a efetividade processual e sua celeridade sob o …
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
GUILHERME STRENGER
A EFETIVIDADE PROCESSUAL E SUA CELERIDADE SOB O ENFOQUE DOS
ATOS PROCESSUAIS NO PROCESSO ELETRÔNICO
São Paulo
2014
GUILHERME STRENGER
A EFETIVIDADE PROCESSUAL E SUA CELERIDADE SOB O ENFOQUE DOS
ATOS PROCESSUAIS NO PROCESSO ELETRÔNICO
Tese de Doutorado apresentada ao curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo como requisito para obtenção de título de Doutor em Direito Processual Civil.
Orientadora: Professora. Doutora Arlete Inês Aurelli
São Paulo
2014
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA
GUILHERME STRENGER
A EFETIVIDADE PROCESSUAL E SUA CELERIDADE SOB O ENFOQUE DO
PROCESSO CIVIL CONTEMPORÂNEO
Tese de Doutorado apresentada ao curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo como requisito para obtenção de título de Doutor em Direito Processual Civil.
Aprovação em: _____de____________de 2014
Banca Examinadora:
________________________________________________
Titulação, nome e instituição
________________________________________________
Titulação, nome e instituição
________________________________________________
Titulação, nome e instituição
Aos que continuam acreditando na participação
democrática como forma de atingir a Justiça.
AGRADECIMENTOS
Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje
mentem novamente. Mentem de corpo e alma,
completamente. E mentem de maneira tão
pungente que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente. Não mentem
tristes. Alegremente mentem. Mentem tão
nacional/mente que acham que mentindo história
afora vão enganar a morte eterna/mente [...]
(Affonso Romano de Sant'Anna, A implosão da
mentira, 1667).
RESUMO
Este estudo tem como finalidade a análise do princípio da razoável duração do
processo frente ao que se objetiva denominar efetividade no processo civil
contemporâneo. A análise de princípios constitucionais dará suporte para melhor
compreensão do cientificismo processual moderno pautado pela obediência à
Constituição. Desta forma, a reflexão gira em torno do que representa um processo
célere e efetivo de modo a privilegiar a razoável duração sem que se ofenda a
segurança jurídica. Neste sentido, analisa-se, ainda e especialmente, o processo
eletrônico e seus atos processuais. Com isso, pretende-se discutir até que ponto a
introdução do processo eletrônico em nosso sistema e a prática de atos processuais
de maneira eletrônica pode efetivar a aplicação do princípio constitucional da
razoável duração do processo. Nessa toada tem-se a apresentação de críticas e
visões sobre essa nova realidade para se concluir que um processo mais célere não
necessariamente representa um processo conduzido de maneira eletrônica.
Palavras-chave: Razoável duração do processo. Processo célere e efetivo.
Processo civil contemporâneo. Princípios constitucionais. Processo Eletrônico. Atos
Processuais.
ABSTRACT
This study aims to analyze the principle of reasonable duration of the proceedings
towards the so-called effectiveness in contemporary civil procedure. In this sense,
the analysis of constitutional principles will support a better understanding of the
modern scientism procedure, guided by the obedience to Constitution. Thus,
reflections turn over on what represents an expeditious and effective process, so
focusing on the reasonable length without sacrificing legal certainty. Also, it is
included in the study the Electronic process of law and its sue activities. Thereat, the
goal is to evaluate in what ways or points the Electronic process of law and electronic
activities in process of law may contribute for the principle of reasonable duration of
the proceedings in sue activities. Moreover, it is presented some observations about
this up-to-date phenomenon; and finally it is concluded that an expeditious and
effective process does not necessarily means that the process of law shall be
electronically managed.
Keywords: Reasonable duration of the proceedings. Expeditious and effective
process. Contemporary civil procedure. Constitutional Principles. Electronic process
of Law. Sue activities.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11
1.1 ASPECTOS GERAIS .................................................................................... 14
1.2 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL ....................................................................................................... 20
1.3 REPERCUSSÃO DA MOROSIDADE NA ENTREGA DA JURISDIÇÃO NOS
PLANOS CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL ..................................... 20
1.3.1 A Lentidão da Justiça como violação dos Direitos Humanos ................ 22
1.3.2 Jurisdição atrasada: uma barreira de acesso à Justiça .......................... 24
2 OS PROCESSOS ETERNOS NA ÓTICA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL .
...................................................................................................................... 33
3 NOVOS RUMOS PARA A HUMANIZAÇÃO DO PROCESSO E PARA A
ENTREGA RÁPIDA E EFETIVA DA JURISDIÇÃO ................................................. 36
4 A REFORMA DO JUDICIÁRIO .................................................................... 42
5 A GARANTIA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO -
ANTERIORIDADE .................................................................................................... 47
5.1 JURISPRUDÊNCIA SOBRE A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO ... 52
5.1.1 Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ................................................. 52
5.1.2 Tribunal Constitucional da Espanha ......................................................... 53
5.1.3 Supremo Tribunal Federal (brasileiro) ...................................................... 55
5.1.4 Superior Tribunal de Justiça (brasileiro) .................................................. 57
5.1.5 Legge Pinto (89/2001) – Solução ou Paliativo? ........................................ 61
6 A EFETIVIDADE PROCESSUAL E SUA CELERIDADE SOB O ENFOQUE
DOS ATOS PROCESSUAIS NO PROCESSO ELETRÔNICO ................................. 65
6.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ........................................................................ 65
6.2 A NOVEL REALIDADE DOS ATOS JURÍDICO-PROCESSUAIS NO
PROCESSO JURISDICIONAL BRASILEIRO ........................................................... 71
6.3 ATOS PROCESSUAIS E ATOS PROCESSUAIS ELETRÔNICOS:
DISTINÇÕES NECESSÁRIAS .................................................................................. 75
6.3.1 Requisitos para a prática dos atos processuais eletrônicos no processo
brasileiro .................................................................................................................. 77
6.3.2 Como se processam os atos processuais eletrônicos? ......................... 79
6.3.3 Os prazos processuais eletrônicos .......................................................... 83
6.3.4 As vantagens e desvantagens da implantação do processo eletrônico
no Brasil ................................................................................................................... 87
6.3.5 A publicidade dos atos processuais eletrônicos: notas sobre o art. 11,
§6º, da Lei nº 11.419/2006 ....................................................................................... 93
6.3.6 Defeitos do processo eletrônico e riscos inerentes ................................ 97
6.4 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES IMPLANTADAS PELO PROCESSO
ELETRÔNICO ......................................................................................................... 100
6.5 O PROCESSO ELETRÔNICO E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS ... 106
6.5.1 O processo eletrônico e a duração razoável do processo ................... 110
6.6 EFETIVIDADE DO PROCESSO ELETRÔNICO – A CELERIDADE E O
ACESSO À JUSTIÇA: PRINCÍPIOS EM OPOSIÇÃO? ........................................... 116
6.7 RESULTADOS ALCANÇADOS .................................................................. 122
6.8 PRINCIPAIS PROBLEMAS ENFRENTADOS ATUALMENTE ................... 125
6.9 O NOVO CPC E A CELERIDADE NO PROCESSO ELETRÔNICO .......... 137
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 141
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 146
11
1 INTRODUÇÃO
Estamos na era da tecnologia da informação, quase tudo que se faz hoje em
dia é digital: as fotos, as comunicações pessoais e entre as empresas (grandes e
pequenas), relacionamentos, amizades, enfim, tudo diretamente ligado à tecnologia
digital.
O papel vem sendo paulatinamente substituído, primeiramente, por disquete,
CD, pen drive, armazenamento digital, sendo tudo isso uma ótima solução para a
escassez natural dos recursos e otimização de pessoal pelas empresas.
Mas não é o que acontece em nossos tribunais. Eles ainda continuam
amontoados de processos, com sérios problemas inclusive de espaço para arquivos.
Sem falar na forma arcaica e manual que ainda trabalham, com numeração de
documentos, carimbos para certidões, tudo que demanda muito tempo e pessoal
para a realização dessas tarefas rotineiras e burocráticas.
O Judiciário vem se mostrando deficiente na solução dos conflitos, muitas
vezes não cumprindo com o seu dever da boa e célere prestação jurisdicional,
mostrando assim a urgência em se adaptar à nova fase social, a chamada ‘era
digital’. O que se constata é o ‘quase’ emperramento da máquina judiciária, grande
demanda de processos, número insuficiente de juízes e serventuários, poucos e
defasados maquinários, fatores mais que suficientes a comprometer a prestação
jurisdicional, principalmente no que diz respeito à razoável duração do processo e a
efetividade da justiça. Com o objetivo de solucionar essa série de problemas que
inviabilizam a boa prestação jurisdicional chegando até a comprometer o exercício à
cidadania, foi criada a Lei nº 11.419, em 19.12.2006.
Muito se critica o processo eletrônico, questionando-se a validade dos atos
processuais e principalmente a segurança jurídica dos documentos e atos
eletronicamente processados. Por isso, um capítulo desse trabalho é dedicado a
uma singela explicação do complexo mundo informático, no que diz respeito à
obtenção de segurança nas informações e documentos trocados eletronicamente.
Será apresentada a criptografia assimétrica como técnica que proporciona
segurança na utilização da informática nos processos judiciais.
Também não poderia deixar de apresentar a infraestrutura de chaves públicas
criada pela Medida Provisória (MP) nº 2.200-2, a Infraestrutura de Chaves Públicas
12
Brasileira (ICPBrasil). A metodologia utilizada neste trabalho será baseada no
método científico-descritivo. Através de análises e estudos das legislações aplicáveis
ao tema, particularmente, a Lei nº 11.419/2006, que trata especificamente sobre a
informatização do processo judicial, bem como doutrina e jurisprudências que
porventura tiverem, por se tratar de um assunto ainda novo.
A conflituosidade no ambiente social tem aumentado em níveis consideráveis
e, indissociadamente, o número de processos tem crescido constantemente em
nosso país. A Constituição Federal atribuiu ao Poder Judiciário o papel de dirimir
controvérsias e consagrou, ao mesmo tempo, o princípio do acesso à Justiça a
todos. Mas não só isso, juntamente com o acesso à Justiça, garante a todos o direito
a uma tutela jurisdicional adequada e em tempo razoável.
Somando-se à mencionada Emenda, uma série de alterações legislativas veio a
ocorrer. Mas a grande novidade foi o advento da Lei 11.419, de 19 de dezembro de
2006, que diz respeito à implantação do processo judicial eletrônico e que, com
amparo no desenvolvimento da Tecnologia da Informação, mostra-se uma
ferramenta inegavelmente importante na busca por melhor efetividade do sistema
Judiciário brasileiro. O fio condutor do presente trabalho monográfico colocar-nos-á
diante desta novel realidade do processo judicial e abordará este interessante tema.
A principal vantagem atribuída à informatização do Judiciário é a aceleração
dos processos e decisões dos juízes, porém será que a todos se garantirá o efetivo
acesso à Justiça e, será que, desta maneira, ter-se-á uma Justiça mais eficaz?
Assim, coloca-se em consideração a seguinte discussão: o processo
eletrônico que procura promover a celeridade processual, em algum momento,
poderá prejudicar o efetivo acesso à Justiça ou sua efetividade?
Partindo desse questionamento, avançou-se para a pesquisa empreendida no
presente trabalho monográfico, por meio do método hipotético-dedutivo, posto que
se encontra presente um questionamento que traz, intrinsecamente, uma inarredável
controvérsia, carecedora de ser desenvolvida e, diante do estudo dos aspectos
contraditórios, poder conjecturar-se sobre possíveis soluções à indagação
apresentada. Ainda, como método de procedimento, é utilizado o método
bibliográfico, vez que se busca auxílio na pesquisa doutrinária disponibilizada nas
publicações a respeito, tais como livros, artigos e periódicos, bem como, em
especial, no terceiro capítulo, informações divulgadas na internet, em endereços
13
eletrônicos oficiais e detentores de credibilidade e confiabilidade, demonstrando,
assim, a importância do uso de tal ferramenta, mormente pelo fato desta obra tratar
acerca do processo eletrônico, que se desenvolve amparado também no uso da
internet.
Para encadear o raciocínio lógico, o presente trabalho está dividido em três
partes: na primeira, fez-se necessário, inicialmente, trazer uma retrospectiva acerca
da evolução do processo ao longo da História, em diversas civilizações. Na
sequência, mostra-se a situação a que está submetido o Judiciário pátrio, malgrado
pelo problema da morosidade na entrega da prestação jurisdicional, bem como trata-
se acerca das circunstâncias de tal morosidade e, diante de tal panorama de crise,
lança-se, ao final da primeira parte, uma luz acalentando melhores dias para o
Judiciário, mediante o advento da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que
instituiu e disciplinou a criação do processo judicial eletrônico. A novidade, então
proposta, almeja tornar o processo mais célere, como dispõe o artigo 5º, inciso
LXXVIII da Constituição Federal de 1988, que assegura a todos, no âmbito judicial e
administrativo, razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação e, nesse contexto, projeta o Judiciário a uma nova era,
caracterizada pela informatização e pelo uso da tecnologia da informação.
Na segunda parte, apresenta-se uma análise acerca dos principais princípios
processuais pertinentes ao processo eletrônico, com ênfase ao princípio
constitucional do acesso à Justiça e acerca do princípio da celeridade processual, a
fim de se traçar um panorama amplo do direito fundamental dos cidadãos em obter
uma efetiva prestação jurisdicional, delineando-se uma espécie de paralelo entre os
referidos princípios. Discorre-se, também, ainda que de maneira breve, sobre outros
princípios processuais constitucionais relacionados com o processo judicial
eletrônico.
Por último, com o propósito de especificar o estudo, expõem-se o ponto
nevrálgico da presente obra, que reside na confrontação entre os princípios da
celeridade processual e do acesso à Justiça diante do surgimento do processo
judicial em meios eletrônicos. Nesse contexto, reforça-se a percepção de que o
processo eletrônico já é uma realidade em nossos dias e faz-se a averiguação
quanto à observância dos diversos princípios constitucionais atinentes ao processo e
ao direito processual pátrio. Na continuação, disserta-se com relação à utilização da
14
tecnologia da informação como instrumento para a efetividade da justiça. Nesse
aspecto, aborda-se acerca do quanto o uso das modernas tecnologias tem se
revelado importante para a melhor atuação do Judiciário. Foram elencadas
importantes ferramentas postas à disposição dos magistrados e que dão impulso de
modernidade ao Judiciário brasileiro, objetivando reduzir a morosidade. Destacou-
se, além disso, a necessidade de os operadores do Direito adaptarem-se a essa
nova era do processo judicial.
Ao final da terceira parte, discorre-se acerca do embate entre celeridade
processual e acesso à Justiça e os reflexos inerentes a essa questão, analisando-se
eventual oposição entre esses dois princípios constitucionais. Ainda, tece-se
arrazoado concernente à efetividade do processo como instrumento da tutela de
direitos, em cumprimento ao comando constitucional. Concluindo o capítulo,
atendendo-se às diretrizes do presente trabalho, quanto ao processo eletrônico,
resulta uma compreensão ampla no tocante aos princípios da celeridade processual
e do acesso à Justiça, norteadores de uma nova sistemática processual, tendo a
tecnologia da informação como otimizadora de contínua melhoria e modernização do
Poder Judiciário.
1.1 ASPECTOS GERAIS
O fator tempo é um elemento essencial ao processo. E assim se caracteriza
porque, para a coordenação desse complexo conjunto de atos processuais dirigidos
à busca da prestação jurisdicional, é necessária a observação de uma série de
prazos e solenidades formais que dependem de certo tempo para a sua conclusão,
como reflexo da cláusula constitucional do due process of law1 e das garantias da
bilateral idade da audiência e da exação dos meios e oportunidades de defesa.2 De
outro modo, isso significa que o fator tempo é um mal necessário para o desenrolar
válido do processo judicial porque visa assegurar àquele em face de quem se pede
uma providência jurisdicional a efetivação do direito ao devido processo legal e às
1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 358. 2 Conforme também o inciso LV, do artigo 5.°, da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo Judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
15
demais garantias a ele inerentes.
Essa ilação, todavia, deve ser interpretada de forma a compatibilizar o
inviolável exercício do direito de defesa com as expectativas razoáveis de
efetividade processual e de utilidade da jurisdição, uma vez que o processo não
pode ser um fim em si mesmo, antes, deve se constituir num instrumento para a
realização do ideal maior de acesso à Justiça e para a justa composição dos litígios.
Natalie Fricero acrescenta que o processo civil não deve ser conhecido
exclusivamente como uma técnica de organização processual: todas as regras estão
a serviço de um ideal democrático, a saber, a consagração do direito efetivo de
acesso ao Judiciário.3
A respeito da importância da reflexão sobre os resultados do processo,
Cândido Rangel Dinamarco4 também observa:
É sempre pertinente a ressalva de que não se busca a efetividade dos preceitos jurídicos em homenagem pura e simples ao direito objetivo, mas para a felicidade das pessoas. Mas, pressupondo-se que o direito objetivo seja sempre portador de preceitos capazes de criar situações justas, cumprir o direito é fazer justiça. Ressalve-se também que a essência das normas jurídicas não está confinada nas palavras da lei: ela só será encontrada mediante a correta interpretação dos textos com a consciência do valor do justo e das opções éticas da sociedade. Com essas ressalvas, impor o cumprimento dos preceitos jurídicos é oferecer justiça na pacificação das pessoas e eliminação dos conflitos.
Segue-se que a autonomia do processo, outrora tão apregoada e defendida,
deve ser repensada de maneira a harmonizarem-se as regras instrumentais de
atuação da vontade da lei - em que estão inseridas as noções de devido processo
legal, de contraditório e da ampla defesa - com a ideia de tempestividade e
efetividade na entrega da jurisdição, para não se fazer o que a sabedoria popular
conhece como “despir um santo para cobrir outro”. Entre esses dois extremos
dialéticos é que o processo deve caminhar sob pena de se engessar o plano de
realização de nosso ordenamento jurídico com a precedência das formas
sacramentais ou com o alastramento de um espírito absenteísta, gélido e apartado
da gritante realidade social que, dia após dia, esmurra as portas do Poder Judiciário.
3 FRICERO, Natalie. Procédure Civile. 2. ed. Paris: Gualino Éditeur, 2002. p. 11 (nossa livre tradução). 4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 34. v. II.
16
A vontade da lei tende a realizar-se no domínio dos fatos até as extremas
consequências prática e juridicamente possíveis. Por conseguinte, o processo deve
dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e
exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir.5
Não é por menos que a palpitante questão da demora na entrega da
jurisdição vem despertando cada vez mais o interesse das ordens jurídicas do
mundo ocidental, com a proliferação de textos normativos e de aprofundados
estudos especialmente dedicados à diagnose e à consecução de medidas práticas
destinadas a garantir o direito à razoável duração dos processos judiciais.
De fato, o direito à prestação jurisdicional justa e oferecida dentro de um
período de tempo razoável se infere, à primeira vista, do artigo 10 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, o qual prevê que todo homem tem direito, em plena
igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e
imparcial, para decidir-se de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer
acusação criminosa contra ele.
Do mesmo modo, o Pacto de São José da Costa Rica – ao qual o Estado
brasileiro aderiu por meio do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992 –
estabeleceu o seguinte:
Art. 8º. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Apesar de os problemas afetos à lentidão dos processos judiciais também se
constituírem em uma constante nos vários países europeus6, a análise que se
dispensa ao tema no velho continente é bem diversa da resignada parcimônia com
que, no Brasil, é enfrentada. Realmente, a Convenção Europeia para Proteção dos
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, de 1950, estatui:
5 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Trad. de Paolo Capitanio. Roma: Bookseller, 1998. v. I. p. 67. 6 Decisão da Corte Européia de Direitos Humanos, de 17 de janeiro de 2002, ver: CADIET, Loïc. Code de Procédure Civil. 16. ed. Paris: Litec, 2003, p. 1379.
17
Artigo 6a - Direito a um processo equitativo §1a. Qualquer pessoa tem direito a que sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, em um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.
Diferentemente do caráter programático que se poderia atribuir a esse
dispositivo normativo, aliás, tendência bastante comum entre nós, os preceitos da
Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades
Fundamentais pertinentes ao desenvolvimento equitativo dos processos judiciais têm
força obrigatória e aplicabilidade plena, porquanto, antes de se constituírem em um
mero rol de diretrizes a orientar os trabalhos judiciários, consubstanciam-se em
autênticos direitos público subjetivos, cujo adimplemento é exigível dos Estados-
membros.
Assim é que a apreciação da razoabilidade da duração dos processos
judiciais, sob a perspectiva da Convenção Europeia para Proteção dos Direitos
Humanos e Liberdades Fundamentais, é feita à luz das circunstâncias objetivas e
das particularidades do caso concreto, levando-se em conta a complexidade da
causa e o comportamento das partes e das autoridades competentes para o
julgamento, entre outros aspectos.7 Da mesma sorte, a ideia de efetividade do
processo impõe a conclusão de que o acesso à Justiça e a noção de razoável
duração de um processo judicial não se limitam ao simples reconhecimento de um
direito, mas à efetiva e rápida concretização material da pretensão do jurisdicionado.
Neste sentido, a Corte Europeia de Direitos Humanos já se pronunciou:
Esse direito de acesso a um tribunal será ilusório se a ordem jurídica interna de um Estado participante da convenção permitir que uma decisão judicial definitiva e obrigatória fique inoperante em detrimento de uma parte. Em consequência, a execução de um julgamento ou de uma decisão, de qualquer jurisdição que seja, deve ser considerada como parte integrante do ‘processo’ na acepção do artigo 6º.8
É relevante lembrar também que o §1º, do artigo 52 da Constituição de
Portugal, atribui a todo cidadão o direito de petição e de acesso a órgãos de
soberania ou a quaisquer autoridades, assegurando, ainda, “o direito de serem
7 Decisão da Corte Européia de Direitos Humanos, de 19 de março de 1997. 8 Apud GUINCHARD, Serge. Nouveau Code de Procédure Civile. 92. ed. Paris: Dalloz, 2000, p. 625 (nossa livre tradução).
18
informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação".
Ademais, em harmonia com a regra constitucional, o Código de Processo Civil
lusitano preleciona:
Art. 2 - [...] A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.
O direito interno francês igualmente contempla a questão do tempo na
entrega da jurisdição com norma expressa no artigo L. 781-1 do Código de
Organização Judiciária, segundo a qual, “o Estado deve reparar o dano causado
pelo funcionamento defeituoso dos serviços da Justiça,” embora ressalve que essa
responsabilidade só terá lugar nos casos de falta grave (erro grosseiro) ou de
negação de justiça (não prestação ou negativa de jurisdição).
A despeito do aparente caráter restritivo desse dispositivo legal, que teria
justificativa no interesse geral e na preservação da serenidade necessária à
segurança jurídica e à paz social9, a casuística francesa tem largueado o campo de
aplicação da responsabilidade estatal pelo funcionamento defeituoso dos serviços
jurisdicionais para os casos de duração excessiva dos processos judiciais e para
“toda a falta do Estado no seu dever de proteção jurisdicional do indivíduo”10,
inclinação que é observada na Jurisprudência parisiense, que já decidiu:
O atraso anormal na marcação de audiência, imposto desde o início do processo por um ato da administração judiciária insuscetível de recursos e que revela um funcionamento defeituoso do serviço público da justiça, constitui uma negativa de justiça em que o jurisdicionado é privado da proteção jurisdicional que cabia ao Estado assegurar.11
Como se vê, a ideia central do Código de Organização Judiciária da França,
na cauda das garantias individuais predispostas na Convenção Europeia para
Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, gira em torno da
concretização do direito fundamental à razoável duração de um processo judicial,
9 BOLETIM Informativo da Corte de Cassação n.° 532, de 30.03.2001, Note de Mme COLLOMP. Disponível em: <http//www.courdecassation.fr./moteur/532/ note2532.htm>. Acesso em: 23 jul. 2004. 10 FAVOREAU, L. 1964 apud CADIET, Loïc. Op cit., p. 1.050. 11 Decisão do Tribunal de Grande Instância de Paris, datada de 6 de julho de 1994, (ibid., p. 1.050- 1.051) (nossa livre tradução).
19
cuja violação - embora não tenha o condão de determinar a anulação ou o reexame
da decisão censurada12 - caracteriza prestação defeituosa dos serviços da Justiça e
impõe ao Estado o dever de reparar os danos causados ao jurisdicionado.
De mais a mais, a lentidão na prestação do ofício jurisdicional, além de
repercutir no plano individual dos cidadãos, que se veem tolhidos na realização
material de uma pretensão reclamada em juízo, ainda exalta severas consequências
no âmbito do desenvolvimento da participação democrática e na preservação da
estabilidade da ordem pública. Tal fato sucede porque, no mundo atual, de
globalização das economias e de proliferação dos meios de acesso à informação, o
Estado tem de deixar de ser aquele mastodonte pesado de que fala Roberto J.
Pugliese, professor da Faculdade de Direito de Joinvile13, para assumir de uma vez
por todas a condição de garantidor de direitos e de promotor do bem comum, como
manda a Carta Política de 1988.14
Daí que o momento atual - de revolução dos valores jurídicos tradicionais e de
redefinição cultural - não passou despercebido pelas plagas do Direito e, assim,
capitaneado pelo movimento de acesso à Justiça, rompeu o respeitoso silêncio que
repelia qualquer debate a respeito da qualidade e da eficiência do Poder Judiciários,
dos juízes, dos seus órgãos auxiliares e das suas normas de organização e de
atuação, entre as quais as normas processuais.15
Por isso, esse movimento de revisão crítica do aparelhamento e da atuação
prática do ofício jurisdicional exige, além da construção de reformas legais e do
desenvolvimento de ações positivas, uma profunda mudança de raciocínio sobre a
importância e sobre os objetivos institucionais do Poder Judiciário.
Os fundamentos que justificam e tornam imprescindível essa mudança de
eixos na função jurisdicional estatal, na esteira dos valores albergados na
Constituição Federal de 1988, e a almejada eficácia de algumas reformas
recentemente introduzidas em nosso direito processual civil serão colocados em
revista nas linhas que seguem.
12 Decisão da Corte Européia de Direitos Humanos, de 21 de junho de 2001,ver: BOLETIM Informativo da Corte de Cassação n.° 532. Op cit. 13 PUGLIESE, Roberto J. A Morosidade da Justiça. Disponível em: <http://www.1 .jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=241>. Acesso em: 09 ago. 2004. 14 BRASIL, Constituição Federal (1988), Art. 3º, inciso IV. 15 GRECO, Leonardo. Op cit., p. 3.
20
1.2 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
A consagração da razoável duração do processo como direito fundamental
demonstra a necessidade que a atividade jurisdicional atenda à realidade
sociojurídica a que se destina, atuando como instrumento à efetiva realização de
direitos.
Desde as Declarações Formais dos Direitos dos Homens, a incorporação dos
Direitos Fundamentais aos textos constitucionais em quase todo o mundo, gerou o
desafio da proteção dos direitos e liberdades fundamentais do homem nas
sociedades modernas.
Atualmente, qualquer texto constitucional contemporâneo que se preze e em
qualquer comunidade que tenha como valor máximo a vida humana deve ter
consagrado em seu bojo, de modo inquestionável, a defesa dos Direitos Humanos.
Concebido originariamente como meio de proteção contra os abusos praticados pelo
Estado, cabia igualmente a este a regulamentação e concretização das garantias e
prerrogativas dos indivíduos, carecendo, igualmente, de ações concretas por parte
do Poder Público para sua eficácia e promoção.
1.3 REPERCUSSÃO DA MOROSIDADE NA ENTREGA DA JURISDIÇÃO NOS
PLANOS CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL
A concretização da ideia de razoabilidade na duração dos processos judiciais
e de entrega tempestiva da jurisdição exige a redefinição dos valores que inspiram o
direito processual, impondo, ainda, mais do que reformas legislativas pontuais ou
exaustivas, a participação ativa do Poder Judiciário à conscientização do caráter
instrumental do processo e da influência que lhe é exercida pelos princípios de
ordem constitucional.
Essa conclusão é extremamente importante porque, para além dos códigos e
das leis, deve-se evitar, tanto quanto possível, o risco das grandes reformas que se
quedam estéreis ou vazias, menos pela eficiência da visão reformista e dos
resultados pretendidos do que pelo cacoete judicial de aplicar a lei nova com a ótica
de interpretação antiga, dessa maneira, incorrendo no erro "de dar com uma mão
para, logo em seguida, tirar com a outra". Inteiramente pertinente é a ponderação de
21
Eduardo Novoa Monreal, que refere:
Os juízes, principalmente, e, também, alguns altos funcionários dominam uma arte especial que lhes permite trocar as palavras e renovar os pronunciamentos, sem que, com eles, cheguem a introduzir variações fundantes em suas conclusões. Uma lei nova pode ser esquivada, por eles, tranquilamente, porque a estrutura jurídica básica lhes oferece material abundante para apoiar as teses tradicionais.16
Nos tempos atuais, portanto, importa a mudança de mentalidade dos
julgadores, que não podem mais ser nem querer ser vistos como “distribuidores da
justiça”, expressão que remonta às noções de caridade e benevolência, o que é
incompatível com o Estado Democrático de Direito: “Justiça não se distribui, pratica-
se ou deixa-se de praticar”.17,18
A caridade repele o Direito. A caridade, como lembra Franceschini, poderá
cooperar com este Direito, e será sua cooperação grandemente benéfica, produtora
da paz e do bem. Entretanto a caridade não basta para cumprir a tarefa de satisfazer
tal necessidade, sendo para tanto, insuficiente e importante.19
Com efeito, o juiz deve deixar-se permear pela nova ordem de valores
alinhados na Carta Política vigente a fim de que a efetividade do processo e a
jurisdição tempestiva - tanto quanto outras questões de igual relevo, mas com as
quais não nos ocuparemos nesta oportunidade20 - não sejam uma vã promessa
constitucional, especialmente porque o processo civil, dado o seu caráter
instrumental, deve ser visto como um direito sancionador de outros direitos ditos
16MONREAL, Eduardo Novoa. O Direito Como Obstáculo à Transformação Social. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 182. 17 COLARES, Marcos. Justiça que tarda é falha. Disponível em: <http://www.usp.br/ revistausp/n21/sadek.html>. Acesso em: 09 ago. 2004. 18
SLAIBI FILHO, Nagib. Reforma da Justiça. São Paulo: Impetus, 2005, p. 221, em que o autor enfatiza: “Daí o empedernido ranço cultural de se vislumbrar nos Poderes Públicos a fonte das benesses e privilégios de dominação; em contrapartida, vem a postura de se tratar o cidadão com desprezo ou enfado, como se fosse ele um trambolho a impedir o livre desenvolvimento da soberana ação governamental". 19 Franceschini, Luiz Fernando. Direito Internacional Privado. Impetus, 2005, p121. 20 Entre elas, lembramos a tutela, dia a dia mais repressiva, do direito à assistência jurídica gratuita, que vem sendo interpretada por alguns tribunais, inclusive o do estado do Rio de Janeiro, como um simples favor ou como ato de caridade oficial. O curioso é que, embora os quadros estatísticos apontem para o agigantamento dos números da pobreza no país, os processos ficam cada vez mais caros e financeiramente inacessíveis, situação que se agrava ainda mais com o excessivo rigor e com as grandes barreiras que os juízes têm imposto para o exercício do direito à justiça gratuita e para o acesso à Justiça.
22
substanciais.21
1.3.1 A Lentidão da Justiça como violação dos Direitos Humanos
Já tivemos a oportunidade de revelar que a razoabilidade do tempo de
duração de um processo judicial é garantia individual e direito fundamental
encartado no artigo 8º do Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil anuiu
através da ratificação constante do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. E,
muito mais do que um documento normativo das Nações Unidas, o Pacto de São
José da Costa Rica constitui um dos baluartes da tutela dos direitos humanos nas
Américas e, particularmente, no Brasil, cuja eficácia e aplicabilidade são garantidas
pelos §§1º e 2º da Constituição Federal.22
Daí que as políticas de afirmação e defesa dos direitos humanos têm uma
relação vital com a regra estampada no inciso III, do artigo 1º, da Carta Federal, que
erigiu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República brasileira.
Certo, por efeito, asseverar que a entrega retardada da jurisdição, ao lado de uma
anormalidade processual, substancia-se em atentado ao Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, por submeter o cidadão jurisdicionado a indevido, desproporcional
e, não raro, angustiante adiamento da solução definitiva do litígio.
Com efeito, a característica fundamental do direito à duração razoável de um
processo judicial na ordem democrática é compreender que os serviços públicos,
ainda que executados por meio de delegação a pessoas privadas, estão a serviço do
indivíduo, e não o contrário23, sobrepondo-se, assim, a dignidade como fim maior a
ser realizado pela ordem jurídica. Valem ser lembradas, nesta oportunidade, as
palavras de Francisco Fernandes de Araújo:
A morosidade processual viola, sem sombra de dúvida, direito fundamental da pessoa, que consiste na tutela jurisdicional sem dilações indevidas. Conflita, por isso mesmo, com o modelo democrático de magistratura. Quanto mais se adia a solução de um conflito, mais a Justiça se distancia
21 FRICERO, Natalie. Procédure Civile. 2. ed. Paris: Gualino Éditeur, 2002, p. 17. 22 BRASIL, Constituição Federal (1988), "Art. 5º, §1° e §2º: §1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tôm aplicação imediata. §2.° Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". 23 SLAIBI FILHO, Nagib. Op. cit., p. 220-221.
23
do modelo ideal. Uma questão de credibilidade.24
Logo, o fim a ser perseguido, o objetivo a ser alcançado, é solução do litígio
dentro de um prazo razoável, pois só haverá efetividade da jurisdição quando a sua
entrega for tempestiva e proveitosa para o titular do direito material debatido na
demanda, dado que “quando é reivindicado um bem da vida, o tempo do processo
sempre prejudica o autor que tem razão, beneficiando na mesma proporção o réu
que não a tem”.25 É, por isso, que o Professor Leonardo Greco adverte que “o
Judiciário deve ser o Poder do cidadão, o Poder de quem não tem poder, a não ser o
poder do Direito”.26 Dentro desse contexto é que se afirma o caráter fundamental do
direito à razoável duração do processo, o qual - como corolário do Princípio da
Dignidade Humana - não tolera relativizações, atenuações ou regras de exceção a
bem de quaisquer outros princípios.
Raciocínio diverso destruiria o caráter instrumental do processo e transformá-
lo-ia num fim em si mesmo, ao mesmo tempo em que reduziria a importância do
direito material debatido na demanda, cuja solução, a final de contas, é que constitui
o escopo da jurisdição reclamada do Estado. Daí a célebre e conhecida ilação do
memorável Rui Barbosa, enfatizando que “a justiça atrasada não é justiça, senão
injustiça, qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador
contraria o direito escrito das partes, as lesando no patrimônio, na hora e na
liberdade”.
Uma vez que o Estado assumiu o monopólio da jurisdição vedando a
autotutela, uma prestação jurisdicional vilipendia frontalmente o princípio da proteção
judiciária, o que nos permite tranquilamente afirmar que a efetividade do processo
constitui um direito fundamental, corolário do próprio Estado de Direito, e este vem
realçado logo no artigo 1º da Constituição, sinal de sua relevância maior.
Por certo, nem sempre o ajuizamento de uma ação e a sujeição às
intempéries de um processo judicial representam uma escolha, antes,
consubstanciam contingências as quais se submete o cidadão para a conquista de
um bem jurídico que não pôde obter através dos meios extrajudiciais de composição
24 FERNANDES ARAÚJO, Francisco. Responsabilidade Objetiva do Estado pela Morosidade da Justiça. Campinas: Copola, 1999, p. 38. 25 MARINONI, Luiz Guilherme; CRUZ ARENHART, Sérgio. Manual do Processo de Conhecimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 74. 26GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 251.
24
dos litígios. É natural, assim, que preexista, no espírito dos litigantes, certa angústia
e inconformismo, cujo único lenitivo eficaz é a resignação que sobrevém da entrega
da jurisdição, ainda que, ao final, o direito pleiteado seja negado a quem o postulou.
O que importa para o ânimo dos demandantes é debelar a ansiedade do litígio com
o advento de uma decisão definitiva sobre a causa, pelo que, tanto quanto possível,
o processo deve perdurar por tempo não além do necessário a fim de que o ofício
jurisdicional seja prestado de modo tempestivo e, portanto, eficaz.
Só assim se poderá falar em humanização e participação democrática das
partes no processo, cuja lentidão não pode mais servir de opção para detentores do
poder27 com intuito de se transformar, em definitivo, num instrumento a serviço dos
cidadãos e garantidor do exercício efetivo de direitos.
1.3.2 Jurisdição atrasada: uma barreira de acesso à Justiça
Já é chegada a hora em que o acesso à Justiça não pode mais ser visto como
simples garantia de ingresso em juízo ou como o direito de deflagração de uma
demanda, como sugeriu o debochado brocardo britânico, o qual apregoa que “a
Justiça é como o Hotel Ritz, está aberta para todos". A respeito da ideia de acesso à
Justiça na atualidade, já anotamos, em outra oportunidade:
É, pensamos, a contextualização na ordem social da noção de justiça, qualificada por uma acepção dinâmica, ativa, e permeável às assimetrias naturais que brotam dos flancos da sociedade como decorrência de sua própria diversidade social, cultural e econômica. É, também, a aspiração do acesso efetivo à justiça, isto é, a completa igualdade de armas mencionada por Cappelletti e Garth, como um valor supremo do ordenamento jurídico.28
Consequentemente, a noção de acesso à Justiça deve ser construída a partir
da ideia de efetividade do processo através da implementação plena da parconditio -
a tal “igualdade de armas”, tão enfaticamente defendida por Cappelletti e Garth.29 E
essa efetiva paridade entre as partes do processo só é tocável por intermédio do
27 ALMEIDA MONTINGELLI ZANFERDINI, Flávia de. Prazo Razoável - Direito à Prestação Jurisdicional sem Dilações Indevidas. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 22, p. 25-27, mar./abr. 2003. 28 NUNES DE OLIVEIRA, Rogério. Assistência Jurídica Gratuita. Rio de Janeiro: Lume Juris, 1999, p. 13. 29 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Milão: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 15.
25
controle jurisdicional efetivo acerca dos obstáculos e cercados que estorvam o
acesso pleno e verdadeiro ao Poder Judiciário, entre os quais, por certo, encontra-se
a entrega intempestiva e retardada da jurisdição.
Pensar-se o contrário seria retroagir em um processo histórico inexorável,
cuja inspiração e desiderato mais intensos centram-se no asseguramento da
cidadania e da dignidade da pessoa humana enquanto fundamentos da República
Federativa do Brasil30, da construção de uma sociedade livre, justa e solidária e da
promoção do bem de todos, sem distinções de origem, raça, sexo, cor, idade e
outras formas discriminatórias, que se constituem em objetivos republicanos
fundamentais31, e na solene promessa da inafastabilidade do controle jurisdicional
estampada no inciso XXXV, do artigo 5º, da Lei Fundamental.
Assim é que o processo deve garantir ao jurisdicionado não só o simples
acesso ao Poder Judiciário em si - acepção estática e formalista - mas a real
concretização material do direito subjetivo ou da faculdade jurídica perseguida em
juízo. Em outras palavras, o processo deve atribuir ao cidadão, de modo tempestivo,
eficaz e completo, exatamente aquilo o que o seu direito lhe permite fruir, porquanto,
diria o notável Chiovenda, “a necessidade de servir-se do processo para obter razão
não deve ser reverter em dano para quem não pode ter o seu direito satisfeito senão
mediante o processo".32
Marinoni e Arenhart ressaltam que “por direito de acesso à Justiça entende-se
o direito à preordenação de procedimentos realmente capazes de prestar a tutela
adequada, tempestiva e efetiva”.33 De igual modo, tem-se a lição de Alexandre
Câmara34:
A garantia de acesso à ordem jurídica justa, assim, deve ser entendida como a garantia de que todos os titulares de posições jurídicas de vantagem possam ver prestada a tutela jurisdicional, devendo esta ser prestada de modo eficaz, a fim de se garantir que a já referida tutela seja capaz de efetivamente proteger as posições de vantagem mencionadas.35
30 BRASIL, Constituição Federal (1988), Art. 1º, incisos II e III. 31 Id., Art. 3º, incisos I e IV. 32 CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 199. 33 MARINONI, Luiz Guilherme; CRUZ ARENHART, Sérgio. Op. cit., p. 72. 34 FREITAS CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil.10. ed. Rio de Janeiro: Lume Juris, 2004. v. 1, p. 34. 35 Ibid., p. 34.
26
Realmente, sob a ótica do Estado de Direito, o acesso à Justiça é
contemplado como um instrumento dinâmico a serviço dos cidadãos para a
realização material dos direitos tutelados pelo ordenamento jurídico. E é por isso
que, no plano de eficácia do Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional,
está subentendida a ideia de razoabilidade da duração do processo para a entrega
da jurisdição no tempo devido.
A propósito, comungando nesse espírito e à conta dessa ordem de ideias, é
que se concretizou a reformulação do plano de realização do acesso à Justiça em
Portugal, que, sob a inspiração do artigo 20º da Constituição Lusitana36, introduziu a
nova Lei de Apoio Judiciário daquele país cuja exposição de motivos acentua:
Tinha-se em vista, por um lado, aproximar o direito da vida das pessoas, depurando-o do hermetismo que enfraquece o ser humano, o que deixaria de ser, para elas, uma ‘sobrecarga acidental’. Tratar-se-ia de incluir, não impositivamente, o direito, como valor e como realidade, na ‘aparelhagem cívica’ que enriquece a sociabilidade das pessoas, fazendo com que elas melhor compreendam a imprescindível presença e autoridade do Estado e fazendo com que este, em todas as suas expressões, compreenda que não pode ‘estatizar’ a personalidade e a dignidade das pessoas. Estavam, no entanto, presentes objectivos pragmáticos imediatos; para que o 'direito aos direitos’ ganhasse forma e efectiva viabilidade, necessárias seriam ações de informação e de proteção jurídica, pré ou para judiciária, para além da reconvenção dos esquemas do que classicamente se chamava de “assistência judiciária.37
Por isso, é possível apontarmos também que o direito à razoável duração do
processo judicial é implicitamente garantido por nossa ordem jurídica, na qualidade
de consectário direto do acesso à Justiça, cuja noção não se compra com o culto a
formalismos estéreis e com a proliferação de solenidades inúteis, que só terão o
condão de estender a lide de forma injustificada e de aguçar ainda mais o
individualismo das partes, desse modo, eternizando as suas angústias e
obstaculizando a concretização material do direito reclamado em juízo.
Só assim será possível se coadunar a garantia constitucional da
inafastabilidade do controle jurisdicional ao individualismo que impera na raiz da
legislação processual, dado que o processo deve servir à Justiça e ao homem, como
uma força vital que apeia da torre de conceitos para mesclar-se com a realidade da
vida, sem temer o povo do caminho, compreendendo a sua função social e
36 PORTUGAL. Constituição Federal, Art. 20º, nº 1: “Todos têm direito à informação e à protecção jurídica, nos termos da lei". 37 Exposição de Motivos do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de dezembro de 1987.
27
esmerando-se em restabelecer o equilíbrio abalado pelas diversidades econômicas.
Não é por menos que a ordem do dia dos Estados de Direito é a busca incansável
da concretização da garantia da obtenção de uma decisão final efetiva sobre uma
pretensão deduzida em juízo, com a demissão dos obstáculos e entraves arbitrários
que obstam o acesso à Justiça.38
Vive-se atualmente num ritmo eletrizante, que clama pela brevidade, tudo é
extremamente urgente, tudo é para ontem. O mundo que se sonhava há décadas,
acreditando-se que seria pacífico e tranquilo, nem de longe o é. Presencia-se a era
on-line, digital e instantânea, e, ao mesmo tempo, impregnada pela característica
individualista e introspectiva do homem destes dias.
Desnecessária maior explanação em torno da regência de nossas vidas pelo
tempo, principalmente nas sociedades contemporâneas, dominadas pela aceleração
e a lógica do tempo curto. Vivemos numa sociedade regida pelo tempo, em que a
velocidade é a alavanca do mundo contemporâneo, nos conduzindo a angústia do
presenteísmo. Buscamos expandir ao máximo esse fragmento do tempo que
chamamos de presente, espremido entre um passado que não existe, uma vez que
já não é, e um futuro contingente, que ainda não é, e que por isso, também não
existe. Nessa incessante corrida, o tempo rege nossa vida pessoal, profissional e,
como não poderia deixar de ser, o próprio Direito.
Nesse pano de fundo, permeado pela revolução técnico-científica, ampliaram-
se e generalizaram-se os conflitos. E o Direito, que desde há muito tempo vem
lutando para acompanhar a dinâmica social, parece não estar seguindo as velozes
alterações pelas quais passa a sociedade, que se desconecta do espaço geofísico,
rompe as barreiras territoriais mapeadas por Estados e Nações e adentra num
território virtual, sem fronteiras e limites espaço-temporais, onde quase tudo ocorre
em tempo real.
O Direito não deve permanecer alheio aos fenômenos transformadores
derivados da tecnologia que já fazem parte da sociedade, precisa, isso sim, resgatar
o seu nobre escopo de pacificação dos conflitos, com eficiência e credibilidade,
acompanhando esse novo ritmo social.
Em meio a essa situação e sempre em pauta nos dias atuais, dissemina-se,
no átrio da sociedade descrita, a questão da morosidade da Justiça e a insatisfação
38 NUNES DE OLIVEIRA, Rogério. Op. cit., p. 73.
28
com o Poder Judiciário. Atravancado por milhões de processos judiciais, não
consegue levar a efeito uma prestação jurisdicional em tempo satisfatório. São
imprescindíveis reformas judiciais que possibilitem abranger aspectos institucionais,
bem como estruturais, como forma de se obter modernização do Poder Judiciário e
em consequência propiciar uma distribuição da Justiça consonante à realidade social
contemporânea.
Vários são os fatores que tornam a Justiça morosa. Talvez, o primeiro e
principal fator que se pode citar seja uma demanda muito grande de processos,
sendo que esse e outros tantos fatores da lentidão da Justiça não foram plenamente
contemplados na recente reforma do Judiciário, promulgada pela Emenda
Constitucional n. 45, de 08 de dezembro/2004.
Referida emenda, coordenada para a finalidade de descongestionar a Justiça
brasileira, trouxe mudanças em diversos ramos do Direito. Partiu do Direito
Constitucional e se espraiou pelo direito processual civil, trabalhista, penal e
processual penal. Embora de relevante importância, o aprimoramento legislativo
fomentado pela Emenda n. 45/2004, por si só, é insuficiente para dar conta do
problema da morosidade do sistema processual.
Não se trará, aqui, um estudo aprofundado da historicidade jurídica brasileira
nem se esgotará o assunto de maneira que se consiga alcançar soluções
miraculosas, que, evidentemente, não existem. Almeja-se, no entanto, trazer à
apreciação alguns dos principais problemas que se evidenciam no Judiciário. Exame
que, caso viesse a ser levado a uma completa análise, não se esgotaria em algumas
poucas páginas, mas sim, renderia muitas obras a respeito.
No contexto dos novos tempos, com a divisão dos poderes estruturalmente
definida pela Constituição, no que diz respeito aos preceitos de Justiça e Judiciário,
resulta a jurisdição como instrumento a serviço do Estado, na efetivação dos direitos
e garantias trazidas pela Carta Republicana, bem como sendo inafastável instituto
para a solução dos conflitos. Assim, uma Justiça soberana, imparcial, livre,
autônoma, acessível a qualquer cidadão, ainda que para litigar contra o próprio
Poder Público, que assegure o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade e a igualdade - que são alguns dos valores supremos de uma sociedade -,
é o verdadeiro escopo do Estado de Direito, constituindo-se na conquista maior da
democracia moderna.
29
O poder Judiciário é parte integrante das funções do Estado, como bem
descreveu Montesquieu, em razão da tripartição, controle e balanceamento em prol
da organização social.
Destarte, para fins de tornar objetiva a reestruturação, mostra-se evidente a
necessidade de ampla modernização, seja administrativa, financeira, ou mesmo
quanto um aparelhamento tecnológico, especialmente, aproveitando-se a utilização
da tecnologia da informática.
Como todas as instituições do Estado contemporâneo, o Poder Judiciário vem
sofrendo os diversos impactos de um constante processo de evolução social. A
demanda que lhe é imposta é cada vez mais desproporcional.
Trabalha-se, e muito, em todas as instâncias cíveis e penais. As estatísticas
dos Tribunais demonstram, à saciedade, o grande número de recursos julgados. Os
cartórios da primeira instância vivem abarrotados de feitos e mesmo nos Juizados
Especiais, das chamadas pequenas causas, observam-se filas enormes, impeditivas
de solução rápida das lides. Em algumas cidades, a fila de precedência para
marcação de audiências já é de dois anos. Nos tribunais superiores, o quadro é
desalentador.
Para se ter uma simples noção do que se afirmou, por mais que se julgue,
maior é o volume de recursos. Para exemplo, traz-se um breve demonstrativo de
processos distribuídos e de processos julgados pelos nossos Tribunais Superiores,
nos anos de 2005 e 2006.
No Supremo Tribunal Federal - STF - foram distribuídos 79.577 e julgados
103.700 processos em 2005 e até setembro de 2006 já haviam sido distribuídos
69.180 processos e julgados 70.063; no Superior Tribunal de Justiça - STJ - em
2005 foram distribuídos 222.529 processos e julgados 271.428, já no ano de 2006,
até o mês de agosto haviam sido distribuídos 155.371 e julgados outros 163.024
processos. No Tribunal Superior do Trabalho – TST – foram distribuídos, no ano de
2005, 122.441 processos e julgados 134.269, sendo que até agosto de 2006 já se
contabilizavam distribuídos 89.595 processos e o julgamento de outros 77.868
processos.
Contribui para o congestionamento – e também para o retardo das decisões
judiciais- a excessiva quantidade de recursos previstos e admitidos nos Códigos
Processuais. São intermináveis os agravos, embargos, e tantos outros, mesmo que
30
meramente procrastinatórios.
A sociedade reclama por um Judiciário que dê atendimento aos seus
reclamos de forma célere. A justiça até pode ser cega, mas isso não quer dizer que
deva ser surda, nem capenga, eis que sua função é amparar. A maior parte da
população vê o Poder Judiciário como uma instituição de atuação demorada, repleta
de burocracia. Sem deixar dúvidas de que a morosidade é realmente a principal
queixa da população em relação à Justiça.
A Justiça necessita melhor interagir com os cidadãos e estar de olhos abertos
às necessidades da sociedade.
Conscientemente há que abrir [o Brasil] espaço a uma fase modernizadora,
onde se combinem pessoas e orçamento empenhados em conseguir uma mudança
substantiva de gestão que supere os sintomas principais da crise, tais como a
congestão, morosidade e o alto custo de acesso ao sistema constitucional de
prestação jurisdicional.
Denota-se, pois, que os jurisdicionados têm tido muito mais conhecimento de
seus direitos, em face do maior acesso às informações e a maior disseminação de
programas de esclarecimento por parte de ONGs (Organizações Não
Governamentais) e também de muitos setores do próprio governo. Este maior
conhecimento dos direitos e do teor das leis, acrescido de maior exigência de
cumprimento dessas obrigações estatais por parte da população, acabou por
atravancar o funcionamento do sistema Judiciário, que não estava e não está, ainda,
preparado estruturalmente para o processamento de tamanha demanda. Esse
despreparo se deve, principalmente, à fórmula burocrática de atuar, arraigada em
premissas e formalismos destoantes da celeridade exigida.
O alimento da burocracia é a desconfiança, a qual de sua parte faz surgir a
insegurança e esta requer, para que possa ser minimizada, um exagerado
formalismo burocrático. A burocracia, enquanto desvio de natureza de atos normais,
não precisa de lógica para viver. Ao contrário, ela prescinde da inteligência, pois
cada ato se justifica por si mesmo, independente da finalidade do processo. Essa
cultura de desconfiança, impregnada em todo o sistema governamental, acaba
resultando no auxílio às demais circunstâncias que entravam o Judiciário.
Há que se registrar, para que não se olvide, que os demais poderes –
Legislativo e Executivo -, também possuem certa responsabilidade como causadores
31
da situação penosa do Judiciário. O Poder Legislativo, pela demora na adequação
da lei ao estágio que vive a sociedade e por ocupar-se mais em atormentar o
Judiciário com seus escândalos, mensalões, malas de dinheiro, improbidades e
CPIS que propriamente cumprindo sua função de fiscalizar e criar leis. A deficiência
do Judiciário também é culpa do emaranhado de instrumentos legislativos que
assoberba o país, consistindo numa verdadeira ‘inflação de leis’ que tem formado o
caos em que se desespera o juiz brasileiro.
De sua parte, o Poder Executivo, pelo seu modo de agir, destaca-se como um
dos grandes responsáveis pela demora na entrega da tutela jurisdicional, ante o
enorme número de processos em que figura, quer como autor, quer como réu.
Caracteriza-se por ser um dos principais descumpridores da legislação e dos direitos
dos cidadãos, os quais, em última alternativa, socorrem-se do Poder Judiciário para
a recomposição de seus direitos.
Outro fato que merece ser relatado e que, indiscutivelmente, contribui também
para a crise do Judiciário, é o fato de que boa parte dos advogados, que muitas
vezes não conseguem resistir à tentação de usarem de todos os meios postos ao
seu alcance para procrastinarem a solução do processo, como, por exemplo, a
criação de incidentes processuais infundados; a apresentação de documentos de
forma indevida ou fora da oportunidade própria para tanto; a interposição de
recursos – em que pese ser esse um dever do advogado – de maneira
indiscriminada contra todas as decisões que lhes sejam desfavoráveis e assim por
diante.
Demonstram tais atitudes que nem sempre os operadores do Direito
preocupam-se com a celeridade do processo. Buscam, às vezes, pelo retardamento
do trâmite processual, obter maiores rendimentos e mais status perante os seus
pares ou, quem sabe, dissimular no transcurso do tempo e no esquecimento
eventuais erros cometidos.
Não se pretende atribuir a culpa a uma parcela da estrutura da comunidade
jurídica, qual seja, os advogados, mas sim, demonstrar que para atingir-se uma
melhor situação do Judiciário, deve haver o comprometimento de todos os que, de
uma forma ou de outra, atuam e interferem no processo e que devem ter a mesma
preocupação com a eficaz prestação da tutela jurisdicional.
Por fim, deve-se trazer à lembrança que não há dor moral mais intensa do
32
que aguardar o desenlace de um processo judicial. Um surto de depressão, pela
demora na solução de um caso pode arrasar o sistema imunológico. Talvez pareça,
num primeiro momento, demasiada forte tal afirmativa. No entanto, bastaria colher a
opinião de quem sofre realmente na pele as agruras da angustiante espera de um
desfecho judicial, para se constatar de fato que grandes são os malefícios que
atingem as pessoas devido à morosidade da Justiça.
33
2 OS PROCESSOS ETERNOS NA ÓTICA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Sem dúvidas, a demora na tramitação de um processo judicial também
repercute intensamente no due process of law, por importar num desvio de
perspectiva do procedimento, que se alonga por um tempo indevido. Em
consequência disso, dada a sua maior visibilidade, alguns autores compreendem
que a garantia à razoável duração do processo judicial decorre do devido processo
legal, estando implícita na locução normativa do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição
Federal.
Luigi Paolo Comoglio, lembrado por Flávia de Almeida Montingelli Zanferdini,
observa que:
[...] no caminho para se alcançar as garantias do devido processo e da efetiva tutela jurídica, é preciso considerar-se que o direito ao processo abrange a garantia de um processo de duração razoável e que, ainda nesta busca, devem ser reforçadas com particular cuidado as questões referentes às partes e aos envolvidos no processo de deveres de boa-fé e lealdade processual, para preservar em qualquer circunstância a dignidade da justiça, aumentando-se os poderes do juiz de intervenção e controle do processo, buscando-se uma justiça eficiente.39
Desse modo, sob esse ângulo de reflexão, a razoável duração do processo
judicial incorpora uma das prestações materiais decorrentes do due process of law,
para se vislumbrar como procedimento adequado não só o esgotamento das
fórmulas legais predispostas à solução judicial dos litígios, como igualmente a
garantia da tempestiva entrega jurisdicional.40 Oportuno trazer à baila, a respeito
desse tema, a lição de Leonardo Greco:
O Estado de Direito Contemporâneo, alicerçado nos fracassos e frustrações do Estado-Providência, que desbordaram no totalitarismo nazifascista, e construído em todo o Ocidente a partir da reconstitucionalização ocorrida após a 2a Guerra Mundial, apresenta algumas características essenciais que refletem diretamente no alcance do contraditório no processo judicial: respeito absoluto à dignidade da pessoa humana, garantia da eficácia concreta dos direitos dos cidadãos e participação democrática.41
39 COMOGLIO, Luigi Paolo, 1998 apud ALMEIDA MONTINGELLI ZANFERDINI, Flávia de. Op. cit., p. 15. 40 Conforme FRICERO, Natalie. Op. cit., p. 16. 41 GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 267.
34
Realmente, de nada adiantará a exação das fórmulas abstratas escritas no
texto normativo se o clímax do processo, qual seja a entrega da jurisdição, for
atingido com delongas e atrasos, oportunidade em que a fruição proveitosa do direito
material pleiteado e, em última análise, a própria efetividade do provimento
jurisdicional obtido já terão se esvaído pela inevitável ação do tempo, precisamente
porque, segundo as palavras de Fernando de la Rúa, “o direito processual deve
servir ao homem, à justiça, à vida”.42
Essa concepção moderna - que abandona o caráter formalista, estático e
sacramental da associação do devido processo legal à ideia de mera obediência à
liturgia preordenada na lei - contempla uma série de direitos e garantias inerentes ao
due process of law, as quais se dirigem fundamentalmente à efetividade do processo
à guisa de instrumento democrático para a concretização material dos direitos dos
cidadãos.
Compreende-se modernamente, na cláusula do devido processo legal, o
direito do procedimento adequado: “não só deve o procedimento ser conduzido sob
o pálio do contraditório [...], como também há de ser aderente à realidade social e
consentâneo com a relação de direito material controvertida”.43
Entre essas garantias, por certo, jaz a da razoável duração dos processos
judiciais, pois o objetivo primordial do devido processo legal é tutelar a adequada e
efetiva entrega da jurisdição de molde a conciliar as tensões dialéticas decorrentes
dos interesses contrários das partes nos propósitos maiores da solução definitiva do
litígio e da pacificação social. Destarte, no equilíbrio sinérgico das forças contrárias
que se embatem no processo, o fiel da balança será o magistrado, a quem caberá
uma postura ativa, dinâmica e voltada não só a assegurar o “procedimento
adequado" ou a “observância das formalidades legais”, mas principalmente a
garantir o due process of law e a efetividade do processo por meio da entrega
tempestiva e útil da jurisdição. Neste sentido, colhemos a advertência do
Desembargador Nagib Slaibi Filho44:
42 RÚA, Fernando de la. Teoria general dei proceso. Buenos Aires: Depalma, 1991, p. 8. 43 ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 82-83. 44 SLAIBI FILHO, Nagib. Op. cit., p. 236.
35
O mandamento constitucional da celeridade na tramitação do processo e de sua razoável duração vai incidir quando se constata, em determinada relação processual, que a realização de seus atos se mostra desarrazoado, conduzindo à ultrapassagem das fases e dos atos que não se mostram essenciais para a descoberta da verdade e para a eficácia da decisão.
Por isso, já é hora de se abandonar o culto desmedido às liturgias
processuais injustificáveis e à observância exaustiva de sacramentos formais vazios,
bem como o apego a fórmulas rituais quase que místicas, como se respirássemos os
ares das legis aciones. Ao ressaltar o prejuízo que os excessos de legalismo e a
abundância de tecnicismos podem acarretar para a efetividade do processo,
Francisco Fernandes de Araújo destaca a relevância da participação dinâmica e
participativa do juiz diretor do processo, anotando ainda:
Este, praticado por muitos juízes, consiste no apego quase fanático a
pormenores das formalidades legais, mesmo quando isso é evidentemente
inoportuno, injusto ou acarreta graves conflitos sociais. Mas o que prevalece
amplamente, inclusive entre autoridades públicas, é o pouco apreço à legalidade, o
que se verifica também em certas atitudes dos tribunais superiores, que
frequentemente demonstram excessiva condescendência com inconstitucionalidades
e ilegalidades praticadas por chefes do Executivo.45
De mais a mais, a partir do momento em que o Estado arrebatou para si o
monopólio do exercício da jurisdição, também, trouxe com isso o dever de assegurar
aos cidadãos a obtenção do mesmo resultado prático concedido, em tese, pela
norma jurídica abstrata, o que enfatiza com intensidade ainda maior o caráter
instrumental do direito ao processo na condição de instrumento sancionador de
outros direitos, donde se surpreende a oportuna advertência de Natalie Fricero46:
A organização de um serviço público da justiça faz parte das funções do Estado de Direito. Ele busca a satisfação de uma necessidade de interesse geral, contribui para instaurar o valor da justiça na sociedade, e restabelecer a paz social perturbada pelo conflito de interesses. Realmente, nem todas as oposições se resolvem pelo viés de um processo judicial, mas o cidadão deve poder aceder ao processo se não chegar a encontrar uma solução amigável.
45 FERNANDES ARAÚJO, Francisco. Op. cit., p. 238. 46 FRICERO, Natalie. Op. cit., p. 19 (nossa livre tradução).
36
3 NOVOS RUMOS PARA A HUMANIZAÇÃO DO PROCESSO E PARA A
ENTREGA RÁPIDA E EFETIVA DA JURISDIÇÃO
Na busca de soluções para os diversos embaraços que vêm minando, desde
a sua raiz, a ideia de efetividade do processo, com toda a certeza, os debates
acerca da jurisdição morosa e atrasada têm tido lugar de destaque. As causas desse
problema de ordem geral são muitas e costumam variar, a cada momento, conforme
o interlocutor ou a ocasião política que o país atravessa (excesso de recursos
processuais e de processos, número insuficiente de juízes ou de servidores do
Poder Judiciário, legislação ultrapassada, sobrecarga de trabalho para os
magistrados, demandas inúteis ou desnecessárias, etc.)47.
Diferentes e criativas alternativas legislativas foram implementadas com a
primeira grande reforma processual, instituída predominantemente pelas Leis nos
8.950 e 8.952, de 1994, 9.139/95 e 9.245/96, que introduziram, em nossa ordem
jurídica, novos institutos jurídicos e algumas alterações normativas que objetivaram
atender ao mandamento da efetividade do processo. Entre elas, lembramos a
antecipação dos efeitos da tutela de mérito, a revitalização do procedimento
sumário, a execução específica nas obrigações de fazer e de não fazer para a
obtenção do resultado prático equivalente ao adimplemento e a remodelação do
recurso de agravo, com a modificação de sua forma de interposição e com o
estrangulamento das hipóteses de cabimento da sua modalidade instrumental, entre
outras.
Depois de algum tempo, adveio a modificação mais recente, “a reforma da
reforma”, concretizada essencialmente pelas Leis nos 10.352 e 10.358, de 2001, e
10.444/2002, que, entre as alterações introduzidas, redefiniram a dogmática da
antecipação da tutela, com isso, instituindo a sua fungibilidade com a tutela cautelar,
e substituíram algumas disposições pertinentes às provas e simplificaram o
47 Conforme SADEK, Maria Tereza; BASTOS ARANTES, Rogério. A Crise do Judiciário e a Visão dos Juízes. Disponível em: <http://www.usp.br.revistausp/n21/ sadei.html>. Acesso em: 09 ago. 2004. Neste alentado estudo, os autores apresentam estatísticas em que os próprios juízes apontam os obstáculos contrários ao bom funcionamento do Judiciário, os quais, em ordem decrescente, seriam: falta de recursos materiais: excesso de formalidades nos procedimentos, número insuficiente de juízes; número insuficiente de vagas; legislação ultrapassada; elevado número de litígios; despreparo dos advogados; grande número de processos irrelevantes; juízes sobrecarregados com tarefas que poderiam ser delegadas; instabilidade do quadro legal; insuficiência na formação profissional do juiz; extensão das comarcas; curta permanência dos juízes nas comarcas.
37
procedimento da constrição judicial que tenha como objeto bens imóveis.
Longe de querermos esgotar, aqui, o inventário de todas as modificações
trazidas pelas reformas do processo civil brasileiro e de analisar a repercussão de
sua funcionalidade e relevância prática, a digressão que esboçamos teve como
finalidade ressaltar o quão importante e, ao mesmo tempo, aflitiva é a questão da
morosidade na entrega da jurisdição. É porque todas as alterações legislativas,
direta ou indiretamente, visaram atingir efetividade e celeridade do processo, seja
por meio da idealização de um procedimento menos acidental e mais acessível e
célere - inclusive com a baldada tentativa de redução do cabimento da interposição
de recursos - seja com a implantação de medidas legislativas capazes de atribuir
maior concretude e inteireza ao resultado prático postulado na demanda.
Essas reformas pontuais, todavia, ainda não obtiveram o êxito almejado, dado
que, sem embargo do zelo e da louvável intenção de seus precursores, muitas das
alterações cingiram-se simplesmente a combater, de modo paliativo, os efeitos
visíveis das causas da falta de efetividade do processo e da lentidão na prestação
da jurisdição, ou então porque ainda não passaram do campo doutrinário.48
Por essas e outras razões é que, a reboque da tão discutida e controvertida
“Reforma do Judiciário”, pendente de aprovação em segundo turno no Senado
Federal, foi inserida uma emenda ao artigo 5º da Constituição Federal, cuja redação
é a seguinte:
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.
Cuida-se, assim, a tentativa de se elevar à dignidade de cláusula pétrea, de
modo explícito, o direito público subjetivo à tempestiva entrega da jurisdição, por
intermédio de um processo judicial ou administrativo de duração razoável e dotado
de meios capazes de assegurar a sua rápida tramitação. Desse modo, sem prejuízo
de alterações setoriais já introduzidas anteriormente em nossa dogmática
instrumental49, a tendência da atualidade é a generalização e a homogeneização da
48 FERNANDES ARAÚJO, Francisco. Op. cit., p. 216. 49 “É o caso do artigo 1.211 -A, do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n9 10.173/2001, que instituiu a garantia de processamento prioritário para os processos judiciais em que figurar como parte ou interveniente pessoa com idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos. Posteriormente, o artigo 70 Estatuto do Idoso reduziu o limite de idade para o exercício do direito de prioridade no processamento
38
garantia à razoável duração dos processos a todas as causas e instâncias, na
condição de medida de humanização do processo, na esteira da dignidade da
pessoa humana, e de ampliação dos pórticos de acesso à Justiça para a conquista
da efetividade e da utilidade da jurisdição.
Pensamos, todavia, que a principal consequência da tutela da garantia à
razoável duração do processo judicial - quer pela via legislativa, doutrinária ou
jurisprudencial - é a delineação do dever estatal de assegurar ao jurisdicionado o
exercício desse direito tanto no plano preventivo quanto no plano repressivo. Em
outras palavras, o descumprimento do dever de entrega tempestiva e eficiente da
jurisdição sujeitará o Estado à obrigação de reparar os danos sofridos pelo cidadão
jurisdicionado, em razão do retardamento injustificado e irrazoável do processo
judicial.
Nesta toada é o entendimento de Francisco Fernandes de Araújo:
A realidade mostra que não é mais possível a sociedade suportar a morosidade da justiça, quer pela ineficiência dos serviços forenses, quer pela indolência de seus juízes. É tempo de se exigir uma tomada de posição do Estado para solucionar a negação da Justiça por retardamento da entrega da prestação jurisdicional. E outro caminho não tem o jurisdicionado senão o de voltar-se contra o próprio Estado que lhe retardou a justiça, e exigir-lhe reparação civil pelo dano, pouco importando que por tal via também enfrente alguma dificuldade. Só o acionar já representa uma forma de pressão legítima e publicização do seu inconformismo contra a Justiça emperrada, desvirtuada e burocratizada.50
Nem se afirme, como ingenuamente se poderá fazê-lo, que a
responsabilidade civil do Estado pelo injustificado atraso na entrega da jurisdição
careceria de norma expressa que abonasse a sua viabilidade jurídica, pois, como já
expusemos nas linhas precedentes, o direito público subjetivo à razoável duração
dos processos judiciais constitui regra vigente entre nós, por força do artigo 8º do
Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992.
Lembre-se também, por oportuno, que a responsabilização do Estado em
razão da duração anormal do processo judicial enquadra-se nas normas
estampadas no §6º, do artigo 37, da Constituição da República e no artigo 43 do
Código Civil Brasileiro, donde conclui-se que a prestação jurisdicional defeituosa ou
para 60 (sessenta) anos". 50 FERNANDES ARAÚJO, Francisco. Op. cit., p. 17.
39
a destempo caracteriza hipótese de responsabilidade objetiva, isto é,
independentemente da aferição de culpa do ente público a que pertencer o agente
causador do dano.
Esta, aliás, é a opinião do professor José dos Santos Carvalho Filho, que
distingue os atos tipicamente jurisdicionais do juiz, que normalmente são praticados
dentro do processo como consectário de suas funções típicas, dos atos funcionais,
substanciados nas condutas ou omissões praticadas pelo juiz fora dos lindes
processuais, explicando, outrossim que:
Neste último caso, diferentemente do que sucede naqueles, se tais condutas provocam danos à parte sem justo motivo, o Estado deve ser civilmente responsabilizado, ainda que o juiz tenha agido de forma apenas culposa, porque o artigo 37, §6º, da CF é claro ao fixar a responsabilidade estatal por danos que seus agentes causarem a terceiros, e entre seus agentes encontram-se, à evidência, inseridos os magistrados. É o caso, por exemplo, em que o juiz retarda, sem justa causa, o andamento de processos; ou perde processos por negligenciar em sua guarda; ou deixa, indevidamente, de atender a advogado das partes; ou ainda pratica abuso de poder em decorrência de seu cargo. Todas essas hipóteses, que refletem condutas mais de caráter administrativo do que propriamente jurisdicionais, rendem ensejo, desde que provados o dano e o nexo causal, à responsabilidade civil do Estado e ao consequente dever de indenizar, sem contar, é óbvio, a responsabilidade funcional do juiz.51
Só assim será possível a conciliação do espírito democrático e da ordem de
valores insculpidos na Lei Fundamental de 1988, a “Constituição Cidadã”, com a
realidade vivenciada no interior das fronteiras do processo civil nessa nossa caótica
atualidade. Caso contrário, estar-se-ia fazendo o que o texto bíblico chama de “servir
a Deus e a manon”52 ou aquilo o que a cultura popular conhece como “dar com uma
mão e tirar com a outra,” transformando as garantias constitucionais em vãs
promessas, assim como a aplicação das leis numa comédia de erros.
Em todo caso, a conquista da humanização do processo na busca da rápida
solução dos processos judiciais também perpassa pela necessidade da mudança de
mentalidade institucional do Poder Judiciário para a interpretação e integração dos
elementos integrantes de nosso ordenamento jurídico, e, o que parece mais difícil,
da participação dos administradores públicos e dos legisladores. Daí que de nada
adiantará a construção de uma legislação processual de escol e a renovação
51 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 468. 52 BÍBLIA. Lucas, cap. XVI, v. 13.
40
ideológica do Poder Judiciário na direção de uma perspectiva humanista do
processo se os obstáculos usuais que estorvam a acessibilidade da Justiça
permanecerem de pé.
Nesta ordem de ideias, os devaneios políticos dos administradores públicos e
as quimeras doentias dos protagonistas do Poder Legislativo em muito contribuem
para o atravancamento da máquina judiciária, para a proliferação dos autos
processuais nos escaninhos cartorários e, com efeito, para o retardamento da
solução dos processos judiciais. No mais das vezes, são os próprios atos
governamentais ou as novas leis editadas - amiúde engendradas para a realização
de alguma serventia política reticente ou para a satisfação dos interesses
econômicos de alguns poucos privilegiados - que geram a profusão de demandas
idênticas e que visam ao mesmo resultado concreto.
No fim das contas, o Poder Judiciário enuncia que os culpados pela
morosidade da Justiça são o número excessivo de processos e a defasagem da
legislação em vigor; o Poder Legislativo põe a culpa no Poder Judiciário e em sua
estrutura organizacional, reclamando por “controle externo”; e o Poder Executivo
continua governando via medidas provisórias e culpando os outros dois.
Enfim, é necessário envidar esforços para que a garantia concreta dos direitos
e tudo mais não se resumam a um silogismo leviano e para que não vivamos na
carne a melancólica metáfora construída pelo grandioso Piero Calamandrei, que
contou:
Na praça, há um enforcado, condenado à morte pelo juiz. A sentença foi executada, mas era injusta: o enforcado era inocente. Quem é o responsável pelo assassinato daquele inocente? O legislador, que na sua lei estabeleceu, em abstrato, a pena de morte, ou o juiz, que a aplicou em concreto? Mas o legislador e o juiz, um e outro, encontram um meio para lavar a alma, com o pretexto do silogismo. O legislador diz: — Não tenho culpa por aquela morte, posso dormir tranquilo: a sentença é um silogismo, do qual construí apenas a premissa maior, uma inócua fórmula hipotética, geral e abstrata, que ameaçava a todos mas não atingia ninguém. Quem o assassinou foi o juiz, porque foi ele quem, a partir das premissas inócuas, tirou a conclusão homicida, a lex specialis que ordenou a morte daquele inocente. Mas o juiz diz, por sua vez: — Não sou culpado daquela morte, posso dormir tranquilo: a sentença é um silogismo, do qual não fiz nada mais que extrair a conclusão, a partir da premissa imposta pelo legislador. Quem assassinou foi o legislador com a sua lei, a qual já era uma sententia generalis, em que estava encerrada a condenação daquele inocente. Lex specialis, sententia generalis — assim, legislador e juiz remetem um ao outro a responsabilidade; e um e outro podem dormir sonos tranquilos,
41
enquanto o inocente balança na forca.53
Assim, conforme se verifica a realidade e o desejo de alcançar algo melhor
nem sempre caminham lado a lado. Será que a responsabilidade é do legislador ou
do julgador? O caminho mais adequado nos parece uma sinergia de esforços de
todas as partes envolvidas o que visivelmente esta longe de se alcançar.
53 CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 272-273.
42
4 A REFORMA DO JUDICIÁRIO
Introduzida no meio jurídico em dezembro de 2004, a Emenda Constitucional
n. 45, que ficou comumente conhecida como a Reforma do Judiciário, repercutiu
relevantemente em relação ao sistema processual civil brasileiro.
Podem ser visualizados na reforma desde um variado número de alterações
no Judiciário, a uma série de regras de cunho meramente processual.
A angústia pela ineficiência de certa parte da máquina judiciária acabou por
motivar tal reforma, que principia com a consagração do direito individual a uma
atividade jurisdicional de razoável duração e a instrumentalização que garanta a
celeridade que a função jurisdicional necessita. Sobre a relevância da reforma
apresentada, ensina Paulo Hoffman:
Independentemente do resultado prático que venha a ser efetivamente alcançado, não se pode minimizar a relevância e a importância da EC n. 45, aprovada pelo Congresso Nacional. Trata-se de um verdadeiro marco na história recente do Judiciário que, apesar das dificuldades iniciais de implementação e das críticas que se possa fazer à emenda, deve colaborar para o aprimoramento do sistema como um todo.54
Tal reforma objetiva, fundamentalmente, facilitar uma atuação mais pronta e
eficaz da Justiça, dessa forma, eliminando certas mazelas características do
Judiciário brasileiro, além de coibir a árdua demora na entrega da prestação
jurisdicional e combater condutas descompromissadas por parte dos magistrados,
entre outras ambições.
Resumidamente, as mudanças trazidas pela Reforma do Poder Judiciário
consistem na: a) Atividade jurisdicional ininterrupta com a proibição de férias
coletivas em todas as áreas da Justiça; b) Criação de novas normas acerca dos
deveres e direitos dos magistrados; c) Estabelece algumas regras sobre a estrutura
do Poder Judiciário; d) Cria órgão administrativo com poder disciplinar e censório, o
Conselho Nacional de Justiça; e) Estabelece ouvidorias de Justiça no âmbito das
Justiças da União e dos Estados, visando captar sensações e reclamações dos
cidadãos em relação aos órgãos do Judiciário; f) Possibilita a criação de súmulas
vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal; g) Na alteração na competência
54 HOFFMAN, Paulo. Op. cit., p. 571.
43
originária e recursal do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,
em relação à admissibilidade de recurso extraordinário e especial; h) Necessidade
do requisito da repercussão geral para a admissibilidade do recurso extraordinário; i)
Distribuição imediata de todo feito ou recurso, perante todo juízo ou tribunal; j)
Recomenda o automatismo judicial, para que juízes deleguem a serventuários da
Justiça a prática de atividades administrativas e atos de impulso processual sem
cunho decisório; k) Apresenta uma série de disposições sobre o Ministério Público;
L) Cria um Conselho Nacional do Ministério Público e ouvidorias do Ministério
Público.
Em que pese cada inovação proposta pela reforma amparar e merecer
grandes estudos e discussões, devemos nos ater apenas a um breve relato àquelas
que de alguma forma estão interligadas à busca pela celeridade na prestação
jurisdicional.
Preliminarmente, podemos citar como a primeira alteração trazida ao texto
constitucional pela EC n. 45 a que acrescentou aos Direitos e Garantias
Fundamentais o direito à razoável duração do processo, modificando a literalidade
do inciso LXXLVIII, do artigo 5o da Carta Magna, a qual passou a ter a seguinte
redação: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Sem sombra de dúvidas, são devastadoras as consequências da demora na
prestação jurisdicional. E o problema chegou a tal nível, que outra saída não restou
ao legislador senão elevar a garantia da razoável duração do processo ao patamar
de direito fundamental.
Transparece o referido dispositivo constitucional o que, já há tempos, os
melhores estudiosos do direito defendiam, isto é, garantir apenas livre e irrestrito
acesso ao Judiciário não é suficiente. É de salutar importância que a entrega da
tutela jurisdicional seja feita em tempo razoável e amparada pelas garantias
fundamentais do processo, de forma que seja possível ao jurisdicionado ter
assegurado de forma efetiva o seu direito dentro de um lapso de tempo razoável.
Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco explicita seu entendimento:
O direito moderno não se satisfaz com a garantia da ação como tal e por isso é que procura extrair da formal garantia desta algo de substancial e mais profundo. O que importa não é oferecer ingresso em juízo, ou mesmo julgamento de mérito. Indispensável é que, além de reduzir os resíduos de
44
conflitos não jurisdicionalizáveis, possa o sistema processual oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações injustas. Tal é a idéia de efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de resultados.55
Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini acrescenta ainda que de nada adianta a
entrega ao jurisdicionado da tutela jurisdicional tardia, tendo em vista que já poderá
ter ocorrido o perecimento do direito ou este poderá ter perdido o significado para
seu detentor. Logo, preleciona:
[...] ao estabelecer o texto constitucional que o processo tenha duração razoável, prescreve-se que a justiça deva atender ao interesse público de solução de controvérsias, mediante a atuação jurisdicional, de forma breve, mas pronta a ser eficaz. Atende-se aos interesses do Estado-poder e do Estado-sociedade.56
Entre as demais modificações perpetradas pela EC n. 45, a proibição de férias
coletivas em todas as Justiças, suprimindo as chamadas férias forenses,
determinando a prestação da atividade jurisdicional de forma ininterrupta, a
delegação a serventuários da Justiça na prática de atos de administração e de mero
expediente, sem cunho decisório, estimulando o automatismo judicial e a
determinação da distribuição automática de processos em todos os graus de
jurisdição, foram as medidas especialmente encontradas pelos reformadores como
meio de se acelerar a outorga da tutela jurisdicional, revelando a preocupação em se
amenizar um dos maiores problemas que afligem o Judiciário e a sociedade.
Poder-se-ia dizer igualmente, que a possibilidade da edição de súmulas
vinculantes, por parte do Supremo Tribunal Federal, também, teria, no entender dos
legisladores, entre seus fundamentos o de auxiliar na entrega mais rápida da
prestação judicial. Tal tema tem alçado enérgicas discussões no mundo jurídico.
Vale transcrevermos alguns posicionamentos acerca do tema, como ensina
Cândido Rangel Dinamarco, defensor ferrenho da edição de súmulas vinculantes,
que observa nestas a capacidade de pacificar em tempo relativamente breve a
jurisprudência sobre temas relevantes ligados à ordem constitucional, solucionando
55 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 798. 56 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. O prazo razoável para a duração dos processos e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord). Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 43.
45
o problema do afogamento dos tribunais. Para tanto, sublinha:
Não vejo qualquer ameaça à liberdade dos cidadãos nem à independência dos juízes, porque o acatamento a elas será acatamento a preceitos normativos legitimamente postos na ordem jurídica nacional, tanto quanto as leis; quem emitirá esses preceitos será um órgão expressamente autorizado pela Constituição Federal, e essa autorização era e é vital para todos que se preocupem com a presteza na oferta do acesso à Justiça.57
Outro é o entendimento de Ana Maria Scartezzini, qual seja:
Com a devida vivência dos que pensam em sentido contrário, o princípio do contraditório se vê aviltado com a súmula vinculante, pois sendo aquele essencial para o desenvolvimento válido e regular do processo, a relação processual só se apresenta válida ao assegurar-se a equânime audiência das partes envolvidas; [...] Ora, esse princípio se viu aviltado com a súmula vinculante, que poderá ser editada em hipótese de “grave insegurança jurídica” ou de “multiplicação de processos sobre questão idêntica” e ser provocada pelos legitimados à proposição da ação direta de inconstitucionalidade. Ainda que a hipótese de multiplicação de processos idênticos possa ser objetivamente aferida, a “grave insegurança jurídica” é expressão nebulosa, que poderá ensejar por via transversa a avocação de processos politicamente danosos para o Poder Público, sem que os reais interessados possam dele participar efetivamente.58
Por fim, conclui a autora que a justificativa de agilização de processos não se
coaduna com a garantia maior de submissão à apreciação do Poder Judiciário de
toda lesão ou ameaça de lesão perpetrada a direito individual ou coletivo.
Como se vê, o tema tem despertado acirradas discussões. Em que pese as
divergências supraexplanadas, vieram as súmulas vinculantes com o condão de
agilizar a solução de litígios, na busca de se garantir uniformização no julgamento de
casos semelhantes, tudo em nome da efetivação da fórmula “duração razoável do
processo”.
Consideram os legisladores e parte da doutrina serem as súmulas vinculantes
um dos meios viáveis capazes de conferir celeridade ao sistema processual, assim,
reduzindo parte do abuso na utilização das vias recursais. Acreditam, por
conseguinte, que reduzindo a possibilidade de recorribilidade das decisões
jurisdicionais, pode-se alcançar a estabilidade das decisões gerando uma maior
sensação de segurança jurídica no Brasil.
57 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições..., p. 39. 58 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. Op. cit., p. 44-45.
46
Na realidade, se sua adoção irá constituir uma afronta às garantias
fundamentais do processo, uma total violação ao devido processo legal ou até
mesmo um obstáculo à autonomia dos magistrados, não sabemos ainda. Por isso,
devemos ser cautelosos e aguardar o papel que virão a desempenhar no meio
jurídico. O terreno ainda é arenoso e é relativamente cedo para que possamos emitir
opiniões concretas acerca da edição de súmulas vinculantes. Infelizmente, teremos
que contar com, os que chamam alguns, nosso pior inimigo, o tempo.
Devemos, para tanto, seguir as advertências de Teresa Arruda Alvim
Wambier:
Se as súmulas atenderem a ‘interesses’, quaisquer que sejam as suas naturezas, e não se limitarem, fundamentalmente, a extrair da lei seu real significado - e nessa medida as súmulas devem ser vistas como resultado de atividade interpretativa - , aí, certamente, o sistema de súmulas vinculantes terá naufragado. Seguramente, o estrago que se produzirá será muito mais nefasto para a Nação do que aquele que seria produzido por uma singela decisão, cujos efeitos estariam adstritos às partes. É saber se vale ou não a pena correr o risco. Optar-se por correr o risco significa ter disposição e coragem de enfrentar dogmas e prudência para adotar (e utilizar) institutos que nasceram e se desenvolveram em sistemas jurídicos diferentes do nosso.59
59 WAMBIER, Terese Arruda Alvim. Súmula Vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 98, p. 306, 2000.
47
5 A GARANTIA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO -
ANTERIORIDADE
Antes mesmo da expressa disposição no texto constitucional por meio da EC
n. 45, já se podia vislumbrar a presença da garantia da razoável duração do
processo no ordenamento jurídico por meio dos princípios e garantias fundamentais
atinentes à ordem constitucional e a sistemática processual.
Na realidade, a inovação consiste na direta disposição desta garantia em
sede constitucional, bem como, precipuamente, a elevação de seu status a direito
fundamental do indivíduo, o que lhe confere ressaltada relevância no que toca as
demais alterações perpetradas pela Reforma do Judiciário.
Com efeito, caracteriza-se o Estado Democrático de Direito pela função social
que deve desempenhar, garantindo a vivência digna e pacífica dos indivíduos,
enquanto seres que vivem em coletividade, no exercício da atividade jurisdicional,
nesse sentido, realizando justiça social.
Quando a atividade jurisdicional não consegue garantir a satisfação jurídica
dos litigantes dentro de um período de tempo compatível com a complexidade do
conflito envolvido, não há de se falar em justiça social, pois, provavelmente, já tenha
ocorrido o perecimento do direito ou mesmo tenha se tornado inútil seu exercício.
Mauro Cappelletti, em sua visita ao Brasil, em 1992, em uma Conferência
realizada em Curitiba, relatou sobre o problema social que se depara a ciência
processual e o movimento pelo acesso à Justiça, no qual o processo se revela como
espelho da cultura de uma época. Nessa vertente, tornou-se o processo, segundo
Cappelletti, a arena da luta por um direito efetivo e não meramente aparente. As
garantias formais do indivíduo foram sendo acrescentadas também pelas garantias
sociais.
Dentro desta dimensão social que aos poucos era incutida ao processo,
demonstra o autor a existência de uma concepção “tridimensional” do direito, na
medida em que este já não seria visto somente pela perspectiva de seus produtores
ou produtos; e sim, principalmente, na perspectiva dos “consumidores” do direito e
da justiça.
Visão “tridimensional”, porque tomar, antes de tudo, como ponto de partida;
(a) a necessidade ou o problema social que exige uma resposta no plano jurídico;
48
em segundo lugar; (b) examina tal resposta, que naturalmente pode ser de natureza
normativa, mas o exame do jurista deve sempre estender-se também às
instituições e aos procedimentos responsáveis pela atuação de tal resposta; e
finalmente; (c) preocupa-se em analisar o impacto dessa resposta jurídica sobre a
necessidade ou o problema social, e portanto lhe pesa a eficácia.60
Por fim, nos fala novamente o autor:
[...] Os conceitos e as categorias fundamentais já não são, destarte, apenas a jurisdição, a sentença, a execução, etc., mas também a acessibilidade, e por conseguinte o custo, a duração, e em geral os obstáculos - econômicos, culturais, sociais - que com tanta frequência se interpõem entre o cidadão que demanda justiça e o procedimento destinado a concedê-la [...]61
Voltando à discussão acerca da razoável duração do processo como garantia
preexistente no ordenamento jurídico, já se podia observar anteriormente à EC n. 45
que tal garantia era abarcada pelo princípio da inafastabilidade do poder
jurisdicional.
Consagrado no inciso XXXV, do artigo 5o da CF, decorre deste princípio a
noção de que não é suficiente garantir ao jurisdicionado o acesso ao Judiciário, é
extremamente relevante que tal acesso ocorra de forma adequada e seja
solucionado o litígio em tempo razoável.
Garante o princípio da inafastabilidade, nos dizeres de Luiz Guilherme
Marinoni, uma tutela adequada à realidade do direito material, isto é, deve
igualmente garantir o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do
provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da situação de
direito substancial.62
Não cabe à lei ou ao Estado excluir da apreciação do Judiciário lesão ou
ameaça de direito, o que significa que todos, indistintamente, têm direito de acesso à
justiça a fim de se obter a tutela jurisdicional adequada, seja esta preventiva ou
reparatória em razão de um direito não resguardado ou violado.Trata-se o direito à
tutela jurisdicional de um verdadeiro direito subjetivo de se obter a tutela de um bem
da vida que lhe pertence, porém ainda não atendido, cabendo ao Estado a prestação
da aludida tutela, de modo a fazer cumprir a vontade concreta do ordenamento
60 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit., p. 130. 61 Ibid.. 62 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 126.
49
jurídico.
Sobre o assunto, Mauro Cappelletti e Bryant Garth sustentam que: “o acesso
à Justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental - o mais básico
dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda
garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.63
Significa, acima de tudo, o direito de postular o exercício da jurisdição através
de um processo revestido de todas as garantias fundamentais e processuais.
Como aludido, as mais recentes reformas realizadas em nosso sistema
processual buscaram atender as necessidades apontadas pelos estudiosos do
direito e dos cidadãos de uma forma geral, quais sejam, a carência por efetividade,
qualidade e tempestividade.
Nesse patamar, podemos seguir as orientações de Leonardo Greco, o qual
assevera que:
A tutela jurisdicional efetiva é, portanto, não apenas uma garantia, mas ela própria, também um direito fundamental, cuja eficácia irrestrita é preciso assegurar, em respeito à própria dignidade humana. O direito processual procura disciplinar o exercício da jurisdição através de princípios e regras que confiram ao processo a mais ampla efetividade, ou seja, o maior alcance prático e menor custo possíveis na proteção concreta dos direitos dos cidadãos. Isso não significa que os fins justificam os meios. Como relação jurídica plurissubjetiva, complexa e dinâmica, o processo em si mesmo deve formar-se com absoluto respeito à dignidade humana de todos os cidadãos, especialmente das partes, de tal modo que a justiça de seu resultado esteja de antemão assegurada pela adoção das regras mais propícias à ampla e equilibrada participação dos interessados, à isenta e adequada cognição do juiz e à apuração da verdade objetiva: um meio justo para um fim justo.64
O direito fundamental de acesso à Justiça não deve ser vislumbrado apenas
como a garantia ou mero direito de acesso ao Judiciário, e sim o direito a um
processo efetivo, onde estejam presentes todas as garantias constitucionais do
sistema processual, como a realização do contraditório e a oportunidade de ampla
defesa. Enfim, o acesso “à ordem jurídica justa”.65
Ao identificar o fundamento principal do processo, Kazuo Watanabe sustenta
63 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p.12. 64 GRECO, Leonardo. Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2005, p.225. 65 Expressão criada por: WATANABE, Kazuo. Assistência Judiciária e Juizado Especial de Pequenas Causas. São Paulo: RT, 1985, p. 161 e ss.
50
ser imprescindível que o processo “tenha plena e total aderência à realidade sócio-
jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de
instrumento à efetiva realização dos direitos”.66
Por fim, sobre o acesso à Justiça e à inafastabilidade do poder jurisdicional,
podemos concluir utilizando as sinceras palavras de Galdino Luiz Ramos Júnior,
estudioso acerca das garantias constitucionais do processo:
Daí, defender-se que o acesso à justiça implica, outrossim, acesso a homens justos (Magistrados, Governantes, Legisladores, etc.), capazes de conceder bens merecidos e buscados pelos seus semelhantes. Ser justo, inclusive, significa recusar-se a servir interesses mesquinhos e nefastos, relutar diante de preconceitos incutidos no espírito humano, contraditar à ordem posta, lutar contra qualquer tipo de opressão e falsa autoridade. Assim é que a expressão “acesso à justiça” engloba vários conceitos e, dentre os quais, o sentimento de busca por garantia de julgamento proferido, subjetivamente, por seres humanos justos.67
Decorre igualmente a garantia da razoável duração do processo da
interpretação que se pode extrair do princípio do devido processo legal, que prega o
direito à estrita observância das regras procedimentais, em respeito às garantias
fundamentais e processuais.
Partindo da premissa de que não basta apenas o direito ao processo, a um
provimento jurisdicional, faz-se extremamente necessário que esta tutela prestada
comporte um resultado útil, efetivo e capaz de atender às expectativas dos
jurisdicionados, respeitando a realidade dos fatos. Como assevera Djanira de Sá, “o
direito à efetividade da jurisdição é um direito fundamental instrumental, pois sua
inefetividade compromete a efetividade de todos os outros direitos fundamentais”.68
De pouco ou nada adiantará uma Justiça realizada com incompreensível
atraso. A demanda que se delonga por tempos e tempos, transforma-se em
instrumento de revolta, descontentamento e indignação para os que dela necessitam
ansiosamente uma solução de vida.
Do princípio do impulso oficial igualmente pode ser aferida a necessidade de
que a outorga da tutela jurisdicional se dê de forma adequada e tempestiva.
66 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. Campinas: Bookseller, 1999, p. 21. 67 RAMOS JÚNIOR, Galdino Luiz. Princípios Constitucionais do Processo: Visão Crítica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 39. 68 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo Grau de Jurisdição: conteúdo e alcance constitucional. São Paulo: RT, 1999, p. 44.
51
Em vista deste princípio, o magistrado deve assumir uma postura ativa na
condução do processo, devendo assegurar-lhe seu regular desenvolvimento,
reprimindo eventuais comportamentos não condizentes e velando pelo respeito aos
preceitos constitucionais e às garantias processuais.
A seu turno, decorre claramente do direito fundamental à razoável duração do
processo, a garantia do processo sem dilações indevidas. No entender de Elaine
Harzheim Macedo, o processo como mero instrumento da jurisdição deve ser
sepultado, reconhecendo-o como o espaço legítimo onde a jurisdição se realiza,
porém, qualificado por características aptas à concretização do direito e de seu
escopo na realização dos fins e fundamentos do Estado, constitucionalmente
adotados e assegurados.69
Com efeito, neste modelo de atividade jurisdicional que se busca, não há
espaço para delongas de atos processuais que pouco ou nenhum efeito produzirão,
atrasos do procedimento, atrasos injustificados para a entrega de documentos pelos
demandantes, entre outras mazelas, que podem ocasionar o desvirtuamento do que
se entende por tempo razoável para o trâmite e julgamento do processo.
Destarte, José Rogério Cruz e Tucci defende a garantia do processo sem
dilações indevidas como corolário do devido processo legal. Para tanto aduz:
O processo, como é notório, presta-se como instrumento de exercício do direito à jurisdição, sendo que seu desenrolar, com estrita observância dos regramentos ínsitos ao denominado due process of law, importa na possibilidade de inarredável tutela de direito subjetivo material objeto de reconhecimento, satisfação ou assecuração em juízo. [...] Não basta, pois, que se assegure o acesso aos tribunais, e, consequentemente, o direito ao processo. Delineia-se inafastável, também, a absoluta regularidade deste (direito no processo), com a verificação efetiva de todas as garantias resguardadas ao consumidor da justiça, em um breve prazo de tempo, isto é, dentro de um tempo justo, para a consecução do escopo que lhe é reservado. Em síntese, a garantia constitucional do devido processo legal deve ser uma realidade durante as múltiplas etapas do processo judicial, de sorte que ninguém seja privado de seus direitos, a não ser que no procedimento em que este se materializa se constatem todas as formalidades e exigências em lei previstas.70
69 MACEDO, Elaine Harzheim. Jurisdição e processo. Crítica histórica e perspectivas para o terceiro milênio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 278-280. 70 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; TUCCI, José Rogério Cruz (coord.). Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: RT, 1999.
52
Ante ao exposto, da simples interpretação das garantias até então apontadas,
nota-se que o direito fundamental à razoável duração do processo já estava
devidamente assegurado aos jurisdicionados antes mesmo da EC n. 45.
5.1 JURISPRUDÊNCIA SOBRE A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO
5.1.1 Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
No âmbito internacional reza o artigo 6º, §1° da Convenção Europeia para
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em
Roma, em 4 de novembro de 1950, que
[...] qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a quem compete o julgamento de
processos envolvendo violações ao citado artigo 6°, §1°, por parte dos países
signatários da referida convenção, tem jurisprudência reiterada no sentido de que a
violação à duração razoável do processo deve ser avaliada à luz das circunstâncias
do caso concreto e com referência aos seguintes critérios: a complexidade da causa,
a conduta do requerente e da autoridade judiciária e a relevância do objeto para o
requerente na disputa (SECOND SECTION CASE OF GOTTHÁRD-GÁZ KFT v.
HUNGARY (Application no. 2832M4 - STRASBOURG, 5 June 2007).71
Também é pacífico na referida corte que o artigo 6º, §1°, da Convenção exige
que todas as fases do procedimento legal para a determinação das obrigações e
direitos civis devem ser resolvidas em um prazo razoável, não estando excluídos os
estágios subsequentes ao julgamento do mérito e a execução (CASE OF ESTIMA
71 The Court reiterates that the reasonableness of the length of proceedings must be assessed in the light of the circumstances of the case and with reference to the following criteria: the complexity of the case, the conduct of the applicant and the relevant authorities and what was at stake for the applicant in the dispute (see, among many other authorities, Frydlender v. France [GC], no. 30979/96, §43, ECHR 2000-VII).
53
JORGE v. PORTUGAL (16/1997/800/1003), STRASBOURG 21 April 1998).72
A Corte Europeia dos Direitos Humanos entende também que o §1°, do artigo
6°, da Convenção impõe aos Estados signatários o dever de organizar seus
sistemas judiciários de tal maneira que suas cortes possam se encontrar conforme
as exigências desta cláusula, bem como reafirma a importância de administrar a
justiça sem atrasos, pois estes podem por em perigo sua eficácia e credibilidade
(julgamento de Katte Klitsche de la Grange v. Italy de 27 outubro 1994, série A no.
293-B, p. 39, §61). Afirma também que atrasos excessivos na administração da
justiça constituem um grave perigo, especialmente para a cláusula mie of law (CASE
OF Dl MAURO v. ITALY (Requête n°/Application no. 34256/96), STRASBOURG, 28
July 1999)73.
Em relação a argumentações de acúmulos de casos nas cortes de apelações,
a corte europeia já decidiu que não pode ser esquecido que o artigo 6°, §1°, da
Convenção impõe ao Estado “contratante” o dever de organizar seus sistemas
judiciais de forma que suas cortes possam satisfazer cada um dos requisitos
contidos naquela cláusula (CASE OF SALESI c. ITALIE (Application no. 13023/87),
STRASBOURG, 26 February 1993)74.
5.1.2 Tribunal Constitucional da Espanha
A Constituição Espanhola no artigo 24.2 assegura que
72 The Court recalls that Article 6 §1 of the Convention requires that all stages of legal proceedings for the “determination of... civil rights and obligations”, not excluding stages subsequent to judgment on the merits, be resolved within a reasonable time (see the Robins v. the United Kingdom judgment of 23 September 1997, Reports 1997-V, p. 1809 §28). Execution of a judgment given by any court must therefore be regarded as an integral part of the “trial” for the pumoses of Article 6 (see the Hornsby v. Greece judgment of 19 March 1997, Reports 1997-11, pp. 510-11, §40. 73 “23. The Court notes at the outset that Article 6 §1 of the Convention imposes on the Contracting States the duty to organise their judicial systems in such a way that their courts can meet the requirements of this provision (see the Salesi v. Italy judgment of 26 February 1993, Series A no. 257-E, p. 60, §24). It wishes to reaffirm the importance of administering justice without delays which might jeopardise its effectiveness and credibility (see the Katte Klitsche de la Grange v. Italy judgment of 27 October 1994, Series A no. 293-B, p. 39, §61). It points out, moreover, that the Committee of Ministers of the Council of Europe, in its Resolution DH (97) 336 of 11 July 1997 (Length of civil proceedings in Italy: supplementary measures of a general character), considered that “excessive delays in the administration of justice constitute an important danger, in particular for the respect of the rule of law". 74 'As to the argument based on the backlog of cases in the appellate court, it must not be forgotten that Article 6 para. 1 (art. 6-1) imposes on the Contracting States the duty to organise their judicial systems in such a way that their courts can meet each of its requirements (see, among many other authorities, the Tusa v. Italy judgment of 27 February 1992, Series A no. 231-D, p. 41, para. 17)".
54
[...] todos tienen derecho al juez ordinário predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantias, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra si mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocência.
Segundo a Jurisprudência do Tribunal Constitucional da Espanha, o direito a
um processo sem dilações indevidas encerra um conceito jurídico indeterminado
que, em razão da sua imprecisão, exige examinar cada caso concreto à luz de
determinados critérios que permitam verificar se existe efetiva dilação e, sendo o
caso, se esta pode considerar-se justificada, porque esse direito não se identifica
com a duração global da causa, nem sequer com o cumprimento dos prazos
processuais, conforme consta do STC 220/2004 item 6.
Nessa mesma decisão, asseverou-se
[...] que el juicio sobre el contenido concreto de las dilaciones, y sobre si son o no indebidas, debe ser el resultado de la aplicación a las circunstancias específicas de cada caso de los critérios objetivos que a lo largo de nuestra jurisprudência se han ido precisando, y que son la complejidad de! litígio, los mârgenes ordinários de duración de los litígios dei mismo tipo, el interês que en aquél arriesga el demandante de amparo, su conducta procesal y la conducta de las autoridades.
Ou seja, o Tribunal Constitucional da Espanha, conforme tradução livre que
fazemos, a seguir, segundo sua jurisprudência, utiliza como critérios objetivos para
saber se as dilações processuais são razoáveis: a) a complexidade do litígio; b) o
tempo normal de duração do litígio de mesma espécie; c) o interesse do
demandante; d) seu comportamento; e, e) o das autoridades, em vista de cada caso
concreto.
Também, segundo a Jurisprudência do Tribunal Constitucional da Espanha, o
direito a um processo público sem dilações indevidas não pode identificar-se com
um pretendido direito ao rigoroso cumprimento dos prazos processuais (STC 5/1985,
324/1994, 58/1999), ou seja, aqueles constantes no Código Processual.
No STC 58/1999, ficou assentado que:
La prohibición de retrasos injustificados en la marcha de cualesquiera
55
pmcesos judiciales impone a Jueces y Tribunales ei deber de obrar con la celeridad que les permita «la duración normal o acostumbrada de litigios de la misma naturaleza» (SSTC 223/1984, 43/1985, 50/1989, 81/1989, 10/1997, 140/1998) y con la diligencia debida en el impulso de las distintas fases porias que atraviesa un proceso (art. 237 L.O.P.J.).
Pela STC 32/1999, ficou reconhecido que a violação ao princípio da proibição
de dilações indevidas pode ocorrer tanto em razão de omissão quanto de ação da
autoridade judicial:
Por ello, el derecho dei justiciable a un proceso sin dilaciones indebidas supone correlativamente para los órganos judiciales, no la sumisión al principio de celeridad, sino la exigenda de practicar los trâmites dei proceso en el más breve tiempo posible en atendón a todas las drcunstandas dei caso, que dertamente pueden ser muy variadas. Por otra parte, conviene advertir ya desde ahora que la vulneradón dei referido derecho puede produdrse tanto por omisión, que consiste en la mera inactividad judicial y que normalmente ocurrirá con mayor frecuencia; como por acdón, mediante resoludones que acuerdan la pró dica de trâmites que ocasionan un alargamiento innecesario dei proceso.
Outras decisões que merecem serem citadas, de acordo com o Tribunal
Constitucional da Espanha, sobre o assunto são as que reconhecem o direito a um
processo sem dilações indevidas também nos processos de execução (STC
26/1983, 10/1991, 33/1997, 53/1997, 78/1998), as que declaram que todos, incluídas
as partes, devem colaborar com os juízes e Tribunais para o bom andamento dos
processos (STC 206/1991,140/1998), as que obrigam que sejam denunciadas as
dilações indevidas do processo ao juízo a quo para que tome providências, antes de
se utilizar do juízo de amparo (ação constitucional para proteção do citado princípio
constitucional da espanha) (STC 136/1997, 156/1997, 21/1998, 39/1998, 140/1998).
5.1.3 Supremo Tribunal Federal (brasileiro)
O Supremo Tribunal Federal em decisões proferidas após a Emenda 45/04,
aplicando o novo inciso LXXVIII, do artigo 5°, da CF/88, tem decidido que:
A economia processual, a instrumentalidade das formas e outros princípios tão caros aos processualistas modernos desaconselham a prática de atos, notadamente decisórios, que poderão ser nulificados mais adiante. Este é um luxo incompatível com o volume invencível de feitos que abarrotam o Judiciário brasileiro. É, também, um procedimento que traz insegurança ao jurisdicionado hipossuficiente, prolongando-lhe a agonia da espera. Tudo
56
isso em descompasso com os ventos reformistas, que sinalizam "a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (inciso LXXVIII do art. 5° da Magna Carta, na redação da EC 45/2004). (Pet 3597 MC I RJ - RIO DE JANEIRO MEDIDA CAUTELAR NA PETIÇÃO Relator(a) MIN. CARLOS BRITTO, Julgamento 06/02/2006 Publicação DJ 15/02/2006 PP-00087).
Convém ressaltar o que indica o MINISTRO EROS GRAU no CC 7232/AM -
AMAZONAS CONFLITO DE COMPETÊNCIA Relator(a) MIN. - EROS GRAU
Julgamento 19/09/2005 Publicação DJ 28/09/2005 P 00030:
15. Tem-se, então, de um lado, as regras processuais que garantem ao jurisdicionado a segurança jurídica. De outro, a preocupação com a rápida entrega da prestação jurisdicional. A dificuldade a enfrentar quando se trate de atribuir efetividade ao princípio da celeridade processual está em compatibilizarmos segurança jurídica com agilidade processual, sopesando o grau de sacrifício de cada um destes elementos, o que não é impossível se ponderarmos os bens jurídicos envolvidos no caso concreto. Entendo deva, no caso, ser conhecido o conflito, dado que a reclamante não pode ser prejudicada pela omissão do juízo a quo, especialmente em face do caráter alimentar dos créditos trabalhistas. Entendimento diverso causaria grave prejuízo ao trabalhador que ajuizou a reclamação, sem que a ele se possa atribuir qualquer culpa. A mora na entrega da prestação jurisdicional equivale à ineficácia ou inutilidade do próprio provimento. Por isso o magistrado deve, no exercício do poder de direção do processo e para conferir efetividade à tutela jurisdicional, evitar que as delongas processuais sejam superiores ao razoável.
No Informativo n. 455 do STF consta que:
O Tribunal deu provimento a 4.908 recursos extraordinários interpostos pelo INSS nos quais se discutia se a Lei 9.032/95 seria aplicável a pensões por morte e aposentadorias concedidas antes de sua vigência. Inicialmente, o Tribunal, por maioria, salientando a homogeneidade da questão tratada nos recursos em pauta e, prestando homenagem ao que disposto no art. 5o, LXXVIII, da CF, que determina a solução dos litígios em prazo razoável, rejeitou questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio [...], e deliberou dar prosseguimento ao julgamento conjunto dos recursos. (RE 320.179, Rei. Min. Cármen Lúcia; RE 458.717, Rei. Min. Ricardo Lewandowski; RE 447.282, Rei. Min. Carlos Britto; RE 492.338, Rei. Min. Cezar Peluso; RE 414.741, Rei. Min. Gilmar Mendes e RE 403.335, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07).
Por sua vez, no Informativo do STF n. 470, de 4 a 8 de junho de 2007, consta
o seguinte resumo do julgamento do HC 91.041/PE, relatora orig. Min. Cármen
Lúcia, relator p/o acórdão Min. Carlos Britto, onde também foi aplicado o princípio da
duração razoável do processo:
57
Em face do empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para determinar que o STJ apresente em mesa idêntica medida lá impetrada — em 1°.8.2006, cuja liminar fora indeferida em 21.8.2006, e nesta data remetida ao Ministério Público Federal—, na primeira sessão subsequente à comunicação da presente ordem, nos termos do art. 664 do CP, c/c o art. 202 do RISTF — v. Informativo 468. Asseverando a necessidade de se conciliar o direito à “razoável duração do processo" (CF, art. SP, LXXVIII), em tema de impetração de habeas corpus, com o dever estatal de não-negação de justiça (CF, art. 5°, XXXV), afirmou- se que a tramitação de processo que se instaura por ajuizamento de um habeas corpus tem primazia sobre o andamento de qualquer outra ação, ainda que esta também tenha expressa nominação constitucional, porquanto aquele visa proteger a liberdade de locomoção. Desse modo, de nada valeria declarar o direito à razoável duração do processo, se a ele não correspondesse o dever estatal de julgar, dever que se transmuta em garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário, garantia individual a se operacionalizar pela imposição de dupla e imbricada interdição: a) ao Poder Legislativo, no sentido de não poder afastar da apreciação judiciária todo tipo de lesão ou ameaça a direito e b) aos próprios órgãos do Poder Judiciário, na acepção de que nenhum deles pode optar pelo não-exercício do poder de decidir sobre tais reclamos de lesão ou ameaça a direito, haja vista a obrigação de solver ou liquidar as matérias formalmente submetidas à sua apreciação.
Da jurisprudência supracitada do Pretório Excelso, conclui-se a que a
aplicação pelos Ministros do princípio da duração razoável do processo alçado em
âmbito constitucional é no sentido de sua concretização material.
5.1.4 Superior Tribunal de Justiça (brasileiro)
O Superior Tribunal de Justiça tem examinado o alcance e a aplicabilidade do
inciso LXXVIII, do artigo 5°, da CF/88 em ações judiciais afetas a processos
administrativos e penais que podem configurar paradigmas válidos para futuras
decisões envolvendo o processo civil.
No Mandado de Segurança n. 10.792-DF, de Relatoria do Ministro Hamilton
Carvalhido Carvalho, publicado no DJ 21.08.2006, p. 228, foi concedida ordem “para
determinar que a Autoridade Coatora conclua, no prazo de noventa dias, o processo
administrativo do impetrante, como for de direito", conforme a seguinte ementa:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. REQUERIMENTO DE ANISTIA. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a
58
conclusão de procedimento administrativo. A despeito do grande número de pedidos feitos ao Ministro da Justiça e dos membros da Comissão de Anistia, seu órgão de assessoramento, serem pro bono, aqueles que se consideram atingidos no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, não podem ficar aguardando, indefinidamente, a apreciação do seu pedido, sem expectativa de solução num prazo razoável. Ordem concedida.* Conforme o relatório do Relator do MS o impetrante visa a concessão da ordem de segurança "[...] para compelir o Exmo. Sr. Ministro da Justiça para que determine à 'Comissão de Anistia' (Lei Federal n° 10.55902) que dê prosseguimento ao trâmite processual administrativo e julgue o requerido no Processo de n° 2002.01.09015 que tramita pela 'Comissão de Anistia' (fl. 8 do MS).
O processo do impetrante foi instaurado em 2002 e encontrava-se sem
apreciação até aquele momento, tendo sido salientado que, dessa situação,
“exsurge o direito líquido e certo para que seja determinado à autoridade impetrada
que analise, em um prazo razoável, o aludido requerimento" (conf. relatório do
Ministro).
A autoridade coatora em informações aduziu que
[...] desde que foi criada a Comissão de Anistia, foram recebidos cerca de quarenta e nove mil requerimentos de anistia, dando-se prioridade às pessoas idosas, portadoras de doenças grave, desempregadas ou com renda familiar mínima.
E asseverou que:
[...] Portanto, se confrontados os dados correspondentes ao número de processos em trâmite na Comissão de Anistia e a real capacidade de esforço dos Conselheiros, a constituir, repita-se, múnus de especial relevo, fácil chegar à conclusão de que, ao contrário do que aduz o impetrante, a reclamada demora no trâmite dos procedimentos de anistia, em hipótese alguma, caracterizaria omissão. Frize-se, por oportuno, que o Impetrante, no momento, não satisfaz qualquer das condições para reclamar maior celeridade no trâmite ou na decisão de seu requerimento. Atendê-lo, seja por decisão administrativa, seja por ordem judicial, que é o que agora intenta, importaria subverter a ordem de prioridade legitimamente estabelecida, em detrimento, sobretudo, dos anistiados que, dadas as suas peculiaridades, e por razão de justiça social, merecem receber tratamento prioritário. (conforme relatório do MS 10.792-DF).
O voto do Sr. Ministro Hamilton Carvalhido Carvalho, desde o início, cita o
princípio a ser aplicado:
59
Senhor Presidente, dispõe o artigo 5°, inciso LXXIII, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional n° 45, de 2004, in verbis; a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Ao que se tem, a todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora, erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo.
Segundo o voto no caso “não há notícia nos autos de já haver manifestação
da Comissão de Anistia sobre o pedido do impetrante" e citou parecer do
representante do Ministério Público Federal:
[...] A celeridade do processo revela a eficiência na aplicação do direito. Eficiência é um conceito contingenciaI ou relacional, pois a sua aplicação está sempre dependente de uma avaliação de circunstâncias concretas ou de relações de elementos sensíveis às mesmas circunstâncias. A complicação do preceito é, sem dúvida, uma dificuldade às autoridades do Estado moderno que tem como desafio a crescente demanda da sociedade, mas não é uma escusa para não aplicá-lo. A impropriedade da fixação de um prazo razoável decorre do fato de isso não constar expressamente do pedido. Ademais, a autoridade pondera que a Comissão de Anistia, criada há quatro anos, ainda conta com um estoque pouco superior a 12 mil processos. A estrutura, formada por pessoas que atuam sem remuneração específica, consegue julgar não mais do que 150 processo por mês. Parece que a autoridade oferece uma explicação plausível, que deve ser acolhida na base da boa-fé. Fixar um prazo de 60 dias tem a inconveniência de que, se pleiteado por um grande número de requerentes em situações semelhantes, o trabalho da Comissão poderá se tornar inexequível. Esse resultado não interessa ao Poder Judiciário, cuja ordem cairá no descrédito, nem à Administração nem ao administrado. Diante das circunstâncias, o cidadão, necessitado da prestação administrativa, será servidor com a explicação da autoridade sobre os passos tomados no processamento do requerimento. Isso já foi feito com as informações da autoridade. Há mais. Segundo a fase do processo, falando em tese, duas opções podem ocorrer, uma, é fixar um prazo razoável que poderá varias em cada caso, segundo a fase do processo; outra, é determinar que a autoridade, levando em conta as condições pessoais do requerente, o estágio em que o seu processo se encontra e as condições de funcionamento do serviço, fixe um prazo, a partir dessas variantes, dentro do qual assume o compromisso de julgar o requerimento. Esse pode ser um caminho praticável que se oferece à consideração dessa eg. Terceira Seção, a fim de orientar futuros casos.[...] ({t\s fls.. 7V73) (Voto do Ministro).
E assim concluiu o Ministro o seu voto: “pelo exposto, passados quase quatro
anos, concedo a ordem para determinar que a Autoridade Coatora conclua, no prazo
de noventa dias, o processo administrativo do impetrante, como for de direito".
No caso do Mandado de Segurança 10.792 do STJ, mesmo havendo
60
justificativas plausíveis da autoridade coatora sobre o acúmulo de serviços, o fato é
que, passados quase quatro anos, sem a conclusão do processo do impetrante,
conforme entendeu o Ministro, há violação da duração razoável do processo.
Em outro julgado (MS 10.476) do STJ em que foi pleiteada segurança, esta
não foi concedida, pois ficou caracterizada que a demora de julgamento do processo
administrativo se deu por omissão do próprio impetrante e não da autoridade
coatora, cuja ementa é a seguinte:
ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA POR OMISSÃO - ANISTIADO POLÍTICO - DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO - IMPOSSIBILIDADE DO JUDICIÁRIO SUBSTITUIR A VONTADE DO LEGISLADOR E A COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO MINISTRO DA JUSTIÇA PARA O RECONHECIMENTO DOS ANISTIADOS POLÍTICOS - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Se a demora para a condução do processo administrativo no âmbito do Ministério da Justiça, para o reconhecimento de anistiado político e efeitos financeiros, se dá em benefício do próprio impetrante, que passados mais de 3 anos do requerimento ainda não comprovou o vínculo com o antigo empregador, sendo que a Administração a todo o momento impulsiona o feito na tentativa de que o impetrante cumpra o seu ônus probatório, não se tem por desarrazoável tal demora. Z. Não cabe ao Poder Judiciário substituir a competência exclusiva do Ministro da Justiça para a análise dos pleitos de anistia política. Inexistência de ilegalidade ou de ato omissivo, o que torna inviável a demonstração do direito líquido e certo. Ordem denegada.* (Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: MS - MANDADO DE SEGURANÇA - 10476 Processo: 200500319530 UF: DF Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO Data da decisão: 14/02/2007 Documento: STJ000733692 DJ DATA: 05/03/2007 PÁGINA:246 Relator MINISTRO HUMBERTO MARTINS).
Em matéria processual penal merece ser citado o HC 56972/SP, em que foi
concedida ordem para que o Tribunal a quo julgue a apelação criminal que
aguardava julgamento há alguns anos:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DEMORA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EC N. 45/04. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. O excesso de prazo no julgamento de apelação criminal, quando injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus (Precedentes). Na espécie, o impetrante interpôs apelação criminal em 19/03/2004, aguardando, até a presente data, julgamento. Flagrante, portanto, o constrangimento ilegal. Ordem concedida, para que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgue a apelação criminal n° 965.598.3/6.
61
Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: HC - HABEAS CORPUS - 56972 Processo: 200600695564 UF: SP Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data da decisão: 24/10/2006 Documento: STJ000732560 DJ DATA: 26/02/2007 PÁGINA:619r, relator: FELIX FISCHER.
5.1.5 Legge Pinto (89/2001) – Solução ou Paliativo?
A Itália se viu obrigada a introduzir o chamado “processo justo” em sua
Constituição75 e, desse modo, editar uma lei que previsse a possibilidade de os
cidadãos reivindicarem indenização perante suas próprias Cortes, assim,
restringindo o acesso direto à Corte Europeia, que exige o esgotamento prévio dos
recursos internos76.
No que toca à Legge Pinto (Lei 89/2001), o seu art. 2º, assim dispõe:
Art. 2. Diritto all'equa riparazione 1. Chi ha subìto un danno patrimoniale o non patrimoniale per effetto di violazione della Convenzione per la salvaguardia dei diritti dell'uomo e delle libertà fondamentali, ratificata ai sensi della legge 4 agosto 1955, n. 848, sotto il profilo del mancato rispetto del termine ragionevole di cui all'articolo 6, paragrafo 1, della Convenzione, ha diritto ad una equa riparazione. 2. Nell'accertare la violazione il giudice considera la complessità del caso e, in relazione alla stessa, il comportamento delle parti e del giudice del procedimento, nonché quello di ogni altra autorità chiamata a concorrervi o a comunque contribuire alla sua definizione. 3. Il giudice determina la riparazione a norma dell'articolo 2056 del codice civile, osservando le disposizioni seguenti: a) rileva solamente il danno riferibile al periodo eccedente il termine ragionevole di cui al comma 1; b) il danno non patrimoniale è riparato, oltre che con il pagamento di una somma di denaro, anche attraverso adeguate forme di pubblicità della dichiarazione dell'avvenuta violazione77.
75 Art. 111 da Constituição Italiana: “La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge”. 76 “Essa situação causou grave transtorno político à Itália como membro da Comunidade Européia, além de natural abalo em sua soberania, principalmente em razão da forte pressão exercida pelos demais países, uma vez que tantos foram os processos de cidadãos italianos perante a Corte Européia que se causou uma morosidade da própria Corte, a qual se viu às voltas com uma carga excessiva de processos em razão da exagerada duração do processo italiano, que não conseguia mais julgar seus próprios casos em tempo adequado. Diante desse quadro, a Itália viu-se obrigada a, inicialmente, introduzir o justo processo em sua Constituição e, às pressas, aprovar uma lei que prevê a possibilidade de os cidadãos italianos requererem indenização perante as próprias Cortes italianas, porquanto a Convenção Européia somente admite recursos à Corte Européia quando esgotada a jurisdição no país-membro ou na hipótese de inexistência de lei que preveja a possibilidade de o jurisdicionado exigir determinado direito perante seu próprio país de origem” (HOFFMAN, Paulo. O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues. Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional nº 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 584). 77 Disponível em: <http://www.delittoecastigo.info/leggepinto/legge.htm>. Acesso em: 06 fev. 2010.
62
Consoante essa lei, infere-se que o direito à indenização decorre de danos
morais e materiais sofridos ao longo da excessiva duração do processo, havendo
clara disposição no texto de que se trata “da mesma indenização a que o cidadão
teria direito com base na Convenção Europeia de Direitos do Homem”78.
A Lei deixa claro que os critérios utilizados pelo juiz quando da análise do
pedido são os mesmos definidos pela Corte Europeia, quais sejam: a complexidade
do caso, o comportamento das partes, do juiz e demais auxiliares. A reparação de
danos, por sua vez, segue os ditames da lei interna, podendo o dano moral ser
reparado por indenização pecuniária ou publicidade79.
Outro aspecto interessante da Lei Pinto é que existe a possibilidade da
demanda indenizatória ser proposta ainda que pendente o processo em que se julga
ter havido violação à razoável duração, contudo a ação indenizatória tem o prazo
prescricional de seis meses, a contar do trânsito em julgado da decisão80.
O art. 5º da referida lei determina que as decisões devem ser comunicadas às
partes e também ao Procurador-Geral da Corte dei conti, que é uma espécie de
órgão administrativo responsável pelo controle dos gastos públicos, com o fim de
eventual verificação de culpa das autoridades envolvidas. Isso demonstra a
preocupação do legislador em tomar medidas disciplinares e evitar reincidência81.
A Lei Pinto italiana decorre da estarrecedora estatística que apontava que, em
meado dos anos de 1990, 85% das causas relativas à violação da duração razoável
submetidas à Corte Europeia eram movidas contra o Estado italiano82.
Assim, o objetivo de referida lei era criar um remédio intramuros para cumprir
a norma exposta no art. 13 da Convenção Europeia.
Em seu Capítulo II, que trata da justa reparação, a Lei Pinto estabelece o
direito a uma justa reparação para quem sofrer dano patrimonial ou extrapatrimonial
decorrente da violação da duração razoável prevista no art. 6º, §1º, da Convenção
Europeia. Como critérios para aferição da proporcionalidade da duração processual,
a Lei Pinto estabelece os mesmos consolidados nas decisões da Corte Europeia83.
78 HOFFMAN, Paulo. Op. cit., p. 582. 79 Ibidem. 80 Ibidem, p. 583. 81 HOFFMAN, Paulo. Op. cit. 82 Ibidem. 83 "Art. 2. (Diritto all'equa riparazione). 1. Chi ha subi'to un danno patrimoniale o non patrimoniale per effetto di violazione della Convenzione per la salvaguardia dei diritti dell'uomo e delle liberta'
63
Igualmente, o dano se dá em relação ao tempo patológico, ou seja, o que
ultrapassou a natural duração fisiológica, sendo que decisões italianas costumam
levar em consideração a regra dos cinco anos da Corte Europeia e o valor de mil
euros por ano excedente, mesmo que não haja qualquer subordinação hierárquica
ou política entre as duas jurisdições84.
Impõe-se salientar, contudo, que a Corte Europeia entende que o pagamento
do montante indenizatório devido deve ocorrer no prazo de seis meses do termo em
que a decisão passa a ter executoriedade, sendo que, nos casos Cocchiarella contra
Itália e Gaglione contra Itália, condenou-se o Estado italiano por descumprir a
própria Lei Pinto, pois os pagamentos, no caso Gaglione, levaram de nove a 49
meses, sendo que aproximadamente 65% dos casos ultrapassavam os 19 meses.
Percebe-se, pois, que a própria Lei Pinto, que buscava a duração razoável
dos processos, não está sendo cumprida em tempo razoável, o que propicia que
novas demandas sejam propostas perante a Corte Europeia.
Indispensável, para o direito processual, que se viabilize, conforme a análise
do caso concreto, a tutela adequada, efetiva e tempestiva do direito pretendido.
Nesse sentido, de fundamental relevância é o estudo da relação entre tempo
e direito, mormente no sentido de se buscar a efetivação de uma tutela tempestiva.
Para tanto, o direito fundamental à duração razoável do processo é um
notável avanço no Direito brasileiro, consagrado pela Emenda Constitucional nº 45,
que inseriu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição da República Federativa do
Brasil. De qualquer sorte, mesmo antes dessa positivação, já se reconhecia o direito
fundamental à duração razoável no país.
Tal direito fundamental é consagrado em inúmeros ordenamentos alienígenas
e impõe ao Estado – Poder Legislativo, Poder Judiciário e Poder Executivo –
deveres para sua densificação, havendo um dever de proteção normativa, um dever
de dotação e um dever de prestação de tutela jurisdicional tempestiva.
Cumpre destacar, em relação ao direito fundamental à duração razoável, a
atuação da Corte Europeia dos Direitos do Homem, especialmente em razão dos
fondamentali, ratificata ai sensi della legge 4 agosto 1955, n. 848, sotto il profilo del mancato rispetto del termine ragionevole di cui all'articolo 6, paragrafo 1, della Convenzione, ha diritto ad una équa riparazione. 2. Nell'accertare la violazione il giudice considera la complessita' del caso e, in relazione alla stessa, il comportamento delle parti e del giudice del procedimento, nonche' quello di ogni altra autorita' chiamata a concorrervi o a comunque contribuire alla sua definizione." 84 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Op. cit., p. 97-98.
64
critérios adotados para a aferição da proporcionalidade da duração do processo,
além de sua forte influência sobre seus Estados-membros, dando efetividade ao
direito fundamental.
O que se impõe analisando está legislação Italiana é até que ponto a nova
sistemática auxilia para o mais célere desenvolvimento do processo. Parece ser uma
questão muito mais cultural do que de reparação de eventual dano e punição quanto
ao não cumprimento de eventuais prazos para solução de conflitos.
65
6 A EFETIVIDADE PROCESSUAL E SUA CELERIDADE SOB O ENFOQUE
DOS ATOS PROCESSUAIS NO PROCESSO ELETRÔNICO
6.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Ao tratar de processo, mencionou-se que ele é a forma utilizada para a
resolução de um conflito com o escopo de pacificação social. Por este ponto de
vista, o processo eletrônico nada mais é do que o mesmo processo, mas sem a
utilização de papel e com a automação de algumas fases.
Para um entendimento adequado do que seja processo eletrônico, é
importante uma narrativa, ainda que breve, a respeito da tecnologia utilizada para
que ele seja efetivado.
É possível iniciar esta abordagem fazendo-se menção, primeiramente, ao
ábaco85, conhecido como o mais antigo instrumento de cálculo de que se tem
notícia, composto por um conjunto de varetas, cada qual com dois conjuntos de
contas, que permitem a realização de todo tipo de cálculo, incluindo raiz cúbica e
que é utilizado desde a Antiguidade.
Verifica-se, assim, que o homem sempre procurou criar e utilizar máquinas
que o auxiliassem na realização dos mais diversos ofícios. Esses instrumentos
serviram tanto para facilitação de serviços, a exemplo da invenção da roda, que
propiciou o incremento do transporte, quanto para execução de tarefas complexas,
como é o caso de um computador.
No final do século XIX, foi criada a máquina de processamento de dados
estatísticos relativos à demografia norte-americana, construída por Herman Hollerith,
futuro fundador da empresa Internacional Business Machine Corporation, a IBM86.
Com a construção do primeiro computador digital eletrônico, chamado
Colossus, por Alan Mathison Turin87, ainda com funcionamento por válvulas,
85 DICIONÁRIO Babylon. Disponível em: <http://dicionario.babvlon.com/%C3%81baco/>. Acesso em: 25 jan. 2011. 86 Criada por Herman Hollerith ficou tão famosa, que ela foi utilizada por outros países, como Canadá, Noruega e Áustria. 87 BBC History. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/historv/peoDle/alan turina>. Acesso em: 25 jan. 2011. De acordo com o sítio: “Here he played a vital role in deciphering the messages encrypted by the German Enigma machine, which provided vital intelligence for the Allies. He took the lead in a team that designed a machine known as a bombe that successfully decoded German messages. He became a well-known and rather eccentric figure at Bletchley”.
66
conseguiu-se a decifração do código criptográfico alemão na Segunda Guerra
Mundial.
Em 1948, John Von Neumann, criador da teoria dos jogos, de grande
influência nos estudos de economia, contribuiu com sugestões de mudanças no
projeto de construção do Eniac (Eletronical Numeric Integrator and Calculator),
composto por 17.468 válvulas, concebido dois anos antes por John Mauchly e John
Presper Eckert, com fins militares. Muchly e Eckert criaram, então, uma companhia,
a Eckert-Mauchly Computer Corporation, que mais tarde foi vendida para Remington
Rand Corporation, a qual passou a realizar a exploração comercial da computação
excluir.
Depois disso, ocorreu grande expansão do uso de computadores, até o
desenvolvimento da internet. Liliana Minardi Paesani descreve como foi o início da
internet e como ela tornou-se popular88:
O projeto Arpanet da agência de projetos avançados (Arpa) do Departamento de Defesa norte-americano confiou, em 1969, à Rand Corporation a elaboração de um sistema de telecomunicações que garantisse que um ataque nuclear russo não interrompesse a corrente de comando dos Estados Unidos. A solução aventada foi a criação de pequenas redes locais (LAN), posicionadas nos lugares estratégicos do país e coligadas por meio de redes de telecomunicação geográfica (WAN). Na eventualidade de uma cidade vir a ser destruída por um ataque nuclear, essa rede de redes conexas - Internet, isto é, Inter Networking, literalmente, coligação entre redes locais distantes, garantiria a comunicação entre as remanescentes cidades coligadas.
Verifica-se, portanto, que tanto os computadores quanto a internet tiveram seu
início concebido para fins bélicos. No caso da internet, o objetivo era a proteção da
rede criada, uma vez que, para destruí-la, era necessário que fossem devastados
todos os computadores que a integrassem, o que não seria uma tarefa simples.
A comunicação entre esses computadores que estavam interligados entre si
era realizada por intermédio do chamado Transfer Control Protocol/lnternet protocoi -
TCP/iP. De acordo com Edilberto Barbosa Clementino,
88 PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 10-11. Na explicação citada, a autora menciona a obra de E. Pedemonte, Rivoluzione Internet L'Espresso, 1966.
67
[...] protocolo é como uma “língua" comum dos computadores que integram a internet, querendo significar uma imensa rede mundial de computadores ligada a diversas redes menores, sendo o TCP/IP o protocolo usado pelos computadores para o envio e recebimento de dados por meio da internet, com redução de dificuldade de comunicação entre os computadores, mesmo se utilizam sistemas operacionais diferentes89.
Os sistemas operacionais executam, basicamente, duas funções não
relacionadas, uma de apresentar ao usuário programador o equivalente de uma
máquina virtual, que é mais fácil de operar; e outra de gerenciador de recursos, haja
vista que os computadores modernos consistem em processadores, memórias,
temporizadores, discos, impressoras, entre tantos outros dispositivos, sendo que a
necessidade de gerenciamento é ainda mais ampliada quando um computador ou
uma rede tem múltiplos usuários.90
Contudo foi com a finalidade de propagar o conhecimento científico que a
internet teve seu desenvolvimento no meio acadêmico nos Estados Unidos. A
ARPANET acabou por ser, aos poucos, encampada pela comunidade científica, e os
militares criaram a rede própria, conhecida como MILNET91.
Já a maximização dos recursos e funcionalidades da rede, que transformaram
a internet em um instrumento de comunicação em massa foi com a instituição da
World Wild Web, ou WWW, ou web, ou seja, a rede mundial. Liliana Minardi Paesani
aponta como foi o nascimento da rede mundial92:
O WWW nasceu no ano de 1989 no Laboratório Europeu de Física de altas energias, com sede em Genebra, sob o comando de T. Bernes - Lee e R. Cailliau. É composto por hipertextos, ou seja, documentos cujo texto, imagem e sons são evidenciados de forma particular e podem ser relacionados com outros documentos. Com um clique no mouse, o usuário pode ter acesso aos mais variados serviços, sem necessidade de conhecer os inúmeros protocolos de acesso.
Sabe-se que, por meio da internet, hoje, é possível a utilização de correio
eletrônico, o comércio eletrônico, a troca de informações entre pessoas de diferentes
países, tudo de forma instantânea. Além disso, o cometimento de crimes, a exemplo
89 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. Processo Judicial Eletrônico. Curitiba: Juruá, 2007, p. 70. 90 TANENBAUM, Andrew S. Sistemas Operacionais: Projeto e Implementação. Trad. de Edson Furmankiewicz. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2000, p. 18-19. 91 LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto (coord.). Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. 2. ed. São Paulo: Quartier Lain, 2005, p. 421-422. 92 PAESANI, Liliana Minardi. Op. cit., p. 11.
68
da divulgação de imagens de crianças em situação sexual, a atualização de dados
referentes a tempo, notícias, bolsas de valores, entre tantas outras, quase infinitas,
possibilidades. O presente estudo, todavia, não visa abordar esses aspectos, quais
sejam, problemas relacionados à soberania de nações, crimes praticados e a
competência para sua apuração, reparação de danos materiais e morais praticados
por meio da rede mundial, nem mesmo avaliar os serviços que estão disponíveis
nela nos dias de hoje.
A breve narrativa histórica teve como finalidade única situar o meio onde
tramita o processo eletrônico e como foi a evolução da tecnologia utilizada para
tanto. Assim, a partir daqui, foca-se o estudo da legislação brasileira acerca desta
tecnologia, em especial, a Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 200693, que dispõe
sobre a informatização do processo judicial, que altera a Lei n. 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, e dá outras providências.
O Processo Civil surgiu como um instrumento de pacificação de conflitos, uma
vez que nos primórdios a solução dos conflitos dava-se basicamente pelo uso da
força, ou seja, os indivíduos usavam da autotutela para chegarem a um deslinde.
Passada essa fase, costumou-se eleger árbitros para a solução dos mais diversos
conflitos de interesse, ressalte-se que, nessa época, esses árbitros não eram
investidos de poder jurisdicional, apenas eram pessoas equidistantes das partes e
com conhecimento específico em determinada área.
Para uma melhor compreensão, o processo civil passou pelas seguintes
fases:
Processo Civil Romano (de 754 A.C a 580 D.C) essa fase caracteriza-se pela
utilização da autotutela, que era a principal forma de solução dos conflitos, segundo
Cintra et al. (1990, p. 24):
“Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis”.
Após o Período Civil Romano, adveio a fase do Processo Civil Romano-
93 Lei 11.419, de 19-12-2006. Disponível em: <httD://www.Dlanalto.aov.br/ccivil03/ato2004-2006/2006/lei/l 11419.htm>. Acesso em: 10 out. 2010.
69
Barbárico (de 568 a 1.100), nesse período, o povo romano impunha seus costumes
e direitos aos povos subjugados, havia várias injustiças, tendo em vista que os
julgamentos eram mais tendenciosos para o povo Romano, pois quem julgava as
lides era, na maioria das vezes, indivíduos do alto escalão de Roma. Para que não
houvesse algum tipo de desconforto dos povos subjulgados com essas práticas, os
romanos diziam que os deuses dariam a vitória no processo ao sujeito que estivesse
com a razão. Nessa época, a crença era um fator preponderante nos deslinde das
causas apresentadas para julgamento.
Em seguida, surgiu o período da elaboração do Processo Comum (de 1.100 a
1.500) foi nessa época que houve a fusão dos Direitos Romanos, Direitos
Germânicos e do Direito Canônico, criando normas, que logo se espalharam pela
Europa. Tais normas passaram por mudanças principalmente na Alemanha e na
França, este último conhecido como uma dos países mais importantes na história e
evolução das normas processualísticas.
Já o Período Moderno, que começa em 1.500 e chega aos dias atuais, inicia-
se com a formulação do conceito de jurisdição e foi quando o juiz passou a ser o
instrumento do Estado para a solução dos conflitos.
Cada uma dessas fases representa um avanço que o Processo Civil
conseguiu, assim, verifica-se que o Processo Civil, tal como o Direito, é uma ciência
dinâmica, que não fica estática, tentando sempre se aperfeiçoar, para que os casos
levados a seu conhecimento seja resolvido como mais rapidez e credibilidade,
efetivando assim o senso de Justiça.
No período em que os conflitos eram resolvidos com as próprias mãos, o
Estado tinha intervenção mínima, assim os indivíduos agiam conforme seus
interesses. Verificando-se que essa forma de pacificação gerava desigualdades, ou
seja, não se tinha uma proporção da lesão sofrida e da reação para defesa do
interesse, muitas vezes, os particulares, exercendo sua autotutela, extravasavam os
limites tidos como “normais” para época.
Assim, o Estado começou a intervir nesses conflitos, disponibilizando árbitros
com conhecimentos específicos para que esses conflitos fossem resolvidos sem o
uso da violência. E foi assim que começaram a surgir às primeiras normas jurídicas
processuais a fim de normatizar o procedimento de pacificação dos conflitos.
Essa fase ficou conhecida como a Era da Mediação, em que os árbitros não
70
decidiam o conflito, e sim procuravam chegar a um acordo. Esses árbitros
geralmente eram pessoas ligadas a Igreja.
Necessário mencionar que a autotutela ainda existe no Direito Brasileiro, já
que ainda hoje os ordenamentos jurídicos preveem a possibilidade de o ofendido
agir imediatamente para repelir a injusta agressão, ante uma situação de urgência.
São exemplos do desforço imediato nas possessórias e do penhor legal.
A última fase do Processo Civil se deu com a criação da Jurisdição, ou seja, o
Estado interviu mais uma vez no instrumento de pacificação de conflitos, para que
este se tornasse um meio eficaz e rápido, e acima de tudo, um meio no qual os
jurisdicionados respeitassem. E assim o é até hoje, óbvio com algumas mudanças,
como por exemplo, a Lei de Informatização do Processo Judicial (Lei nº
11.419/2006).
O processo autêntico surgiu quando o Estado, proibindo a justiça privada,
avocou para si a aplicação do direito como algo de interesse público em si mesmo e,
além disso, estruturando o sistema de direitos e garantias individuais, interpôs os
órgãos jurisdicionais entre a administração e os direitos dos cidadãos, tornando-se,
então, o Poder Judiciário um poder político, indispensável ao equilíbrio social e
democrático, e o processo um instrumento dotado de garantias para assegurá-lo.
A jurisdição é o poder-dever do Estado de aplicar o direito ao caso concreto
submetido pelas partes, através da atividade exercida pelos seus órgãos investidos
(juízes).
É o Poder Jurisdicional que o Estado dispõe como um instrumento para a
pacificação dos conflitos, e os indivíduos têm a seu dispor o direito de ação, o qual é
subjetivo.
Desta feita, o Processo Civil passou por diversas modificações, um das quais
foi a promulgação da Lei nº 11.419/2006. Como dito alhures, o Processo Civil é uma
ciência dinâmica, que ao longo do tempo foi evoluiu, sempre buscando mais
agilidade, credibilidade e instrumentos que sejam possíveis a efetivação da Justiça.
A informatização veio para o Processo Civil e para a Justiça brasileira, como
um instrumento para agilizar as soluções dos conflitos. Assim, várias inovações
foram trazidas no corpo Normativo da Lei do Processo Eletrônico, a título de
exemplo, são os prazos processuais que sofreram grandes modificações,
71
mencionando ainda a publicidade dos atos processuais eletrônicos e ainda as
intimações feitas sob a égide da Lei de Informatização do Processo Judicial.
Essas modificações tornaram o processo judicial eletrônico mais célere,
fazendo com que os jurisdicionados tenham uma chancela da Justiça de forma
rápida e eficaz. Além da economia de papel feita pelos Tribunais, no momento em
que se discute bastante sobre a preservação ambiental, ou seja, o processo
eletrônico de forma direta é autossustentável e autorrenovável.
6.2 A NOVEL REALIDADE DOS ATOS JURÍDICO-PROCESSUAIS NO
PROCESSO JURISDICIONAL BRASILEIRO
Primeiramente, os Tribunais, ao adotarem os sistemas eletrônicos para a
tramitação dos autos processuais, ter-se-á a diminuição da utilização de papel, pois
os atos processuais serão exteriorizados de forma eletrônica e armazenados nos
sites de cada Tribunal.
Outro relevante ponto é em relação à geografia, ou melhor dizendo, em
relação aonde o ato processual será praticado. Com o manejo de autos físicos os
atos processuais só poderão ser praticados nas sedes dos fóruns, devendo
necessariamente obedecer aos horários de funcionamento de cada uma desses.
Ocorre que, com a adoção do Processo Eletrônico, isso não mais se verifica, tendo
em vista que para se realizar um novo ato processual, basta apenas que o indivíduo
tenha se cadastrado previamente, e com acesso a internet ele poderá movimentar o
processo de onde quer que esteja.
Em vista disso, o tempo do processo diminuirá consideravelmente, pois a
exteriorização desses atos é de forma instantânea e todas as partes do processo
terão ciência imediata, podendo desde já impulsionar novamente o processo.
O sistema de processo eletrônico deve estar igualmente disponível para o
público permanentemente, o que vai provocar uma sensível mudança na dimensão
temporal do processo, antes vinculado aos dias e aos horários de funcionamento
das unidades judiciárias. Sem dúvida, provocará uma substancial alteração na
realidade dos fóruns.
O peticionamento das partes no processo sofre uma grande alteração com o
72
advento da Lei nº 11.419/06, uma vez que não precisará de servidores das
entidades judiciárias para protocolar as petições, a juntada dessas, deixa de ser ato
humano, e passar a ser um ato automático, pois, quando se peticiona na forma
eletrônica, gera-se assim um protocolo e a petição automaticamente inseri-se no
processo, podendo ser acessada de qualquer lugar pelas partes do processo.
Outra grande mudança trazida pela Lei de Informatização Judicial relaciona-
se com a fluência dos prazos processuais, vários são os artigos que tratam desse
assunto na Lei 11.419/06. Assim, os prazos processuais no processo eletrônico são
tidos como prazos concomitantes, diferentemente do que ocorre nos autos físicos
onde os prazos são sucessivos.
Uma das principais características do processo virtual é a ubiquidade do
processo, desta feita os litigantes têm amplo e irrestrito acesso aos autos
processuais, portanto, não há a necessidade de se conceder prazos sucessivos,
pois, como mencionado alhures, na tramitação eletrônica, os prazos são
concomitantes, ou seja, todos os sujeitos da relação processual podem manusear o
processo conjuntamente.
A nova realidade dos atos processuais eletrônicos implica uma mudança
significativa de como esses atos são exteriorizados. Assim, a publicação desses atos
é disponibilizada pelos sites de cada Tribunal no Diário da Justiça Eletrônico – DJ-e.
Como já mencionado, a publicação se dá de forma instantânea, proporcionando
assim que todas as partes do processo tenha ciência do teor de cada documento
inserido no processo.
Todas as intimações, citações, carta precatória, editais, etc., são publicados
no DJ-e de cada Tribunal, sendo possível uma simples consulta, como também
download.
Outra questão relevante trata-se do princípio da publicidade em confronto com
o princípio da intimidade. Antes de mais nada, esclarece-se que é plenamente viável
o pedido de segredo de justiça no processo eletrônico, basta a parte interessada
requerer. Desse modo, é na Constituição Federal que encontramos a garantia da
publicidade dos atos processuais e também é nela que está assegurado o direito à
intimidade. O art. 5º, LX, da Carta Magna de 1988, expressa que:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
73
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem”. Já o art. 93, IX da Lex Mater aduz que: “Art. 93 – Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Como analisado, há um confronto do princípio da publicidade e o da
intimidade, utilizando-se da hermenêutica, extrairemos que as normas deverão ser
interpretadas em harmonia, devendo-se ser utilizado o princípio da
proporcionalidade, para balizarmos tais princípios.
Portanto, quando as circunstâncias do caso concreto assim exigirem, os atos
processuais deverão correr em segredo de justiça, tendo com isso uma diminuição
na publicidade dos atos. Questões recorrentes no Judiciário são os casos em que
envolvem incapazes, onde sua intimidade deverá ser resguardada.
No processo eletrônico, o princípio da publicidade é um dos basilares desse
novo sistema, tendo em vista que os atos são praticados e instantaneamente
publicados. Quando existem documentos que as partes não podem tomar
conhecimento naquele momento processual, o juiz disponibiliza tal documento no
sistema, mas deixando-o indisponível, apenas quando o juiz verificar que pode ser
apresentado, assim, o fará.
A Lei de Informatização do Processo Judicial trouxe um grande avanço no
que concerne à comunicação dos atos processuais com outras comarcas, o art. 7º
deste Diploma Legal, baliza que:
Art. 7º - As cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre os órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e o dos demais Poderes, serão feitas preferencialmente por meio eletrônico.
Por conseguinte, todas as comunicações feitas entre os poderes deverão ser
feitas de forma virtual, levando-se assim mais celeridade ao processo, tendo em
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vista que nessa forma eletrônica os atos são instantâneos e não precisará de prazos
sucessivos para as partes tomarem ciência do conteúdo dessas cartas.
Uma questão abolida do processo eletrônico é no tocante a obediência aos
horários de funcionamento dos fóruns, com isso, tem-se uma dilação dos prazos
processuais, uma vez que serão considerados tempestivos se praticados até as 24
horas do seu último dia, conforme expressa o parágrafo único do art. 3º da Lei nº
11.419/06.
Vários pontos estão sendo debatidos para serem introduzidos no processo
eletrônico, exemplo disso, é a inserção do depoimento tanto das partes como das
testemunhas serem tomados e armazenados em mídias de áudio, esses atos
processuais poderão, inclusive, serem praticados em outros locais através de
conferências de áudio ou até mesmo por vídeo conferência.
Os atos processuais eletrônicos têm sua segurança garantida através do ICP
– infraestrutura de chaves públicas – permitindo que as transações e os documentos
postados sejam considerados como autênticos, e que não exista nenhuma maneira
deles serem modificados, pois, conforme o art. 11 da Lei nº 11.419/06: “Os
documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com
garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nessa Lei, serão
considerados originais para todos os efeitos legais”.
Outra forma de dar segurança aos atos processuais é através da assinatura
digital, que gera vários números e letras específicos de cada documento, além do
nome do autor que está gerando o documento, esses números e letras são
conhecidos como chaves públicas, esta é utilizada para validar as chaves privadas,
dando autenticidade e validade ao ato praticado.
O certificado digital também é um instrumento de segurança utilizado no
Processo Judicial Eletrônico. Certificado digital é uma estrutura de dados sob a
forma eletrônica, assinada digitalmente por uma terceira parte confiável que associa
o nome e atributos de uma pessoa a uma chave pública.
Portanto, as benesses trazidas por tal Diploma Normativo visam sempre a
uma maior celeridade ao processo, com isso a Justiça poderá ser prestada com
mais rapidez, sem que gere prejuízos às partes, pois a morosidade é a principal
causa de descrédito do Poder Judiciário brasileiro.
75
6.3 ATOS PROCESSUAIS E ATOS PROCESSUAIS ELETRÔNICOS:
DISTINÇÕES NECESSÁRIAS
Atos processuais são os meios pelos quais as partes tentam criar, modificar
ou extinguir direitos, ou seja, são atos que impulsionam o processo para que assim,
o Estado Juiz, chancele aquela pretensão.
O Código de Processo Civil, em seu Capítulo I, trata dos atos processuais,
com algumas divisões.
Na seção I, trata dos atos em geral, onde no art. 154 do CPC, traz de forma
explícita o Princípio da Instrumentalidade das Formas, uma vez que permite que os
atos e termos processuais não dependam de forma determinada para sua pratica,
senão quando a lei expressamente a exigir.
Já no § 1º do art. 154 do CPC aborda uma tendência trazida pela Lei do
Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006), sendo que, a redação desse dispositivo foi
determinada pela Lei nº 11.280/2006, assim versando:
Art. 154 [...] § 1º do CPC - Os Tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP – Brasil.” O § 2º foi acrescentado ao art. 154 do Diploma Processual, pela Lei de Informatização do Processo Judicial, expressando o que “Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei.
Os atos processuais podem ser praticados pelas partes, classificando-os em:
Atos postulatórios: aqueles mediante os quais as partes trazem suas teses de direito e de fato a juízo; Atos probatórios: aqueles destinados a trazer aos autos os elementos para convencimento do julgador, visando a demonstração da veracidade dos fatos alegados pelas partes; Atos de disposição: os que visam à facilitação da composição de litígios. Por esses atos as partes dispõem no feito não só de suas faculdades processuais, mas também dos direitos materiais que entendam possuir.
O juiz também pratica atos processuais, sendo elencados e definidos no art.
162 §§ 1º, 2º, 3º e 4º, do CPC, o qual versa:
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Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. § 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. § 3o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma. § 4o Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários.
O art. 164, parágrafo único do CPC expressa que:
Os despachos, decisões, sentenças e acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes. Quando forem proferidos, verbalmente, o taquígrafo ou o datilógrafo os registrará, submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura. Parágrafo único. A assinatura dos juízes, em todos os graus de jurisdição, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei.
Esse artigo teve a redação dada pela Lei do Processo Eletrônico, permitindo
que o juiz, quando da prática de seus atos, possa assim o fazer por meio eletrônico,
desde que o Tribunal ao qual esteja vinculado opere de forma eletrônica.
A seção IV, capítulo I, do Título V, do Código de Processo Civil elenca quais
são os atos dos Escrivães e do Chefe de Secretaria, esse atos muitos deles foram
alterados com o advento da Lei nº 11.419/2006.
É importante destacar que a participação humana jamais poderá ser
substituída pelas máquinas. A informatização proporcionará distribuição,
movimentação e documentação eletrônicas. Por isso mencionamos anteriormente
que o sistema mais adequado a ser implantado seja o GED – gerenciamento
eletrônico de documentos. Mas é certo que esta movimentação informatizada não
prescindirá da participação dos auxiliares da Justiça, que deverão certificar os atos
praticados pelas partes, como, por exemplo, a tempestividade do envio da peça
processual, bem como questões envolvendo custas e certidões. Desta feita, o
material humano para o Processo Eletrônico é de suma valia porque são os
auxiliares da Justiça que atestam a validade de determinados atos, como, por
exemplo, o recolhimento de custa, e o mais importante, se o recurso está dentro do
77
prazo legal.
Outro ponto importante refere-se aos profissionais de informática, uma vez
que estes, com a implantação do Processo Eletrônico, serão de extrema valia, pois
os equipamentos de informática estarão presentes nos fóruns, além disso, esse
material precisa, com o decorrer do seu uso, de manutenção, ou seja, além dos
profissionais do direito, os fóruns também precisarão de profissionais de informática.
Assim, os atos processuais eletrônicos, com a evolução do Processo Civil,
também, passarão por diversas modificações, entre as quais, destaca-se justamente
essa, qual seja, que a partir da Lei nº 11.419/2006 poderão estes ser praticados
eletronicamente, via internet.
No processo eletrônico, os atos processuais deverão ser revestidos de
autenticidade, integridade e segurança, uma vez que deverão ser praticados com a
adoção da infraestrutura de chaves públicas.
É de se frisar que qualquer ato processual eletrônico, seja ele praticado pelas
partes, seja ele praticado pelo o juiz, deverá ser sempre assinado digitalmente, para
que assim possa se dar a validade e autenticidade necessária ao ato.
Com essa modificação, passou-se a dar aos atos processuais uma suposta
maior segurança, uma vez que seriam praticados de forma eletrônica sem que
pudéssemos identificar o autor da manifestação. Com isso surgiu a necessidade da
criação de mecanismos para dar autenticidade e validade aos atos praticados, pelas
partes do processo (autor – réu e juiz), como também por outras pessoas com
interesse no processo, como por exemplo, perito, assistente processual, etc.
6.3.1 Requisitos para a prática dos atos processuais eletrônicos no processo
brasileiro
A Lei nº 11.419/2006 trata em seu art. 2º que:
Art. 2º - O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
Esse dispositivo traz um requisito basilar para o peticionamento eletrônico,
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qual seja, que as partes ou o advogado seja cadastrado previamente no Poder
Judiciário onde tem interesse de atuar. Essa exigência também se estende aos
peritos judiciais, ao Ministério Público e para eventuais assistente processuais.
Feito o cadastro no sistema do Poder Judiciário, o indivíduo receberá uma
assinatura eletrônica, senha de acesso ao sistema, assim como o login. Quando há
a prática do ato processual eletronicamente, é gerada uma assinatura digital para
dar validade e autenticidade ao documento.
Para dar mais segurança aos atos processuais eletrônicos, o § 1º da Lei de
Informatização do Processo Judicial, exige que o Poder Judiciário só poderá realizar
o cadastramento mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada
identificação presencial do interessado.
A partir disso, não se sabe o motivo pelo qual o cadastramento no Poder
Judiciário não pode ser feito de forma virtual, se o Processo Eletrônico, e só o é para
tentar desafogar o Judiciário, deveria se pensar em uma forma de se fazer esse
cadastro de forma virtual, para assim dar mais agilidade e rapidez à prática dos atos
processuais. Assim, devem-se criar mecanismos de segurança para dar validade e
autenticidade ao cadastro feito pela página virtual do Poder Judiciário.
Com isso fica mais difícil haver fraudes, dando mais credibilidade ao Processo
Judicial Eletrônico, na medida em que o cadastro para o peticionamento eletrônico
só poderá ser realizado com a identificação do indivíduo, sendo este responsável por
todos os atos. Essa exigência tem uma aplicação prática, no tocante à validade dos
documentos apresentado ao processo, caso seja arguido incidente de falsidade, o
advogado ou até mesmo a parte, que o apresentou, serão responsabilizados por
alguma inverdade contida no documento.
Outra aplicação prática dessa formalidade verifica-se quando o processo
corra em segredo de justiça, onde só as partes cadastradas no processo é que
poderão ter acesso a este. Observe-se que o cadastro no Poder Judiciário já foi
realizado, o cadastro ao qual se refere, é aquele feito pelo servidor do fórum, onde
somente ele cadastra as partes no processo, permitindo com isso o acesso a
informações e a petições que estão em segredo de justiça.
Trata o § 2º do art. 2º da Lei nº 11.419/2006, que “ao credenciado será
atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a
identificação e a autenticidade de suas comunicações”. A todos cadastrados e que
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venham a praticar um ato processual de forma eletrônica, é gerado uma assinatura
digital, onde consta um emaranhado de números e letras a qual dão autenticidade
ao documento, e identifica o autor, assim, evitando documentos apócrifos. Outro
mecanismo de segurança é o fato que o documento uma vez postado no sistema de
cada Tribunal este não poderá ser mais modificado por ninguém, nem mesmo o
próprio autor da petição.
Já o § 3º do mesmo artigo supramencionado, trata que “os Órgãos do Poder
Judiciário poderão criar um cadastro único para o credenciamento previsto neste
artigo”, tal dispositivo não obriga ao Poder Judiciário assim o fazer, facultando com
isso a criação do sistema de cadastramento.
Outro ponto controverso desse parágrafo é que ele não traz a possibilidade
da Ordem dos Advogados do Brasil emitir o cadastro do advogado, o que é
permitido, tendo a mesma validade o cadastro feito no Poder Judiciário ou na OAB.
É de se destacar que se um Advogado requerer a Inscrição Complementar
em determinado Estado deverá procurar o Poder Judiciário respectivo para que
efetive o seu cadastro, para que assim possa atuar com todas as garantias e
deveres constitucionalmente resguardados.
“Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e
hora de seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido
protocolo eletrônico”, essa é a redação do art. 3º da Lei nº 11.419/2006. Quando da
prática do ato, será gerado a assinatura digital, certificado digital, assim como a hora
e data do peticionamento eletrônico, a hora aparecerá no documento, com o fito de
se saber se a peça é tempestiva ou não. O parágrafo único desse artigo traz uma
matéria atinente ao prazo para a postagem da petição, sendo considerada
tempestiva a petição transmitida até as vinte e quatro horas do seu último dia.
Esse dispositivo é de suma importância, uma vez que extingue a obediência
aos horários de funcionamento dos Fóruns, sendo permitidas as partes do processo
que peticionem até as vinte e quatro horas do último dia do prazo.
6.3.2 Como se processam os atos processuais eletrônicos?
Feito o cadastramento no Poder Judiciário, o indivíduo já poderá peticionar
80
eletronicamente. Os Tribunais poderão desenvolver sistemas eletrônicos, para que
os processos tramitem de forma digital, assim como “poderão criar Diário da Justiça
Eletrônico, disponibilizando em sítio da rede mundial de computadores, para a
publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles
subordinados, bem como comunicações em geral”, redação dada ao artigo 4º da Lei
do Processo Eletrônico.
Com a criação do DJe todas as publicações deverão serem nesta página
disponibilizadas para consulta do público em geral, qualquer que seja a publicação
no DJe, deverá ser assinada eletronicamente com base em certificado emitido por
Autoridade Certificadora credenciada na forma da lei específica, é o que expressa o
§1º do art. 4º da Lei nº 11.419/2006.
Há de se mencionar, que apenas pessoas específicas poderão postar
documentos no DJe, como pessoas que trabalham nos Tribunais, por exemplo.
O art. 10 da Lei de Informatização do Processo Judicial versa que:
Art. 10 – A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos do processo eletrônico, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretária judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo.
Toda peça enviada deverá ser no formato PDF (Portable Document Format),
quando do envio será gerado protocolo de envio, constando a data e a hora do
envio, o número do processo e o nome do remetente.
Poderá ser feita eletronicamente, também, as citações, intimações e
notificações, inclusive da Fazenda Pública, conforme dispõe o art. 9º da Lei nº
11.419/2006, dando com isso mais rapidez ao processo, uma vez que todas as
partes, logo que cadastradas no Processo, terão acesso instantâneo as informações
postadas nos autos.
Ainda em relação às intimações, o § 1º do art. 5º da Lei nº 11.419/2006,
expressa que “considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimado
efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua
realização”. O intimado deverá consultar o teor da intimação no prazo não superior a
10 (dez) dias, sob pena de considerar-se realizada a intimação automaticamente, na
81
data do término desse prazo, é o que dispõe o § 3º do mesmo dispositivo legal
citado. Essa presunção de ter sido a intimação realizada decorrido o prazo de 10
dias, é uma presunção relativa, que admite prova em contrário.
A Lei do Processo Eletrônico contempla a comunicação dos atos processuais
por meio eletrônico e, como indicado, a jurisprudência deverá, a partir de então,
avançar em outro rumo, não admitindo que as informações prestadas nos sítios dos
Tribunais sejam consideradas, apenas, informativas.
Portanto, pensa-se que essas informações prestadas nos sítios dos Tribunais
não deveriam ter apenas caráter informativo, pois se assim continuar, o “tempo
ocioso” ou “tempo neutro” voltará a imperar no Processo Eletrônico, o que sem
dúvida não é a intenção dessa Lei que veio para dar mais celeridade aos atos
processuais. Para que isso não ocorra, deveriam ser criados meios para que,
quando o DJ-e for acessado pelos advogados, começassem os prazos a fluírem a
partir daquele momento, observado as regras do art. 4º, §§ 3º e 4º da Lei nº
11.419/2006.
Assim, as partes, principalmente os advogados, deverão sempre verificar
seus e-mails, para se certificar que não há nenhum tipo de intimação, citação ou
informação processual, tal e-mail é fornecido no momento do cadastro no Poder
Judiciário competente.
Outros atos processuais importantes, e abrangidos pela Lei do Processo
Eletrônico, são as cartas precatórias, rogatórias e de ordem, as quais poderão ser
exteriorizadas de forma eletrônica, sem a necessidade de se fazer autos
complementares, e ainda, sem o dispêndio de tempo que era gasto para que essas
cartas fossem efetivamente cumpridas, tendo em vista que os atos praticados no
processo são instantâneos, permitindo às partes amplo e irrestrito acesso à
informação.
Caso verifique-se qualquer problema nos sistemas dos Tribunais, que
impeçam a postagem da petição, sendo o último dia do prazo para protocolar a
petição, “o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte a
resolução do problema”, conforme dispõe o art. 10, § 2º da Lei nº 11.419/2006.
Esse mecanismo é utilizado para que as partes não fiquem prejudicadas com
falhas dos sistemas, assim, caso o documento não seja recebido por problema do
sistema, será prorrogado o prazo para o próximo dia útil que se seguir.
82
A juntada de documentos no processo foi disciplinada na Lei nº 11.419/2006,
em seu art. 11, versando que “os documentos produzidos eletronicamente e
juntados aos processos eletrônicos com garantia de origem e de seu signatário, na
forma estabelecida nessa Lei, serão considerados originais para todos os efeitos
legais”.
Todos os documentos postados no processo, seja acompanhando a petição
inicial, a contestação, ou algum laudo pericial, gozam de veracidade, desde que,
obedecidos os requisitos para a sua validade, onde todos esses documentos
deverão constar a assinatura digital do seu autor, bem como a certificação digital e o
protocolo gerado no momento da postagem do documento no sistema do Tribunal.
Assim como os documentos juntados ao processo por via eletrônica, os
documentos digitalizados e juntados aos autos por qualquer das partes, pelo
Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, por autoridades policiais,
por advogados públicos e privados, têm a mesma força probante dos originais,
ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o
procedimento de digitalização, tal redação encontra-se no § 1º do art. 11 da Lei nº
11.419/2006.
O legislador quis conferir a validade dos documentos digitalizados tal qual fez
com os documentos postados via e-doc (documento eletrônico). Será de forma
eletrônica a arguição de falsidade do documento original, conforme dispõe o § 2º do
artigo citado, assim sendo, quem duvidar da autenticidade de qualquer documento
deverá arguir a sua falsidade eletronicamente, endereçando a petição de forma
digital ao juiz competente para julgar a ação.
Caso o documento seja apresentado à Secretaria da Vara ou ao órgão
competente para a sua digitalização, sendo arguida a sua falsidade, esses deverão
permanecer na Secretaria do Fórum ou da Vara até o trânsito em julgado da ação,
ou até o término do prazo para a ação rescisória (Art. 11, § 3º da Lei de
Informatização do Processo Judicial).
Objetivou-se com isso que os documentos gozassem de presunção de
veracidade, pois caso haja algum indício de adulteração, o documento arguido falso,
deverá ficar em posse do Poder Judiciário a fim de se evitar a modificação do seu
conteúdo.
Todas as vezes que se peticiona de forma eletrônica, é gerado um aviso de
83
recebimento, fornecido pelo sistema de cada Tribunal, onde constará o dia e a hora
da postagem do documento, o número de autenticação, o nome das partes e o
número do processo. Tudo isso com intuito de levar mais credibilidade e segurança
para aqueles que se utilizam do Processo Judicial Eletrônico.
Dessa forma, o Processo Eletrônico busca sempre a celeridade processual,
com intuito de se observar os Princípios da Razoável Duração do Processo, bem
como os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa.
Espera-se que, com o passar dos anos, todos os Tribunais do País possam
operar de forma eletrônica, o que gerará um grande avanço na Justiça brasileira,
tendo em vista que todos os Tribunais poderão se comunicar de forma rápida e
segura, diminuindo assim, o tempo gasto para que um processo tenha seu
julgamento final, pois muitos desses necessitam de Cartas Precatórias, Rogatórias
ou até mesmo de Ordem, para a sua instrução e posterior julgamento, e com a
utilização do Processo Eletrônico essas informações poderão ser passadas de forma
a preservar a sua autenticidade e veracidade.
6.3.3 Os prazos processuais eletrônicos
Os prazos processuais na Lei do Processo Eletrônico sofreram diversas
modificações, sempre, com intuito de dar mais celeridade à marcha processual e a
fim de se observar o Princípio da Razoável Duração do Processo. Vários
doutrinadores classificam os prazos processuais em: prazos próprios e impróprios e
prazos dilatórios e peremptórios.
Os prazos próprios são aqueles impostos às partes, pois acarreta a preclusão
pelo vencimento de seu termo final (dies ad quem), impossibilitada a sua prática
posterior e prosseguindo o procedimento para seu estágio subsequente. Os prazos
impróprios são estabelecidos para o juiz e seus auxiliares, posto não gerarem
qualquer consequência processual se não observados, possibilitando, entretanto, a
aplicação de sanções de natureza administrativa.
O prazo dilatório representa o prazo legal que comporta ampliação pela
vontade das partes. Ao juiz só é facultada a ampliação do prazo dilatório (CPC, art.
181). Os prazos peremptórios são aqueles inalteráveis pelo juiz ou pelas partes, com
84
exceção do que ocorre nas comarcas de difícil transporte (até 60 dias) ou em caso
de calamidade pública (até sua cessação).
Feita essa distinção e conceituação, frise-se que todas essas classificações e
definições são totalmente compatíveis com a Lei nº 11.419/2006, tendo em vista que
o Processo Civil em si não foi alterado por essa Lei, apenas o procedimento que
sofreu modificações, uma vez que em algumas comarcas o Processo já tramita de
forma digital.
Caso as partes não observem os prazos estabelecidos, tanto pela Lei, quanto
pelo Juiz serão penalizadas com a preclusão, que é o fenômeno da perda pela parte
da faculdade processual de praticar um ato”. Observe-se que esse instituto também
é plenamente aplicável a Lei de Processo Eletrônico.
A preclusão se classifica em: preclusão temporal e preclusão lógica. Aquela
como sendo a perda da faculdade de praticar um ato processual em virtude da não
observância de um prazo estabelecido em lei ou pelo juiz. Esta como a perda da
faculdade pela prática de um ato anterior incompatível com o ato posterior que se
pretende realizar.
Quando a Lei estabelece um prazo, ou até mesmo o juiz, este será
considerado tempestivo se for praticado até as 24 horas do último dia do prazo,
conforme dispõe o parágrafo único do art. 3º da Lei nº 11.419/2006. Perceba-se que
não mais precisará ser observado o horário de funcionamento dos fóruns, uma vez
que as petições e recursos poderão ser enviados pela internet para os sistemas
eletrônicos de cada Tribunal.
Quem se utiliza do Processo Eletrônico possui uma diferenciação, ferindo
princípios da igualdade e isonomia, e, em assim sendo, violando-se de forma literal o
art. 5º, caput, da Constituição. O art. 172 do CPC traz a seguinte redação: “os atos
processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas”.
Quem se utiliza do procedimento comum sofre prejuízo, uma vez que deverá
ser observado o horário de funcionamento de cada fórum ou Tribunal, já quem se
utiliza do Processo Eletrônico, não precisará se preocupar com os horários de
atendimento dos fóruns, pois os atos poderão ser praticados até as 24 horas do
último dia de prazo. Gerando, assim, uma afronta aos Princípios da Igualdade e da
Isonomia, consagrado pela Lex Mater.
85
Considerando tal fato, não há que se falar em afronta aos Princípios da
Igualdade e Isonomia, tendo em vista que a Lei 11.419/2006 traz em seu corpo
normativo a possibilidade de cada Tribunal se amoldar ao sistema eletrônico.
Também é de se frisar, que a Lei de Processo Eletrônico dilatou o prazo para a
prática do ato e não o diminuiu, dessa forma, não se deve falar em afronta a tais
princípios.
A Lei de Informatização do Processo Judicial encontra-se em fase de
implantação em diversos Tribunais do país, e naqueles Tribunais que já operam de
forma eletrônica, os prazos para serem obedecidos deverão ser os prazos
estampados na Lei nº 11.419/2006.
Outro ponto importante trazido com o advento da Lei nº 11.419/2006 foi a
extinção dos prazos sucessivos, consequentemente, passou-se a figurar os
chamados prazos concomitantes, tendo em vista que os autos em meio eletrônico
ficam disponível para acesso de todas as partes no processo, ou seja, no momento
em que o juiz esteja trabalhando em determinado processo, as partes também
poderão estar fazendo, assim como um eventual perito.
Note-se que, como o acesso pode ser irrestrito e simultâneo no processo
eletrônico, não há mais a necessidade de o juiz conceder prazos sucessivos, estes
muitas vezes eram concedidos tendo em vista a indisponibilidade dos autos para a
outra parte.
Os autos processuais são únicos e concentram todos os elementos
necessários e suficientes para a prestação jurisdicional e para o exercício do direito
de defesa e do contraditório. Assim, a concessão de prazos leva em consideração,
na maioria dos casos, o acesso dos litigantes e do juiz aos autos, sendo pacífica, no
âmbito doutrinário e legal, a concessão de prazos comuns ou sucessivos e
exclusivos dos ligantes. Nessa perspectiva, os prazos para a apresentação de
recursos, diante da sucumbência recíproca dos litigantes, são comuns, posto que
contados da mesma forma para ambos os litigantes, gerando a indisponibilidade dos
autos processuais, que permaneceram na Secretaria ou Cartório do órgão
jurisdicional. Por sua vez, em algumas situações previstas em lei, o prazo, embora
seja atribuído a ambos os litigantes, corre em momentos separados, em virtude da
indisponibilidade dos autos. Tal fenômeno também se observa em relação do
julgador que, no trâmite dos prazos estipulados em por lei, é o exclusivo detentor
86
dos autos processuais.
A realidade dos autos eletrônicos traz consequências diretas nesse caso, pois
desaparece o problema de acessibilidade, tendo em vista a característica
fundamental da ubiquidade do processo eletrônico. Ora, se nessa modalidade de
tramitação dos litigantes há amplo e irrestrito acesso às informações processuais,
desaparecerá, por completo, a exigência de ordem fática relacionada à concessão
de prazos sucessivos.
Com a concessão dos prazos concomitantes, o tempo da marcha processual
até uma sentença final diminuirá consideravelmente. Perceba-se que o acesso dos
autos eletrônicos pode-se dar de forma irrestrita, simultânea e, principalmente,
instantânea, quando o juiz prolata alguma decisão, ou mesmo a parte apresenta um
documento ou qualquer outra petição, a parte contrária ou mesmo o juiz, poderá se
manifestar de imediato, sem necessidade de esperar a concessão de prazos
sucessivos, onde o juiz, na maioria das vezes, dava vista a uma parte, para só
depois dar vistas do processo a outra.
Embora a Lei nº 11.419/2006 não traga nenhum dispositivo abordando a
concessão dos prazos concomitantes, fácil se extrai dos outros dispositivos da lei,
pois, em se tratando de autos eletrônicos as partes simultaneamente podem
manusear o processo, tanto os sujeitos processuais, como os juízes, Ministério
Público e peritos judiciais, por isso, que a maioria dos doutrinadores denominou que
os prazos que são ofertados as partes no Processo Eletrônico são conhecidos como
prazos concomitantes.
Analisando o art. 4º, §§ 3º e 4º da Lei nº 11.419/2006, percebe-se que a
questão abordada é bastante polêmica, pois trata de um possível prolongamento de
tempo para a prática dos atos processuais. Assim versa o art. 4º, §§ 3º e 4º do
Diploma Legal supracitado:
Art. 4º - Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral. [...] § 3º - Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico. § 4º - Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação.
87
Esses dispositivos são considerados, por alguns, como um avanço que
proporciona uma maior celeridade à marcha processual, outros doutrinadores
entendem que, com essa prorrogação dos prazos, o processo poderá ficar um pouco
mais lento.
Pensamos que esses dispositivos legais geram uma celeridade processual na
medida em que permitem as partes se prepararem antes mesmo do prazo começar
a fluir, pois, quando o ato é disponibilizado no sistema, o prazo ainda não começa a
fluir, dessa maneira, as partes, tendo prévio conhecimento do que se trata o ato
proclamado, poderão articular seus próximos atos de uma melhor forma.
Outra questão atinente aos prazos processuais eletrônicos é o expressado no
já mencionado art. 3º, parágrafo único da Lei nº 11.419/2006, abordando que
“quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão
consideradas tempestivas as transmitidas até as vinte e quatro horas do seu último
dia”. Importante destacar uma polêmica sobre qual hora e data vai ser levada em
consideração quando do protocolo eletrônico, se vai ser a do computador do
remetente ou do destinatário. A Lei do Processo Eletrônico nada fala sobre esse
ponto, o próprio autor sugere que deveria ser observado à hora do Observatório
Nacional, que “possui um sistema denominado de Hora Legal Brasileira, aplicado
aos sistemas computacionais”.
Não há que se falar em polêmica quanto a essa questão, pois deverá ser
sempre levado em consideração a hora do computador do destinatário, que, no
caso, são os Tribunais. Ora, se assim não for, não se perderá nenhum prazo, pois se
for considerado a hora do computador do remetente, este se já transcorrido o prazo,
poderá alterar a hora do seu computador e, assim, praticar o ato tempestivamente.
Portanto, sempre, quando se praticar um ato processual eletrônico, deverá ser
observada a hora do computador do destinatário.
6.3.4 As vantagens e desvantagens da implantação do processo eletrônico no
Brasil
O processo Eletrônico com sua implementação trouxe vários benefícios para
a Justiça, mas muitos ainda têm desconfiança quanto a esse método de tramitação
88
processual, na maioria das vezes, essa desconfiança parte do não conhecimento
acerca da matéria abordada.
Um dos principais empecilhos para a implantação do Processo Eletrônico é
em relação à segurança das transações feitas de forma digital. E com essa
preocupação que foram criados os mais diversos tipos de mecanismos, para tentar
evitar, ao máximo, a adulteração de documentos e outras práticas ilegais.
Desse modo, a Lei 11.419/2006 trouxe com ele muitas vantagens que visam
alcançar uma Justiça célere e com mais credibilidade a fim de se observar o
Princípio da Razoável Duração do Processo.
6.3.4.1 Das Vantagens: o tempo, o acesso e o meio ambiente
Com o advento da Lei de Informatização do Processo Judicial, vários foram os
benefícios trazidos para o Processo, seja ele, Civil, Penal ou Trabalhista, tendo em
vista que a Lei nº 11.419/2006 aplica-se a todos esses, conforme preceitua o § 1º do
art. 1º da referida lei.
Dentre as inúmeras vantagens trazidas por essa Lei, destaca-se a
possibilidade de acesso ao processo de qualquer lugar do mundo, desde que o
sujeito tenha o prévio cadastro no Poder Judiciário e disponha de acesso à internet.
Frise-se que qualquer pessoa pode ter acesso ao processo, desde que este não
corra em segredo de justiça, mas é de se salientar, que o teor total de algumas
peças resta restrito aos advogados e juízes atuantes no processo.
Assim, tem-se que as partes não mais necessitaram de observar e obedecer
aos horários dos cartórios dos fóruns ou dos Tribunais, tendo em vista que os atos
processuais, nas comarcas que já tramitam de forma eletrônica, podem ser feitos de
qualquer lugar e até as vinte e quatro horas do último dia do prazo.
Portanto, a não observância da “geografia” para a prática dos atos é uma das
principais vantagens trazidas pela Lei do Processo Eletrônico. Decorrente disso, os
cartórios dos fóruns receberão cada vez menos advogados e partes, uma vez que
estes poderão acessar o processo de seus escritórios ou até mesmo de suas casas.
Com isso, os Serventuários da Justiça terão mais tempo para dar o impulso
necessário aos processos.
89
A Lei nº 11.419/2006 tenta acabar com o que se conhece por “tempo neutro”
ou “tempo ocioso” do processo, ou seja, aquele tempo em que o processo fica
parado sem que o juiz e os auxiliares da Justiça deem o impulso oficial. Com a
implementação da Lei do Processo Eletrônico, quando um processo ficar muito
tempo sem ser movimentado, o próprio sistema do Tribunal alertará a um servidor
responsável por este processo que aquele esta com atraso em seu andamento, e o
servidor, então, dará o impulso que o processo necessita.
Outra vantagem é a economia de papel, pois, no Processo Eletrônico, os
autos processuais ficam armazenados nos sistemas de cada Tribunal.
Consequentemente, há também uma economia nos Recursos Públicos, uma vez
que não precisará mais comprar tantos papéis, pois todos os atos são digitais, e
mesmo o ato praticado em folha de papel, este será digitalizado e será
disponibilizado no processo, conforme se extrai do art. 11, §§ 1º e 6º da Lei nº
11.419/2006.
Esse benefício não se restringe à economia de papel e redução dos gastos
públicos, é de se mencionar que, com a diminuição no gasto de papéis, o meio
ambiente de forma direta está sendo preservado, principalmente nos dias de hoje,
quando há um apelo mundial muito forte para a preservação do meio ambiente.
Faz-se mister mencionar que o ambiente de trabalho também sofre mudanças
com a implantação da Lei de Informatização do Processo Judicial, pois onde
antigamente havia aquele amontoado de papel e processo, hoje em dia, com a nova
realidade do Processo Civil, não existe mais, pois todos os processos ficam
armazenados nos sistemas dos Tribunais, sendo muito mais fácil o manuseio dos
processo, e ainda, todos os processo são impulsionados de forma paritária, pois
conforme já mencionado, quando um processo fica muito tempo sem andamento, o
próprio sistema do Tribunal avisa ao Servidor para que este trabalhe naquele
processo para que assim ele volte a marchar processual normal.
Conforme mencionado alhures, os prazos processuais também trouxeram
vantagens para o Processo Civil, uma vez que os prazos deixaram de ser
sucessivos e tornaram-se concomitantes. Antes, o juiz deveria se ater à
disponibilidade dos autos processuais, para que assim pudesse assinar prazos para
cumprimento de algum ato judicial. Com a realidade do Processo Eletrônico, isso
deixou de existir, tendo em vista que as partes têm amplo e irrestrito acesso aos
90
autos do processo. Assim, quando o juiz decide algo, ou alguma parte atravessa
alguma peça no processo, todos os sujeitos do processo terão acesso instantâneo,
podendo desde já se manifestar acerca da peça processual atravessada. Portanto, o
juiz quando intima uma parte, na maioria das vezes, já intima a outra, dando mais
celeridade ao processo.
A criação de um Diário da Justiça Eletrônico é outro benefício trazido pela Lei
de Informatização do Processo Judicial, pois facilitam demasiadamente o acesso as
publicações. Esse DJe deverá ser disponibilizado em site da rede mundial de
computadores, para a publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos
órgãos a eles subordinados, bem como comunicação em geral, conforme dispõe o
art. 4º da Lei de Processo Eletrônico.
Outra inovação bastante salutar foi a introdução no art. 11 da Lei nº
11.419/2006, que todos os documentos produzidos eletronicamente e juntados ao
processo eletrônicos serão considerados originais para todos os efeitos. Com esse
dispositivo, surge uma indagação sobre como se dará a execução no processo
eletrônico. Tendo em vista que a execução só poderá ocorrer com o título executivo
original, a Lei trouxe uma solução, pois, as partes não precisarão ficar juntando os
documentos originais sempre quando houver a necessidade da prática de um ato
eletrônico, basta digitalizar o original e disponibilizar no processo, caso a outra parte
alegue que o documento seja falso, poderá arguir o incidente de falsidade, conforme
preleciona o art. 11, § 2º da Lei de Informatização do Processo Judicial.
Por fim, mas não menos importante, a comunicação dos atos processuais
sofreram bastantes mudanças, o art. 7º da Lei nº 11.419/2006 expressa que:
“Art. 7º - As cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral,
todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem
como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferencialmente por
meio eletrônico.”
Portanto, o tempo gasto para os trâmites dessas cartas sofreram uma grande
modificação, uma vez que basta o juiz depreca de forma online e o juízo deprecado
de forma instantânea tomará as providências cabíveis.
Uma possibilidade que já está sendo testada em vários Tribunais é a
gravação da audiência em formato MP3 e arquivado junto ao processo, outra
vantagem é o arquivamento do depoimento das partes e das testemunhas também
91
em arquivo MP3. Isso é de suma relevância quando se trata de carta precatória, pois
se sabe que esta além de ser extremamente morosa, há um grande gasto de
recursos públicos para o seu cumprimento, e com a Lei de Processo Eletrônico além
de esta tramitar de forma digital os atos praticados pelo juízo deprecado poderão ser
armazenados de forma eletrônica.
Portanto, todos os benefícios conferidos ao Processo Civil pela Lei nº
11.419/2006, objetivaram levar mais credibilidade ao Judiciário e, sobretudo, levar
uma prestação jurisdicional de qualidade aos jurisdicionados, observando-se sempre
os Princípios da Razoável Duração do Processo, da Ampla Defesa e do
Contraditório.
Sabe-se que uma das principais causas de descrédito do Poder Judiciário é a
morosidade pela qual passa a Justiça Brasileira. E pretendendo acabar com essa
lentidão, foi elaborada a Lei nº 11.419/2006 – Lei de Informatização do Processo
Judicial, com objetivo de prestar a todos uma justiça de qualidade e com a máxima
celeridade na marcha processual.
6.3.4.2 Das Desvantagens: a “(in)segurança” e o custo
A principal desvantagem abordada pelos doutrinadores diz respeito à
segurança dos atos praticados e, também, em relação à juntada de documentos de
forma digital. Mas isso não se deve olvidar, pois existem mecanismos suficientes
que tentam acabar com essa insegurança por parte de muito operadores do Direito.
Conforme já mencionado, a transmissão de qualquer ato por meio eletrônico
prescinde de assinatura digital ou assinatura eletrônica, sempre com intuito de
conferir ao documento ou ato a autenticidade necessária, bem como a identificação
do seu autor.
Alguns operadores do Direito ainda resistem em não aceitar o Processo
Eletrônico, e uma das principais queixas dessas pessoas é no tocante à
autenticidade dos documentos. Ora, conforme explanado, existem meios para que
isso não ocorra, e se ocorre, o indivíduo poderá arguir a falsidade do documento,
como expressa o § 2º do art. 11 da Lei nº 11.419/2006.
Um dos principais empecilhos para implantação completa dos sistemas
92
eletrônicos nos Tribunais é o alto custo que o sistema requer. Para se colocar em
prática em todos os Tribunais o Processo Eletrônico é necessária a aquisição de
supercomputadores, além de máquinas específicas do mundo digital, tais como
impressoras, digitalizadoras, copiadoras, computadores, além de aquisição de
pessoal especializados em informática, pois todos esses equipamentos requerem,
para o seu manuseio, habilidades especiais desses profissionais.
Como o Processo Eletrônico é todo feito de forma digital, todos os processos
em tramitação nos fóruns estão cadastrados nos sistemas, e todas as vezes que um
servidor der andamento ao processo, ele deverá sempre estipular um prazo para
que este processo não fique perdido, ou seja, esse prazo é estipulado para que
quando transcorra o processo aparecerá na tela do computador do servidor, e este
deverá dá andamento ao mesmo, isso gera para os servidores doenças relacionada
com o stress. Esse é um aspecto negativo da implantação do processo eletrônico.
Outro ponto bastante discutido é o fato do acesso à Justiça, o art. 5º, XXXV
da Constituição Federal de 1988, versa que “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, perceba-se que a alguns documentos
no processo eletrônico só que tem acesso são os advogados e o juiz, a parte do
processo para ter acesso deverá ser previamente cadastrada, se não for, poderá
acessar o processo e visualizar apenas algumas peças. Se nos Juizados Especiais
esse fato já gera prejuízo, imagine no Processo do Trabalho, onde existe a figura do
jus postulandi, onde o indivíduo sem estar assistido por advogado pode entrar com
uma ação postulando seus direitos.
Por assim ser, deveria a Lei do Processo Eletrônico ser modificada para
abarcar a possibilidade do indivíduo se cadastrar e poder ter acesso ao processo,
pois na seara trabalhista, caso o indivíduo tenha interesse de exercer o jus
postulandi assim poderá o fazer, mas sempre com restrições, caso ainda não seja
cadastrado no sistema do Poder Judiciário.
Outra desvantagem arguida por muitos doutrinadores é em relação ao acesso
dos autos de forma indeterminada e a publicidade desses atos pela internet, não há
que se falar em quebra da intimidade, pois quando o interesse social assim o exigir o
Juiz determinará que o processo corra em Segredo de Justiça, a fim de se observar
os Princípios da Intimidade e Privacidade.
Assim, os benefícios trazidos pela Lei do Processo Eletrônico por mais
93
relevantes que sejam não podem suprimir os direitos atinentes à Intimidade e à
Privacidade de cada indivíduo. Desta feita, é de se salientar que os benefícios são
maiores dos que as desvantagens, assim, o Processo Eletrônico é um caminho sem
volta, devendo sempre ser aprimorado, uma vez que todos os dias aparecem meios
tecnológicos mais modernos, sempre tentando levar aos jurisdicionados uma Justiça
célere e de credibilidade.
6.3.5 A publicidade dos atos processuais eletrônicos: notas sobre o art. 11,
§6º, da Lei nº 11.419/2006
Quando se fala em publicidade dos atos processuais eletrônicos,
necessariamente, tem-se de se mencionar tanto o seu aspecto informativo, ou seja,
quando da publicação desse ato as partes tomam conhecimento do andamento em
que se encontra o processo, como também a publicidade como forma de preservar a
intimidade das partes litigantes.
As partes do processo têm amplo e irrestrito acesso aos autos, mas como
esse processo tramita de forma eletrônica, outros advogados e outros sujeitos
processuais poderão ter acesso aos autos, e em alguns casos, isso poderá gerar
algum prejuízo para um dos sujeitos da lide.
É na Constituição Federal que se encontra a garantia de acesso aos atos
processuais, permitindo amplo conhecimento do processo por qualquer pessoa,
desde, é claro, que este não corra em segredo de justiça. O Código de Processo
Civil, também, traz normas que disciplinam o acesso aos atos. E, a Lei de
Informatização do Processo Judicial também não é diferente, em seu art. 11, § 6º,
traça as linhas que deverão ser observadas para dar publicidade aos atos do
processo.
O art. 5º, LX da Constituição Federal de 1988 versa que “a lei só poderá
restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o
interesse social o exigirem”, esse artigo expressa que, quando o processo não corre
em segredo de justiça, todos os interessados poderão ter acesso aos autos para tirar
cópia ou apenas para consultar.
No Código de Processo Civil, em seu art. 155, elenca-se quais as hipóteses
94
que os atos processuais correram em segredo de justiça, assim expressa essa
norma:
Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos: I - em que o exigir o interesse público; II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite.
Esse artigo demonstra que, se um terceiro tiver interesse de consultar os
autos do processo ou pedir certidões, este deverá requerer ao juiz certidões, quando
demonstrar interesse no processo.
Na Lei do Processo Eletrônico (Lei nº 11.419/2006), o art. 11, § 6º, preceitua
que
[...] os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça.
Quando o artigo menciona “respeitado o dispositivo em lei”, devemo-nos
reportar ao Código de Processo Civil, que é o Diploma Legal que expressa quando
que o processo seguirá em segredo de justiça.
Pensamos que esses artigos sejam de extrema valia para o nosso
ordenamento jurídico, mas, em se tratando de autos eletrônicos, não é bem assim
que se externa o processo. Primeiro, porque só quem tem acesso aos autos
eletrônicos são os advogados e as partes cadastradas pelo Poder Judiciário,
segundo que os casos em segredos de justiça só poderão ser decretados que
correrão dessa forma pelo juiz, e da entrada da petição até a apreciação do juiz
muito tempo pode passar, perdendo assim a principal função do instituto.
Aos olhos da Lei nº 11.419/2006, o princípio da intimidade deve ser
resguardado de forma a evitar que as informações contidas no processo eletrônico
sejam acessadas por qualquer pessoa, podendo provocar sérios prejuízos à parte.
Todavia importante levar em consideração o sistema de hierarquia das leis, eis que
95
a Lei nº 8.906/94 possui natureza especial e posterior ao CPC. Os benefícios
trazidos pelo processo virtual, principalmente os da celeridade e da economia
processual, por maiores que sejam não podem suprimir os direitos adquiridos pela
classe e assegurados por lei.
Analisando as duas normas, percebemos que há um conflito entre elas na
medida em que uma permite a qualquer advogado, mesmo sem procuração, de
acessar os autos, e a outra só permite que advogados cadastrados e partes
cadastradas tenham acesso ao processo. Ora, se assim continuar, teremos que
todos os processos que tramitam de forma eletrônica correm em segredo de justiça,
e a melhor hermenêutica não é nesse sentido.
O art. 7º da Lei nº 8.906/94 traça os direitos dos advogados, e em seus
incisos XIII, XV e XVI, trata de como se dará a consulta e carga dos autos pelos
advogados, sejam eles munidos ou não de procuração.
Assim expressa o art. 7º, XIII, XV e XVI da Lei nº 8.906/94:
Art. 7º - São direitos dos advogados: [...] XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento,mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos; [...] XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais; XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias.
Perceba-se que os advogados quando do manuseio dos autos físicos se
regiam por essa lei, com o advento da Lei nº 11.419/2006, a rotina processual foi
alterada e nem todos os advogados poderão ter acesso aos autos do processo, só
aqueles com procuração ou até mesmo com cadastro no Poder Judiciário.
O que o legislador sinaliza, de modo claro, é que o pleno acesso aos atos
processuais, para o advogado, não constitui apenas elemento de mera curiosidade
ou pesquisa. Trata-se de garantia profissional, destinada ao exercício de sua
missão, carecendo o profissional de ter que apresentar razões para o requerimento
de acesso aos autos. Seu interesse, aliás, é de presunção legal.
Para ter acesso aos autos eletrônicos, como já mencionado, o advogado
deverá estar cadastrado, se não estiver não poderá acessá-lo, note-se que dessa
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forma o legislador usurpou um direito tutelado pela Lei nº 8.906/94, e mais, a Lei nº
11.419/2006 confronta expressamente a Constituição Federal.
Outro empecilho criado com a norma do art. 11, § 6º da Lei do Processo
Eletrônico, refere-se à aquisição de provas emprestadas de outros processos. Se o
advogado que pretenda utilizar essa prova já estiver cadastrado no processo que ele
pretende pegar essa prova, tudo bem, ele o fará sem problemas, mas se não estiver
cadastrado, não poderá se utilizar dessa prova, pois não terá acesso aos autos.
Gerando com isso, mais uma afronta a Constituição Federal, pois o art. 5º, XIII da
Carta Magna, dispõe: “XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Isso não significa que se poderá peticionar em qualquer processo ou que os
dados das partes deverão ficar expostos em rede mundial. Somos opinantes pela
disponibilidade dos autos, apenas para a consulta, aos advogados credenciados no
respectivo órgão judicial que tiverem seu login e senha de acesso. O que se
pretende é que permaneça assegurada a prerrogativa conquistada, como ocorria
com os processos físicos.
Em relação ao Princípio da Publicidade, quanto ao disposto no art. 11, § 6º da
Lei de Informatização do Processo Judicial, tem-se a justificativa para a relativização
do princípio da publicidade. Melhor dizendo, é a própria relativização do princípio da
publicidade, porque os autos só estarão disponíveis para aqueles que fizerem o login
no sistema dos Tribunais. O princípio da publicidade deverá ser relativizado, mas
sem ir de encontro com o devido processo.
Conforme mencionado, o art. 11, § 6º da Lei de Informatização do Processo
Judicial, afronta literalmente a Constituição Federal, e a Lei nº 8.906/94, usurpando
direitos constitucionalmente reconhecidos, como o acesso dos advogados aos autos
processuais, sendo passível de Ação Direta de Inconstitucionalidade, por ferir os
Princípios da Publicidade, do Devido Processo Legal, além dos Princípios do
Contraditório e da Ampla Defesa.
Tecidas essas considerações, deve-se mensurar qual o garantia individual
que deverá prevalecer, se a garantia da publicidade dos autos processuais ou se é a
garantia da intimidade.
Contudo o Supremo Tribunal Federal, através de sua composição plenária, já
se manifestou no sentido de que não há direitos ou garantias individuais absolutas,
97
eis que exigências do interesse público ou decorrentes do princípio de convivência
das liberdades podem fazer sobrepujar a garantia republicana de publicidade dos
atos examinados pela administração pública. Portanto, deve-se mensurar qual direito
e qual a garantia mais importante em cada caso, o juiz quem deverá decidir qual
garantia prevalecerá.
Outro aspecto bastante discutido nessa Lei do Processo Eletrônico refere-se à
segurança dos atos processuais, como também à segurança dos sítios que as
decisões são publicadas. Vários testes já foram feitos para se saber a
vulnerabilidade dos sistemas do Poder Judiciário, mas com os mecanismo exigidos
pela Lei nº 11.419/2006 fica difícil burlar os sistemas.
Quando algum ato é postado no DJe, previamente se exigiu do autor da
publicação alguns requisitos, sem os quais este não poderia praticá-lo.
Primeiramente, é exigido um login e uma senha do usuário, depois ele deverá estar
cadastrado para a prática daquele ato e, quando o pratica, será gerado um protocolo
eletrônico contendo a hora e data, além da autenticação do documento, que
geralmente é visto do lado do documento ou em baixo, onde se verifica uns
emaranhados de letras e números, conhecidos como chaves, que podem ser
públicas ou privadas.
6.3.6 Defeitos do processo eletrônico e riscos inerentes
O processo eletrônico apresenta diversos equívocos quanto à sua aplicação
prática em decorrência do descuido do legislador em tentar impor uma fórmula nova
de procedimento sem apresentar soluções para outras questões anteriores, como a
falta de estrutura física dos cartórios, a falta de qualificação e a falta de pessoal. Os
riscos, com efeito, estão avançando para se tornarem lesões concretas quanto ao
Acesso à Justiça em razão do (mal) uso da tecnologia nos procedimentos
processuais.
O art. 14, da Lei 11.419/06, menciona que será usado “preferencialmente”
programa de código aberto, ou seja, programa que pode ser alterada por qualquer
pessoa por não existir registro fixo e imutável e que não seja pago.
O grave problema é existir obrigação dos Tribunais e estados utilizarem os
98
serviços de código aberto, podendo moldar todo o sistema digital em programas
pagos ou em programas diversos, gerando uma confusão ao jurisdicionado e ao
defensor, já que em cada estado é possível usar um programa diferente.
Outra questão diz respeito à possibilidade de programas pagos, os quais irão
causar forte limitação de acesso às pessoas hipossuficientes, já que não terão
possibilidade de pagar pelo direito de utilização de programas para ir ao Judiciário.
Ainda que se levante o uso da Lei 1.050/60, é importante verificar que o
Estado deveria propiciar os meios de acesso digital e não o faz, portanto, a
aplicabilidade da lei de Gratuidade fica prejudicada.
E, mesmo não se tratando de programas de acesso (digitalizadores,
conversores, assinadores digitais, leitores de cartões), há o fator do terminal
informático de acesso aos processos digitais.
Ora, como seria feita a disposição de terminais de acesso? Isso seria de
responsabilidades da Ordem dos Advogados do Brasil? Dos Tribunais? Na hipótese
de não existir disponíveis terminais gratuitos, a pessoa e o cidadão em muitas
situações terão, não apenas violado, mas totalmente negado o acesso à Justiça. A
disponibilização de centros ou terminais de peticionamento necessita vultosa quantia
de dinheiro, contudo, não se encontra nos Orçamentos qualquer indício de que essa
medida será tomada. Supondo-se que os terminais venham a existir, quem iria
operá-los?
Presume-se que alguém conhece o sistema, que poderá ter tempo para
instruir os cidadãos, que estes irão aprender a utilizar, que seus advogados tenham
esse conhecimento, que existam terminais às pessoas de baixa renda.
Presume-se muito quando se usa essa nova técnica. Além da dificuldade de
manuseio dos autos virtuais, há outros obstáculos ao bom funcionamento do
processo virtual, especialmente no que tange ao tamanho dos arquivos
comportados, normalmente, limitados entre 1 e 1,5 Mb (Megabyte). Embora a Lei nº
11.419/2006 preveja a possibilidade de protocolo físico de grandes volumes de
documentos, os limites impostos impossibilitam o protocolo de petições que sejam
compostas de textos e imagens, por exemplo. Nesses casos, há uma visível
limitação aos defensores, que devem optar entre o empobrecimento visual da
petição e o temerário desmembramento do arquivo digital.
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Ademais, a limitação de tráfego de dados imposta pelos Tribunais denota uma
fragilidade técnica dos sistemas de processo eletrônico, incompatíveis com os
formatos de arquivos disponíveis aos usuários. Por exemplo: uma petição de
cinquenta páginas, em formato “PDF”, supera o tamanho máximo autorizado.
Trata-se, pois, de mais uma limitação à atuação das partes. Os problemas
acima apontados vêm ocorrendo, conforme informam os usuários e sites
especializados que atentam a travamentos dos programas e dos sistemas e
impossibilidade de acesso. Inclusive, pesquisa de 2011 da AJUFERGS apontou os
seguintes resultados entre os juízes: 78,89% sentiram piora em sua saude e seu
bem-estar no trabalho com o processo eletrônico; 86,81% sentiram dificuldades de
visão com o processo eletrônico; apenas 19% não sentiram dores físicas desde que
começaram a trabalhar com o processo eletrônico; 95,56% acham que o processo
eletrônico pode piorar sua saúde no futuro - nenhum associado se sente
amplamente orientado para prevenir problemas de saúde decorrentes do processo
eletrônico e apenas 8,79% acham receber orientação e razoável/suficiente; 82,02%
estão insatisfeitos com suas condições de trabalho em relação ao processo
eletrônico; 82,43% estão insatisfeitos quanto à visualização de documentos e autos
eletrônicos no Eproc2 e 78,21% estão insatisfeitos quanto às funcionalidades,
opções e comandos do Eproc2.
Outros fatores importantes são aqueles que dizem respeito ao acesso à
internet. O IBOPE informou 18/03/201125 estatísticas sobre a quantidade de
usuários no Brasil, afirmando que há em torno de 74 milhões de usuários de internet
regulares, mas isso é apenas uma parcela dos brasileiros. E é preciso lembrar que
essa parcela esquecida pela internet pode ter desejos e necessidades a serem
levadas ao Poder Judiciário.
Esse mesmo Judiciário tem tido alguns números fortes em dizer que mais
processos são distribuídos aos gabinetes dos membros dos Tribunais, enquanto o
processo físico leva aproximadamente cem dias para ser distribuído, o processo
eletrônico chega ao gabinete do relator em apenas seis dias. A celeridade ocorre
porque são eliminadas as chamadas fases mortas do processo, como transporte,
armazenamento, carimbos e outros. Assim, haverá uma maior quantidade de
processos para julgamento e isso impõe um novo ritmo de trabalho decisório, o que
faz emergir uma pergunta sobre a segurança e a Justiça nessas decisões tomadas
100
em ritmo fabril.
A análise caso a caso fica prejudica, posto que (já existe e) haverá número
(ainda) maior de processos à disposição para julgar, os quais chegarão em um
momento de decisão aos competentes para isso com muita mais velocidade. E,
assim, necessidade de se acelerar a decisão para evitar que a nova técnica seja
jogada ao chão, será ainda mais forte, além de, evidentemente, existir necessidade
de se decidir mais.
É necessário se chamar atenção para esse tempo de maturação num
contexto de velocidade desenfreada: a preocupação com a velocidade na solução
dos conflitos nem sempre pode ou deve ser imediata; eis que ao lado da decantada
rapidez judicial, existe fato relevante a se considerar: o período de tempo necessário
que alguns casos necessitam de maturação para chegar a termo. Portanto, a
solução de inovação técnica é perigosa, tanto é que, mesmo sem essa técnica, a
quantidade de processos recorridos é cada vez maior.
Na Justiça Federal, 34% das decisões são alteradas – parcialmente ou
totalmente – nos Tribunais Regionais Federais. A Justiça Estadual29 tem incide de
33,8% de reformas das decisões de 1º grau quando chegam aos Tribunais de
Justiça. Nos acórdãos da Justiça Estadual30 a reforma pelo Superior Tribunal de
Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal chega a 22,5%.
6.4 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES IMPLANTADAS PELO PROCESSO
ELETRÔNICO
Os avanços da internet e da tecnologia da comunicação revolucionaram,
como já mencionado, todos os setores e as instituições do Estado contemporâneo
na medida em que se consolidam como mecanismo de relação interpessoal, de
explosão de informações e facilidade de acesso às mesmas. Também como
mencionado os profissionais do Direito devem valer-se destas benesses e não
podem prescindir dos sistemas inteligentes que se mostram como viabilizadores de
uma Justiça mais célere e eficaz.
Assim é que, com o objetivo de alcançar a maior efetividade e celeridade na
prestação da tutela jurisdicional, indispensável à administração da Justiça nos
tempos atuais, surgiu, no Brasil, paralelamente às reformar legislativas, o processo
101
eletrônico com a promulgação da Lei n.° 11.419, de 19/12/2006, pelo qual todos os
atos processuais são produzidos, enviados e armazenados por meio eletrônico.
Várias mudanças significativas foram operadas nos últimos anos, e muitas
outras se fazem necessárias como via de um aprimoramento contínuo da prestação
jurisdicional, fração imprescindível de uma democracia. O processo eletrônico
judicial é um dos mais recentes patamares da constante evolução dos mecanismos
de administração da Justiça.
Deve-se atribuir à Lei n.° 11.419/2006, sem sombra de dúvida, a verdadeira
revolução no Poder Judiciário, porque esta é a lei responsável para inserção
definitiva do processo eletrônico no direito processual civil brasileiro. Muito embora o
aperfeiçoamento completo do processo digital ainda não tenha ocorrido, caminha-se
a passos concretos dentro do espírito da informatização plena e da concretude da
Lei n.° 11.419/2006, que culminará em um processo amplamente informatizado que
prescinde do papel.
Cabe, portanto, ao presente estudo, abordar as alterações processuais
implantadas pelo processo eletrônico de modo que se possa vislumbrar a eficácia
socioeconômica da política judiciária a partir do processo eletrônico.
A legislação traz inúmeras alterações procedimentais criando uma nova
maneira de se praticar, transmitir e armazenar atos processuais, com o intuito de
estar "à disposição do sistema judiciário, provocando um desafogo, diante da
possibilidade de maior agilidade na comunicação dos atos processuais e de todo o
procedimento"94 .
A primeira grande alteração que o processo eletrônico traz na roupagem do
processo tradicional é a eliminação por completo do volumoso saldo negativo de
papéis que em nada contribuem para a efetividade da prestação da tutela
jurisdicional. O uso racional e inteligente da tecnologia sintonizada com a importante
temática da preservação ambiental é um dever que se impõe a todos, e a
inexistência do papel como suporte dos autos traz inúmeras vantagens que refletem
na prestação jurisdicional, tornando-a mais célere e eficaz. Nesse cenário, não há
mais necessidade de autuação dos processos, numeração de páginas, juntada de
peças processuais e tampouco de se costurar os autos apensos. Essas práticas
94 ALMEIDA JUNIOR, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização judicial no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.52.
102
tornam-se obsoletas porque o próprio sistema virtual faz todo este trabalho
automaticamente. E a automação das etapas processuais de mero registro permite a
redução do "tempo morto" ou "tempo neutro" em que o processo resta em cartório,
consagrando-se a primazia do procedimento e o resultado prático correspondente a
ele e, em consequência, fica em relevo o tempo nobre do processo ou aquele em
que se produzem peças em que sejam necessárias à reflexão, à elaboração e ao
amadurecimento de entendimento judicial.
Observa-se que à medida que as tecnologia de informação e comunicação
(TIC) vão sendo incorporadas ao sistema produtivo, elas alteram radicalmente a
estrutura e o modo pelo qual o trabalho é executado, sobretudo no que diz respeito
ao trabalho de produção e de coordenação das atividades relacionadas ao processo
judicial.
Como no processo digital não existe o processo-papel, como tradicionalmente
ocorre, não há de se falar em remessa e retorno dos autos aos Tribunais, o que
reduz o custo dos recursos. Também há redução da necessidade de espaço físico e
do custo com despesas de arquivo, assim, solucionando o problema de inúmeras
secretarias que não têm mais espaço para arquivar os processos.
Observa-se que o trabalho de coordenação das atividades tende a tornar-se
mais efetivo em razão do aumento da capacidade em coletar, estocar, processar e
transferir informações. É evidente que as TICs tornam possível obter maior
velocidade de comunicação, seja esta intra e interpartes, dessa maneira, reduzindo
o prazo de resposta às variações nos ambientes interno e externo. De um modo
geral, incrementa-se o processo de integração entre as diferentes atividades,
tornando-se o trabalho uma fonte de dinamismo e eficiência.
Além desses pontos, vale ressaltar que é o fim do extravio e restauração de
autos e das demoras no desarquivamento dos processos (que depende somente de
simples consulta à base de dados); não se discute mais sobre a necessidade de
incineração de autos. É a erradicação do sistema de juntadas excessivamente lento,
de carga de autos, de manuseio e fotocópias de peças processuais. Tais mudanças
na rotina cartorial, pela redução de etapas burocráticas e simplificação do trabalho
mecânico com foco no intelectual, permitem que o cartório trabalhe em plena
harmonia com o Juízo, fazendo com que o processo tenha imediata sequência; ou
seja, demonstra a plena aplicação do princípio da celeridade processual no processo
103
digital, vez que há redução dos custos operacionais e no tempo de tramitação
processual. Estas alterações permitem, ainda, que os magistrados possam contar
com suporte humano capaz de auxiliá-los no momento de efetivar-se a prestação
jurisdicional. Com isso, obtém-se também economia de mão de obra dos serviços
burocráticos da Justiça com elaboração de mandados, editais e certidões, entre
outros.
Deve-se lembrar ainda que, neste novo ambiente de trabalho, os processos
eletrônicos não ficam restritos a um cartório ou tribunal, mas podem ser acessados
por todos os operadores habilitados e em todos os cantos do mundo, inclusive
simultaneamente, através da internet. Esse procedimento viabiliza o aumento de
prazos comuns e permite que advogados, membros do Ministério Público e peritos,
entre outros, peticionem ou pratiquem demais atos processuais fora do ambiente do
tribunal ou vara. O mesmo ocorre com o juiz, que pode sentenciar, decidir e proferir
despachos sem ficar restrito aos gabinetes de trabalho, utilizando o sistema
mediante senha, lançando sua assinatura digital, de qualquer lugar do planeta, com
isso, evitando julgamentos tardios. É possível, também, o acesso imediato das
decisões de alguns tribunais, através do sistema de acórdão digital95.
O desembargador Olegário Monções Caldas apontou vantagens do uso do
sistema de acórdão digital, como a imediata publicação das decisões:
[...] não precisamos esperar a burocracia das Câmaras e os advogados podem acompanhar do escritório os resultados. Os desembargadores acessam antecipadamente o voto do relator, o que facilita os debates prévios das matérias. Os senhores haverão de ter no acórdão digital, um grande apoio na agilização das atividades, com menos esforço dos servidores das câmaras, mas principalmente com mais tempo para os desembargadores estudarem a questões antes de decidir.96
Torna-se viável à Justiça em tempo real e permite-se que seja ampliado o
acesso à Justiça com a possibilidade de processo à distância e de ser manejado em
horário integral, visto que as portas da Justiça estão sempre abertas para o
95 Disponível em: <http://www.bomdia.adv.br/noticias.php?id noticia=26463>. Acesso em: 08 jul. 2011. 96 Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/web/guest/sala_imprensa;jsessionid=ffc33211b5144c052 acc19d14693?p_pJd=62_INSTANCE_F9uy&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=vi ew&_62JNSTANCE_F9uy_struts_action=%2Fjournal_articles%2Fview&_62_INSTANCE_F9uy_gro upld=10099&_62_INSTANCE_F9uy_articleld=2841338&_62_INSTANCE_F9uy_version=1.0>. Acesso em: 20jun. 2012.
104
jurisdicionado.
Esta acessibilidade ininterrupta ao sistema do processo virtual,
disponibilizando os autos processuais na rede mundial de computadores vinte e
quatro horas por dia, nos trezentos e sessenta e cinco dias do ano, torna
desnecessária a frequência assídua dos operadores do Direito aos balcões do
Judiciário (já que possibilita o acompanhamento a distância da marcha processual),
permite uma maior sintonia entre primeira e segunda instâncias e faz com que a
transparência, o contraditório e ampla defesa sejam valorizados; aumenta a
segurança desta nova modalidade procedimental, vez que a íntegra dos autos
passará a ser monitorada de maneira muito mais efetiva por todos os interessados
no deslinde da ação. Se alguma peça indevida for inserida no sistema, alguém
certamente vai denunciar e não há possibilidade de se alterar o andamento
processual sem que o sistema aponte que esta alteração ocorreu e por quem foi
realizada.
Um fato que traz maior segurança no processo eletrônico, do que no
tradicional, é o de se contar com o sistema de backup, espelhamento em tempo real,
redundância, inclusive remota, para evitar qualquer problema de extravios de dados
- o que não é possível fazer-se no processo-papel com a mesma eficácia.
Seguindo em frente nestas considerações, deve-se apontar que o sistema do
processo eletrônico é capaz de propiciar a descoberta de qualquer prevenção,
litispendência ou coisa julgada, além de conexão e continência; também possibilita
que sejam marcados os processos com prioridade de tramitação ou que devem
correr em segredo de justiça.
Uma importante alteração, com consequências relevantes, diz respeito aos
atos de comunicação processuais. As comunicações internas são estabelecidas de
forma muito prática para priorizar o tempo real, e as citações e as intimações podem
ser feitas através do próprio sistema do processo eletrônico, dessa maneira, gerando
um enorme custo-benefício, pois o custo e o tempo despendidos para a prática
desses atos de comunicação processual passam a ser quase nulo. A petição inicial é
automaticamente distribuída, sendo-lhe atribuída uma identificação numérica e, de
pronto, disponibilizada ao Magistrado para sua análise inicial.
A automação dessas etapas não criativas do processo, de comunicação e
105
impulso processual, também, demonstram a aplicação da garantia constitucional da
duração razoável do processo e o objetivo de agregar agilidade e transparência ao
Poder Judiciário.
Esta praticidade do processo digital também tem reflexos nos prazos
processuais, antecipando o termo inicial dos mesmos e reduzindo drasticamente as
manobras evasivas das partes para adiamento ou não recebimento de citações e
intimações. A já mencionada acessibilidade ininterrupta ao sistema do processo
eletrônico permite que peças processuais sejam protocoladas vinte e quatro horas
por dia e em todos os dias do ano.
Os prazos processuais findam-se às 23h59'59" do último dia do lapso
temporal fixado, ou seja, há uma dilação dos prazos processuais, fato que coaduna
com a regra estipulada no art. 172 do Código de Processo Civil brasileiro, uma vez
que se considera que o sistema computacional tem expediente ininterrupto.
Cartas precatórias, de ordem e rogatórias, devem ser expedidas e cumpridas
preferencialmente de forma eletrônica, ou seja, de maneira extremamente mais
rápida e ágil em comparação ao processo tradicional.
A economia de tempo e a redução de custo proporcionadas pelo processo
eletrônico, livre de entraves burocráticos, da presença física e da produção de
papéis, não ocorrem só para o Estado, mas também para os advogados, que podem
controlar, com mais precisão, os prazos processuais, reduzir gastos com cópias
reprográficas e com arquivos, bem como diminuir despesas com deslocamentos à
sede da Justiça.
Uma última alteração trazida pelo processo virtual ainda deve ser salientada:
a possibilidade de armazenar eletronicamente os atos praticados oralmente nas
audiências de instrução, perenizando a prova oral, viabilizam decisões mais justas,
uma vez que permitem que juízes e desembargadores, com acesso integral à prova
produzida em audiência, consigam extrair a verdade exarada nos depoimentos com
maior facilidade – isso porque a manifestação oral representa um complexo de
ideias que, na maioria das vezes, não podem ser transcritas para o papel.
Enfim, essas e outras ações são as alterações procedimentais promovidas
pela Lei n.° 11.410/2006 e as modificações no Código de Processo Civil97 para
97 Foram alterados os seguintes artigos do CPC: art. 38, parágrafo único, para possibilitar que as procurações sejam assinadas eletronicamente; art. 154, § 2.°, para permitir que os atos e termos do
106
adequá-lo à nova realidade imposta pela lei mencionada. O processo eletrônico
retrata uma mudança cultural da sociedade e surge como a ferramenta
indispensável para alcançar o almejado fim instituído pela Emenda Constitucional n.°
45/2006 da duração razoável do processo e da prestação da tutela jurisdicional pelo
Estado de forma eficaz.
6.5 O PROCESSO ELETRÔNICO E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
A inserção do processo eletrônico no cenário nacional traz não só uma
concepção moderna da própria Sociedade da Informação, mas também demonstra
que o Judiciário brasileiro vem sofrendo mudanças em toda a sua estrutura
processual, à luz dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, desse
modo, buscando efetivar o direito à Justiça e possibilitar um processo mais rápido e
com um custo financeiro menor, o que proporciona ao jurisdicionado uma tutela mais
eficaz que a proporcionada pelo processo tradicional.
É sabido que o acesso à Justiça é uma preocupação constante ao longo da
história. O sistema processual, extremamente formalista, na ânsia de representar
garantias de direitos, revela uma justiça morosa, tardia e que conflita com as
necessidades da sociedade moderna. Sabe-se também que, desde há muito tempo,
no Brasil, cresce a litigiosidade e a administração dos Tribunais mostra-se cada vez
mais lenta e congestionada.
Com o intuito de solucionar os problemas acima mencionados, satisfazendo
os anseios sociais e observando as garantias constitucionalmente previstas do
acesso à Justiça, do devido processo legal e da duração razoável do processo, é
que inúmeras alterações no Código de Processo Civil foram promovidas e que
alternativas, como a do Juízo Arbitral e Juizados Especiais, foram criadas e, por
processo possam ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico; art. 164, parágrafo único, para autorizar que a assinatura do juiz também possa ser feita por meio digital; art. 169, §§ 1.°, 2.° e 3.°, para obrigar o armazenamento dos arquivos digitais em sistema inviolável e com o aval dos sujeitos processuais, determinando que as eventuais impugnações sejam feitas oralmente no momento do ato; art. 202, § 3o para estabelecer que as cartas precatórias e rogatórias podem ser enviadas e processadas por meio eletrônico; arts. 221 e 237, para instituir a citação, intimação e notificação digital; art. 365 para equiparar os arquivos digitais aos documentos físicos; art. 399, §§ 1.° e 2.°, para regulamentar o procedimento de requisição, pelo juiz, de documentos de bancos de dados; art. 399, §§ 1.° e 2.°, para possibilitar a transcrição digital dos depoimentos e atos ocorridos em audiência; art. 556, parágrafo único, para permitir que os votos e acórdãos sejam registrados em arquivos eletrônicos.
107
último, que o processo eletrônico foi instituído. A busca pela efetividade e celeridade
processual foi e continuará sendo o grande objetivo do legislador nas reformas
processuais.
A Constituição Federal do Brasil, no art. 5.°, inc. XXXV, garante aos cidadãos
amplo acesso ao Poder Judiciário ao estabelecer que "a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" e, em consequência, o
Estado deve proporcionar os mecanismos que efetivamente propiciem esta garantia
constitucional, mecanismos capazes de assegurar que, em cada situação litigiosa, o
Judiciário dê a solução definitiva para o conflito de interesse através da aplicação da
lei ao caso concreto.
Por essa razão é que o Estado, através da sua máquina judiciária, tem o
dever de, tomando conhecimento da pretensão resistida, fazer valer o ordenamento
jurídico prestando a tutela jurisdicional necessária. Trata-se de um poder-dever do
Estado de solucionar os conflitos de interesses existentes e que, em contrapartida a
este monopólio estatal da função jurisdicional, cria para os cidadãos o direito de
exigir essa atitude estatal, direito este que se denomina "direito de ação" e que se
traduz como o canal de acesso ao Judiciário.
Todavia a noção de acesso ao Judiciário não se finda com a possibilidade de
se provocar o Estado para que preste a tutela jurisdicional; é preciso também
garantir aos cidadãos uma resposta satisfatória ao conflito de interesses.
Além disso, tratando do processo eletrônico, é certo que não basta o simples
acesso à internet, vez que é necessário a digitalização de petições e documentos os
quais serão transmitidos eletronicamente, o que demanda uma velocidade de
conexão satisfatória com a utilização de internet banda larga ou tecnologia similar
que possui um alto custo além de não estar disponível em todas as regiões.
Para o real sucesso na diretriz de ampliação ao acesso à Justiça, é de rigor
que o Poder Judiciário cumpra o disposto no o disposto no art. 10, §3.°, da Lei
11.419/2006:
Art. 10. A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a atuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo. §3°. Os órgãos do Poder Judiciário deverão manter equipamentos de
108
digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais.
Tal medida se impõe, vez que é certo que a hipossuficiência técnica e
econômica da grande maioria da população também se estende aos meios
tecnológicos e é inegável a imensa quantidade de jurisdicionados que não dispõem
de condições de promover o encaminhamento eletrônico de petições por conta
própria devido à existência barreiras, seja de ordem geográfica, econômica ou
cultural.
É claro que dar cumprimento ao referido comando não significa que, tão
somente equipamentos sejam disponibilizados. É mister que sejam em quantidade
razoável, suficiente para atender a demanda, que sejam colocados em todas as
comarcas, inclusive as do interior e, embora não conste no texto legal, é cediço que
servidores qualificados sejam disponibilizados a fim de prestar informações ao
jurisdicionado sobre o manuseio do sistema, além de apoio técnico aos
equipamentos, em caso de defeito.
Se em cumprimento ao disposto no preceito referido o Poder Judiciário desse
cumprimento a tais medidas, poderiam os tribunais simplesmente recusar o
recebimento de petições por meio físico, vez que fora conferido ao jurisdicionado as
mínimas condições para utilização do novo sistema, medida esta que certamente
seria de grande valia para a almejada celeridade de tramitação.
Esta hipossuficiência técnica não está presente somente entre os jurisdicio-
nados, a grande maioria dos advogados não está apto a lidar com as novas
tecnologias. O Conselheiro Federal da OAB Guilherme Zagallo, em palestra
realizada no dia 25 de setembro de 2012 na sede da OAB Paraná, chamou a
atenção para o fato de que, atualmente, apenas 15% dos advogados no Brasil
possuem o certificado digital - instrumento necessário para a prática de atos
processuais no meio eletrônico, embora alguns tribunais ainda se utilizem de
sistemas de cadastro por meio de login e senha, sem exigir certificados digitais - o
que é um atentado à segurança e integridade do processo.
O ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante reconhece
que a advocacia anda a passos lentos em direção à inclusão digital. Ele aponta
dois fatores principais, resistência cultural e falta de estrutura do Judiciário e dos
109
tribunais. O último motivo, diz, é técnico e passa pela falta de "maquinário
adequado" da maior parte dos tribunais brasileiros, que não têm condições de
armazenamento de arquivos, ou computadores suficientes. "Há sistemas que não
aguentam processos com mais de mil páginas, por exemplo.
Quanto à resistência cultural, Ophir Cavalcante, da OAB, explica que a
maior parte dos advogados vem de gerações que não estão acostumadas com o
computador. Passaram toda sua vida profissional lidando com processo em papel,
e de repente têm de lidar com documentos digitais, em telas de computadores.
Isso, inclusive, exige uma série de investimentos "anormais" aos advogados, como
scanner, ou a máquina leitora de certificados digitais.
O processo eletrônico representa uma verdadeira revolução arrimada na
tecnologia da informação. Não se trata apenas da transformação do papel em
processo eletrônico, mas da adoção de um sistema operacional complexo de
automação do serviço jurisdicional inédito a todos os jurisdicionados e operadores
do direito. No entanto, uma mudança de tamanha envergadura demanda tempo para
adaptação, afinal há toda uma tradição arraigada em torno do uso do papel no
processo judicial a qual terá que ser suplantada para a inserção da nova tecnologia.
E nem todos estão preparados, neste momento, para uma mudança tão radical. Por
este motivo, é recomendável cautela no momento de transição para que seja
adotado, ainda que temporariamente, os dois meios de prática processual,
presencial e eletrônico, cabendo ao requerente a escolha daquele que melhor lhe
convier.
De fato, conforme assevera Petrônio Calmon:
[...] não se pode cogitar de transformação tão profunda sem que sejam previstas regras de transição, sem que se possa atender a quem não está familiarizado com as máquinas eletrônicas, as quais deveriam ser modernas também na facilidade de manuseio e na linguagem utilizada pelos técnicos e não somente na velocidade.
É imperioso que o avanço do processo judicial eletrônico respeite as reais
condições de cada região, que o Poder Judiciário disponibilize estrutura e
funcionários capacitados aptos a prestar assistência aos jurisdicionados que não
110
possuem condições de operar o meio eletrônico. O processo eletrônico exige
adequação tecnológica à nova realidade. Para tanto é imprescindível a aquisição de
scanners para digitalização de petições e documentos além de acesso à internet
com alta velocidade de navegação. São recursos que, inegavelmente, demandam
um custo elevado, o qual, futuramente, pode advir da economia de recurso que o
próprio processo eletrônico irá acarretar - economia esta que já está acontecendo,
conforme restará demonstrado. Paralelamente, também é salutar que a OAB se
empenhe em patrocinar cursos de capacitação aos advogados para lidar com a nova
tecnologia e que as defensorias públicas sejam equipadas e estruturadas para
poderem representar a população carente neste novo procedimento que se
apresenta.
São medidas essenciais a fim de que não haja a arbitrária exclusão daqueles
impossibilitados de utilizar o novo sistema e o acesso do cidadão à Justiça não reste
ainda mais prejudicado. Não investir nestas medidas não é somente desarrazoado,
mas, acima de tudo, antidemocrático e inconstitucional, ferindo de morte o acesso à
Justiça aos desfavorecidos técnico e economicamente. É preciso cautela na
implantação do processo eletrônico como via única para o recebimento de petições
enquanto o Poder Judiciário, a instituição incumbida pela lei infraconstitucional e
constitucional, permanecer desprovida de aporte orçamentário necessário a garantir
infraestrutura decente de funcionamento a fim de que os benefícios trazidos pela
nova sistemática não sejam suplantados pelos problemas oriundas de sua má
utilização.
6.5.1 O processo eletrônico e a duração razoável do processo
Sabe-se que o tempo é o maior inimigo do processo - quanto mais tempo
demora a satisfação do direito lamentado em juízo, mais se discute a aptidão de o
processo alcançar os fins para os quais foi instituído, ou seja, mais se discute a
efetividade da tutela jurisdicional.
A celeridade processual e consequente tempestividade da resposta dada pelo
Estado para solução do litígio são cada vez mais perseguidas pelas partes e pela
sociedade contemporânea; todavia, é preciso salientar que, em paralelo, o processo
precisa desenvolver-se de acordo com o devido processo legal. Portanto, o que
111
precisa ser combatido, nas palavras de Rafael Costa Fortes98, é a "demora
patológica". Assim, o que se pretende é que o processo se desenvolva em um lapso
de tempo razoável e suficiente para a prestação de uma tutela jurisdicional eficaz e
efetiva, levando-se em consideração a complexidade da causa, o comportamento
dos litigantes e a atuação do órgão jurisdicional.
Várias são as causas da morosidade do Judiciário (grande número de
recursos, efeito suspensivo dos mesmos, acentuada litigiosidade, duração excessiva
da fase instrutória, comportamento das partes e dos juízes, burocracia exacerbada,
entre outras); seja qual for a causa o que importa salientar é que a demora do
processo, se não caracterizar a denegação da Justiça, no mínimo desprestigia o
Poder Judiciário, desvirtua seus fins e tem efeitos sociais graves que constituem
fonte de angústias e culminam na dificuldade de se obter a pacificação social tão
almejada pelo Estado. O princípio da celeridade processual foi normatizado no
ordenamento jurídico brasileiro com a recepção do Pacto de São José da Costa
Rica99 e a garantia do tempo razoável de duração do processo passou a ser
assegurada constitucionalmente com a Emenda Constitucional n.° 45, promulgada
em 08 de dezembro de 2004, coordenado para a finalidade de descongestionar a
Justiça brasileira e que está intimamente relacionada à existência de um novo
padrão de procedimento judicial. Para que a morosidade do Poder Judiciário seja
aplacada é preciso que ocorra a simplificação das normas processuais baseada na
conciliação da efetividade com a segurança jurídica, de modo que a falibilidade da
tutela jurisdicional não se faça presente, tampouco se aniquilem as garantias
constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 vedou a concessão de férias coletivas
no Poder Judiciário e a promoção de juiz que mantenha os autos em seu poder além
do prazo legal, exigiu a distribuição automática dos processos e que o número de
juízes seja proporcional à efetiva demanda e respectiva população, criou a súmula
vinculante, o procedimento de uniformização jurisprudencial e o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), que tem sido essencial no processo de reforma administrativa de
98 FORTES, Rafael Costa Fortes. Informatização do Judiciário e o processo eletrônico. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14101/informatizacao-do-judiciario-e-o-proces so-eletronico>. Acesso em: 03 jul. 2011. 99 Art. 8.° - Toda pessoa tem o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei.
112
todo o Judiciário, entre tantas outras alterações realizadas pela referida emenda à
Constituição Federal.
Em sintonia com a Emenda Constitucional n.° 45, várias alterações
legislativas ocorreram, mas, conforme já mencionado, essas alterações são
insuficientes para o desenvolvimento do processo em tempo razoável e é preciso
que também ocorra a simplificação do procedimento. Rafael Costa Fortes100 afirma
que "as autoridades brasileiras perceberam que a modernização do Judiciário não
pode se pautar unicamente na mudança das leis" e que "deve-se também perquirir
na alteração da postura dos operadores e administradores do Judiciário, na
mudança estrutural com o uso de novas técnicas e tecnologias de resolução de
conflito".
Neste contexto, surgiu o processo eletrônico, trazendo facilidades no decorrer
do procedimento e respostas mais rápidas e justas ao jurisdicionado, possibilitando o
aumento da celeridade da comunicação e transmissão dos atos processuais e
tramitação dos feitos e, em consequência, proporcionando uma prestação
jurisdicional mais rápida e, principalmente, mais eficaz.
O processo eletrônico possibilita a consulta aos autos do processo
simultaneamente por advogados, magistrados e partes; dispensa uma série de atos
administrativos judiciais, a exemplo da juntada de documentos e o traslado dos
autos; extingue as infindáveis buscas por autos perdidos; assim como reduz os
custos com material, possibilitando que a maior parte dos investimentos seja
convertida em equipamentos de informática e serventuários da Justiça.
O peticionamento das partes no processo sofre uma grande alteração com o
advento da Lei n.° 11.419/06, uma vez que não precisará de servidores das
entidades judiciárias para protocolar as petições, a juntada dessas, deixa de ser ato
humano, e passar a ser um ato automático. A petição é recebida automaticamente
no juízo competente, aonde receberá identificação numérica, podendo ser
imediatamente analisada pelos assessores do Magistrado, os quais poderão
selecionar uma proposta de despacho, que será analisada pelo Magistrado e
assinada digitalmente pelo mesmo. Importa salientar que esta peça processual pode
ser acessada de qualquer lugar pelas partes do processo bem como ser analisada,
despachada e assinada digitalmente pelo Magistrado de qualquer lugar que esteja.
100 FORTES, op. cit.
113
A comunicação processual de forma eletrônica é uma alteração capaz de
causar significativa economia temporal. No processo físico, a citação ou intimação
dependia, em sua ampla maioria, do regular funcionamento do serviço postal, o qual,
não eventualmente, sofria com extravios de documentos além de greves por grandes
períodos. Em caso de comunicação via oficial de justiça, meio extremamente
moroso, em virtude do volumoso número de mandados a serem cumpridos e
reduzido número de profissionais para fazê-lo. Deve-se considerar também que, não
raro, o destinatário da citação/intimação acaba ocultando-se maliciosamente, o que
contribui para o insucesso da diligência, ou, quando for possível, a sua realização
com hora certa, no aumento dos custos e da demora processual. Como as citações
e as intimações não mais dependem de outros meios que não o eletrônico, reduz-se
o tempo para que o ato de comunicação processual se efetive e, em consequência,
também se reduz o tempo de contagem de prazos, já que seu termo inicial ocorre na
data em que houver o acesso ao sistema (portal do Tribunal).
Quando o advogado, ou a parte interessada consultar o portal do Tribunal,
terá ciência de todas as intimações em seu nome que constarem no portal, e é
considerada a data da efetiva ciência para a contagem dos prazos. No caso de ter
sido publicada a intimação, e não ter sida realizada consulta no portal, o prazo
começará a ser contado apos 10 (dez) dias de sua publicação.
Clementino186 elucida que, no tocante às empresas contribuintes, poder-se-
ia estabelecer a exigência de indicação de endereço eletrônico para as empresas
com faturamento acima de limite a ser fixado, combinando com critérios como
número de empregados, dentre outros, de modo a alcançar, em um primeiro
momento, apenas as empresas de médio e grande porte. Dessa forma, a citação
nas execuções fiscais, por exemplo, seria muito mais célere, o que também
propiciaria ao executado a oportunidade de melhor e mais rapidamente defender-se
contra eventual ação ilegítima do Estado. Além disso, sabe-se que muitas vezes a
demora na atuação do Fisco em cobrar seus créditos pode torná-los insuscetíveis de
pagamento, em razão dos índices de correção utilizados e encargos incidentes,
problema que seria minimizado com a adoção da via eletrônica, tanto para as
cobranças administrativas, quanto judiciais.
A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e
das petições em geral, todos em formato digital, nos autos do processo eletrônico,
114
podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem
necessidade da intervenção do cartório ou secretária judicial, situação em que a
autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de
protocolo.
É o fim da remessa e retorno de autos às instâncias superiores, os quais
normalmente demandava excessivo tempo, pois após pagas as devidas taxas de
porte de remessa e de retorno, os autos do processo eram enviados à instância
superior, depois recebido, distribuídos e só então analisados. Acaso fosse
constatado que faltava algum documento, os autos eram devolvidos ao Tribunal de
origem e, solucionada a pendência, novamente enviados. No processo eletrônico,
paulatinamente, todos os tribunais de instância inferior terão seus processos físicos
digitalizados e os novos processos já em meio eletrônico o que possibilitará o envio
de recursos e feitos para apreciação das instâncias superiores, não mais na forma
física, mas sim em arquivos digitais. Portanto, o processo físico permanece no
tribunal de origem, aguardando o julgamento do recurso, cujos autos foram enviados
digitalmente aos Tribunais Superiores. Estes, por sua vez, quando proferem seus
julgados, apenas devolvem ao Juízo a quo os seus veredictos, também na forma
informatizada.
Um dos grandes benefícios de toda essa modernização é a rapidez com que
os processos chegam aos gabinetes dos ministros, já que os feitos lhes são
enviados na forma digitalizada, não mais havendo a necessidade de remessa dos
autos (físicos) para Brasília-DF, local onde são sediados o STJ e o STF.
O sitema e-Proc, utilizado pela Justiça Federal da 4.° Região, por exemplo,
em 07 de janeiro de 2013, expediu a resolução n.° 2/2013, tornando obrigatória a
interposição dos agravos de instrumento incidentais a processos físicos em meio
eletrônico. Referida resolução assim dispõem:
RESOLUÇÃO N.° 2, DE 07 DE JANEIRO DE 2013 Altera a Resolução n.° 17/2010, que regulamenta o processo judicial eletrônico - eprocv2 - no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região. A PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, no uso de suas atribuições legais e regimentais, tendo em vista constante no Processo Administrativo n.° 10.1.000011595-1, ad referendum da Corte Especial resolve: Art. 1.° Acrescentar na Resolução n.° 17/2010 o artigo 43-A que segue: Art. 43 A Os agravos de instrumento incidentais a processos físicos da Justiça Federal serão interpostos, a partir de 01/02/2013, pela parte agravante, em meio eletrônico.
115
§ 1.° A interposição eletrônica do agravo, no sistema e-Proc de segundo grau, dispensa a juntada da cópia do agravo nos autos do processo originário. § 2.° A parte agravante instruirá a petição inicial do agravo, anexando digitalmente os documentos determinados no artigo 525, I e II do Código de Processo Civil. § 3 ° Distribuído o agravo no Tribunal, o órgão processante providenciará, se necessário, a adequação do registro de partes e do advogado do agravado. § 4.° O sistema lançará automaticamente registro na movimentação processual dos autos originários (Siapro), informando a distribuição do agravo com a indicação do respectivo número. § 5.° A comunicação da interposição do agravo, bem como as decisões nele proferidas, serão feitas eletronicamente à vara de origem no painel do diretor de secretaria, que adotará as providências cabíveis. § 6.° Aplica-se aos agravos eletrônicos disciplinados no caput o disposto no artigo 47 desta resolução.
No caso das cartas precatórias, rogatórias e de ordem, se cumpridas de forma
eletrônica, haverá um ganho imensurável em tempo e até mesmo em economia.
Afinal, não há a necessidade de se fazer autos complementares nem o dispêndio de
tempo que era gasto para que essas cartas fossem efetivamente cumpridas.
Algumas das vantagens do processo digital supraenumeradas demonstram a
possibilidade de uma tutela jurisdicional mais célere e, consequentemente, eficaz,
principalmente porque elimina a burocracia desnecessária e o "tempo neutro" do
procedimento (quando os autos ficam aguardando a prática de determinados atos
físicos, como a autuação da petição inicial, a juntada de documentos, a remessa dos
autos, etc.), que é um dos entraves do processo tradicional. Afinal, segundo
números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 70% do
tempo de tramitação de um processo se perde no vai e vem de papéis entre
gabinetes, protocolos e cartórios (juntadas, carimbos, certidões e movimentações
físicas dos autos)101.
O que se pretende com o processo eletrônico é que a atividade jurisdicional e
os procedimentos empregados sejam melhor otimizados, de forma a tornar-se mais
eficazes, sem prejuízo da finalidade de atingir seus objetivos. O processo eletrônico
determinará paulatinamente o descongestionamento da Justiça, simplificação dos
ritos, transparência dos procedimentos e completa revisão do modelo obsoleto.
101 ZAMPIER, Débora. Novo sistema pode reduzir em até 70% o tempo de tramitação de processo na justiça. Disponível em: <http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli noticia ,asp?idnot=10103> Acesso em 04 jul 2011.
116
6.6 EFETIVIDADE DO PROCESSO ELETRÔNICO – A CELERIDADE E O
ACESSO À JUSTIÇA: PRINCÍPIOS EM OPOSIÇÃO?
Neste ponto do presente trabalho, propõe-se equacionar o questionamento
anteriormente exposto, averiguando se o processo judicial eletrônico, na medida em
que promove a almejada celeridade processual para entrega da tutela jurisdicional,
pode vir a fragilizar o acesso à Justiça por parte dos jurisdicionados.
A princípio, somente duas respostas poderiam ser elencadas. Ou sim, haveria
fragilização ao acesso à Justiça; ou não, não restaria fragilizado o acesso à Justiça.
No entanto, a discussão vai muito mais além do que essas duas simplórias
respostas. Resta, então, adentrar-se em um estudo mais aprofundado quanto ao
aspecto questionado.
O dilema entre segurança jurídica de um lado, e celeridade processual, de
outro, vem provocando grandes debates sobre a efetividade jurisdicional através dos
tempos.
O embate entre segurança e celeridade, em rigor, reflete uma queda de braço
inerente a dois princípios constitucionais, quais sejam: o princípio do acesso à
Justiça (aqui visto como as garantias processuais da inafastabilidade do controlo
jurisdicional, do contraditório e da ampla defesa) e da efetividade (aqui vista como a
garantia da razoável duração do processo).
A justiça, para ser de fato efetiva, requer urgentes mudanças no antiquado
sistema jurisdicional. A Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, tem grande
relevância, pois alimenta o objetivo de adequar o Direito à nova era da globalização
do conhecimento e, em especial, dar ao Judiciário o impulso de modernidade, por
meio do uso de novas tecnologias, notadamente, através da tecnologia da
informação, em que o processo virtual torna-se uma interessantíssima alternativa na
incessante busca pela celeridade.
Porém esta celeridade deve estar aliada à efetiva e eficaz produção dos atos
de impulsionamento e decisão do processo – atos cartorários, despachos e sentença
– sem debilitação da garantia de acesso à Justiça, promovendo-se a interação entre
a nova realidade processual e os destinatários da prestação Jurisdicional.
Os novos estudos sobre o processo civil têm alçado voos por áreas até então
pouco trabalhadas, tal qual a constitucionalização e a efetividade do processo.
117
Saiba-se que o instrumento (processo) não só possibilita, mas também molda,
interage e reflete-se no objeto (direito material, em primeiro plano, e o valor justiça
social, ao fundo). O processo, então, não mais é compreendido como mera técnica,
mas como ferramenta para a realização de valores, em especial os constitucionais.
Em função disso, a criação de uma técnica processual guiada por valores
fundamentais é o caminho apontado a realizar a parcialidade competente ao direito
ético e justo.
Ao visualizar o Direito Processual Civil por meio da lente do acesso à Justiça,
tem-se de fazer aflorar toda uma problemática inserida num contexto social e
econômico. Daí a necessidade de o processualista socorrer-se de outras ciências,
bem como de dados estatísticos, a fazer refletir as causas da expansão da
litigiosidade, bem como os modos de sua solução e acomodação. O processualista
precisa certificar-se de que toda técnica processual, além de não ser
ideologicamente neutra deve estar sempre voltada a uma finalidade social.
A ideia de um processo como instrumento de efetividade e amplamente
acessível a todos, cujo objetivo primordial é alcançar a pacificação social, é, sem
dúvida, pressuposto para uma tão sonhada justiça social. No entanto, para
concretizar tal intento não bastam apenas essas boas intenções, é necessário que
seja de vez execrada a malfadada morosidade peculiar ao Judiciário Pátrio.
É de público conhecimento que o Judiciário não vem obtendo êxito em
oferecer uma pronta resposta à população que bate às suas portas em busca da
solução para seus problemas jurídicos.
As reformas processuais buscam, de forma incessante, a solução à
morosidade da Justiça. Efetivamente, devem ser buscadas medidas que tornem o
processo mais rápido e célere. A efetividade do processo é exigência premente nos
tempos atuais. É cediço que a coletividade anseia por uma atividade jurisdicional
capaz de emitir julgamentos céleres e eficazes e apta a garantir o efetivo
cumprimento de seus julgados.
Ponto de insatisfações da sociedade brasileira, atualmente, é justamente a
insuficiência do Judiciário em prover a justiça aos que a ele recorrem em busca de
uma rápida solução aos seus problemas. O processo tradicional não consegue mais
dar resposta satisfatória às expectativas de seus usuários, o que evidencia a
obsolescência de tal modelo. Necessita-se resolver o problema da insatisfação
118
quanto à lentidão da prestação jurisdicional e tornar mais célere o trâmite processual
e entregar-se à sociedade uma quantidade maior de decisões e em tempo cada vez
menor.
A atividade jurisdicional, meio para a realização objetiva dos direito materiais
propiciando a pacificação social, impõe desafios comuns aos diversos ordenamentos
jurídicos, despertando preocupações voltadas à consolidação de um sistema
processual que esteja calcado em instrumentos que permitam a eliminação do litígio
sem que a demora da sua resolução faça com que as partes suportem ônus maiores
do que aqueles oriundos da insatisfação causada pela violação de seu direito.
Esse sentimento de insatisfação estatal e popular no tocante à má qualidade
do serviço público jurisdicional e à atuação de seus membros e órgãos responsáveis
é perceptível individua-se se examinarmos os conteúdos normativos de alguns dos
novos dispositivos constitucionais. Por exemplo, em primeiro lugar, quando a
Constituição criou o Conselho Nacional de Justiça, novo órgão integrante do sistema
Judiciário, conferindo-lhe várias atribuições, entre elas, a de controlar o cumprimento
dos deveres funcionais dos juízes. Por segundo, quando a Constituição ampliou o
conceito normativo de devido processo legal, nele incluindo, agora, o direito
fundamental do povo a um processo de razoável duração e aos meios que garantam
a celeridade de sua tramitação, tal significando, em outras palavras, direito do povo
jurisdicionado a um processo sem dilações indevidas.
O processo eletrônico terá entre outras finalidades a missão de tornar mais
célere o Judiciário. Tal expectativa, porém, pode não se concretizar, pois é difícil um
prognóstico exato quanto aos resultados concretos que advirão. Em especial,
somente a implantação do processo judicial eletrônico, por si só, parece ser
insuficiente. As leis têm de traçar procedimentos simples, claros, ágeis. Mas para
fazê-los operar não pode a Justiça depender do gênio individual de cada juiz ou
auxiliar. Não serão, como é intuitivo, as simples reformas das leis de procedimento
que irão tornar realidade, entre nós, as garantias cívicas fundamentais de acesso à
justiça e de efetividade do processo. O tão sonhado processo justo, que empolgou e
dominou todos os processualistas no final do século XX continua a depender de
reformas, não de leis processuais, mas da justiça como um todo.
Cabe, agora, à sociedade do século XXI exigir dos responsáveis pela Justiça
brasileira que façam passar pela mesma revolução tecnológica por que estão
119
passando as modernas administrações públicas e privadas, sob o impacto do
planejamento, coordenação, controles, estatística, cibernética, processamento de
dados etc.
A preocupação com a justiça deve ser tão ou maior quanto à preocupação
com o tempo de duração de um processo. Não basta apenas que se resolva de firma
extremamente rápida uma ação pelo uso do processo informatizado. Numa espécie
de contrapeso na balança, impõem-se colocar diante da almejada celeridade o
princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do acesso à Justiça, pois na angústia
de obter-se a celeridade, esta pode vir a ser sinonímia de injustiça. Para que isso
não ocorra, a agilidade na tramitação dos procedimentos processuais não poderá
desprezar outros princípios imprescindíveis para que se produzam decisões
efetivamente justas.
Conforme a perspectiva técnico-jurídica, o acesso à Justiça, em seu sentido formal,
deve abarcar a ampla admissibilidade das partes ao processo (universalidade da
jurisdição), tornando-se efetivos os princípios constitucionais do devido processo
legal, do contraditório e da ampla defesa, visando contribuir para a formação do
convencimento do juiz acerca do direito pleiteado.
Nada obstante tratar-se de um direito supraconstitucional, o acesso à Justiça não se
concretiza somente com a dispensa do pagamento de custas e a oferta de
assistência jurídica (gratuidade da justiça), como se verifica na maioria dos juízos. O
processo configura-se instrumento imprescindível à atuação da Justiça e o devido
processo legal o meio de efetivar-se a pretensão deduzida pela parte, ambos
alçados ao nível de direito fundamental.
Isso tudo demonstra razão para se sustentar que por certo a celeridade processual
não pode estar desvinculada de um amplo acesso à Justiça, sob pena de não se
concretizar a efetividade da Justiça. Em verdade, poder-se-ia dizer que são dois
princípios processuais vinculados a direitos assegurados constitucionalmente.
Certamente, a busca por resultados não pode justificar a transposição dos limites
impostos pelas garantias, pois se estaria objetivando apenas alcançar um processo
voltado para bases estatísticas.
O acesso à Justiça compreende, ainda, outros pontos assegurados na
Constituição, despertando inquietação no espírito de todos os que almejam uma
efetiva entrega da tutela jurisdicional. Cada vez mais, no ambiente jurídico, há uma
conscientização por parte de todos os operadores do direito no sentido de livrar-se
120
de certas amarras processuais para se consagrar o espírito de que realmente venha
a se assegurar à busca da Justiça.
As normas constitucionais garantem não só apenas o direito à ação, mas
tornam possível um acesso efetivo à Justiça e, assim, um direito à tutela jurisdicional
adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender, com efeito, que a
Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma
ameaça a direito apenas e tão somente uma resposta, independentemente de ser
ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito de acesso à Justiça é um direito
fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como imaginar que a
Constituição da República proclama apenas que todos têm o direito a uma mera
resposta do juiz. O direito a uma mera resposta do juiz não é suficiente para garantir
os demais direitos e, portanto, não pode ser pensado com uma garantia fundamental
de justiça.
Não basta, portanto, que haja somente a pronta resposta do magistrado.
Porquanto o significado do direito de acesso à Justiça se estende a todos os meios
ou instrumentos legais e também, pela forma processual, de acordo com o direito
codificado que é posto para a solução dos conflitos de interesses. O acesso à
Justiça buscado neste novo milênio é orientado para decisões de maior integração
social, consenso e cooperação, em que a justiça visa a diminuir as diferenças
econômicas e de status social das classes, com o objetivo de equilibrar as partes
envolvidas, proporcionando assim o desenvolvimento social.
O nosso Direito é frequentemente complicado e, se não em todas, pelo menos
na maior parte da área, ainda permanecerá assim. Precisamos reconhecer, porém,
que ainda subsistem amplos setores nos quais a simplificação é tanto desejável
quanto possível. Ante a tal afirmação, é de se compreender que não se pode
permanecer isolado e alheio à realidade.
Os termos Justiça e Judiciário, ao contrário do que a tradicional construção
doutrinária afirma, não são sinônimos a ponto de não aceitar outros meios de acesso
à Justiça, que não o Judiciário. Devendo ser revistos os conceitos à luz dos novos
tempos. Para o autor, o acesso à Justiça, sobrepõe-se em valor ao acesso ao
Judiciário, sendo mais abrangente, eis que significa acesso à gama maior de valores
e direitos fundamentais, não se resumindo apenas pela atividade judiciária, mas
também extrajudiciária.
121
O acesso à Justiça é, portanto, algo mais complexo, representando mais do
que o ingresso no processo e seus meios, indo além dos limites do acesso aos
órgãos judiciais existentes. Deve-se ir além do acesso garantido a todos pela
Constituição Federal, deve-se alcançar o asseguramento dos direitos e das
garantias sociais fundamentais, mas não apenas isso.
Sem dúvida que um verdadeiro acesso à Justiça não se faz unicamente
dando-se a oportunidade para que os indivíduos possam adentrar e pleitear seus
direitos junto ao Poder Judiciário, mas sim, provendo todos os meios para que possa
ter um provimento jurisdicional restaurador de seu bem da vida lesado ou que, ao
menos, declare uma solução para a questão levantada em juízo. Da mesma forma,
não basta apenas promover-se maior celeridade no trâmite processual para que se
chegue a uma justa decisão. Muito mais que rapidez, é imprescindível que se
melhore em todos os sentidos a prestação jurisdicional.
Certamente, o grande desafio reside no equacionamento desses dois valores:
tempo e segurança. A decisão judicial tem de compor o litígio no menor tempo
possível. Porém deve respeitar também as garantias da defesa (due process of low),
sem as quais não haverá decisão segura. Celeridade não pode ser confundida com
precipitação. Segurança não pode ser confundida com eternização.
Portanto abstrai-se que esses princípios nem sempre estarão em conflito e
sim que entre os mesmos existem laços comuns que os unem no objetivo de
melhorar a atividade do Judiciário, visando ao aprimoramento da prestação
jurisdicional com o amplo acesso de todos os cidadãos e a devida razoável duração
do processo – celeridade – e, principalmente, com plena efetividade na pacificação
dos litígios e realização da Justiça.
Afinal, como se demonstrou ao longo da obra, mostra-se importantíssima a
contribuição do processo judicial em meios eletrônicos na medida em que promove,
entre tantas características positivas, a modernização do Judiciário sem causar
qualquer vedação de direitos aos jurisdicionados ou infringência aos princípios
constitucionais, bem como promove maior agilidade no proferimento das decisões
judiciais e, assim, consubstanciando-se no aperfeiçoamento da justiça e na entrega
da tutela jurisdicional de forma realmente efetiva.
122
6.7 RESULTADOS ALCANÇADOS
Alexandre Rodrigues Atheniense, ex-presidente da Comissão de Tecnologia
da Informação do Conselho da OAB (2001-2010), informa que, nos quatro anos de
vigência da Lei n.° 11.419, tem-se "4% dos autos em trâmite nos tribunais brasileiros
integralmente digitalizados e uma economia de tempo em torno de 40% neste novo
cenário"102.
A inserção do processo eletrônico no cenário nacional traz a ideia de um novo
sistema procedimental que, por possibilitar um processo mais rápido e com um custo
financeiro menor, proporciona ao jurisdicionado uma tutela mais eficaz que a
proporcionada pelo processo tradicional.
O processo digital traduz-se como uma política pública que proporciona maior
eficácia do Poder Judiciário. A grande transformação do processo eletrônico traz
repercussão incomensurável no procedimento cível, eliminando volumes, reduzindo
gastos desnecessários, evitando deslocamentos, consultas em balcão, pedidos de
cópias, de vista dos autos, eis que doravante, com a implementação do sistema
eletrônico, tudo será acessível pela consulta realizada.
Walter Nunes103, membro do Conselho Nacional de Justiça, salienta que o
processo eletrônico tem uma tramitação mais segura que a dos processos em papel
e acaba com um dos principais problemas da tramitação física: a retirada dos autos
dos cartórios. Afirma também que a nova realidade imposta pelo processo eletrônico
"não é apenas a mudança de papel para a mídia eletrônica, é a automação do
serviço jurisdicional, eliminando a fase humana. É enfrentar a questão que resulta na
morosidade, que é a burocracia".
O balanço, após quase quatro anos de funcionamento do processo eletrônico
no TRT da 13a Região, é bastante entusiasmante, uma vez que houve um
crescimento considerável das demandas atendidas na localidade. Os prazos médios
de tramitação entre a instauração do processo e a primeira audiência foram
102 ATHENIENSE, Alexandre. Avanços e entraves do processo eletrônico na justiça. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-dez-16/retrospectiva-2010-avancos-entraves-processo-ele tronico-justica>. Acesso em: 28 jun 2011. 103 ABRA0' Carlos Henrique. Processo eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.83. ZAMPIER, Débora. Novo sistema pode reduzir em até 70% o tempo de tramitação de processo na justiça. Disponível em: <http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli noticia. asp?idnot=10103> Acesso em: 04 jul. 2011.
123
reduzidos em trinta e seis dias, o que para muitos não representa nada, mas para
aqueles que esperam e necessitam da agilidade da Justiça, representa uma vida. O
prazo de conclusão para despacho era de três a cinco dias, enquanto que agora é
de vinte e quatro horas. O decurso de tempo entre o despacho e cumprimento era
de dois a quatro dias, agora é de vinte e quatro a quarenta e oito horas, um recorde
quando se refere à Justiça104.
O juiz Marcelo Bertasso, da 2a Vara Cível de Umuarama, autointitula-se como
"um entusiasta do Projudi". Com o sistema, ele já conseguiu concluir um processo
em oito dias - desde o momento em que a petição foi protocolada até a sentença ser
proferida. Se fosse em um processo físico, uma ação civil pública semelhante àquela
que ele julgou em praticamente uma semana, levaria, em média, sete meses para
ser concluída, de acordo com o juiz105.
O STJ foi o primeiro tribunal nacional a extinguir integralmente o processo em
papel, ao desenvolver um sistema no qual todas as fases de tramitação são feitas
por meio eletrônico, desde a entrada do processo, passando pela distribuição,
decisão até a sua publicação no Diário de Justiça eletrônico (e-STJ). Com esta
iniciativa, o STJ deu início a um efeito dominó positivo, pois os tribunais de segunda
instância não têm como guardar os processos em papel que estão sendo devolvidos
pelo STJ e já estão digitalizando os processos e partindo para a sua própria
virtualização.
Os ministros do STJ106 são unânimes em salientar as vantagens do processo
eletrônico. O ministro Luis Felipe Salomão afirmou ter percebido que houve "para
prestação da justiça uma melhora muito grande, não só em termos de celeridade,
mas de segurança, de um melhor controle dos processos dentro do gabinete". Esta
opinião é compartilhada pelo ministro Castro Meira, o qual observa que "a remessa
física dos processos tradicionais e, em muitos casos, a sua localização implicava em
perda de tempo que hoje pode ser aproveitada em sua análise, permitindo melhor
controle e, também, melhor qualidade técnica das próprias decisões". Os ministros
104 Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n link=revista artigos leitura&artigo id =10361&revista caderno=21> Acesso em: 10 iun 2012. 105 Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?id= 1294440>. Acesso em: 19 fev. 2013. 106 BRASIL. STJ. Processo eletrônico conquista magistrados e advogados, mas ainda tem desafios. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398& tmp.texto=101488&utm source=feedburner&utm medium=twitter&utm campaign=Feed:+STJNo ticias+(STJNoticias> Acesso em: 04 jul. 2011.
124
salientam também que enquanto o processo físico leva aproximadamente cem dias
para ser distribuído, o processo eletrônico chega ao gabinete do relator em apenas
seis dias, em função da eliminação das chamadas fases mortas do processo. O
processo eletrônico também proporcionou importantes benefícios para administração
do STJ: expressiva redução de atestados médicos de servidores, principalmente em
decorrência de alergias, problemas respiratórios e dores da coluna provocadas pelo
manuseio e transporte de pilhas de processos em papel, já que há maior limpeza e
organização do ambiente de trabalho.
Com esta iniciativa o Superior Tribunal de Justiça (STJ)107 já alcançou os
seguintes resultados relatados no Portal do STF:
■ antes da virtualização, a distribuição dos processos aos relatores
levava sete dias; hoje, faz-se numa fração de segundos, uma vez que o sistema
eletrônico elimina todos os procedimentos (recebimento, transporte do processo
internamente) que não fazem parte do rito processual;
■ antes, da saída do processo do tribunal de origem até chegar ao STJ e
estar pronto para a distribuição ao ministro-relator, levava-se seis meses. Com o
projeto integralmente implementado, ou seja, com todos os tribunais encaminhando
o processo por meio eletrônico, o tempo de seis meses cai para seis dias;
■ o STJ gastou R$ 1,7 milhão, em 2008, com toner e cartuchos para
impressoras; R$ 613 mil com papel e R$ 6,9 milhões com serviço de postagem.
Estes gastos estão sendo drasticamente reduzidos, principalmente em relação ao
serviço de postagem, pois aos poucos deixa de existir processos em papel para
serem reencaminhados aos tribunais de origem;
■ em média, tramitam pelo STJ 300 mil processos por ano. Em papel,
isso equivale a 113 milhões e 100 mil folhas, totalizando 538,6 toneladas produzidas
a partir do corte de 26 mil a 32 mil árvores de eucalipto, com o gasto aproximado de
54 milhões de litros de água e 2,7 milhões kWh de energia. O processo eletrônico
põe fim a esse processo oneroso ao meio ambiente.
No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apenas a utilização do Diário
Oficial de Justiça eletrônico deixou de gastar 17 toneladas de papel, uma tiragem
média de 10 mil exemplares, o que poupa 40 árvores por edição, segundo o critério
107 Disponível em: <http://www2.stf jus.br/portalStflntemacional/cms/verConteudo.php?sigla== portalStf Cooperacao_pt_br&idConteudo=190769&modo=cms>. Acesso em: 8 jun. 2012.
125
da ONG ambiente Brasil, que estima que cada 50 quilos de papel economizado
equivale a uma árvore108.
Apesar das vantagens já mencionadas, a ministra Nancy Andrighi109 faz um
alerta: "é o fim do papel, mas não da cruel espera". E segue convocando todos para
fazerem uma reflexão sobre o processo eletrônico que, em suas palavras, "está
longe do sentimento de aversão às novidades tecnológicas que infelizmente ainda
domina o Judiciário brasileiro".
A advertência feita pela Ministra Nancy Andrighi tem fundamento. Já foi
relatado que apenas mudanças legislativas não são capazes de viabilizar um
processo que cumpra com as garantias cívicas constitucionalmente previstas de
acesso à Justiça e de efetividade do processo; é preciso também que ocorram
mudanças na sistemática procedimental, erradicando burocracias e simplificando o
procedimento. Mencionado também que o processo eletrônico foi instituído
justamente com o objetivo de promover estas necessárias mudanças na sistemática
procedimental. Surge, agora, um terceiro fator a ser analisado: é preciso ultrapassar
as barreiras para a implementação do processo eletrônico em âmbito nacional, sem
o que a expectativa da garantia do tempo razoável do processo e da eficácia da
tutela jurisdicional estarão comprometidas.
6.8 PRINCIPAIS PROBLEMAS ENFRENTADOS ATUALMENTE
O processo eletrônico surge, no Brasil, de maneira irreversível, trazendo
modernidade ao Direito Processual e a expectativa de um processo célere e eficaz.
Ocorre que, desde a promulgação da Lei n.° 11.419/2006, muitos problemas
surgiram, vez que, por óbvio, o processo digital não está imune a falhas; estes
problemas dificultam a integração do texto legal à nossa realidade.
A informatização do Poder Judiciário exige a superação de preconceitos, a
mudança da mentalidade dos profissionais do Direito, a inclusão social e digital e a
solução para os problemas apresentados.
108 Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=172>. Acesso em: 18jun. 2012. BRASIL. STJ. Processo eletrônico conquista magistrados e advogados, mas ainda tem desafios. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&. 109Disponível em: <http://www. tmp.texto=101488&utm_source=feedburner&utm_medium=twitter&utm_campaign=Feed:+STJNo ticias+(STJNoticias>. Acesso em: 04 jul. 2011.
126
É necessário que sejam feitos grandes e constantes investimentos em
segurança das informações que são transmitidas e armazenadas nos sistemas de
processo eletrônico contra hackers, vírus, espionagem digital e violação de sigilo das
informações, entre outros. Também são maciços os recursos financeiros
necessários para viabilizar a infraestrutura exigida pelo processo digital (scanners,
certificados digitais, capacitação das pessoas que interveem no sistema, etc.).
Deste modo, pode-se verificar que o problema crucial do processo eletrônico
está mais na carência de recursos materiais e humanos do que nas deficiências
legais, pois, para que o setor seja eficiente, é necessário que este identifique na
relação entre as partes uma fonte potencial de aperfeiçoamento. É analisando as
falhas e problemas que se pode melhorar e avançar, não somente nos aspectos
técnicos, mas também materiais e pessoais.
É importante que todos os profissionais do Direito tomem consciência da
necessidade de inserir os meios eletrônicos em suas atividades e adaptem-se a esta
nova realidade do processo judicial. Não basta simplesmente digitalizar os
documentos e o texto convencional. É preciso criar um novo estilo de escrita: mais
objetiva e econômica e que utilize recursos que facilitem a leitura e compreensão do
documento eletrônico, como, por exemplo, no lugar de jurisprudências longas, pode-
se indicar o link que, se for da vontade do Magistrado, irá baixar o acórdão que o
peticionário deseja chegue ao conhecimento do mesmo. O empenho dos operadores
do Direito é que fará a diferença entre o fracasso e o sucesso do processo digital e,
por isso, é que, ultrapassado período de adaptação, convencidos da segurança do
sistema através de conhecimentos básicos da tecnologia, necessário é adquirir um
certificado digital e habilitar-se nos sistemas do processo eletrônico, além de buscar
capacitar-se para utilizar os vários sistemas que atualmente existem.
A falta de unificação do processo eletrônico é outro problema que vem sendo
enfrentado. Há mais de 40 diferentes sistemas processuais digitais no país. Isto
porque, a Lei 11.419, em seu artigo 18, permitiu que cada tribunal pode
regulamentar a lei dentro de sua própria jurisdição. O Conselho Federal da OAB é
contra esta disposição, e um dos motivos pelo qual propôs Ação Direta de
Inconstitucionalidade, cuja tramitação está parada no Supremo Tribunal Federal.
127
Para Alexandre Atheniense110, quando a lei preceitua que os tribunais podem
regulamentar, é muito tênue a linha que separa o que é passível de regulamentação
e, normalmente quem decide as mudanças no sistema do processo eletrônico são
os técnicos dos tribunais, os quais não possuem formação processual e acabam por
criar rotinas sistêmicas de práticas processuais, que em muitas vezes estão em
conflito com a legislação vigente.
O sistema e-Proc é o sistema de processo eletrônico do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região que obteve o primeiro lugar, no ano de 2005, no VIII Prêmio
Conip de Excelência em Informática Aplicada aos Serviços Públicos Excelência em
Informática Pública Aplicada aos Serviços Públicos. Essa é considerada a mais
importante premiação de informática pública do país. O TRF venceu na categoria
Iniciativas de Sucesso, a principal das três modalidades. Por ter obtido o primeiro
lugar, o tribunal foi convidado para apresentar o e- proc no Canadá, representando o
Brasil em âmbito internacional111. O sistema foi criado no âmbito do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região em março de 2004, desenvolvido pelos próprios
serventuários da Justiça Federal. Atualmente, pode-se afirmar que é o melhor
sistema dentre os atuantes.
Para Alexandre Nester112:
[...] não há dúvidas que o e-Proc consistem em um sistema eficiente que uniformiza e racionaliza o processo judicial de uma forma nunca antes experimentada. A iniciativa e o esforço pioneiro do TRF da 4ª Região na sua implementação merecem aplausos e, mais do que isso, a colaboração de todos os operadores do Direito, especialmente dos advogados. Porém, existem questões que merecem alguma reflexão na medida em que afetam de forma direta (e não tão positiva) a atuação dos advogados que militam na Justiça Federal.
O primeiro problema destacada pelo autor diz respeito às restrições impostas
pela regulamentação do TRF4 no que concerne a anexação de arquivos no sistema.
Estabelece o art. 12 do provimento 01/2004 do TRF4, que por necessidade técnica
os documentos anexados aos processos poderão ter seu tamanho e formato
110 ATHENIENSE, Alexandre. Processo eletrônico: um avião que vamos ter que consertar em pelo voo. Jornal da Ordem, Paraná, n.163, ago. p.9, 2012. 111 Disponível em: < http://www2.jfrs.jus.br/?p=750>. Acesso em: 06 jul. 2011. 112 NESTER, Alexandre Wagner. Questões polêmicas sobre o processo eletrônico na justiça federal. Disponível em: <http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=35&artigo =19&l=pt>. Acesso em: 19 fev. 2013.
128
limitados, observado o princípio do acesso à Justiça. Para os processos do Juizado
Especial foi fixado o limite máximo de 350Kb por arquivo e para o rito ordinário o
limite de 500Kb. Este tipo de restrição é amplamente utilizado por vários sistemas de
processo eletrônico sob a justificativa de não prejudicar o acesso à Justiça, vez que
um tamanho muito pesado do arquivo só poderia ser aberto em locais detentores de
internet banda larga e já se viu que esta não é a realidade brasileira113.
O autor destaca que essas restrições exigirão habilidade dos advogados para
elaboração das petições de forma objetiva e organização dos documentos de modo
a excluir aqueles que não forem absolutamente necessários. Porém, há casos em
que a juntada de documentação extensa é imprescindível e outras situações onde a
natureza ou o estado de conservação do documento pode comprometer a sua
legibilidade. Nestes casos, a solução para evitar limitação ao acesso à Justiça esta
na própria lei do processo eletrônico, em seu art. 11, § 5o: "os documentos cuja
digitalização seja tecnicamente inviável devido ao grande volume ou por motivo de
ilegibilidade deverão ser apresentados ao cartório ou secretaria no prazo de 10 (dez)
dias contados do envio da petição eletrônica comunicando o fato, os quais serão
devolvidos à parte após o trânsito em julgado". Depreende-se que a lei garante o
direito ao protocolo físico de documentos, desde que haja inviabilidade técnica de
sua digitalização114.
A segunda questão refere-se à intimação dos atos processuais interlocutórios.
Prevê o art. 10 do Provimento 01/2004 do TRF4 que:
[...] a citação/intimação será publicada eletronicamente pelo sistema na tela do citado/intimado, após a geração do evento respectivo por servidor habilitado, correndo os prazos da seguinte forma: I - o termo inicial do prazo decorrente de citação se dará quando do acesso ao sistema pelo representante legal da entidade ré; II - o termo inicial do prazo decorrente de intimação se dará quando do acesso ao processo pelo representante legal do intimado; III - se o usuário não acessar o sistema, no caso de citação, ou o processo no caso de intimação, no prazo de 10 (dez) dias será considerado citado/intimado automaticamente.
Denota-se que no e-Proc, as intimações são feitas por meio do sistema
eletrônica, dispensando a publicação em Diário de Justiça e, até mesmo, no Diário
113 NESTER, Alexandre Wagner. Questões polêmicas sobre o processo eletrônico na justiça federal. Disponível em: <http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=35&artigo =19&l=pt>. Acesso em: 19 fev. 2013. 114 Ibid..
129
de Justiça Eletrônico. Cabe, portanto, ao advogado a iniciativa de promover
periódica consulta ao sistema para tomar ciência das intimações existentes em seu
nome, sob pena de a intimação ser considerada realizada no décimo dia da
disponibilização da informação. Disposição temerária a eliminação da garantia de
recebimento das intimações por meio Diário de Justiça, eletrônico ou não, vez que
se tratava de via que garantia a ciência inequívoca da intimação.
Nester enaltece que ambas as questões delegam ao advogado o ônus de
diligenciar para que o processo eletrônico atinja o seu objetivo. A responsabilidade
do advogado aumenta no momento de elaborar e organizar as petições, como
também durante o processo, na vigilância permanente dos andamentos processuais
- o que se agrava muito no caso dos advogados detentores de uma considerável
plêiade de demandas e que são compelidos a efetuar o acompanhamento
pessoalmente, tarefa que era terceirizada no caso de intimação pelo Diário de
Justiça. Para o autor, a primeira disposição se justifica levando-se em conta a
questão do acesso à Justiça - um dos escopos do processo eletrônico. Entretanto há
de se ponderar se a eliminação das intimações via Diário de Justiça, e a redução
deste custo (que no caso do Diário eletrônico é imensamente reduzido),
compensaria a dificuldade prática imposta aos advogados a qual poderá culminar
em perda de prazos fatais com prejuízos muito maiores às partes. Possivelmente a
intimação pelo Diário de Justiça Eletrônico, a qual já acarreta sensível economia de
tempo e dinheiro, traduz-se no meio de comunicação mais adequado e seguro aos
objetivos de eficácia buscados pelo processo eletrônico115.
Na Justiça Comum o Conselho Nacional de Justiça inicialmente desenvolveu
e distribuiu gratuitamente aos tribunais de todo o país o sistema denominado
PROJUDI. Era para ser um sistema eletrônico que dispensa o uso de papel em
todas as fases de tramitação dos processos, no qual é possível protocolar
documentos e peças processuais e acompanhar o andamento dos processos de
qualquer lugar e em qualquer horário, por meio da internet. No entanto, na prática, o
que se vê são quedas constantes e indisponibilidade do sistema devido à
sobrecarga de acessos e também a problemas técnicos, que geram lentidão e
percalços na vida do advogado, já que as determinações de prorrogação dos prazos
115 NESTER, Alexandre Wagner. Questões polêmicas sobre o processo eletrônico na justiça federal. Disponível em: <http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=35&artigo= 19&l=pt>. Acesso em: 19 fev. 2013
130
demoram.
Assim como no e-Proc, no Projudi também há limitação no envio de arquivos
de no máximo 1MB por vez, além de não serem aceitos pelo sistema, arquivos de
vídeo ou imagem, os quais precisam ser apresentados em CD.
Segundo o juiz Gil Francisco de Paula Xavier Fernandes Guerra, supervisor
geral de informática e comunicação do Tribunal de Justiça do Paraná, o problema,
na maioria das vezes, é da rede e não do sistema e que melhorias estão sendo
implantadas neste sentido, substituindo a empresa Brasil Telecom pela Copei, que
vai fornecer um serviço feito por meio de fibra óptica. Guerra acrescenta, também,
que alguns dos recentes problemas no sistema não foram por falhas na rede, mas
devido à troca de máquinas para a ampliação da capacidade, o que, segundo ele,
representa melhorias a longo prazo116.
Cumpre salientar ainda que, no estado do Paraná, referido sistema só
funciona de modo eletrônico em primeira instância. Portanto, em caso de recorrer
para a segunda instância, será necessário imprimir o processo inteiro para remetê-
lo ao Tribunal de Justiça. E pior, no caso de autos subirem para o STJ ou STF, ele
deve ser novamente digitalizado integralmente vez que nestas esferas ele tramita
novamente por meio eletrônico. Este processo desvirtua totalmente o cerne do
processo eletrônico, acaba com a economia de tempo, de papel, e com a paciência
dos operadores do sistema. A promessa é de quem em outubro do corrente ano, o
meio eletrônico será adotado pela segunda instância no Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná.
Contrariando o disposto na lei do processo eletrônico, o TJPR não
disponibiliza serviço técnico especializado para resolver as dúvidas nem de
equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à
disposição dos interessados para distribuição de peças processuais. Guerra se
defende aduzindo que o serviço existe, mas está sobrecarregado. As dúvidas podem
ser tiradas pelo telefone (41)3200-4002. Para melhorar o serviço prestado o
supervisor afirma que foram chamados 80 profissionais da área de informática, entre
os quais, alguns vão compor a equipe de um call center para tirar dúvidas sobre o
Projudi. Haverá, ainda, profissionais em plantão 24 horas para monitorar o sistema.
116 Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?id= 1294440>. Acesso em 19 fev. 2013.
131
Não há ainda prazo definido para esta implantação destas inovações.117 O estado do
Paraná começou a utilizar o Projudi em 2007. Foi um dos estados escolhidos pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para testar o programa. No entanto, afirma
Guerra, após sucessivas alterações e atualizações, hoje, sobrou praticamente
apenas o nome do que era aquele sistema inicial.
Atualmente, o CNJ lançou outro sistema denominado PJe - Processo Judicial
Eletrônico. Foi lançado em 2011 com o fito de harmonizar os sistemas de processo
eletrônico em todos os tribunais. O ex-presidente do TJPR, Miguel Kfouri, não se
mostrou receptivo à mudança. Para ele, o PJe está em fase inicial, enquanto o
Projudi está muito a frente. "Eles ainda não têm bem noção do tamanho que o
processo eletrônico já atingiu aqui no Paraná".118 Em 07 de fevereiro de 2013, o
Projudi ultrapassou a marca de 1.500.000 de processos cadastrados119.
Para Alexandre Atheniense, o Projudi está morto! Já foi decretada a certidão
de óbito do Projudi, na sede do Conselhor Federal, pelo Conselho Nacional de
Justiça, em 2011. Para o advogado:
[...] trata-se de um sistema que já deu o que tinha que dar, foi criado dentro do que era possível em termos de rotinas processuais há quatro, cinco anos, e chegou num limite que não há como prosperar, tanto é que o Projudi vem sendo substituído em diversos tribunais pelo PJe. Não haverá a perda de informação, que será hiperoperável com o novo sistema, essa mudança vai acontecer para poder alcançar outras rotinas processuais que o Projudi não alcançou.120
As limitações do Projudi se devem ao fato do sistema ter sido criado a partir
da experiência de um sistema do Tribunal de Justiça da Paraíba. Os técnicos que
desenvolveram o sistema foram chamados pelo CNJ e criaram o Projudi, o qual foi
distribuído para diversos Tribunais de Justiça a fim de implantar o processo
eletrônico. Entretanto o estudo foi baseado na realidade de um estado pequeno e
não houve testes suficientes para a recepção de um grande volume de dados.
"Então, esse sistema vem sendo remendado com atualizações, mas, pela
117 Ibid.. 118 Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?id= 1294440. Acesso em 19 fev. 2013. 119 Disponível em: <https://www.tjpr.jus.br/projudi/>. Acesso em: 19 fev. 2013. 120 ATHENIENSE, Alexandre. Processo eletrônico: um avião que vamos ter que consertar em pelo 2og voo. Jornal da Ordem, Paraná, n.163, ago., p.8, 2012.
132
linguagem, pela estrutura com que foi feito, já está ultrapassado."121 Portanto, para
Atheniense, o Tribunal de Justiça do Paraná terá que converter para o novo sistema.
Não se sabe quanto, mas a mudança é certa.
Também existe: o sistema e-Doc122 que tramita em todas as Varas do
Trabalho dos vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior
do Trabalho (TST), onde, através da internet, tem-se a possibilidade de enviar
petições, documentos e recursos sem a necessidade da apresentação posterior dos
documentos originais – atualmente substituído pelo PJ-e.
O e-STF é um programa institucional do Supremo Tribunal Federal que define
estratégias e ações coordenadas para a consolidação do processo judicial eletrônico
na Corte. O programa estabelece uma agenda de trabalho que inclui
desenvolvimento de tecnologia, edição de atos normativos e parcerias institucionais.
Seu objetivo é aproximar, integrar e inserir todos os agentes envolvidos (partes,
advogados, Tribunais, PGR, AGU, defensorias e procuradorias, dentre outros), para
uma gestão judiciária automática, simples, acessível, inteligente e, sobretudo, mais
célere e mais econômica.
E-STJ – é O meio eletrônico utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça para
tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças
processuais, que permite o peticionamento eletrônico e a visualização dos autos do
processo eletrônico pela Internet. O escopo do programa vai além da digitalização
dos processos. Em linguagem didática, a proposta é tornar eletrônicas todas as
fases ou momentos do processo: (a) o peticionamento, (b) a tramitação, (c) as
comunicações e (d) a finalização.
Conforme se percebe, atualmente, os advogados são obrigados a lidar com
uma ampla variedade de sistemas de peticionamento eletrônico (Projudi, e-Saj, e-
Pet, e-Doc, e- Proc, Pej, dentre outros) sendo que todos são operacionalizados de
forma distinta, situação que dificulta enormemente a adaptação e inclusão dos
advogados, comprometendo o exercício da advocacia bem como a garantia do
acesso à Justiça.
Paralelamente, sabe-se que é função do Conselho Nacional de Justiça – CNJ
identificar os gargalos e ditar medidas, solucionar conflitos, expedir normas e
121 Ibid.. 122 Disponível em: <http://www.jt.jus.br/sistema/edoc/>. Acesso em: 18 mar. 2011.
133
encontrar soluções para minimizar dúvidas na aplicação da lei e proporcionar maior
efetividade na aplicação da Lei n.° 11.419/2006 e este conselho não tem medido
esforços para cumprir com suas funções. Por isto é que, para dirimir os problemas
advindos da adoção de diversos sistemas distintos para uma mesma prática
processual (várias habilitações, diversas senhas e a necessidade de adaptar-se em
cada um dos sistemas processuais, além do risco de retrocesso como o ocorrido nos
idos de 1930 quando cada tribunal tinha seu próprio "código de processo"), o CNJ,
em parcerias com os tribunais, desenvolveu e lançou, no dia 21/06/2011, o
Programa Judicial Eletrônico (PJe) como o sistema que promete harmonizar e
unificar a tramitação de processos em toda a Justiça brasileira, seja ela Federal,
Estadual, Eleitoral ou do Trabalho. A proposta do PJe é ser o sistema nacional único
de tráfego de dados judiciais. Dos 91 tribunais de todo o Brasil, 50 assinaram o
protocolo para o uso do novo sistema123.
De acordo com o CNJ, não há regra que imponha o uso do PJe nas cortes
locais, mas, daqui para a frente, aquelas que quiserem manter seus próprios
sistemas serão obrigadas a fazer com que eles se comuniquem com a plataforma do
PJe. O CNJ é o responsável pela manutenção e atualizações necessárias no
Programa Judicial Eletrônico, de modo que os tribunais não precisarão empenhar
tempo nem dinheiro para o funcionamento deste sistema.
Já se sabe que o novo sistema desenvolvido padece de mazelas já existentes
nos sistemas atuais. Um deles é a comunicação dos atos processuais por meio de
portais dos tribunais, e não do Diário de Justiça Eletrônico. Esta opção atinge a
publicidade e a transparência que existem quando estes atos são publicados no
Diário de Justiça Eletrônico. Em caso de uma publicação equivocada (o que não é
raro), há possibilidade se efetuar prova ampla em virtude desta publicidade. O que já
não acontece no caso da publicação feita através do Portal, do qual só se tem
acesso através de login e senha ou de certificado digital, dificulta a prova pública do
equívoco, que só pode ser comprovada mediante lavratura de ata notarial, o que
gera custos e mais percalço na vida do advogado.
Em recente assembleia organizada pelos advogados trabalhistas, principais
usuários do sistema PJe, vez que o mesmo foi adotado em toda a Justiça do
123 ZAMPIER, Débora. Novo sistema pode reduzir em até 70% o tempo de tramitação de processo na justiça. Disponível em: <http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli noticia. asp?idnot=10103> Acesso em: 04 jul. 2011.
134
Trabalho, foram apresentadas como principais reivindicações: não se pode incluir
mais advogados na contestação; CEP com base de dados antigos; falta de resposta
do 0800 e do telefone do TRT para dar a solução do problema; desconhecimento por
parte dos serventuários; exigência de colocar assunto com códigos; editor de texto
ruim; redesignação da pauta em cima da hora; documentos e movimentação
processual fora de ordem e com informações equivocadas; impossibilidade de
personalizar; o sistema não está completo, só opera com 30 % e não ampara a fase
de execução do processo; requerer o protocolo da inicial e da contestação no
Escritório Digital para garantir prazo em casa de problemas no sistema e demora
para designar audiência (6 meses).
Outra questão de relevo e que não é recente, pelo contrário, vigora desde
2009 e se traduz como verdadeira excrescência em tempos de processo eletrônico,
é a exigência, do Tribunal Superior do Trabalho, que o pagamento das custas
judiciais seja efetuada no próprio banco e em dinheiro. Não se admite o pagamento
pela internet, sob pena de não ter validade o pagamento e o recurso não ser
recebido. Ou seja, todas as etapas do processo são efetuadas por meio eletrônico,
todavia na hora do pagamento da taxa, este deve ser feito pessoalmente no banco e
em dinheiro. Um completo paradoxo.
Outros riscos, falhas ou dificuldades apresentadas pelo processo eletrônico
que dificultam que o processo informatizado se torne um meio plenamente utilizado
por todos os cidadãos devem ser destacados, a saber:
■ possibilidade de invasão ao sistema e consequente necessidade de
criação e atualizações de sistemas de segurança;
■ possibilidade de adulteração dos dados armazenados;
■ demora na sistematização do processo eletrônico;
■ dificuldade de harmonização de critérios no âmbito nacional;
■ dificuldade de assimilação pela população;
• custo elevado na consolidação do processo eletrônico (necessidade
de fortes investimentos para infraestrutura necessária);
■ falhas e congestionamentos no sistema que inviabilizem o acesso;
■ necessidade de lealdade processual para maior eficácia do sistema;
■ bloqueios de arquivos acima de uma certa quantidade de bytes;
■ aplicação restrita em virtude da grande maioria dos Judiciários
135
estaduais sentir o reflexo da completa falta de dotação orçamentária e de um
planejamento seguro sobre o tema.
A crítica mais efusiva ao processo eletrônico é a de que a obrigatoriedade do
uso dos sistemas pelos advogados foi instituída concomitantemente à sua execução.
Determinada a obrigatoriedade do uso do processo eletrônico, os advogados
imediatamente devem adaptar-se à nova sistemática, vez que não há mais a opção
de ajuizamento de novas ações através de processo físico.
A experiência norte-americana efetuou uma implementação mais lenta do
processo eletrônico (ao longo de 10 anos), todavia possibilitou um amadurecimento
da sistemática e que todos os operadores do direito estivessem melhor adaptados e
preparados para operar sob a nova sistemática. O mesmo se pode de dizer dos
primeiros atos de governança eletrônica no país: a instituição do voto eletrônico em
1996 e a utilização da rede mundial de computadores para a transmissão da
declaração de imposto de renda cujos processos de implementação se deram de
forma paulatina.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vem constantemente requerer ao
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que seja concedido tempo hábil e elástico aos
advogados, entre a implementação do uso do sistema eletrônico e a sua
obrigatoriedade, para adaptação dos mesmos ao sistema. No primeiro dia de
fevereiro de 2013, o Conselho Nacional de Justiça havia suspendido a
obrigatoriedade do uso exclusivo de processo eletrônico em petições no estado de
Pernambuco. A justificativa do relator Emmanoel Campeio foi de que: "O
impedimento de acesso dos advogados ao foro por meio que não seja eletrônico
pode ocasionar lesões de difícil, grave ou impossível reparação, na medida em que
inúmeros conflitos exigem urgente e impostergável análise judicial"124.
No pedido de providências protocolado no Conselho Nacional de Justiça pelo
Conselho Estadual da OAB, os advogados afirmam que há problemas técnicos no
sistema, baixa cobertura de internet, impedimento do exercício da advocacia a
advogados sem certidão eletrônica ou com pouca familiaridade com o meio
eletrônico e pouco tempo para fazer o protocolo125.
124 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-fev-04/cnj-suspende-obrigatoriedade-processo- eletronico- pernambuco>. Acesso em: 07 fev. 2013. 125 Ibid.
136
Há fundado receio de que o acesso ao Judiciário, por meio exclusivamente
eletrônico, prejudique o acesso à Justiça, porque pode ainda não haver condições
do sistema para seu pleno funcionamento, assim como os profissionais podem ainda
não estar aptos a acessar o PJE adequadamente.
No entanto, a despeito do eminente perigo de dano, no dia 5 de fevereiro de
2013, a liminar obtida foi cassada sob o pálio de ser inviável manter expediente
físico dos processos paralelamente ao PJe. Essa preocupação não se restringe ao
estado de Pernambuco, por certo. Ao tomar posse como novo presidente do
Conselho da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coelho disse que a inovação vem sendo
adotada com açodamento, o que pode fazer com que a iniciativa prejudique
advogados que ainda não estão preparados para cumprir as exigências do novo
sistema126.
Em São Paulo, o peticionamento eletrônico tornou-se obrigatório desde
primeiro de fevereiro nas 45 varas cíveis do Fórum João Mendes, apesar das
tentativas das entidades da advocacia - entre elas a OAB/SP e a AASP – em
postergar o início da exclusividade do método virtual. As Seccionas da OAB do Pará
e do Rio de Janeiro também pediram formalmente ao CNJ a suspensão da
obrigatoriedade do uso exclusivo do PJe na Justiça do Trabalho. Enquanto no Pará
o problema é com a Internet, no Rio, a questão é a falta de acesso a equipamentos.
OAB/PA pede que o TRT prorrogue o cronograma para que haja um espaço de
transição de 12 meses. Além disso, quer que o sistema seja facultativo. O Tribunal
passou a adotar o Sistema PJE-JT em 10 de outubro de 2012.
Em São Paulo, o peticionamento eletrônico tornou-se obrigatório desde
primeiro de fevereiro nas 45 varas cíveis do Fórum João Mendes, apesar das
tentativas das entidades da advocacia - entre elas a OAB/SP e a AASP – em
postergar o início da exclusividade do método virtual. As Seccionas da OAB do Pará
e do Rio de Janeiro também pediram formalmente ao CNJ a suspensão da
obrigatoriedade do uso exclusivo do PJe na Justiça do Trabalho. Enquanto no Pará
o problema é com a Internet, no Rio, a questão é a falta de acesso a equipamentos.
OAB/PA pede que o TRT prorrogue o cronograma para que haja um espaço de
transição de 12 meses. Além disso, quer que o sistema seja facultativo. O Tribunal
126 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-fev-04/cnj-suspende-obrigatoriedade-processo- eletronico-pernambuco>. Acesso em: 07 fev. 2013.
137
passou a adotar o Sistema PJE-JT em 10 de outubro de 2012.
A OAB Nacional decidiu intensificar a assistência às ações movidas pelas
Seccionais estaduais solicitando a suspensão do uso exclusivo de peticionamento
eletrônico nos três ramos do Judiciário (estadual, federal e trabalhista) nas regiões
onde problemas estruturais de telecomunicação dificultam o acesso à Internet.
"Somos entusiastas do processo eletrônico e temos consciência dos seus
benefícios, mas é preciso conhecer melhor a realidade de cada Estado antes de
determinar que seja obrigatório", afirmou Marcus Vinicius Furtado. "Está-se exigindo
do advogado de uma remota comarca o mesmo daquele que mora numa metrópole
atendida por tecnologia de comunicação de ponta."127
Para o secretário-geral da OAB Nacional, Cláudio Souza Neto, o Judiciário
está tratando o Brasil inteiro como se fosse uma cidade como Brasília. Mais grave:
"Está havendo uma interferência direta no trabalho dos advogados, com reflexos
danosos na prestação jurisdicional e, logo, na própria atividade de defesa,
necessária para que se faça justiça".128
Referido secretário-geral afirmou que a OAB Nacional está levantando todos
os casos existentes de dificuldade na transmissão de dados para levar ao
conhecimento do CNJ. Colocou, ainda, que os argumentos apresentados pelos
setores de tecnologia da informação dos tribunais, alegando que são
disponibilizadas aos advogados todas as facilidades para operar o sistema, não
condizem com a realidade. "Haverá uma crise se continuar nesse ritmo, com
prejuízos para todos", advertiu, ao lembrar que no âmbito da OAB já existe um
programa voltado para ajudar o advogado a obter sua certificação. Mas é preciso
tempo até que todos estejam devidamente incluídos. "Tudo o que queremos é
tempo", mencionou129.
6.9 O NOVO CPC E A CELERIDADE NO PROCESSO ELETRÔNICO
A evolução histórica que se presencia é, notoriamente, irreversível e reflete-se
no mundo jurídico. O direito é um fenômeno histórico derivado das relações
127 Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/25094/oab-alerta-cnj-para-dificuldades-com-o-pro cesso- eletronico> Acesso em: 08 fev 2013. 128 Ibid. 129 Ibid.
138
econômicas, políticas e sociais, e também, pode-se dizer, das descobertas
tecnológicas – afinal, quem diria que as pesquisas de jurisprudência deixariam de
ser realizadas nos repertórios autorizados, impressos e encadernados, e passariam
a ser feitas em buscas rápidas nos sites dos próprios dos tribunais e ou outros sites
jurídicos?
Essa é uma das razões pela qual se deve buscar, continuamente, a
adequação dos diplomas normativos a essa realidade, conferindo-se validade aos
atos jurídicos praticados eletronicamente. As inovações promovidas pelo avanço da
assinatura eletrônica, assegurada pela certificação digital, garantindo a
autenticidade, integridade e validade jurídica dos documentos eletrônicos, aliadas
aos benefícios do processo eletrônico, representam uma importante etapa na longa
evolução do direito130.
A informatização do Judiciário, bem como dos bancos de dados de todos os
órgãos públicos, é uma tendência mundial. Em Portugal, há mais de 10 anos, é
possível dar entrada em pedidos judiciais para o cumprimento de obrigações
pecuniárias derivadas de contratos de baixo valor através do preenchimento de
requerimentos de fácil preenchimento, conforme modelos disponibilizados no
website do próprio Tribunal, remetidos de forma eletrônica – trata-se das injunções
portuguesas, nos termos da Lei nº 269/1998. Além disso, quase todos os órgãos
públicos estão informatizados, sendo possível solicitar certidões on-line de todos os
tipos, algumas gratuitas, outras mediante prévio pagamento. Por exemplo, todas as
matrículas imobiliárias estão digitalizadas e podem ser obtidas no mesmo dia da
solicitação, mediante o pagamento dos respectivos emolumentos dos cartórios de
imóveis.
Nessa perspectiva, o Brasil está muito atrasado, considerando-se que tão
somente nos últimos anos a informatização do processo judicial passou a ser
realidade, através da Lei 11.419/2006. Ainda assim, pouco se evoluiu desde então,
sendo raras as Comarcas nas quais vigoram o processo eletrônico – a autora teve a
oportunidade de atuar em causa na Comarca experimental de Nazaré Paulista,
Estado de São Paulo e pode dizer que o processo eletrônico, após um período de
adaptação, traz celeridade para a atividade jurisdicional e muita facilidade para o
130 COVAS, Silvanio. O processo judicial eletrônico. SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As grandes transformações do processo civil brasileiro – Homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 1076.
139
trabalho dos advogados. Somente no ano de 2009, o Superior Tribunal de Justiça
passou a digitalizar todos os processos que lá se encontravam, escaneando os
processos antigos. Já o Supremo Tribunal Federal, desde o início deste ano, 2010,
passou a aceitar ações originárias daquele Tribunal – ações diretas de
inconstitucionalidade (Adins), declaratórias de constitucionalidade (ADCs), arguições
por descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), reclamações e propostas de
súmula vinculante na forma digital.
Outro fato: a determinação do CNJ de que todos os sites dos Tribunais de
Justiça dos Estados fossem uniformizados, contendo informações específicas e
amplas, ainda não foi totalmente implementada, diante da quantidade de processos
existentes em todo o país e principalmente em Estados altamente populosos, como
São Paulo.
Assim, apesar das dificuldades da colocação em prática dos vários
procedimentos eletrônicos já previstos em lei, percebe-se que o Projeto de Lei nº
166/2010 (novo Código de Processo Civil) valorizou os meios eletrônicos, mas de
forma tímida e meramente sistemática.
Nazareno César Moreiro Reis acredita que o Projeto não avançou
praticamente em nada em termos de estruturação normativa para regulamentar o
meio virtual e o melhor exemplo que dá é a longa descrição dos requisitos para a
expedição da carta precatória em papel (arts. 229 a 240),131 que certamente deverá
deixar de existir em curto e médio prazo. Não se justifica mais que o advogado retire
a carta precatória em uma comarca, encontre um advogado correspondente em
outra ou estabeleça contato com o distribuidor do fórum deprecado, ou ainda
agentes da OAB daquele local, para então remetê-la pelo correio, aguardar o
cumprimento, recebê-la novamente pelo correio, para então comprovar nos autos os
atos praticados – tudo isso é dispendioso, tanto no sentido de tempo, como no
sentido de dinheiro. Não é possível mais manter essa estrutura arcaica! Os juízos
deprecantes e deprecados devem começar a comunicar-se eletronicamente!
Por isso, ainda que valorizando e sistematizando os atos eletrônicos com os
demais, acredita-se que as inovações foram superficiais e acanhadas, havendo o
risco de caducidade de muita disciplina específica do processo padrão-papel. O
131 Disponível em: <http://www.http://jus.uol.com.br/revista/texto/17174/o-projeto-de-codigo-de-processo-civil-e-o-processo-eletronico-um-risco-de-caducidade-precoce>.
140
Projeto nº 166/2010, quiçá futuro Código, pode perder a função de atualização das
normas que disciplinam a matéria processual, já que não acompanha as inovações
tecnológicas proporcionadas pela informática132. Tentando evitar que isso aconteça,
a Comissão Legislativa do Senado Federal passou a incumbência ao Conselho
Nacional de Justiça de editar atos para incorporar e regulamentar os avanços
tecnológicos para o processo, nos termos do seu artigo 163, § 3°.
Voltando ao assunto do novo plenário eletrônico paulista, acredita-se que
essa é uma resolução arrojada, moderna e que só vem somar. É vital que o Poder
Judiciário acompanhe o desenvolvimento tecnológico.
Conforme o procedimento previsto, o Relator deverá pronunciar seu voto e
enviá-lo eletronicamente aos demais juízes da Turma, os quais acompanharão ou
manifestarão sua posição divergente, elaborando voto, que então deverá circular
entre os membros da Turma. Prevalecerá o voto da maioria. No fundo, nada muda,
pois em regra, soa prevalecer o voto do relator.
Porém, devemos levar em conta que o novo Código de Processo Civil segue
com previsões para os processos físico
senti falta de uma crítica mais profunda sobre o projeto do novo cpc que continua trazendo previsões para o processo físico, sendo que daqui há algum tempo, tais regras se tornarão obsoletas, não acha? de resto está ok
Aplausos para a nova medida de desburocratização da Justiça!
132 Ibid.
141
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A busca por um processo célere e efetivo é uma constante no cenário
brasileiro e esta busca tem compelido o legislador a criar novas regras que
viabilizem o processo almejado. Estas alterações na legislação processual vêm
sendo feitas pelo Estado há anos, porque cabe a ele, detentor do monopólio da
jurisdição, desenvolver mecanismos para que o processo suplante os obstáculos
existentes e realmente se posicione como um instrumento eficaz de pacificação
social.
A necessidade do Estado brasileiro em aprimorar e tornar o Poder Judiciário
mais eficiente e eficaz, respeitando os direitos fundamentais insculpidos na
Constituição Federal, inspiraram as regras contidas na Lei n.° 11.410/2006,
instituidora do processo eletrônico no Brasil, que se mostra como um profícuo meio
para uma Justiça mais célere e eficiente.
O grave problema da morosidade processual não pode prescindir dos
sistemas inteligentes; deve considerar a perspectiva da utilização dos avanços
tecnológicos disponíveis, deve valer-se dos benefícios por ela oferecidos e capazes
de conferir maior celeridade processual, sem risco de comprometimento das
garantias do devido processo legal.
O que se pretende com o processo eletrônico é que a atividade jurisdicional e
os procedimentos empregados sejam melhor otimizados, de forma a tornarem-se
mais eficazes, sem prejuízo da finalidade de atingir seus objetivos. O processo
eletrônico determinará paulatinamente o descongestionamento da Justiça,
simplificação dos ritos, transparência dos procedimentos e completa revisão do
modelo obsoleto.
As tecnologias de informação e comunicação (TIC), nomeadamente a
internet, possibilitam que o processo eletrônico rompa com a arcaica sistemática
processual, criando um novo modus operandi no direito processual, para garantir a
efetivação dos direitos e uma eficaz prestação da tutela jurisdicional por parte do
Poder Judiciário.
O problema do Judiciário, infecto pela morosidade, não está na seara do
processo, tampouco na aplicação da lei e dos princípios autocríticos-discursivos do
processo, mas na forma de realização dos atos procedimentais pela jurisdição, os
142
quais estão eivados do denominado "tempo morto" do processo, qual seja, quando
os autos ficam aguardando a prática de determinados atos físicos, como a autuação
da petição inicial ou a juntada de documentos. É verdade que também contribuem
para a morosidade os prazos impróprios a juízes e auxiliares da Justiça, os prazos
privilegiados concedidos à Fazenda Pública, o número insuficiente de magistrados
comparativamente à demanda judicial, de funcionários públicos dotados de
capacidade técnica além da escassez de dotação orçamentária a fim de estruturar e
modernizar a máquina judiciária.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, 70% da demora na entrega da
tutela jurisdicional deve-se justamente a este "tempo morto" do processo, ou seja, a
lentidão oriunda da execução de simples atos de movimentação e comunicação
processual, tais como a juntada de petições, expedições de mandados, ofícios,
cartas precatórias, entre outros, ou seja, com atos burocráticos.133
É preciso, portanto, que ocorram mudanças na sistemática procedimental,
erradicando burocracias e simplificando o procedimento, sendo que o processo
eletrônico foi instituído justamente no afã de suprimir estas etapas burocráticas e
conferir, desta forma, maior celeridade à tutela jurisdicional.
Várias mudanças significativas foram operadas nos últimos anos, e muitas
outras se fazem necessárias como via de um aprimoramento contínuo da prestação
jurisdicional, fração imprescindível de uma democracia. O processo eletrônico
judicial é um dos mais recentes patamares da constante evolução dos mecanismos
de administração da Justiça.
Deve-se atribuir à Lei n.° 11.419/2006, sem sombra de dúvida, a verdadeira
revolução no Poder Judiciário, porque esta é a lei responsável para inserção
definitiva do processo eletrônico no direito processual civil brasileiro.
O processo eletrônico possibilita, entre as várias alterações significativas, a
consulta aos autos do processo simultaneamente por advogados, magistrados e
partes; dispensa uma série de atos administrativos judiciais, a exemplo da juntada
de documentos e o traslado dos autos; acaba com o moroso envio de cartas
precatórias e recursos às instâncias superiores; extingue as infindáveis buscas por
autos perdidos; assim como reduz os custos com material, possibilitando que a
133 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/10506:cerca-de-70-do-tempo-de-trami tacao-do- processo-judicial-gasto-com-atos-burocraticos>. Acesso em: 06 fev. 2013.
143
maior parte dos investimentos seja convertida em equipamentos de informática e
serventuários da Justiça.
Questões ainda se colocam a exemplo do acesso à Justiça aos
hipossuficientes técnico e economicamente; a comunicação dos atos processuais
por meio exclusivo dos portais de cada tribunal; dificuldade de harmonização dos
sistemas no âmbito nacional; dificuldade de assimilação pela população; custo
elevado na consolidação do processo eletrônico (necessidade de fortes
investimentos para infraestrutura necessária); falhas e congestionamentos no
sistema que inviabilizem o acesso; bloqueios de arquivos acima de uma certa
quantidade de bytes; aplicação restrita em virtude da grande maioria dos Judiciários
estaduais sentir o reflexo da completa falta de dotação orçamentária e de um
planejamento seguro sobre o tema. A crítica mais efusiva ao processo eletrônico é a
de que a obrigatoriedade do uso dos sistemas pelos advogados foi instituída
concomitantemente à sua execução, motivo que deu ensejo a inúmeras ações
impetradas pela Ordem dos Advogados do Brasil.
É imperioso que o avanço do processo judicial eletrônico respeite as reais
condições de cada região, que o Poder Judiciário disponibilize estrutura e
funcionários capacitados aptos a prestar assistência aos jurisdicionados que não
possuem condições de operar o meio eletrônico. O processo eletrônico exige
adequação tecnológica à nova realidade. Para tanto é imprescindível a aquisição de
scanners para digitalização de petições e documentos além de acesso à internet
com alta velocidade de navegação. São recursos que inegavelmente demandam um
custo elevado, o qual, futuramente, pode advir da economia de recurso que o próprio
processo eletrônico irá acarretar. Paralelamente, também é salutar que a OAB se
empenhe em patrocinar cursos de capacitação aos advogados para lidar com a nova
tecnologia e que as defensorias públicas sejam equipadas e estruturadas para
poderem representar a população carente neste novo procedimento que se
apresenta.
São medidas essenciais a fim de que não haja a arbitrária exclusão daqueles
impossibilitados de utilizar o novo sistema e o acesso do cidadão à Justiça não reste
ainda mais prejudicado. Não investir nestas medidas não é somente desarrazoado,
mas, acima de tudo, antidemocrático e inconstitucional, ferindo de morte o acesso à
Justiça aos desfavorecidos técnico e economicamente. É preciso cautela na
144
implantação do processo eletrônico como via única para o recebimento de petições
enquanto o Poder Judiciário, a instituição incumbida pela lei infraconstitucional e
constitucional, permanecer desprovida de aporte orçamentário necessário a garantir
infraestrutura decente de funcionamento com o intuito de que os benefícios trazidos
pela nova sistemática não sejam suplantados pelos problemas oriundos de sua má
utilização.
Muito embora o aperfeiçoamento completo do processo digital ainda não
tenha ocorrido, caminha-se a passos concretos dentro do espírito da informatização
plena e da concretude da Lei n.° 11.419/2006, que culminará em um processo
amplamente informatizado que prescinde do papel.
A despeito dos grandes avanços ocorridos, a implantação do processo
eletrônico em todas as regiões e estados do Brasil enfrenta grandes dificuldades,
principalmente relacionadas aos problemas orçamentários. Todavia não há como
negar, conforme relata Petrônio Calmon134, que "essa nova modalidade rompe com
o passado, revoluciona o presente e abre profundos sulcos no futuro, porque, a par
de uma economia vultosa de papel135, também, revoluciona o mecanismo estrutural
do processo".
O Judiciário brasileiro, que ainda não se encontra completamente preparado e
com meios disponíveis para conviver com as inovações impostas pela Lei n.°
11.410/2006, terá obrigatoriamente que se adaptar ao processo eletrônico, mesmo
que de maneira gradual e dependente de alto grau de investimento, até que se
alcance a estrutura capaz de dar ao sistema eletrônico a envergadura necessária a
total aplicação da lei mencionada.
Dúvidas não há de que o processo eletrônico é capaz de conferir maior
celeridade e agilidade ao Poder Judiciário. Em poucos anos, grandes avanços já
ocorrem e a prometida celeridade de tramitação foi comprovada em diversos casos.
Todavia o processo eletrônico não será a solução definitiva para combater a lentidão
do Poder Judiciário, mas efetivo remédio e poderoso instrumento para minimizar
este problema. Implantado o processo eletrônico, "é preciso ter espírito cívico a fim
134 CALMON, Petrônio. Comentários à lei de informatização do processo judicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.48. 135 Somente no ano de 2006, o STF movimentou cerca de 68O toneladas de papel. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=294O&ver=268>. Acesso em: O6jun. 2012.
145
de integrar o texto legal à nossa realidade e, com isto, facilitar o acesso à Justiça"136.
Ainda há muito por avançar. Este fato, porém, não deve obscurecer os
progressos já alcançados. Não há como negar que as vantagens trazidas pelo
processo eletrônico são superiores aos problemas apresentados pelo mesmo.
Sopesadas as vantagens e compreendidos os entraves, os quais podem ser
eliminados, verifica-se que o processo eletrônico é irreversível e que a promulgação
da Lei n.° 11.419 abriu as portas para uma verdadeira mudança de paradigma, e
que não há como voltar atrás.
136 ALMEIDA JUNIOR, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico. A informatização judicial no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. D.163.
146
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