a dinÂmica afetiva na maternidade - utilização da tecnica de rorschach

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Título: A DINÂMICA AFETIVA NA MATERNIDADE: ESTUDO DE CASO CLÍNICO COM A PROVA DE RORSCHACH Autora: Juliana Ventura de Souza Fernandes Orientadora: Prof. Mst. Marília Gonçalves Resumo: A maternidade parece configurar-se como momento de crise no desenvolvimento vital devido à necessidade de elaboração e conciliação de significativas demandas sócio - afetivas decorrentes desta experiência. Na acepção mencionada, crise refere-se a período transitório que apresenta ao indivíduo tanto oportunidade de crescimento da personalidade quanto crescente vulnerabilidade, cujo desfecho depende em certa medida da utilização de recursos internos para controlar a situação. A literatura psicanalítica aponta ocorrência da dupla-identificação da gestante como fator primordial na configuração da crise. A mulher identificar-se-ia tanto com o bebê, reproduzindo seus próprios desejos infantis, quanto com sua própria mãe, no temor de retaliação e introjeção do papel materno. Este processo é que conferiria à maternidade caráter ambivale nte. Justifica-se a realização deste estudo dada a escassez de pesquisas que se proponham a compreender o desenvolvimento saudável de gravidez, sendo comumente privilegiados na literatura, aspectos psicopatológicos ou organicamente disfuncionais. Com base nestas considerações, objetivam-se, neste trabalho, a compreensão e o exame de variáveis concernentes à dinâmica afetiva da gestante em sua experiência com a maternidade para subsidiar propostas de intervenção que garantam maior qualidade de vida a mulheres e famílias que vivenciam esta fase do desenvolvimento e a possibilidade de suscitar questões relevantes para futuras pesquisas. Apresenta-se aqui a análise de um estudo de caso de gestante em gravidez sadia, estando ausentes transtornos orgânicos ou psicológicos; em fase adulta e proveniente de família constituída por casal e filhos. Para a investigação do fenômeno, adotou-se método qualitativo, com o psicodiagnóstico compreensivo, buscando-se a articulação dos dados obtidos por meio de entrevistas de anamnese e Prova de Rorschach. A escolha da Prova de Rorschach deveu-se a seu reconhecido valor científico e psicodiagnóstico na avaliação da personalidade. Procedeu-se a aplicação de entrevistas no final da gestação e após o nascimento do bebê e da Prova de Rorschach. Os resultados obtidos pela Prova de Rorschach e confrontados pelo discurso da participante, sugerem um movimento ambigual da personalidade, com

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Page 1: A DinÂmica Afetiva Na Maternidade - Utilização Da Tecnica de Rorschach

Título: A DINÂMICA AFETIVA NA MATERNIDADE: ESTUDO DE CASO

CLÍNICO COM A PROVA DE RORSCHACH

Autora: Juliana Ventura de Souza Fernandes

Orientadora: Prof. Mst. Marília Gonçalves

Resumo:

A maternidade parece configurar-se como momento de crise no desenvolvimento

vital devido à necessidade de elaboração e conciliação de significativas demandas sócio -

afetivas decorrentes desta experiência. Na acepção mencionada, crise refere-se a período

transitório que apresenta ao indivíduo tanto oportunidade de crescimento da personalidade

quanto crescente vulnerabilidade, cujo desfecho depende em certa medida da utilização de

recursos internos para controlar a situação. A literatura psicanalítica aponta ocorrência da

dupla-identificação da gestante como fator primordial na configuração da crise. A mulher

identificar-se-ia tanto com o bebê, reproduzindo seus próprios desejos infantis, quanto com

sua própria mãe, no temor de retaliação e introjeção do papel materno. Este processo é que

conferiria à maternidade caráter ambivale nte. Justifica-se a realização deste estudo dada a

escassez de pesquisas que se proponham a compreender o desenvolvimento saudável de

gravidez, sendo comumente privilegiados na literatura, aspectos psicopatológicos ou

organicamente disfuncionais. Com base nestas considerações, objetivam-se, neste trabalho,

a compreensão e o exame de variáveis concernentes à dinâmica afetiva da gestante em sua

experiência com a maternidade para subsidiar propostas de intervenção que garantam maior

qualidade de vida a mulheres e famílias que vivenciam esta fase do desenvolvimento e a

possibilidade de suscitar questões relevantes para futuras pesquisas. Apresenta-se aqui a

análise de um estudo de caso de gestante em gravidez sadia, estando ausentes transtornos

orgânicos ou psicológicos; em fase adulta e proveniente de família constituída por casal e

filhos. Para a investigação do fenômeno, adotou-se método qualitativo, com o

psicodiagnóstico compreensivo, buscando-se a articulação dos dados obtidos por meio de

entrevistas de anamnese e Prova de Rorschach. A escolha da Prova de Rorschach deveu-se

a seu reconhecido valor científico e psicodiagnóstico na avaliação da personalidade.

Procedeu-se a aplicação de entrevistas no final da gestação e após o nascimento do bebê e

da Prova de Rorschach. Os resultados obtidos pela Prova de Rorschach e confrontados pelo

discurso da participante, sugerem um movimento ambigual da personalidade, com

Page 2: A DinÂmica Afetiva Na Maternidade - Utilização Da Tecnica de Rorschach

tendência à introversão. Observaram-se, ainda, indicações de funcionamento mental em

nível predominantemente primário, caracterizados por um relativo sentimento de

onipotência em relação aos julgamentos e, especificamente, aos cuidados a serem

dispensados ao bebê e necessidades imediatas de sua própria gratificação. Sugere-se que tal

movimento ocorra devido à dificuldade de manejo de angústias intensas, decorrentes da

elaboração de lutos como a perda da mãe e nascimento do filho; da necessidade de

elaboração da nova configuração familiar e a das demandas requeridas pela criança e

família. Notou-se também elevada esteriotipia, que se relaciona ao investimento exclusivo

em um único objeto e o rebaixamento do auto-conceito, que pode atuar negativamente

sobre as relações interpessoais ao prejudicar a identificação da gestante. Parece que a

maternidade pode, num primeiro momento, propiciar a restrição de interesses, sendo os

investimentos da mãe voltados exclusivamente para o bebê. Entretanto, há indicadores de

potencialidades para retomada do desenvolvimento. Indicam-se atividades capazes de

elevar a auto-estima e facilitadoras da identificação, como a arte-terapia, psicoterapia de

grupo ou psicodrama. Finalmente, podem-se sugerir estudos que busquem compreender a

efetividade destas práticas no desenvolvimento da gravidez e o desenvolvimento da

maternidade em mães enlutadas.