a construÇÃo do ator “dilma” em charges do jornal …
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PRISCILA FLORENTINO DE MELO
A CONSTRUÇÃO DO ATOR “DILMA” EM CHARGES DO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO
Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Lucia Rodella Abriata
FRANCA
2012
PRISCILA FLORENTINO DE MELO
A CONSTRUÇÃO DO ATOR “DILMA” EM CHARGES DO
JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO
COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA
Presidente: ____________________________________________________
Profa. Dra. Vera Lucia Rodella Abriata
UNIFRAN
Titular 1:_______________________________________________________
Prof. Dr. Jean Cristtus Portela UNESP
Titular 2: ______________________________________________________
Prof. Dr. Matheus Nogueira Schwartzmann
UNIFRAN
Franca
DEDICO este trabalho a todos aqueles que não se contentam com
verdades estabelecidas, que buscam incansavelmente a realização de
seus sonhos e que acreditam que podem fazer a diferença na vida de
outras pessoas.
AGRADECIMENTOS
A Deus pela luz, coragem, perseverança e vontade de vencer dada a cada
dia.
À Professora Doutora Vera Lúcia Rodella Abriata, minha orientadora, pela
paciência e apoio estando sempre presente em todos os momentos, nos difíceis e nos mais
difíceis.
Aos professores Naiá e Matheus, componentes de minha banca de
qualificação pelas sugestões preciosas, pelo apoio e, principalmente, pelas palavras de
incentivo.
A todos os professores do Mestrado em Linguística da Unifran, por suas
valiosas aulas e lições as quais muito me auxiliaram na composição deste trabalho.
À coordenadora do curso de Mestrado em Linguística, Professora Doutora
Maria Regina Momesso, por sua disponibilidade e acessibilidade durante toda essa trajetória.
Aos funcionários da pós-graduação do curso de Mestrado, pela atenção e
disponibilidade para ajudar em todos os momentos.
Às colegas Geane e Wilma pela amizade durante esta jornada de
aprendizagem.
Aos meus familiares, aos que acreditavam que este dia chegaria e,
principalmente àqueles que não acreditavam, pois em sua descrença mais cresceu minha
vontade de vencer.
Aos meus pais, especialmente ao meu pai, José de Melo que sonhou junto a
mim este sonho e que hoje o vê realizado.
Ao meu noivo Marcelo, por dispor de seu tempo para discutir assuntos da
semiótica e ainda por perdoar minhas ausências durante o curso e elaboração da dissertação.
Aos colegas de trabalho do Colégio Presbiteriano e do Cesec os quais, em
diversos momentos, com suas palavras de incentivo fizeram com que o fardo se tornasse
menos pesado.
Aos alunos, àqueles que acreditaram no meu potencial e, principalmente
àqueles que duvidaram.
A todos que de alguma forma acreditando ou duvidando fizeram parte
destes dois anos de instrução e aperfeiçoamento.
A todos vocês meus sinceros agradecimentos.
O mundo visível ou “mundo natural” pode ser considerado como uma
linguagem biplana, que comporta um plano da expressão e um plano
do conteúdo. Por isso, ele é construído – lido, interpretado – como
uma semiótica.
Denis Bertrand (2003)
RESUMO
MELO, Priscila Florentino de. A construção do ator “Dilma” em charges do jornal Folha de São Paulo. 2012, 89 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.
Este trabalho analisa a construção do ator Dilma Rousseff em charges publicadas no Caderno Opinião do jornal Folha de São Paulo, com base no referencial teórico da semiótica de linha francesa. A análise incide sobre a relação entre elementos do plano de conteúdo e do plano de expressão textual. Observamos a construção do ator “Dilma” em sua relação ora com o ator “Lula” ora com o ator “partidos” que compunham sua base aliada de campanha. Descrevemos os papéis actanciais, temáticos e patêmicos dos atores, a instauração de figuras e temas do nível discursivo dos textos bem como os componentes cromáticos, eidéticos e topológicos os quais compõem o plano de expressão das charges. Desse modo, ao analisarmos a correlação entre os planos de expressão e conteúdo textual, apreendemos as relações semissimbólicas que, nos textos, se estabelecem. Pretendemos ainda estabelecer um paralelismo entre as charges e seu diálogo com artigos de opinião publicados no caderno Opinião da Folha.
PALAVRAS-CHAVE: charge, texto jornalístico, semiótica francesa, ator, semissimbolismo
ABSTRACT:
MELO, Priscila Florentino de. The construction of the actor “Dilma” in carttons by the Newspaper Folha de São Paulo. 2012, 92 f. (Master Degree in Linguistics) – University of Franca, Franca.
This work analyzes the construction of the actor Dilma Rousseff in carttons published by the
Section Opinion of the Newspaper Folha de São Paulo, using the basis of the semiotic
analysis. The analysis happens on the relation between elements of the plane of content and
the plane of literal expression. We observe the construction of the actor “Dilma” in its relation
however with the actor “Lula” however with the actor “party” that they composed its allied
base of campaign. We describe the actantial, thematic and pathetic papers of the actors, the
instauration of figures and subjects of the discursive level of the texts as well as the
chromatic, eidetic and topological components which compose the plan of expression of the
carttons. In this manner, when analyzing the correlation between the plans of expression and
literal content, apprehends the semi-symbolic relation that, in the texts, is established. We still
intend to establish a parallelism between carttons and its dialogue with opinion articles
published in the Section Opinion of the Newspaper Folha de São Paulo.
KEYWORDS: cartton, journalistic text, French semiotics, actor, semi-symbolism.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
1 A SEMIÓTICA FRANCESA ............................................................................... 14
1.1. O PLANO DE CONTEÚDO ................................................................................. 14
1.1.1 O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO ........................................................... 14
1.1.2 O NÍVEL FUNDAMENTAL .................................................................................. 15
1.1.3 O NÍVEL NARRATIVO ......................................................................................... 16
1.1.4 O CONCEITO DE PAIXÃO EM SEMIÓTICA ..................................................... 21
1.1.5 O NÍVEL DISCURSIVO ........................................................................................ 24
1.2 O PLANO DE EXPRESSÃO.................................................................................. 29
2 A CHARGE ............................................................................................................ 34
2.1 A CHARGE E A CARICATURA ........................................................................... 34
2.2 A CHARGE: UMA PERSPECTIVA SEMIÓTICA ................................................ 36
3 A CONSTRUÇÃO DO ATOR “DILMA” .......................................................... 38
3.1 DILMA E LULA: A CRIATURA E O CRIADOR ................................................ 38
3.2 DILMA E LULA: CONTINUÍSMO OU MUDANÇA .......................................... 43
3.3 A PRESIDENTE E SUA “SOMBRA” .................................................................. 46
3.4 GOVERNO DILMA?.............................................................................................. 49
4 O ATOR DILMA E SUA RELAÇÃO COM O ATOR PARTIDOS
ALIADOS............ ................................................................................................................. 52
4.1 DILMA E OS URUBUS ......................................................................................... 52
4.2 A MEDIDA DO ATOR “DILMA” ......................................................................... 55
4.3 DILMA E OS “POMBOS” ..................................................................................... 59
4.4 DILMA E OS “VAMPIROS” ................................................................................. 62
4.5 DILMA E O PÂNTANO ........................................................................................ 66
4.6 CARGOS ................................................................................................................. 68
CONDIFERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 72
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 76
ANEXOS .............................................................................................................................. 80
ANEXO I: CADERNO OPINIÃO DE 02/10/2010 ........................................................... 80
ANEXO II: CADERNO OPINIÃO DE 05/11/2010 .......................................................... 81
ANEXO III: CADERNO OPINIÃO DE 01/11/2010 ........................................................ 82
ANEXO IV: CADERNO OPINIÃO DE 02/11/2010 ......................................................... 83
ANEXO V: CADERNO OPINIÃO DE 07/11/2010 .......................................................... 84
ANEXO VI: CADERNO OPINIÃO DE 19/11/2010 ......................................................... 85
ANEXO VII: CADERNO OPINIÃO DE 23/11/2010 ....................................................... 86
ANEXO VIII: CADERNO OPINIÃO DE 13/11/2010 ...................................................... 87
ANEXO IX: CADERNO OPINIÃO DE 02/12/2010 ........................................................ 88
ANEXO X: CADERNO OPINIÃO DE 09/12/2010 .......................................................... 89
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INTRODUÇÃO
Nosso interesse por textos visuais remonta aos tempos de escola primária,
quando aqueles vinham acompanhando textos verbais. Não nos contentávamos com a
explicação de que eram apenas ilustração do que viria a ser o “mais importante”, o texto
verbal. Posteriormente, já na prática docente, percebíamos como os alunos se interessavam
por textos verbovisuais, e como eles eram poderosos aliados não somente para o ensino de
questões pertinentes à língua, mas principalmente em termos de reflexão sobre a sociedade.
A opção pela teoria semiótica como suporte teórico de nossa pesquisa surgiu
em meados do curso de pós-graduação Stricto Sensu. Recordamo-nos especialmente de uma
das aulas na qual eram analisadas charges, e vislumbramos a possibilidade de apreender os
sentidos dos textos a partir de sua estruturação interna, com base na correlação entre
elementos da expressão e do conteúdo. Tal experiência fez-nos optar por esse referencial
teórico como base de nossa pesquisa. Por estarmos, à época, no ano de 2010, ano de eleições
presidenciais em nosso país, optamos por charges políticas, pois acreditamos que seria uma
possibilidade de aliar o prazer de estudá-las à curiosidade de desvendar a pluralidade de
sentidos nelas implicitadas, recriando o contexto político da época com humor e ironia.
Nesse sentido, selecionamos, como córpus constituinte de nossa pesquisa,
charges publicadas no jornal Folha de São Paulo que apresentam o ator “Dilma Rousseff” por
ocasião da corrida presidencial brasileira do ano de 2010. Naquela época, concorriam à
presidência da república a candidata Dilma Rousseff, ex-ministra do governo Lula,
juntamente com os também ex-ministros do mesmo governo, José Serra, ex-ministro da
saúde, e Marina Silva, ex-ministra do meio ambiente, todos os três com margem significativa
de intenções de voto. A disputa, no entanto, não foi definida em seu primeiro turno, voltando a
acontecer, pela segunda vez, apenas com os candidatos Dilma e José Serra.
Em algumas das charges selecionadas para análise neste trabalho observa-se a
relação do ator “Dilma” com o então presidente Luís Ignácio Lula da Silva; em outras, a
relação de Dilma com partidos da base aliada, como o PMDB, partido de seu vice Michel
Temer. As charges foram publicadas em três momentos distintos: o primeiro deles quando
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Dilma concorria com mais três candidatos, o segundo momento, quando, já no segundo turno
das eleições, concorria apenas com um candidato, o ex-ministro da saúde José Serra, e o
terceiro, quando já era presidente eleita, mas ainda não tomara posse do cargo.
A proximidade de Lula e Dilma rendeu grande número de charges,
especialmente no segundo turno das eleições. Por razões de viabilidade de tempo para análise,
fizemos um recorte para a constituição de nosso córpus, de modo que analisamos dez charges
publicadas em três momentos das eleições: o primeiro e o segundo turno e o período anterior
à posse da presidente eleita. A escolha de tais charges se deu de maneira a buscar explicitar as
relações que Dilma teve com partidos da base aliada e com o seu partido. Procuramos
selecionar chargistas diferentes para que nossa análise contemplasse um maior número de
colaboradores dessa seção do jornal, sendo eles: Jean, João Montanaro, Benett e Angeli.
A importância do humor gráfico, por meio da caricatura para os meios de
comunicação é apontada por diversos pesquisadores, que afirmam ser esse tipo de trabalho
uma das primeiras atrações procuradas ao se abrir um jornal (CAGNIN, 1994, apud RIANI
2002, p. 19). Dessa maneira, consideramos importante o estudo desse tipo de texto para que
possamos compreender quais as estratégias enunciativas que seduzem o leitor.
Nossa pesquisa tem como suporte teórico a semiótica francesa, como
observamos anteriormente, da qual utilizamos elementos do percurso gerativo de sentido para
a análise de seu plano de conteúdo. Nossa atenção maior se volta para o nível discursivo, mais
especificamente para a semântica discursiva, observando a correlação entre as figuras e os
temas dos textos, sem, no entanto, esquecermo-nos de traçar um paralelo entre os elementos
desse plano com seu plano de expressão, os quais, juntos, garantem a totalidade do sentido
dos textos.
As charges propostas para a análise caracterizam-se como textos sincréticos
visto que possuem uma correlação entre plano de expressão verbal e visual.
Sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é analisar charges que apresentem
em sua constituição a construção do ator “Dilma” no contexto das eleições presidenciais de
2010.
Para realizar tal tarefa, temos como objetivos específicos: traçar o perfil
identitário do ator “Dilma”, analisando os papéis actanciais, temáticos e patêmicos que o ator
desempenha como figura discursiva, bem como os percursos figurativos que se apreendem em
cada cena enunciativa e os temas que eles recobrem. Tendo em vista o plano de expressão,
objetivamos descrever as categorias eidéticas, topológicas e cromáticas dos textos,
correlacionando-as com as categorias do conteúdo dos mesmos, observando, assim, as
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relações semissimbólicas que se apreendem nas charges e os efeitos de sentido que criam nos
textos e no contexto do jornal.
Procuramos relacionar a análise das charges a crônicas e artigos de opinião que
foram publicados na mesma página do jornal em que elas se manifestam, com o objetivo de
mostrar como charge e textos de opinião se correlacionam, formando um todo de sentido que
vem a ser a página A2 do jornal Folha de São Paulo, a qual retrata a ideologia do veículo
acerca do cenário político da época.
Nesse aspecto, partimos da definição de charge que encontramos em Discini
(2005, p. 100):
Chama-se charge um texto predominantemente figurativo, que parodisticamente retoma notícias veiculadas pela própria mídia e, ao fazê-lo, não apenas brinca com as figuras caricaturadas e com a própria notícia, mas também imprime à voz do enunciador do veículo de comunicação em que se insere um tom relativizador, já que lúdico.
Trabalhamos com a hipótese de que a charge e a caricatura são um tipo de
texto que utiliza a ironia como figura central para criticar fatos políticos da atualidade e, nesse
sentido, intentamos analisar ainda as estratégias enunciativas utilizadas nos textos em nível de
expressão e de conteúdo com a intenção de mobilizar o fazer interpretativo crítico do
enunciatário-leitor.
Temos a certeza da impossibilidade de esgotamento das questões políticas
levantadas pelo jornal à época devido à riqueza e multiplicidade de olhares e análises que o
córpus por nós escolhido possibilita.
A dissertação apresenta um capítulo teórico no qual apresentamos a teoria
semiótica francesa abordando o plano de conteúdo e o plano de expressão textual. Em
seguida, dedicamos um capítulo à charge com o objetivo de abordar a definição desse tipo de
texto e observar sua relação com a caricatura. Posteriormente, seguem-se dois capítulos de
análise.
No primeiro deles, intitulado “A construção do ator ‘Dilma’” observamos os
papéis actanciais, temáticos e patêmicos da então candidata, assim como os do ator “Lula”.
Analisamos, nesse capítulo, quatro charges em subtópicos intitulados “Dilma e Lula – A
criatura e o criador”, “A presidente e sua “sombra”, “Dilma e Lula: continuísmo ou
mudança?” e “Governo Dilma?”
O capítulo de análise seguinte tem o título “O ator ‘Dilma’ e sua relação com o
ator ‘Partidos Aliados’” e procura mostrar como o ator “Folha”, como sujeito enunciador,
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percebia as alianças feitas entre o partido de Dilma e os demais partidos da base aliada. Nesse
capítulo são apresentadas seis charges em subtópicos intitulados: “Dilma e os ‘urubus’”, “A
medida do ator ‘Dilma’”, “Dilma e os ‘pombos’”, “Dilma e os ‘vampiros’ ”, “Dilma e o
pântano” e “Cargos?”
Posteriormente às análises fazemos a conclusão do trabalho na qual
procuramos relacionar os pontos de vista apresentados nos capítulos de análise, destacando a
importância da teoria semiótica na apreensão dos sentidos dos textos.
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1. A SEMIÓTICA FRANCESA
1.1 O PLANO DE CONTEÚDO
1.1.1. O percurso gerativo de sentido
A Semiótica pode ser entendida como um projeto de investigação científica
cujo objeto de interesse é o “parecer do sentido” que se apreende por formas da linguagem e
dos discursos que o manifestam (BERTRAND, 2003, p.11). Segundo Landowski (2004, p.
103), o sentido constitui uma totalidade cujas articulações fundamentais devem transcender
[...] não somente as diferenças entre “linguagens” (pictórica, musical, cinematográfica, etc.), e a fortiori as existentes entre os gêneros definidos por seus “códigos” específicos [...], mas também as diferentes semióticas verbais ou não (LANDOWSKI, 2004, p. 103).
A teoria semiótica examina, em primeiro lugar, o plano de conteúdo dos textos,
concebendo-o sob a forma de um percurso global que simula a geração do sentido, o
denominado “percurso gerativo de sentido”, o qual comporta três níveis – o fundamental, o
narrativo e o discursivo –.
Com relação a esse percurso, tendo em vista o histórico de sua construção,
afirmam Algirdas Julien Greimas e Joseph Courtés:
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A semiótica foi progressivamente levada a reconhecer, graças às suas análises de discursos narrativos, a existência de um tronco semiótico comum, invariante e independente de suas manifestações nas línguas particulares (línguas naturais ou semiótica não-linguísticas): daí, no quadro do percurso gerativo que propomos, a distinção entre o nível semiótico (profundo) e o nível discursivo (mais superficial). Esse tronco comum é suscetível, por sua vez, de comportar os níveis de diferentes profundidades, dessa forma, no nível semiótico, distinguiremos o plano das estruturas semióticas profundas (sintaxe e semântica fundamentais) e o das estruturas semióticas de superfície (sintaxe e semântica narrativas). Tais distinções são, simultaneamente hipotéticas e operatórias: refletem o estado e a economia geral da teoria semiótica em um dado momento de sua elaboração e, ao mesmo tempo que permitem construções mais refinadas e formulações mais precisas dos níveis de representação tomados separadamente, admitem a possibilidade de redução ou de multiplicação eventuais do número de níveis (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 340).
Esses níveis do percurso vão tornando complexas e concretas as estruturas
mais profundas até chegar à manifestação, lugar em que o plano de conteúdo (do discurso)
associa-se a um plano de expressão (verbal ou não verbal):
1.1.2 O nível fundamental
Tendo em vista os níveis do percurso gerativo de sentido, o nível fundamental é
aquele em que se apreendem as oposições semânticas que estão na base do texto, as tensões
entre elas e as valorizações, eufóricas ou disfóricas, de cada um dos termos das oposições.
José Luiz Fiorin (2006, p. 21-23) observa que a semântica do nível
fundamental comporta as categorias semânticas que estão na base de construção de um texto.
Cada um dos termos desta recebe, por sua vez, a qualificação semântica /euforia/ (versus)
/disforia/, sendo a primeira considerado um valor positivo e o segunda um valor negativo.
De acordo com Greimas e Courtés (2008, p. 192), “euforia é o termo positivo
da categoria tímica que serve para valorizar os microuniversos semânticos, transformando-os
em axiologias; nesse sentido euforia se opõe a disforia;
Já a sintaxe do nível fundamental abrange as operações de negação e de
asserção que ocorrem na sucessividade de um texto:
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A sintaxe fundamental constitui, com a semântica fundamental, o nível profundo da gramática semiótica e narrativa. Presume-se que ela dê conta da produção, do funcionamento e da apreensão das organizações sintagmáticas chamadas discursos, tanto os pertencentes à semiótica linguística como à não-linguística. Ela representa, pois, a instância a quo do percurso gerativo desses discursos (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 474).
Assim, se pensarmos na categoria a versus b, podem surgir as seguintes
relações:
a) afirmação de a, negação de a, afirmação de b;
b) afirmação de b, negação de b, afirmação de a;
A semântica e a sintaxe do nível fundamental representam a etapa inicial do
percurso gerativo e explicam os níveis mais abstratos da produção, do funcionamento e da
interpretação do discurso.
1.1.3 O nível narrativo
Por sua vez, o nível narrativo é o nível que traduz as relações entre os sujeitos e
os objetos e a relação do sujeito com outros sujeitos. Sendo assim “as estruturas narrativas
simulam [...] tanto a história do homem em busca de valores ou à procura de sentido quanto a
dos contratos e dos conflitos que marcam os relacionamentos humanos” (BARROS, 2008, p.
16).
No interior do nível narrativo, observamos os enunciados elementares. Esses
enunciados são responsáveis pela relação entre um sujeito e um objeto que são denominados
actantes.
Conforme Bertrand (2003, p. 415), o termo “actante” pode ser definido como
“unidade sintáxica de base da gramática narrativa”, assim como por sua relação predicativa,
sua composição modal e sua relação com outros actantes. São três as figuras actanciais de
base para a semiótica: O Destinador, o Sujeito e o Objeto.
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Na sintaxe narrativa há dois tipos de enunciados elementares: os enunciados de
estado e os enunciados de fazer. Os primeiros são aqueles que estabelecem uma relação de
junção (disjunção ou conjunção) entre um sujeito e um objeto. Por outro lado, os enunciados
de fazer são os que mostram as transformações, os que correspondem à passagem de um
enunciado de estado a outro (FIORIN, 2008, p. 28).
Essa relação entre estados e transformações é denominada em semiótica como
programa narrativo. De acordo com Greimas e Courtés (2008, p.388), o programa narrativo
[...] é um sintagma elementar da sintaxe narrativa de superfície, constituído de um enunciado de fazer que rege um enunciado de estado [...] O programa narrativo deve ser interpretado como uma mudança de estado efetuada por um sujeito (S1) qualquer, que afeta um sujeito (S2) qualquer: a partir de um enunciado de estado do PN.
No interior da sintaxe narrativa faz-se possível, portanto, a transformação de
estados, ou seja, se no início de um dado programa narrativo observamos um sujeito que se
encontra disjunto de seu objeto de valor, no decorrer da narrativa pode ocorrer que este
conquiste seu objeto, passando assim, a possuir uma relação de conjunção com o mesmo.
Os textos, no entanto, não são narrativas mínimas, mas sim complexas, em que
uma série de enunciados de fazer e de ser se organizam de forma hierárquica. Assim, uma
narrativa complexa estrutura-se numa sequência canônica constituída dos seguintes
programas: manipulação, competência, performance e sanção.
A manipulação caracteriza-se como
uma ação do homem sobre outros homens, visando a fazê-los executar um programa dado [...] enquanto fazer-fazer, a manipulação parece dever inscrever-se como um dos componentes essenciais do esquema narrativo canônico [...] a relação entre Destinador e Destinatário não é de igualdade (como na simples operação de troca que exige dois sujeitos de competências comparáveis), mas de inferior a superior; aliás, a manipulação realizada pelo Destinador exigirá a sanção do Destinador julgador, situando-se ambas as operações na dimensão cognitiva (GREIMAS; COURTÉS 2008, p.300).
Distingue-se assim a manipulação da operação em que se dá a ação dos
homens sobre as coisas. Nesse último caso, trata-se de um fazer-ser, ao passo que no primeiro,
trata-se de um fazer-fazer.
Na esfera da manipulação estabelece-se a relação contratual entre Destinador e
Destinatário. É o campo da factitividade que engloba o fazer-fazer, o qual por sua vez,
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pressupõe um fazer-crer, um fazer-querer ou dever, um fazer-saber e um fazer-poder.
(BERTRAND, 2003, p. 296).
Assim, após o estabelecimento do contrato entre Destinador e sujeito,
responsável por fixar os valores e a missão, o sujeito adquire as competências
(conhecimentos, meios de agir, etc.) para executar a ordem e cumprir seus compromissos.
Desse modo, a competência é definida por Greimas e Courtés (2008, p. 76) como uma
competência modal que pode ser descrita como uma “organização hierárquica de
modalidades”, fundamentada num querer-fazer ou num dever-fazer que rege um poder-fazer
ou um saber-fazer.
O programa narrativo de performance corresponde à fase do percurso do
sujeito em que se dá a transformação central da narrativa e a passagem de um estado a outro
(FIORIN, 2008, p. 31). Segundo Greimas e Courtés (2008, p. 363),
o termo performance cobre a instância da realização da competência, na sua dupla tarefa de produção e de interpretação dos enunciados [...]. A performance surge, então, independentemente de qualquer consideração do conteúdo [...], como uma transformação que produz um novo ‘estado de coisas’: está, todavia, condicionada, isto é, sobremodalizada, de um lado, pelo tipo de competência de que se acha dotado o sujeito performador e, de outro, pelo crivo modal do dever-ser [...], convocada a filtrar os valores destinados a entrar na composição desses novos “estados de coisas”.
Finalmente, a última fase do percurso do sujeito denomina-se sanção. Segundo
Fiorin (2008, p, 31), nela ocorre a constatação de que a performance se realizou e há o
reconhecimento do sujeito que realizou a operação. Assim, o Destinador, tem o papel de
verificar a conformidade da ação cumprida às condições do contrato e de retribuir ou punir o
sujeito, trazendo sua contribuição ao contrato inicialmente estabelecido (BERTRAND, 2003,
p. 295).
Ainda de acordo com Bertrand (2003, p. 295), tomando como base tais
programas narrativos, observa-se que
uma distribuição das relações actanciais é [...] reconhecível em cada etapa do esquema: o contrato põe em relação o Destinador-manipulador e o sujeito; a competência põe em relação o sujeito e o objeto; a performance põe em relação o sujeito e o anti-sujeito em torno do objeto-valor; a sanção, enfim, restabelece o contato entre o sujeito e o Destinador, que desempenha agora, um papel de julgador.
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Sendo assim, observamos, no nível narrativo, três diferentes percursos, o do
sujeito, do destinador-manipulador e do destinador-julgador. O destinador manipulador pode
ser entendido como aquele que “dota” o sujeito dos valores necessários para que este entre em
conjunção com seu objeto-valor. Ou seja, é o doador dos valores modais, a saber: querer,
dever, saber e poder. No entanto, para que o sujeito receba os valores do destinador-
manipulador faz-se necessário que acredite nele ou ainda que se deixe manipular por ele.
As ações do sujeito e do destinador diferenciam-se nitidamente: o sujeito transforma estados, faz-ser e simula a ação do homem sobre as coisas do mundo; o destinador modifica o sujeito, pela alteração de suas determinações semânticas e modais, e faz-fazer, representando, assim, a ação do homem sobre o homem (BARROS, 2008, p.28).
Esse fazer-fazer do destinador ocorre por meio da manipulação que, por sua
vez, pode acontecer de quatro formas: pela provocação, pela sedução, pela tentação e pela
intimidação.
O manipulador pode exercer seu fazer persuasivo apoiando-se na modalidade do poder: na dimensão pragmática, ele proporá então ao manipulado, objetos positivos (valores culturais) ou negativos (ameaças); em outros casos, ele persuadirá o destinatário graças ao saber: na dimensão cognitiva, fará então com que ele saiba o que pensa da sua competência modal sob forma de juízos positivos ou negativos. Vê-se, assim, que a persuasão segundo o poder caracteriza a tentação (em que é proposto um objeto-valor positivo) e a intimidação (em que é proposta uma doação negativa), enquanto a persuasão, segundo o saber, é própria da provocação (com um juízo negativo: ‘Tú és incapaz de ...’) e da sedução (que manifesta um juízo positivo). Quando se trata de uma manipulação segundo o saber, o manipulado é levado a exercer correlativamente um fazer interpretativo e a escolher, necessariamente, entre duas imagens de sua competência: positiva no caso da sedução, negativa na provocação. Quando se trata da manipulação segundo o poder, o manipulado é levado a optar entre dois objetos-valor: positivo, na tentação, negativo, na intimidação.” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 301)
A semântica narrativa é, por sua vez, o lugar em que “os elementos
semânticos são selecionados e relacionados com os sujeitos” (BARROS, 2008, p. 42). As
relações do sujeito com os valores podem ser modificadas por determinações modais. A
modalização de enunciados de estado, denominada modalização do ser, atribui existência
modal ao sujeito de estado. Já a modalização de enunciados do fazer é a responsável pela
competência modal do sujeito do fazer, por sua qualificação para a ação. Para ambas as
modalizações a semiótica prevê, segundo Barros (2008, p.45), quatro modalidades: o querer, o
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dever, o saber e o poder.
Dois aspectos devem ser observados em relação à modalização do ser. A
modalização veridictória, a qual determina a relação do sujeito com o objeto, caracterizando-a
como verdadeira, falsa, mentirosa ou secreta, e a modalização pelo querer, pelo dever, pelo
poder e pelo saber, a qual incide sobre os valores investidos nos objetos (BARROS, 2008, p.
45).
As modalidades veridictórias articulam-se como categoria modal em /ser/ vs.
/parecer/. Nesse tipo de modalização a questão da verdade é substituída pela da veridicção.
A respeito do termo verdade, apresenta-nos a seguinte definição o dicionário de
semiótica:
designa o termo complexo que subsume os termos ser e parecer situados no eixo dos contrários no interior do quadrado semiótico das modalidades veridictórias. Não é de todo inútil sublinhar que o “verdadeiro” está situado no interior do discurso, pois ele é o fruto das operações de veridicção: isso exclui qualquer relação (ou qualquer homologação) com um referente externo (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 529).
No mesmo dicionário encontramos ainda a seguinte definição para o termo
veridicção:
A integração da problemática da verdade no interior do discurso enunciado pode ser interpretada, em primeiro lugar, como a inserção (e a leitura) das marcas da veridicção, graças às quais o discurso enunciado se ostenta como verdadeiro ou falso, mentiroso ou secreto. Mesmo assegurando, nesse plano, uma certa coerência discursiva, esse dispositivo veridictório não garante de modo algum a transmissão da verdade, que depende exclusivamente de mecanismos epistêmicos montados nas duas extremidades da cadeia de comunicação, nas instâncias do enunciador e do enunciatário, ou melhor, depende da coordenação conveniente desses mecanismos. O crer-verdadeiro do enunciador não basta, supomos, à transmissão da verdade: o enunciador pode dizer quanto quiser, a respeito do objeto de saber que está comunicando, que “sabe”, que está “seguro”, que é “evidente”; nem por isso pode ele assegurar-se de ser acreditado pelo enunciatário: um crer-verdadeiro deve ser instalado nas duas extremidades do canal de comunicação, e é esse equilíbrio, mais ou menos estável, esse entendimento tácito entre dois cúmplices mais ou menos conscientes que nós denominamos contrato de veridicção (ou contrato enuncivo). (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 530).
Com o intuito de convencer o enunciatário, o enunciador exerce seu fazer, que
é denominado fazer persuasivo e tem a finalidade de conseguir a adesão do enunciatário.
Esta se dá pelo fazer interpretativo que o enuncatário exerce, por sua vez: pelo mesmo
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motivo, a construção do simulacro de verdade é tarefa essencial do enunciador e está ligada
tanto ao seu universo axiológico quanto ao do enunciatário e, sobretudo, à representação que
o enunciador faz desse último universo (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 531).
Tendo em vista a modalização do ser, devemos lembrar que ela é também
determinada pelas modalidades do querer, do saber, do poder e do dever que dá conta da
relação do sujeito com os valores.
Dessa maneira, ao lado da modalização pelo fazer, a qual incide sobre a
competência modal do sujeito do fazer, qualificando-o para a ação, encontra-se a modalização
pelo ser, que dá existência modal ao sujeito de estado e resultou na semiótica das paixões
Portanto, da mesma forma que o sujeito do fazer age, ou seja, transforma
estados, alterando a junção (conjunção ou disjunção – do sujeito de estado com os objetos-
valores), o sujeito de estado é o afetado e sofre as paixões.
1.1.4 O conceito de paixão em semiótica
A teoria semiótica inicia seus estudos acerca das paixões nos anos 1980. Antes
a teoria estava voltada para a ação dos atores. Naquela época, observou-se que o sujeito que
empreende sua busca pelo objeto-valor era também tomado por estados de alma, e a teoria
passou a interessar-se por uma “semântica da dimensão passional dos discursos”
(BERTRAND, 2003, p 357).
Da perspectiva semiótica, as paixões, que passam a ser estudadas sob a ótica
narrativa, e, portanto, em relação ao agir dos sujeitos, são entendidas como “efeitos de sentido
de qualificações modais que modificam o sujeito de estado” (BARROS, 2008, p.88).
Conforme Bertrand (2003), o conjunto de modalidades, centrado nos
enunciados de fazer, se interessava apenas pelos percursos da ação e pressupunha a
estabilidade dos valores inscritos nos objetos. No entanto, o sujeito da ação não parecia
conhecer nem entusiasmo, nem saudades, nem inquietude, nem ressentimento. Assim, esse
percurso dava conta apenas das relações intencionais do sujeito.
Começou-se a perceber que o sujeito patêmico, sofre variação dos estados de
alma. A modalização do ser descreve, por conseguinte, o modo de existência do objeto-valor
em ligação com o sujeito. Ela dá conta das relações existenciais.
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É importante frisar que a noção de paixão em semiótica não se relaciona com
os estados de alma dos sujeitos “reais”, mas deve ser entendida, conforme Bertrand (2003, p.
358) “como efeito de sentido inscrito e codificado na linguagem”. Nesse sentido, a paixão é
analisada em sua dimensão discursiva, no que difere, portanto, das abordagens filosóficas e
psicopatológicas.
Já Fiorin (2007) afirma que a paixão é, para a Semiótica, um arranjo de
elementos linguísticos, dado que é uma paixão de papel, uma paixão representada. Ela é um
arranjo de modalidades, que são moduladas.
A teoria semiótica passa a considerar, por conseguinte, que, paralelamente ao
estado das coisas em que ocorre a aquisição ou perda de um determinado objeto por um
sujeito, o sujeito também vivencia estados de alma, sendo assim acometido por paixões.
Segundo Bertrand (2003, p. 361), o espaço passional, feito de tensões e
aspectualizações, “é da ordem do contínuo e se dispõe em torno das transformações
narrativas”.
A combinação de modalidades dá surgimento a diferentes estados de alma.
Fiorin (2007, p. 09) observa que:
na língua, as paixões recobrem-se umas às outras e, muitas vezes, é difícil distingui-las entre si. O ressentimento confunde-se com a amargura, com a inveja, com o rancor, com a decepção e assim por diante. Para descrever com precisão o afeto de que nos ocupamos é preciso ver como se dispõem as modalizações que o definem.
As paixões podem ser simples ou complexas, sendo as primeiras resultantes
de um único arranjo modal da relação sujeito-objeto (decorrem da modalização pelo querer-
ser/ não-querer-ser; as segundas, por sua vez, resultam do encadeamento de várias
modalizações. Barros (2008, p. 48) afirma que
Há paixões em que o sujeito quer o objeto-valor, como na cobiça, na ambição ou no desejo; outras em que o sujeito não quer o objeto-valor, como na repulsa, no medo ou na aversão; outras ainda em que ele deseja não ter certos valores, como no desprendimento, na generosidade ou na liberdade; e, finalmente aquelas em que o sujeito não quer deixar de ter valores, como na avareza e na sovinice. As paixões simples diferenciam-se pela intensidade do querer e pelo tipo de valor desejado. O desejo de valores cognitivos caracteriza, por exemplo, a curiosidade ou o querer-saber.
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Nas paixões complexas, por sua vez, há um estado inicial que é o estado de
espera:
A espera define-se pela combinação de modalidades, pois o sujeito deseja um objeto (querer-ser), mas nada faz para consegui-lo e acredita (crer-ser) poder contar com um outro sujeito na realização de suas esperanças ou na obtenção de seus direitos. Caracteriza-se, portanto, pela confiança no outro e em si mesmo e pela satisfação antecipada ou imaginada na aquisição do valor desejado. Ao saber impossível a realização do seu querer e infundadas as suas crenças, o sujeito passa ao estado de insatisfação e de decepção
(BARROS, 2008, p.49).
Fiorin (2007, p. 4) chama a atenção para a importância da categoria
euforia/disforia do nível fundamental e sua relação com a manifestação das paixões. Segundo
o autor, ela converte-se em modalidades, que modificam as relações entre sujeito e objeto:
“assim, um valor marcado euforicamente, no nível fundamental converte-se, por exemplo, em
objeto desejável no nível narrativo, enquanto um valor disfórico torna-se, por exemplo, um
objeto temido”. Dessa perspectiva, segundo Fiorin (2007), o primeiro elemento para
determinar uma paixão é o valor investido na categoria fundamental, pois os termos eufóricos
serão convertidos em /querer ser/ ou /não querer não ser/, enquanto os termos disfóricos serão
transformados em /não querer ser/ ou /querer não ser/.
Logo, as modalidades da dêixis positiva do quadrado indicam que o objeto é
desejável (no querer ser, deseja-se a conjunção; no não querer não ser, almeja-se a disjunção);
as modalidades da dêixis negativa apontam que o objeto é indesejável (no não querer ser, não
se quer a conjunção; no querer não ser, almeja-se a disjunção).
Como observamos anteriormente, o percurso do fazer do sujeito, o qual integra
o esquema narrativo, compõe-se das seguintes fases: contrato –> competência –>
performance –> sanção. Tal percurso é utilizado como parâmetro para Greimas e Fontanille
(apud BERTRAND, 2003, p. 374) criarem em sua obra Semiótica das Paixões o percurso do
ser do sujeito composto também por quatro sequências: disposição –> sensibilização –>
emoção –> moralização.
Nesse novo esquema passional canônico, que é transcultural, como o esquema
narrativo, a disposição refere-se ao estado inicial, indica o estilo passional do sujeito, ou seja,
sua disposição para acolher determinado estado passional.
A etapa seguinte, denominada sensibilização ou patemização refere-se ao
momento em que o sujeito se deixa captar pela paixão. Nessa fase, as modalidades de estado
são intensificadas por uma sensibilização dos objetos que procede da aspectualidade. Assim,
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“há paixões incoativas, como a impulsividade, terminativas, como a nostalgia, iterativas,
como a obstinação, durativas, como a ambição” (BERTRAND, 2003, p. 378).
Posteriormente a essa etapa, a fase da emoção pode ser definida como a crise
passional a qual prolonga e atualiza a sensibilização. E, finalmente, a fase de moralização
refere-se ao momento em que a sociedade determina a medida, por meio de um sujeito
observador, da circulação dos valores da comunidade.
1.1.5 O nível discursivo
O nível que se segue ao narrativo é denominado discursivo. O nível discursivo é
aquele em que a enunciação projeta atores, espaços e tempos, assim como figuras, que
correlacionadas, recobrem temas do texto: “O discurso é, assim, a narrativa ‘enriquecida’
pelas opções do sujeito da enunciação que assinalam os diferentes modos pelos quais a
enunciação se relaciona com o discurso que enuncia” (BARROS, 2008, p.85).
A enunciação, segundo Floch (2001), é a instância pressuposta logicamente
pela existência do enunciado, produzido pelo enunciador. Deve-se lembrar que este não deve
ser confundido com o autor. A ideologia e a competência do enunciador são as contidas no
texto, sendo que o mesmo vale em relação ao enunciatário, destinatário do texto enunciado.
Este também deve ser construído pelo objeto de sentido analisado. Assim, a semiótica, “em
lugar de abordar produtor e destinatário do exterior, de fora do enunciado” (FLOCH, 2001, p.
17). possibilita que eles sejam construídos aos poucos, pelo próprio texto enunciado.
No nível da sintaxe discursiva, o enunciador pode valer-se de mecanismos
como a debreagem e a embreagem para instaurar a actorialização, a temporalização e a
espacialização. De acordo com o dicionário de Semiótica:
debreagem [é definida] como a operação pela qual a instância da enunciação distingue e projeta para fora de si, no ato de linguagem e com vistas à manifestação, certos termos ligados à sua estrutura de base, para assim constituir os elementos que servem de fundação ao enunciado discursivo (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 111).
25
A debreagem pode ser actorial, temporal e espacial. Todas se classificam como
enunciva ou enunciativa. A debreagem enunciativa ocorre com a projeção no enunciado de
um “eu”, inserido num espaço “aqui” e num tempo “agora”. Já a debreagem enunciva se
manifesta por meio da projeção de um actante “ele”, situado num espaço “lá” e num tempo
“então”. Dessa forma, a primeira cria o efeito de sentido de subjetividade e a segunda, de
objetividade.
Ao buscarmos o termo embreagem, encontramos a seguinte definição: “[...]
denomina-se embreagem o efeito de retorno à enunciação, produzido pela suspensão da
oposição entre certos termos da categoria de pessoa e/ou espaço, e/ou tempo, bem como pela
denegação da instância do enunciado” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p.160).
Com o intuito de dar ao texto uma coerência maior, a semântica discursiva
utiliza-se de dois mecanismos semânticos: a tematização e a figurativização. É interessante
perceber como ambas se encontram ligadas, de acordo com Bertrand (2003, p. 213):
A tematização consiste em dotar uma sequência figurativa de significações mais abstratas que têm por função alicerçar os seus elementos e uni-los, indicar sua orientação e finalidade, ou inseri-los num campo de valores cognitivos ou passionais.
Ao nos dirigirmos ao dicionário de semiótica encontramos a seguinte definição
para tematização:
[...] a tematização é um procedimento [...] que, tomando valores (da semântica fundamental) já atualizados (em junção com os sujeitos) pela semântica narrativa, os dissemina, de maneira mais ou menos difusa ou concentrada, sob a forma de temas, pelos programas e percursos narrativos, abrindo assim caminho à sua eventual figurativização. (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p.496)
A figurativização, conforme afirma Barros (2008, p.87), é “o procedimento
semântico pelo qual conteúdos mais ‘concretos’ (que remetem ao mundo natural) recobrem os
percursos temáticos abstratos”.
Sendo assim, o uso de figuras bem como o uso de mecanismos de ancoragem,
cria no texto, um simulacro de realidade. De acordo com Greimas e Courtés (2008, p. 213)
“dadas as múltiplas possibilidades de figurativizar um único e mesmo tema, este pode estar
subjacente a diferentes percursos figurativos; isso permite explicar variantes”.
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A presença de elementos de figurativização nas charges é de fundamental
importância uma vez que, por meio deles, o enunciatário reconhece no texto elementos do
mundo e passa a crer no texto enunciado. De acordo com Pietroforte:
As figuras são os significados dos signos, que se manifestam nos significantes próprios do sistema semiótico utilizado na significação do texto. Se o sistema semiótico é verbal, os significantes são de ordem fonológica; se é plástico, os significantes são as imagens visuais. Se nos sistemas verbais o percurso figurativo é textualizado em palavras, na maioria das histórias em quadrinhos há articulação de palavras e imagens para expressar a figuratividade do conteúdo (PIETROFORTE; GÊ, 2009, p.79).
Sabe-se bem que a forma de figurativização visual dos atores em charges não
corresponde à sua forma “real”, mas , sim de seu simulacro; o que ocorre é que por meio do
reconhecimento de elementos do mundo nas figuras instauradas no texto e de uma correlação
dos mesmas com os temas que elas veiculam, em sua relação com o contexto do jornal, o
enunciatário consegue apreender o efeito de sentido de verdade ali inscrito. Dessa forma, o
enunciador torna o texto passível de crença, instaurando o fazer-crer ou fazer persuasivo a que
o enunciatário adere, por meio de seu fazer interpretativo.
Assim, conforme afirma Lopes: “[...] o discurso verossímil não é a realidade
sociocultural propriamente dita, mas um simulacro das situações de um contexto abordado”
(LOPES, 2005, p.149). A constituição desse simulacro de realidade é feita com a instalação de
figuras no discurso. Nessa etapa de figurativização:
[...] o enunciador utiliza de figuras do discurso para levar o enunciatário a reconhecer “imagens do mundo” e, a partir daí, a acreditar na verdade do discurso. O enunciatário, por sua vez crê ou não no discurso, graças, em grande parte ao reconhecimento de figuras do mundo (BARROS, 2008, p.72).
Com base nessa instalação de figuras o enunciatário vai ou não crer no discurso
do enunciador. Para que esse fazer-crer ocorra faz-se necessário um contrato entre enunciador
e enunciatário denominado contrato de veridicção.
De acordo com Barros, (2008, p. 74) na tentativa de fazer com que o
enunciador creia no texto apresentado, o enunciatário lança mão de figuras e temas, os quais
recobrem o texto apresentado. A retomada dos temas e a recorrência das figuras no discurso
do enunciador denominam-se isotopia.
27
O conceito fundamental de isotopia deve, portanto, ser compreendido como 'um conjunto redundante de categorias semânticas (classemáticas) que tornam possível a leitura uniforme da narrativa, tal como ele resulta das leituras parciais dos enunciados e da resolução das suas ambiguidades, que é guiada pela busca da leitura única (GREIMAS, 1970, p. 188 apud Courtés 1979, p. 63).
Barros (2008, p. 87). salienta ainda que a isotopia é: “a reiteração de quaisquer
unidades semânticas (repetição de temas ou recorrência de figuras) no discurso o que assegura
sua linha sintagmática e sua coerência semântica”. Já o desencadeador de isotopias é visto
pela mesma autora como “aquele elemento que não se integra facilmente em uma linha
isotópica já reconhecida e leva, dessa forma, à descoberta de novas leituras” (2008, p.76).
De acordo com Greimas e Courtés, (2008, p.276) distinguem-se dois tipos de
isotopia, a isotopia temática e a isotopia figurativa:
[...] baseando-se na oposição reconhecida – no quadrado da semântica discursiva – entre o componente figurativo e o componente temático, distinguir-se-ão correlativamente isotopias figurativas, que sustentam as configurações discursivas, e isotopias temáticas, situadas em um nível mais profundo, conforme o percurso gerativo.
A isotopia temática faz referência, por meio da repetição das unidades
semânticas, ao tema textual, já a isotopia figurativa é aquela que “caracteriza-se pela
redundância de traços figurativos, pela associação de figuras apresentadas. A recorrência de
figuras atribui ao discurso uma imagem organizada e completa da realidade” (BARROS,
2008, p. 74).
[...] O que, com efeito, interessa ao semioticista é compreender em que consiste o subcomponente da semântica discursiva que é a figurativização dos discursos e dos textos, e quais são os procedimentos mobilizados pelo enunciador para figurativizar seu enunciado. (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p.210)
Conforme já observamos, com o intuito de concretizar seu enunciado, o
enunciador lança mão das figuras, as quais representam atores, inseridos num espaço e num
tempo por meio do processo de ancoragem.
Quanto ao conceito de ator, para a semiótica, é um actante dotado de
programas narrativos que possui um papel temático, “em geral humano e socializado”,
manifestando-se, pois, sob uma forma figurativa.
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O dicionário de semiótica assim define ator:
é o lugar de convergência e de investimentos dos componentes, sintático e semântico. Para ser chamado ator um lexema deve ser portador de pelo menos um papel actancial e de no mínimo um papel temático. Acrescentamos que o ator não é somente lugar de investimento desses papéis, mas, também, de suas transformações, consistindo o discurso, essencialmente em um jogo de aquisições e de perdas sucessivas de valores. (GREIMAS, COURTÉS, 2008, p. 45)
Além disso, a ator pode ter um papel patêmico, relacionado à modulação dos
estados do sujeito, a seus “estados de alma” (BERTRAND, 2003, p. 426)
Há diversas possibilidades de manifestação das figuras no texto, que, por
vezes, podem se manifestar por meio das mais variadas formas de linguagem, não só as
verbais, como as não verbais, como, por exemplo, por meio de desenhos, pinturas, ou seja,
formas não lineares de manifestação. Em se tratando de charges, mais especificamente, as
figuras visuais assumem forma de caricatura dos atores envolvidos.
No sentido de “enriquecer” a narrativa, o enunciatário representa essas
caricaturas valendo-se de certos tipos de cores e formas e, por vezes amplia alguma delas em
detrimento de outras, joga com cores claras e escuras, ou seja, lança mão dos mais variados
recursos os quais são denominados cromáticos, eidéticos e topológicos. Quando isso ocorre
estamos então falando não mais do plano de conteúdo, mas do plano de expressão textual.
29
1.2 O PLANO DE EXPRESSÃO
Conforme Greimas e Courtés, em seu Dicionário de Semiótica, tendo em vista
o signo linguístico, na esteira de Hjelmslev, denomina-se plano de expressão o significante
saussuriano quando este é considerado “na totalidade de suas articulações, como o verso de
uma folha de papel cujo anverso seria o significado, e não no sentido de ‘imagem acústica’,
como uma leitura superficial de Saussure permite a alguns interpretá-lo” (GREIMAS,
COURTÉS, 2008, p.197).
Para os autores, “[...] o plano da expressão está em relação de pressuposição
recíproca com o plano do conteúdo, e a reunião deles no mesmo ato de linguagem
corresponde à semiose” (GREIMAS, COURTÉS 2008, p.197).
O termo conteúdo, no mesmo dicionário (2008, p. 96) é definido como
sinônimo do significado global de Saussure. Os autores apontam que a diferença entre a
definição de Saussure e de Hjelmslev apenas se manifesta no modo de conceber a forma
linguística:
[...] enquanto para Saussure esta se explica pela indissolúvel união entre o significante e o significado que assim se “enformam “mutuamente” e, pela reunião de duas substâncias, produzem uma forma linguística única, Hjelmslev distingue, para cada plano da linguagem uma forma e uma substância autônomas: é a reunião das duas formas, a da expressão e a do conteúdo – e não mais de duas substâncias -, que constitui, a seu ver, a forma semiótica. (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p.96).
Também Pietroforte (2007, p. 21) afirma que o plano de expressão, tendo em
vista os sistemas semióticos, foi, durante muito tempo deixado de lado pela semiótica. O que
ocorre, afirma o autor, é que para algumas manifestações semióticas é fundamental
apresentar uma relação entre ambos os planos sendo, portanto, impossível desconsiderar
qualquer um dos constituintes do todo que vem a ser o sentido, especialmente quando
tratamos de textos que abarcam o visual:
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Em muitos textos o plano de expressão funciona apenas para a veiculação do conteúdo, como na conversação, por exemplo. No entanto, em muitos outros, ele passa a “fazer sentido”. Quando isso acontece, uma forma de expressão é articulada com uma forma de conteúdo, e essa relação é chamada semissimbólica (PIETROFORTE, 2007, p.21).
A charge, tipo de texto que constitui nosso objeto de análise, é composta dos
dois diferentes planos e requer a análise de cada um de seus constituintes e de sua correlação
na busca de seus sentidos. Dessa forma, o texto chargístico, caracterizado geralmente pela
aliança entre o verbal e o visual, é um texto sincrético que requer conhecimentos não apenas
sobre o plano de expressão verbal também como sobre o plano de expressão visual.
Devemos lembrar que a Semiótica distingue os sistemas de significação em
verbais e não verbais. Os primeiros são as línguas naturais, os segundos, podem ser sistemas
semióticos plásticos, musicais, gustativos, táteis, etc. Devemos considerar ainda os sistemas
sincréticos, que de acordo com Pietroforte (2009, p. 87) ocorrem quando dois ou mais
sistemas são articulados no mesmo plano de expressão. Conforme o autor:
[...] há duas possibilidades básicas de sincretismo entre semiótica verbal e semiótica plástica: ou a semiótica verbal explica a semiótica plástica, reduzindo sua polissemia; ou a semiótica verbal complementa a semiótica plástica em função de um sintagma mais geral, que as organiza (PIETROFORTE, 2009, p. 87).
Na teoria semiótica, as charges podem ser classificadas, portanto, como textos
sincréticos, ou seja, geralmente nelas se observa a junção, no mesmo plano de expressão, de
dois sistemas, o verbal e o plástico, para criar uma unidade de sentido.
O termo sincretismo, na acepção que o tomamos neste trabalho, está associado
às semióticas sincréticas que, tal como a ópera ou o cinema, como exemplificam Greimas e
Courtés (2008, p. 467), são aquelas que “acionam várias linguagens de manifestação; da
mesma forma, a comunicação verbal não é somente do tipo linguístico: inclui geralmente
elementos paralinguísticos (como a gestualidade ou a proxêmica), sociolinguísticos, etc”.
Barros diz que o reconhecimento de sistemas semióticos sincréticos, como o
cinema, ou a canção popular, assim como daqueles de elaboração secundária, como a
linguagem poética e a plástica exigiu o exame das correlações estabelecidas entre expressão e
conteúdo. A autora considera a necessidade de analisar expressão e conteúdo como
“organizações hierárquicas independentes, mesmo quando, no caso da expressão, os objetivos
da abordagem forem a construção da significação e a recuperação dos efeitos de sentido”.
(BARROS, 1987, p. 5).
31
A autora (BARROS, 1987, p. 5-6) afirma ainda que “não se pode restringir o
exame da expressão aos casos em que se procura explicar o componente fonético-fonológico
das gramáticas, solucionar dificuldades fonoaudiológicas ou catalogar cores”. É necessário
tratar a expressão também do ponto de vista da semiótica.
A semiótica que lida com o plano de expressão visual, que pressupõe outras
linguagens de manifestação, que não a verbal, é denominada por Jean Marrie Floch (1986, p.
25) de semiótica plástica e tem por objeto:
[...] dar conta de um discurso da imagem que escapa à única aposta da ‘língua; em outros termos, estuda a dimensão que significa, que os artistas e historiadores de arte unidos às qualidades sensíveis das obras chamam, às vezes, de decorativo. A semiótica plástica é, por conseguinte uma investigação das lógicas do sensível presentes nas fotografias assim como nos quadros, cartazes ou mesmo no vestuário; uma investigação que procede da recusa de ver essas obras reduzidas, quanto à sua significação aquilo que há de reconhecível e nomeável nelas (1986, p. 25).
Greimas (2004, p. 84), em seu texto “Semiótica figurativa e semiótica
plástica”, observa que um objeto planar é objeto significante, pois produz efeitos de sentido.
Sendo assim, faz parte de um sistema semiótico, o qual só tem a possibilidade de ser
apreendido e explicitado pelo exame dos processos semióticos dos textos visuais mediante os
quais se realiza. Assim, apenas o conhecimento dos objetos planares particulares pode levar
ao conhecimento do sistema subjacente.
O dicionário de semiótica apresenta a seguinte definição para semiótica planar:
[...] trata[se] da fotografia, do cartaz, do quadro, da história em quadrinhos, da planta de arquiteto, da escrita caligráfica, etc. – tenta estabelecer categorias visuais específicas do nível da expressão, antes de considerar sua relação com a forma de conteúdo. Nessa perspectiva a análise da imagem fixa, por exemplo, não se reduz nem a um problema de denominação, nem a uma simples apreensão dos percursos possíveis, ligados à dimensão prospectiva (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 370)
32
O mesmo dicionário apresenta, ainda nesse mesmo verbete, o interesse de tal
abordagem. De acordo com os autores:
O interesse de semelhante abordagem é mostrar as coerções gerais que a natureza de tal plano de expressão impõe à manifestação da significação, e, também, depreender as formas semióticas mínimas (relações, unidades), comuns aos diferentes domínios visuais [...], anteriormente aos postulados já prontos (relativos à iconicidade ou à natureza dos signos visuais, por exemplo), que as teorias estéticas ou a tradição de cada um dos “gêneros” em questão estão sempre dispostos a antepor (GREIMAS; COURTÉS, 2009, p. 37).
Ainda em se tratando de semiótica planar Greimas (2004), afirmar que um
objeto planar é um processo, que é um texto que considera determinada superfície, dada em
sua materialidade, como a manifestação de um significante. Com isso deve-se questionar a
sua articulação interna como possibilidade de significar.
Nessa perspectiva, o semioticista lituano questiona se, ao lado do recorte de
uma superfície pintada, efetuada com o auxílio do crivo de leitura de uma pintura figurativa,
não haveria um meio de operar outra segmentação do significante a qual possibilitaria
reconhecer a existência de unidades propriamente plásticas que pudessem ser portadoras de
significações desconhecidas.
Greimas (2004, p.86) afirma ainda que, diferentemente da leitura do texto
escrito, que é linear e unidimensional, da esquerda para a direita ou o contrário, permitindo
interpretar a fala especializada como uma sintagmática achatada, a leitura de um objeto visual,
como o de uma superfície pintada ou desenhada, não revela o artifício semiótico que se pensa
estar aí inscrito. Nesse aspecto, é necessário conceber um crivo topológico virtualmente
subjacente à superfície oferecida à leitura:
as categorias topológicas “retilíneas” umas (como alto/baixo ou direito/esquerdo), “curvilíneas” outras (como periférico/central ou circunscrevente/circunscrito), bem como seus derivados e compostos crivam, partindo daquilo que ela não é, toda a superfície enquadrada traçando aí os eixos e/ou delimitando aí as regiões, cumprindo com isso dupla função, a de segmentar o conjunto em partes discretas e igualmente a de orientar eventuais percursos sobre os quais se acham dispostos os diferentes elementos de leitura (2004, p.86)
33
Greimas considera que esse dispositivo topológico, possui uma existência
virtual garantida por um contrato existente entre enunciador e enunciatário, mesmo que de
início não seja reconhecido na materialidade de um quadro, por exemplo, e na escolha do
formato, ou mesmo se estiver submetido ao relativismo cultural, caso se fundamente numa
convenção.
Greimas (2004, p. 87) ressalta também a distinção entre o eidético – relativo a
formas- e o cromático -relativo a cores- e observa que tal distinção não reside na
materialidade do significante, mas na sua apreensão relacional na função que o enunciatário
atribui a este ou àquele termo, com relação aos demais.
É importante lembrar que o reconhecimento das categorias topológicas,
cromáticas e eidéticas, as quais constituem o nível fundamental da forma do significante não
esgota sua articulação, mas são “apenas as bases taxionômicas capazes de tornar operatória a
análise desse plano de linguagem” (GREIMAS, 2007, p. 88).
Ao tratar dos sistemas semissimbólicos, Barros (2008, p. 82) afirma que eles
podem ser caracterizados como poéticos, ocorrendo em vários tipos de texto, como o literário,
a pintura, o desenho, a dança, o quadrinho ou o filme, procurando obter os efeitos de
“recriação da realidade, de adoção de um ponto de vista novo na visão e no entendimento do
mundo”. A autora (BARROS, 2008, p. 89), retomando Greimas, observa que o
semissimbolismo ocorre quando:
[...] uma categoria da expressão, e não apenas um elemento, se correlaciona com uma categoria do conteúdo. Nesse caso, a relação entre a expressão e o conteúdo deixa de ser convencional ou imotivada, pois os traços reiterados da expressão, além de “concretizarem” os temas abstratos, instituem uma nova perspectiva de visão e de entendimento do mundo (BARROS, 2008, p. 89).
Tal homologação de categorias plásticas a categorias do plano do conteúdo
serão por nós analisadas nas charges que constituem nosso córpus, constituindo sistemas
semissimbólicos.
Barros (1987, p. 6) observa que trabalhos práticos com objetos visuais e com
textos poéticos verbais têm levado os investigadores ao reconhecimento dessas organizações
secundárias da expressão. Assim, as relações entre expressão e conteúdo não se confundem
com a determinação de formantes da expressão, “quase invisíveis na função única de
suportarem o significado”. Nesse aspecto, ressalta a importância de relações entre expressão e
conteúdo, especialmente no que concerne aos sistemas semissimbólicos:
34
Os sistemas semissimbólicos distinguem-se dos sistemas simbólicos (as linguagens formais, por exemplo) e das linguagens stricto sensu (as línguas naturais), na acepção de Hjelmslev: as relações são estabelecidas entre categorias e não entre termos isolados da expressão e do conteúdo.
Observamos nas charges constituintes de nosso córpus as relações
semissimbólicas que, segundo Barros (1987, p.7) retomam questões de iconicidade e de
motivação, quer elas sejam dos signos visuais, ou icônicos, quer estejam relacionadas a
recursos onomatopaicos do verbal. O importante é que por meio de tais relações manifestam-
-se especialmente procedimentos por meio dos quais um novo saber sobre o mundo se
instaura.
2. A CHARGE
2.1 A CHARGE E A CARICATURA
De acordo com o Dicionário de Comunicação (RABAÇA, 1978, p. 89).
podemos definir charge como “cartum cujo objetivo é a crítica humorística imediata de um
fato geral ou acontecimento específico, em geral de natureza política” .
Na referida definição, encontramos a palavra cartum, esta, de acordo com o
mesmo dicionário é apresentada como:
Narrativa humorística, expressa através da caricatura e normalmente destinada à publicação em jornais ou revistas. O cartum é uma anedota gráfica. Seu objetivo é provocar o riso do espectador; e sendo uma das manifestações da caricatura, ele chega ao riso através da crítica mordaz, satírica, irônica e principalmente humorística do ser humano, de suas fraquezas, hábitos e costumes (RABAÇA, 1978, p. 75).
No caso de nosso córpus, as charges, são, pois, cartuns, publicados no Jornal
Folha de São Paulo em que se observa a caricatura do ator “Dilma Rousseff” com vistas a
criar o efeito de sentido de humor e de ironia.
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A definição supracitada refere-se ainda ao termo “caricatura” a qual pode ser
definida como: “(...) representação da fisionomia humana com características grotescas,
cômicas ou humorísticas” (RABAÇA, 1978, p.68), o que é corroborado por Joaquim da
Fonseca, para quem a caricatura “revela certos aspectos ridículos de uma pessoa ou de um
fato”. (FONSECA 1999, p.17).
De acordo com Camilo Riani (2002, p. 30), na caricatura, assim como na
charge, exige-se um conhecimento prévio por parte do receptor em relação ao retratado, para
que este capte o sentido do texto, pois se o retratado não for reconhecido, com seus defeitos e
marcas ampliadas, a charge não produzirá o efeito de sentido de humor e não provocará o
riso.
Conforme Riani (2002, p. 34, grifo do autor),
ao analisarmos mais especificamente os conteúdos das obras de humor gráfico, encontramos, destacadamente, citações a personalidades famosas e à classe dominante. Tal constatação parece resultar de dois fatores: 1- a necessidade de um prévio conhecimento, por parte do leitor, sobre o personagem retratado, levando o humorista gráfico a representar, frequentemente pessoas que estão em evidência na mídia; 2- a questão do poder do dominador, como ‘alvo’ clássico do humor.
Riani (2002, p. 34) também define caricatura, como se constituindo de um
desenho humorístico que “prioriza a distorção anatômica, geralmente com ênfase no rosto
e/ou em partes marcantes/diferenciadas do corpo do retratado, revelando também, implícita ou
explicitamente, traços de sua personalidade”.
Nesse sentido, percebemos nas charges de nosso córpus que a caricatura da
presidente Dilma, criada pelos chargistas da Folha de São Paulo, explora de forma hiperbólica
certos traços físicos do ator, como a altura e o peso para criar o efeito de sentido de humor.
36
2.2. A charge: uma perspectiva semiótica
Norma Discini (2003, p. 112), em seu artigo “Jornal: um modo de presença”,
analisa textos que compõem as páginas de opinião dos jornais Folha de São Paulo e O Estado
de São Paulo, voltando-se especificamente para os editoriais e para as charges.
Nesse sentido, consideramos importante destacar as reflexões da autora sobre
esses tipos de textos, pois tais reflexões podem ser associadas aos textos que analisamos nes-
te trabalho: as charges em sua relação principalmente com as crônicas comentário e com
alguns artigos de opinião que se manifestam na página dois da Folha de São Paulo e que
selecionamos como textos que dialogam em tal espaço do jornal.
No artigo, Discini observa que a charge apresenta-se com os recursos do
sincretismo, “pois se constrói por meio de duas substâncias, que se mantêm discretas, a do
verbal e a do visual, mas que são sincretizadas em uma forma única: tanto no plano da
expressão, quanto no plano do conteúdo”.
Para a autora o sentido, na charge é construído pela relação do visual com o
verbal e firma-se como predominantemente figurativo, pois neles os temas se concretizam
por meio das figuras, que são representações do mundo dado como objeto de conhecimento,
o mundo natural, como já dissemos.
A charge se caracteriza ainda, de acordo com Discini (2003) como texto
descritivo, na medida em que fixa uma cena no tempo. Outra característica da charge, que a
autora destaca, é a presença da ironia, pois, frequentemente, nesse tipo de texto, a
enunciação nega o que se afirma no enunciado.
Discini (2003) caracteriza ainda a charge como texto parodístico, uma vez que
“as figuras construídas ‘mostram’ figuras de base, que são subvertidas intertextualmente: na
expressão, pela refração em escala diferente; no conteúdo, pelo efeito do ridículo” (DISCINI,
2003, p. 112).
Como a charge é um texto eminentemente figurativo, nele importa a
concretude, diferentemente de outros tipos de textos que dialogam com ela nas páginas dos
dois jornais, como o editorial, o artigo e a crônica, que são textos predominantemente
temáticos.
37
Para Discini (2003, p. 113), os atores do enunciado da charge se figurativizam
de forma distorcida e de maneira hiperbólica, para representar “com jeito bufão recorrente o
‘ele’ debreado pela enunciação”. A autora afirma que por meio de figuras como a ironia e a
hipérbole a enunciação consegue-se esconder-se e protege-se de possível censura, “graças ao
ninho da impunidade a abrigar o riso”.
Na charge, no dizer de Discini (2003), importa o “lá” e o “então” que
juntamente com o “ele” representam a enunciação aparentemente ausente e descomprometida
com o que diz. Predomina, pois, no tipo de texto objeto de nossa análise, a debreagem
enunciva. Logo, para a autora, a charge constrói-se de modo eficaz através da estratégia de
fazer-se crer distante aos olhos do enunciatário.
Portanto, a charge, de modo diverso do editorial, da crônica e do artigo,
segundo Discini (2003), não constrói a ilusão referencial, analisando o mundo pela discussão
dos temas, mas “o faz pela recriação desse mundo e pela concretização desses temas”.
Outra especificidade da charge, segundo Discini, é a materialidade do
significante, o que a diferencia do editorial, do artigo e da crônica comentário, textos que
constituem a página dois do Caderno Opinião da Folha e que são feitos para “analisar, discutir
e comentar dados da “realidade midiática”. De acordo com Discini, tal materialidade firma, na
charge, a conotação do dito. Isso faz com que as figuras plásticas e verbais que nela se
encontram em sincretismo, além de referenciar o sentido, recriem-no, ou construam um
sentido segundo:
Importa que se cumpram os objetivos de cada texto: no editorial, predominantemente temático, “classificar e organizar a realidade
significante, estabelecendo relações e dependências temáticas”; na charge, predominantemente figurativo, “representar o mundo”. (DISCINI, 2003, p. 116, grifos da autora).
É essa representação do universo brasileiro no contexto das eleições presidenciais de
2010 que objetivamos analisar nos capítulos a seguir, focalizando especialmente a figura do
ator “Dilma”, construída em charges publicadas na página dois do Caderno Opinião da Folha
de Sâo Paulo Intentamos descrever seus percurso narrativos, seus papeis actanciais, temáticos
e patêmicos, assim como apreender as correlações que o enunciador estabelece nas charges
entre as categorias do conteúdo ali delineadas e as categorias de expressão visual também ali
inscritas.
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3. A CONSTRUÇÃO DO ATOR “DILMA”
3.1 DILMA E LULA: A CRIATURA E O CRIADOR
Conforme observamos na introdução do presente trabalho, analisaremos, a partir
deste capítulo, as charges constituintes de nosso córpus nas quais observamos a relação do
ator “Dilma” com o ator “Lula” e o ator “Partidos da base aliada”.
A charge de número 1, de João Montanaro, publicada na Folha de São Paulo,
em data anterior ao primeiro turno das eleições presidenciais, 02 de outubro de 2010, é um
texto sincrético em que se percebe a voz do enunciador que projeta, no plano verbal, o
enunciado centralizado “O incrível Lula”.
Nesse enunciado, o enunciador faz alusão a outro ator a quem compara Lula,
“O incrível Hulk”, uma personagem de histórias em quadrinhos que, após entrar em contato
com elementos radioativos, passa a manifestar poderes sobrenaturais tais como a incrível
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força e resistência física. É o mesmo que ocorre com o ex-presidente, projetado no plano
visual, nesse texto, topologicamente no primeiro plano da charge apresentada, em que
demonstra a intensidade de seu fazer, que é incrível também, porque exige dele uma força
descomunal, como revela sua gestualidade corporal, não somente arqueada pelo peso que
levanta com o intuito de fazer subir a haste que indica a intenção de votos, mas também pelo
estado de tensão figurativizado pela compressão de seus dentes.
Pode-se ressaltar que o enunciado verbal da charge harmoniza-se aos
elementos manifestados em seu plano visual. Assim, topologicamente, no lado superior
esquerdo da charge, tem-se a projeção da figura do ator “Dilma Rousseff”, cujo olhar
acompanha a performance do ator “Lula”, que faz levantamento de peso, e, em suas costas,
segura a barra que metaforiza as hastes dos índices de intenções de votos.
A correlação metafórica entre a figura da barra e das hastes, que indicam a
variação nas intenções de voto, evidencia-se no texto, pois atrás da figura de Lula, no plano de
fundo da charge, observa-se o gráfico de evolução de intenções de votos para o qual as
hastes/barras apontam.
Percebe-se que o gráfico apresentado na charge manifesta, de seu lado
esquerdo, uma marcação de percentual maior na variação das intenções de voto que aquela
que se manifesta em seu centro. Essa variação aponta, portanto, inicialmente, para uma queda
nas intenções de voto. No entanto, observa-se que, após a força, ou esforço do então
presidente Lula, esse índice de intenção de votos torna a subir.
Assim, é Lula quem, exerce o papel actancial de sujeito do fazer responsável
por operar tal transformação e leva Dilma, como sujeito de estado, da disjunção para a
conjunção com o objeto modal “intenção de votos” os quais possibilitariam à candidata
tornar-se competente para conquistar o objeto-valor “presidência”. Assim, é Lula quem lhe
torna conjunta do poder- fazer: ascender nas intenções de votos.
Por outro lado, a posição de Lula, em primeiro plano, revela a sua missão, que
é ironizada pelo enunciador, uma vez que elevar as intenções de voto na candidata era um
fazer considerado praticamente impossível no início da campanha, digno de um sujeito sobre-
humano.
É importante ressaltar que Lula é projetado visualmente em primeiro plano,
ocupando o centro da cena, enquanto Dilma aparece emoldurada no canto superior esquerdo
da charge, na condição de espectadora que assiste ao desempenho de seu criador, lançando-
lhe um olhar de espanto perante sua perfórmance.
Observamos que, em muitas das charges escolhidas para a análise, o chargista
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vale-se do recurso de enfatizar o olhar do ator para ali inscrever determinado estado de alma.
A razão da ênfase no olhar fez com que nos interessássemos pela sua significação e, de acordo
com o dicionário de símbolos, encontramos a seguinte observação sobre o olhar:
O olhar é carregado de todas as paixões da alma e dotado de um poder mágico, que lhe confere uma terrível eficácia. O olhar é o instrumento das ordens interiores: ele mata, fascina, fulmina, seduz, assim como exprime. As metamorfoses do olhar não revelam somente quem olha; revelam também quem é olhado, tanto a si mesmo como ao observador. É com efeito curioso observar as reações do fitado sob o olhar do outro e observar-se a si mesmo sob olhares estranhos. O olhar aparece como símbolo e instrumento da revelação. Mais ainda, é um reator e um revelador recíproco de quem olha e de quem é olhado. O olhar de outrem é um espelho que reflete duas almas. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 653).
Na charge em análise, a figura das sobrancelhas arqueadas do ator “Dilma” é que
traduz o estado de espanto que se espelha em seu olhar; esse espanto frente ao fazer de Lula
é que cria a ironia do texto, pois no contexto das eleições não se acreditava na possibilidade
de o ex-presidente poder operar a performance de transferir sua popularidade à candidata, e
essa descrença parece se refletir no próprio olhar de Dilma ao observar sua ascensão nas
intenções de voto.
Devido ao fato de a candidata se encontrar emoldurada no canto da charge,
pode-se apreender no texto a categoria topológica /central vs. marginal/ que pode ser
homologada à categoria do conteúdo /atividade vs. passividade/, que instaura no texto uma
relação semissimbólica e um novo saber, passível de ser apreendido pelo enunciatário, ou
seja, nota-se aí a ironia do enunciador frente à postura ativa e central do ex-presidente como
aquele que forjou a candidatura de Dilma, enquanto ela se posta ali de forma passiva e
marginal.
Assim, observa-se a ironia do enunciador, tendo em vista o contexto político
da época, pois se sabe que Lula tornou-se o principal divulgador da candidata de seu partido e
utilizava sua força política com o objetivo de auxiliá-la a subir nas intenções de votos.
Desse modo, Lula pode ser considerado o sujeito que possuía a competência
necessária para fazer, ou seja, transformar as intenções de votos do povo brasileiro em favor
de Dilma Rousseff, sendo dotado do papel temático de “criador” da candidata.
Podemos confirmar tal ponto de vista com a crônica publicada no mesmo dia e
na mesma página do jornal por Fernando Rodrigues, com a qual a charge dialoga. Intitulada
“Transferência de votos”, o texto faz alusão ao fazer de Lula que tinha a possibilidade de
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transferir sua popularidade a Dilma. De acordo com a crônica, “[...] no caso da eleição
presidencial, a aparição de Lula ao lado de Dilma Rousseff foi útil para que a petista passasse
a liderar a disputa [...]” (RODRIGUES, 2010, p.2). Para concluir seu texto, o autor, fazendo
referência ainda às eleições de presidente e de governador de Minas Gerais afirma: “Em
Minas Gerais, muitas vezes o candidato parece ser Lula e não Dilma Rousseff.”
(RODRIGUES, 2010, p.2).
Ao caracterizar o feito do presidente como algo da ordem do “incrível”, o
enunciador da charge, por sua vez, parece tecer uma crítica irônica ao fazer de Lula, e cria o
efeito de sentido de humor, pois, transferir sua popularidade a Dilma, aumentando o índice de
intenção de votos em sua candidatura, era algo tido até então como impossível pela
impopularidade daquela que se tornou a candidata do Partido dos Trabalhadores. Por essa
razão, o papel actancial do ator “Lula” se nivelaria ao do “incrível Hulk”.
Ao figurativizar o ator “Dilma” como contemplativa, estática, enfim, passiva, o
enunciador apresenta-a como sujeito de estado, o qual necessita de outro, o ex-presidente
Lula, para alcançar seu objeto modal: poder ascender nas intenções de voto. Tal leitura pode
ser comprovada com a crônica de Fernando Barros e Silva, também publicada no mesmo dia
e página do jornal, no qual o autor faz seu comentário a respeito do debate entre os candidatos
à presidência, ocorrido no dia anterior na Rede Globo de televisão, em que comenta a respeito
da falta de naturalidade dos candidatos e, a respeito de Dilma, observa: “Dilma Rousseff se
comporta como um robô, mas cada vez ‘mais solta’. É um robô em evolução – quase fluente,
quase humano” (BARROS E SILVA, 2010, p.2).
A comparação que o cronista tece entre a figura de Dilma e a figura do robô
revela sua visão irônica sobre a candidata, visão de alguém que até então não acreditava no
poder de Dilma para ascender nas intenções de votos e, para isso, dependia do então
presidente. No entanto, o cronista reconhece a “evolução” do robô “Dilma”
No que se refere aos recursos cromáticos que se manifestam na charge,
percebe-se que a cor do gráfico, bem como a roupa da candidata e a gravata do presidente são
todos da cor vermelha. Vale ressaltar ainda que o vermelho é a cor do Partido dos
Trabalhadores, PT, partido da candidata e do então presidente. Contudo, enquanto Lula é
figurativizado, por meio do recurso de ancoragem actorial, com terno preto e gravata
vermelha, Dilma é apresentada com roupa vermelha e blusa de baixo preta.
Dessa perspectiva, a cor vermelha, que prevalece na vestimenta de Dilma, pode
ser associada a outra ironia que o enunciador implicita no texto, fazendo alusão ao contexto
das eleições em que se fomentava o temor a Dilma, por parte da imprensa, justamente por
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ela ter, em seu passado, exercido o papel temático de guerrilheira que teria pertencido à
esquerda revolucionária à época da ditadura militar no Brasil. Assim, parte da imprensa tentou
ressuscitar o fantasma do comunismo para impingir o temor na população em relação à
candidatura Dilma.
Lula, por sua vez, só traz a gravata vermelha, pois já havia operado o
programa narrativo de governar o país e seu fazer, ao longo dos oitos anos de mandato,
demonstrara a irrelevância das conotações ideológicas de esquerda, que associavam o
vermelho ao comunismo, pois o presidente se revelara, ao longo de seus oito anos de governo,
adepto do liberalismo. Assim, o enunciador, ao permutar a cor da vestimenta dos dois atores
indicia que ambos podem ser considerados o avesso e direito um do outro, não havendo
qualquer diferença ideológica entre eles.
Ao se analisar a charge, fica clara a estratégia do enunciador que, ao construir
os atores “Dilma” e “Lula” se utiliza de figuras do plano verbal e visual em correlação aos
elementos do plano de expressão cromáticos, eidéticos e topológicos, com a intenção de
sugerir a impossibilidade de dissociação da figura da candidata à presidência de seu principal
mentor.
É importante observar que os elementos cromáticos, assim como a ancoragem
actorial e espacial dos atores, criam o efeito de sentido de verdade para o texto, na medida em
que possibilitam ao enunciatário crer na verdade do que é enunciado, ou seja, o fazer
persuasivo do enunciador obtém sucesso na medida em que possibilita ao enunciatário o fazer
interpretativo de que, em termos de eleição presidencial, Lula continuava no centro da cena.
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3.2 DILMA E LULA: CONTINUÍSMO OU MUDANÇA?
Essa charge, de autoria do chargista Jean, é composta apenas pelo plano visual
e foi publicada em 1° de novembro de 2010. Nela se manifestam também os atores “Lula” e
“Dilma”. O presidente encontra-se figurativizado utilizando a faixa presidencial, símbolo do
poder e ainda de seu cargo, e o que ocorre é que, ao invés de retirá-la e transmiti-la a Dilma,
Lula não se desfaz da faixa, mas a divide com a presidente eleita. Assim, encontra-se postado
no centro da cena e, com os braços voltados em direção à cabeça de Dilma, envolve-a também
com a faixa.
No nível narrativo, Lula se manifesta, portanto, novamente como sujeito do
fazer, enquanto Dilma é dotada do papel actancial de sujeito de estado. Logo, o enunciador
sugere ironicamente que a presidente não conseguiria governar sozinha, visto que se encontra
figurativizada em posição imóvel e olhar ressabiado que remete a um não-saber o que fazer;
seu olhar se volta para o presidente e ela se encontra também em posição estática, sugerindo
seu estado de obediência ao presidente Lula.
A cena enunciativa figurativizada na charge corrobora o que se lê em crônica
publicada na mesma página da charge, assinada por Fernando de Barros e Silva, em que ele
afirma que “Eleita por obra e graça do padrinho, Dilma Rousseff herda esse arranjo complexo
e delicado que sustenta o lulismo” (BARROS E SILVA 2010, p.2).
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Conforme o cronista, Dilma foi eleita por “obra e graça do padrinho” sendo
assim, deveria a este obediência, o que é sugerido pela charge que a aponta aceitando
passivamente o fazer de Lula que com ela divide a faixa.
O texto do cronista afirma ainda: “há, também, quem considere Dilma refém
demais das circunstâncias, além de lulo-dependente, para ousar qualquer passo em falso.” Por
outro lado, o articulista observa: “Lula governou por assimilação, por cooptação, acomodando
conflitos. Dilma terá essa vocação? Terá condições de exercê-la, diante da variedade de
interesses e do gigantismo de sua base de apoio?” (BARROS E SILVA, 2010, p.2).
O cronista sugere, pois, que Lula teria construído ao longo de seu governo uma
identidade de conciliador, que transcenderia a coloração de seu partido e coloca em dúvida se
Dilma conseguiria exercer esse papel.
Na charge Lula se encontra figurativizado com terno azul, ao passo que a veste
de Dilma é vermelha. Detectamos, portanto, no texto, a categoria cromática /cor quente vs.
cor fria/. A primeira é figurativizada pelo vermelho da roupa e dos cabelos de Dilma,
enquanto a segunda é concretizada pelo terno azul de Lula.
Nesse sentido, a charge, parece sugerir ainda, por meio da cor vermelha
utilizada por Dilma que, por mais que o presidente quisesse cooptá-la para o continuísmo, ela
ainda era uma incógnita e poderia surpreender, apresentando, portanto, outra face, diversa
daquela moldada a ela por Lula, como sugere Barros e Silva, por meio de seu questionamento.
Sabe-se que a cor vermelha é símbolo do Partido dos Trabalhadores, mas Lula
não a veste, o que implicita outra ironia do enunciador da charge, em relação ao então
presidente, ou seja, ele teria se desvencilhado dos ideais pregados pelo PT em nome das
alianças que estabeleceu com partidos da base aliada para obter maioria, mesmo sendo esses
partidos de linha ideológica diferente da linha que pregava o PT nos seus discursos.
Apreendemos, assim, no texto, uma relação semissimbólica, pois à categoria
cromática /cor fria vs. cor quente / associa-se a categoria semântica /identidade vs. alteridade/.
Logo, enquanto a identidade de Lula se pautaria pela conciliação, pela cooptação, Dilma,
como uma incógnita, poderia surpreender por buscar sua alteridade, como indicia o seu olhar,
na charge, ressabiado.
É possível perceber ainda a disposição topológica dos atores na charge:
enquanto Lula, que se encontra de azul, aparece no lado esquerdo da charge, Dilma, vestida
de vermelho, aparece posicionada do lado direito da mesma. Nesse aspecto à categoria
topológica do plano de expressão /direita vs. esquerda/ associa-se a categoria semântica
/continuísmo vs. mudança/ da ordem política estabelecida.
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A charge de Jean, assim como as crônicas que citamos, dialogam, portanto, entre si,
uma vez que a charge retrata uma Dilma em estado de passividade que parecia pronta a
atender aos desígnios de Lula, sugerindo, pois, a possibilidade de um continuísmo frente à
ordem estabelecida nos oito anos do governo Lula.
No dicionário, continuísmo pode ser definido como: “manobra política que visa à
permanência, no poder, de uma pessoa ou de um cargo”. (AURÉLIO, 2011, p. 248). Como
sabemos Lula não poderia permanecer no poder com o cargo, mas, por meio de Dilma,
conforme quis mostrar o enunciador, poderia permanecer enquanto sujeito que não perderia o
poder, o que se manifesta na charge pelo modo como “acorrenta” a presidente eleita com a
faixa presidencial que permanece em suas mãos.
Ainda aludindo ao tema do continuísmo no poder, Barros e Silva finaliza seu texto
com o seguinte ponto de vista:
Não tenho memória de outra candidatura presidencial no país tão ostensivamente tutelada. O gesso que Dilma usou numa das pernas durante parte da disputa talvez fosse a peça mais maleável da sua persona política. Ao acordar hoje, livre da armadura da campanha, é possível que a própria presidente eleita estranhe o rosto que estará a observá-la do lado de lá do espelho (BARROS E SILVA, 2010, p. 02).
Barros e Silva apresenta nesse comentário sua visão a respeito da corrida
presidencial e, para o cronista, a campanha presidencial de Dilma foi tutelada, ponto de vista
que ele já reiterara ao taxar Dilma de lulodependente.
No entanto, ao sugerir que, no dia seguinte à eleição ela estaria livre da
“armadura” da campanha e que poderia estranhar sua face no espelho, sinaliza para a
possibilidade de a candidata surpreende-se com sua própria face, em que não se reconheceria,
mas veria espelhada a face de Lula.
No entanto, quando analisamos a charge, em termos cromáticos e eidéticos,
observando as cores da veste de Dilma e a forma como encara o presidente observamos a
ironia da enunciação que sinaliza para a possibilidade de Dilma surpreender, ou seja, operar
uma mudança nos rumos de seu governo.
A palavra mudança é definida como: “ato de mudar (-se) ou o resultado desse
ato” (AURÉLIO, 2011, p. 610). Talvez seja essa a possibilidade mostrada pelo enunciador,
tomando como base o vermelho das vestes de Dilma e também seu olhar ressabiado, que
apontam para uma incógnita sobre o futuro governo Dilma, como a sugerir, desse modo, que
ela poderia criar outra face para seu governo e desvencilhar-se da cooptação de Lula, apesar
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do fazer do então presidente que objetivava aprisioná-la a seu ideário político, levando-a ao
continuísmo.
3.3. A PRESIDENTE E SUA “SOMBRA”
A terceira charge, objeto de nossa análise, é também de autoria de Jean e foi
publicada no jornal Folha de São Paulo no dia 05 de novembro de 2010, data posterior ao
segundo turno das eleições em que se deu a vitória de Dilma.
No texto visual, a figura de Dilma é ancorada espacialmente em uma praia.
Sendo assim, o enunciador, para criar o efeito de sentido de veracidade, quis apresentá-la em
um momento no qual não havia compromissos de campanha, um momento pós-eleição, que
pressuporia um período de descanso da presidente.
Ocorre, no entanto, que Dilma, sentada em uma toalha de praia, dirige seu
olhar à sombra que aparece na areia, observando que essa sombra não é dela, mas sim do
presidente Lula. A sombra está representada como se fosse a figura de um fantasma, visto que
não é dotada de olhos, mas apenas de órbitas oculares.
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Nesse sentido, a presidente eleita revela, por meio de seu olhar, o papel
patêmico de um sujeito em estado de medo, de temor, como se não quisesse ser guiada pela
sombra do ex-presidente, mas não pudesse dela se libertar.
Em semiótica das paixões o medo, é definido pela modalidade do não querer-
ser e, no caso de Dilma, ela parecer não querer a presença de Lula, mas não pode fazer nada
para se desvincular dela.
O texto revela, portanto, por meio do olhar da presidente, o tumulto modal em
que ela se encontrava: ela parecia não querer-ser dominada pela sombra do governo “Lula”,
mas encontrava-se passiva frente a isso, uma vez que, durante a campanha eleitoral deixou-se
conduzir por Lula e agora não poderia desvincular-se de sua figura, de sua sombra.
Observa-se, mais uma vez, a voz irônica do enunciador que apresenta a figura
de Dilma como indissociável da figura de Lula, eles são representados como corpo e sombra,
ou seja, como inseparáveis.
A palavra sombra é assim definida, no nível de dicionário:
espaço sem luz, ou escurecido pela interposição de um corpo opaco. Reprodução numa superfície mais clara, do contorno de uma figura que se interpõe entre esta e o foco luminoso. Lugar não batido pelo sol ou falta de claridade. Escuridão, treva. Mancha escura. (AURÉLIO, 2011, p. 822).
Sendo assim, na charge podemos perceber que a figura a figura de Dilma é
impedida por Lula de ter sua própria sombra, metaforizando a perda de identidade da
presidente. Nesse sentido, podemos interpretar a sombra como a do fantasma do governo
Lula, que perseguiria os passos de Dilma em seu governo. Desse ponto de vista,
encontramos a seguinte definição para o termo fantasma no dicionário:: ser sobrenatural,
geralmente a alma de um defunto que retorna ao mundo dos vivos; assombração, espectro,
aparição, sombra, visagem. (AURÉLIO, 2011, p. 421).
Por outro lado, na crônica de Barros e Silva, publicada no mesmo dia, na
mesma página da charge, observamos a seguinte declaração em que ele fala da “mudança”
no cenário nacional. De acordo com o cronista:
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Sai de cena, com Lula, o mágico capaz de tirar as meias sem tirar os sapatos. Desaparecem a inteligência intuitiva, a exuberância cênica, o vínculo afetivo com a plateia, a graça e o talento de quem sabe manipular enorme arsenal simbólico. Dilma é uma gestora. Seu idioma é o administrês. Gosta de siglas, números, planilhas, projetos, metas, obras. Seu perfil técnico, duro, contrasta com os de Lula e FHC, providos de enormes recursos pessoais, e para quem a Presidência foi antes de tudo o palco da arte da grande política.Veremos o que vai dar (BARROS E SILVA, 2010, p.02)
A fala de Barros e Silva é ambígua: nesse aspecto, pode ir ao encontro da
charge publicada por Jean, a qual, por meio da representação hiperbólica da sombra de Lula,
ofuscando a da própria Dilma, parece sugerir que teríamos um terceiro mandato de Lula, uma
vez que a presidente eleita não teria o mesmo carisma do ex-presidente, o qual ofuscaria, pois
o novo governo, impedindo Dilma de brilhar com luz própria No entanto, o olhar enigmático
de Dilma, no texto chargístico, se associa, por outro lado, ao texto de Barros e Silva que,
ao traçar a diferença entre o perfil de Lula e Dilma, finaliza o artigo com uma dúvida sobre a
possível mudança que poderia ocorrer no cenário político com a vitória de Dilma, cujo
governo não teria o mesmo brilho do governo do então presidente.
No que se refere à ancoragem dos atores no espaço percebe-se que o
enunciador apresenta a imagem da sombra fantasmática do ex-presidente Lula de maneira
exagerada. Sua representação cobre quase metade da charge. Nesse aspecto, vale lembrar,
segundo Lopes (1986, p. 87), que a figura da hipérbole pode ser entendida como uma
tentativa de
magnificar a essência ou ser [...], isolando-o de certo modo do contexto que o cerca a fim de localizá-lo no local de honra de um primeiro plano indiscutível, privilégio esse que é por vezes enfaticamente exagerado (a própria ênfase pode ser considerada um primeiro grau da hipérbole), por intermédio do colorido mais forte, por exemplo, ou da iluminação dominante”.
Dessa perspectiva, percebe-se que o enunciador realçou a presença do ator
“Lula” na charge, por meio de uma representação hiperbólica, uma vez que a figurativização
desse ator ocupa grande parte do espaço apresentado, deixando para a representação de Dilma
apenas um espaço limitado basicamente pela sua toalhinha de praia minúscula.
Pode-se perceber, portanto, a intenção do enunciador de evidenciar o poder
descomunal do então presidente em face de sua sucessora. Nesse sentido, o enunciador sugere
que o ex-presidente ofuscaria o papel de sua sucessora por meio de sua imagem de líder
poderoso, e, como uma sombra, não possibilitaria à presidente eleita brilhar com luz própria,
49
ou seja, exercer seu papel independentemente da força carismática de seu criador. Lula pode
ainda ser caracterizado como aquele que tudo sabe e tudo vê uma vez que está representado
na charge como um fantasma, muito maior que o ser humano, representado por Dilma.
Observamos ainda na charge a categoria topológica /englobado vs englobante/
onde Dilma é a figura englobada, pois na charge encontra-se envolvida pela sombra/fantasma
de Lula. Tal categoria topológica da expressão se correlaciona à categoria do conteúdo
/opressão vs liberdade/ em que a figura de Dilma é oprimida pelo poder descomunal da
figura do presidente Lula. Dessa maneira, percebemos nesta charge a instauração de uma
relação semissimbólica, com o objetivo de criar o efeito de sentido de humor irônico para o
texto.
Portanto, a figura hiperbólica da sombra do então presidente, projetada
eideticamente como a de um fantasma, ofuscando a presidente eleita, sugere ironicamente que
ela não conseguiria suplantar a força do mito “Lula” que estaria, pois, sempre à sua volta,
como um fantasma a rondá-la.
3.4 - GOVERNO DILMA?
A charge de Benett do dia 02 de novembro de 2010 aponta ironicamente para a
possibilidade de um “terceiro mandato de Lula”, que seria, portanto, o mentor do governo
50
Dilma.
A charge encontra-se dividida em duas partes, na primeira delas Lula, por
meio da debreagem interna de segundo grau, que cria o efeito de sentido de verdade para o
texto, dialoga com Dilma dizendo: “Não haverá interferências, palpites, sugestões, ou
opiniões!” Já na segunda parte da charge, manifestam-se Lula e Dilma, e aquele termina seu
discurso dirigindo seu olhar à presidente eleita dizendo: “A não ser que eu lhe peça. Ok?”
Dilma então, por meio de um olhar que revela impaciência , com os olhos voltados para cima,
responde: “Ok...”.
A resposta de Dilma revela seu aprisionamento a Lula, assim, apesar de seu
olhar sugerir, de certa forma, que ela não queria permitir que o ex-presidente entrasse com
“palpites, sugestões ou opiniões” em seu governo, ela sabia que não poderia fazer nada contra
esse fazer de Lula, visto que ele foi o sujeito responsável pela sua conjunção com o objeto-
valor “presidência”.
Sendo assim, o enunciador da charge, ao apresentar a segunda parte do diálogo,
na qual Dilma diz Ok, concordando com a fala de Lula, quis sugerir que Dilma iria acatar os
“palpites, sugestões ou opiniões”, de Lula em seu governo.
Tal opinião trava diálogo com a crônica de Eliane Cantanhêde do mesmo dia.
Em seu texto, a cronista diz, a respeito de Lula e Dilma: “Ele fez a candidata, impôs seu nome
ao PT, garantiu-lhe a vitória, vem escolhendo os ministros desde a campanha, determina
como será o governo e será o dono do país, de fato, também no mandato da sucessora. Até
voltar, de direito, pelas eleições de 2014” (CANTANHÊDE, 2010, p. 2).
Na opinião de Cantanhêde, portanto, nota-se novamente a instauração de Lula
como sujeito do fazer e de Dilma como sujeito de estado em que ele teria sido o responsável
pela conquista do objeto-valor “presidência” por parte da sucessora.
Em outro texto, de Sérgio Dávila, publicado na mesma página da charge e
também no mesmo dia, sob o título “Dilma pode; o que fará?” observamos, por outro lado a
seguinte afirmação:
Em seu discurso de agradecimento, anteontem à noite, Dilma exortou os pais a dizer às filhas “Sim, a mulher pode!”, adaptando o mote da campanha obamista “Yes, we can!” (“Sim, nós podemos!”, em inglês). De fato, Dilma poderá. Resta saber o que “a mulher de Lula” fará com esse poder. (DÁVILA, 2010, p.2)
51
Ao atribuir a Dilma o papel temático de “mulher de Lula”, o autor
ironicamente indicia que a nova presidente seria alguém que possuiria uma relação profunda
com o ex-presidente, ou ainda, como sugere o “Ok” de sua fala na charge, como um sujeito
que deveria obediência a outro.
A ausência de identidade da Dilma candidata, devido à sua subordinação a Lula
fez com que Dilma fosse considerada pelo articulista como alguém cujo “desempenho na
campanha foi tão mediano, as propostas tão ausentes, as promessas tão vagas, que só se pode
esperar que ela seja melhor presidente do que foi candidata” (DÁVILA, 2010, p. 2). No
entanto, o jornalista, sugere que, investida de poder, tal qual Dilma explicitou em seu
discurso, Dilma seria uma incógnita e, mesmo como mulher de Lula, poderia surpreender.
Observamos, ainda, na charge a categoria do plano de conteúdo / passividade
vs. atividade/, a qual se associa, à categoria cromática /cor quente vs cor fria/. O primeiro
termo da categoria cromática está associado ao vestido vermelho de Dilma e o segundo, ao
terno azul de Lula.
Podemos associar a atividade à fala do presidente no primeiro e segundo
quadros da charge, e a passividade, figurativizada, pelo “OK” da fala de Dilma, o que se
corrobora, como observamos anteriormente, no artigo de Cantanhede, no qual a articulista
afirma que Lula “fez” a candidata.
Se Lula exerceria o papel de ativo, a Dilma, na posição de passividade, não
restaria outra alternativa a não ser acatar as interferências de Lula em seu governo, apesar de,
na aparência, nas vestes, simular o ideário do PT por meio da roupa vermelha.
Nesse sentido, parece haver uma contradição entre os termos das categorias
semânticas, o que contribui para a criação da figura da ironia e do humor que a charge causa.
Assim o vermelho da veste de Dilma, outrora associado aos temores de mudança de direção
no governo Dilma, seria algo da ordem da aparência, na essência, seu governo, se tornaria um
continuísmo da era Lula, conforme sugere a charge.
A ironia instaurada nesse texto se manifesta também ao nos depararmos com
Lula, na segunda parte da charge, sugerindo, no plano verbal, exatamente o que negou na
primeira parte do texto. Logo, “interferências”, “palpites”, “sugestões”, “opiniões”, compõem
um percurso figurativo que tematiza a ingerência de Lula no futuro governo Dilma, o que ela
parece acatar de forma passiva, em sua fala , apesar do olhar, de impaciência.
Nesse sentido, ao analisarmos os olhares de Lula e Dilma, na segunda parte da
charge, observamos que, ao se dirigir a Dilma, Lula olha para ela buscando um olhar de
aceitação por parte da companheira. No entanto, o olhar de Dilma é o de um sujeito que
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parece cansado de aceitar os desígnios de Lula, apesar de sua fala sugerir-lhe obediência,
Assim, o enunciador da charge, ironicamente sugere que, mesmo os mais
ferrenhos adeptos do ideário do PT, como Dilma parecia ser, se sujeitariam aos desígnios de
Lula, como revela seu assentimento com o OK. Em outras palavras, a nova presidente, uma
figura que, pelo cargo que iria ocupar, deveria ser a “mandante” aparece na charge em posição
de submissão ao velho companheiro. Todavia, o estado de impaciência, que também se capta
em seu olhar, parece ambiguamente sugerir que, investida do poder, e apesar de “mulher de
Lula” ela poderia surpreender.
4. O ATOR “DILMA” E SUA RELAÇÃO COM O ATOR “PARTIDOS ALIADOS”
4.1 DILMA E OS “URUBUS”
Analisamos neste capítulo a construção do ator “Dilma” em sua relação com os
partidos aliados, em especial o PMDB, (Partido do Movimento Democrático Brasileiro),
partido de seu vice Michel Temer.
Selecionamos seis charges para mostrar essa relação. A primeira delas, de
autoria de Benett, publicada em 07 de novembro de 2010, apresenta Dilma ancorada
espacialmente em uma praia. De acordo com o dicionário Aurélio, praia pode ser definida
como: “Orla de terra, em geral coberta de areia, confinando com o mar [...]”. (AURÉLIO,
1999 p.550).
Dilma, confinada nessa praia já era presidente eleita e encontrava-se em
período de férias antes de assumir o governo em Brasília.
Dilma encontra-se figurativizada usando traje de banho, um maiô vermelho
com bolinhas brancas, o que nos remeteria a um momento de descontração, relaxamento, e de
descanso após o segundo turno das eleições. A figura do maiô vermelho marca a candidata
com o símbolo do Partido dos Trabalhadores, mas as bolinhas brancas sugerem a paz e a
tranquilidade que, todavia, a candidata não tem, como ironicamente revela o enunciador ao
povoar de urubus o céu de brigadeiro.
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Dilma encontra-se ancorada no centro da cena enunciativa, em primeiro plano,
no espaço inferior, com a cabeça voltada para cima. Isso faz com que o enunciatário, ao
observá-la, acompanhe seu olhar voltado para o ator “PMDB”, figurativizado nessa charge,
pelos quatro urubus que pairam no céu azul.
O dicionário nos traz a seguinte definição para a palavra urubu: “ave catartídea
preta, de cabeça nua, que se alimenta de carnes em decomposição” (AURÉLIO, 1999, p. 698).
A forma como foram apresentados os urubus, voando baixo, quase em voo rasante, e ainda em
bando, nos remete ao fato de eles estarem à procura de alimento, ou, em outras palavras, de
seu objeto-valor, os cargos que a presidente deveria dividir entre os aliados.
Devemos lembrar que a charge só faz sentido se for analisada dentro de seu
contexto, o jornal, estabelecendo com ele uma relação de diálogo. Ao relacionarmos a data da
charge aos acontecimentos políticos que ocorriam na época, veiculados pelo jornal,
observamos que naquele momento eles faziam referência à discussão que se dava entre os
membros da executiva do PT, partido da presidente Dilma, e o PMDB, partido de seu vice, a
respeito da distribuição de cargos para a composição do governo do qual participariam
membros do PT e de partidos da base aliada.
A respeito de partidos e negociação política e, ainda da possível volta da
CPMF, escreve Eliane Cantanhêde em seu texto publicado na mesma página e no mesmo dia
da charge:
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O bônus econômico é questionável. Primeiro, porque a receita da Saúde se manteve praticamente estável antes, durante e depois da CPMF. Segundo, porque a arrecadação vai muito bem, obrigada. A receita cresceu duas vezes mais que a CPMF nos dois mandatos de Lula. Dilma precisa de mais imposto? O mercado acha que não. Apesar de ter jogado todas as fichas e simpatias na candidatura de Dilma, de “esquerda”, já está reagindo. Nem se sabe ainda se a CPMF voltará, mas os juros disparam na Bolsa de Mercadorias e Futuros. E o ônus político pode ser pesado. Trazer a CPMF de volta à pauta é mexer com o bolso e com a emoção de quem paga a conta e dar de presente uma boia para a oposição se agarrar, particularmente o DEM. É também excitar o ambiente entre os dez partidos aliados, a dois meses da troca de governo, com todos eles se estapeando por cargos. Principalmente, cria mais um teste de fogo para Dilma, que já tem mil problemas para se preocupar e cujo forte não é exatamente o jogo de cintura e a negociação política. (CANTANHÊDE, 2010, p.2, grifos nossos).
O fato de a cronista observar que Dilma não teria jogo de cintura para negociar
com dez partidos aliados, vai ao encontro da charge publicada no jornal, na qual Dilma teria o
poder de propiciar o único alimento para os urubus que pairavam no céu naquele instante, na
medida em que seria responsável pela distribuição dos cargos de seu governo. Tal alimento,
no entanto, parece, contudo, insuficiente se tomarmos como base o tamanho de Dilma frente
ao tamanho das quatro aves que voam no céu.
No dia em que a charge foi publicada não havia nenhuma menção direta, na
página em que sai no caderno Opinião da Folha, às relações de Dilma e o PMDB, no entanto,
onze dias após a publicação da charge, escreveu Barros e Silva nesse mesmo caderno da
Folha: “Juntando-se à direita fisiológica na Câmara, gente da sua laia, o PMDB quis mandar
um recado intimidador ao PT e à presidente eleita: continuamos iguais, temos fome, nem
pense em diminuir nossa ‘Bolsa Poder” (BARROS E SILVA, 2010, p.2).
Portanto, as figuras “temos fome”, do texto verbal de Barros e Silva, associa-se
ironicamente à fome de poder dos peemedebistas animalizados na charge como urubus
voando em torno de seu objeto-valor “a carniça” ou a carne em decomposição de seu governo,
que seria fatiada pela presidente, como ironicamente sugere a charge.
Sendo assim, Dilma, figurativizada em uma praia, metaforiza o objeto-valor
procurado pelos “urubus”, a “carniça” que os animais buscavam. Assim, seu olhar para o alto
não é um olhar tranquilo.
Nessa charge o enunciador figurativiza Dilma, como um sujeito cognitivo, que
sabe que deve recompensar de alguma forma o sujeito adjuvante da campanha, mas teme a
transformação desse sujeito em antissujeito, ávido pelo objeto-valor “poder”, o qual teria a
competência para destruir seu governo.
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Tal sugestão do enunciador se reitera pela forma como ela se encontra
representada topologicamente no espaço da charge, em posição inferior, achatada e diminuída,
uma vez que está abaixo dos urubus que mancham de negro o céu límpido.
Temos, assim, no texto a categoria topológica do plano de expressão
/superioridade vs. inferioridade/ a que se pode associar a categoria do plano de conteúdo /
opressão vs liberdade/. Instaura-se, pois, uma relação semissimbólica: Dilma, em estado de
opressão, se encontra em estado de preocupação, inferiorizada, pois, como sujeito cognitivo,
sabe que não teria liberdade para escolher seu ministério e os cargos a ele relativos.
Dilma encontra-se, portanto, imóvel e estática, dominada pelos laços que seu
partido estabeleceu com o PMDB, metaforizado pelos urubus, os quais se encontram em
posição de mobilidade, superioridade e liberdade, voando sobre a candidata como se ela
figurativizasse a carniça, ou seja, os cargos, que eles, em grande número, iriam abocanhar em
seu governo.
4.2. A MEDIDA DO ATOR “DILMA”
A charge de autoria de Jean, publicada em 19 de novembro de 2010, apresenta
Dilma figurativizada tirando suas medidas para a confecção da faixa presidencial. Apesar de
apresentar apenas um quadro, essa charge pode ser dividida em duas partes; a primeira na
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qual Dilma está sozinha com um sujeito no papel temático de costureiro que tira suas medidas
e a segunda, na qual ela já está vestindo a faixa.
Na primeira parte da charge, o costureiro questiona Dilma a respeito de sua
medida, instaurando um diálogo com ela por meio de debreagem interna que tem a finalidade
de criar o sentido de verdade para o texto. Ao buscarmos no dicionário o sentido da palavra
medida encontramos: “Medição. Padrão. Qualquer objeto para medir uma quantidade. Limite,
termo. Dimensão, tamanho. Disposição, providência.” (AURÉLIO, p. 453).
Desse modo, a palavra medida pode ser lida no contexto da charge, de início,
como o sentido de “tamanho”. No entanto, quando entramos em contato com sua resposta à
pergunta, na segunda parte da charge, temos instaurado o efeito de sentido de humor textual,
uma vez que Dilma, ao invés de responder à pergunta do costureiro com P ou M, o que o
enunciatário esperaria, pois se fala de medida no sentido de tamanho, o enunciador rompe
com essa expectativa por meio da resposta que atribui ao ator Dilma: PMDB. Temos então
uma ruptura em relação à resposta que era esperada, que provoca, por essa razão, o efeito de
humor.
Na segunda parte da charge, no plano visual, observamos figurativizado o ator
Dilma, juntamente com dez indivíduos que representam o sujeito “PMDB”. Percebemos ainda
que o chargista representou Dilma com um olhar enviesado em direção ao sujeito coletivo
“PMDB”. Tal olhar se harmoniza com a figura de seus dentes à mostra revelando seu estado
de tensão, visto que a faixa presidencial, que deveria estar unicamente sobre seu peito está
sendo dividida com tais indivíduos o que simula o laço que a liga ao partido aliado,
aprisionando-a indissoluvelmente a ele.
Dilma é aqui nesta charge um sujeito cognitivo: ela tem o saber sobre a aliança
que seu partido estabeleceu com o PMDB, o que se comprova por meio de sua resposta ao
questionamento do costureiro. O que ocorre é que Dilma não possui o poder de desvencilhar-
se de tal aliança, sendo, portanto, com relação a esse fato, apenas dotada do querer, mas não
do poder-fazer; em outras palavras, por meio de sua gestualidade facial, Dilma revela-se um
sujeito que não desejaria dividir o poder com o ator PMDB, mas que não-pode desvencilhar-
se desse sujeito coletivo.
O estado de incômodo, ou mesmo de opressão da candidata, tendo em vista
essa divisão de poder com o partido aliado, revela-se também por meio da figura do suor
que cai da sua face sugerindo a impossibilidade de a presidente libertar-se de tal aliança.
Nesse sentido, em termos de nível fundamental, encontramos no texto a oposição semântica
opressão vs. liberdade, em que a opressão é disfórica, como revela o semblante de Dilma.
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A esse respeito, Barros e Silva em sua crônica do mesmo dia afirma que:
Na convenção do PT que oficializou a candidatura de Dilma Rousseff, em junho, Lula, ao discursar, olhou para a futura presidente e para Michel Temer e disse que desejava a ambos a “mesma sintonia”, a “mesma confiança total e absoluta” que ele e José Alencar tiveram a sorte de partilhar. A frase, na ocasião, passou batida, mas registrei a cena no caderninho. Lula sabia com quem (e de que) estava falando. Soava como uma mistura de alerta e de ironia.Confiança e sintonia são ingredientes ausentes da relação entre Dilma e Temer. Há, entre eles, uma dieta magra, uma tolerância desprovida de qualquer tempero, inversamente proporcional ao apetite que os mantém juntos à mesa”.(BARROS E SILVA, 2010, p.02. grifos nossos)
Observamos no texto que o desejo expresso por Lula para que Dilma e Temer,
entrassem em sintonia soou como irônico; em outras palavras, o presidente sabia que a relação
de ambos não era suficientemente sólida para compor uma parceria no nível da que se
estabeleceria ali: a de presidente e vice.
A figura “apetite” utilizada por Barros e Silva, pode ser considerada um
desencadeador de isotopias. Seu significado primeiro é: “vontade de comer. Vontade,
disposição, ânimo” (AURÉLIO, 1999, p. 51).
Na crônica supracitada, verificamos, que o apetite ao qual Barros e Silva se
refere não se relaciona à vontade de comer, apresentada pelo dicionário como primeira
definição da palavra, mas sim à disposição, ou ânimo de abocanhar o poder. Poder esse que
seria dividido por ambos a partir do momento em que assumissem seus cargos em Brasília.
Nota-se, pois, que a crônica reforça aquilo que o enunciador da charge sugere:
a presidente tem a competência, ou seja, o saber sobre o seu aprisionamento ao PMDB, tema
que se concretiza por meio da figura da faixa que ela divide com os peemedebistas.
É importante ressaltar ainda que o enunciador da charge ancora o ator Dilma,
antes e após a “prova” da faixa presidencial, ou seja, antes e durante a posse do governo,
respectivamente, à esquerda e à direita do espaço da charge. Em ambas as posições ela se
encontra sobre um banquinho e, nesse aspecto, o enunciador sugere, por meio da figura deste
banco, o poder que ela passaria a ter enquanto presidente do país, um poder que a alçaria a
uma posição superior, todavia teria de dividi-lo com os integrantes do PMDB.
Devemos fazer referência ainda à gestualidade do costureiro, o qual, no
primeiro momento da charge, revela um estado de tranquilidade e, já no segundo momento,
está representado como que transtornado com a resposta de Dilma e com a visão da presidente
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enlaçada ao PMDB. Podemos inferir que este costureiro seja um simulacro do enunciatário-
leitor, o qual se espanta com a impossibilidade de a presidente poder governar com liberdade.
Esse costureiro foi, metaforicamente, o responsável por juntar, ou melhor,
costurar a relação entre PT e PMDB, por meio da faixa presidencial, da mesma forma que a
maioria do povo brasileiro, por meio do instrumento do voto, no momento da eleição,
costurou Dilma ao PMDB em uma relação de interdependência, visto que sua ascensão à
presidência só foi possível devido ao voto e à escolha popular.
Nesse sentido, Barros e Silva apresenta em uma de suas crônicas, uma retrospectiva
da história política de Dilma e Temer, mostrando como ambos, até bem pouco tempo não
possuíam nenhuma afinidade e como trilhavam caminhos diferentes na política.
Temer apoiou Alckmin em 2006. Era, até anteontem, um quase-tucano antipetista. Lembre, também, que Dilma, no segundo turno, questionada por William Bonner no “JN” sobre as acusações de Ciro Gomes —“o PMDB é um ajuntamento de assaltantes” e Temer “o chefe dessa turma”—, se esforçou para salvar Ciro de si mesmo e simplesmente se esqueceu de defender no ar o partido e o vice (BARROS E SILVA, 2010, p. 02)
Para finalizar seu texto, Barros e Silva afirma a respeito de Dilma e do PMDB:
“Resta a dúvida: que padrão de relacionamento Dilma vai estabelecer com esse PMDB?”
(BARROS E SILVA 2010, p.2). Esse questionamento parece ser aquele de que se dá conta o
costureiro, simulacro do enunciatário-leitor na charge.
Outra sugestão irônica do texto tendo em vista a disposição espacial dos atores
diz respeito ao fato de, ao assumir o poder, dividindo seu espaço com o PMDB, a candidata,
que foi um dia militante de esquerda, teria mudado de posição ideológica e passaria, portanto,
a defender o ideário político associado ao PMDB, partido considerado conservador. Nesse
sentido, à categoria topológica /direita vs esquerda/, posições espaciais que ela ocupa
respectivamente na charge, se homologaria a categoria semântica /liberalismo vs.
conservadorismo/, instaurando-se, pois, uma relação semissimbólica por meio da qual se nota
a ironia do enunciador. Nesse aspecto, a candidata se posta à direita no primeiro quadro, pois
exercendo o papel de presidente seria a representante da situação. Já no segundo quadro ela
se coloca à esquerda do PMDB, mas a ele aprisionada, ou seja, submissa a seu
conservadorismo.
Ao apresentar Dilma “dividindo” a faixa presidencial com os atores
conservadores, gananciosos por poder, fica claro para o enunciatário que o enunciador
apresenta a presidente sem autonomia para governar a seu modo, visto que, a faixa
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figurativiza o poder a ela outorgado, que, na visão do enunciador, não pertenceria somente a
ela. Isso fica evidente ao observarmos a “divisão” desse poder com mais outros sujeitos que
figurativizam o ator “PMDB”.
Nota-se, pois, que o enunciador sugere que a presidente tem a competência, ou
seja, o saber sobre o seu aprisionamento político ao PMDB, tema que se concretiza por meio
da figura da faixa que ela divide com os peemedebistas.
4.3. DILMA E OS “POMBOS”
Também de autoria de Jean, a charge a seguir foi publicada no Jornal Folha de
São Paulo em 23 de novembro de 2010. Nela, observamos Dilma figurativizada em um
parque, sentada em um banco, com um saquinho de pipoca nas mãos. Próximos a ela,
circundando-a, em posição de ataque, percebemos cinco pombos que aparecem
figurativizados, de forma hiperbólica, em tamanho bem maior que Dilma.
No nível narrativo podemos ler a charge da seguinte forma: o sujeito Dilma
encontra-se em conjunção com o objeto-valor “pipoca”, cobiçado pelos pombos. Podemos
ainda perceber o desejo, o querer do sujeito “pombos” que busca também a aquisição do
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objeto-valor “pipoca”, e que, em posição ameaçadora, encurrala o sujeito que está conjunto
ao objeto.
Observa-se que o gesto do abrir mão de Dilma em relação ao objeto, numa
performance de doação transitiva, não ocorre de livre e espontânea vontade. Dilma, em
posição de defesa na charge, com uma das mãos levantadas, não quer entrar em disjunção
com seu objeto-valor, no entanto, está sendo manipulada por intimidação e sabe que apesar
do não-querer, deve, abrir mão da pipoca para continuar em conjunção com outro objeto-valor
mais importante, a vida, que, nesse caso, ironicamente, metaforiza a vida política.
No contexto das eleições presidenciais, como temos observado nos textos em
análise, Dilma encontra-se presa aos laços estabelecidos por seu partido por intermédio de
Lula e, por essa razão, sabe que deve recompensar o sujeito “partidos da base aliada” por seu
apoio durante a campanha. Sendo assim é detentora do saber e do poder, mas não do querer
distribuir a pipoca, que metaforiza os cargos, à base aliada.
Assim, nota-se no texto a oposição topológica /cercante/ vs. /cercado/, em
que cercante relaciona-se aos “gaviões” que metaforizam os partidos da base aliada. Já o
termo cercado relaciona-se a Dilma, que, com a proximidade de sua posse, se via cada vez
mais pressionada para promover a distribuição dos cargos em seu governo. Instaura-se, pois a
relação semissimbólica em que à categora topológica /cercado vs. cercante/ se correlaciona a
categoria semântica /opressão vs liberdade/ em que a liberdade de agir, no sentido de
conquisatar os cargos é privilégio dos partidos da base aliada, metaforizado pelos pombos
que oprimem a presidente.
Vale observar que a correlação metafórica entre a figura das pipocas e dos
cargos se torna possível, pois, no plano verbal, a figura dos cargos aparece topologicamente
situada no canto superior esquerdo da charge.
A situação em que se encontra Dilma, no texto em análise, pode ser associada
ao que escreve Safatle, em texto situado na mesma página do jornal, no mesmo dia em que a
charge foi publicada:
61
Um país como o Brasil, que, já no século 19, mostrou como era possível ser, ao mesmo tempo, liberal e escravagista, não deveria estranhar o fato de que, em certas situações, as ideias saem do lugar. Já não é de hoje que o pensamento liberal demonstrou ter a flexibilidade necessária para ora se adequar aos laivos esquerdistas de um liberal nova-iorquino ora se adequar àqueles que elevam a “luta contra os tentáculos do Estado” e o direito de propriedade à medida de todas as coisas. Hoje, ele alimenta, de maneira hegemônica, uma visão de mundo profundamente atomizada, que consiste em ver a sociedade como uma mera associação de indivíduos. Vale a pena ficar atento a essas inversões, porque, atualmente, é difícil encontrar algo como um “tipo ideal” conservador. Ao contrário, eles sempre vêm com alguns traços atenuantes, com alguns discursos híbridos. Maneira de conjugar certas exigências contraditórias que habitam nossa sociedade, maneira de tirar certas ideias do lugar (SAFATLE, 2010, p.2).
Desse ponto de vista, a candidata, que um dia defendera os ideais de esquerda
se encontra com as ideias fora do lugar,como afrma Safatle, e deveria ter a elasticidade para
adequar-se ao conservadorismo dos partidos com os quais estabeleceu coligação.
Observamos ainda no texto a oposição cromática /cor fria/ vs /cor quente/,
sendo a primeira utilizada para representar os pombos e a segunda representando os cabelos
de Dilma. Essa oposição cromática pode ser ainda associada à oposição semântica
/conservadorismo/ vs /liberalismo/ em que o primeiro se refere aos pombos/ gaviões e o
segundo, a Dilma Rousseff. Temos, dessa forma, a instauração de outra relação
semissimbólica no texto.
É interessante ainda perceber, que, em outras charges analisadas, Dilma
encontrava-se toda figurativizada em vermelho. Nesta, porém, sobraram-lhe apenas os
cabelos dessa cor. Isso nos remete ao fato de a futura presidente estar passando por um
momento de mudança, ou em outras palavras, de adaptação do seu governo aos moldes pré-
estabelecidos por Lula na campanha quando lançou sua candidatura ao lado de partidos, na
maioria, conservadores, ávidos pelo poder.
Logo, podemos ainda ler a charge da seguinte maneira: por mais que Dilma se
esforce para manter seus ideais liberais, encontra-se cercada por conservadores,
impossibilitando-a de governar a seu modo. Dessa perspectiva, vamos ao encontro do texto
de Safatle o qual nos faz refletir sobre a capacidade de o político brasileiro, no caso Dilma,
possuir um discurso político híbrido, a qual seria marcado por ideais políticos contraditórios.
Voltando à análise da charge, nota-se que o estado passional de medo ali se
concretiza, por meio do corpo retraído de Dilma, que parece não-querer distribuir os cargos,
mas não tem poder para lutar contra o poder opressivo dos adjuvantes que, também nesta
charge, se transformaram em antissujeitos. Nesse aspecto, Dilma encontra-se figurativizada
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encolhida, e pequenina, com um dos braços levantados, como se preparando para um possível
ataque do sujeito “pombos”. Suas mãos se preparam para entrar em disjução com um dos
grãos da pipoca, mas ela parece temer o ataque dos pombos na sua avidez por mais grãos do
objeto-valor.
Dilma revela-se, pois, em estado de temor uma vez que o grão de pipoca que
possui em suas mãos não parece ser suficiente para alimentar todas as aves hiperbólicas que
se encontram a sua volta. Essas olham para Dilma com um olhar ganancioso o qual revela o
tema irônico da sede pelo poder que seria disputado por muitos frente a uma Dilma isolada,
solitária e pequenina, como acontece na charge em que se encontra ancorada na praia. Ou
ainda, como na charge anterior quando estava sozinha para encarar o ator “PMDB” na divisão
da faixa presidencial.
4.4 . DILMA E OS “VAMPIROS”
“De volta pra casa”, é o título da quarta charge deste capítulo, publicada em 13
de novembro de 2010. O cartunista que a assina é João Montanaro.
Nela, podemos observar novamente o ator Dilma, figurativizado em um
momento posterior à eleição Isso fica claro devido à voz do enunciador expressa no
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enunciado “De volta pra casa”, que sugere o retorno de Dilma a Brasília, após o período de
descanso que se seguiu ao segundo turno, o que se corrobora pela data da publicação da
charge.
A presidente se vê encurralada por quatro sujeitos peemedebistas que já
esperavam por ela quando esta chega a sua casa. Essa casa, no enunciado irônico do
enunciador é a metonímia de Brasília, capital federal, que já era endereço de Dilma quando
era responsável pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no governo Lula e que
continuaria a ser sua morada quando se tornara presidente.
Esse retorno de Dilma figurativizado na charge aparece também na crônica de
Cruz, publicada na mesma data da charge. De acordo com o cronista: “Dilma Rousseff está de
volta ao Brasil. Após quase uma semana longe da guerra por espaço no seu futuro governo,
ela terá de enfrentar a dura realidade que é montar uma equipe ministerial” (CRUZ, 2010,
p.2).
Ainda tratando das dificuldades de Dilma para montar sua equipe, Cruz, no
mesmo texto afirma:
Dependesse apenas de sua vontade, o ministério já estaria escalado e pronto para entrar em campo. Inclusive com escolhas de nomes entre os partidos aliados. Só que Dilma, agora, não é mais a ministra da Casa Civil, quando se posicionava contra algumas indicações feitas ao presidente Lula e até apostava que conseguiria barrar esse e aquele nome. Muitas vezes, descobriu que seu desejo, de ministra técnica, não prevalecia sobre as necessidades políticas de um presidente envolvido na montagem de uma maioria confiável no Congresso (CRUZ, 2010, p.02)
A afirmação do cronista dialoga com a charge e a complementa; se antes de se
tornar presidente Dilma acreditava poder fazer prevalecer sua vontade, teve que se conformar
com essa impossibilidade, conforme afirma Cruz e, na charge, é pega de surpresa, pois se
vê frente a frente com os vampiros, que figurativizam o PMDB contra os quais não há como
lutar, uma vez que neles se apoiou para obter o objeto-valor “presidência” .
No plano de expressão visual, encontramos, portanto, figurativizado o ator
“Dilma”, projetada topologicamente no lado esquerdo da charge, e o ator “PMDB”, aqui
representado por quatro vampiros, postado do lado direito da charge. Cada um deles veste
camisa em que se destacam letras pintadas: juntas e na sequência da esquerda para a direta
tais letras compõem a sigla PMDB. Apreende-se, nesse aspecto, do plano visual, a categoria
plástica topológica /esquerda vs direita/ a que se associa a categoria semântica / liberalismo
vs conservadorismo/.
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Nesse sentido, o enunciador parece sugerir que o pretenso liberalismo da antiga
militante de esquerda teria que se sujeitar opressivamente ao conservadorismo e ganância do
PMDB, cujos membros se encontram figurativizados, de forma caricaturesca, como
“vampiros”, dispostos a sugar o “sangue” da presidente, o que remete ao tema da sede pelo
poder, relacionado ao partido aliado do PT. Com relação a essa sede de poder dos partidos da
“base aliada” escreve Barros e Silva em sua crônica na Folha:
[...] como chamar um partido que apoia o governo Lula (ou Dilma) na esfera federal e ao mesmo dá seu apoio ao governo Serra (ou Alckmin) em São Paulo? Partido anfíbio? Partido oportunista? Partido Macunaíma? Partido ao meio? Não estou me referindo apenas ao PMDB, verdadeiro partido de artistas, capaz de abocanhar a vice presidência do governo Dilma, segurar com uma mão no governo Alckmin e com a outra fazer acenos para atrair Gilberto Kassab do DEM. Pense no PSB, no PDT e no PV, três partidos que têm alguma pretensão de ser levados a sério ou possuir identidade programática. Na prática, pertencem à base do governo petista na esfera federal e à base do governo tucano em SP. Coerência? Basta invocar as “diferenças” regionais para justificar a adesão a Aaquie Balie vice-versa (BARROS E SILVA, 2010, p.02)
Ainda tratando dessa não-fidelidade partidária o cronista conclui seu texto
afirmando: “Quase todos estão na política para isso mesmo: fazer negócios. E todos querem
ser do único partido que de fato importa: o partido do poder”. (BARROS E SILVA, 2010,
p.02)
Por sua vez, Dilma revela, por meio de seu olhar, o estado de pavor frente ao
papel actancial de antissujeito dos atores que compõem o PMDB. Isso pode ser comprovado
pela figurativização de seu rosto. Assim, a forma arqueada como foram representadas suas
sobrancelhas, seus olhos esbugalhados, sua boca entreaberta e suas mãos em posição de
defesa, concretizam seu estado de medo, como se tivesse sido pega de surpresa pela “visita”
dos vampiros a sua casa.
Os vampiros são classificados como: “entidade lendária que, segundo
superstição, sai das sepulturas, à noite, para sugar o sangue dos vivos. Aquele que se
enriquece à custa alheia e/ou ilicitamente” (AURÉLIO, 1999, p. 702).
Temos dessa maneira um desencadeador de isotopias na charge em questão
visto que os vampiros, conforme a definição supracitada, podem ser entendidos tanto como
aqueles que sugam o sangue, ou seja, que fazem com que o sujeito entre em disjunção com a
vida, quanto aqueles que se enriquecem com as conquistas alheias, o que seria, pois, o caso
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dos correligionários do PMDB, que buscavam angariar cargos e ascender ao poder às custas
do governo “Dilma” que estava para se iniciar.
O pavor de Dilma novamente sugere, em termos de nível narrativo, que Dilma
é um sujeito de estado que se encontra de posse de objetos-valor altamente desejados e está
assustada, com a avidez do antissujeito “PMDB”, metaforizado por vampiros. A sede do
sujeito “vampiros”, na ironia do enunciador, é pelo objeto-valor “sangue” da candidata.
Nesse sentido, o enunciador aqui também sugere a sede pelo poder do actante
“PMDB” na busca pelos cargos, os quais seriam distribuídos pela presidente. É possível ainda
perceber na charge que o encontro de Dilma e os “vampiros” não parece ser o primeiro, uma
vez que estes a saúdam de forma informal, com um Olá, cumprimento que sugere intimidade.
Outro fator que sugere ainda intimidade entre Dilma e os vampiros deve-se ao
fato de os mesmos a esperarem em sua casa, lugar de intimidade, onde geralmente se recebem
pessoas com as quais se possui afinidade.
No que se refere aos elementos cromáticos, apreendemos no texto a categoria
semântica /claro versus escuro/. Assim, o plano de fundo no qual se encontra figurativizada
Dilma é claro, ao passo que o plano de fundo em que se manifesta o sujeito “PMDB” é
escuro. Observamos ainda a categoria cromática /cor fria vs cor quente/ sendo a primeira
relacionada ao negro do sujeito “PMDB” e a segunda ao vermelho da veste de Dilma.
Tal categoria plástica da expressão se homologa à categoria semântica
semântica /vida vs. morte/. A morte, em termos de nível narrativo, seria o anti-objeto que o
PMDB ofereceria ao sujeito “Dilma”. Dessa perspectiva, na visão irônica do enunciador o
governo “Dilma”, estaria condenado ao fracasso, à falta de brilho, dispondo de tais “aliados”.
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4.5. DILMA E O PÂNTANO
A charge que segue é de autoria de Benett , foi publicada em 02 de dezembro
de 2010 e apresenta os atores “Dilma”, “Lula”, “PT” e “PMDB”.
No plano visual, os atores Lula e Dilma são ancorados em uma barca em meio
a um pântano, no centro da charge. Dilma encontra-se sentada, atrás de Lula que na posição
dianteira do barco, opera o fazer de remar. Figurativizada com roupa e cabelos vermelhos,
cor símbolo do seu partido e de Lula, o Partido dos Trabalhadores, PT, a expressão facial da
presidente, bem como a de Lula, sugere que ambos não se encontram à vontade no local onde
estão.
Dilma está figurativizada com as sobrancelhas arqueadas e com os olhos bem
abertos, sua boca está entreaberta e seus braços, que seguram firme no banco do barco, são
indícios de seu desconforto, de sua falta de segurança. Lula está figurativizado com olhar
apreensivo, mas mantém suas mãos firmes no remo, e parece, como sujeito cognitivo,
transmitir a competência, o seu saber à presidente eleita, um saber relacionado aos
representantes dos dois principais partidos que, aliados, apoiaram a candidatura de Dilma, o
PT e o PMDB.
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No plano verbal, observamos dois enunciados, um no canto superior esquerdo
da charge, representando a voz do enunciador, na qual se lê “No pântano da política
brasileira...” e outro que, por meio de debreagem interna, traz a fala de Lula: “Aqueles de
cabeça quadrada são do PT, os de dentes para fora da mandíbula são do PMDB...”.
No que se refere ao enunciado verbal, percebemos que Lula utiliza a figura
“cabeça quadrada” para caracterizar os integrantes do PT. O dicionário traz a seguinte acepção
para o termo “quadrado”: “que tem a forma quadrada. Da forma do quadrângulo. Muito pouco
inteligente. Muito preso aos padrões tradicionais.” (AURÉLIO, 1999, p. 570).
Sendo assim, é possível perceber a ironia do enunciador ao colocar Lula
chamando os companheiros de partido de “quadrados” ou em outras palavras “pouco
inteligentes”.
Nesse sentido, podemos correlacionar a fala de Lula aos elementos cromáticos
que compõem a charge. Assim, diferentemente de Dilma, que veste a cor do partido, Lula se
encontra figurativizado em veste azul, ou seja, adaptou-se às mudanças necessárias para
conseguir governar o país durante oito anos. Esse saber de Lula é sugerido ironicamente pelo
enunciador que, por meio da fala de Lula, sugere que Dilma, assim como ele, deve aprender a
adaptar-se e deixar de ser quadrada, caso isso não ocorra ficará como os companheiros,
submersos no lodaçal, esperando para ser resgatada.
Ao ancorar os atores em um pântano, figura espacial presente tanto no plano
verbal como no visual, o enunciador nos remete, por meio da reiteração de tal figura, ao
dicionário, que traz dois significados para o termo. O primeiro deles é: “região inundada por
águas estagnadas”, já o segundo é: “terras baixas e alagadiças”, sendo alguns de seus
sinônimos “atolador” e “lamaçal” (AURÉLIO, 1999, p. 1486).
Nesse sentido, no texto, a figura do pântano tem uma conotação metafórica
negativa, principalmente ao ser associado, no plano verbal à política brasileira, instaurando
um desencadeador de isotopias, pois alude a um lugar perigoso, escorregadio, porque
dominado pela lama, e, no contexto das negociatas para aquisição de cargos que se seguiu à
eleição da presidente, remete ao tema da corrupção política.
Assim, a missão de ambos, o presidente Lula e a presidente eleita, seria a de
escolher quais das cabeças que boiavam na “lama” da política brasileira, poderiam ser
regatadas pelo barco, ou seja, poderiam compor o ministério de Dilma. Como Lula é quem se
encontra no comando do barco podemos dizer então que a missão de escolher quem comporia
o ministério de Dilma seria dele, e a presença de Dilma na embarcação se justificaria apenas
para que esta tomasse conhecimento das figuras que estariam sendo escolhidas por Lula.
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Temos também nessa charge a presença da categoria plástica /cercado vs
cercante/ que se associa à categoria semântica /aprisionamento vs. liberdade/, na medida em
que o barco com os dois presidentes encontra-se rodeado pelas cabeças dos partidos que
comporiam o governo. Por conseguinte, a figura do ator “Dilma”, que novamente revela o
estado patêmico de temor em seu olhar, se encontra em estado de não liberdade para escolher
seu ministério, na medida em que deveria outorgar o poder a membros da base aliada e do
partido do qual era integrante, todos ironicamente submersos no lodaçal. Dilma possui
novamente, o querer-fazer, ou seja, querer escolher seu ministério, mas não possui o poder-
fazer, visto que está presa ao desejo de Lula e às coligações estabelecidas pelo seu partido.
Observamos ainda que a forma como está figurativizado o ator “PMDB”
manifesta ameaça, pois seus representantes estão com os dentes para fora da mandíbula, ou
seja, em posição de ataque. Conforme já explicitado anteriormente, os atores Lula e Dilma
manifestam no olhar o estado de intimidação. Observemos agora a razão dessa intimidação, a
posição de ataque do ator “PMDB” o qual parece não ter nada a perder tendo em vista a
situação em que se encontram, ou seja, atolados no “pântano da política brasileira”, como o
enunciador ironicamente caracteriza o espaço da cena enunciativa.
4.6 – CARGOS?
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A última charge, objeto de nossa análise, foi publicada em 09 de dezembro de
2010 e é assinada pelo cartunista Angeli.
No plano superior esquerdo da charge manifesta-se a voz do enunciador que
faz alusão à figura verbal “cargos”.
No plano visual, Dilma encontra-se ancorada espacialmente em um local
fechado, no qual executa seu trabalho, que parece consistir em decepar um corpo não
identificado. Está vestindo avental e botas brancas, mas sua roupa, sua face, assim como todo
o local no qual se encontra, estão manchados de vermelho. O local, na forma como está
figurativizado, nos remete imediatamente ao espaço de um açougue ou abatedouro. Tal fato
pode ser confirmado pelas figuras do plano visual, em que se notam cabides para pendurar a
carne e vísceras amontoadas em vários recipientes.
No plano inferior da charge, o enunciador, com o intuito de criar o efeito de
sentido de verdade para o texto, projeta, por meio de debreagem interna de segundo grau a
voz de Dilma ao telefone que dialoga com Lula. Nesse diálogo ela afirma: “Presidente, já fiz a
partilha da carne entre os partidos. Agora, as vísceras, vou negociar com as hienas.”
Sobre essa partilha, a cronista Eliane Cantanhêde afirma:
Ao fatiar o seu governo entre PMDB, PT, PSB, PP e outros menos cotados, Dilma Rousseff caprichou na “cota” de um partido muito particular, o PJS, Partido do José Sarney. [...]. Além do MME, do Turismo e do Senado, Sarney elegeu a filha, Roseana Sarney, para o governo do Maranhão —e com apoio do PT,que havia décadas lutava, ou dizia lutar, contra a oligarquia local. (CANTANHÊDE, 2010, p.02)
Ao afirmar que o “PJS” ganhou a maior fatia do governo de Dilma,
Cantanhêde dialoga com a charge na qual vemos que Dilma já fez toda a partilha da carne,
que metaforiza, o objeto-valor “cargos” de seu governo já atribuídos aos partidos. Entretanto,
ironicamente, fica pressuposto que ainda será necessária a negociação, inclusive, das vísceras
que seriam repartidas entre as hienas.
Ao buscarmos o vocábulo hiena no dicionário encontramos por definição:
“Mamífero hienídeo. Pessoa que ri da desgraça alheia” (AURÉLIO, 1999, p. 364).
Por sua vez, o dicionário de símbolos nos apresenta a seguinte definição para o
animal:
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Animal ao mesmo tempo necrófago e noturno, a hiena apresenta, na África, uma significação simbólica duas vezes ambivalente. Ela se caracteriza, antes de mais nada, pela voracidade, pelo cheiro, pelas faculdades de adivinhação que lhe são atribuídas, pela força da suas mandíbulas, capazes de moer os ossos mais duros. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1992, p. 492)
As hienas, na definição supracitada, são caracterizadas pela voracidade, o que
se associa ironicamente a seu papel na charge. Nesse sentido, metaforizam os membros dos
partidos da base aliada, ainda não premiados com cargos no novo governo, mas os quais
estavam ansiosos por alcançá-los. Devido à quantidade de partidos que compunham a base
aliada, Dilma teve de negociar todo o seu ministério, sobrando para as hienas, ou seja, os
companheiros da base de apoio de menor envergadura, apenas as vísceras, ou seja, os cargos
menos importantes.
No que se refere aos elementos cromáticos, podemos observar que há uma
predominância da cor vermelha, que representa o sangue do objeto abatido que se espalha por
todo o espaço, inclusive manchando o branco das vestes de Dilma. Logo, observamos a
oposição cromática /branco/ vs. /vermelho/, ironicamente a cor que representa o PT, o que
indicia a crítica do enunciador que subliminarmente parece sugerir a oposição semântica entre
/honestidade/, associada ao branco, vs. /corrupção/, associada ao vermelho.
Já no enunciado verbal as figuras “carne” e “vísceras”, que foram fatiadas se
juntam às figuras do plano visual tais como “ faca”, “machadinha” e vários potes contendo
vísceras que compõem o percurso figurativo do açougue, lugar em que se comercializa a
carne, metáfora, do objeto-valor “cargos” do novo governo.
As vísceras definem-se como: “intestinos, entranhas” (AURÉLIO, 1999, p.
714). Sendo assim, ao dizer que as vísceras seriam negociadas com as hienas o enunciador
quis mostrar que a parte menos nobre do “animal” decepado por Dilma seria distribuída
àqueles sujeitos do baixo escalão de sua base aliada, ou seja, as hienas que, conforme, informa
o dicionário de símbolos, caracteriza-se pela voracidade, ou seja, pela sede de poder.
Dilma encontra-se figurativizada como o sujeito do fazer que está cuidando
dessa partilha, sobre a qual dá satisfações ao presidente Lula. O fato de dar satisfações a Lula
sugere a sua submissão ao ex-presidente, ironicamente revelada por meio de sua fala, o que se
enfatiza pelo ponto de vista de Eliane Cantanhêde, que em crônica, publicada na mesma
página da charge, afirma ao tratar da divisão dos cargos no governo Dilma: “Nada disso é
porque Dilma considere Lobão, Novais e Garibaldi o suprassumo dos quadros políticos e
técnicos do país, mas porque Sarney quer e Lula manda”. (CANTANHÊDE, 2010, p.02)
Dessa maneira, no nível narrativo a charge pode ser interpretada da seguinte
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maneira: o sujeito Dilma encontra-se em conjunção com o objeto de valor “cargos”,
metaforizados pela carne e pelas vísceras que concretizam, enquanto figuras, o tema da sede
de poder dos aliados que ela novamente não gostaria de negociar, mas que deve negociar.
Assim, o fato de Dilma dar satisfações a Lula a respeito da partilha
empreendida, sugere ironicamente a visão do enunciador de que o ex-presidente continuaria
dando as cartas no novo governo, sendo ela apenas um sujeito do fazer delegado de Lula.
Ao dar satisfações de como executou a tarefa ao presidente, Dilma, ao abrir
mão da carne e das vísceras do objeto abatido, executa um programa de performance de
privação transitiva, pois entra em disjunção com o objeto-valor, acatando ordem ou sugestão
do então presidente.
As análises das seis charges representam o momento crucial vivido pela então
futura presidente, a distribuição dos cargos que iriam compor seu ministério. Fica clara em
todas as charges, de enunciadores diferentes, a presença da ironia em relação à pressão que os
membros dos partidos que compunham a coligação que a elegeu exerciam sobre a presidente,
com o intuito de abocanhar parcelas cada vez maiores de seu ministério.
Em todas as charges percebe-se Dilma representada de forma caricaturesca,
com olhos arregalados, sobrancelhas levantadas, boca entreaberta, rosto pálido, ou ainda
dividindo seu fazer, ou justificando-o a outro sujeito.
Essas representações do plano de expressão visual “pintam” uma Dilma, que,
em termos de plano de conteúdo, revelam um sujeito em estado de apreensão e de medo.
Em todas elas Dilma se situa como sujeito de estado, prestes a ser devorada
pela ambição do partido aliado ou do próprio partido a que pertence.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, realizamos, por meio do referencial teórico da semiótica de
linha francesa, uma análise de charges do jornal Folha de São Paulo. Conforme explicitado na
introdução, a escolha de charges para a constituição do córpus que compõe nossa pesquisa
ocorreu devido ao fato de nossa inquietação, desde tempos da escola primária frente às
relações entre o verbal e o visual
A análise das charges mostrou-nos como a semiótica francesa pode contribuir
para o estudo do texto sincrético, possibilitando, por essa razão, principalmente por meio da
relação entre figurativização e tematização, em termos de plano de conteúdo, e das relações
semissimbólicas, tendo em vista a correlação entre os dois planos, a análise de textos verbais,
visuais e verbo-visuais.
Como um projeto de investigação científica em construção, a semiótica vem
ganhando espaço entre os analistas de textos uma vez que dispõe de pressupostos teóricos que
permitem ao analista chegar à exterioridade discursiva a partir da análise da estrutura interna
dos textos.
A análise dos dois planos do texto, por sua vez, possibilitou-nos aprofundar
nossa visão a respeito do córpus, objeto de análise, levando-nos à descoberta de detalhes
preciosos que se manifestam através das relações semissimbólicas que unem análises dos
planos de conteúdo e expressão e que nos permitem correlacionar as relações de semelhança,
ou icônicas que se tecem entre os dois planos.
Ao perceber que tal teoria poderia dar conta de abarcar não apenas textos
verbais, mas também visuais e verbo-visuais tínhamos a certeza de que estávamos diante da
possibilidade de responder àqueles questionamentos tão antigos.
Iniciamos nosso trabalho com a ideia de analisar charges de apenas um
chargista, mas como estávamos em um período de campanha eleitoral e, por essa razão, diante
de uma grandeza e riqueza de material, percebemos que elencar apenas um chargista nos faria
perder a diversidade de opiniões as quais estavam sendo apresentadas diariamente no jornal.
Esbarramos então na questão do veículo, quais chargistas de qual jornal
deveriam ser analisados. Queríamos encontrar um jornal tivesse circulação nacional. Optamos
73
pela Folha de São Paulo, jornal que, apesar do nome, é vendido em todo o país e veicula
informações de toda a nação, além de servir de parâmetro para outros veículos de informação.
Escolhida a Folha e o objeto de análise, a charge, faltava-nos a escolha do
tema. Inicialmente interessou-nos apenas a maneira como os chargistas construíam o ator
“Dilma”, candidata à época à presidência, mas percebemos que não poderíamos desvincular a
construção desse ator da relação que as próprias charges apresentavam entre Dilma e o ator
“Lula”. Por outro lado, a partir do segundo turno das eleições percebemos que grande número
de charges tratavam da relação entre Dilma e os partidos que compunham sua base aliada.
Desse modo, percebemos que já tínhamos delineado a constituição dos capítulos de análise.
Mesmo com essa “restrição” ao vasto material publicado desde o início da
campanha eleitoral até o final do ano de 2010, restava ainda grande número de charges.Por
questões de viabilidade não seria possível analisar todas as charges, por essa razão, depois de
muito escolher, ficamos com as dez charges as quais se apresentam aqui neste trabalho.
Sabemos que muitas foram as charges importantes que ficaram de fora da
nossa seleção, no entanto, acreditamos que as charges escolhidas para compor este trabalho
dêem conta de apresentar um panorama da visão dos chargistas, bem como do jornal a
respeito da campanha eleitoral de 2010, no que se refere à construção do ator “Dilma
Rousseff” e daqueles que com ela mantinham relação mais profunda “Lula” e os “Partidos da
base aliada”
Acreditamos que o trabalho com diferentes chargistas serviria para mostrar
como cada um deles, apresentaria, de maneira peculiar a construção desse atores.
Durante a confecção do trabalho, percebemos a necessidade de contextualizar
as charges, tendo em vista os temas que nelas depreendíamos, relacionando-as a textos que
com elas dialogavam no espaço do jornal. Por essa razão, selecionamos principalmente
crônicas comentário que também fazem parte da página A2 da Folha, a mesma página do
jornal na qual estavam veiculadas as charges, o caderno Opinião. Sendo assim resolvemos,
selecionar textos de vários cronistas, usando como parâmetro apenas o fato de seus textos
travarem diálogo, em nível temático, com as charges apresentadas.
Desse modo, foi-nos possível perceber que tais textos formavam um todo de
sentido que vem a ser a página A2 da Folha, veiculando a visão ideológica do jornal, apesar
de os mesmos terem seus enunciadores particulares. Assim, em diversos momentos foi
possível perceber o diálogo consensual entre a fala dos cronistas e os temas que apreendíamos
nas charges.
Ao finalizarmos as análises evidencia-se a forma como Dilma foi construída
74
pela Folha de São Paulo. Podemos dizer, que nas charges do nosso primeiro capítulo de
análise – A construção do ator “Dilma” – a presidente encontra-se representada como um
sujeito em estado de passividade, ou ainda de acordo com a fala do cronista Barros e Silva
“lulo-dependente” (2010, P. 02). Desse modo, na primeira charge, por exemplo, constata-se a
ironia, pois o que se afirma no enunciado verbal “O incrível Lula” é negado na enunciação,
uma vez que o enunciador critica a posição de Lula que usou a máquina governamental em
favor da candidatura “Dilma, e, como sujeito do fazer, levou-a a subir nas intenções de votos.
Em todas as charges apresentadas neste primeiro capítulo percebemos o tom de
incerteza dos chargistas e articulistas no que se referia ao futuro governo. Ao apresentar Lula
ao lado de Dilma, muitas vezes como sujeito do fazer, enquanto ela se limitava ao papel
actancial de sujeito de estado, percebe-se que a ideia que se tinha era de um terceiro mandato
de Lula como revela um dos cronistas em seu texto.
As seis charges que constituem o capítulo seguinte – O ator “Dilma” e sua
relação com o ator “Partidos Aliados”- servem-nos como uma amostra de como eram vistas as
relações de Dilma com a base que iria compor seu governo. A ideia de criar semelhante
capítulo bem como escolher charges que tratassem desse assunto deve-se ao fato de ter sido
essa questão muito comentada na mídia, especialmente quando se formou a coligação PT e
PMDB, para a eleição de Dilma e Temer. Partidos até então representantes de oposição e
situação, encontravam-se juntos na tentativa de ocupar os cargos mais importantes do
executivo nacional. É interessante ressaltar ainda, que essa “parceria” se deu apenas em nível
de eleição presidencial, visto que, em muitos estados esses dois partidos lançavam candidatos
a governador independentemente da coligação maior representada por Dilma e Temer.
Sendo assim, observamos como os chargistas e articulistas da página A2 da
Folha representaram em suas respectivas charges e artigos a dúvida sobre o futuro político de
Dilma. A dúvida construída por eles era: haveria espaço para Dilma governar depois de tantos
cargos que deveriam ser entregues a partidos da base aliada, em especial o PMDB? Dilma se
deixaria dominar pela sede de poder que demonstravam os partidos da coligação que a
elegeu? Na visão dos enunciadores das charges todos eles são sancionados negativamente por
essa sede de poder, visto que figurativizados, como urubus, vampiros, ou por fazerem parte do
“pântano” da política brasileira, espaço que metaforiza a sujeira e, consequentemente a
corrupção.
Dessa maneira, ao concluir as análises das charges fica claro o posicionamento
expresso pela Folha naquele momento de transição governamental, tendo em vista à forma
como o ator “Dilma” foi construída pelos enunciadores do veículo. Como foi possível
75
perceber, por meio do questionamento que se manifestam nas charges e nas crônicas, a
opinião do veículo revela uma Dilma, construída ora como sujeito passivo, perante a figura do
líder Lula, ora acuada perante aqueles que a apoiaram e que fatalmente iriam cobrar espaço no
novo governo.
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REFERÊNCIAS
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portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. AURÉLIO, Buarque de Hollanda. Aurélio Júnior: dicionário escolar da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2011. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo, Ática, 2008. ______. Problemas de expressão: figuras de conteúdo e figuras de expressão. Significação .
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