a des-insurgência espontânea no ethos brasileiro - léo pimentel
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7/31/2019 a des-insurgncia espontnea no ethos brasileiro - lo pimentel
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a des-insurgncia espontnea no ethos brasileiro
lo pimentel
antes de tudo, uma obviedade: o brasil uma farsa. por aqui no h estadodemocrtico de direito, aqui h, como bem nomeia paulo arantes, um estado oligrquico
de direito. por aqui no h democracia racial, como podemos constatar no genocdio,
sistemtico e continuado (higienizao tnica e tutelamento e isolacionismo indigenista)
dos povos indgenas, e na no-realizao da reforma agrria no ato de promulgao da
lei urea. e que por aqui tambm no houve independncia cultural alguma, como
podemos ver que a condio histrica da emancipao brasileira de portugal se deu na
plena transferncia da coroa portuguesa para c, em sua fuga da invaso de napoleo ao
territrio portugus.
o brasil enquanto farsa o seu prprio projeto nacional. este que visa encerrar dentro de
um mesmo territrio, uma constelao de experincias e distintas naes irredutveis
umas s outras, em um mesmo luso-cristo-pseudo-laico, cinicamente, tolerante e alegre.
e para tal, o brasil o eterno pas do futuro, deitado eternamente como diz em seu hino,
e o pas do grande esquecimento, como vemos na insistente propagao da ideia oficial
de que a organizao atual das coisas carregam em suas costas uma formao histrica
tranquila e pactuada. este encerramento e reduo de irredutveis gera o que eu j
escrevi em uma texto intitulado brasil: um pas odiosamente governvel. gerao que
constitui um ethos oficial do ser brasileiro: o ethos da des-insurgncia.
o que significa um ethos des-insurgente? vamos passo-a-passo, por uso, porcontraste e por desocultao:
1. por uso: enrique dussel tem uma definio de ethos que aqui me serve: apeculiaridade de atuar assim ante isto; a atitude ante algo que no pode ser uma
obra objetivada; um modo mesmo de comportamento que permanece sempre no
horizonte do incomunicvel de quem assim atua. interessante notar que um ethos
somente pode ser transmissvel dentro de um horizonte de mesma intersubjetividade
(complexo existencial).
2. por contraste, insurgncia e contra-insurgncia:
2.1.como expresso histrica, insurgncia a organizao em rebeldia, que no seorganiza mediante um exrcito regular, instituda contra uma autoridade constituda.
2.1.1. o ato de africanos e africanas, presas/os e sequestradas/os para seremescravizadas/os em outro territrio e que, chegando neste, fogem para dentro
de terras desconhecidas, se juntam a outras e outros em fuga, e se organizam
de modo a refazer suas vidas por meio de fragmentos de memria de suas
respectivas culturas originais, um ato insurgente.
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2.1.2. o ato de indgenas, assim chamadas em bloco indiferenciado umamultiplicidade de culturas por quem invadiu seus territrios, que violentou suas
mulheres e subjugou seus homens e humilharam suas crianas e pessoas
idosas, que resistiram a tal, cujos sobreviventes desapareceram e
reorganizaram e perpetuaram suas cosmovises originais, um ato insurgente.
2.1.3. o ato de surgimento de canudos, realizado pela comunidade de belomonte, instituindo o sertanejo e a sertaneja, oprimidos/as pelo latifndio, pelo
estado e pela igreja distante e ausente, como agentes histricos, um ato
insurgente.
2.2. contra-insurgncia a organizao beligerante organizada para validar aautoridade constituda que pode operar tanto em um nvel evidente, como nas
operaes militares, quanto em um nvel mais sutil, a naturalizao como nas
operaes de propaganda/propagao.
2.2.1.atos de capito do mato, encarregado por reprimir delitos dentro dasfazendas escravagistas e por capturar escravos e escravas fugitivos/as, so
atos contra-insurgentes.
2.2.2. atos de bandeirantismo, como a marcha para o oeste iniciada porgetlio vargas e consagrada por juscelino kubistchek com a construo de
braslia, visando a ocupao do centro-oeste, ou mesmo as atuais investidas
genocidas de trabalhadores e trabalhadoras do campo em jagunagem contra
demarcaes de terras indgenas, so atos contra-insurgentes.
2.2.3. atos das campanhas militares organizadas pelo estado republicano,com auxlio do latifndio e a beno da igreja, contra a comunidade de belo
montes (canudos) e livros como os sertes de euclides da cunha, so atos
contra-insurgentes.
2.3.por desocultao, eis a des-insurgncia: um estranho e paradoxal ato ondese internalizou a contra-insurgncia, sempre ocorrida como represso algo que
vem sempre depois e no antes naturalizando-a de modo que tal se torna
condio fundante de uma experincia ocorrida por gerao espontnea. no caso
brasileiro, a internalizao do processo histrico da pedagogia do esquecimento e
da ocultao dos atos insurgentes de emancipao e rebeldia contra a autoridade
constituda, tornada ethos identificado, objetivamente, com os projetos nacionais
pactuados e propagados por pacificaes: o que chamo de inconscincia histrica
voluntria.
3. o ser-brasileiro algo identificado, to somente, com a farsa brasil antes descrita(estado oligrquico de direito, tirania racial, luso-cristianismo-militar, etc.); no se
constitui histrico oficialmente desde as diversas cosmovises, autctones indgenas e
estrangeiras africanas, nem mesmo por utopias regionais como a de canudos nestesentido, no possui insurgncias na constituio de seu ethos. o ser-brasileiro um modo
de agir des-insurgente: no tenta se instituir a partir do que lhe mais fundante.