a difícil arte de ouvir

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A DIFÍCIL ARTE DE OUVIR por Artur da Távola Um dos problemas cruciais da comunicação, tanto a de massa como a interpessoal, é este: como o outro ouve o que lhe é dito. Aqui registro uma constatação para o rol de estudos e debates a respeito: raras, raríssimas são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo; ou, então, raras são as pessoas que, ao menos, procuram ouvir. Em geral não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que ele não está dizendo. Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se quer ouvir. Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que já se escutara antes e o que se está acostumado a ouvir. Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se imagina que o outro ia falar. Numa discussão, em geral, não se ouve o que o outro fala. Ouve-se quase que só o que se pensa para ser dito em seguida. Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se gostaria que o outro dissesse. Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se apenas o que se está sentindo. Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que já se pensava a respeito daquilo que o outro está falando. Não se ouve o que o outro está falando. Retira-se da fala dele apenas as partes que tenham a ver com o ouvinte. Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que confirme ou rejeite o próprio pensamento do ouvinte. Ou seja, transforma-se o que o outro está falando em objeto de concordância ou discordância. Não se ouve o que o outro está falando. Ouve-se o que se possa adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio por quem está a falar. Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se da fala dele apenas os pontos que possam fazer sentido para as idéias e pontos de vista que, no momento, nos estejam influenciando ou tocando mais diretamente. Ouviu?

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COMO É RARO E DIFÍCIL CONVERSAR E SE COMUNICAR! O QUE HÁ, EM GERAL, SÃO MONÓLOGOS PARALELOS, À GUISA DE DIÁLOGO. O PRÓPRIO DIÁLOGO PODE HAVER SEM QUE, NECESSÁRIAMENTE, HAJA COMUNICAÇÃO. ESTA, SÓ SE DÁ QUANDO AMBOS OS PÓLOS OUVEM-SE, ACEITAM-SE, PROCURAM A PLENA (E RARA) COMPREENSÃO DAS IDÉIAS DO INTERLOCUTOR.

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A DIFCIL ARTE DE OUVIRpor Artur da TvolaUm dos problemas cruciais da comunicao, tanto a de massa como a interpessoal, este: como o outro ouve o que lhe dito. Aqui registro uma constatao para o rol de estudos e debates a respeito: raras, rarssimas so as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra est dizendo; ou, ento, raras so as pessoas que, ao menos, procuram ouvir.Em geral no se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que ele no est dizendo.No se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se quer ouvir.No se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que j se escutara antes e o que se est acostumado a ouvir.No se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se imagina que o outro ia falar.Numa discusso, em geral, no se ouve o que o outro fala. Ouve-se quase que s o que se pensa para ser dito em seguida.No se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se gostaria que o outro dissesse.No se ouve o que o outro fala. Ouve-se apenas o que se est sentindo.No se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que j se pensava a respeito daquilo que o outro est falando.No se ouve o que o outro est falando. Retira-se da fala dele apenas as partes que tenham a ver com o ouvinte.No se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que confirme ou rejeite o prprio pensamento do ouvinte. Ou seja, transforma-se o que o outro est falando em objeto de concordncia ou discordncia.No se ouve o que o outro est falando. Ouve-se o que se possa adaptar ao impulso de amor, raiva ou dio por quem est a falar.No se ouve o que o outro fala. Ouve-se da fala dele apenas os pontos que possam fazer sentido para as idias e pontos de vista que, no momento, nos estejam influenciando ou tocando mais diretamente.Ouviu?