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1 A DITADURA BRASILEIRA E O GOLPE NO CHILE DE 1973: REFLEXOS REGIONAIS DA GUERRA FRIA Tiago Alves da Silva Lopes 1 José Carlos Martines Belieiro Junior 2 Resumo O presente trabalho pretende analisar como o Brasil, no governo do general Médici (1969- 1974), atuou na política de segurança nacional da América Latina, refletindo no golpe no Chile de 1973, que marcou a derrocada do intento socialista de Salvador Allende (1970- 1973). Para tal estudo, serão analisadas as características gerais dos países da região e suas interações no contexto de Guerra Fria. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a adotar intransigentemente a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), ensinada através de escolas militares espelhadas na ideologia norte-americana. Também será analisado o papel da Central Intelligence Agency (CIA) e sua “fórmula para o caos”, no intuito de desmoralizar e enfraquecer as forças políticas de esquerda da região, para abrir caminho para governos de direita. A confluência de condições externas, como o contexto histórico de disputa bipolar internacional, tendo os Estados Unidos como principal força política e econômica no continente americano, mais o Brasil como país promotor da DSN na região, tornou improvável a presença de governos de esquerda na região, favorecendo as forças políticas de extrema-direita, alinhadas às expectativas do bloco capitalista. Palavras-chave: Guerra Fria; Golpe de Estado; Brasil; Chile. Abstract The present article pretends to demonstrate how the Brazil’s government of general Médici (1969-1974), acted on the America Latina security policies, reflecting in the coup d’État that caused the Salvador Allende’s project to fall, on 1973. For that study, will be analyzed the general traces of the Latin’s countries, and their interactions with the Cold War. Brazil was the first country to adopt the National Security Doctrine in Latin America, through the military schools mirrored in the north-american ideology. The participation of the Central Intelligence Agency (CIA) with its “chaos formula”, that intended to demoralize and weaken the left wing political forces, as well will be analyzed. The set of external condition’s elements, like the bipolar historical context, having the United States as the major political and economic force in the american continent, plus Brazil as the promoter of the National Security Doctrine in the region made the conditions to the presence of left-wing governments very unlikely to exist in the region. That way, turning the culmination of the coupes d’État by the extreme-right more feasible to happen. Key-words: Cold War; Coup d’État; Brazil, Chile. 1 Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Docente Orientador da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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1

A DITADURA BRASILEIRA E O GOLPE NO CHILE DE 1973:

REFLEXOS REGIONAIS DA GUERRA FRIA

Tiago Alves da Silva Lopes1

José Carlos Martines Belieiro Junior2

Resumo

O presente trabalho pretende analisar como o Brasil, no governo do general Médici (1969-

1974), atuou na política de segurança nacional da América Latina, refletindo no golpe no

Chile de 1973, que marcou a derrocada do intento socialista de Salvador Allende (1970-

1973). Para tal estudo, serão analisadas as características gerais dos países da região e suas

interações no contexto de Guerra Fria. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a adotar

intransigentemente a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), ensinada através de escolas

militares espelhadas na ideologia norte-americana. Também será analisado o papel da Central

Intelligence Agency (CIA) e sua “fórmula para o caos”, no intuito de desmoralizar e

enfraquecer as forças políticas de esquerda da região, para abrir caminho para governos de

direita. A confluência de condições externas, como o contexto histórico de disputa bipolar

internacional, tendo os Estados Unidos como principal força política e econômica no

continente americano, mais o Brasil como país promotor da DSN na região, tornou

improvável a presença de governos de esquerda na região, favorecendo as forças políticas de

extrema-direita, alinhadas às expectativas do bloco capitalista.

Palavras-chave: Guerra Fria; Golpe de Estado; Brasil; Chile.

Abstract

The present article pretends to demonstrate how the Brazil’s government of general Médici

(1969-1974), acted on the America Latina security policies, reflecting in the coup d’État that

caused the Salvador Allende’s project to fall, on 1973. For that study, will be analyzed the

general traces of the Latin’s countries, and their interactions with the Cold War. Brazil was

the first country to adopt the National Security Doctrine in Latin America, through the

military schools mirrored in the north-american ideology. The participation of the Central

Intelligence Agency (CIA) with its “chaos formula”, that intended to demoralize and weaken

the left wing political forces, as well will be analyzed. The set of external condition’s

elements, like the bipolar historical context, having the United States as the major political

and economic force in the american continent, plus Brazil as the promoter of the National

Security Doctrine in the region made the conditions to the presence of left-wing governments

very unlikely to exist in the region. That way, turning the culmination of the coupes d’État by

the extreme-right more feasible to happen.

Key-words: Cold War; Coup d’État; Brazil, Chile.

1 Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Docente Orientador da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

2

1 Introdução

A América Latina, ao longo do século XX - palco de grandes acontecimentos

mundiais -, foi uma região caracterizada por sua instabilidade política. Por exemplo, a quebra

de continuidade de governos com golpes e revoluções. As transformações políticas na região,

de modo geral, aconteceram em períodos similares. Se observarmos a segunda metade do

século XX até início do século XXI, notamos uma sequência praticamente conjunta de tipos

de regimes na maioria dos países da região, respectivamente: governos populistas, ditaduras

militares, período de redemocratização, governos neoliberais e, por último, governos de

esquerda.

A formação histórica da região foi dividida, praticamente, entre portugueses e

espanhóis, e apresentava alguns elementos bastante similares na constituição dos países.

Como destacou Jorge Castañeda (1994), a natureza comum da situação latino-americana –

como as estratificações sociais, em conjunto com a vontade política e o fervor revolucionário

das classes menos favorecidas -, ou seja, condições comuns compartilhadas pelos países da

região, mas também com diferenças próprias entre os países, define sua estrutura histórica.

Os países da América Latina tiveram poucas opções quanto à posição a se adotar no

mercado mundial. Segundo Santos (1986), seguido de alguns casos prolongados de

exploração colonial, não restava muito além de acabarem por se adaptar a uma participação

periférica, quanto ao processo de especialização desse mercado – sendo esta uma melhor

opção do que seguir como colônias. Além disso, foram governados por elites incompetentes

ou extremamente predatórias, ou seja, incapazes de patrocinar um modelo de

desenvolvimento nacional. Estas nações acabaram por ter dificuldades de produzir suas

próprias riquezas.

Neste trabalho, será analisada a proliferação das ditaduras militares no subcontinente

latino-americano, dada em um ponto chave da Guerra Fria, o pós-Revolução Cubana de 1959.

Segundo Rouquié (1985), em 1954, de vinte países latino-americanos, treze eram governados

por militares. Em 1980, dois terços da população total da América considerada latina viviam

em países de regimes militares ou sob domínio militar. Essas ditaduras, a partir da década de

1960, seguiam uma ideologia internacional, que foi empreendida e financiada pelo centro

hegemônico capitalista norte-americano.

3

Esses regimes militares seguiam uma certa lógica operacional, que consistia em ceifar

a participação política nos países da região. O conjunto de regras aplicado, segundo Rossi

(1984), seja na Argentina - após 1976 -, no Uruguai e no Chile - depois de 1973 -, na Bolívia

quase ininterruptamente, no Peru - de 1968 até 1979 -, no Equador, -de 1971 a 1978 -, tinha

pontos comuns, como a dissolução ou proibição da existência de partidos políticos; repressão

contra os sindicatos (Argentina, Chile e Uruguai tiveram suas poderosas centrais ceifadas no

momento do golpe militar); não havia previsão de quando haveriam novas eleições e o

Parlamento tinha pouco poder real.

Porém, mesmo que tenha havido uma série de golpes e ditaduras militares na região,

cada circunstância deve ser analisada de acordo com o contexto histórico e as interações

sociais entre seus agentes internos. A pretensão deste trabalho não é estabelecer conceitos

gerais sobre a dinâmica dos países latino-americanos, mas sim verificar, a partir do momento

pós-Revolução Cubana, o golpe no Brasil de 1964 e seu papel desempenhado no fomento de

outras ditaduras militares da região, no início dos anos 1970, especialmente a do Chile, de

1973, com imprescindível apoio da Central Intelligence Agency (CIA).

O objeto de estudo deste trabalho é a análise da participação do Brasil, no governo do

general Médici (1969 - 1974), na culminação do golpe no Chile, de 1973. O interesse

brasileiro nesse apoio advém de questões de segurança na região, ou seja, fomentar a ascensão

de regimes que refletissem a Doutrina de Segurança Nacional (DSN)3, para assim lutar contra

as forças comunistas, consideradas “subversivas” ao status quo, no âmbito regional. Essa

participação se deu em uma triangulação entre os grupos radicais de direita no Chile, a CIA e

o Brasil, que foi o precursor dessa ideologia na região.

A partir do golpe no Brasil de 1964, segundo Bandeira (2008), os exércitos vizinhos se

utilizaram da experiência brasileira como exemplo e modelo de como construir as condições

para um golpe de Estado. Essa influência brasileira, a partir de um modelo precursor de

segurança nacional na América Latina, em contexto de Guerra Fria (1945 - 1991), criou

alianças com grupos de compatibilidade ideológica, trabalhando para o surgimento de

governos seguidores da DSN na região. O apoio brasileiro favorecia as condições externas e

materiais dos grupos alinhados a seus interesses na região, proporcionando maior segurança

em um golpe de Estado.

3Conceito da Ideologia da Segurança Nacional adotado pelo Padre Joseph Comblin (1980).

4

Um dos pontos da experiência brasileira repassada ao Chile, foi a partir do Brasil ter

sido uma experiência bem sucedida das covert actions e spoiling operations4da CIA, feitas no

país para preparar terreno para a retirada do presidente João Goulart (1961 - 1964) do poder.

Essas medidas uniam setores civis radicais da direita e militares seguidores da DSN, e muitas

das mobilizações feitas no Brasil se repetiriam no Chile. Além disso, houve articulações do

golpe chileno em Brasília, a partir do próprio governo brasileiro, e em São Paulo, pelos

empresários que já haviam participado na derrocada de Jango5.

Para entendermos a interação entre os atores e ideologias na culminação dos golpes

militares, devemos analisar a conjuntura internacional, em conjunto com a reação local. O

contexto histórico de Guerra Fria, a Revolução Cubana de 1959, os interesses divergentes

entre as classes altas e baixas - gerando crescente tensão e polarização do sistema político -,

pressão externa dos Estados Unidos, a DSN, o temor da emancipação política da classe

trabalhadora (uma das consequências da crescente urbanização dos países locais), tudo isso

teve seu papel na culminação dos golpes militares na região.

2 Cenário Mundial: Guerra Fria e Doutrina de Segurança Nacional

Para entendermos como a Guerra Fria acabou por ter reflexos na América Latina,

devemos entender primeiramente o porquê dos Estados Unidos terem atuado de forma ativa

no Sistema Internacional (SI)6. Devemos analisar como os acontecimentos mundiais foram

moldando a forma de atuação do país ao longo do século XX. Uma sequência de guerras

mundiais no início desse século, levou os norte-americanos ao patamar de superpotência7,

classificação também dada a União Soviética, que seria sua oponente durante a Guerra Fria.

4Operações encobertas e Operações de engodo, respectivamente. Foram medidas da CIA para desestabilizar governos e polarizar o ambiente político (BANDEIRA, 2008. Tradução do autor). 5Apelido de João Goulart. 6 Segundo Pecequilo (2004, p. 38), “No Sistema Internacional a ordem nasce das relações que se estabelecerão entre os atores e a sua dinâmica, predominando a lógica da competição e da sobrevivência, do choque de interesses. [...] O poder será o definidor das Relações Internacionais”. 7 As superpotências, EUA e URSS, tinham como característica militar o grande poder militar e nuclear, durante a Guerra Fria (DIAS, 2010).

5

A visão norte-americana, como nação, de que eles deveriam ser o modelo a ser

seguido não surgiu nesse período do pós-Guerra. Desde o Destino Manifesto8, do século XIX,

era auto atribuído aos estadunidenses um dever dado como natural para seus projetos de

expansão: “Para os norte-americanos, coube aos Estados Unidos tanto a tarefa quanto o dever

de servir como exemplo para a humanidade, primeiro consolidando, depois expandindo sua

democracia e sua liberdade” (PECEQUILO, 2003, p. 121). Porém, foi apenas no período pós-

Segunda Guerra Mundial que a atuação norte-americana refletiu, em âmbito internacional, a

essa proposta filosófica do século XIX.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), novas forças começavam a

projetar suas sombras pelo SI. Com a vitória dos Aliados (Estados Unidos, União Soviética,

Grã-Bretanha, França e China), o mundo observava o nascimento de uma nova era: “a

Segunda Guerra tinha sido o capítulo final da destruição da Europa” (PECEQUILO, 2003, p.

124). O centro do mundo estava deixando de ser a Europa, até então guiada pela Grã-Bretanha

- agora destruída pela guerra -, e passando a ser orientado na disputa pela hegemonia global

entre dois blocos: o capitalista e o comunista.

A Guerra havia deixado um vácuo momentâneo de poder mundial, era o momento

ideal para alguém tomar essa posição. Duas grandes potências haviam se destacado durante a

Guerra e se consolidaram ao final: Estados Unidos e União Soviética. Conjuntamente com

essa ascensão, o mundo observou o nascimento de uma nova disputa global, entre esses dois

países: “A aliança que permitiu derrotar os países do eixo acabou tão logo a guerra se desfez,

e teve início a guerra fria” (DIAS, 2010, p. 152).

A experiência de ter tido que combater uma potência que se expandia agressivamente

e ameaçava a ordem do SI, no caso a Alemanha, demonstrou aos norte-americanos que era

necessário estar presente nos acontecimentos do Sistema Internacional. Os Estados Unidos

aprenderam que era menos arriscado, e mais barato, trabalhar na prevenção de um possível

conflito direto, do que ter que solucioná-lo depois de iniciado. O crescimento e a segurança

norte-americana, assim como de todos os países, segundo Pecequilo (2003), depende da

estabilidade do Sistema Internacional.

8 Segundo a revista US Foreign Policy, o Destino Manifesto, escrito pelo jornalista John L. O'Sullivan, em 1845, descrevia o suposto dever, ligado a uma missão divina, dos EUA expandir seu território para o oeste, e tomar todo o continente para o país.

6

Nesse momento então, os norte-americanos buscavam regulamentar o Sistema

Internacional através de instituições9. Uma das principais vantagens de governar através de

instituições, ou seja, de maneira indireta, reside no fato de que as formas de poder ficam

menos aparentes, assim como as decisões, e a responsabilidade delas recai sobre seus

parceiros: “[...] os Estados Unidos queriam os benefícios, mas não os custos da ordem, e não

iriam dominá-la agressivamente, dividindo espaço e deveres com seus parceiros.”

(PECEQUILO, 2003, p. 133).

O processo da construção da ordem patrocinada pelos Estados Unidos começou

ainda durante o conflito, nas Conferências de Dumbarton Oaks e Bretton Woods.

Nessas conferências foram criadas, respectivamente, as Nações Unidas, o Banco

Mundial e o Fundo Monetário Internacional, definindo-se, ainda, novos parâmetros

de relacionamento político e econômico para os países (PECEQUILO, 2003, p.

128).

No intuito de impedir a repetição da situação do período entre guerras: a destruição da

Europa durante a Primeira Guerra, segundo Pecequilo (2003) levou a uma situação de crise

que culminou na Segunda Guerra Mundial; os Estados Unidos lançaram um plano de

restauração econômica. Assim, no intuito de serem mais ativos nos problemas internacionais,

os EUA, em 1947, lançaram o plano Marshall. O plano tinha como principal intenção reerguer

a economia europeia, para devolver o poder de compra do continente e também barrar uma

possível expansão soviética na localidade (DIAS, 2010, p. 58).

Esse plano de recuperação econômica vinha com um duplo sentido, assim como seria

a utilização das instituições internacionais de ajuda financeira a partir de então. Havia a

proposta de pacotes de ajuda financeira, mas com o compromisso desses países seguirem uma

série de requisitos – políticas liberais –, tornando os países que aceitassem mais próximos de

uma aliança com os Estados Unidos no SI. Na área de política externa, os EUA lançaram no

mesmo ano do plano Marshall, a doutrina Truman:

[...] em 1947 se estabelece a Doutrina Truman, que fixa os objetivos da política exterior dos EUA e encerra de vez a política de colaboração da era Roosevelt. Essa

doutrina marca um ponto de virada importante no comportamento anterior dos EUA,

marcado pelo isolacionismo. A nova política tem como objetivo fundamental a

contenção da expansão soviética. Tem como base o apoio a qualquer movimento

cujo objetivo seja parar a ameaça comunista (DIAS, 2010, p. 58).

9 Segundo Seitenfus (2004, p.43), “[...] a hegemonia não pode ser exercida somente através de meios materiais, financeiros e tecnológicos. É imprescindível que ela atue igualmente no campo dos valores, ou seja, na ideologia”.

7

As instituições e políticas norte-americanas refletiam a sua ideologia. A partir das

instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), os Estados

Unidos colocavam-se em uma posição de exigir certos compromissos, em troca de

financiamento, principalmente para os países em desenvolvimento. Essa era uma das formas

de exercer influência indiretamente no Sistema Internacional, aproveitando-se da comum

condição de dependência externa de países menos desenvolvidos, como foi destacado por

Santos (1986).

Mesmo não tendo tido conflitos diretos entre as duas superpotências nesse período de

Guerra Fria, muitos outros países experimentaram situações de disputa em seus territórios

nacionais, com apoio dos serviços de inteligência das duas superpotências: “Muitas vezes os

serviços de inteligência das grandes potências participaram da conspiração, encorajando a

oposição doméstica em diversos países, a fim de remover governos hostis ou que

contrariavam seus interesses.” (BANDEIRA, 2008, p.82).

Nesses conflitos internos, consequência da disputa mundial bipolar, não havia um

inimigo demarcado territorialmente, mas a disputa se daria por meio de ideologia. Sob o

conceito do inimigo interno, que seria qualquer pessoa ou entidade que fosse crítica às

políticas norte-americanas, pelos moldes da DSN, seria considerada uma ameaça à segurança

nacional. Assim, a disputa em âmbito interno dos países ocorria entre grupos ideologicamente

antagônicos, tendo amparo externo dos dois centros. Para esse conflito, não havia distinção de

intensidade de ações empreendidas:

“Não há regras em tal jogo. Se os Estados Unidos forem sobreviver, conceitos

americanos de ‘jogo limpo’ há muito tempo existentes devem ser reconsiderados”,

escreveu o general Doolittle, salientando que “nós temos de aprender a derrocar,

sabotar e destruir nossos inimigos por meio de métodos mais claros, sofisticados e

eficazes do que aqueles usados contra nós”. E daí que a CIA passou a empreender

covert actions, i.e., ações encobertas, que, segundo sua própria definição, significam

atividades clandestinas ou secretas destinadas a influenciar governos estrangeiros,

eventos, organizações ou pessoas em apoio à política exterior dos Estados Unidos,

conduzidas de tal maneira que o envolvimento do governo americano não aparecesse (BANDEIRA, 2008, p. 83).

A Doutrina de Segurança Nacional (DSN), segundo Comblin (1980), é um conceito

maleável. Uma das definições que se relega a essa doutrina é que ela seria equivalente aos

Objetivos Nacionais, mas mesmo assim não fornece uma caracterização devida. O autor vai

mais fundo e destaca que a doutrina não determina os bens que devem ser defendidos, mas

sabe-se que a qualquer custo, deve-se colocá-los em segurança. Porém, quando um elemento

essencial é definido, a doutrina toma forma, que é o inimigo.

8

O conceito de segurança nacional torna-se muito operacional desde o momento em

que se define o inimigo. A segurança nacional talvez não saiba muito bem o que está

defendendo, mas sabe muito bem contra quem: o comunismo. [...] Em qualquer

lugar onde se manifeste um aparente comunismo, o Estado está presente e faz

intervir a segurança nacional. A segurança nacional é a força do Estado presente em

todos os lugares em que haja suspeita do fantasma do comunismo (COMBLIN,

1980, p. 55).

Essa doutrina vai atuar em três níveis, elencados por Comblin (1980). Em primeiro

lugar, a ideologia vai suprimir a diferença de violência e não-violência, pois a segurança seria

a força do Estado aplicada a seus adversários; em segundo lugar, a segurança desfaz a

distinção entre política externa e política interna, pois o inimigo está dentro e fora do país,

sendo considerado o mesmo “problema” para o Estado; em terceiro e último lugar, a

segurança apaga a distinção entre violência preventiva e violência repressiva, a fim de afastar

possíveis ameaças futuras aos interesses nacionais.

Amparados por essa doutrina, os militares tomam o poder institucionalmente e não

mais como árbitros que, a curto ou médio prazo, devolviam o poder aos civis.

Agora, já não se fala em prazos, mas de objetivos a atingir, ao mesmo tempo em que

se implanta e consolida uma política econômica que conduz a uma maior

concentração de riquezas e uma maior penetração das empresas multinacionais, por

meio de dinheiro e influência crescente nos processos de tomada de decisão. Esse

tipo de política tem um custo social inevitável, que se traduz na alienação crescente

de apoios ao regime dominante, levando à acentuação dos mecanismos repressivos,

que cuidam de vincular qualquer dissenso ao comunismo internacional (ROSSI,

1984, p. 32).

2.1 Reflexos na América Latina

América Latina foi um dos palcos de conflito e tensão da Guerra Fria. As relações de

poder do SI refletiram na região, tendo se agravado após a Revolução Cubana, de 1959 -

acontecimento que intensificou a preocupação norte-americana com a região. Um país

pequeno, como Cuba, e, além disso, localizado muito próximo ao território americano,

conseguiu sob as lideranças de Fidel Castro e Che Guevara, derrubar um governo10aliado aos

EUA, e instalar um regime socialista. Ficou conhecida como a via cubana, que era a transição

para o socialismo pela luta armada, através de guerrilhas.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e começos da Guerra Fria, os governos

latino-americanos se depararam com novas formulações ideológicas, nas quais

tiveram que redefinir as antigas disputas políticas pelo poder. Os antigos

conservadores e liberais, expressões políticas bastante marcantes principalmente em

10O governo de Fulgencio Batista, que governou Cuba em duas situações, sendo a segunda de forma ditatorial de 1952 a 1959, ano da revolução.

9

países da América Central, readequaram seus discursos de acordo às novas

circunstâncias mundiais. (MOREIRA, QUINTEROS e SILVA, 2010, p. 200).

Essa situação fez com que o Estados Unidos, através de suas políticas de segurança,

intensificassem os processos de intervenção, mesmo que indiretamente, na América Latina.

“A partir da vitória da Revolução Cubana, em 1959, e do rumo socialista que tomou sob a

liderança de Fidel Castro, as atenções dos Estados Unidos voltaram-se mais e mais para a

América Latina.” (BANDEIRA, 2008, p. 84). Seria muito custoso para eles ter que lidar com

outra “Cuba”, pois ameaça suas questões de segurança na região.

A doutrina anticomunista começou a tomar corpo no início da década de 1950, com os Estados Unidos interpretando que a América Latina era o alvo favorito da União

Soviética. Como parte da segurança continental, a política externa norte-americana

desenhou uma atuação intransigente, que não admitiria governo nenhum suspeito de

implantar políticas socialistas. (MOREIRA, QUINTEROS e SILVA, 2010, p. 202).

O principal instrumento dos Estados Unidos utilizado na América Latina durante a

Guerra Fria foi a CIA. O órgão de inteligência norte-americano, que, segundo Bandeira

(2008), em conjunto com os órgãos equivalentes de outros países, constituíram as principais

forças de atuação durante o conflito. A atuação a agência se dava a partir da estratégia de

segurança norte-americana para o hemisfério, que foi intensificada a partir da Revolução

Cubana. A CIA, a fim de desestabilizar governos contrários ou resistentes às políticas de

segurança dos EUA, realizava as spoling operations:

“[...] das quais permitia penetrar nas organizações políticas, estudantis, trabalhistas e

outras para induzir artificialmente a radicalização da crise, mediante longo período de agitação e profunda desorganização social, aguçamento da luta de classes, de

maneira a solapar as bases sociais e políticas de sustentação do governo e a

favorecer sua derrubada por meio de um golpe militar” (BANDEIRA, 2008, p. 85).

Uma das principais consequências da Guerra Fria na América Latina foi a culminação

de golpes de Estado. Um governo que se mostrasse contrário aos EUA, era automaticamente

compreendido como possível aliado da URSS, segundo a Doutrina de Segurança Nacional.

Além disso, o simples fato de um governo mostrar-se incapaz de manter a estabilidade em seu

país, já era considerado como perigoso para uma possível insurgência comunista. Aqui faz-se

importante diferenciar golpe de Estado de revolução.

A diferença fundamental entre um mero golpe de Estado e uma revolução consiste no fato de que a revolução subverte a estrutura econômica e social de uma

sociedade, enquanto o golpe de Estado quase sempre visa a preservar o status quo

ou apenas a mudar um governo ou o ordenamento jurídico, derrogar ou ajustar a

Constituição [...] (BANDEIRA, 2008, p. 79).

10

Na América Latina, golpes de Estado sempre estiveram presentes. Porém, não

necessariamente representavam a ideologia liberal norte-americana, muitos golpes foram

feitos por caudilhos11, governos de viés nacionalista e até de cunho social. Contudo, o golpe

militar no Brasil de 1964 foi diferente. Derivado da Doutrina de Segurança Nacional,

especificamente na preocupação em afastar a esquerda do poder, o golpe foi o primeiro na

região a possuir esse significado e missão.

Se a história da América Latina independente está tão vinculada à presença das

Forças Armadas, no centro do poder político, é preciso reconhecer que houve uma

mudança fundamental a partir do golpe de Estado de 1964 no Brasil – no que

coincide uma boa parte dos analistas políticos e historiadores. Nesse ano, inicia-se um processo, depois estendido a outros países da região, pelo qual as Forças

Armadas deixam de interferir apenas como árbitros [...] para se tornarem ocupantes

institucionais do poder (ROSSI, 1984, p. 8).

Porém, havia uma crença no perfil profissional da instituição militar que, segundo

Comblin (1980), refletia-se tanto dentro da própria instituição quanto no âmbito civil.

Estavam convencidos de que os militares que estavam no poder não tinham doutrina nem

sistema, eram puramente pragmáticos. Os militares que estavam fora dos cargos mais altos do

governo também eram mantidos na ignorância, e acreditavam estar servindo um propósito

profissional, mas que na verdade eram uma peça da engrenagem. Além disso, os norte-

americanos haviam atribuído à instituição militar, o papel modernizador12, incumbindo a ela a

missão de fortalecer o capitalismo na região.

A Doutrina de Segurança Nacional foi a ideologia adotada pelos regimes militares do

cone sul, a partir da década de 1970, com exceção do Brasil, que já seguia desde 1964. O

posicionamento dos militares pautou-se na luta contra o comunismo, ou qualquer ação que se

encaixasse no termo “subversivo”. Essa doutrina foi ensinada em diversas escolas militares,

mas não era algo próprio dos países da região, mas sim uma ideologia importada dos Estados

Unidos, fomentando práticas que acabaram ultrapassando as fronteiras nacionais.

11 Segundo Rouquié (1994, p. 260-273 apud PINHEIRO, V. 1995, p. 7), os caudilhos são elementos provenientes das oligarquias regionais que se consolidam como novos líderes, em substituição ao poder da metrópole, oferecendo proteção àqueles que se colocam sobre a sua tutela. Esses oligarcas são a pedra fundamental dos nascentes Estados latino-americanos, que, como primeira função, recebem a tarefa de garantir a independência política e as fronteiras delimitadoras dos territórios recém-libertados contra as oligarquias vizinhas. 12 “[...] de acordo com a doutrina da civic action, que as definia como a instituição mais estável e modernizadora da América Latina, razão pela qual deviam ter maior participação política e promover as reformas necessárias para evitar a revolução comunista” (BANDEIRA, 2008, p. 98).

11

O meio de entrada dessa doutrina na região, segundo Rossi (1984), deu-se através da

Escola Superior de Guerra (ESG) no Brasil. Foi criada em 1949, seguindo molde de

instituições norte-americanas de educação militar, o U.S. Industrial College of the Armed

Forces e o National War College. É importante destacar que a doutrina não se tratou de uma

ferramenta de coerção do Exército dos Estados Unidos, mas sim de um pacto conjunto.

Apesar disso, segundo Bandeira (2008), os americanos enviaram uma missão de

assessoramento, que permaneceu de 1948 a 1960 em território brasileiro.

A JDI13juntamente com as escolas militares no Canal do Panamá faziam parte do

leque de instituições que os EUA utilizavam para manter os interesses das Forças Armadas da

América Latina, próximos aos seus. Essas escolas, como a Escola Superior de Guerra, tiveram

papel fundamental na formação política e técnica dos militares latino-americanos, como

ocorreu no Brasil. Elas tinham o intuito de ensinar como combater os ditos inimigos internos

do país, ou seja, combater elementos considerados subversivos ao status quo. Isso já fazia

parte da doutrina de Segurança Nacional.

De guerra, a ESG na verdade tinha muito pouco, ao menos, se entendia a guerra no

seu sentido convencional. Tanto assim que, em 1966, apenas 24 horas de aulas eram

dedicadas ao estudo da guerra convencional, contra 222 horas de aula sobre

segurança interna e 129 horas de aula sobre a luta anti-guerrilheira. Além disso, a ESG buscou, claramente, a formação de uma elite civil-militar, incorporando

sistematicamente os não militares a seus cursos: entre 1950 e 1967, a Escola

graduou 1 267 pessoas, das quais 646 (mais da metade, portanto) eram empresários,

altos funcionários públicos (civis), juízes e profissionais em geral (ROSSI, 1984, p.

27-28).

3 Golpes militares na América Latina

3.1Golpe de 1964 no Brasil: a Doutrina de Segurança Nacional aplicada

O Brasil teve durante sua história, principalmente desde o final de século XIX, forte

influência dos militares na política: “No Brasil o Exército jamais ficou alheio ao governo.”

(COMBLIN, 1980, p. 152). Houve diversas intervenções dos militares brasileiros na política

ao longo do século subsequente. Porém, mesmo com a presença militar seguindo um certo

padrão, em 1964 algo diferente ocorreu.

13Criada em 30 de março de 1942, a Junta Interamericana de Defesa (JID) é a organização regional de defesa mais antiga do mundo. No início dos anos 1960, (BANDEIRA, 2008) teve uma importante resolução - a Resolução XLVII - que propunha que as Forças Armadas contribuíssem para o “desenvolvimento econômico e social das nações” e fizessem projetos de “ação cívica”.

12

Desde o golpe ao Imperador Pedro II, segundo Comblin (1980), os militares vem

atuando na política brasileira, sendo que nessa transição para república, os dois primeiros

presidentes era militares, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Alguns anos depois, em

1930, os militares atuaram ativamente mais uma vez na política, agora apoiando a chegada de

Getúlio Vargas ao poder. Porém, foram os próprios militares que o tiraram do poder 15 anos

depois, em 1945, e um militar acabou por suceder Getúlio, Eurico Dutra. Nas eleições

seguintes, sempre houve militares tentando a presidência do país, mas sempre sem sucesso.

Até que chegou o dia 31 de março de 1964.

Em suma, quando houve a intervenção de 31 de março-1° de abril de 1964, podia-se

pensar, à primeira vista, que se tratava de mais um episódio numa longa história de

intervenções militares no processo político. Muitos achavam isso. Havia, no entanto,

uma ruptura com um certo estilo de intervenções no passado. Tudo o que

relembramos fazia parte do que, no Brasil, é denominado, por eufemismo, de “poder

moderador” do exército. Daí por diante a intervenção militar não faria mais alusão

ao “poder moderador”, mas a algo novo, à segurança nacional (COMBLIN, 1980, p.

152 - 153).

A aproximação mais estreita entre os exércitos brasileiro e norte-americano teve seu

embrião ainda na Segunda Guerra Mundial. Através da Força Expedicionária Brasileira

(FEB), os militares brasileiros tiveram forte contato com os norte-americanos e ficaram

surpresos com seu poderio tecnológico e militar, em comparação com a estrutura militar

brasileira na época14: “Os tenentes tornaram-se coronéis. Vão ser generais. Ao término da

guerra, passam a manter contatos cada vez mais profundos com os Estados Unidos.”

(COMBLIN, 1980, p. 155). Essa ligação estreita com os norte-americanos definiu a linha que

os militares iam apoiar durante a Guerra Fria.

Da Guerra e desses contatos guardam duas coisas: primeiro, a extraordinária

superioridade americana em tudo e, mais tarde, a realidade da Guerra Fria, que os

afeta, que afeta o Brasil. Não há dúvida: o que eles captaram nos Estados Unidos foi

precisamente o início do sistema de segurança nacional. Por isso desejam, antes de mais nada, adaptar ao Brasil a ideologia desse sistema. Voltam para o Brasil com a

intenção de copiar o National War College. Uma missão militar americana é

encarregada de auxiliar seus colegas brasileiros a fundar essa instituição, e a

orientará durante 12 anos: será a Escola Superior de Guerra (COMBLIN, 1980, p.

155. Grifo nosso).

O Brasil foi o único país da América Latina a participar da Segunda Guerra com

contingente militar. Além do relativo atraso brasileiro observado a partir do contato com os

14Segundo Comblin (1980), a sensação de inferioridade brasileira em termos militares causou a sensação de que o Brasil deveria buscar diminuir essa distância, e a partir disso começaram a divulgar e promover escolas que refletissem essa preocupação.

13

norte-americanos, os laços entre as instituições militares dos países colocaram o país em uma

certa condição de aliado especial dos Estados Unidos na região, incorporados no acordo que

criou a Comissão Conjunta de Defesa Brasil-Estados Unidos15. A partir de então, começou-se

a fomentar essa ideologia através de instituições inspiradas nos moldes americanos, como a

ESG, que dariam continuidade a essa relação.

No início da década de 1960, o país já vinha experimentando instabilidade política

desde a saída de Jânio Quadros, em 1961. João Goulart, seu vice, deveria assumir

automaticamente o poder. Porém, devido ao fato de ser um político de esquerda, e assim

perigoso para a Doutrina de Segurança Nacional, o Exército interveio. No momento da

renúncia, Jango estava visitando a República Popular da China. Houve resistência dos

militares tentando impedir a sua posse na volta da viagem. Em contrapartida, essa resistência

militar acabou por desencadear um movimento legalista16 no país, que conseguiu fazer com

que Jango tomasse posse ao cargo17.

[...] desde que os comandantes das Forças Armadas, em agosto de 1961, não conseguiram impedir que o vice-presidente João Goulart, do Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB), assumisse o governo, em virtude da renúncia do presidente Jânio

Quadros, a CIA começou a dar assistência aos diversos setores da oposição que

conspiravam para derrubá-lo (BANDEIRA, 2008, p. 85).

O governo de Jango, político do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) durou de 1961

até 1964, porém, na prática, o governo durou cerca de um ano18. Mesmo nesse curto período

houve intensa turbulência política. O governo teve que lidar com pressões de grupos tanto da

esquerda quanto da direita. Teve seu plano econômico – Plano Trienal de desenvolvimento

econômico19 – malogrado. Além de não estar conseguindo lidar com as crises internas, ainda

havia o fantasma do golpe de Estado que era articulado por alguns setores da sociedade. Em

geral, o governo de Jango teve:

15O acordo institucionalizou um programa de trocas de alto nível em assuntos de segurança, que não se encontra

em outros tratados bilaterais na América Latina (STEPAN, 1975, p. 97). 16Ficou conhecida como a Campanha da Legalidade, movida por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul na época e também cunhado de Jango. 17 Porém, “A Câmara dos Deputados aprovou a emenda parlamentarista que impediu a posse com plenos poderes por parte de Goulart, o que só aconteceu após o plebiscito realizado no início do ano de 1963” (ROLIM, César). 18 “A rigor, o governo de Goulart se inicia em janeiro de 1963, após a contundente derrota do regime parlamentarista” (TOLEDO, 2004). 19 Plano de Celso Furtado, Ministro do Planejamento, que buscou controlar o surto inflacionário, e ao mesmo tempo retomar taxas de crescimento, comuns a década anterior. Acabou por ter resistência dos setores trabalhistas e sindicais, pois sendo um plano de combate à inflação, começou a ter efeito negativo aos salários dos trabalhadores (TOLEDO, 2004).

14

[...] uma intensa crise econômico-financeira; constantes crises político-

institucionais; crise do sistema partidário; ampla mobilização política das classes

populares paralelamente a uma organização e ofensiva política dos setores militares

e empresariais (a partir de 1963, as classes médias também entram em cena);

ampliação do movimento sindical operário e dos trabalhadores do campo e um

inédito acirramento da luta ideológica de classes (TOLEDO, 2004).

O início da década de 1960 foi um momento de forte expressão política, fosse da

direita ou da esquerda. Haviam os que lutavam pela Reforma Agrária20, como as Ligas

Camponesas, que nasceram da resistência contra os grandes latifundiários, e contestavam as

formas de dominação comuns as populações rurais do nordeste brasileiro. Houve conflito

armado entre os camponeses e proprietários de terras. Acabaram sendo caracterizadas em

jornais do Brasil e do exterior como forças subversivas e revolucionárias (TOLEDO, 2004).

Após a frustrada tentativa de alguns grupos militares de impedir a posse de João

Goulart, as articulações para a retirada do presidente do poder foram se intensificando. Havia

apoio externo da CIA, com financiamento para a oposição – principalmente para campanhas

eleitorais - do governo de esquerda de João Goulart. Essa tática servia para aumentar o

número de representantes eleitos dos partidos opositores no poder, e, aos poucos, ir

diminuindo as bases da apoio do governo.

Em 1962, a CIA gastou entre US$ 12 milhões e US$ 20 milhões, financiando a

campanha eleitoral de deputados de direita, através de organizações que seus agentes

criaram, principalmente o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), a Ação Democrática Parlamentar e outras, todas identificadas como rótulo de “democrática”

(BANDEIRA, 2008, p. 85-86).

Porém, o número de deputados patrocinados pela CIA através do Instituto Brasileiro

de Ação Democrática (IBAD), e outras frentes de apoio propagadas em nome da

“democracia” não foi satisfatório. Mesmo assim, segundo Bandeira(2008), as spoiling

operations continuariam a ocorrer. O governo enfrentava a oposição da União Democrática

Nacional (UDN), na figura de Carlos Lacerda, que defendia abertamente um golpe de Estado.

Essa oposição esteve presente em diversos levantes contra o presidente Goulart.

Os agentes da CIA continuaram a executar, no Brasil [...] covert actions e spoiling actions. Assim, em 12 de setembro de 1963, cabos, sargentos e suboficiais,

principalmente da Aeronáutica e da Marinha, liderados pelo sargento Antônio

Prestes de Paulo, sublevaram-se, em Brasília, e ocuparam os prédios da Polícia

Federal, da Estação Central da Rádio Patrulha, da Rádio Nacional, do Departamento

20O próprio presidente Goulart já levantava a bandeira da Reforma Agrária, mesmo durante o tempo de governo limitado pelo parlamentarismo. Essa posição, segundo Toledo (2004) encontrou grande resistência por parte de setores da Igreja Católica do país, mais de partidos, como a União Democrática Nacional (UDN), e do Partido Social Democrático (PSD) e das entidades ruralistas.

15

de Telefones Urbanos e Interurbanos. O movimento, no entanto, fracassou, e tudo

indica que se tratou de uma provocação, uma spoiling action, destinada a criar

dificuldades e colocar a oficialidade das Forças Armadas em favor do golpe de

Estado [...] (BANDEIRA, p. 86).

Segundo Comblin (1980), os apoiadores do golpe de Estado, civis e militares que não

faziam parte da conspiração dos oficiais da ESG, não esperavam que houvesse um

rompimento completo com a democracia. Esperava-se que, na sequência do golpe, houvesse

alteração na Constituição Federal, para em seguida chamar novas eleições. Para a maioria dos

conspiradores do golpe, que seria desencadeado em 1964, os militares atuariam apenas de

forma a tirar o presidente João Goulart do poder sem romper totalmente com a democracia.

Sendo que essa elite acreditava que o Brasil tinha um grande compromisso com a democracia

e o golpe só aconteceria para reforçá-la.

Na realidade, conspirava-se por vários lados ao mesmo tempo: civis e militares

preparavam um golpe de Estado para derrubar João Goulart. Os oficiais do grupo da

Escola Superior de Guerra eram apenas um dos grupos conspiradores. Porém, no

momento do golpe de Estado, souberam colocar-se em bons postos. Souberam

impor seu candidato ao poder, o General Castello Branco, um dos seus. E a

engrenagem entrou em funcionamento (COMBLIN, 1980, p. 157).

Um ponto importante a se destacar é que os conspiradores e apoiadores do golpe para

derrubar o governo de Goulart não foram coagidos pelos Estados Unidos para tomarem essa

posição. O que havia era uma convergência de interesses entre esses atores internos e a

política de segurança norte-americana, sendo os primeiros de conservar suas posições sociais,

e os segundos de assegurar a segurança continental no contexto de Guerra Fria. Sobre a DSN:

Não houve necessidade de que os Estados Unidos fizessem um esforço para impô-la.

Pelo contrário, ela foi adotada com entusiasmo e sem nenhum sentimento de

subordinação. Os efeitos das demonstrações da superioridade americana eram

suficientes: a Doutrina da Segurança Nacional era uma das amostras da superioridade dos Estados Unidos e, fora da dúvida, um dos segredos dessa

superioridade (COMBLIN, 1980, p. 157).

Os civis da direita tiveram sua participação no golpe de 1964 através de manifestações

políticas. Um exemplo desses atos foi a Marcha da Família com Deus pela Propriedade21,

realizada em São Paulo no ano do golpe, que juntou milhares de pessoas em uma passeata

contra as reformas de base propostas por João Goulart. Segundo Bandeira (2008), esse

movimento teve articulação conjunta com a CIA.

21 Retirado do acervo digital da Folha de S. Paulo, sexta-feira, 20 de março de 1964.

16

Os oficiais da Escola Superior de Guerra já podiam contar com o apoio, ao menos

inicial dos outros setores que também conspiravam. Porém, ainda faltava o apoio de militares

legalistas, e isso foi buscado com as spoiling operations. Durante os anos 1961-1964, houve

diversos atos de motim e revolta interna22, e segundo Stepan (1975), uma das principais

preocupações dos militares é justamente a preservação da própria instituição. Esses atos

atuavam de maneira com que os militares que possivelmente apresentassem resistência ao

golpe a ter uma posição favorável ou condescendente a ele.

A ação da “linha-dura” constituiu essencialmente em se colocar como “ortodoxia”

no seio das Forças Armadas e do Estado. Ela se apresenta como porta-voz das

exigências da “Revolução de 1964” e da pureza de seus ideias se coloca a Doutrina

de Segurança Nacional como norma dessa ortodoxia. É a linha da intransigência na

luta anticomunista, intransigência na busca de um modelo de desenvolvimento que

leve o país a um poderio econômico, e intransigência no elitismo militar. A Doutrina

da Segurança Nacional serve exatamente para articular essa intransigência (COMBLIN, 1980, p. 160-161).

Segundo Bandeira (2008), o motim dos marinheiros havia criado a última condição

para o golpe de Estado, pois os militares legalistas acabaram por ir para o lado dos

conspiradores. Então, no dia 30 de março, foi enviado da estação da CIA no Brasil, para

Washington um memorando dizendo que as forças anti-Goulart estavam se preparando para

dar o golpe em poucos dias. Na madrugada de 1 de abril de 1964, o general Olímpio Mourão

Filho, comandante da IV Região Militar, partiu em direção ao Rio de Janeiro para deflagrar o

golpe.

O golpe de Estado estava consumado. O deputado Pascoal Ranieri Mazzilli, o

primeiro na linha de sucessão, como presidente da Câmara Federal, assumiu o

governo. Não se observou qualquer formalidade legal. [...] o embaixador Lincoln

Gordon recomendou ao Departamento de Estado o reconhecimento do novo

governo, mesmo sabendo-o ilegítimo e inconstitucional, e o presidente Lyndon B.

Johnson telegrafou imediatamente a Mazzili, a felicita-lo pela sua investidura na chefia do governo (BANDEIRA, 2008, p. 89-90).

O governo norte-americano tratou de reconhecer o novo governo brasileiro

rapidamente. O reconhecimento diplomático, segundo Edward Luttwak (1979 apud

BANDEIRA, 2008, p. 90), é um dos elementos essenciais para legitimar e estabelecer a

22 Como a revolta dos marinheiros, entre 25 e 27 de março de 1964, liderada por José Anselmo dos Santos – o “cabo Anselmo”, que na verdade era um estudante universitário – com colaboração da CIA, quando aproveitaram um momento de descontentamento com o Almirantado para fazer uma revolta. Os participantes invadiram a sede do Sindicato dos Metalúrgicos e só saíram com intervenção do Exército no local (BANDEIRA, 2008).

17

autoridade de um novo governo. A partir dessa experiência, a CIA aprimorou e desenvolveu,

através da prática, suas formas clandestinas de desestabilização de governos.

Essa nova perspectiva de intervenção provocou uma mudança política e de atuação da

instituição militar na região. Nessa troca de “poder moderador” para algo mais incisivo, o

Exército tomou as instituições do poder para si por mais de 20 anos. O golpe fora

cuidadosamente articulado, e tivera suas bases e aliados preparados ao longo dos anos, como

a Escola Superior de Guerra, que preparou os futuros líderes após o golpe: “Depois de 1964,

os mais altos postos da administração serão ocupados por ex-alunos da Escola Superior de

Guerra” (COMBLIN, 1980, p. 155).

O Brasil representa eminentemente a ideologia da segurança nacional, já que os protagonistas da ideologia puderam preparar sistematicamente, durante quinze anos,

sua estratégia, e em seguida lhes foi possível pô-la em prática (desde 1964).

Raramente uma geração terá mostrado tanta perseverança e continuidade,

principalmente na América Latina. Os realizadores da “Revolução” foram

espantosamente fiéis às ideias sobre as quais haviam longamente meditado, quando

a perspectiva de poder lhes parecia ainda bastante confusa (COMBLIN, 1980,

p.151).

A partir de então, o Brasil seguiria em uma ditadura militar por mais de 20 anos. Os

golpistas conseguiram derrubar o governo de Goulart. Castello Branco assumiu o poder no dia

15 de abril. O Brasil teve cinco presidentes militares durante esse período: Castello Branco

(1964 - 1967), Costa e Silva (1967 - 1969), Gaspar Médici (1969 - 1974), Geisel (1974 -

1979) e Figueiredo (1979 - 1985). Porém, atentaremos aqui para o governo de Emílio

Garrastazu Médici23, quando de fato o Brasil fomentou golpes de Estado com a ideologia da

DSN para região.

Primeiro, os EUA eram o foco principal dos movimentos de esquerda da região. E

havia a crença de que Washington era uma potência imperial, capaz de manipular

tudo na América Latina, usando seu poder econômico, financeiro e político. O

regime militar que nasceu no Brasil após o golpe de 1964 passou a ser visto pela

esquerda como um fantoche do imperialismo americano. As charges nos jornais

cubanos mostravam um ditador brasileiro com fios de marionete sendo manipulado

pelo Tio Sam. Mas isso era equivocado, pois os generais brasileiros não estavam sob

controle dos EUA, eles iam atrás do que consideravam o interesse nacional do

Brasil, mesmo se isso entrasse em conflito com os americanos. Foi um erro de

interpretação fundado na ortodoxia marxista e nunca houve uma compreensão mais

elaborada sobre as relações entre Brasília e Washington (O ESTADO DE S. PAULO, 2013).

23 Sob seu governo “o Alto Comando do Exército conseguiu assumir o poder supremo e o Serviço Nacional de Informações, e viu-se situado no centro do sistema de poder” (COMBLIN, 1980, p. 161).

18

3.2 Atuação brasileira na Bolívia e no Uruguai

O golpe de 1964 causou uma grande mudança na política externa brasileira. Agora

com um componente ideológico que posicionava o país contra o comunismo internacional.

Essa posição refletia a Doutrina de Segurança Nacional nesse âmbito diplomático

(PINHEIRO, 2004). A ideologia de segurança mostrou seus maiores reflexos durante o

governo do general Médici (1969 - 1974). Segundo Vizentini (1995, p.151 apud GOBO,

2009): “a política externa do governo Médici produz uma enorme desconfiança por parte dos

demais países da América Latina”24.

O Brasil, desde o governo do general Médici passou a atuar no sentido de tornar o

continente latino-americano um reflexo da Doutrina de Segurança Nacional. Não bastava um

país seguir a doutrina, pois havia medo de que o “perigo vermelho” se organizasse além das

fronteiras nacionais, e, a partir de técnicas de guerrilha, pudesse apresentar alguma forma de

resistência. Além disso, segundo Bandeira (2008), fazia sentido ao Brasil que os governos

vizinhos se tornassem consumidores de seus produtos, pois experimentava grande expansão

econômica.

A Bolívia, no início da década de 1970, enfrentava uma grave crise econômica.

Segundo Bandeira (2008), o país sofria de um desabastecimento, tendo a população que

comprar produtos de primeira necessidade e bens de consumo no mercado negro.

Concomitante a isso, camponeses e colonos sem-terra faziam violentas ocupações em

propriedades rurais na parte oriental do país (Santa Cruz de La Sierra, Tarija e Beni),

assustando os empresários agroindustriais do país.

A tensão no país escalou tanto que o então presidente da Bolívia, o general Juan José

Torres25, foi informado que alguns setores do Exército boliviano planejavam assassiná-lo. De

acordo com Bandeira (2008), a partir dessa notícia, o presidente foi ao encontro da VII

Divisão do Exército, que o apoiava, e lá fez um discurso público que entregaria armas para a

população se defender de um possível golpe dos círculos conservadores, que estavam

24 Segundo GOBO (2009), Médici considerava o Brasil como uma potência média emergente, que seria responsável pelas relações de poder a nível regional. 25 Havia assumido o poder no dia 7 de outubro de 1970, em um contragolpe militar, com apoio da Central Obrera Boliviana (COB), devido a ter alianças de esquerda, acabou por produzir um clima de tensão (BANDEIRA, 2008).

19

preocupados com as violentas ocupações dos camponeses, e por outro lado, do crescente grau

de nacionalização das companhias privadas.

Parte da motivação dos grupos de esquerda vinha da recente eleição de Salvador

Allende no Chile. A companhia norte-americana Gulf Oil Company havia tido suas

instalações nacionalizadas e estava disposta a financiar um golpe de Estado na Bolívia. Nessa

situação, “[...] a CIA, com a colaboração dos serviços de inteligência do Brasil, já então

tratava de criar as condições necessárias à promoção do golpe de Estado na Bolívia”

(BANDEIRA, 2008, p. 209).

No dia 11 de janeiro de 1971, houve uma tentativa de sublevação, pelos coronéis Hugo

Banzer e Edmundo Valencia Ibañez, mais alguns grupos de direita e a Falange Socialista

Boliviana (FSB). Eles “[...]” assaltaram o Gran Cuartel de Mira Flores e prenderam o

comandante do Exército, general Luís Reque Terán, o coronel Manuel Cárdenas, chefe da

Inteligência, que lá se encontravam.” (BANDEIRA, 2008, p. 209). Porém, uma mobilização

do general Torres acabou por suprimir o levante, que não teve o apoio esperado de outros

grupos. Os responsáveis pela tentativa de golpe foram entregues à Embaixada do Brasil, como

“asilados políticos”.

O ministro do Interior, Jorge Gallardo Lozada, e a imprensa acusaram o general

Hugo Manhaes Bethlem, ex-embaixador do Brasil em La Paz (1952 - 1954), bem

como o coronel Joffre Sampaio e o tenente-coronel Hernani Ferraz de Almeida,

chefe do posto de Correio Aéreo Nacional (CAN), órgão da Força Aérea Brasileira

(FAB), de envolvimento na tentativa de golpe de Estado (BANDEIRA, 2008, p.

210).

O clima de tensão continuava na Bolívia, causado pelo conflito entre as classes

sociais. O general Torres buscava se equilibrar entre os radicalismos da direita e da esquerda.

No intuito de acalmar os ânimos que ainda refletiam na recente tentativa, frustrada, de golpe,

ele pagou indenizações a Gulf Oil Co., porém a esquerda radical foi contra o pagamento e

acusou o governo de ir contra os interesses nacionais. Além disso, a esquerda exigia a criação

de milícias populares, para radicalizar o governo contra os setores da direita (BANDEIRA,

2008).

Em meio a tentativas de equilíbrio político interno, Torres também precisava resolver

os problemas com o Brasil, que conspirava junto com os setores da direita para tirá-lo do

poder. Segundo Bandeira (2008), ele afirmou, através de emissários enviados a Brasília, que o

projeto da Bolívia era nacional, e não estava inspirado em ideologias alheias, mas na tentativa

de incorporar as grandes massas bolivianas marginalizadas à sociedade.

20

Porém, mesmo com esse intento de dissociar a imagem boliviana a uma forma

socialista de governo, as tentativas de golpe se seguiram. Setores da direita, como o adido

militar na Embaixada boliviana no Brasil, Juan Aroya, pediu ajuda ao Brasil para tirar Torres

do poder, sabendo que o governo atual da Bolívia não convinha ao Brasil. “Com a economia a

crescer a taxas muito elevadas, de mais de 10% ao ano, o Brasil buscava penetrar nos

mercados da América do Sul [...]” (BANDEIRA, 2008, p. 220).

E o general João Batista Figueiredo, chefe da Casa Militar do presidente Emílio

Garrastazu Médici, ofereceu aos conspiradores, através do ex-coronel Juan Ayoroa,

todo o suporte material possível – dinheiro, armas, aviões – e deu autorização para

que fossem instalados campos de treinamento perto de Campo Grande (Mato Grosso) e em outros locais próximos da fronteira. O plano, com a ajuda do Brasil e

dirigido pela CIA, previa a contratação de mercenários e a instrução consistia no

adestramento, pois deveriam estar prontos para combater dentro de dois meses,

provavelmente agosto ou setembro de 1971 (BANDEIRA, 2008, p. 221).

O coronel Hugo Banzer começou então os preparativos para o golpe, em conjunto com

os setores conservadores. “Os empresários intensificaram a sabotagem econômica,

aumentando ainda mais a escassez de gêneros de primeira necessidade, como pão, leite e

açúcar, e o custo de vida, consequentemente” (BANDEIRA, 2008, p. 222). O presidente

Torres sabia da movimentação, e seguia tentando desvincular-se de uma experiência

socialista, mas àquela altura, já não iria alterar o ramo dos acontecimentos.

O golpe começou no dia 18 de agosto de 1971, tendo a presença de um avião militar

brasileiro, que exibia as insígnias do Brasil, trazendo armamentos. A cidade de Santa Cruz de

La Sierra fora tomada pelo coronel Andrés Selich, resultando em 98 mortos e 500 feridos. As

tropas do II Exército chegavam à fronteira do Mato Grasso, preparando-se para uma possível

intervenção na Bolívia (BANDEIRA, 2008).

No dia seguinte, 19 de agosto, as unidades militares, aquarteladas em Santa Cruz de

La Sierra, aderiram ao levante. Os regimentos de Riberalta, Camiri, Bermejo e

Tarija também. Os Rangers de Guariba, que dominavam totalmente a cidade de Santa Curz de La Sierra, invadiram a universidade e fuzilaram todos os estudantes

que lá resistiam (BANDEIRA, 2008, p. 222-223).

No dia 21, o governo de Torres estava terminado. Os grupos conservadores haviam

saído vitoriosos, e o coronel Hugo Banzer, promovido a general, assumiu o poder. Segundo

Bandeira (2008), o Brasil estava satisfeito com os resultados, tendo agora um governo

alinhado aos seus interesses. Logo Médici, sob recomendação de seu chanceler, Mario

Gutiérrez, escreveu ao presidente norte-americano, pedindo que ajudasse o novo governo da

21

Bolívia, para ter legitimidade internacional. A Bolívia tornou-se ali um território de

conspiração e repasse de armamento aos militares chilenos que conspiravam contra Allende.

No Uruguai, em 1971, também houve a possibilidade de uma golpe de Estado. O

Movimineto de Liberación Nacional-Tupamaros(MLN-T) do Uruguai, que era a ala radical da

esquerda no país, estava realizando, segundo Bandeira (2008), uma série de atentados, roubos

a bancos e sequestros a figuras políticas importantes - como o diplomata brasileiro Aloysio

Dias Gomide, o embaixador da Grã-Bretanha, Geoffrey Jackson, entre outros -, em meio a

uma grave crise política.

O presidente do Uruguai nesse período era Jorge Pacheco Areco, e o país estava em

vésperas de eleições. No contexto regional, o Brasil mostrava-se preocupado que a frente de

esquerda do país fronteiriço, a Frente Ampla (FA), chegasse ao poder na eleição: “O maior

temor, tanto em Brasília como em Buenos Aires e Washington, era, no entanto, de que

ocorresse no Uruguai algo como no Chile, onde a Unidade Popular Triunfara, elegendo

Salvador Allende presidente da República.” (BANDEIRA, 2008, p. 232).

A FA estava com chances de vitória, e o governo estava se mostrando incapaz de lidar

com os ataques dos Tupamaros. Esses dois fatos concomitantes acabaram por levar o

presidente Jorge Pacheco Areco a pedir intervenção militar no país, caso as eleições fossem

ganhas pela esquerda: “O que ele [o presidente] queria era o apoio do Brasil para um golpe de

Estado que o mantivesse no poder, ou para uma intervenção militar, caso não contasse com

força para desfechá-lo” (BANDEIRA, 2008, p. 237).

As Forças Armadas do Brasil estavam dispostas em realizar uma intervenção militar

no Uruguai caso a Frente Ampla ganhasse as eleições. Porém, não o fariam para manter o

presidente Pacheco no poder, pois ele não estava conseguindo manter a estabilidade no país.

Enquanto isso, a Argentina também foi requisitada para tal apoio, pela alta cúpula do Uruguai,

mas pretendia agir de forma diferente do Brasil, que seria com apoio material e financeiro, ao

invés da intervenção direta.

De qualquer forma, o governo do general Emílio Garrastazu Médici não queria que

se instalasse em um país vizinho do Brasil um governo de esquerda, como

acontecera no Chile. Estava decidido a intervir no Uruguai, isoladamente ou junto com a Argentina. E o general Breno Borges Fortes, comandante do III Exército,

concentrou, na fronteira, as tropas preparadas para executar a Operação 30 Horas, o

tempo necessário para ocupar todo país e Montevidéu (BANDEIRA, 2008, p. 241).

Enquanto as eleições não chegavam, o Brasil, em parceria com os Estados Unidos,

começaram a atuar com apoio logístico e financeiro para decidir o futuro político do Uruguai.

22

Porém, mesmo antes das eleições os setores de apoio ao possível golpe se articulavam como

depois seria na ditadura, propriamente dita. Os preparativos estavam sendo feitos para lidar

com qualquer um dos possíveis resultados das eleições.

Os serviços de inteligência do Brasil, tanto das Forças Armadas quanto o SNI,

colaboravam realmente com a CIA na campanha de spoiling actions para

inviabilizar a Frente Ampla e possibilitar a instauração de uma ditadura, a fim de

reprimir duramente a agitação sindical e estudantil, que recrescia no Uruguai

(BANDEIRA, 2008, p. 244).

No caso uruguaio, o Brasil executou um papel importante na luta contra a Frente

Ampla. Mesmo a presença do país, assim como foi solicitada à Argentina, ter sido requisitada

pelo próprio presidente do Uruguai, e por setores preocupados com o avanço comunista, o

país, mostrou-se disposto a agir e realizar uma intervenção internacional militar a fim de não

permitir a ascensão de mais um governo de esquerda na região, como houve no Chile.

[...] o governo do general Garrastazu Médici estava a concentrar tropas na região da

fronteira para exibir seu poderio militar e difundir no eleitorado uruguaio o temor de

que uma vitória da Frente Ampla provocasse uma invasão do país pelo Brasil. Efetivamente, confirmou o coronel Dickson M. Grael, após a realização dos

reconhecimentos imprescindíveis, as unidades do Exército estavam em suas

posições de partida para deslocamento em direção à fronteira, aguardando os

resultados das eleições no Uruguai, para executar o plano de invasão, caso recebesse

ordem superior (BANDEIRA, 2008, p. 256).

As eleições foram então realizadas, no caso com as cidades fronteiriças, vendo o

Exército do país vizinho, no caso o Brasil, esperando o resultado para decidir se haveria ou

não uma invasão em seu território. Quem acabou por vencer foi o Partido Colorado, com Juan

Maria Bordaberry. “Com esse resultado, configurada a derrota da Frente Ampla, a Operação

30 Horas foi desmontada” (BANDEIRA, 2008, p. 247).

Tanto na Bolívia, com a queda do general Torres, quanto no Uruguai, em uma situação

de quase invasão, a política brasileira estava refletindo a Doutrina de Segurança Nacional na

região. Em 1971, Médici visitou os Estados Unidos para falar sobre a situação na América

Latina. Nixon declarou nesta situação que: “we know that as Brazil goes, so will go the rest of

that Latin American continent”26.

3.3 O Chile antes de Allende

26 “Nós sabemos que, aonde o Brasil for, assim seguirá o resto do continente Latino-Americano” (BLACK, 1977,

p. 55 apud BANDEIRA, 2008, p. 247. Tradução nossa).

23

Historicamente, o Chile já foi considerado um dos países com maior estabilidade

política na América Latina. Apesar de não ter tido exatamente uma continuidade de sucessão

política ideal, vide o golpe em 1973 – houve um rompimento com a democracia, derrubando o

governo de Salvador Allende, que levava um projeto de socialismo democrático para o país -,

em comparação com a América Latina, é um país que se destaca nesse âmbito.

[...] o Chile escolheu por meio das eleições a todos os seus presidentes entre 1830 e

1970, com exceção de 1891, e do período que vai de 1924 a 1931. Desenvolveu-se

no país um congresso antes dos países europeus, salvo Inglaterra e Noruega. A

participação eleitoral no país, na metade do século XIX, era equivalente à existente na mesma época na Holanda, à que a Inglaterra havia conseguido apenas vinte anos

antes e à que a Itália só teria vinte anos depois. O Chile implantou o voto secreto em

1874, antes que isso fosse feito na Bélgica, na Dinamarca, na Noruega e na França

(SADER, 1991, p.11).

Além da participação política e da relativa continuidade dos processos políticos, o

Chile também se diferenciava por ter partidos políticos bem delimitados. Essa característica

fortalece a instituição política em termos de representatividade, pois essa divisão de partidos,

divididos ideologicamente, torna as demandas dos grupos mais claras e organizadas.

Uma superestrutura política semelhante à europeia, com partidos definidos

ideologicamente – partidos Conservador, Radical, Democrata-Cristão, Socialista,

Comunista alternando-se no governo distribuídos em direita, centro e esquerda, cada

um deles mantendo em geral, cerca de um terço dos votos, com uma cidadania

afiliada politicamente e essas agremiações – fazia do país uma cabeça institucional

muito desenvolvida e cristalizado para um corpo social similar aos dos outros países do continente(SADER, 1991, p.12).

Porém, Comblin (1980) tem uma visão mais pessimista quanto à democracia atribuída

ao Chile, antes de 1973. O autor diz que os militares chilenos, apesar de certo

“constitucionalismo”, assim como ocorre na América Latina em geral, intervieram diversas

vezes nos processos políticos. Houve intervenção do exército pelo menos uma vez por década

no Chile. Além disso, a tradição política no país sempre confiou um papel importante às

Forças Armadas27.

Nas eleições de 1964, Salvador Allende, que perdera a eleição anterior, de 1958, por

2,7% dos votos, concorrera novamente. De acordo com Bandeira(2008), ele tentaria se eleger

pela Frente de Ação Popular (FRAP), que era a coligação de partidos de esquerda – Partido

27 Segundo o autor, as vitórias militares contra os espanhóis, na Independência, e depois contra os peruanos e bolivianos na Guerra do Pacífico, ambas no século XIX, alimentavam um sentimento de valor à instituição no país.

24

Socialista (PS) e o Partido Comunista do Chile (PC) -, com propostas de reforma agrária,

distribuição de renda e nacionalização das indústrias ligadas ao cobre, principalmente as

americanas Anaconda e Kennetcott, responsáveis por 75% do total das exportações do país.

A proposta da FRAP era a via pacífica para o socialismo, através das instituições.

Primeiro chegariam ao poder executivo no Chile, para depois usar os poderes que o regime

presidencialista poderia oferecer e iniciar o processo de mudanças estruturais, políticas e

sociais no país. Porém, mesmo sem aderir ao modelo cubano de luta armada, para os Estados

Unidos, o perigo do socialismo na região era igualmente latente para os seus interesses28,

fossem para segurança para região ou questões econômicas.Além disso, havia um importante

grupo de extrema-esquerda, o Movimiento de Izquierda Revolucionaria29 (MIR), que trazia

preocupação dos setores mais conservadores.

Não preocupava Washington apenas a possibilidade de que o Chile viesse a tornar-

se uma porta para que os militares comunistas se infiltrassem e solapassem os

governos da região. Os interesses econômicos dos Estados Unidos sempre

desempenharam importante papel na formulação de sua política exterior e, no Chile,

eram amplos e profundos (BANDEIRA, 2008, p. 99).

Kennedy, nos preparativos das eleições de 1964, acabou por determinar que a CIA e

outras agências respaldassem a campanha de Eduardo Frei Montalva30, do Partido Democrata-

Cristão (PDC ou DC). Frei era um político moderado, que não tomava posições radicais e

defendia manter laços estreitos com os Estados Unidos, disposto a aceitar suas regras.

Também anunciava a intenção de realizar reformas sociais sob o lema de “revolução em

liberdade” (BANDEIRA, 2008).

Nesse perfil moderado de Eduardo Frei, ele propunha que as decisões deveriam ser

tomadas por consenso. No entendimento dele, as demandas dos chilenos procedia, mas quem

possuía os recursos financeiros necessários para o crescimento econômico do país eram os

EUA.A intenção era dialogar com as duas partes, porém mantendo alinhamento com os norte-

americanos, tentando criar um ambiente que não fosse desfavorável para a potência

28 “O Chile respondia por 80% da produção mundial de cobre, a cargo, na maior parte, das firmas americanas Braden Cooper Co., Anaconda e Kennecott [...]” (BANDEIRA, 2008, p. 99). 29 Criado nos anos 1960, sob impacto da Revolução Cubana, ou via cubana, no intento de implantar o socialismo pela luta armada (SADER, 1991). 30O apoio norte-americano na campanha de Eduardo Frei, somando os investimentos da CIA, empresas privadas e organizações católicas chegou a US$ 20 milhões (BANDEIRA, 2008).

25

hegemônica, nem para os chilenos. Nesse sentido, ele se mostrava alinhado à “Aliança para o

Progresso”31.

Seu propósito era promover a “chilenización” da indústria de cobre, por meio da

aquisição pelo governo de 51% das ações da Kennetcott e a participação minoritária

em duas outras grandes corporações. Frei estava mais interessado em expandir a

produção de cobre, para acelerar o crescimento econômico do país e aumentar a

receita, do que uma reforma profunda na própria indústria. Do seu programa constava a distribuição de terras para 100 mil famílias, mediante compensação em

bônus para os antigos proprietários, o que, no caso, não afetava os Estados Unidos,

que tinham poucos investimentos na agricultura do Chile (BANDEIRA, 2008, p.

105. Grifo nosso).

Eduardo Frei acabou por ganhar as eleições contra a FRAP, e mais uma vez Allende

viu sua chance de governar ser adiada. A vitória o deu um percentual de 56,1% do total dos

votos. O Chile se tornara um exemplo para a Aliança para o Progresso: “Entre 1962 e 1970, o

país, com apenas 11 milhões de habitantes, recebeu mais de US$ 1,2 bilhão em subvenções e

empréstimos [...]” (BANDEIRA, 2008, p. 109). O país, durantes parte da década de 1960 foi

o país que mais recebeu ajuda per capita dos Estados Unidos nas campanhas contra o avanço

na esquerda.

O governo de Frei proporcionou ao Partido DC um caráter policlassista, unindo desde

setores marginalizados da sociedade até o empresariado industrial. Porém, essa tentativa de

aliar as expectativas de dois grupos opostos, segundo Sader (1991), não demoraria para

mostrar seu reflexos. Aceitando as condições norte-americanas de reformas liberais da

“Aliança para o Progresso”, acabou tornando o país mais dependente economicamente, e

assim, não conseguiu inserir as massas empobrecidas na sociedade.

Frei deu início a seu programa de “chilenización”32 da indústria do cobre, comprando

51% dos estoques da Kennecott e 25% da Anaconda. Em acordo com essas empresas norte-

americanas, elas seguiriam, segundo Bandeira (2008), no controle total das operações

internas, das exportações, da contabilidade e das políticas de preço. Na política agrária,

Eduardo Frei procurou revitalizar o setor, que apresentava crescimento baixíssimo, mas

continha um terço da população chilena.

Frei deu continuidade à reforma agrária, iniciada no tempo de Alessandri. Sua

intenção, segundo manifestou, era mudar a estrutura da sociedade rural do Chile,

31 Segundo O Globo, a Aliança para o Progresso foi idealizada por John F. Kennedy, lançada no dia 13 de março de 1961, quando o presidente americano, num discurso em Washington, reconheceu a necessidade de integração e crescimento autossustentado para todo o continente. A aliança esboçou uma cartilha de boas intenções em apoio à América Latina, sob a rica proteção dos Estados Unidos, interessados em conter o comunismo. 32Chilenização, Tradução nossa.

26

baseada no grande latifúndio e na hierarquia social, na qual predominavam os

grandes proprietários, e dar acesso à propriedade da terra àqueles que nela

trabalhavam, a fim de aumentar a produção agropecuária e a produtividade do solo

(BANDEIRA, 2008, p. 111).

A criação de sindicatos rurais foi permitida, fazendo-se aumentar de 201 sindicatos em

1966, para 510 em 1970 (BANDEIRA, 2008, p. 172). Porém, o plano de redistribuição de

terras de Frei não cumpriu sua proposta de absorver 100 mil famílias. O resultado foi um

grande aumento de sindicatos em meio a uma não resposta de demanda por parte do governo:

“Nos anos de 1968 e 1969 o movimento camponês radicalizou-se [...] alguns reclamos dos

trabalhadores rurais, não atendidos evoluíram para greves gerais e ocupações de terras, com

exigência de desapropriação” (BANDEIRA, 2008, p. 112).

Essa crescente mobilização da população rural acabou por gerar descontentamento nos

setores conservadores chilenos. Segundo a direita, a tentativa de fazer pequenas reformas

acabou por abrir caminho para atos contra a propriedade, que ameaçava tornar o ambiente

propício para um avanço comunista. Não conseguindo lidar com esse hiato, Frei acabou por ir

abandonando, aos poucos, suas reformas para não perder o apoio dos conservadores.

[...] o tímido reformismo democrata-cristão ficou no meio do caminho, vacilando,

recuando diante das dificuldades das reformas que tratava de realizar, favorecendo o

esclarecimento e aguçamento de contradições seculares com dificuldade de se

expressar (SADER, 1991, p. 47).

Em 1970, o Chile passou por novas eleições, e voltou a se polarizar politicamente

entre direita e esquerda. Salvador Allende vinha novamente como candidato, agora pela

União Popular (UP), que agora somava dois grupos saídos da DC, junto ao Partido Socialista

e o Partido Comunista. Pela direita, o candidato era novamente Alessandri, e da DC o

candidato foi Radomiro Tomic, com a proposta de seguir as reformas, de certa forma,

abandonadas por Frei.

Desta vez, finalmente Salvador Allende chega ao poder, com a União Popular (UP). A

vitória teve uma margem de 30 mil votos de diferença com o segundo colocado, Alessandri.

Porém, a estrutura do sistema político chileno era feita para que as eleições presidenciais não

coincidissem com as parlamentares. Isso era feito propositalmente para moderar o poder do

executivo. Se o candidato eleito não alcançasse a maioria dos votos, mais de 50%, sua eleição

deveria passar pela aprovação do Congresso.

[...] antes mesmo de tomar posse, Allende teve de enfrentar grandes dificuldades –

legais e ilegais -, que prenunciavam os obstáculos que o sistema do poder reinante

impunha à aceitação de um governo como o dele, apesar de eleito conforme os

27

critérios estabelecidos pela Constituição vigente. Ao não dispor de maioria absoluta,

o congresso tinha que se pronunciar entre os dois primeiros colocados (SADER,

1991, p. 51).

A oposição, através do Congresso, viu aí a chance de não legitimar o governo de

Allende e escolher o candidato da direita, Alessandri. Porém, essa tentativa de não aprovar a

eleição de Allende se deparou com outro acontecimento, o general René Schneider,

comandante-em-chefe do Exército, assumidamente legalista, foi assassinado em uma

conspiração da extrema-direita33. Esse caso acabou por fazer com que Allende fosse indicado

ao cargo, porque seria muito óbvia a participação, nesse assassinato, dos políticos que se

pronunciassem contra a posse de Allende.

3.4 O Governo de Allende e o golpe de 1973

O governo de Allende, além das pressões internas, enfrentaria grande oposição do

governo norte-americano e da vizinhança, principalmente por parte do Brasil. A instalação de

um governo marxista na região representava uma ameaça para os interesses políticos e

econômicos norte-americanos e brasileiros. Aquele no governo do conservador Richard

Nixon, e seu Conselheiro de Segurança Nacional Henry Kissinger; e este com o governo do

general Médici, com seu chanceler Mario Gibson Barbosa, possuíam posições claras sobre o

governo da UP.

[...] não importava que Allende e a UP defendessem a via pacífica, constitucional,

chamada de “via chilena”, para a implantação do socialismo no país. Sua vitória

impulsionaria as tendências de esquerda na América Latina e afetaria profundamente

o equilíbrio estratégico mundial, naquela conjuntura de guerra fria, na medida em

que fortaleceria a posição da União Soviética no hemisfério ocidental, inclusive

porque Allende se dispunha a reorientar o fluxo das relações econômicas do Chile

para os países do Leste europeu, em detrimento dos interesses dos Estados Unidos (BANDEIRA, 2008, p. 127).

Do mesmo modo, o Brasil adotaria uma posição contrária ao governo de Allende. O

embaixador Antônio Cândido da Câmara Canto, que chefiou a representação brasileira em

Santiago entre 1968 e 1975, segundo Bandeira (2008), recomendou que o Brasil não deixasse

transparecer alguma predisposição por motivo ideológico, e como a Argentina tinha tomado

33 A intenção era criar um sentimento de caos e descontrole das Forças Armadas, para surgir uma oportunidade de intervenção, porém foi malogrado (BANDEIRA, 2008).

28

uma posição de apoio34 ao governo da UP, sendo um país fronteiriço, o Brasil deveria ao

menos manter uma atitude discreta, a fim de não causar constrangimentos.

A resposta do chanceler Mário Gibson Barbosa, identificado perfeitamente com a

ditadura militar exacerbada na presidência do general Emílio Garrastazu Médici

(1969 - 1974), foi absolutamente negativa: “[...] quero levar ao seu conhecimento

exclusivo que se torna impossível deixarmos de ter prevenção ideológica em relação

a um governo que se anuncia marxista e o será sem sombra de dúvida”35 (BANDEIRA, 2008, p. 167).

Salvador Allende começou seu governo no dia 4 de novembro de 1970, em meio a

uma situação de crise e caos no país. O Chile sofria uma grave dependência externa, tendo

uma dívida externa de US$ 4 bilhões36, maior parte contraída com os EUA. Dentre as

propostas da UP estava, segundo Sader (1991): criar uma nova ordem institucional, o Estado

Popular; construir uma nova economia, baseada em uma área de propriedade social e na

reforma agrária; realizar um grande avanço no plano social; promover a cultura e a educação;

conseguir a plena autonomia internacional37. O primeiro ano de governo aparentava dar bons

resultados econômicos e políticos para a UP:

O primeiro ano de governo de Allende foi marcado por um programa de reativação

da economia, baseado na utilização da capacidade ociosa, induzida pelo incremento

da demanda produzida pelo aumento dos salários. Colocou-se em prática um

processo de redistribuição de renda, que resultou num aumento de 61,7% da

participação dos salários no produto interno – um recorde para o país -, enquanto o

capital baixava de 50% para 37,2% sua participação. A inflação foi mantida sob

controle no primeiro ano. Avançou-se a nacionalização de empresas constantes da

lista de monopólios, assim como na nacionalização da grande indústria mineradora do cobre. Os bancos foram estatizados e avançou-se no processo de reforma agrária,

abandonado pelo governo de Frei (SADER, 1991, p. 55-56).

Porém, apesar de aparente boa saúde econômica no primeiro ano de governo, no final

do ano os sinais de crise começaram a aparecer. A burguesia chilena, apesar de aparente

aceitação das medidas de Allende, havia parado de investir no país, instruídos pela CIA em

uma spoiling action (BANDEIRA, 2008), por retaliação pela nacionalização de indústrias. No

início do segundo ano, a capacidade ociosa de economia já estava totalmente reabsorvida,

estagnando o aparente crescimento da economia.

34 Segundo Bandeira (2008), a Argentina, no governo do general Alejandro Lanusse, decidiu aproximar-se ao governo de Allende para frear a pretensão do Brasil na América do Sul. 35 Telegrama 230, secreto-urgentíssimo, expedido em 6/11/1970. a) Exteriores. DBP/600. (32) Situação política do Chile. Discurso do chanceler Mário Gibson Barbosa. Telegramas – Recebidos/Expedidos. Brasemb La Paz e Santiago. Secretos, 1970 apud BANDEIRA, 2008, p. 167. 36 Bandeira, 2008, p. 188. 37 Allende reatou relações diplomáticas com a União Soviética e Cuba como uma das primeiras medidas de seu governo (SADER, 1991).

29

Uma das saídas da burguesia chilena foi transferir seu capital para o Brasil. Segundo

Bandeira (2008, p. 286), “Logo após a eleição presidencial de 1970 [...] vários empresários

chilenos transferiram capitais para o Brasil e investiram na indústria de São Paulo”. Já nesse

momento os laços entre os empresariados começaram a se estreitar. Como exemplo, o

empresário chileno Luís Fuenzalida associou-se ao Grupo Gilbert Huber38, que transmitiram

sua experiência de como os civis deveriam atuar em conjunto com os militares para

desestabilizar o governo39.

Nesse período de estagnação, segundo Sader (1991), a produção de bens de consumo,

no intento de fugir dos congelamentos de preço no mercado formal, começou a ser destinada

ao mercado negro. Isso contribuiu para o desabastecimento no mercado chileno, que estava se

tornando crescente, principalmente de bens de consumo popular – ainda produzidos pela

iniciativa privada. As classes médias, antes contentes com aumento do seu poder aquisitivo,

começaram a afastar-se do governo, a medida que o desabastecimento ia aumentando.

O segundo ano foi marcado por esses impasses, que foram brecando sua capacidade de ação. Tais freios eram resultado da ação cada vez mais coordenada da direita, em

todos os seus escalões – o Partido Nacional, o grupo de extrema-direita Pátria y

Libertad (fundado logo depois do triunfo de Allende), a Democracia Cristã, as

FFAA, o Judiciário, as organizações empresariais, a grande imprensa, o governo

norte-americano, o governo militar brasileiro (SADER, 1991, p. 58).

No Brasil havia acontecido a Marcha da Família com Deus pela Propriedade. Os

chilenos, a partir do contato com empresariado brasileiro e financiamento da CIA

(BANDEIRA, 2008), fizeram mobilizações equivalentes, chamadas Marcha de las Cacerolas

Vacias e a Marcha por La Libertad40. Assim, os grupos radicais, em conjunto com a CIA e os

empresários brasileiros, aproveitaram-se do descontentamento das classes médias e altas com

as frequentes crises de desabastecimento - feitas por parte do empresariado industrial – para

fomentar o processo de derrocada do governo de Allende.

Outra mobilização feita a partir do exemplo brasileiro - por alguns empresários,

profissionais liberais, proprietários de terras e militares chilenos -, foi inspirada pelo IPES

(BANDEIRA, 2008). Foi criado um Centro de Estudios de La Opinión Pública, juntamente

38 Gilbert Huber Jr., em conjunto com o engenheiro Glycon de Paiva, organizaram o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), do qual participaram os generais Golbery do Couto e Silva e Heitor Herrera (BANDEIRA, 2008). 39Porém, segundo Bandeira (2008), os militares e empresários brasileiros não haviam sido os criadores da “fórmula para o caos”, a receita vinha da CIA. O que eles ofereciam era apoio financeiro e bélico e um modelo de como articular o ambiente interno, com táticas já testadas no Brasil. 40Marcha das panelas vazias e Marcha pela liberdade (BANDEIRA, 2008. Tradução nossa).

30

com um Grupo de Acción de Informaciónes, que tratavam de atrair o apoio de militares para a

causa anti-Allende. Também havia o Centro de Estudios Socio-Económicos (CESEC), que

tratava de cooptar as classes médias, disseminando pensamento neoliberal, com os quais se

identificava, por exemplo, Pedro Ibañez Ojeda:

[...] empresário e senador do Partido Nacional e sócio do grupo Adolfo Ibañez Cía,

coube também angariar recursos para a campanha contra Allende, dadas as suas

vinculações com o empresariado de São Paulo, de onde sua empresa importava

maquinaria agrícola e equipamentos industriais. Dentro das caixas, que saíam do

porto de Santos, eram contrabandeados os armamentos (metralhadoras e fuzis, entre

outros petrechos bélicos) para o Pátria y Libertad, no Chile (BANDEIRA, 2008, p.

289. Grifo nosso).

Mesmo com apoio bélico41, financeiro, logístico e político, segundo Bandeira (2008), a

conexão brasileira, apesar de frequentemente relatada, não foi fundamental na campanha

contra Allende, em comparação com o papel desempenhado pelos Estados Unidos. Porém,

segundo reportagem do Estado de S. Paulo, o que os golpistas do Chile almejavam não se

encontrava no modelo americano:

Os golpistas chilenos não queriam criar uma democracia nos moldes dos EUA, mas

uma ditadura militar como a instaurada no Brasil em 1964. Eles queriam recriar esse

Brasil no Chile para frear a "ameaça comunista" e "restabelecer a ordem". E foi isso

o que fizeram (O ESTADO DE S. PAULO, 2013).

Paralelo ao governo de Allende, o MIR e uma ala radical do PS, liderada por Carlos

Altamirano, faziam pressão para o governo subverter a estrutura de poder através do apoio das

massas. Eles não acreditavam na “via chilena”, mas sim em um processo revolucionário,

porém, segundo Bandeira (2008), o projeto do MIR nada tinha de realista. Defendiam uma

posição meramente ideológica, derivada de uma ideologia viciada, que não considerava as

condições objetivas e subjetivas da sociedade chilena. Além disso, o autor também considera

o intento de Salvador Allende incoerente para aquela realidade.

Havia um tanto de utopia no projeto de Allende e também do PCCh. Como promover uma revolução proletária, dentro das fronteiras nacionais do Chile,

cercado por países capitalistas, a maioria dos quais sob ditaduras militares, com o

suporte do capital financeiro internacional? (BANDEIRA, 2008, p. 100).

41Houve outra ocasião, onde o Brasil apoiou com material bélico. Em determinado ponto do conflito contra Allende, alguns membros da Patria y Libertad mais alguns membros de um reduto nazista, fundado em 1961, criaram uma Frente de Operações, a fim de ter uma força paramilitar para atuar contra Allende. Eles receberam do Brasil apoio econômico e armamentos, como granadas de mão e metralhadoras (BANDEIRA, 2008, p. 363).

31

Até 1973, segundo Sader (1991), os setores conservadores seguiram fazendo seus atos

de desestabilização do governo de Allende. Os empresários continuaram com o

desabastecimento, recusando-se até a distribuir a cesta básica que o governo fornecia aos

trabalhadores. Era uma preparação de terreno para um golpe de Estado. Os grupos de direita

recorreram a setores, como dos caminhoneiros, dos choferes e dos comerciantes, pequenos

proprietários em geral, seguidos de profissões tradicionalmente ligadas ao DC, como

profissões liberais, médicos, engenheiros, para realizar as spoiling operations.

Em 1973, segundo Sader (1991) a oposição a Allende se reunificou em nome de um

golpe militar. Na DC, a ala de extrema-direita tomou controle da direção do partido, com

Patricio Alwyn, favorável a derrubada do governo pelo meio militar. No mesmo ano, o

Congresso aprovou a “lei de controle das armas”, que permitia às Forças Armadas uma

intervenção caso fosse certificado que civis estavam se armando, como era defendido pelo

MIR, em resposta aos atentados da direita. Amparados por essa lei, as Forças Armadas já

começavam algumas ações militares no sul do país.

Allende teve uma última tentativa de manter a legalidade no país. Faria um plebiscito

a fim de dividir a oposição, pois caso a população escolhesse por não aceitar mais sua

liderança, o comando passaria a DC, na figura de Eduardo Frei. Porém, ele cometeu o erro de

consultar o general Pinochet sobre o plebiscito que seria feita no dia 11 de setembro de 1973.

Isso fez com que o golpe fosse adiantado para essa mesma data.

Com a completa desorganização da economia, agravada pela escassez de alimentos e

outros gêneros de primeira necessidade, como papel higiênico, paralisados os

transportes, estabelecido assim o caos no Chile, o golpe de Estado foi tecnicamente

desfechado pelas Forças Armadas, que se sublevaram, conjuntamente, como

instituição, para evitar a guerra civil (BANDEIRA, 2008, p. 549).

No dia 11 de setembro, de 1973, então, em menos de oito horas, as Forças Armadas,

representadas pela Junta Militar42, lograram derrocar o governo de Allende. O palácio de La

Moneda, cercado pelas forças golpistas, foi bombardeado pela Força Aérea do Chile, sendo

em parte destruído. Ali findava o modelo da UP, assim como a vida do presidente Allende,

42Segundo Bandeira (2008), constituída por Augusto Pinochet (Exército), Gustavo Leigh (FACH), César Mendoza (Carabineiros) e Almirante José Toribio Merino (Armadas).

32

que cometera suicídio43 dentro do palácio, antes de ser encontrado pelas forças militares que

haviam logrado destituí-lo do poder.

Segundo Bandeira (2008), sob pedidos do general Pinochet, um dia depois da

derrocada de Allende, o Brasil foi convidado oficialmente para ser o primeiro país a

reconhecer o novo governo no Chile. A resposta do chanceler Mário Gibson Barbosa foi

positiva, e junto com o embaixador Câmara Canto, trataram de algumas mínimas

formalidades, para realizar o reconhecimento no dia 12 de setembro de 1973. Esse

reconhecimento imediato ilustrava o quão próximos estavam o governo brasileiro e os

militares chilenos que planejavam aquele momento desde 1970.

4 Considerações finais

Devemos analisar a estrutura social histórica da América Latina para compreender os

golpes militares nas décadas de 1960-1970, no contexto de Guerra Fria. A disputa de classes,

refletidas, ora em disputas eleitorais, ora em disputas armadas, é fruto de uma estratificação

social secular, que somada as relações de poder no Sistema Internacional, polarizou agentes

internos, inclinando-os a estabelecer alianças formais e/ou ideológicas com os centros de

poder.

A aliança dos Estados Unidos com o Brasil, refletindo na incorporação da Doutrina de

Segurança Nacional, em 1964, foi um importante marco na América Latina. A partir de então

o Brasil, principalmente durante o governo Médici (1969-1974), trabalhou para tornar a

região propensa aos seus interesses nacionais. Além disso, o país havia sido um laboratório

das spoiling operations e covert actions, partes da “fórmula para o caos”, formuladas pela

CIA, e esse experiência seria repassada aos países vizinhos.

Graças ao apoio aos setores conservadores no Uruguai e na Bolívia, o Brasil havia

ajudado a formar uma América Latina aliada aos seus interesses e aos dos norte-americanos,

ou seja, da DSN, com a ascensão das classes conservadoras totalmente avessas à esquerda. A

influência que o Brasil teve em cada um desses golpes era resultado de seu poder militar

43 “Salvador Allende era uma alma forte e generosa. E, como um homem ético, tornou-se um herói trágico. Havia renunciado a si mesmo para expressar o geral, e imolou-se, como um cavaleiro da fé, ao ver a “via chilena” para o socialismo em ruínas, destroçada pelas Forças Armadas” (BANDEIRA, 2008, p. 543).

33

acentuado para a região, além de representar a intransigente ideologia de segurança, bem

aceita pelos setores conservadores vizinhos.

Quando houve o golpe no Chile em 1973, este país já estava cercado de ditaduras em

sua vizinhança. O papel do Brasil na culminação do golpe no Chile, então, pode ser

caracterizado pela contribuição do país em diminuir as condições objetivas externas chilenas

para consolidação de um governo de esquerda na região, pelo fomento de outras ditaduras,

como no Uruguai e na Bolívia. Além disso, prestou alguns auxílios pontuais entre agentes

internos dos países e apresentou-se como modelo da DSN na região. Esses elementos

contribuíram para derrubada do governo socialista de Allende.

5 Referências

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Fórmula para o caos: Ascensão e queda de Salvador

Allende (1970 – 1973). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

CASTAÑEDA, Jorge. Utopia Desarmada. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

COMBLIN, Joseph. A ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América

Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

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