a construção social da qualificação dos trabalhadores da construção civil de belo horizonte

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  • A CONSTRUO SOCIAL DA QUALIFICAO DOS

    TRABALHADORES DA CONSTRUO CIVIL DE BELO HORIZONTE: ESTUDO SOBRE OS MESTRES-DE-OBRAS

    (Relatrio de Pesquisa)

    Antnio de Pdua Nunes Tomasi

    Pesquisa desenvolvida com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CNPq

    dez./1999

  • A CONSTRUO SOCIAL DA QUALIFICAO DOS TRABALHADORES DA

    CONSTRUO CIVIL DE BELO HORIZONTE: ESTUDO SOBRE OS MESTRES-DE-

    OBRAS

    NDICE

    Introduo

    PARTE I

    CAPTULO 1 - O CONTEXTO GERAL DA CONSTRUO CIVIL

    1.1) O canteiro de obras

    1.2) A evoluo da Construo Civil e sua importncia scio-econmica

    1.3) A heterogeneidade da Construo Civil.

    1.4) A especificidade da Construo Civil.

    1.5) As formas de gesto da mo-de-obra

    1.6) O perfil da mo-de-obra da Construo Civil.

    1.6.1) A Construo Civil brasileira

    1.6.2) O subsetor Edificaes

    1.6.3) Grau de instruo dos trabalhadores empregados no subsetor

    Edificaes no Brasil.

    1.6.4) Grau de instruo dos trabalhadores empregados no subsetor

    Edificaes em Minas Gerais.

    1.6.5) Grau de instruo dos trabalhadores empregados no subsetor

    Edificaes na Regio Metropolitana de Belo Horizonte.

    1.6.6) Faixa etria dos trabalhadores empregados no subsetor edificaes, no

    Brasil.

    1.6.7) Faixa etria dos trabalhadores empregados no subsetor edificaes,

    em Minas Gerais.

    1.6.8) Faixa etria dos trabalhadores empregados no subsetor edificaes, na

    Regio Metropolitana de Belo Horizonte.

    1.7) As condies de trabalho

    CAPTULO 2 - A QUALIFICAO DO TRABALHADOR DA CONSTRUO CIVIL

    2.1) A experincia como elemento constitutivo e fundamental da formao "sur le

    tas".

    2.2) A psicopedagogia como elemento constitutivo e fundamental da formao

    escolar.

    2.3) A qualificao

    2.4) O saber, o saber-fazer e o saber ser.

  • CAPTULO 3

    OS OFCIOS DA CONSTRUO CIVIL

    3.1) A diviso do trabalho

    3.1.1) Postos de execuo direta:

    servente, ajudante, oficial (pedreiro, carpinteiro, armador, bombeiro hidrulico,

    eletricista etc.)

    3.1.2) Postos de execuo indireta ou postos de comando:

    Encarregado, Encarregado de Obra e Mestre-de-Obras.

    3.2) O Mestre-de-obras

    3.2.1) A funo do Mestre-de-Obras.

    3.2.2) O perfil do profissional

    3.2.2.1) Grau de instruo dos Mestres-de-Obras empregados no

    Brasil no subsetor Edificaes.

    3.2.2.2) Grau de instruo dos Mestres-de-Obras empregados em

    Minas Gerais no subsetor Edificaes.

    3.2.2.3) Grau de instruo dos Mestres-de-Obras empregados na

    Regio Metropolitana de Belo Horizonte no subsetor Edificaes.

    3.2.2.4) Faixa etria dos Mestres-de-Obras empregados no Brasil no

    subsetor Edificaes.

    3.2.2.5) Faixa etria dos Mestres-de-Obras empregados em Minas

    Gerais no subsetor Edificaes.

    3.2.2.6) Faixa etria dos Mestres-de-Obras empregados na Regio

    Metropolitana de Belo Horizonte no subsetor Edificaes.

    3.2.3) O Mestre-de-Obras e a construo de suas referncias.

    3.3) As Hipteses

    PARTE II

    CAPTULO 4 - A CONSTRUO DO MODELO DE ANLISE

    4.1) Metodologia

    4.1.1) As variveis (e seus indicadores)

    4.1.2) O universo pesquisado: empresas, canteiro, coletivo de trabalho,

    Mestre-de-Obras.

    4.1.3) Os procedimentos metodolgicos: entrevista e observao.

  • CAPTULO 5 - RESULTADOS E ANLISES

    5.1) Escolaridade, experincia no trabalho, formao profissional e formao

    profissional continuada

    5.1.1) Escolaridade X Experincia no trabalho (idade em que assumiu postos

    de comando)

    5.1.2) Escolaridade X Experincia anterior (tempo de experincia antes de ser

    qualificado como Mestre-de-Obras).

    5.1.3) Escolaridade X Experincia (perodo de comando antes de assumir o

    posto de Mestre-de-Obras)

    5.1.4) Escolaridade X Experincia (idade inicial na Construo Civil)

    5.1.5) Escolaridade X Experincia (tempo de experincia como

    servente/ajudante)

    5.1.6) A formao profissional continuada dos Mestres-de-Obras

    5.2 Tipos predominantes de insero nos trabalhos da Construo Civil

    5.2.1) De pai para filho

    5.2.2) Na prpria empresa

    5.2.3) Na escola

    5.3) A ascenso profissional do trabalhador da Construo Civil

    5.3.1) A ascenso ao posto de Mestre-de-Obras

    5.3.1.1) Fatores importantes para a qualificao de Mestres-de-Obras.

    5.3.1.2) Saberes importantes para a qualificao dos Mestres-de-

    Obras

    . 5.3.2) A ascenso ao posto de operrio qualificado

    5.3.2.1) Fatores importantes para a qualificao do operrio da

    Construo Civil.

    5.3.2.2) Saberes importantes para a qualificao dos operrios da

    Construo Civil.

    5.3.3) Os saberes demandados aos operrios e aos Mestres-de-Obras

    5.4) O ofcio

    CONCLUSO

    BIBLIOGRAFIA

  • INTRODUO

    Embora o Mestre-de-Obras da Construo Civil seja uma pea-chave para o

    desenvolvimento dos trabalhos nos canteiros de obras, no sabemos muito sobre

    ele. Sabe-se, to somente, que comanda os operrios na execuo das obras e faz o

    elo entre os interesses destes ltimos e os das empresas construtoras. Quanto

    evoluo de suas funes o desconhecimento parece ser ainda maior.

    O mesmo ocorre no que se refere sua qualificao e aos elementos que a

    constroem. Sabe-se, igualmente, que, apesar de possur uma baixa escolaridade, ele

    detm os conhecimentos necessrios execuo das obras. Em outras palavras, a

    escolaridade do trabalhador da Construo Civil, inclusive a do Mestre-de-Obras,

    sempre se mostrou secundria face sua experincia. A qualificao se d,

    essencialmente, no prprio canteiro de obras onde ele comea a trabalhar, ainda

    muito jovem, como simples servente. Nos canteiros ele aprende um ofcio e percorre

    todas as classificaes at chegar, praticamente depois de 20 anos de trabalho, ou

    mais, ao posto de Mestre-de-Obras.

    Mas, se a escola, mais do que nunca, se destaca na vida social e ocupa um

    lugar de importncia na qualificao dos indivduos, inclusive dos operrios, at

    quando ela ter um lugar secundrio na qualificao do Mestre-de-Obras da

    Construo Civil? Se cada vez mais os diferentes setores produtivos, por motivos

    diversos, demandam uma maior escolaridade dos seus trabalhadores, no seria hora

    de exigncias semelhantes ocorrerem, tambm, na Construo Civil.

    Por que discutir a qualificao do trabalhador, quando o mundo questiona a

    sua competncia? No momento em que apontamos a escolaridade como elemento

    importante e constitutivo da qualificao, o mundo se volta para a experincia como

    elemento constitutivo da competncia. Afinal, estamos na contra-mo dos

    acontecimentos? Ou, diferentemente dos outros setores que reclamam competncia

    dos seus trabalhadores, a Construo Civil demandaria qualificao? Quando o

    mundo produtivo diz que "No basta ser qualificado, preciso ser competente.",

    talvez a Construo Civil esteja dizendo o contrrio: "No basta ser competente,

    preciso ser qualificado."

    Sabemos pouco sobre a Construo Civil e os seus trabalhadores porque a

    ateno dos estudiosos do mundo do trabalho se concentra, prioritariamente, nos

    setores produtivos que mais incorporaram inovaes tecnolgicas e organizacionais,

  • e que, por conseguinte, sofreram maiores transformaes. Este o caso, por

    exemplo, da indstria automobilstica, possivelmente o setor que mais atraiu estudos

    e pesquisas.

    Nas ltimas dcadas, entretanto, face s transformaes ocorridas no mundo

    do trabalho, sobretudo no que diz respeito necessidade de superao do modelo

    taylorista, ao desenvolvimento de novos modelos organizacionais, e, ainda, ao

    avano tecnolgico, a Construo Civil vem se tornando objeto de interesse dos

    estudiosos do trabalho.

    Entre os estudos sobre a Construo Civil, que tratam do coletivo de trabalho,

    os que se dedicam qualificao dos trabalhadores nos aportam importantes

    questes, entre elas, possivelmente, a mais intrigante de todas: Como se constri a

    qualificao dos Mestres-de-Obras da Construo Civil?

    Formulamos a hiptese geral, segundo a qual, se a experincia de trabalho

    nos canteiros de obras da Construo Civil foi, at ento, um elemento chave na

    qualificao dos Mestres-de-Obras, ela d, hoje, lugar escolaridade.

    Parece, ainda, inevitvel pensar que, alm da escolaridade, outros elementos

    se apresentam como importantes na construo da qualificao dos Mestres-de-

    Obras, entre eles o seu ofcio.

    Ao tratarmos da Construo Civil, estamos nos referindo apenas ao subsetor

    Edificaes que, como veremos, guarda traos muito especficos, se comparados

    aos demais subsetores da Construo. Devemos, tambm, restringir o estudo a

    alguns canteiros de obras da Cidade de Belo Horizonte, 13 no total, destinados

    construo de unidades habitacionais, em prdios de no mximo 4 andares, voltados

    para o atendimento da classe mdia e mdia alta.

    Os referidos canteiros no obedecem, todavia, a um procedimento aleatrio

    de escolha, mas so, to somente, canteiros que tiveram suas portas gentilmente

    abertas pelos seus reponsveis (proprietrios, engenheiros, e Mestre-de-Obras). Tal

    fato, por si s, limita a pesquisa ao campo dos estudos exploratrios.

    Alm dos dados da Relao Anual de Informao Social (Rais), foram

    utilizados os dados coletados juntos aos canteiros de obras e aos trabalhadores

    (inclusive entrevistas) que possibilitam uma anlise tanto quantitativa quanto

    qualitativa dos acontecimentos.

    Afora os estudos realizados no Brasil sobre a Construo Civil, procuramos

    nos trabalhos franceses, que se destacam nas pesquisas sobre o setor, a ajuda

    necessria para a compreenso dos acontecimentos voltados para o canteiro,

    especialmente os elementos constitutivos da qualificao dos Mestres-de-Obras.

    Estudo de nossa autoria sobre estes ltimos, desenvolvido em canteiros da regio

    parisiense, foi igualmente utilizado.

  • O objetivo da pesquisa o de investigar os diversos elementos e a

    importncia deles na construo da qualificao dos Mestres-de-Obras da

    Construo Civil. Embora no se tenha a preteno de esgotar a questo, espera-se

    que os conhecimentos aqui produzidos, mesmo que luz de um estudo exploratrio,

    possam prestar-se elaborao de um quadro de referncia para estudos

    posteriores.

    Os resultados obtidos apontam para uma crescente importncia do grau de

    escolaridade na qualificao da mo-de-obra da Construo e, entre eles, a do

    Mestre-de-Obras, muito embora tal fato no parea ocorrer por uma exigncia do

    setor.

    A escolaridade teria igual importncia tanto para a insero quanto para

    ascenso do trabalhador nos canteiros de obras da Construo Civil.

    Aos olhos dos Mestres-de-Obras o saber-fazer e o saber-ser so

    considerados importantes, enquanto o saber, representado pelo conhecimento

    formal, no igualmente reconhecido, no obstante esteja cada vez mais presente

    no canteiro devido maior escolaridade dos trabalhdores.

    Do saber-fazer sobressai a capacidade de execuo dos trabalhos, e no a

    capacidade de gesto, como poderamos esperar. Do saber-ser sobressai o

    relacionamento entendido como "poltica" junto aos chefes, e no a conduta ou a

    motivao.

    Mesmo contrariando muitos depoimentos, acredita-se em um possvel

    estreitamento das funes dos Mestres-de-Obras, que tenderiam a voltar-se, quase

    exclusivamente, para as atividades de gesto.

    Por fim, vale a pena ressaltar as constataes do envelhecimento dos

    trabalhadores da Construo Civil, o que pode ser observado, de forma preocupante,

    entre os Mestres-de-Obras do subsetor Edificaes.

    O primeiro captulo dedica-se a uma contextualizao da Construo Civil,

    suas caractersticas mais marcantes e sua mo-de-obra no Brasil, em Minas Gerais

    e na Grande Belo Horizonte.

    O segundo captulo trata da qualificao da mo-de-obra do setor, sua

    experincia e seus saberes.

    O terceiro captulo vai dedicar-se aos ofcios da Construo, diviso do

    trabalho, aos postos de trabalho, aos Mestres-de-Obras, sua funo e perfil

    profissional, no Brasil, em Minas Gerais e na Grande Belo Horizonte.

    Finalizando, os captulos 4 e 5 so dedicados ao modelo de anlise utilizado

    e aos resultados obtidos.

  • PARTE I

    CAPTULO 1

    O CONTEXTO GERAL DA CONSTRUO CIVIL

    Ao longo do estudo da Construo Civil, observa-se a constante

    transformao do setor e a semelhana de caractersticas, independentes da regio

    ou pas, onde ela exercida. A necessidade de se adaptar s diversas condies de

    cada regio (tipo de terreno, material disponvel, arquitetura, tcnicas construtivas,

    mo-de-obra, custo de produo, demandas sociais, legislao etc.), ao contrrio do

    que poderia sugerir, parece contribuir para essa semelhana. Trata-se, portanto, de

    um setor que apresenta como traos marcantes uma forte flexiblidade tecnolgica e

    organizacional e uma grande importncia social e econmica.

    No obstante os traos, por si s interessantes, a Construo Civil foi durante

    muito tempo pouco atrativa para os estudiosos do mundo do trabalho. De fato, por

    maior interesse que pudessem ter pela Construo, eles no poderiam fazer grande

    coisa pelo setor, se por ele no fossem reconhecidos. Na verdade, a Construo

    sempre se mostrou um setor muito fechado, muito auto-suficiente. Empresrios,

    engenheiros e operrios tm sido, durante muito tempo, vtimas da concretude e do

    pragmatismo dos trabalhos dos canteiros de obras que, por vezes, contribuem para a

    construo de seus comportamentos e mentalidades.

    Predomina, todavia, a crena, segundo a qual a ausncia de interesse se deu

    porque, no obstante a sua flexibilidade, a Construo parecia apresentar

    dificuldades para incorporar inovaes tecnolgicas e organizacionais. As inovaes

    dos ltimos 150 anos e, sobretudo, das ltimas dcadas, tm produzido, de maneira

    contnua e acelerada, profundas transformaes no mundo do trabalho.

    A aparente "dificuldade" para incorporar as inovaes acabou projetando uma

    imagem negativa da Construo Civil. Muitos foram os autores que a identificaram

    como atrasada. Evidementemente atrasada em relao aos demais setores

    produtivos, entre os quais a indstria automobilstica que se tem mostrado como a

    mais importante referncia.

  • Mais recentemente, entretanto, uma outra maneira de pens-la, identificando-

    a como um "modo original de industrializao"1, tem contribudo para atrair

    estudiosos que comeam a ver nos seus canteiros de obras um laboratrio

    privilegiado de pesquisa. Por "modo original de fabricao" leia-se o encontro de um

    conjunto de fatores, tais como os projetos, os clculos, a localizao e o tipo do

    terreno, a tecnologia de construo utilizada, o processo de trabalho etc., que

    constituem o que se convencionou chamar, ao lado do elevado custo do seu produto

    e da sua importncia social, de a "especificidade" da Construo Civil.

    interessante notar que as atenes se voltam para o setor quando,

    justamente, o mundo do trabalho aponta para o esgotamento dos modelos

    tradicionais de gesto do trabalho e da mo-de-obra, e uma gesto mais flexvel

    aparece aos olhos de empresrios e de alguns estudiosos, como uma alternativa

    interessante para fazer face aos desafios colocados pela globalizao da economia.

    Atrasada, como querem alguns, ou um modo original de fabricao, como

    querem outros, o certo que nos canteiros de obras da Construo Civil

    predominam, ainda hoje em todo mundo, atividades "simples", perigosas, insalubres

    e que exigem grande esforo fsico. Essas atividades definem a necessidade de uma

    mo-de-obra jovem, forte, "corajosa" e de "boa vontade" para conviver com tais

    condies, assim como para adquirir os conhecimentos necessrios sua execuo.

    As atividades tm difinido, igualmente, uma importncia secundria do nvel de

    escolarizao do trabalhador.

    Embora o quadro, construdo em torno de uma atividade de risco e executada

    por trabalhadores de baixa escolaridade, reforce a imagem negativa da Construo,

    isso jamais se constituiu em um problema para o setor. De fato, o mais importante

    para a Construo, ou seja, a sua rentabilidade2, sempre foi garantida pelas ntimas

    relaes mantidas com o Estado que transferia recursos dos demais setores

    produtivos para financiar um setor de tamanha importncia social e de elevado custo.

    A mo-de-obra, por seu turno, foi garantida por uma populao de migrantes

    e/ou imigrantes, basicamente de origem rural e habituada aos trabalhos duros e, de

    certa forma, aos procedimentos e ferramentas utilizadas na Construo.

    Trabalhadores que, devido s polticas de gesto de mo-de-obra das empresas que

    1 B. Coriat, "Productivit, flexibilit, variabilit. -Sur 'l'exemplarit' du BTP"-, Chantier en

    Travail, Paris, Fvrier, 1989, n16, pp.76-78.

    C. du Tertre, "A propos de la flexibilit organisationnelle", PLAN CONSTRUCTION ET

    ARCHITECTURE (d), Travail et productivit dans le Btiment, Plan Construction et

    Architecture, Paris, 1990 pp.59-61.

    2 No caso brasileiro, grande parte dos recursos destinados habitao (anos 70) tiveram o

    Estado como importante financiador, atravs do Sistema Financeiro de Habitao.

  • sero discutidas ainda nesta captulo, tornavam-se, seno assalariados, "volantes",

    "tarefeiros", pequenos "empreiteiros" etc.

    Algumas mudanas, entretanto, pouco a pouco comeam a se manifestar em

    todo o mundo, acompanhando o desenvolvimento econmico de cada pas. Isto

    ocorre no tanto pela introduo de mquinas, de equipamentos e de componentes

    que tornaram os trabalhos menos duros e mais rpidos, ou pelas inovaes

    organizacionais empregadas, mas, sobretudo, pelas transformaes que vm

    ocorrendo fora dos canteiros de obras.

    As mudanas ocorrem basicamente a partir do momento em que uma ruptura

    entre o Estado e a Construo comea a tomar forma. As dificuldades dos Estados

    nacionais3, cada vez mais endividados, em financiar o setor, rompem com a relao

    de dependncia existente do segundo com o primeiro. Acrescentem-se, ainda, como

    fator que contribui para a mudana, as presses de um mercado cada vez mais

    exigente no que se refere aos prazos de construo, aos custos e qualidade do

    produto. As transformaes4 assinalaram s empresas do setor o fim de um perodo

    de rentabilidade e a necessidade de se tornarem produtivas como nico modo de

    manter suas atividades.

    O problema est posto, e a Construo Civil deve envidar esforos em todos

    os sentidos para superar os desafios que lhe so colocados. Diante dos transtornos,

    o antigo processo de acumulao do capital colocado em questo, mas

    sobretudo a partir da que a especificidade da Construo Civil se torna um ponto

    incontornvel pelos estudos desenvolvidos nesse campo.

    No que se refere mo-de-obra e sua formao, o setor confronta-se com

    trs problemas: primeiro, a formao profissional tradicional (adquirida

    essencialmente nos canteiros de obras, ou atravs do conhecimento passado de pai

    para filho) parece ser insuficiente para acompanhar as transformaes do setor,

    devendo ser complementada por uma formao produzida no interior do sistema

    escolar; segundo, a mo-de-obra formada tradicionalmente e disponvel no mercado

    na forma do arteso ou do pequeno empreiteiro, qual as empresas sempre

    recorreram para constituir o seu coletivo de trabalho, encontra-se em extino (as

    3 Embora seja verdade que os Estados Nacionais tenham chegado aos anos 90 endividados e

    sem o controle de suas economias, as suas capacidades de investimento no setor habitacional

    ao longo dos ltimos 30 anos se diferenciaram. No caso do Estado brasileiro sua capacidade j

    havia sido reduzida drsticamente a partir do choque do petrleo (anos 70), com o

    conseqente aumento da dvida externa e com os elevados ndices de inflao. Assistiu-se,

    ento, a partir da dcada de 80, ao completo abandono, por parte do Estado, dos programas

    de financiamento das construes habitacionais levando a iniciativa privada, na dcada

    seguinte, a desenvolver seus prprios mecanismos de financiamento.

    4 Como a Construo Civil muito menos sujeita concorrncia externa que outros setores da

    indstria, as transformaes se fazem sentir de maneira menos brusca.

  • correntes migratrias parecem no ter mais a fora de outrora e, ainda, ter havido

    uma mudana no perfil da mo-de-obra jovem que h muito tempo no v a

    Construo como um setor atraente nem nico capaz de absorv-la.); terceiro, tem

    havido, em quase todo o mundo, um aumento importante do nvel de escolaridade da

    populao, disponibilizando para a Construo uma mo-de-obra mais escolarizada,

    fato que se constitui muito menos um problema do que uma soluo.

    Portanto, se outrora o setor tinha diponvel uma mo-de-obra mais qualificada

    e menos escolarizada, hoje, ao contrrio, ele dispe de uma mo-de-obra mais

    escolarizada e menos qualificada, o que refora a necessidade de sua interveno

    no processo de formao e de qualificao de seus trabalhadores.

    Assim, quando alguns empresrios procuram enfrentar os problemas

    incorporando aos trabalhos da Construo trabalhadores de melhor nvel de

    escolarizao e envidando esforos para a sua qualificao, seus canteiros de obras

    se tornam um objeto de estudo interessante para os pesquisadores preocupados

    com o encontro, al, dos sistemas escolar e produtivo com a evoluo dos processos

    de formao e com a qualificao do coletivo de trabalho.

    A pesquisa que desenvolvemos se encontra na confluncia destas trs

    perspectivas de estudo e centra seu interesse em um dos trabalhadores do setor: o

    Mestre-de-obras. Isto porqu:

    * Primeiro, tendo sob a sua responsabilidade, entre outras coisas, a cadncia

    dos trabalhos, ele se mostra um elemento-chave para tornar produtiva a Construo

    Civil. Em grande parte das demais indstrias, o tempo necessrio execuo de

    cada tarefa determinado independentemente do coletivo de trabalho, e as

    intervenes do contra-mestre (funo na indstria homloga de Mestre-de-obras

    na Construo Civil) se limitam a garantir esses tempos. Na Construo Civil, graas

    sua especificidade, o coletivo de trabalho possui, ainda, sob o comando do Mestre-

    de-obras, uma importncia capital na determinao e no controle dos tempos. Deve-

    se observar, todavia, que grande parte das transformaes encontradas no setor,

    hoje, acontece justamente no sentido da determinao e da apropriao, por parte

    da empresa construtora, do controle dos tempos.

    * Segundo, porque, ao alcanar esse posto de trabalho, ele passou por um

    processo extenso de formao e deu provas de conhecimento dos vrios ofcios

    empregados na Construo. O posto de Mestre-de-obras o ponto final de uma

    srie crescente de classificaes e traduz uma ascenso profissional do trabalhador.

    Aqui, tambm, alteraes significativas so encontradas no sentido de uma mudana

    na sua trajetria profissional. Deve-se lembrar que o Mestre-de-obras, como

    conhecemos atualmente, no se constitui um ofcio como o de pedreiro ou o de

    carpinteiro, mas uma qualificao. Ou seja, ele um antigo "oficial" que graas ao

  • conhecimento de outros ofcios, sua capacidade de comandar os colegas, ou de

    organizar os trabalhos, ou ainda s suas "boas" relaes com a empresa, chamado

    a assumir tal posto. As mudanas apontam exatamente nesse sentido, qual seja, a

    de torn-lo um ofcio5.

    Sabemos, ento, das responsabilidades dos Mestres-de-obras e da

    necessidade de apresentarem determinados conhecimentos, habilidades e condutas

    e de percorrerem determinada trajetria profissional; ou sabemos, ainda, do carter

    dinmico dos contedos desses conhecimentos e dessa trajetria. , portanto,

    dentro desse contexto que elaboramos a questo: como se constri a qualificao

    dos Mestres-de-obras da Construo Civil? Ou, ainda, qual a importncia da

    escolarizao na sua qualificao? Que outros elementos, alm da experincia,

    importam para a sua qualificao?

    Sabemos que a qualificao do trabalhador se constri socialmente e o

    resultado do encontro de um conjunto de elementos, no podendo ser creditada a

    apenas um ou a um determinado nmero deles. No caso dos Mestres-de-Obras, a

    formao profissional adquirida nos prprios canteiros de obras, traduzida pelo

    tempo de experincia, tem predominado como elemento constitutivo e avaliador da

    sua qualificao. Entretanto as transformaes scio-econmicas e culturais, a que

    esto submetidos a Construo Civil e o coletivo de trabalho, sugerem um outro

    cenrio. Procuraremos, a partir dos pontos aqui levantados, discutir, ainda que muito

    rapidamente, o contexto geral da Construo Civil no mundo e no Brasil.

    1.1) O canteiro de obras

    Um espao qualquer, um pequeno ou um grande terreno, plano ou inclinado,

    em qualquer parte da cidade ou mesmo fora dela, pode se transformar em um

    canteiro de obras da Construo Civil, assim, permanecer desde a entrada dos

    primeiros trabalhadores, materiais, equipamentos etc., at a entrega definitiva da

    obra. O canteiro um lugar de trabalho e o prprio produto que se encontra em

    fabricao. Durante esse perodo, e nesse lugar, encontram-se homens, saberes,

    experincias, formaes, qualificaes, competncias e, ainda, mquinas, materiais

    e equipamentos diversos, modos de gesto etc. O canteiro um espao rico em

    relaes humanas e sociais. De modo geral, os trabalhos ocorrem ao ar livre e

    cercados de riscos, muitas vezes fatais, para o trabalhador. O aparente vai-e-vem

    sem rumo dos trabalhadores ou a disperso de materiais, entulhos, ferramentas,

    5 A. Tomasi, Contribution l'tude de la construction sociale des capacits professionnelles des Agents de Matrise du Btiment, Universit Paris 7, Paris, julho, 1996, 386p. (Tese de doutorado),

  • escoramentos, por todos os lados, s ganham sentido luz dos projetos e da

    organizao dos trabalhos que norteiam as atividades dos canteiros.

    interessante pensar, contudo, que os canteiros de obras de hoje guardam

    grande semelhana com os da Idade Mdia, das grandes obras como, por exemplo,

    das catedrais que conhecemos daquela poca. Asseguram a semelhana a grande

    dependncia que a Construo tem da sua mo-de-obra, sobretudo qualificada, ou

    do trabalho artesanal; a organizao do trabalho que se mostra limitada pela

    dificuldade de execuo simultnea de muitas tarefas; os severos limites impostos ao

    uso de prefabricados; as dificuldades inerentes execuo de um produto que na

    verdade um prottipo e que exige ajustes inesperados entre projeto e execuo,

    implicando, por vezes, a improvisao e, por conseguinte, a exigncia de uma

    capacidade criativa por parte dos que com ela esto envolvidos. Acrescente-se que,

    ainda hoje, encontramos ferramentas tais como a p, a picareta, a colher de

    pedreiro, o martelo, a peneira, ou ainda pequenos e simples instrumentos como a

    rgua, o esquadro, o prumo, entre outros, utilizados naquela poca e,

    mesmo, em tempos ainda mais antigos que, parece, devero permanecer por muito

    tempo nos nossos canteiros de obras.

    Estas ferramentas de trabalho foram capazes de resistir presena da

    eletricidade (certamente a grande revoluo ocorrida na Construo) e s vantagens

    trazidas por ela, alm da prpria luz eltrica que possibilitou estender o trabalho at o

    perodo noturno, A energia eltrica deu maior ganho de produo s pequenas

    mquinas de uso individual tais como furadeiras, serras, lixadeiras etc., ou, ainda,

    possibilitou o desenvolvimento e o uso de mquinas maiores como a betoneira, a

    grua, o elevador, o guincho, e toda sorte de guindastes.

    De fato, a presena, ou no, nos canteiros de obras da Construo, de

    pequenas ou grandes mquinas, movidas ou no a eletricidade (ou mesmo por

    motores a combusto), de equipamentos ou componentes mais ou menos

    performantes, ou a presena, ou no, de prefabricados no se constitui em um fator

    importante na diferenciao dos canteiros de obras. Isso porque uma das

    caractersticas mais importantes da construo exatamente a utilizao dos meios

    que encontra disponveis no lugar. E estes meios variam muito obedecendo aos

    recursos naturais, cultura e s qualificaes locais. Por exemplo, em alguns pases

    asiticos, utiliza-se, ainda hoje, nas construes, mesmo de arranha-cus, andaimes

    feitos de bambu, e no metlicos como conhecemos no ocidente, no obstante a

    sofisticao do projeto em execuo. A capacidade da Construo de se daptar ao

    meio, assim como faz o passarinho ao lanar mo do material para a construo do

    seu ninho, torna os seus canteiros de obras muito semelhantes, no importando a

    poca ou a regio em que eles se encontrem.

  • No obstante a semelhana que aproxima, nos canteiros de obras da

    Construo, pocas to distintas e to distantes, ou mesmo que aproxima pases e

    regies, deve-se registrar a ocorrncia de importantes mudanas. Elas sero mais

    facilmente vistas se centrarmos nossa ateno muito mais na diviso e na

    organizao do trabalho (ou nas qualificaes, classificaes e funes dos

    trabalhadores, o que implicar, por exemplo, no nmero de trabalhadores presentes

    nos canteiros de obras) do que nas inovaes tecnolgicas que possa apresentar.

    De fato, os grandes formigueiros, como se pareciam os canteiros de obras de

    at ento foram reduzidos, muito embora isto no seja visvel em muitos pases e

    regies, especialmente, naqueles menos desenvolvidos. O trabalhadores, sobretudo

    os menos qualificados, foram substitudos por mquinas que executam, entre outras

    funes, o deslocamento de materiais no canteiro.

    Assim, se a mo-de-obra pode ser um fator que assemelha canteiros de

    obras de diferentes perodos e regies, na medida em que a Construo

    fortemente dependente dela, especialmente do trabalhador qualificado ou do trabalho

    artesanal, ela , ao mesmo tempo, um fator que distingue os canteiros e, um

    importante indicador de que a Construo est mudando, quanto diviso e

    organizao do trabalho, origem da mo-de-obra, bem como quanto sua

    formao e qualificao, ao contedo das funes, aos ofcios etc. Observa-se,

    portanto, mudana no perfil do trabalhador: os de origem rural, encontrados nos

    canteiros de obras apenas nos perodos entre o plantio e a colheita, durante muito

    tempo a mo-de-obra tpica da Construo, se misturam a outros de origem urbana,

    e freqentemente habitando na periferia das grandes cidades; mudana nos

    processos de formao: encontramos, cada vez, mais nos canteiros de obras

    trabalhadores formados numa lgica tradicional ou artesanal, ao lado de

    trabalhadores formados dentro de uma lgica industrial. Isso porque trabalhadores

    demitidos deste ltimo setor procuram trabalho na Construo e, sobretudo, porque

    as inovaes, associando tecnologias, equipamentos e mquinas de outras

    atividades, que no as tradicionalmente da Construo, tm possibilitado esse

    encontro; mudana nos contedos das funes: observa-se um movimento, ora de

    estreitamento, ora de alargamento de algumas funes, ligadas, sobretudo, gesto

    dos trabalhos, e, ainda, o desaparecimento ou a perda de importncia de alguns

    ofcios em detrimentos de outros, obedecendo aos novos materiais e s tcnicas

    construtivas e tendncias arquitetnicas.

    Outros indicadores de mudana nos canteiros de obras so relativos

    segurana da mo-de-obra e dos trabalhos mesmos. Embora o canteiro de obras

    possa ser considerado em todo o mundo, um lugar de trabalho inseguro, graas s

    diversas e s diferenciadas presses sociais, tornam-se cada vez mais visveis

  • medidas de proteo e surgimento de uma conscincia coletiva ligada segurana

    dos trabalhos e dos trabalhadores.

    1.2) A evoluo da Construo Civil e sua importncia scio-econmica

    Ao contrrio do que se imagina, a Construo Civil no um setor avesso s

    inovaes tecnolgicas e organizacionais. Mesmo que predomine o uso da fora

    muscular, no incio do sculo XX o emprego da mquina e do concreto armado j

    possuia um papel inovador (Dominique Barjot, 1989). Na verdade, mesmo antes

    disso, no sculo XIX, inovaes e importantes progressos tcnicos j estavam

    presentes em muitos canteiros de obras europeus. No perodo de 1815-1882, como

    observa o autor,

    "...numerosas foram as inovaes tcnicas: mquina de Roger6 em

    1843; grua de Nepveu em 1851, uso de pontes rolantes colocadas

    sobre trilhos para o transporte de materiais e das mquinas a vapor

    destinadas a secar o solo da fundao em 1860."7

    Tambm fez parte das inovaes a generalizao da "bche"(1860), que

    permitiu conduzir os trabalhos durante o inverno, completa o autor.

    So importantes os registros relativos s inovaes organizacionais. Graas a

    um grupo de engenheiros franceses, os princpios tayloristas, por exemplo, bem

    conhecidos da indstria, foram experimentados em algumas empresas. Assim, os

    estudos de Taylor, Gilbreth e de outros autores j eram conhecidos na Frana no

    incio do sculo XX, encorajando os esforos da racionalizao do trabalho. Os

    estudos de Gilbreth sobre a construo dos muros de tijolos foram objeto de uma

    ateno particular e tornaram-se uma uma importante referncia para a Construo.

    Como escreve Franois Monterrat:

    "...A idia de um taylorismo aplicado aos canteiros de obras da

    construo se impe na Frana, antes mesmo do fim da primeira

    guerra mundial, nos meios mais esclarecidos da Construo

    (lderes dos organismos profissionais e sindicais, responsveis pela

    6 "Machine mortier de Roger". Um tipo de mquina onde se colocava a massa a ser utilizada

    na construo, a exemplo das betoneiras atuais.

    7 D. Barjot, "Entreprises et patronat du Btiment (XIXe - XXe sicles); in Crola, J-F., Guillerme,

    A. (dir.), Histoire des mtiers du Btiment aux XIXme et XXme sicles - Actes de

    colloque, Paris, Plan Construction et Architecture - emploi-qualification- formation, Novembre

    1989, p.19

  • federao etc.), sob a influncia determinante de engenheiros e

    arquitetos que vem, nos novos mtodos de racionalizao

    preconizados do outro lado do Atlntico, as solues concretas

    para a crise de produtividade do setor em que eles se vem

    confrontados."8

    O domnio do tempo na execuo das tarefas ou no deslocamento dos

    materiais no canteiro de obras, a mecanizao e os novos mtodos de organizao

    taylorista do trabalho eram, portanto, normas em vigor no incio do sculo XX (F.

    Monterrat, 1989). Deve-se acrescentar, todavia, que a presena destes mtodos no

    era generalizada, mesmo porque, ainda hoje, encontramos nesses pases empresas

    construtoras, sobretudo pequenas e micro empresas, cujo nvel de organizao

    mostra o desconhecimento de seus administradores dos mtodos de organizao ou

    de qualquer outro que no o tradicional.

    Pode-se dizer, ento, que so antigos, nos pases desenvolvidos, os esforos

    da Construo Civil procura da produtividade. muito possvel, tambm, que

    iniciativas semelhantes tenham ocorrido no Brasil e em outros pases em

    desenvolvimento, isso porque os trabalhos de construo so um permanente

    convite criatividade dos que nele se encontram.

    Muito embora sejam inmeros os registros de esforos para essa finalidade, a

    produtividade, segundo Christian du Tertre (1988), nunca se colocou para o setor

    como uma verdadeira preocupao. Na verdade, para a Construo manter as suas

    atividades com sucesso, bastaria que se mantivesse rentvel. Isto se mostrava

    perfeitamente possvel graas ao seu acesso aos recursos produzidos pelos demais

    setores da economia e que lhe eram transferidos pelo Estado. A necessidade do

    ltimo de promover o desenvolvimento atravs de obras de infraestrura (sistemas

    virios, usinas eltricas, saneamento etc.) e de atender s demandas sociais

    relativas habitao, tanto um como outro produtos de alto custo, justifica, segundo

    polticas de sucessivos governos, a transferncia de recursos. E, conseqentemente,

    ajuda-nos a compreender as relaes ntimas, e por vezes promscua, entre o

    Estado e a Construo Civil.

    Todavia, se as inovaes organizacionais e tecnolgicas so de longa data

    conhecidas da Construo, sobretudo, dos pases desenvolvidos, o esforo de

    produtividade ganha maior visibilidade aps o incio do que chamaramos de ruptura

    entre a Construo e o Estado.

    8 F.Monterrat, "Les entreprises du Btiment face la rationalisation du travail des ouvriers de

    chantier dans l'entre-deux-guerres: une prsentation critique."; in J.-F. Crola et A. Guillerme

    (dir.), 1989, op. cit., p.231.

  • Tal ruptura tem origem no endividamento e na crescente incapacidade dos

    Estados nacionais de manterem compromissos sociais ou mesmo polticas

    desenvolvimentistas que se tornavam importantes para a sustentao da

    Construo. A reduo ou o simples corte de financiamentos estatais e a

    transferncia de grande parte desses compromissos para a iniciativa privada

    colocaram a Construo de todo o mundo diante de uma nova realidade. A exemplo

    dos demais setores, a Construo deveria andar com as prprias pernas, depender

    menos do dinheiro fcil dos Estados, muitas vezes perdulrios, submeter-se s

    regras do mercado e tornar-se produtiva.

    No cenrio internacional, a ruptura tem ganho nitidez nas ltimas quatro

    dcadas. Na Europa, por exemplo, o fim do perodo de reconstruo do ps-guerra,

    caracterizado por elevado nvel de demandas ao setor, se defronta com a crise do

    petrleo que vai interromper, quase que abruptamente, o fluxo das obras com

    implicaes graves para o setor e, em especial, para o mercado de trabalho.

    No Brasil, a preocupao com a produtividade embora possa no ser nova,

    passou a ter maior relevncia um pouco mais tarde. A partir dos anos 80, os

    indicadores relativos economia brasileira mostram que o Estado brasileiro ,

    decididamente, incapaz de manter as grandes obras pblicas que marcaram a

    dcada anterior ou, ainda, de manter os importantes financiamentos destinados

    construo habitacional, levando o setor, a exemplo do ocorrido nos pases

    desenvolvidos, a se redimensionar: reduo do tamanho das empresas com drstica

    reduo de pessoal; procura de mercado externo; diversificao das atividades etc.

    Muitas so as empresas dedicadas construo habitacional que, para

    sobreviver crise, tiveram que financiar com recursos prprios as unidades

    produzidas, desvirtuando, por vezes, a sua atividade principal. Pode-se suspeitar, a

    partir de uma simples comparao dos custos atuais de construo com os valores e

    condies de financiamento oferecidos ao consumidor, que, atualmente, os ganhos

    auferidos por algumas empresas com este ltimo sejam maiores que com a

    construo (includa a incorporao) de suas unidades habitacionais.

    O esforo de produtividade observado, hoje, na Construo Civil aparece, nos

    pases europeus desenvolvidos, aps uma preocupao com a racionalizao,

    sobretudo na indstria. No caso brasileiro, isso no diferente, e acompanha a

    chamada globalizao da economia que se esboou nacionalmente no final da

    dcada de oitenta e se torna mais visvel no perodo atual.

    Assim, a produtividade que tem, a partir das ltimas quatro dcadas, em

    diversas partes do mundo, se imposto na gesto dos trabalhos, substitui os princpios

    de rentabilidade at ento dominantes. A introduo de mquinas, equipamentos e

    componentes cada vez mais performantes, em substituio mo-de-obra

  • qualificada de alto custo e rara, (no obstante os crescentes ndices de desemprego)

    no mais uma preocupao isolada de racionalizao do setor, mas obedece a

    presses externas que apontam, como caminho s empresas, a produtividade ou o

    encerramento das atividades.

    A organizao do trabalho que tinha no taylorismo, nos pases europeus no

    incio do sculo XX, um modelo promissor para o setor, muito embora no tenha sido

    de fato aplicado (diferentemente do restante da indstria, a Construo teve grande

    dificuldade para incorporar os princpios tayloristas, limitando-se a algumas

    experincias.), experimenta novas modalidades de organizao seguindo a mesma

    preocupao do resto da indstria.

    O esforo de produtividade a que se assiste na Construo Civil no ,

    contudo, compreendido, por muitos autores, como um simples seguir os passos da

    indstria.

    O economista francs Christian du Tertre (1988), por exemplo, pensa a

    produtividade a partir da idia de intensidade conexa do trabalho"9, e fala de um

    paradgma prprio para a Construo Civil, repousando sobre uma preocupao das

    empresas concernente "flexibilidade organizacional" -ou "flexibilidade de emprego"

    (o recurso subempreitada, ao contrato de tarefa)- segundo uma abordagem

    relativamente tradicional da produo, e/ou a "flexibilidade tcnica" (a utilizao da

    pr-fabricao). Ou seja, o autor cr em uma "dimenso organizacional" capaz de

    reduzir as dificuldades, que subentendem a "flexibilidade do emprego" e a

    "flexibilidade tcnica", polivalncia, autonomia das equipes e valorizao do

    trabalho de canteiro enquanto mecanismo susceptvel de aumentar a produtividade.

    O canteiro da Construo Civil, segundo Christian du Tertre, demanda uma

    abordagem diferente do "atelier" da indstria:

    "A especificidade do processo de trabalho do tipo canteiro de obras,

    distancia o setor dos paradigmas tayloristas da produtividade e

    coloca em cena um contedo da produtividade que se apoia na

    intensidade conexa do trabalho."10

    Os problemas que os autores levantam dizem respeito principalmente

    especificidade da Construo Civil, sobre a qual ns discutiremos ulteriormente, e

    9 C. du Tertre, "Procs de travail de type de chantier et efficacit conomique: le cas du BTP

    Franais", Plan Architecture-Centre d'Etudes et de Recherches sur les Qualifications,

    Paris, Colloque Europe et Chantiers, 1988, p.20.

    10 Ibidem, p.27.

  • sua resistncia taylorizao11. Trata-se, portanto, de implementar um novo modo

    de organizao do trabalho no canteiro. A especificidade do setor relevaria,

    igualmente, o seu modo arcaico de produo, como pensam alguns autores, ou

    ainda, o seu modo original de industrializao12, como avanam outros, ou mesmo a

    sua condio de setor de transio (Alaluf, M., 1986)13. Outro economista francs,

    Benjamin Coriat (1989), prefere falar da riqueza deste tipo de produo, de sua

    forma flexvel. Para ele, trata-se de um laboratrio privilegiado de experimentaes e

    de estudos. A originalidade dos mtodos de trabalho tornam possvel a resistncia

    taylorizao e demanda um modo prprio de gesto da mo-de-obra, caracterizada

    pela flexibilidade14. Ele considera, alm disso, o conceito de produtividade proposto

    por Christian du Tertre como sendo o mais apropriado Construo Civil.

    O debate em torno da produtividade traduz, na verdade, a crena de certos

    autores em um paradgma econmico capaz de resolver as questes ligadas

    Construo Civil.

    A idia central dos autores tem a Construo Civil como um modo original de

    industrializao, refratria s formas tayloristas de organizao do trabalho, e que

    face crise e s necessidades de produtividade, preciso recorrer a um novo modo

    de planificao das tarefas.

    Embora parea haver um certo consenso em torno dessas idias elas no

    esto livres de crticas importantes relativas aos caminhos que levariam a

    Construo Civil a passar do rendimento produtividade. P. Zaraphian (1989), por

    exemplo, considera que a "intensidade conexa do trabalho", da qual fala Christian du

    Tertre, conservou a noo taylorista de tempo e de produo, ou seja, a noo de

    rendimento:

    11 Segundo Franois Monterrat, esta resistncia taylorizao se explica, pelo menos no incio

    do sculo, pela prtica de contratao ilegal da mo-de-obra ("marchandage") muito comum na

    Construo. F. Monterrat, 1989, op. cit., p.237.

    12 "Contrrio s teses que consideram o setor da Construo Civil/Edificaes um setor

    arcico, atrasado em relao s indstrias de srie, ns sustentamos aqui que a Construo

    Civil/Edificaes possui um modo original de industrializao." Tertre, C., "Procs de travail de

    type de chantier... 1988, op. cit., p.2.

    13 Na discusso que Mato Alaluf faz sobre a industrializao da Construo Civil/Edificaes,

    ele caracteriza o setor como sendo de transio, ou seja, apresentando um aspecto tradicional

    -uma organizao do trabalho semelhante das primeiras manufaturas- e um aspecto

    estandardizado - os componentes fabricados em srie, etc. cf. M. Alaluf - Le temps du labeur.

    Formation, emploi et qualification en sociologie du travail., Belgique, Editions de

    l'Universit de Bruxelles, 1986, (coll. Sociologie du Travail et des Organisations), p.197.

    14 B. Coriat, "Productivit, flexibilit, variabilit -sur 'l'exemplarit' du BTP", in Chantier en

    Travail, n16, Paris, fvrier 1989, p.76.

  • "A anlise de du Tertre no rompe com a base da abordagem

    taylorista de produtividade como rendimento."15

    Mas nem todos compartilham da mesma preocupao. Dominique Barjot

    (1989), por exemplo, tem uma outra. Ele procura colocar em evidncia os muitos

    fatores que, para ele, colocam em questo o carcter de indstria da Construo

    Civil: a especificidade do processo de produo e de gesto da mo-de-obra; os

    constrangimentos contnuos; as relaes estreitas de dependncia do Estado.16

    M.Campinos-Dubernet, tambm economista francesa e estudiosa da Construo,

    prefere, por sua vez, considerar o financiamento predial como um srio problema do

    setor a ser superado. Para ela, tomando como referncia a Frana, desde os anos

    setenta, quando o Centro de Estudos e de Pesquisa sobre as Qualificaes

    (CEREQ) abordou o estudo do trabalho de Construo, existia j uma forte tendncia

    "...a considerar que os problemas relativos s condies de uso do

    trabalho no setor eram muito particulares em razo de problema de

    crdito; ele se constituia em um obstculo incontornvel

    transformao dos processos de trabalho impedindo a realizao

    de economias de escala anlogas s que eram realizadas na

    indstria."17

    Na verdade, indiferente ao caminho tomado pelos muitos estudiosos

    da Construo Civil ou s intervenes que sero tentadas a propsito das

    necessidades de produtividade, a referncia heterogeneidade e s especificidades

    do setor, as quais nos deteremos a seguir, parece incontornvel.

    1.3) A heterogeneidade da Construo Civil.

    15 P. Zaraphian, "Productivit et gestion: les apports des recherches sur le BTP"; in Chantier

    en Travail, n16, Paris, fvrier 1989, p.76.

    16 O autor apoiar suas anlises no relatrio de J.Barets ((L'industrialisation du Btiment et

    l'organisation des professions concourant l'acte de construire, Premier Ministre, Paris,

    1971.), "On l'a rationalis, on ne l'a pas industrialis."; Barjot, Dominique (1989), op. cit., p.14.

    17 Campinos-Dubernet, M., Emploi et gestion de la main-d'oeuvre dans le B.T.P. -

    Mutations de l'aprs-guerre la crise, Paris, Dossier du Centre d'Etudes et de Recherches

    sur les Qualifications-CEREQ, octobre 1984. Dossier n34., p.13.

  • Se um setor produtivo pode ser definido como o encontro, num determinado

    espao scio-econmico, de atividades produtivas afins, a sua heterogeneidade se

    definiria na multiplicidade de formas dele se apresentar e se relacionar neste espao.

    A multiplicidade de formas se traduziria pela possibilidade que a grande

    maioria dos produtos pertinentes a um determinado setor tem de ser o resultado

    indistinto do trabalho de empresas, diferentes no seu tamanho, nas suas

    capacidades econmico-financeiras, tcnologicas, organizacionais, ou, ainda, nas

    suas especializaes, frente ao mercado.

    Mesmo considerando que cada um dos setores produtivos possua um

    determinado nvel de heterogeneidade, na Construo Civil esse nvel se apresenta

    suficientemente importante para se constituir numa caracterstica do setor

    largamente reconhecida, ou mesmo, num elemento relevante a ser considerado

    quando do seu estudo.

    A heterogeneidade na Construo Civil se define, sobretudo, a partir do seu

    produto que implicaria desde pequenas obras, como os servios de pintura de um

    apartamento, at grandes obras como construo de estradas, usinas atmicas etc.

    No Brasil, o setor se subdivide em trs grandes subsetores. Eles seriam, segundo a

    Relao Anual de Informaes Sociais do Ministrio do Trabalho, (RAIS/Mtb)18,

    Edificaes, Construo Pesada e Montagem Industrial.

    Ressalte-se, todavia, que a subdiviso no rigida. Ela varia segundo as

    exigncias do mercado, do nvel de complexidade da tecnologia utilizada ou do

    desenvolvimento scio-econmico da regio, do pas ou da poca em que as

    atividades so desenvolvidas. A diviso do trabalho na Construo Civil se apresenta

    como um elemento indicador da sua heterogeneidade.

    Assim, no Brasil dos dias atuais, o subsetor Edificaes se ocupa da

    construo de edifcios, de suas partes ou complementos e subdivide-se em trs

    segmentos especializados: 1) a construo de residncias e outras edificaes de

    carter comercial, institucional ou industrial; 2) a construo de fundaes, estruturas

    e instalaes; 3) as reformas de imveis prediais em geral. Este ltimo tem merecido

    uma ateno especial. O Pas tm assistido ao surgimento de empresas de

    construo especializadas nos trabalhos de reformas, o que parece ser uma

    estratgia de alguns empresrios do setor, sobretudo o de pequenos empresrios,

    para escapar da crise econmica que insiste em atingir o setor. Parece, contudo, ser

    um mercado promissor para as empresas de construo, sobretudo se tomarmos

    como referncia as empresas de pases desenvolvidos que se dedicam a este ramo

    de atividade, muitas delas de grande porte. Embora executem atividades quase

    18 Relao Anual de Informaes Sociais (RAIS)/Ministrio do Trabalho.

  • limitadas aos trabalhos de acabamento (revestimentos, pinturas, pequenas

    alvenarias etc.), estas empresas podero aos poucos, a exemplo do que ocorre em

    pases mais desenvolvidos, asssumir trabalhos mais complexos nas reformas

    prediais tais como a construo de subsolos, o redimensionamento dos espaos

    internos, a execuo de novas estruturas, em parte ou totalmente.

    A Construo Pesada outro subsetor que se encarrega da construo e da

    reforma da infraestrutura viria, urbana e industrial, de pontes, de barragens, de

    servios de saneamento etc.

    Finalmente, o subsetor Montagem Industrial o responsvel pela montagem

    de estruturas para a instalao de indstrias etc.

    Ainda que a identificao destes subsetores sugira uma ntida diferenciao

    entre eles, suas fronteiras no so bem precisas. Isto significa dizer que algumas

    atividades lhe so comuns, possibilitando, desta forma, tanto por parte da empresa

    como por parte dos seus trabalhadores, uma mobilidade interna ao setor.

    Assiste-se, portanto, a empresas especializadas em determinado subsetor da

    Construo Civil a se arriscarem em um outro subsetor. Talvez pressionadas pela

    falta de trabalho ou mesmo obdecendo a uma determinada estratgia de se

    posicionar melhor no mercado, por vezes elas se dedicam a mais de um subsetor.

    Isto pode ocorrer, tambm, com muitos trabalhadores da Construo que, movidos

    por foras semelhantes, podem migrar de um subsetor para outro.

    Estes subsetores envolvem milhares de empresas que, alm de se dedicarem

    a atividades diferentes, possuem dimenses, prticas construtivas e modos de

    gesto da mo-de-obra igualmente distintos.

    No que diz respeito ao porte dessas empresas no Brasil, e segundo a RAIS e

    o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), aquelas que possuem de 1 a

    9 empregados podem ser classificadas como Microempresas; como Pequenas

    empresas, se o efetivo empregado se encontra entre 10 a 99 assalariados; como

    Empresas de mdio porte, se possuem de 100 a 499 empregados; e finalmente

    como Empresas de grande porte, se contam com mais de 500 empregados.

    A classificao que se faz a partir do nmero de trabalhadores empregados

    se mostra insuficiente para que a verdadeira dimenso da empresa da Construo

    seja determinada. De fato, so cada vez mais presentes no mercado as empresas

    "holding". Uma grande empresa pode subdividir-se em mais de uma empresa

    pequena ou mdia que, embora se apresente como uma nica empresa, faz, na

    verdade, parte de um grupo maior. Da mesma forma, pequenas empresas podem

    passar por microempresas mantendo, sem registro, parte do seu pessoal

    considerado empregado.

  • Deve-se acrescentar, tambm, que uma significativa parte dos trabalhos de

    Construo, via de regra os de pequenas obras de construo ou de reforma, podem

    no ser realizados por empresas, mas por trabalhadores autnomos ou por um

    pequeno grupo deles. De modo geral estas obras, bem como os seus trabalhadores,

    escapam ao controle dos orgos estatais responsveis tanto pela autorizao e

    fiscalizao da obra, quanto pelo cumprimento da legislao trabalhista, inscrevendo-

    se, portanto, na economia informal, cujo dimensionamento se constitui uma tarefa

    rdua.

    Voltando s empresas, elas podem especializar-se na administrao das

    obras contratadas, transferindo a maior parte da execuo para as subempreiteiras,

    criando uma reduo do seu pessoal e uma certa iluso ao observador quanto sua

    verdadeira dimenso. De fato, a cada dia, seja na Construo Civil, seja em qualquer

    outro setor produtivo, o nmero de trabalhadores assalariados pertencentes a uma

    determinada empresa deixa de ser um indicador seguro no esforo de se

    dimension-la. cada vez mais importante que outros indicadores, tais como o

    capital, a ligao com uma "holding", a tecnologia utilizada, a presena em outros

    mercados (regies ou mesmo pases e atividades diferentes), a qualificao da sua

    mo-de-obra, as inovaes utlizadas etc., sejam considerados para que o seu

    tamanho seja devidamente dimensionado.

    Prticas construtivas diferentes so, tambm, frequntemente observadas na

    Construo. Um prdio poder ter uma estrutura em concreto (pr-fabricada, ou no),

    metlica, ou ainda em alvenaria estrutural (auto portante), ou mesmo em madeira.

    No caso das estruturas em concreto, por exemplo, as formas podem ser de madeira

    ou metlicas, deslizantes, cilndricas de papelo etc. Opes semelhantes so

    encontradas no conjunto da obra: trabalhos de alvenaria, de acabamento etc. O

    universo amplo de possibilidades que encontramos na Construo, e que nos d a

    medida da sua heterogeneidade, se relaciona diretamente com a capacidade de a

    empresa incorporar e/ou desenvolver inovaes no processo de trabalho (o que pode

    depender do tamanho da empresa), conforme as ofertas locais, a capacitao

    profissional do coletivo de trabalho, as preferncias tecnolgicas, a viabilidade

    econmica destas possibilidades.

    A heterogeneidade da Construo Civil, se reflete, tambm, nas diferentes

    formas de as empresas se inserirem no mercado e de fazerem a gesto da sua mo-

    de-obra.

    Elas entram no mercado distinguindo-se das que assumem o conjunto do

    trabalho na condio de contratantes, ou das que atuam como subempreiteiras,

    ocupando-se, portanto, apenas de parte dos trabalhos contratados primeira. Deve-

  • se ressaltar, contudo, que as empresas podem, tambm, utilizar-se das duas formas:

    ora como empresas contratantes, ora como subempreiteiras.

    As subempreiteiras, por sua vez, podem utilizar-se da mo-de-obra do

    "tarefeiro", do trabalhador "volante" ou do pequeno empreiteiro. De fato, a origem

    destas empresas e a relao que elas mantm entre si so uma parte constitutiva de

    um modo de organizao do trabalho da Construo, cujo registro j era feito na

    Europa do sculo XIX, no qual a subempreitada se apoiava na "tarefa" (Dominique

    Barjot, 1989).19

    Em funo das polticas empresariais de gesto dos trabalhos e da mo-de-

    obra (voltaremos gesto da mo-de-obra ainda neste captulo), os trabalhadores da

    Construo podem ser assalariados, ou seja, empregados de empresas contratantes

    ou de subempreiteiras, so os "tarefeiros", trabalhadores autnomos remunerados

    pela metragem executada da tarefa contratada;20 ou os "volantes", trabalhadores que

    embora desenvolvam suas atividade como os demais empregados, no foram

    devidamente registrados.

    A heterogeneidade da Construo se constitui, ainda, em grande parte, a

    responsvel por uma qualificao diferenciada dos trabalhadores do setor, onde a

    experincia na execuo dos trabalhos, conta mais que o nvel de escolaridade ou o

    diploma que, por ventura, possuam.

    Finalmente, a heterogeneidade da Construo Civil cria alguns obstculos

    aos pesquisadores do setor que devem redobrar sua ateno na elaborao das

    suas metodologias de pesquisa. Via de regra empresas que exploram um mesmo

    segmento de um mesmo subsetor, freqentemente, mostram-se muito diferentes.

    Deve-se, portanto, levar em conta este fato antes de se extrapolarem as

    constataes feitas em uma empresa ou em um grupo delas.

    19 "O tarefeiro um homem de 'mtier', ele particular entre os outros, no tem oficina e nem

    canteiro prprio: um operario sub-empresrio, geralmente especializado em uma

    determinada profisso. Se ele sacrifica, algumas vezes, a qualidade da obra para garantir a

    quantidade da produo, e se acomoda melhor aos trabalhos estandardizados, s tarefas

    repetitivas relativas ao uso de novas tcnicas (montagem de materiais prefabricados), o

    trabalho por tarefa ('tcheronat') no coloca em questo as hierarquias profissionais e

    corporativas da Construo Civil/Edificaes. Sua prtica ocorre no corao mesmo de cada

    corpo de ofcio. De uma certa maneira, pode-se dizer que ele refora o sistema de 'mtiers'

    graas emulao que exerce no seio da classe operria, privilegiando os 'bons' e reprovando

    os 'maus' oficiais ('compagnons')." in F. Monterrat., 1989, op. cit., p.241-243.

    20 O trabalho por tarefa e o trabalho por pea no devem ser confundidos com o 'tcheronat'.

    Enquanto nos dois primeiros casos a remunerao em funo do trabalho executado -uma

    tarefa ou um conjunto de peas- o 'tcheronat' se apresenta preferencialmente como um modo

    de organizao e de controle da mo-de-obra." Para mais detalhes, ver Monterrat, Franois,

    1989, op. cit.

  • 1.4) A especificidade da Construo Civil.

    A especificidade da Construo constri-se a partir da existncia de inmeras

    e diferenciadas condies (sociais, econmicas, culturais, tcnicas, estticas etc.) a

    que ela est sujeita, o que a define como um setor possuidor de um modo todo

    prprio de ser e de fazer.

    Muito embora cada setor produtivo possua sua especificidade, no caso da

    Construo Civil, a exemplo do que ocorre com a heterogeneidade, ela se apresenta

    como uma caraterstica importante do setor.

    Isto significa dizer que os estudos desenvolvidos na Construo sobre o

    processo de trabalho, a organizao, a gesto, a produtividade, as condies de

    trabalho, a identidade operria, as funes, a formao, a qualificao etc., e, claro,

    os estudos arquitetnicos, e os demais projetos ou clculos so obrigados a levar em

    conta a especificidade do setor. A possibilidade de utilizao de diferentes modos de

    organizao do trabalho, a diversidade de tcnicas empregadas e as prprias

    condies de construo e de trabalho do, se ns a compararmos ao resto da

    indstria, um carcter especfico Construo Civil (Mato Alaluf, 1986)21.

    Evidentemente, a especificidade da Construo s pode ser determinada

    comparando-a com os demais setores produtivos. Assim, os vrios estudos sobre a

    Construo, no importando os seus objetivos, tendem a considerar sua

    especificidade a partir de um referencial externo. E, neste caso, a indstria22,

    especialmente a automobilistica, que se mostra como o modelo preferido dos

    estudiosos do setor. Vejamos, por exemplo, o que diz o economista francs Christian

    du Tertre sobre isto:

    "Hoje, um automvel um conjunto de elementos fabricados,

    montados na linha de produo. Ns estamos, para o apartamento

    e a casa, na primeira idade do automvel."

    De modo geral, esses estudos tendem a abordar a especificidade da

    Construo Civil, enquanto obstculo a ser superado para atingir um nvel e um

    modelo de desenvolvimento idntico ao da indstria. , ainda, este autor que nos

    fala.

    21 M. Alaluf observa que o setor de habitao, "se caracteriza por uma enorme diversidade e

    heterogeneidade.". Esta diversidade, continua o autor, tem tres tipos de consequncias: a

    segmentao do mercado, uma enorme mobilidade e heterogeneidade da organizao do

    trabalho., in ALALUF, M., 1986, op. cit., p.197.

    22 K. Marx define assim a indstria: "A passagem do artesanato indstria a passagem da

    ferramenta, animada e orientada pelo operrio, mquina, que move e dirige por si mesma.";

    in MARX, K., O Capital, 1a.ed. S.Paulo, Difel, 1985, Livro 1, vol.1.

  • "Um dia, provavelmente prximo, construiremos prdios e

    apartamentos em fbricas, a soluo 'inelutvel'".23

    Na verdade, j temos, h muito tempo, tecnologia que nos permite fabricar

    nossos prdios como outros produtos, o automvel, por exemplo. Se no o

    fabricamos porque outros elementos, que no os avanos tecnolgicos, devem ser

    levados em considerao.

    Importa-nos, todavia, no momento, pensar que a comparao acima traz

    consigo um modo todo prprio de se ver a Construo. Alm deste olhar se

    fundamentar num determinado saber (econmico, social etc.), ele traz consigo um

    juzo de valor. O que significa dizer que alguns elementos pertinentes aos diversos

    setores produtivos e presentes na comparao podem ser positiva ou negativamente

    valorados.

    Assim, esta maneira de pensar a Construo tem contribudo fortemente para

    a construo de uma imagem negativa do setor que , freqentemente, associado ao

    atraso. No obstante isto, aos poucos a especificidade do setor comea a ser

    descoberta como um elemento positivo. o prprio Christian du Tertre que se junta a

    outro economista francs, Benjamin Coriat (1989), na anlise sobre o processo de

    trabalho, para descobrir na Construo Civil/Edificaes um "modo original de

    industrializao". Este ltimo chega a ver nos canteiros de obras da Construo um

    laboratrio privilegiado de investigao.

    De fato, reduzir a especificidade do setor a um elemento de atraso e que

    deve, portanto, ser superada, fechar os olhos s tramas e s possibilidades,

    inclusive inovadoras, a que est sujeito o trabalho na Construo Civil.

    Na verdade, foram os estudos de cunho econmico, preocupados com a

    produtividade do setor e as dificuldades encontradas para submet-lo ao modo de

    organizao do trabalho predominante na indstria -a taylorizao- que mais

    contriburam para considerar negativamente a Construo.

    A taylorizao um modelo de organizao do trabalho que se construiu a

    partir das referncias e dos objetivos prprios da indstria. Na obra de F. W. Taylor

    "Os princpios da administrao cientfica das empresas" (1911)24, os canteiros da

    Construo somente aparecem quando se referem aos estudos de Frank B.

    Gilbreth25 sobre o controle dos tempos e dos movimentos do trabalho de um

    23 C. du Tertre, "Procs de travail de type de chantier..., 1988, op. cit, p. 27.

    24 F. W. Taylor - Princpios de Administrao Cientfica, 7a. ed. S.Paulo, Ed.Atlas, 1987.

    25 Sobre isto, ver Franois Monterrat, que discute o mtodo de organizao do trabalho

    proposto por Gilbreth para a Construo Civil/Edificaes e tenta compreender suas

    dificuldades. Na sua opinio, Gilbreth no suspeitava "os problemas de coordenao que

  • pedreiro, no se considerando nestes estudos a especificidade da Construo. A

    descrio de Gilbreth pode levar o leitor menos avisado a pensar nos trabalhos da

    Construo de uma maneira muito linear, como se tratasse da eterna construo de

    um muro de tijolos.

    No obstante a contribuio de estudos econmicos, a imagem negativa do

    setor j estava definida, graas a sua dependncia do uso da fora fsica26 e do

    gesto artesanal do trabalhador que prevalecia s inovaes tecnolgicas,

    representadas na indstria, pela introduo de mquinas, equipamentos e

    componentes cada vez mais performantes que vo revolucionar no somente a

    fbrica mas a prpria sociedade.

    Assim, os fatores que atraram a ateno de inmeros pesquisadores para a

    indstria, qual sejam a incorporao de inovaes tecnolgicas e organizacionais e a

    sua capacidade de tornar-se produtiva, afastaram os mesmos pesquisadores da

    Construo. E, quando voltam seus olhos para ela, esse olhar parece estar

    condicionado a uma realidade industrial clssica.

    Na verdade, aos olhos de alguns pesquisadores da Construo Civil, o setor

    se mostra resistente taylorizao e, muito possivelmente, isto explicaria a pequena

    ateno que lhe fora dada no passado por muitos deles.

    Num estudo sobre as polticas de formao do pessoal e os problemas

    estruturais mais gerais da Construo Civil, M. Colombard-Prout e O. Roland27

    chamam a ateno para o carcter de resistncia da Construo. Eles colocam em

    relevo a importncia da especificidade do setor em termos de projeto de

    produtividade, na medida em que ele cria obstculos a uma aplicao ortodoxa do

    taylorismo e demanda um modelo prprio de racionalizao e de desenvolvimento.

    Voltemos, entretanto, especificidade propriamente dita. Preocupado com a

    produtividade do setor e, portanto, a possibilidade de articular suas operaes de

    modo a reduzir os tempos mortos, controlar os movimentos do operrio e o tempo de

    suas operaes, face s contingncias da Construo, Christian du Tertre (1988)28

    nascero, no incio do sculo, da complexificao das Construes."; in Monterrat, Franois,

    1989, op. cit., p.235.

    26 De fato, se os estudos econmicos preocupados com a produtividade e o desenvolvimento

    da organizao taylorista contribuiram para a construo de uma imagem negativa do setor,

    essa imagem j se encontrava delineada, seja nos trabalhos pesados e perigosos da

    Construo, seja na no exigncia de uma mo-de-obra escolarizada e que era considerada

    descartvel.

    27 M. Colombard-Prout et O. Roland - L'volution de la formation des chefs de chantiers de

    gros oeuvre. Paris, Plan Construction et Habitat, Col.Recherches, avril 1985, 274 pages.

    28 C. du Tertre, "Procs de travail de type de chantier..., 1988, op. cit., p.21.

  • apresenta o processo de trabalho da Construo, que constitue a especificidade do

    setor, a partir de quatro caractersticas: a heterogeneidade do produto, a importncia

    dos eventos aleatrios e os disfuncionamentos, a fuso dos tempos elementares

    operatrios e dos "tempos conexos", e a utilizao pelos operrios de ferramentas

    simples que no impem dispositivos organizacionais rgidos, tempos precisos.

    Pensar a especificidade da Construo a partir da produtividade reduzir a

    sua dimenso e a sua importncia. De fato, a Construo se encontra condicionada

    a um conjunto de fatores, no apenas econmicos, mas tambm, sociais, tcnicos e

    humanos que determinam um processo prprio de trabalho, de gesto, de

    organizao, e de produo. Na medida em que ele rene todos estes fatores, o

    produto da Construo se constitue num objeto privilegiado de anlise e isto, para

    ns, pode ser visto em quatro planos:

    1) No plano social - Os produtos da Construo tm uma finalidade social.

    Eles se dirigem ao conjunto da sociedade e esto ligados s necessidades

    fundamentais do homem e da sociedade.

    2) No plano econmico - O custo de produo das obras se mostra muito

    elevado, se comparado ao de outros produtos (mesmo se levarmos em conta a

    finalidade social das construes). Alm disto, o prazo de amortizao do capital

    investido se estende por um longo perodo. Isto pode explicar a presena do Estado

    no setor atravs das polticas pblicas ou de desenvolvimento nacional visando ao

    emprego, formao, qualificao, aos salrios, assim como garantia de

    habitaes sociais, repartio de recursos tcnicos, sociais e financeiros nacionais.

    As obras tm, de fato, um papel econmico importante no mercado do trabalho, que

    se mostra ampliado quando se leva em conta a capacidade de o setor de impulsionar

    a produo e o consumo em geral, o que significa dizer que "Quando a Construo

    vai bem, tudo vai bem".

    3) No plano tcnico - O fator tcnico pode dividir-se em, pelo menos, cinco

    elementos: a) os projetos (arquitetnicos, estruturais, eltricos, hidrulicos etc.): eles

    so nicos, diferenciados, e obedecem finalidade social, esttica e economia,

    mas eles se encontram, sobretudo, condicionados ao espao fsico a ser construdo;

    b) o espao a ser construdo: o canteiro da Construo no possui um espao fixo.

    Terrenos de tamanhos diversos e situados em qualquer lugar, nos espaos ubanos

    ou rurais, podem transformar-se em um canteiro de obras; c) a variabilidade do

    espao a ser construdo torna a Construo vulnervel s condies geolgicas e

    topogrficas e a coloca merc das mudanas das condies atmosfricas; d) a

    inexatido dos valores e das medidas, devido utilizao de diferentes materiais e

    suas diferentes condies de uso, e) a simultaneidade da construo: a dificuldade

  • ou mesmo a impossibilidade de se construir simultneamente vrias partes da obra.

    No obstante o uso de prefabricados, esta impossibilidade , ainda, marcante.

    De fato, grande parte dos problemas creditados Construo e que dizem

    respeito sua especificidade podem ser percebidos nos esforos de inmeros

    empresrios do setor para super-lo tecnicamente.

    A utilizao da prefabricao, por exemplo, lembrada sobretudo nos

    momentos de crise aguda das economias nacionais, se constitui num processo j

    conhecido desde o incio do sculo. Ela tende, entre outras coisas, a reduzir ao

    mximo o emprego da mo-de-obra qualificada no canteiro de obras. Assim, pelo

    menos parte da mo-se-obra pode deslocar-se para os escritrios de estudos e

    projetos, e dedicar-se racionalizao dos trabalhos de construo e reduo do

    seu custo. A tarefa principal superar tecnicamente as dificuldades presentes no

    modo tradicional de construo.

    A prefabricao est baseada em dois procedimentos tcnicos. No primeiro,

    como explica Dominique Barjot,

    "Trata-se de prefabricar um imvel nas fbricas e de instal-lo, em

    seguida, no canteiro de obras graas a operaes de montagem

    reduzidas a trabalhos de funes com as fundaes."29

    No segundo, somente as estruturas em metal ou em concreto so construdas

    fora do canteiro, inspirando-se na indstria automobilistca, como observa Andr

    Guillerme30 (1989). Para que se tenha uma idia da fora da especificidade da

    Construo, deve-se registrar que no obstante os esforos de muitos empresrios e

    mesmo do Estado, o projeto de generalizao da prefabricao fracassou: os

    imveis prefabricados no deram mostra, ainda, de reduo do custo da construo.

    Alm disto, com a crise econmica que redimensiona as demandas e os canteiros de

    obras, as tcnicas tradicionais, tais como as formas, parecem adaptar-se melhor

    nova realidade. Assim, o gesto do trabalhador que tradicionalmente identifica o seu

    ofcio, ameaado de desaparecer pela prefabricao, a exemplo do ocorrido nas

    demais indstrias como a de automvel, reintegra os canteiros da Construo.

    Os gestos, que se transformam em funo das necessidades ligadas s

    especificidades da Construo e se adaptam s condies de cada canteiro, vo

    29 D.Barjot, "Entreprises et patronat du Btiment (XIXe - XXe sicles); in CROLA, Jean Franois

    e GUILLERME, Andr (dir.), 1989, op. cit., p.24

    30 A. Guillerme, "Rapport introductif au atelier Techniques et matriaux"; In CROLA, Jean Franois e GUILLERME, Andr (dir.), 1989, op. cit., p.195.

  • permitir aos trabalhadores da Construo manter intactos, ou quase, os seus ofcios

    e com eles o que resta de sua autonomia.

    4- No plano humano. De fato, se verdade que o trabalhador da Construo

    ainda um pouco o seu prprio mestre, resulta da que a cadncia dos trabalhos no

    se submete performance das mquinas introduzidas nos canteiros de obras,

    contrariamente ao que se passa na maior parte do sistema de produo industrial

    semi-automatizado ou automatizado, mas sua vontade. A Construo guarda,

    sobretudo, a capacidade fsica e psquica dos trabalhadores de ir, ou no, at o fim

    da sua resistncia na medida em que podem controlar as suas intervenes

    reduzindo ou aumentando os seus esforos. Ou seja, concernente s demandas de

    produtividade, o trabalhador da Construo desempenha um papel diferente daquele

    dos demais setores da indstria.

    Notemos, ainda, que o desenvolvimento dos trabalhos, frequentemente a cu

    aberto (o que, algumas vezes, apontado como positivo por muitos trabalhadores

    que se dizem incapazes de trabalhar em ambientes fechados, como escritrios etc.)

    significa, tambm, confrontar-se com condies naturais (climticas, geolgicas

    etc.)31 que os tornam, fequentemente, penosos, muito embora se deva reconhecer

    que os trabalhadores da Construo no sejam os nicos a conviver com esse tipo

    de problema. De fato, sua adaptao ao ambiente pode tornar-se cada vez menos

    necessria devido existncia no mercado de numerosas mquinas que lhes

    poupam esforos fsicos, ou equipamentos que os livram do barulho, da poeira e que

    podem at mesmo reduzir riscos de acidente e sua gravidade.

    a partir deste contexto que se pode avaliar a importncia da especificidade

    da Construo nas formas de gesto da mo-de-obra, no perfil da mo-de-obra

    (escolaridade, idade), nas condies de trabalho (salrios, durao da jornada de

    trabalho, rotatividade, (tempo de trabalho no setor e/ou na empresa), nos fatores que

    sero tratados a seguir.

    Mais frente, no capitulo 2, trataremos da formao e da qualificao do

    trabalhador da Construo que, como o leitor poder constatar, esto igualmente

    relacionadas especificidade do setor.

    1.5) As formas de gesto da mo-de-obra

    No que diz respeito gesto da mo-de-obra, uma caracterstica importante

    da Construo Civil a exteriorizao do seu pessoal32. Ou seja, as empresas

    31 Para saber mais sobre a passagem do meio natural ao meio tcnico, ver Friedmann, G.,.7

    Etudes sur l'homme et la technique, Paris, Gonthier, 1966.

    32 De certa forma, o modelo de exteriorizao da mo-de-obra, tradicionalmente presente nos

    canteiros de obras da Construo Civil, em especial no subsetor de Edificaes, igualamente

  • procuram manter em seu quadro permanente apenas um nmero reduzido de

    trabalhadores, um ncleo constitudo dos mais qualificados, que gozam de maior

    confiana da empresa e so responsveis pelos trabalhos que exigem maior

    preciso. Eles so acompanhados de numerosos outros trabalhadores considerados

    "descartveis", que de modo geral, so baixa qualificao, como os serventes, vigias

    etc., ou ainda os "tarefeiros", "volantes", ou pequenos "empreiteiros". Enfim, no

    pertencendo ao quadro permanente das empresas, nem gozando de sua confiana,

    essa mo-de-obra est sujeita a uma maior rotatividade e outras formas de

    precarizao do trabalho.

    As empresas da Construo esto sujeitas a um mercado permanentemente

    instvel, produzindo, portanto, um fuxo varivel de demanda. s vezes, na falta de

    trabalho, elas quase fecham as suas portas; outras devem desdobrar-se para

    atender s demandas que lhe chegam. Assim, so levadas a desenvolver polticas

    de gesto da mo-de-obras estreitamente articuladas instabilidade do mercado.

    De fato, estudos sobre a gesto da mo-de-obra na Construo Civil tm

    mostrado que diferentes formas podem substituir umas s outras a partir de

    transformaes econmicas sofridas pelo setor.

    Os estudos de Michelle Tallard(1983), por exemplo, sobre as formas de

    gesto do trabalho no setor, na Frana, no perodo que vai da ltima guerra mundial

    at 1983, mostra que no pas, a locao de mo-de-obra, at ento muito utilizada,

    foi substituda pela sub-empreitada nos anos 1980. Esta evoluo leva a autora a

    concluir

    "...que as polticas de gesto da mo-de-obra, e os meios aos quais

    elas recorrem, no tm uma lgica prpria, mas que elas so

    elaboradas em funo das estratgias econmicas e de seus

    objetivos."33

    Percebe-se, ainda, que tanto em uma como em outra forma de gesto

    detectada pela autora, permanece um ncleo constitudo por um conjunto de

    trabalhadores qualificados e estveis, em torno do qual gravita uma mo-de-obra no

    qualificada e no estvel. De fato, embora mudem os modos de gesto, o recurso

    exteriorizao da mo-de-obra se mantm e parece mostrar-se como uma

    visvel nos dias de hoje nos demais setores produtivos, no que se convencionou chamar de

    terceirizao da mo-de-obra.

    33 M. Tallard, - Travail prcaire et politiques de gestion de la main-d'oeuvre dans le BTP,

    Paris, CREDOC, 1983, p.209.

  • caracterstica da Construo Civil, no importando a regio ou o pas onde se

    desenvolvam as suas atividades.

    Assim, observa-se no estudo que a recorrncia ao trabalhador autnomo e ao

    subempreiteiro reforou a exteriorizao da fora de trabalho, ao mesmo tempo em

    que mostrou a ausncia de uma lgica de gesto da mo-de-obra por parte das

    empresas.

    A ausncia de uma lgica prpria na gesto dos trabalhadores igualmente

    apontada por Myriam Campinos(1984) em estudos desenvolvidos no mesmo pas.

    Ela mostra, ainda, as tramas e as estratgias das empresas e as mudanas que elas

    adotam na gesto de sua mo-de-obra face s transformaes econmicas. Ela

    refora, especialmente, a idia da presena, nas empresas da Construo Civil, de

    uma resistncia taylorizao e da necessidade de um novo modo de gesto da

    mo-de-obra34.

    Na anlise que faz das formas de gesto da mo-de-obra na Construo,

    Christian du Tertre (1989)35 prefere sublinhar a mobilidade. Ele considera importante

    a mobilidade e ela no somente extra-setorial mas tambm intersetorial. A

    similitude que existe entre algumas categorias de trabalho da Construo Civil e do

    restante da indstria tem, de fato, favorecido a transferncia da qualificao dos

    trabalhadores da primeira para a segunda. Atrs dessa mobilidade escondem-se,

    todavia, as ms condies de trabalho e a baixa remunerao da Construo

    denominadas por M.Campinos de "diferencial de gesto".

    Por outro lado, a diversificao dos tipos de construo explica a presena de

    uma mo-de-obra competente e polivalente. Da mesma forma, a presena de um

    ncleo de operrios altamente qualificados e estveis, que se opem aos efetivos

    "volantes", pouco qualificados e menos estveis, devido ausncia de

    determinismo tecnolgico na organizao do trabalho e s condies de

    espacializao da produo, conclui Christian du Tertre.

    Em outro estudo, M. Colombard-Prout e O. Roland36 confirmam as

    observaes de outros autores, segundo as quais em um mesmo canteiro de obras

    pode se verificar a cohabitao dos modos industrial e tradicional de produo, assim

    como a transformao das relaes de trabalho e a evoluo dos empregos, das

    funes, das qualificaes e dos ofcios no setor.

    1.6) O perfil da mo-de-obra da Construo.

    34 M. Campinos-Dubernet, Emploi et gestion de la main-d'oeuvre... 1984, op. cit.

    35 C. du Tertre, 1989, op. cit.

    36 M. Colombard-Prout et O. Roland - L'volution de la formation... 1985. op cit.

  • Que emprego pode pretender um jovem analfabeto ou de baixa escolaridade

    que chega grande metrpole do seu pas ou do estrangeiro, depois de abandonar o

    campo ou o pequeno vilarejo onde habitava?

    Durante muito tempo as portas dos canteiros de obras da Construo Civil,

    especialmente do subsetor edificaes, estiveram abertas para este jovem. Trata-se

    de uma mo-de-obra de baixo custo, habituada s dificuldades da vida ou ao

    trabalho pesado e suficientemente motivada para enfrentar as condies difceis que

    o aguardavam no canteiro de obras. Ele era, ainda, possuidor de alguma qualificao

    construda na adolescncia, e mesmo na infncia, como ajudante da famlia na luta

    pela subsistncia (trabalho na lavoura, na carvoaria, nas pequenas construes, na

    carpintaria etc.), o que, de certa forma, o credenciava aos trabalhos da Construo,

    graas semelhana entre alguns trabalhos e ferramentas utilizadas.

    Para o jovem, a Construo Civil se mostrava como a oportunidade de um

    primeiro emprego (com possibilidade de, inclusive, no futuro, tranferir-se para outro

    setor), acesso vida urbana e s facilidades que ela parecia lhe oferecer

    (assistncia mdica, escola, habitao, consumo etc.), enfim, a possibilidade de

    insero e/ou de ascenso social.

    Durante muito tempo estava na Construo Civil o emprego que este jovem

    procurava. Hoje, entretanto, isto no parece ser mais verdade. De um lado, constata-

    se uma mudana no perfil dos jovens. Eles esto, muito mais, nas periferias das

    grandes cidades do que no campo: possuem um melhor nvel de escolaridade; esto

    mais conscientes das mudanas e das transformaes ocorridas no mundo graas

    massificao dos meios de comunicao; tm novos valores como referncia de

    suas vidas; desenvolveram novos costumes etc. Esto, tambm, menos habituados

    aos trabalhos pesados ou ao uso das ferramentas encontradas nos canteiros de

    obras. No obstante os altos ndices de desemprego, tm surgido novas e atraentes

    oportunidades no mundo do trabalho, impulsionadas, sobretudo, pelos avanos

    tecnolgicos e pelo aumento da demanda nos setores de servio. De fato, abre-se

    um leque maior de possibilidades de insero e ou/de ascenso social, muito embora

    este mesmo jovem deva lutar para no cair na marginalidade empurrado pela

    criminalidade, ou atrado pela vida "fcil" que o trfico de droga lhe promete.

    Assim, a Construo cada vez menos a porta de entrada "natural" destes

    jovens, ou, pelo menos, no mais a nica porta.

    Aos olhos de muitos, todavia, nada parece ter mudado. E isso pode ser

    creditado ao fato de que, por um lado, se tomarmos como referncia os demais

    setores produtivos, no parecem ser muitas as mudanas ocorridas na Construo.

    No que diz respeito aos trabalhos nos seus canteiros de obras, por exemplo, no se

    registra a incorporao de importantes mquinas, equipamentos ou de tecnologias

  • sofisticadas e, diferente do que se poderia esperar, encontramos, ainda nos dias de

    hoje, muitos trabalhos que dependem do uso da fora fsica e colocam em risco a

    integridade fsica dos seus trabalhadores (o que faz a Construo ser, ainda, vista

    como um lugar para "machos"), e isto, mesmo nas construes em pases

    desenvolvidos. Por outro lado, observa-se que, no obstante as inmeras

    transformaes pelas quais passa o mundo, encontramos procura de trabalho, nas

    portas de canteiros de obras, vindos de regies distantes e pobres, trabalhadores

    cujo perfil se assemelha muito ao dos operrios de trs ou quatro dcadas passadas.

    Esse quadro ajuda a explicar, o motivo por que, aos olhos de alguns, a

    Construo Civil considerada um setor atrasado ou mesmo arcaico, e, ainda, por

    que seus canteiros de obras seriam uma porta aberta mo-de-obra sem

    qualificao.

    Alguns reparos, entretanto, merecem ser feitos. Ainda que a Construo Civil

    esteja associada mo-de-obra sem qualificao, trata-se de um setor que

    prescinde de mo-de-obra qualificada. Tm-se confundido trabalhos pesados, sujos,

    arriscados com trabalhos simples, quando na verdade o contedo das tarefas da

    Construo, na sua maioria, no tm nada de simples. Da mesma forma, confunde-

    se, frequentemente, escolarizao com qualificao. Trabalhadores analfababetos ou

    semi-analfabetos e, muitas vezes, pobres e carentes so tomados por trabalhadores

    sem qualificao. Muito embora a escolarizao seja um elemento constitutivo

    importante da qualificao, outros fatores, como o tempo efetivo de experincia nos

    trabalhos de construo e de outros setores, tm tradicionalmente contribudo para a

    qualificao dos trabalhadores da Construo Civil.

    Como as atividades desen