muitos sentidos existentes em

toda a materialidade dos documentos.

Como se trata, essencialmente, de uma investigação de documentos,

utilizamos a metodologia de pesquisa que busca na análise de conteúdo suas

raízes, mas, para dar conta dos objetivos propostos pela análise de conteúdo,

recorremos à análise do discurso de linha francesa para fundamentar nossos

olhares à materialidade linguística que analisamos:

A análise de conteúdo é uma metodologia de tratamento e análise de informações constantes de um documento, sob forma de discursos pronunciados em diferentes linguagens: orais, imagens, gestos. Um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Trata-se de se compreender criticamente o sentido manifesto ou oculto das comunicações (SEVERINO, 2007).

Ademais, com o objetivo de situar o nosso trabalho em uma perspectiva

discursiva, à qual nos filiamos, temos clarificado em nossas mentes que o estudo

apresentado parte do pressuposto de que a linguagem é construída socialmente e,

portanto, a entendemos como parte integrante do discurso e este último, por sua

vez, é compreendido aqui como efeito de sentidos entre locutores4. Nesse sentido,

para Orlandi (2009), “o analista do discurso não interpreta, ele trabalha (n)os limites

da interpretação”.

Durante a realização do trabalho, passamos por alguns percalços que

consideramos importantes mencionar, a começar, por exemplo, pela coleta dos

documentos que, pelo fato de ser adquirido exclusivamente em bancas, não

existindo assinaturas mensais, dificultou a aquisição integral dos exemplares

4 ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: Princípios e procedimentos. 8ª ed. Campinas: Pontes, 2009.

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5

diariamente. Além disso, em 4 março de 2011, o grupo “O Dia”, responsável pela

produção do jornal Meia Hora, anunciou que não manteria mais a edição de São

Paulo, sendo que a versão paulistana do periódico, essencialmente carioca, durou

apenas sete meses. De qualquer forma, no período em que coletamos material para

este trabalho o jornal estava em plena atividade e, por esse motivo, decidimos

manter as discussões abarcadas pela produção de linguagem veiculada no Meia

Hora à nossa monografia.

Ademais, consultamos uma bibliografia relativamente importante para a

análise apresentada e, nesse sentido, os fichamentos, oriundos das leituras,

constante nas referências bibliográficas, possuem uma contribuição relevante para a

compreensão dos fenômenos linguísticos analisados.

O nosso trajeto de estudo consiste, inicialmente, na análise primária dos

documentos selecionados, para, num segundo momento, confrontar o discurso

produzido às teorias de estudos da linguagem, à qual nos filiamos. De modo que,

por se tratar de uma monografia, optamos por dividir o trabalho em dois capítulos

essenciais.

No Capítulo I, busca-se apresentar as teorias que são utilizadas para

fundamentar nossas discussões e análise. Nela, pode-se encontrar a Análise do

Discurso de linha francesa, como sendo a metodologia de análise de conteúdo

escolhida como fio condutor que perpassa as teorias da linguagem mais genéricas

até chegar às do discurso jornalístico.

No Capítulo II, a análise, propriamente dita, ganha espaço neste trabalho, de

modo que se pretende evidenciar e analisar como se dá a construção de sentidos

nas manchetes do jornal Meia Hora. E, especificamente, nesse capítulo existem as

subdivisões Projeto Gráfico e Aspectos linguístico-discursivos na construção de

sentidos. Na primeira, procura-se fazer um percurso natural de leitura e análise de

gêneros textuais, entendemos que se faz necessário primeiro partir da

macroestrutura para, então se chegar à microestrutura, no nosso caso, materializada

pela divisão capitular que analisa a linguagem como fator fundamental na produção

de sentidos. E, finalmente, encontramos nas considerações finais um pouco das

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6

(in)conclusões a que se podem chegar quando lidamos com a linguagem em

funcionamento.

A imbricação das informações supracitadas com aquilo que se entende por

ciência da linguagem acontece de maneira satisfatória e nasce, a partir daí, algo que

conhecemos como importância social. A linguagem é, antes de tudo, um

acontecimento social, por ela obtemos acesso às mais diversas produções

simbólicas da humanidade. Uma análise como esta surge no sentido de contribuir

para um enriquecimento da ciência que se tem debruçado em estudar a linguagem

como um fenômeno social.

Sabemos, porém, que ela, a linguagem, pode ser estudada de diversas

maneiras: poderíamos concentrar nossa atenção sobre a língua enquanto sistema

de signos, como sistema de regras formais ou, ainda, como normas que

estabelecem padrões de bem dizer. E é justamente pensando que há diferentes

meios de se debruçar em um estudo linguageiro5, que propomos, nesta análise,

trabalhar o discurso, o qual, de certa forma, envolve estudos como os que foram

citados anteriormente, entretanto nossa concentração se dá em estudar a linguagem

funcionando na produção de sentidos (ORLANDI, 2009).

Por fim, esta pesquisa pode auxiliar no questionamento de verdades já

desveladas e que servem de armas para uma homogeneização do pensamento,

sem abrir espaço às demais vozes que possam surgir numa interação tão

abrangente como as que ocorreram recentemente nesses casos de homicídios

exaustivamente divulgados pelo jornal em que se encontram os corpora desta

exploração. Por último, enfoca-se como importância acadêmica a inquisição dos

recursos linguísticos que se somam na construção suave de um discurso

extremamente duro, a fim de que se possa apontar, aos futuros leitores, meios para

a desconstrução de um pensamento excludente e estereotipado.

5 Neste trabalho, o termo ganha o mesmo sentido adquirido nos grupos de pesquisas que envolvem,

prioritariamente, relações entre trabalho e linguagem.

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7

CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

1. ENTRE O SENSACIONALISMO E O POPULAR

Quando pensamos os meios de comunicação direcionados às classes

populares uma palavra que, geralmente, nos vem à mente é o adjetivo

sensacionalista. O fato é que o termo está associado, na maioria das vezes, a um

significado pejorativo e, muitas vezes, preconceituoso, haja vista que os assuntos

tratados e o público a quem se destinam periódicos como o Meia Hora, por exemplo,

rompem com um paradigma tradicional e, de certa forma, evidenciam à sociedade o

que acontece com um grupo periférico, marginal. No dicionário, obtém-se os

seguintes significados para o adjetivo:

Sensacionalista: adj m+f sensacional+ista) 1. Em que há sensa-cionalismo ou escândalo; espetacular: Notícia sensacionalista. 2. Relativo à doutrina do sensacionalismo. s m+f 1. Pessoa que visa a causar sensação em literatura, oratória etc. 2. Pessoa que crê no sensacionalismo filosófico. Disponível em: http://www.aureliopositivo.com.br/ - Acesso em 12/05/2011.

A ideia primária é que se tem um espetáculo, um drama materializado em

forma de notícias. Razão pela qual, talvez, muitos puristas tentem se afastar dessa

maneira de informar, uma vez que no drama ou no espetáculo, as emoções são

postas em cena e, inevitavelmente, o teor subjetivo e catártico passam a ser motes

para a redação de qualquer notícia.

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8

O pêndulo ideológico pelo qual passa a definição do termo parece colocar em

voga uma discussão importante para a linguagem. A seleção lexical não está à

margem da ideologia. E, portanto, quando optamos pela utilização do termo popular

estamos preocupados em tentar não rotular de maneira taxativa jornais destinados

às classes menos favorecidas, uma vez que:

Sensacionalista é a primeira palavra que a maior parte das pessoas utiliza para condenar uma publicação. Seja qual for a restrição, o termo é o mesmo para quase todas as situações (ANGRIMANI, 1995, p. 13).

Segundo Amaral (2006), a noção de sensacionalismo é ultrapassada. Se

buscarmos, também, no dicionário possíveis significados para o adjetivo popular,

podemos encontrar algumas construções de sentidos que nos auxiliam a refutar o

outro termo:

Popular: adj m+f (lat populare) 1. Pertencente ou relativo ao povo; próprio do povo. 2. Comum, usual entre o povo: Linguagem popular. 3 Adaptado à compreensão ou ao gosto do povo. 4. Promovido pelo povo; que provém do povo:Manifesto popular. 5. Originado entre o povo ou por ele composto ou transmitido: Música popular; dança popular. 6 Que

representa ou pretende representar a vontade do povo: Partido popular; governo popular. 7. Que é do agrado do povo; que tem as simpatias, o afeto do povo. 8. Notório, vulgar. 9 Democrático. SM Homem do povo. sm PL Homens do povo; partidários do povo; democratas.sf PL Nos estádios desportivos, as acomodações de menor preço: Os espectadores do lado das populares. Disponível em < http://www.aureliopositivo.com.br/> - Acesso em 12/05/2011.

Ser popular é, de certo modo, representar o povo. E nesse sentido,

conseguimos entender o substantivo povo como sendo a grande massa, aquela

parte que é maioria. Não há como negar que as pessoas, na atual conjuntura do

Brasil, habituadas a lerem jornais considerados mais canônicos não é maioria

absoluta da população. E, talvez, por isso um jornal que fale a linguagem do povo

merece receber um termo mais abrangente e adequado. Podemos observar que há

nos meios jornalísticos uma resistência ímpar para se considerar os periódicos que

trazem no cerne de suas publicações, para além de outros tópicos, a violência, como

sendo também um meio de informação popular, mas ainda assim:

Prefiro adotar a expressão “jornalismo popular”, menos preconceituosa, para compreender a lógica desses jornais, embora a expressão, muitas vezes, refira-se genuinamente àquele jornalismo praticado em veículos alternativos por comunidades, movimentos sociais ou sindicatos (AMARAL, 2006, p. 16).

Não é tarefa das mais fáceis definir que o léxico, quando o conflito ideológico

entra em jogo e, por isso, toda e qualquer definição talvez sejam apenas

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9

representações de discurso e de posicionamento. Neste trabalho optamos por

aquele que consideramos mais apropriado para um trabalho que vê na linguagem

uma potente arma de lutas sociais.

1.1. DA MANCHETE

Ao pensarmos na delimitação do tema que seria estudado neste trabalho,

nossa preocupação sempre esteve em torno de uma unidade textual. As manchetes

do Meia Hora, e de qualquer outro jornal, chamam a atenção pela sua posição de

destaque e por serem um convite apelativo ao leitor. Alguns traços característicos da

manchete nos chamam a atenção, principalmente a sua forma que, independente de

ser um jornal popular ou canônico, é repetida na maioria das publicações. Sendo

assim, cabe a nós, primeiramente, entendê-la como um gênero do discurso e, a

partir de então, explorarmos seu conteúdo temático, estilo e construção

composicional, dessa forma consideramos que:

(...) cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003, p. 262).

Nosso objetivo, nesta parte do trabalho, é concentrar nossa atenção na forma,

já que o conteúdo e o estilo são estudados no capítulo seguinte e, para tanto,

recorremos à definição do que exatamente é manchete:

título principal, composto em letras garrafais e publicado com grande destaque, geralmente no alto da primeira página de um jornal ou revista. Indica o fato jornalístico de maior importância entre as notícias contidas na edição. Do francês manchette (BARBOSA; RABAÇA, 1995, p. 379).

Um dos fatores observáveis é a que a manchete não deixa de ser um título,

porém de maior destaque e que ocupa um sítio de prestígio, a primeira página. Essa

função de evidência confere a esse gênero textual certa proeminência e o coloca

numa posição que é vital para o jornal: a venda de exemplares:

O título expressa a macroestrutura, pois, lido em primeiro plano, orienta a compreensão para a estrutura de relevância na apresentação de notícias. Funcionando como “chave para a decodificação da mensagem”,

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se convenientemente proposto, do ponto de vista do consumidor, é mais importante que o lead, porque “sem título atraente, o leitor não chega sequer ao lead” (BURNETT, 1991, p. 43, apud COMASSETTO, 2003, p. 59).

É importante considerar que o Meia Hora não possui assinaturas e sua única

forma de comercialização é feita nas bancas com exposições de suas primeiras

páginas e é justamente por isso que, especificamente nos jornais populares, as

manchetes têm uma função imprescindível. Precisa ser concisa, concentrar a

atenção do leitor e, ao mesmo tempo, convidá-lo a ir à página da notícia para

concluir sua leitura. E, talvez por isso, sua imprecisão seja construída de maneira

proposital, de modo que consegue cumprir seu papel social e, de certa forma, atinge

os objetivos a que se propõe. Portanto, sua forma não constitui apenas uma cópia

fiel de qualquer manual de jornalismo, mas um discurso que entra em cena numa

arena dissonante de vozes com a finalidade única de se destacar das demais.

1.2. DA ANÁLISE DO DISCURSO

Neste trabalho, optamos pela análise de conteúdo como sendo uma

metodologia de pesquisa mais apropriada para lidar com a linguagem, enquanto

objeto de estudo. E, por assim dizer, a análise do discurso ganha sua dimensão

própria e passa a ser constituinte em todo o trabalho. Dessa forma, nossa filiação à

linha francesa se dá em virtude das leituras realizadas dos autores franceses que

tratam o assunto, segundo a nossa perspectiva, de maneira mais adequada à análise

apresentada. Dessa forma, a escola francesa está ligada:

(...) a uma certa tradição intelectual europeia (e sobretudo da França) acostumada a unir reflexão sobre texto e sobre história. Nos anos 1960, sob a égide do estruturalismo, a conjuntura intelectual francesa propiciou, em torno de uma reflexão sobre a “escritura”, uma articulação entre a linguística, o marxismo e a psicanálise. A Análise do Discurso nasceu tendo como base a interdisciplinaridade, pois ela era preocupação não só de linguistas como de historiadores e de alguns psicólogos (MAINGUENEAU, 1987, apud BRANDÃO, 1996, p. 17).

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11

Antes, porém, é importante que se defina o que, neste estudo, é considerado

discurso. Segundo Orlandi (2009), discurso é efeito de sentidos entre locutores. A

nossa análise, portanto, busca compreender como os sentidos são construídos

socialmente nas manchetes do Meia Hora:

Tendo como fundamental a questão do sentido, a Análise do Discurso se constitui no espaço em que a Linguística tem a ver com a Filosofia e com as Ciências Sociais. Em outras palavras, na perspectiva discursiva, a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história (p. 25).

É impossível conceber a Análise do Discurso, sem inserir nela o fator

histórico, social e ideológico. A tríade representa, para qualquer analista, uma fonte

inesgotável de observação. Dessa forma, procuramos, no Capítulo II, situar essas

três questões de maneira mais abrangente, de modo que nosso olhar sempre está

voltado em como as manchetes produzem sentidos e não necessariamente o quê.

Quando estamos preocupados em como se produzem os sentidos, o fator histórico

passa a ser para a ciência da linguagem um requisito importante para se

compreender o que está por trás daquele discurso, quem o produz e com que

objetivos. Por isso, procuramos sempre contextualizar os enunciados, materializados

nas manchetes selecionadas, com o momento de sua produção.

(...) assim, a “língua” como sistema se encontra contraditoriamente ligada, ao mesmo tempo, à “história” e aos “sujeitos falantes” e essa condição molda atualmente as pesquisas linguísticas sob diferentes formas, que constituem precisamente o objeto do que se chama a “semântica” (PÊCHEUX, 2009, p. 20).

Os sujeitos instaurados pela produção dos enunciados, relativamente

estáveis, os conhecidos gêneros discursivos, também se tornam objetos de estudo,

uma vez que existe no meio jornalístico uma ilusão da objetividade. Quando vemos

a língua em funcionamento na perspectiva do discurso, deixamos de considerá-la

como apenas uma representação sistêmica e passamos a considerar elementos

cotextuais que estão, justamente, à margem do texto e servem sumariamente para a

compreensão de funcionamentos dos sentidos.

Por fim, A Análise do Discurso, proposta no âmbito deste trabalho, está

preocupada em articular as áreas do conhecimento que auxiliam no entendimento e

funcionamento de como os sentidos são operados entre os locutores inscritos nas

manchetes do Meia Hora às ciências da linguagem e, dessa forma, contribuir para

Page 23: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

12

introduzir um olhar mais atento às diversas produções populares voltadas para a

comunicação e informação às pessoas das classes D e E da nossa sociedade.

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13

CAPÍTULO II

A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS EM MANCHETES DO JORNAL MEIA HORA DE NOTÍCIAS 2. O PROJETO GRÁFICO NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

O corpus do nosso trabalho ocupa, no que diz respeito ao suporte em que se

encontram os enunciados, um lugar de destaque e prestígio. As manchetes

analisadas, dentro de uma cadeia textual canônica do jornalismo, estão inscritas nas

primeiras páginas, doravante PP, do Meia Hora. As PPs são o que podemos

considerar como porta de entrada dos leitores6, haja vista que é por meio delas que

o leitor, inevitavelmente, é convidado a adquirir o exemplar.

No caso específico do jornal estudado, a afirmação supracitada é

intensificada na medida em que considerarmos as situações postas em que se dão

as vendas e distribuições do Meia Hora. Como já foi dito, esse periódico não fornece

outro meio de aquisição das publicações sem que seja pela compra direta nas

bancas. Isto posto, parece-nos que analisar os sítios reservados às manchetes é um

caminho que nos ajuda a entender como os sentidos são produzidos nessa

conflituosa relação dialética instaurada por meio de um layout pré-programado. Para

tanto, evocamos, neste estudo, a necessidade de apreender o projeto gráfico e, é

claro, as pesquisas atuais deste campo de atuação, como aliado fundamental à linha

de pesquisa à qual nos filiamos.

Nesse sentido, podemos concentrar, inicialmente, nossa atenção a um

recurso que é utilizado constantemente na construção de layouts como os de uma

PP. Tal recurso está preocupado em investigar de que maneira o leitor olha, mesmo

que de maneira rápida, para as informações dispostas graficamente nela.

6 FERREIRA JÚNIOR, J. Capas de Jornal: a primeira imagem e o espaço gráfico visual. São Paulo:

Editora SENAC, 2003.

Page 25: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

14

Segundo Collaro (1996), o leitor tende a passar seu olhar por uma espécie de

roteiro que o conduz, de modo espontâneo, do dado mais importante àquele de

menor prestígio. Ele classifica esses lugares em um Mapa da Zona Ótica, no qual

essas zonas são hierarquizadas em primária (1), terminal (2) e duas mortas (3 e 4).

Dessa forma, o olhar do leitor seguiria o seguinte percurso:

Figura 1: Mapa da Zona Ótica das PPs7

Em geral, o início da leitura se dá pela zona primária e é, justamente, nesse

ponto que encontramos as informações importantes que a instância enunciadora

quer destacar e, ao mesmo, interpelar o interlocutor em sujeito. A zona morta 3,

embora esteja em um lugar de destaque é considerada dessa forma porque, em

concorrência com a de número 1, cai de posição significativamente. Em

contrapartida, a zona terminal encontra presença marcante porque ela é o último

lugar em que corre o olhar do leitor e, é claro, marca de maneira mais intermitente

em sua mente aquilo que o jornal quer legitimar. A zona morta 4, entretanto, não é

um espaço contemplado, uma vez que, como vimos na figura acima, ela seria, em

última instância, um local em que se destacaria nesse roteiro.

7 COLLARO, Antonio Celso. Projeto Gráfico: teoria e prática da diagramação. São Paulo: Summus,

1996. p. 135

1 3

4 2

Page 26: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

15

Com o objetivo de validarmos essas incursões de ordem teórica,

selecionamos uma PP em nosso arquivo:

Figura 2: PP do Jornal Meia Hora de Notícias do dia 25/09/2010 e o Mapa da Zona Ótica

A partir da observação, podemos perceber de que maneira a teoria das Zonas

Óticas podem ser aplicadas ao nosso trabalho e colaborar sumariamente para

tentarmos compreender como todo esse jogo gráfico significa e legitima seu

discurso. Na zona 1 nos deparamos com o nome do jornal, parte das informações

importantes do cabeçalho e a manchete que, ordinariamente, é encontrada nesse

espaço. Nesta zona, a identidade8 do jornal representada pelo nome altamente em

8 Em análise do discurso, para poder utilizar a noção de identidade, convém acrescentar-lhe duas

outras noções que circulam igualmente nos domínios filosóficos e psicológicos, as de sujeito e

alteridade. In CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do

Discurso. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 266

1 3

4 2

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16

destaque parece reafirmar sua necessidade de posicionamento9 perante o seu

interlocutor. Historicamente, a instituição é, relativamente, nova e precisa se

autoafirmar como forma de marcar e inscrever seu discurso no tempo e no espaço e,

talvez, seja essa a explicação mais adequada para o seu nome estar em um

quadrante em evidência.

Grande parte da concentração do sintagma que compõe a manchete possui

um valor semântico que se coaduna às condições de produção que a PP

apresentada pretende se referenciar. No primeiro quadrante os efeitos de sentidos

produzidos pelas palavras pertencentes a ele corroboram para a constatação de que

essa é, realmente, uma zona de conteúdos previamente selecionados com um fim.

Essas palavras ganham mais expressividade e, relativamente, chamam mais

atenção do que as que estão inscritas na zona morta 3:

Figura 3: Palavras das manchetes na Zona Ótica Primária

A zona terminal encerra com uma chamada. Na verdade, as PPs do Meia

Hora são, geralmente, compostas por muitas chamadas. Ao que nos parece são

elas que, juntamente, com a manchete insistem em convidar o leitor a ser

interpelado pela ideologia veiculada no jornal e mantém, de certa forma, os

propósitos da instância enunciadora. Além disso, o vocábulo FOGO é parte

integrante e significa muito nesse espaço, uma vez que mantém relação análoga à

foto exposta na zona morta 4, a qual se resume, basicamente, na imagem que

apresenta um cenário contundente. Na zona morta 3, pode-se visualizar o preço,

informação que se pretende atenuar ou até mesmo esconder e, por mais que seja

considerado de pequeno valor, não é algo que se quer evidenciar.

Adjacente às questões que envolvem o Mapa das Zonas Óticas, temos,

também, o design como sendo um forte elemento na construção dos sentidos que

são operacionalizados nas PPs do Meia Hora. De certa forma, a linguagem não

9 Caracteriza a posição que o sujeito ocupa em um campo discursivo em relação aos sistemas de

valor que aí circulam. In CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise

do Discurso. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 267

Ladrões mais fura[...] tampa d[...]

Page 28: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

17

verbal ganha relevo em relação aos enunciados escritos. As cores selecionadas

para compor o espaço discursivo em que se encontram as manchetes são

sugestivas e auxiliam na discussão proposta neste trabalho.

Ao analisarmos essa relação causal, buscamos na Psicologia das Cores10

algo que possa nos ajudar a explicar, por exemplo, o uso predominante do vermelho

nas PPs estudadas. Segundo Guimarães (2000), dentre as sensações visuais e os

possíveis significados que a cor vermelha pode produzir, está a violência como pilar

de uma construção biofísica, linguística e social. O vermelho, por ser uma cor

quente, colabora na construção de contextos que situam o lugar histórico e

ideológico do enunciador, no caso do Meia Hora, a ideia da violência subjaz um

acordo que viabiliza o discurso dos enunciadores e coenunciadores instaurados no

momento de produção e, nesse sentido, o vermelho:

"É uma agressividade de caráter hipolingual, ou seja, dos códigos primários, biofísicos, que, somada à identificação da cor com o elemento mitológico fogo, como cor da proibição, do não poder tocar (porque queima), e com a cor do sangue, da violência, faz com que o vermelho também seja construído por sistemas de códigos hiperlinguais, ou seja, de códigos terciários, os códigos da cultura” (GUIMARÃES, 2000, p. 114).

As manchetes, que constituem o nosso corpus, são, em sua grande maioria,

inscritas nas PPs com um fundo preto e as letras em amarelo. Essa combinação de

cores quentes produz uma sensação cromática com uma profusão imensa de

sentidos. O amarelo sugere, dentre outros significados, o calor da luz solar,

iluminação, alerta e euforia. O preto, por sua vez, pode significar expressividade e

angústia ao mesmo tempo. A combinação das duas cores e da forma gráfica com

que a manchete é disposta na PP lembra um outdoor extremamente convidativo e

que, além de interpelar o sujeito em sua ideologia, quer, acima de qualquer outro

objetivo, vender seu produto, materializado no jornal.

Por fim, os estudos gráficos fornecem instrumentos que reforçam a

concepção de que a produção de linguagem só se constitui como discurso porque,

justamente, a subjetividade está presente em sua construção, uma vez que todos os

elementos dispostos são previamente pensados e articulados com um fim definido.

10

Nesse sentido, Psicologia das Cores postula que se propõe observar as relações comportamentais

que se dá entre cor e sensação produzida nos seres humanos.

Page 29: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

18

E, além disso, engendram sentidos como os que foram explicitados, além daqueles

que não se pretende esgotar nesta análise.

2.1. ASPECTOS LINGUÍSTICO-DISCURSIVOS NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

Antes de prosseguirmos nosso estudo, faz-se necessário, ainda, que

examinamos, mais de perto, alguns aspectos que consideramos fundamentais para

dar continuidade à nossa análise.

2.1.1. OS TÓPICOS DAS / NAS MANCHETES

Após analisarmos de maneira aleatória os exemplares do mês de setembro

do Jornal Meia Hora de Notícias, utilizados como corpus deste trabalho, decidimos

que o recorte mais apropriado é a utilização das manchetes como parte relevante de

uma cadeia de sentidos substancial para o deslizar teórico deste estudo. Para tanto,

destacamos, das primeiras páginas apenas, as manchetes, as quais são agrupadas

de acordo com suas respectivas datas de publicação e assuntos. Dessa forma,

conseguimos obter a seguinte informação:

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19

Data Manchete Assunto

02/09/2010 Busão desgovernado faz boliche humano no centro da cidade

Violência

03/09/2010 Gangue da BMW apavora prédio de bacanas na Oscar Freire

Violência

04/09/2010

05/09/2010 São mais de 31 mil vagas de emprego Utilidade Pública

07/09/2010 Coroa enforca a namorada de 22 aninhos em canavial Violência

08/09/2010 Bandido pinguço bate feio no caminhão de lixo Violência

09/09/2010 Matou a sogra e mostrou o pau Violência

10/09/2010

11/09/2010 Pai monstro violou filhas de 8, 13 e 17 anos Violência

24/09/2010 Estuprador é decepado depois de violentar missionária Violência

25/09/2010 Ladrões deixam PM mais furado do que tampa de saleiro

Violência

26/09/2010 Tem mais de 40 mil vagas no Estado! Utilidade Pública

27/09/2010 Tiririca vai voltar para a escolinha Política

28/09/2010

29/09/2010 Uma noite sangrenta Violência

30/09/2010 Traveco leva balaço na cabeça em motel na Barra Funda

Violência

Tabela 1: Assuntos presentes nas manchetes do Jornal Meia Hora de Notícias, período de 01/09 a 30/09/2010.

A partir dos dados apresentados, é possível estabelecer uma relação entre a

materialidade linguística analisada e o tópico em que ela está, a priori, enviesada.

Em ordem cronológica dos fatos, podemos elucidar alguns outros acontecimentos

importantes que circundam o momento de produção desses enunciados. No mês de

setembro de dois mil e dez, já vivenciávamos uma situação de pré-eleição, na qual o

povo brasileiro decidiria, dentre vários candidatos, quem assumiria o posto de

Presidente da República. Enquanto, na mesma época, outros meios de

comunicação, como por exemplo, os jornais impressos, estavam preocupados em

Page 31: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

20

veicular informações que envolviam as campanhas políticas que agitavam as

notícias, o Meia Hora estava no contrafluxo desse propósito.

A única manchete em que se destaca certo envolvimento com o tema político

apresenta um fato, relativamente, cômico e trata a respeito da possibilidade de um

candidato popular e humorista, conhecido como Tiririca, não poder se candidatar

devido à sua possível fraude nos testes de leitura e escrita, constantes na pré-

candidatura e isso, inevitavelmente, também constitui uma violência contra todos

nós.

O que, de certa forma, revela um deslocamento de preocupações ideológicas

em que a instância enunciadora, no nosso caso o Meia Hora, está submersa e, ao

mesmo tempo, coloca em voga uma discussão salutar que envolve o outro, o

interlocutor dessa notícia. O fato de o candidato ser popular, talvez, tenha

aproximado a veiculação do acontecimento ao jornal, que se diz essencialmente,

também, popular:

Entre as explicações plausíveis para o sucesso de jornais e programas populares incluem-se o desencanto com a política, a inoperância do poder público e a noção de que as notícias estão fora do alcance das pessoas do povo (AMARAL, 2006, p. 59).

As duas únicas manchetes que se preocupam em prestar um serviço à

população destacam o emprego como mote para a maioria das chamadas que

constituem a primeira página. Vale ressaltar, nesse sentido, que essas edições

foram publicadas em um domingo e que, quantitativamente, o número de páginas é

menor, mas o preço a ser pago pelo mesmo jornal que é veiculado de segunda à

sábado é 50% mais caro. Essas duas constatações nos ajudam a compreender por

que o enfoque do Meia Hora, em suas manchetes, é diferente dos jornais

considerados de referência. No que diz respeito à violência, observamos uma

recorrência casual entre os exemplares coletados:

Page 32: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

21

Figura 4: Percentual dos assuntos coletados do Jornal Meia Hora de Notícias, no período de

02/09 a 30/09/2010.

O gráfico nos ajuda a refutar a possibilidade de recorrermos a um preconceito

esteriotípico, que geralmente enquadra e confunde o jornal popular como sendo

essencialmente sensacionalista ou, ainda, como produto de uma reprodução

desenfreada de modelos antigos que hoje não subsistem mais.

Os resultados deste período ocasional mostram que, em concorrência com os

demais assuntos, a violência está numericamente em destaque, entretanto, vale

ressaltar que por trás desse número elevado de notícias que envolvem o tópico,

existe, para além de outras acepções, uma constatação que devemos considerar:

Os setores populares, muitas vezes, preferem determinado tipo de jornal não simplesmente porque são manipulados ou destituídos de bom gosto, mas porque sua história de exclusão social, econômica e cultural criou determinados gostos e estilos de vida (AMARAL, 2006, p. 57).

A expressividade desse tema corrobora para a comprovação de que ele,

talvez, seja um assunto que aproxima os três elos que são determinantemente

importantes para a construção de sentidos nessa cadeia discursiva: a instância

enunciadora (Jornal Meia Hora), a materialidade linguística (a manchete

propriamente dita) e o interlocutor.

Nesse sentido, podemos fazer uma analogia com a teoria da Análise do

Discurso, que evidencia no bojo de sua concepção a Formação Discursiva como

sendo um processo determinante para definirmos locais e sujeitos que dialogam

num texto.

Page 33: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

22

Partindo do pressuposto de que o Meia Hora é um jornal autodeclarativo

popular, não poderíamos, a priori, aceitar que um meio de comunicação para o povo,

das classes C e D, pudesse estar preocupado com discussões de fundo político ou

qualquer outro, já que há uma construção social fortemente embasada pela

ideologia das classes de que essas pessoas convivam e se desenvolvam em

lugares periféricos e marginalizados e que, portanto, só podem estar preocupadas

com a violência, companheira que mora ao lado daqueles que se encontram nessa

condição. Além disso, o jornal, no que diz respeito à sua função social, é um

formador de opinião e contribui sumariamente para o estabelecimento de

posicionamentos e verdades que ele próprio, enquanto instância enunciadora,

pretende legitimar.

Portanto, o que pode e deve ser dito nesse diálogo conflituoso está

determinado pelas condições sociais e históricas em que cada objeto se instaura,

pois “apenas do ponto de vista das classes, isto é, da luta de classes, pode-se dar

conta das ideologias existentes numa formação social” (ALTHUSSER, 1985, p. 107).

2.1.2. SUBJETIVIDADE: A ANULAÇÃO DE UMA OBJETIVIDADE

Antes de iniciarmos a discussão proposta neste tópico, faz-se necessária a

elucidação de alguns fatos que antecedem este estudo e que coloca em voga a

questão do leitor como coenunciador ativo na produção de sentidos dessas

manchetes.

Enquanto coletávamos o material para esta análise, tivemos a oportunidade

de obter algumas informações do fornecedor intermediário do jornal. Segundo ele, o

público é heterogêneo quanto à idade, mas extremamente homogêneo no gênero. O

público comprador fiel na banca é, em grande parte, o masculino.

Partindo dessa informação, gostaríamos de fazer algumas incursões de

ordem teórica a respeito desse outro, que, num contínuo sem fim, corrobora para a

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23

disseminação e criação de novos efeitos de sentidos ao participar ativamente da

leitura das manchetes veiculadas no Meia Hora.

As informações, portanto, só fazem sentido porque estão imersas num

contexto que possibilita o discurso produzido pela instância enunciadora, ser

disseminado por meio do espaço e do tempo. O outro é coautor e propagador dos

sentidos que ele mesmo evidencia a partir daquilo com que, a priori, ele entra em

contato, pois as pessoas não lêem jornais apenas para se informar, mas também

pelo senso de pertencimento, pela necessidade de se sentirem partícipes da história cotidiana e poderem falar das mesmas coisas que “todo mundo fala” (AMARAL, 2006, p. 59).

A instauração e perpetuação do discurso produzido pela instância

enunciadora não se dá por acaso e nem tão pouco de modo objetivo. É preciso

considerar que para atingir seu público alvo, neste caso o leitor do Meia Hora,

estudos mercadológicos, linguísticos, históricos e sociais antecedem a edição do

jornal (BRANDÃO, 1996). E para que a legitimação do discurso produzido seja

validada, os participantes dessa ação são colocados em cena previamente:

Figura 5: Representação dos enunciadores: Jornal x Leitor

Jornal Meia Hora

(Enunciador)

Contexto sócio-histórico

Coenunciador Pretendido

Adequação da Linguagem

Discurso

Coenunciador

Produção de Sentidos

Identificação

Interdiscurso

Page 35: A construção de sentidos em manchetes do meia hora felipe costa_versão finalíssima

24

A ilustração nos mostra que, para além das diversas críticas que existam a

respeito dos jornais populares na atualidade, o Meia Hora só permanece na

sociedade porque há um leitor, ou grupos dele, cujas ideias se coadunam àquela

veiculada nas manchetes do referido jornal. E é justamente esse outro que está no

cruzamento daquilo que se quer consolidar como discurso e que, a partir dele, cria

novos e diversos sentidos.

Os meios de comunicação escrita, especialmente os conhecidos como

jornalísticos, desde sua gênese utilizam-se dessa modalidade da língua para

disseminar diversos discursos hegemônicos e, ao mesmo tempo, contundentes, os

quais são apoiados nos mais diferentes objetivos. O principal deles está enviesado

na ideia de que a sua produção repousa na noção de neutralidade, sendo que sua

finalidade seria, a priori, a mera transmissão de fatos.

Estudos recentes têm mostrado que, na prática, o discurso veiculado nesses

meios não ocorre da maneira idealizada e disseminada por muitos que o utilizam

como fonte principal de rendimentos. O fato é que, na produção propriamente dita,

muitos fatores colaboram para a legitimação de outros discursos suscitantes em

nossa sociedade. Atualmente, sabe-se que o poder discursivo detém esses meios e

uma das explicações pode ser elucidada pelo seu alcance, que se dá de maneira

ampla e rápida.

Adjacente a essas constatações, propõe-se, no âmbito deste estudo, realizar

conjecturas de modo que se possam verificar vestígios linguísticos em que a ilusão

referencial do discurso jornalístico seja colocada em voga, uma vez que o efeito de

transparência é contestável, se exposto a uma análise com alto rigor científico.

Segundo Orlandi (2009), “o trabalho da ideologia é produzir evidências,

colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de

existência.” Neste trabalho, as evidências que procuramos aclarar encontram-se

justamente no corpus de nossa análise.

Com efeito, sabemos que a ideologia é inerente ao discurso e, para que ele

exista, o sujeito passa a ser também parte integrante desse mesmo discurso.

Temos, portanto, uma tríade indissociável. Ao falarmos de subjetividade em

jornalismo, um primeiro significado que nos vem à mente é tão somente a presença

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25

de marcas linguísticas que remetam a pessoa de um eu àquele que enuncia o

discurso.

Todavia, essa é uma acepção primária e não reflete a contento as diversas

manifestações que o vocábulo subjetividade possa exprimir. No nosso trabalho, o

termo ganha contornos mais amplos. O grau subjetivo passa por esse significado

menos abrangente e vai até a dialética que envolve, prioritariamente, o conflito de

vozes dissonantes que formam a heterogeneidade do discurso produzido pelas

instâncias enunciadoras.

No caso específico das manchetes, não temos uma assinatura nominal que

nos transporte à autoria empírica de um indivíduo, mas, se analisarmos de maneira

mais atenta, podemos afirmar que, na verdade, o enunciador dos discursos

produzidos em todo o jornal parte da instância enunciadora Meia Hora de Notícias, o

que não encerra em si mesmo essa discussão.

O fato é que a nossa preocupação está justamente nessa passagem

imbricada que situa lugares de fala. O embate, portanto, passa a existir entre o eu e

outro que dialogam nessa arena, a qual comumente chamamos de primeira página:

(...) tanto aquele que escreve estas linhas como o leitor que as lê, são sujeitos, e portanto sujeitos ideológicos (formulação tautológica) ou seja, o autor e o leitor destas linhas vivem „espontaneamente‟ ou „naturalmente‟ na ideologia, no sentido em que dissemos que „o homem é por natureza um animal ideológico (ALTHUSSER, 1985, p.94).

Além disso, ainda para o item lexical subjetividade, temos um olhar diferente

neste estudo, pois, se observarmos atentamente, podemos descobrir que o sujeito

enunciador cria em seus enunciados, ou seja, nas manchetes, outros sujeitos que,

de certa forma, se coadunam à ideologia evidenciada pelo jornal. O leitor, que como

vimos também é um sujeito, se identifica com a ideologia veiculada pelo jornal, o

qual, por sua vez, cria enunciados que visam a chamar a atenção desse interlocutor

previamente definido pelos assuntos selecionados:

(...) a ideologia „age‟ ou „funciona‟ de tal forma que ela „recruta‟

sujeitos dentre os indivíduos (ela os recruta a todos), ou „transforma‟ os indivíduos em sujeitos (ela os transforma a todos) através desta operação muito precisa que chamamos interpelação, que pode ser entendida como o tipo mais banal de interpelação polícia (ou não) cotidiana: „ei, você aí‟ (ALTHUSSER, 1985, p. 96).

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26

Nesse sentido, parece-nos que as manchetes funcionam como essa

interpelação sugerida por Althusser, ilustrada pelo vocativo “ei, você aí”. Elas

“atraem” o leitor que, de uma forma ou de outra, dialoga com aquela notícia

veiculada e instaura-se, a partir daí, um diálogo que constituem os dois, instância

enunciadora e interlocutor, em sujeitos, sendo que ambos, mesmo inadvertidamente,

são interpelados pela ideologia subjacente ao discurso materializado nas primeiras

páginas do jornal:

A experiência mostra que as práticas de interpelação em telecomunicações são tais, que eles jamais deixam de atingir seu homem: apelo verbal, ou um assobio, o interpelado sempre se reconhece na interpelação (ALTHUSSER, 1985, p. 97).

Como podemos observar, o termo subjetividade pode ser expandido bem

mais do que o senso comum propaga. Desse diálogo interessante nasce o discurso

e, no caso específico das matérias do Meia Hora, não consta nenhuma preocupação

em tentar anular o subjetivo. Pelo contrário, a própria instância enunciadora das

manchetes cria sujeitos que atuam para legitimar seus enunciados e suscitar outros

sentidos que corroborem para a instauração de uma identificação entre aquele que

enuncia e o que é enunciado.

2.1.3. A LÍNGUA: DA SELEÇÃO LEXICAL E ESTRUTURAÇÃO SINTÁTICA NAS MANCHETES DO MEIA HORA

Os recursos linguísticos utilizados para a criação das manchetes evidenciam

que da objetividade o jornal não pretende se aproximar. Tal afirmação pode ser mais

bem explicada se notarmos, por exemplo, os substantivos e adjetivos selecionadas

para comporem sintaticamente os sujeitos das orações. Nesse momento, nos

referimos ao vocábulo sujeito sem colocá-lo numa rede semântica do discurso,

nosso propósito é fixarmos o olhar no nível sintático:

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Sujeito Predicado Data

Gangue da BMW apavora prédio de bacanas na Oscar Freire 03/09/2010

Coroa enforca a namorada de 22 aninhos em

canavial

07/09/2010

Bandido pinguço bate feio no caminhão de lixo 08/09/2010

Pai monstro violou filhas de 8, 13 e 17 anos 11/09/2010

Estuprador é decepado depois de violentar missionária 24/09/2010

Traveco leva balaço na cabeça em motel na Barra

Funda

30/09/2010

Tabela 2: Nível sintático nas manchetes do Jornal Meia Hora de Notícias

Os sujeitos instaurados sintaticamente nas manchetes são exatamente os

mesmos que operam relações de sentidos discursivamente. A adjetivação utilizada

em demasia, tais como “Bandido pinguço” e “Pai monstro”, revela uma postura

extremamente subjetiva por parte do enunciador. Os sujeitos discursivos são

criados, em grande parte, em decorrência de estereótipos11 que trazem no bojo de

suas significações posições que evidenciam ideologias discriminatórias e, de certo

modo, faz uso da linguagem popular para engendrar assuntos ligados à violência.

Dessa forma, é notória a aproximação da língua oral para instituir uma atmosfera

comum à realidade dos consumidores que adquirem, como já foi dito,

exclusivamente em bancas exemplares do Meia Hora:

O uso da linguagem popular, da gíria marginal, dos vocábulos obscenos não impede que se realize, às vezes, um processo literário de elaboração da linguagem, como a criação de campos lexicais que podem redundar em redes metafóricas (PRETI, 1984:122-7, apud DIAS, 1994).

Nesse sentido, destacamos das manchetes selecionadas palavras que

corroboram para as significações análogas em torno do tema violência. Com efeito,

11

Para análise do discurso, o estereótipo, como representação coletiva cristalizada, é uma

construção de leitura, uma vez que ele emerge somente no momento em que um alocutário recupera,

no discurso, elementos espalhados e frequentemente lacunares, para reconstruí-los em função de um

modelo cultural preexistente. In CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de

Análise do Discurso. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 215

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28

essa rede semântica12, mesmo que inconsciente, estabelece uma relação, em

partes, harmoniosa entre os já-sujeitos interpelados que se instauram na tríade

discursiva:

Figura 6: Rede semântica das palavras coletadas nas manchetes do Jornal Meia Hora de Notícias.

A partir dessa rede semântica podemos coligir que a premissa da

objetividade, idealizada nos meios de comunicação em geral, não é prioridade nas

manchetes do Meia Hora. Portanto, aquilo que entendemos por subjetivo passa a

ocupar um espaço maior, os efeitos de sentidos que são instaurados pela seleção

do léxico, da sintaxe, dos enunciados, do enunciador e dos co-enunciadores

legitimam os discursos produzidos e os fixam em meio aos sujeitos interpelados pela

ideologia da violência e do popular.

Segundo Lustosa (1996), as notícias que envolvem crimes apresentam,

dentre outras, características que refletem diretamente nos sujeitos que se

constroem nas manchetes do jornal. A necessidade de observar o comportamento

das pessoas envolvidas, o questionamento da conduta antissocial motivador do

crime e a indicação da culpa e do castigo a ser aplicado ajudam a legitimar o uso

desses vocábulos determinados pelas condições de produção, já apresentadas

neste trabalho, e que possuem uma relação íntima com o grau subjetivo, haja vista

os construtos significativos que são colocados em jogo quando, por exemplo,

determinamos com adjetivos determinados substantivos.

12

Neste trabalho, rede semântica faz alusão à cadeia de palavras que criam uma atmosfera de

sentidos análogos.

Gangue apavora

Coroa enforca

Bandido pinguço

bate

Pai monstro violou

Estuprador decepado

Traveco Leva balaço

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O „pai monstro’ não é comum, ele se difere dos demais por sua característica

pejorativa, monstro. Assim, também, é o bandido, esse atributo marginalizado é

potencializado na medida em que é adicionado o determinante13 pinguço. E, a partir

dessas coerções, de ordem extremamente subjetiva, parece-nos que o Meia Hora

significa seu discurso por meio de injunções sociais e linguísticas, com a finalidade

de situar seu lugar no espaço e tempo em que circula.

Além disso, a concepção de polifonia, que subjaz todo discurso, pode ser

elucidada a partir dessas construções. A construção dessas orações, que pressupõe

um sujeito qualificado, instaura outras vozes imanentes também dessa mesma

sociedade considerada popular que, de certa forma, dialoga com a ideologia

veiculada pelo jornal.

Finalmente, essa profusão subjetiva, que alguns jornais mais canônicos

considerariam perigosa e arriscada, cria para o Meia Hora um espaço-comum que

situa o seu discurso na mesma direção em que o leitor caminha.

No limiar dessa discussão, não poderíamos, é claro, deixar de engendrar

algumas considerações acerca da materialidade linguística que o jornal utiliza para

criar efeitos de sentidos nas manchetes. A fusão entre língua oral e escrita abre

espaço para reflexões contundentes, que há tempos as ciências da linguagem têm

se debruçado para tentar desmitificar o preconceito existente em torno dessa

questão.

A língua, quanto à sua modalidade de uso, pode ser dividida em duas: oral e

escrita. A segunda, no entanto, é aquela utilizada nos jornais impressos. Entretanto,

embora apresentem significativas diferenças, as duas podem estar ligadas direta ou

indiretamente na linguagem jornalística popular. A escrita é caracterizada por um ato

de produção lento, planejado, editável e solitário, enquanto a fala é espontânea e

ocorre num ambiente de interação social (CHAFE, 1992, apud DIAS, 2008).

Estudos recentes têm mostrado que a aproximação da língua oral à escrita

pode se dar por diversos fatores, dentre os quais, destacamos, por exemplo, a

necessidade de coligação entre enunciador e coenunciador, a fim de que se possa

13

Aqui usado como termo técnico e equivalente a adjetivo.

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30

criar efeitos de sentidos que legitimem o discurso no âmbito de sua materialidade

linguística. Esse é, sem dúvida, um procedimento extremamente usual nas redações

dos jornais populares. A ligação entre o oral e o popular revela que, no bojo da

gênese da linguagem, o fator histórico-social se revela como determinante para a

validação de enunciados. Na verdade, a língua escrita é uma outra língua, à qual

poucos têm acesso, daí a aproximação entre língua oral e pessoas de baixa

escolaridade.

Ao compararmos, por exemplo, jornais de referência e populares,

conseguimos perceber claramente que o ajuste da linguagem (nível intradiscursivo)

é feito de maneira extremamente ideológica. O público-alvo do Meia Hora é

construído socialmente como aquele que não conhece a língua escrita na sua

variante de prestígio e que, portanto, precisa recorrer à língua oral com maior

frequência para se constituir como sujeito. Está claro, também, que por detrás desse

construto sócio-ideológico existe um preconceito velado que refuta e hierarquiza as

modalidades de uso da língua, de modo que, ao sobrepor uma à outra, se tem aquilo

que chamamos puro e impuro.

Todavia, nossa discussão está preocupada em mostrar de que forma o oral

pode aparecer no escrito e que vontades de verdade se aplicam à junção num jornal

popular como o que analisamos. Para tanto, destacamos duas manchetes que são

analisadas a seguir.

Apresentamos a primeira, em que a linguagem escrita é criada a fim de se

aproximar do oral de maneira popularizada.

Busão desgovernado faz boliche humano no centro da cidade – (MHN, 02/09/2010)

Percebemos, nesse caso, que o uso de recursos como a gíria, que é

extremamente oral, acentua o teor popular que o enunciador pretende legitimar.

Busão é uma diminuição popularesca do substantivo ônibus. No nível sintático a

criação popular não foge ao cânone, pois lança mão de procedimentos usuais para a

composição da manchete, tais como: frase na ordem direta e verbos flexionados no

tempo presente. Além disso, mantém a capacidade de síntese e conserva seu lado

conciso e provocativo (FARIA, 2005). Há, também, outra questão que podemos

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observar. O esporte boliche é, no Brasil, para poucos. Dada a sua acessibilidade e

preço e, por essa e outras razões, parece-nos que o termo utilizado é sofisticado e,

talvez, grande parte dos leitores não consiga dimensionar proficientemente os

efeitos de sentidos que a manchete pretende legitimar.

No nível semântico, o mote desencadeador que aponta para o popular é o

termo “boliche humano”. Trata-se de uma expressão extremamente apelativa que

busca na língua oral sua fonte para chamar a atenção do leitor. É de conhecimento

notório o esporte boliche, mas é intrigante e provocador fazer uma analogia dessa

prática com seres humanos. Entende-se, de maneira simplória, que o ônibus

atropelou diversas pessoas no centro da cidade. Entretanto, se a manchete fosse

criada da maneira com que divulgamos não despertaria a menor curiosidade e, nem

tampouco, chamaria a atenção daqueles que parassem em frente à banca para

adquirir o exemplar do jornal.

O segundo exemplo foge totalmente aos padrões com os quais estamos

acostumados a ler nas manchetes de primeira página, mas é extremamente próximo

do oral, pois, nesse caso, o enunciador bebe na fonte do popular para tentar prender

a atenção do leitor.

Matou a sogra e mostrou o pau – (MHN, 09/09/2010)

Trata-se de um dito popular que, grosso modo, quer dizer “realizou o ato e

assumiu”. A manchete não segue o arquétipo do verbo flexionado no tempo

presente, não sintetiza de maneira clara a notícia, mas alimenta a ideia da

curiosidade. A vontade de saber o que aconteceu, provavelmente, conduza o leitor à

página da notícia anunciada.

Em ambos os casos, é importante salientar que as manchetes são precedidas

de um antetítulo, que explica sinteticamente a informação e procedida de um

subtítulo, que se aprofunda um pouco mais no que é noticiado. A seleção lexical,

portanto, está ligada muito mais aos fatores social e histórico, do que meramente,

linguístico. O poder ideológico que uma palavra traz no cerne de sua materialidade é

suficiente para estudos futuros.

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2.2. DA VIOLÊNCIA: O PRINCÍPIO DE UMA DISCUSSÃO

Na atualidade, dentre as modalidades existentes de se fazer jornalismo, o

modo popular abarca inúmeras questões de ordem social e, nelas, é claro, não

poderíamos deixar de falar de algo que é latente em nossa sociedade: o tópico da

violência, como sendo um mote importante para as notícias veiculadas em jornais

como o Meia Hora. Entretanto, definir o que é violência não é tarefa das mais

simples. E, por isso, antes de se iniciar uma discussão sobre o assunto, é

necessário que busquemos entender a quais significados esse vocábulo pode nos

remeter. No dicionário, a palavra pode produzir os seguintes sentidos:

sf (lat violentia) 1. Qualidade de violento. 2. Qualidade do que atua com força ou grande impulso; força, ímpeto, impetuosidade. 3. Ação violenta. 4. Opressão, tirania. 5. Intensidade. 6. Veemência. 7. Irascibilidade. 8. Qualquer força empregada contra a vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa. 9. Dir Constrangimento, físico ou moral, exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a submeter-se à vontade de outrem; coação. Antôn (acepção 7): brandura, doçura. Disponível em <http://www.aureliopositivo.com.br/>. Acesso em 30/04/2011.

Michaud (apud Dias, 2008:104), após realizar uma pesquisa do termo, na qual

analisou a etimologia, os usos correntes e as definições do direito, propõe uma

explicação para o tema:

Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais.

É notório que, em ambos os casos, a ideia de violência está geralmente

ligada a algo que certamente fere princípios de convivência sociais de ordem

universal. Além disso, está claro que a violência não se encontra apenas na margem

da sociedade. Ela é um fato para todas as classes sociais e, como tal, não poderia

deixar de constar em qualquer periódico, seja ele popular ou não.

O fato é que historicamente os setores populares têm sido excluídos de

diversos processos da sociedade moderna e, como produto desse caos, é comum

vermos que nessa aproximação existe muito mais do que escolhas pessoais ou

estilo de vida, há nesse cruzamento tênue um retrato social que determina o que

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pode e deve ser dito em determinado contexto. Dessa maneira, não podemos

pensar o vocábulo violência no singular, uma vez que os sentidos produzidos nas

manchetes do Meia Hora são, na verdade, polissêmicos. A violência nos jornais

populares parece que tem cenário certo: o submundo da periferia da cidade, local de

gente pobre, de refúgio de marginais, onde o crime e a vingança correm soltos

(DIAS, 2009).

As violências apresentadas nas primeiras páginas dos jornais ditos populares

revelam que precisamos pensá-las a partir de suas relações com a cultura em que a

sociedade brasileira se encontra enraizada e que vive em constante luta. Uma luta,

muitas vezes, silenciada pela total inércia de ações políticas e sociais que pouco

contribuem para a mudança desse quadro.

Ao lermos algumas manchetes com o assunto violência, como as que aqui

foram apresentadas, conseguimos recriar perfeitamente a cena do crime de uma

maneira muito cruel e até mesmo emitirmos a mesma opinião do enunciador, se

concordarmos com aquilo que tem sido veiculado:

a violência, na mídia, seja ela estilizada ou não, seja ficção ou parte dos telejornais da atualidade serve, de uma certa maneira, a um decarregar-se, distender-se, dar livre curso aos sentimentos através do espetáculo. As cenas de violência são um sintoma da „nervosidade‟ da sociedade. (MICHAUD, apud, PORTO, 2002:160)

O fato é que a violência na mídia em si passa a ser um recurso de afirmação

de identidade e de frustrações sociais que, dentre tantas outras possibilidades,

passa a ter implicações diretas nas representações dos fenômenos sociais. Os

meios de comunicação em massa, e em especial os populares, constroem discursos

que se posicionam de maneira veementemente contra qualquer ato de violência,

entretanto parece-nos que a polarização contrária e a favor entram em constante

disjunção do ponto de vista linguístico-discursivo. Fica uma pergunta que nos faz

refletir o verdadeiro papel daqueles que informam: espetacularizar a cena para

chamar a atenção e combater essa realidade ou vender e ganhar dinheiro apenas?

O processo catártico a que são submetidos os leitores desses jornais, talvez,

consiga, em parte, responder a essa pergunta.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ser popular, dependendo do contexto em que esteja inserido esse adjetivo,

pode causar certa exclusão e marginalização por parte daqueles que se consideram

essencialmente bem intencionados e politicamente corretos. De qualquer modo,

exclusão é um processo pelo qual passaram e ainda passam todos aqueles que se

encontram à margem de qualquer segmento social.

Não obstante a essa constatação, os jornais dirigidos à grande massa,

representada pelas classes minoritárias do nosso país, passam a ser uma das

únicas formas em que seus leitores se veem representados da maneira como são e

se expressam. Eles enxergam em cada notícia, seu semelhante, sua família, seu

bairro e sua realidade. É impossível negar que o fator popularesco do periódico

analisado talvez sofra as mesmas exclusões às quais seus leitores também são

submetidos não só socialmente, mas culturalmente. Sabe-se que por trás dessa

representação que o jornal pretende circunscrever em suas edições, existe o

objetivo que move o mundo capitalista: o lucro. E foi pela falta dele que, infelizmente,

o Meia Hora deixou de circular em São Paulo.

A partir deste trabalho, pudemos observar que, para além das mais diversas

explicações que existam da palavra exclusão, a mais cruel seja, quiçá, a falta de

oportunidades que o público-alvo do Meia Hora encontra em acessar as informações

consideradas eruditas. Ao analisarmos os tópicos recorrentes no período

selecionado, é possível compreender como são díspares os assuntos tratados em

um jornal canônico de um popular e isso, veladamente, determina o público que se

pretende atingir e, dessa forma, alimentar cada vez mais as lutas de classes e

interesses, próprio de um sistema que visa ao lucro sem precedentes. Além disso,

outros fatores contribuem para o aumento dessa triste constatação: o preço, muito

mais acessível à maneira popular, o projeto gráfico, mais chamativo, os locais em

que circulam e, principalmente, a adequação da linguagem.

Adjacentes a essas afirmações estão os enunciados materializados pelas

manchetes do jornal, os quais, quando submetidos a uma perspectiva discursiva,

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ganham profundidade e deixam de ser meros títulos de primeira página para

entrarem numa cadeia implícita que envolve diretamente a tríade, sob a qual está

todo discurso: linguagem, história e sociedade.

A escolha das manchetes não se deu de maneira aleatória, pelo contrário, o

papel que elas ocupam dentro do cenário do jornalismo popular é o que move este

trabalho. Sua representatividade deixa marcas profundamente sérias para a edição

de cada dia do periódico, que vão desde a quantidade de vendas dos exemplares

até a maneira como esse título produz sentido numa comunidade. A preocupação,

portanto, está em como são construídos os sentidos que revelam a realidade à qual

está submergida a população brasileira: a violência, o abandono, a banalização da

vida, a falta de oportunidades e, principalmente, o descrédito que o fator político

passa a ter para essa camada da sociedade.

A linguagem, objeto de estudo desta análise, é indissociável do fator social.

De modo que se temos classes que são excluídas, marginalizadas e periféricas não

podemos esperar que a linguagem deixe de evidenciar características diferentes.

Daí, a necessidade de se ter um jornal que “fale a mesma língua” do povo excluído,

aparecem os indícios de gírias, construções sintáticas que fogem à norma, seleção

lexical pouco preocupada com isenção de julgamentos de valores e tópicos,

relativamente, repetidos e que não contribuem em nada para a formação de opinião

concreta.

As análises das manchetes revelam que não se deve pensar a língua como

algo inerte, morto ou dentro de uma caixa pré-moldada. Ela existe porque a pessoa

se apropria dela da maneira que tem acesso e a produz da mesma forma. Portanto,

reconhecer que a variação linguística ultrapassa os limites geográficos e chega até o

social é, relativamente, obsoleto. É preciso mais que isso: adotar um olhar histórico

e ideológico é compreender que saber usar a língua representa poder.

Pensar a linguagem jornalística como sendo um instrumento eficaz para a

inclusão de pessoas excluídas, é preocupar-se na criação de novos sentidos e

valores para a nossa sociedade. De maneira ampla, esse é o objetivo deste

trabalho, entender como são criados os sentidos dos enunciados, materializados

como manchetes de um jornal popular. O fato é que quando nos deparamos com

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todo esse jogo de vozes que parecem estar numa arena discursiva, somos

surpreendidos em saber que, na produção de linguagem, existe muito mais do que

mera compreensão de significados e formas. Existem posicionamentos ideológicos,

marcados pela história de uma determinada sociedade que se diz livre de

estereótipos e preconceitos, mas que encerra na linguagem um retrato da definição

da concentração de poder.

Por fim, este trabalho não pretende encerrar-se em si mesmo, uma vez que,

mediante aos diversos sentidos que cada enunciado pode produzir, não podemos

deixar de reconhecer que nosso estudo ainda está aberto e em fase de construção

constante, de modo que os sentidos produzidos nas manchetes, por serem

polissêmicos por natureza, aceitam ser ressignificados.

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ANEXOS - Primeiras Páginas do Jornal Meia Hora de Notícias

de 02/09/2010 a 30/09/2010

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