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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 5367
A DISCIPLINA ESCOLAR HISTÓRIA NATURAL NO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO NOS ANOS 1930: CONSIDERAÇÕES
SOBRE METODOLOGIAS DE ENSINO E OBJETOS ESCOLARES
Maria Cristina Ferreira dos Santos1
Introdução
Nos anos de 1930 ocorreram mudanças sociais, políticas e econômicas, com a
crescente urbanização e industrialização no Brasil. Com a vitória na Revolução de 1930,
Getúlio Vargas assumiu o governo provisório iniciando o primeiro período em que governou
o país (1930-1945). Em seu governo o Estado passou a desempenhar papel central na
modernização do país (CPDOC/FGV, 1997). Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e
Saúde Pública e Francisco Campos (1931-1932), Washington Pires (1932-1934) e Gustavo
Capanema (1934 – 1945) assumiram a pasta do Ministério.
Em 1931 Francisco Campos organizou uma reforma educacional em nível nacional
(BRASIL, 1931), consolidada pelo Decreto n. 21.241, de 4 de abril de 1932 (BRASIL, 1932).
Nessa reforma ocorreu a centralização, em nível federal, das determinações sobre a
organização do ensino secundário, dividido em dois ciclos: o fundamental, em cinco anos, e o
complementar, em dois anos.
Nesse estudo buscou-se investigar metodologias de ensino e objetos escolares em
publicações em revistas pedagógicas e programas da disciplina História Natural no Instituto
de Educação nos anos de 1930. Essa instituição de ensino foi criada por Anísio Teixeira,
Diretor Geral da Instrução Pública no município do Rio de Janeiro entre 1931 e 1935. Ele foi
o responsável em 1932 pela extinção da Escola Normal e implantação do Instituto de
Educação do Distrito Federal e em 1935 pela criação da Universidade do Distrito Federal. O
Instituto de Educação, dividido em Escola Secundária e Escola de Professores, tinha os
objetivos de oferecer o ensino secundário, formar professores primários e secundários e
realizar cursos de formação continuada para professores. Em 1934 foi estabelecida a
equivalência da Escola Secundária desse Instituto aos estabelecimentos federais de ensino,
1 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta no Departamento de Ciências da Faculdade de Formação de Professores e no Departamento de Ciências da Natureza do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: <[email protected]>.
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passando a adotar os programas do ensino secundário estabelecidos em âmbito federal, após
a reforma educacional liderada por Francisco Campos em 1931.
Antes da criação do Instituto de Educação em 1932, funcionou a Escola Normal do
Distrito Federal. Essa escola teve início como Escola Normal da Corte em 28 de março de
1880, funcionando, a partir de maio de 1880, nas salas do Externato do Colégio Pedro II.
Transferida para a antiga Escola Central, em 1888 foi para o local onde posteriormente se
instalou a Escola Técnica Rivadávia Corrêa. Em 1914 mudou-se para a sede da Escola Estácio
de Sá, na Rua de São Cristóvão, onde se estabeleceu até 1930 (SILVEIRA, 1954). As obras de
construção de um prédio próprio para a realização de suas atividades e cursos ocorreram no
período em que Fernando de Azevedo foi Diretor da Instrução Pública e em 1930 a Escola
Normal do Distrito Federal foi transferida para o prédio construído na Rua Mariz e Barros,
no atual município do Rio de Janeiro.
No estudo da história das disciplinas escolares cabe investigar objetivos, conteúdos de
ensino, manuais didáticos, metodologias, objetos e avaliações em articulação com o contexto
mais amplo e nas relações que as disciplinas escolares estabelecem com as disciplinas de
referência e as finalidades sociais. Nesse estudo buscou-se analisar metodologias e objetos
escolares em programas de ensino e textos de professores sobre o ensino de História Natural
nos anos 1930. O intuito foi a reflexão sobre mudanças e permanências na disciplina escolar
História Natural.
Fundamentação teórico-metodológica
A pesquisa tem natureza qualitativa e busca apoio em estudos de Andrè Chervel
(1990), Ivor Goodson (1983, 1988, 1995, 1997) e Antonio Viñao (2008). Chervel afirma que
as disciplinas escolares são criações originais da escola, com suas próprias finalidades,
conteúdos e metodologias de ensino, contribuindo para a compreensão da escola como
espaço de produção de saberes e não de simplificação dos saberes das ciências de referência.
As contribuições de Goodson (1983, 1995, 1997) auxiliam na compreensão do
currículo como uma construção sócio-histórica, em meio a conflitos internos e externos à
escola em relação ao que é legítimo de ser ensinado. Os estudos desse autor auxiliam nas
investigações sobre a história das disciplinas escolares e indicam que “os conflitos em torno
da definição do currículo [escrito] proporcionam uma prova visível, pública e autêntica da
luta constante que envolve as aspirações e objetivos de escolarização” (GOODSON, 1995, p.
17). Para esse autor (1983, 1997), o investigador deve atentar para mudanças e continuidades
nas disciplinas escolares.
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Viñao (2008) aponta elementos a serem investigados na história das disciplinas
escolares: 1) lugar, presença e denominações da disciplina nos programas de ensino; 2)
objetivos e discursos que a validam a disciplina escolar; 3) conhecimentos prescritos; 4) o
perfil dos professores; e 5) práticas e atividades escolares. No exame desses fatores,
considera-se a conjuntura sócio-histórica e as relações entre disciplinas, ciências de
referência e finalidades pedagógicas e sociais da escolarização.
Sobre a análise das fontes no estudo da história das disciplinas, Goodson (1995, p. 210)
considera o currículo escrito “um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura
institucionalizada da escolarização”. Chervel (1990, p.188-189) indica que os “textos oficiais
programáticos, discursos ministeriais, leis, ordens e decretos, acordos, instruções, circulares,
fixando os planos de estudos, os programas, os métodos, os exercícios, etc.” podem ser
explorados como corpus inicial no estudo das finalidades e constituição de uma disciplina
escolar. Esse autor alerta para que documentos oficiais não sejam considerados como
expressão da realidade escolar:
[...] as finalidades de ensino não estão todas forçosamente inscritas nos textos. Assim, novos ensinos às vezes se introduzem nas classes sem serem explicitamente formulados. Além disso, pode-se perguntar se todas as finalidades inscritas nos textos são de fato finalidades “reais” (CHERVEL, 1990, p. 189).
Chervel (1990, p. 190) também afirma que um documento oficial geralmente é
produzido para “corrigir um estado de coisas, modificar ou suprimir certas práticas, do que
sancionar oficialmente uma realidade”.
A constituição das disciplinas escolares é permeada por discursos que circulam nas
comunidades disciplinares e influenciam os professores em sua formação e práticas. Esland
(apud GOODSON, 1997) ressalta a importância da análise da perspectiva que os professores
têm da disciplina que lecionam:
O conhecimento com que um professor pensa “preencher” a sua disciplina é detido em comum com membros de uma comunidade de apoio que, coletivamente, abordam os seus paradigmas e critérios de utilidade, a forma como são legitimados nos cursos de formação e nas declarações oficiais. [...] Estão, assim, extremamente dependentes de publicações especializadas e, em menor grau, de conferências que confirmem a sua realidade (ESLAND2 apud GOODSON, 1997, p. 21-22).
2 ESLAND, G. Teaching and Learning as the Organization of Knowledge. In: Young, M. F.D. (ed.) Knowledge and Control. New Directions for the Sociology of Education. Londres: Collier-Macmillian, 1971, p. 79.
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Nesse contexto teórico-metodológico, procurou-se analisar metodologias de ensino e
objetos escolares em programas e no discurso de professores em relação com a produção da
disciplina escolar História Natural. Em função das fontes preservadas nos acervos
consultados e dos objetivos desse estudo, foram utilizados: programas da disciplina História
Natural de 1929 e da década de 1930; legislação da época; textos sobre o ensino de História
Natural publicados em revistas da época, como Archivos do Instituto de Educação; prefácio
de livro didático de História Natural e Livros de Registro de Designação e Dispensa de
Funcionários da Escola Normal e do Instituto de Educação. Partiu-se da análise de
metodologias e objetos escolares no ensino de História Natural para traçar parâmetros para
compreender mudanças e continuidades na disciplina nesse Instituto nos anos 1930.
As reformas educacionais e a disciplina escolar História Natural
Antes de nos debruçarmos sobre a análise da disciplina escolar História Natural nos
anos 1930, faz-se um recuo para a reforma educacional no município do Rio de Janeiro
organizada em 1928 por Fernando de Azevedo (1894 - 1974), então Diretor Geral da
Instrução Pública Municipal. Essa reforma foi instituída pelo Decreto 3281, de 23 de janeiro
de 1928 (DISTRITO FEDERAL, 1928) e incorporou ideias defendidas pelo movimento da
Educação Nova. Fernando de Azevedo teve papel importante na implementação da Escola
Normal do Distrito Federal como um centro de estudos pedagógicos, destinado à formação
dos professores primários. Conforme o Decreto 3281/ 1928, o curso tinha cinco anos de
preparo profissional, dividido em dois ciclos: o propedêutico e o profissional, com matérias
especializadas. O curso complementar primário superior (dois anos) era anterior ao
propedêutico, com duração total de sete anos para a formação de professores na Escola
Normal do Distrito Federal.
A disciplina História Natural foi estabelecida no 3º e 4º anos do curso, abordando
conteúdos de ensino de Biologia Geral, Botânica, Zoologia, Mineralogia e Geologia. No
currículo da Escola Normal do Distrito Federal, a Anatomia e Fisiologia Humana
permaneceram como disciplina separada da História Natural (PREFEITURA DO
DISTRICTO FEDERAL, 1929). Nos programas de 1929 do 3º ano dessa disciplina,
abordavam-se conteúdos de Mineralogia e Geologia (19 “pontos”) seguidos da Botânica (17),
com um total de 36 “pontos” e nota ao final de ambas as seções sobre os “pontos práticos”:
O estudo da mineralogia e geologia deverá ser o mais objectivo possivel, illustrado com amostras, graphicos, eschemas, mappas e excursões [...] (DISTRITO FEDERAL, 1929, p.62).
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[...] Os pontos ns. 5, 6, 7, 11, 12, 13, 14, 15 e 17 serao essencialmente práticos, dados a turmas de 15 alumnos no maximo, sendo obrigatório o desenho ou eschema do material utilizado (DISTRITO FEDERAL, 1929, p.64)
No 4º ano o programa reunia conteúdos de Zoologia (18 “pontos”) e Biologia Geral (25
“pontos”), com o total de 43 “pontos” nesse ano escolar. Ao final da seção de Zoologia uma
nota indica que todos os pontos foram planejados para práticas com turmas de 15 alunos.
Em 1931 a Reforma Francisco Campos modificou o ensino secundário em âmbito
nacional, tentando acabar com os cursos preparatórios e exames parcelados para os institutos
superiores e aumentando a duração do curso secundário de cinco para sete anos, dividido em
dois ciclos: um denominado fundamental, com cinco anos, e o outro complementar, com dois
anos. O primeiro ciclo era comum a todos os estudantes do curso secundário e proporcionava
a formação geral. O segundo, o “ciclo complementar”, em dois anos, era propedêutico para o
curso superior com três currículos diferentes, em função do curso superior pretendido. A
História Natural foi estabelecida na 3ª, 4ª e 5ª séries do ciclo fundamental e na 1ª e 2ª séries
do no ciclo complementar para candidatos aos cursos superiores de Medicina, Odontologia e
Farmácia ou de Engenharia e Arquitetura (BRASIL, 1931).
Em 1932 a Escola Normal foi extinta e criado o Instituto de Educação. Em 11 de julho
de 1934 o Decreto N. 5.000 estabeleceu a equivalência do currículo da Escola Secundária do
Instituto de Educação com o do ensino secundário, determinando que o curso dessa Escola
adotasse a divisão em dois ciclos: um fundamental, com cinco anos, e outro complementar,
com um ou dois anos, para a habilitação e matrícula em escolas superiores. Isso resultou em
mudanças nas disciplinas do ciclo fundamental e do curso complementar desse Instituto, que
preparava os candidatos para o ingresso na Escola de Professores.
Com a equivalência, a disciplina História Natural foi distribuída na 3ª, 4ª e 5ª séries do
ciclo fundamental da Escola Secundária, e ampliada com respectivamente 45, 50 e 70 lições
nos programas de ensino. Algumas lições apresentam elementos que permitem estabelecer
relação com aulas práticas: “Comentário dos relatórios sobre a germinação [...] Estudo
prático da germinação” e “Exercícios práticos de dissecação e descrição de flores. Diagrama.”
(3ª série); “Demonstração de células, animal e vegetal, em preparações frescas” (4ª série).
Nos anos 1930 a Anatomia e Fisiologia Humana não se constituíram como uma disciplina à
parte no currículo, mas conteúdos desses ramos do conhecimento estão presentes nos
programas de História Natural. No Programa de História Natural da 4ª série do ciclo
fundamental da Escola Secundária foram planejadas 50 lições envolvendo conteúdos de
Biologia Geral, Botânica, Anatomia e Fisiologia Humana e Mineralogia (PREFEITURA DO
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DISTRITO FEDERAL, [193-]). A distribuição ampliada da História Natural para outros
anos/séries escolares considerando os programas de 1929 e os dos anos 1930 pode ter
contribuído para um ensino de base científica e em métodos ativos.
Chervel (1990) e Julià (2002) ressaltam a distância entre o ensino praticado e textos
normativos nas pesquisas sobre a história das disciplinas escolares. O cruzamento de
diferentes fontes pode auxiliar na aproximação ao ensino praticado nas escolas. Nesse
sentido, analisamos também textos publicados em revistas da época e prefácio de livro.
Metodologias e objetos escolares nos discursos de professores
Goodson (1995, 1997) ressalta que as disciplinas escolares são organizadas a partir de
disputas e negociações no interior das comunidades disciplinares, grupos heterogêneos cujos
membros não comungam dos mesmos valores e interesses. É relevante compreender valores
e interesses de sujeitos e grupos sociais envolvidos na elaboração e circulação de ideias
relacionadas ao currículo escolar (GOODSON, 1988, p. 61). Nesse sentido, buscamos analisar
perspectivas de alguns docentes que lecionaram no Instituto de Educação sobre metodologias
e objetos no ensino de História Natural.
Carlos Leoni Werneck (1888-1946)3, Candido Firmino de Mello Leitão (1886- 1948) e
Lafayette Silveira Martins Rodrigues Pereira lecionaram História Natural nessa instituição4.
Carlos Werneck foi professor catedrático de História Natural e diretor da Escola Normal do
Distrito Federal, além de membro da Academia Nacional de Medicina (SILVEIRA, 1954). No
concurso para a cadeira de “História Natural e Hygiene” dessa instituição em 1914, Carlos
Leoni Werneck foi classificado em primeiro lugar e Candido Firmino de Mello Leitão em
segundo lugar (MELLO LEITÃO, 1934). Esses professores tinham formação em Medicina e
ministraram outras disciplinas além da História Natural em sua trajetória profissional. Mello
Leitão também foi professor de Biologia Geral e Lafayette Rodrigues Pereira lecionou
Biologia Geral e Higiene5 (SANTOS, 2016).
A formação em Medicina era comum entre aqueles que lecionaram História Natural,
uma vez que cursos de formação de professores secundários somente começaram a ser
3 Carlos Leoni Werneck (1888- 1946) foi autor da coleção Curso Elementar de História Natural, com edições impressas pela Tipografia Besnard Frères no final dos anos 1920 e início dos anos 1930.
4 Cf. Livros de Registro de Designações e Dispensas de Funcionários da Escola Normal e do Instituto de Educação do Distrito Federal dos anos 1917-1920; 1920-1925; 1925-1932; 1932-1937; MELLO LEITÃO 1946-1947.
5 As três disciplinas escolares acima referidas - História Natural, Biologia Geral e Higiene – foram estabelecidas como distintas no currículo dessa instituição. Foge ao escopo desse estudo investigar as disciplinas Biologia Geral e Higiene no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Sobre a disciplina Biologia Geral nesse Instituto, cf. SANTOS (2013) e SANTOS, SPIEGUEL & SELLES (2012).
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organizados no Brasil a partir dos anos 1930. O Decreto 3281 de 1928 estabelecia que o corpo
docente da Escola Normal se compunha de professores catedráticos, auxiliados por
assistentes e preparadores; porém o número de catedráticos era insuficiente e os concursos
que foram realizados não supriram a necessidade da instituição. Vários docentes eram
nomeados para reger as turmas no início do ano letivo e dispensados ao seu término,
trabalhando de março a novembro (ACCÁCIO, 2008).
Professor de História Natural na Escola Normal do Distrito Federal e na Escola
Normal de Niterói, Candido de Mello Leitão, após a criação do Instituto de Educação do Rio
Janeiro, assumiu a cadeira de Biologia Geral, na 1ª serie do Curso Complementar da Escola
Secundária6. Em texto publicado na revista Schola em 1930, esse autor tratou da metodologia
de ensino da História Natural, correlacionando o conhecimento da natureza pelas crianças ao
“amor da Pátria” nos adultos e destacando o papel dos professores na construção de uma
nacionalidade brasileira (MELLO LEITÃO, 1930, p. 20-21).
Para ensinar história natural, mais, talvez, do que para qualquer outra disciplina, deve o professor apellar para a individualidade da criança, dar-lhe autonomia, despertar-lhe o interesse, fazer della um amigo, infundir-lhe confiança, sem que chegue esta à irreverência e à indisciplina. Conseguido este primeiro passo, o mestre, orientador attento, acompanhará as “descobertas” do alumno, vendo desabrochar novas noções, conhecimentos novos, a cada instante solicitados e recebidos com redobrado interesse, e não supportados como um supplicio a mais pela memória sobrecarregada (MELLO LEITÃO, 1930, p. 9).
O professor catedrático Carlos Werneck indicou mudanças no tempo destinado às
atividades práticas, mas não em conteúdos de ensino de História Natural, na 1ª e 3ª edições
de um dos volumes - Elementos de Botânica, de seu compêndio Curso Elementar de História
Natural. A primeira edição foi publicada em 1922, antes das reformas educacionais de
Fernando de Azevedo e Francisco Campos, e a terceira edição em 1932, após as reformas.
A última reforma do ensino municipal deu á cadeira de História Natural maiores possibilidades, dividiu o curso em dois annos lectivos. Assim, desafogado o programma da urgência do tempo, torna-se possível maior esplanação. [...] Parece-me todavia, que não precisam os alumnos de um curso secundario de conhecimentos mais latos que os deste compendio. A sobra de tempo, a meu ver, deve ser empregada em trabalhos praticos. (WERNECK, 1932, prefácio).
6 Cf. Livros de Registro de Designações e Dispensas de Funcionários da Escola Normal e do Instituto de Educação do Distrito Federal dos anos 1932-1937; MELLO LEITÃO, 1946-1947.
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A referência à reforma municipal de 1928 e a ênfase em “trabalhos práticos” no
prefácio desse compêndio se relaciona às “lições” e aulas práticas nos programas de História
Natural de 1929 da Escola Normal do Distrito Federal e nos programas dos anos de 1930 do
Instituto de Educação (PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL, 1929; [193-]). Em outro artigo
que trata do ensino na Escola Secundária no Archivos do Instituto de Educação (1934, v.1,
n.1, p. 10), faz-se referência à formação de hábitos e aos trabalhos práticos: “Atendendo à
finalidade real do curso secundário, todo o ensino visa formar hábitos de observação e
reflexão, dando-se especial importância aos trabalhos práticos de laboratório”.
Em texto de Carlos Werneck sobre o ensino de História Natural publicado na revista
Archivos do Instituto de Educação estão indicadas aulas teóricas; aulas práticas; visitas ao
Museu Nacional do Rio de Janeiro; projeção de filmes e diapositivos; e utilização do museu
escolar. Werneck também apontou que o Gabinete de História Natural do Instituto de
Educação guardava materiais anteriormente pertencentes ao Pedagogium7:
Nosso gabinete [...] foi acrescido com o copioso espólio da Pedagogium e enriquecido e modernizado na administração de Fernando de Azevedo. Consta de: a) – um museu; b) – coleção de estampas e quadros murais etc.; - um epidiascópio Leitz e coleção de diapositivos; d) – laboratório; e) – material de microscopia e coleção de preparações microscópicas; f) – modelos didáticos (WERNECK, 1936, p. 162).
O Museu reunia coleções de rochas, minerais, fósseis, plantas secas, animais
taxidermizados ou conservados em álcool, esqueletos de vertebrados e crânios de mamíferos;
esqueletos de seres humanos e crânios. Além do Museu, existia também um acervo de
quadros murais; diapositivos, microscópios e modelos didáticos de “papier maché” e da casa
Deyrole (WERNECK, 1936, p. 162-163). Os “exercícios práticos” consistiam em:
[...] aulas de duas horas seguidas, em que as próprias alunas executam experiências típicas e dissecções anatômicas, observam e copiam preparações microscópicas, manejam os aparelhos de medida, ensaiam, montam e desmontam os modêlos etc. Um mesmo professor para todas as turmas incumbe-se dessas aulas de trabalhos práticos, e neste mister é auxiliado pelo preparador e pelas quatro monitoras (WERNECK, 1936, p. 161).
Segundo o registro nos Archivos (1936), as mesas no gabinete destinavam-se a 14
alunas, para aulas práticas no microscópio, experiências de fisiologia, dissecção de plantas e
animais e trabalhos de mineralogia, que incluíam atividades como:
7 O Pedagogium foi um estabelecimento de ensino profissional criado em 1890 com a finalidade de oferecer “aos professores publicos e particulares os meios de instrucção profissional de que possam carecer, a exposição dos melhores methodos e do material de ensino mais aperfeiçoado” (BRASIL, 1890).
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As preparações são primeiro projetadas e explicadas, em seguida examinadas ao microscópio detidamente por cada aluna de per si, e logo copiadas a mão livre; leva-se assim a uma observação mais atenta e minuciosa (WERNECK, 1936, p. 163). O estudo da fisiologia é acompanhado de experiências, praticadas no gabinete por grupos de alunos ou em casa por cada aluna. Destas experiências redigem relatórios circunstanciados, que as monitoras, corrigem e são julgados pelo professor (WERNECK, 1936, p. 164). De cada animal dissecado ou observado fazem o desenho ad naturam. E aqui, como para os demais trabalhos, os rascunhos rubricados são copiados para os cadernos, que as monitoras corrigem (WERNECK, 1936, p. 165-6). Na 5ª série faz-se o estudo das propriedades físicas e químicas; os exercícios práticos versam sobe a aplicação da escala de dureza, da balança hidrostática, da pinça de turmalinas etc. e a observação da clivagem, dos tipos de fratura etc. Fazem-se também alguns ensaios típicos de maçarico (WERNECK, 1936, p. 166).
Na perspectiva desse professor catedrático, metodologias de ensino com aulas
práticas, procedimentos laboratoriais e/ou experimentais e utilização de objetos como
microscópios e modelos com finalidades didáticas eram relevantes no ensino de História
Natural no Instituto de Educação. Segundo Esland (1971, p.83), o docente decide sobre a
sequência, o tempo, conteúdos e metodologias mobilizados em aula, entre outros aspectos,
com base em uma perspectiva disciplinar e pedagógica que direciona sua atuação. A
importância dada por Werneck aos trabalhos práticos, quando a distribuição e os tempos de
aula de História Natural foram ampliados na reforma do ensino secundário reforça as
indicações de um ensino com base em métodos ativos.
Goodson (1997, p. 44) afirma que os grupos que compõem as comunidades
disciplinares não gozam do mesmo prestígio ao longo do tempo e que suas atividades se
destacam em períodos de maior “conflito sobre currículo, recursos, recrutamento e
formação”. Nos anos 1920 e 1930 ocorreram disputas que influenciaram as reformas
educacionais e as mudanças na disciplina escolar História Natural no Instituto de Educação.
A partir dos anos 1920 ocorreram mudanças nos discursos de educadores que se
identificavam com as ideias da Escola Nova, em que a Biologia e a Higiene exerciam papel
relevante na fundamentação científica de uma nova cultura pedagógica (LOPES, 2007). Essas
ideias circularam no Instituto de Educação e influenciaram as perspectivas pedagógicas dos
professores. A valorização de aulas práticas e objetos escolares no laboratório e gabinete de
História Natural nos anos 1930 são marcas de um ideário de educação de base científica,
pautada em métodos ativos e em saberes especializados.
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Considerações Finais
Nesse estudo buscou-se analisar metodologias de ensino e objetos escolares em
programas e discursos de professores sobre o ensino de História Natural. Com base nas
contribuições de Ivor Goodson, André Chervel e Antonio Viñao, entende-se que a disciplina
escolar História Natural é uma construção sócio-histórica e cultural, com suas próprias
finalidades, conteúdos, metodologias e objetos de ensino.
Com a equivalência em 1934 do Instituto de Educação ao ensino secundário, a
disciplina História Natural foi ampliada para a 3ª, 4ª e 5ª séries do ciclo fundamental com,
respectivamente, 45, 50 e 70 lições nos programas de ensino. Diversas lições apresentavam
indicação de aulas práticas. Em textos publicados nos anos de 1930 na revista Archivos do
Instituto de Educação faz-se referência à formação de hábitos de observação e reflexão nos
alunos e à valorização de trabalhos práticos nas aulas. Finalidades alicerçadas em métodos
ativos e experimentais foram defendidas pelos educadores renovadores, que imputaram à
Biologia papel relevante na fundamentação científica dessa nova cultura pedagógica.
Referências
ACCÁCIO, Liéte Oliveira. Profissão Docente: Os Ritos e Normas da Incorporação. Campinas, SP, UNICAMP. Revista HISTEDBR On-Line, n.30, 2008. Disponível em: <http:/www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/30/index.html>. Acesso em: 31 mar 2017. BRASIL. Decreto n. 667, de 16 de agosto de 1890. Crêa um estabelecimento de ensino profissional sob a denominação de Pedagogium. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-667-16-agosto-1890-552093-publicacaooriginal-69096-pe.html>. Acesso em: 25 jan. 2017. BRASIL. Decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931. Dispõe sobre a organização do ensino secundário. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br>. Acesso em: 5 jan. 2016.
BRASIL. Decreto n. 21.241, de 4 de abril de 1932. Consolida as disposições sobre a organização do ensino secundário e dá outras providências. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br>. Acesso em: 5 jan. 2016. DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 3.281, de 23 de janeiro de 1928. Reforma do Ensino no Distrito Federal. Prefeitura do Distrito Federal, Rio de Janeiro, Oficinas Gráficas do Jornal do Brasil, 1928. DISTRITO FEDERAL. Livros de Registro de Designações e Dispensas de Funcionários da Escola Normal e Instituto de Educação do Distrito Federal: 1920-1925, 1925-1932, 1932-1937. Acervo do CMEB/ISERJ.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 5377
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