a eficiência dos mercados, as finanças comportamentais e as bolhas especulativas: sistematização...
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Mestrado em Economia e Administração de Empresas
Mercados e Operações Financeiras
A eficiência dos mercados, as finanças comportamentais e as bolhas
especulativas: sistematização teórica e introspeção
Cláudio Carvalho ‐ n.º mecanográfico 200500442
Porto, junho de 2015
i
Resumo
Segundo a hipótese dos mercados eficientes (EMH), o preço atual de um título será uma boa
estimativa do valor intrínseco desse mesmo título em qualquer ponto temporal. De acordo com Fama (1970,
p. 414), a eficiência informacional deste pode ser categorizada em eficiência fraca, semiforte ou forte. Várias
críticas e anomalias à EMH foram sendo registadas, sendo que Shiller (1981, p. 433‐434) identificou um
afastamento entre o valor dos preços (em termos reais) e o valor dos lucros (em termos reais), assim como a
volatilidade dos preços (reais) foi 5 a 13 vezes superior à que seria de esperar com base na nova informação
relativa aos dividendos reais futuros. Foram também registados padrões de rentabilidade seccionais e
temporais. Os defensores da EMH vêm procurando responder às críticas que lhes são imputadas, contudo o
problema da hipótese conjunta não permite chegar a uma conclusão definitiva: perante a rejeição da hipótese
da eficiência dos mercados, não é possível afirmar se os mercados não são eficientes ou se é o modelo de
pricing que está incompleto. Os defensores da EMH vêm‐se “refugiando” na inadequação do modelo de
pricing. Foram ainda agrupados e sistematizados os diferentes desvios à racionalidade, enquadrando a
temática com a teoria das finanças comportamentais, que vem ganhando relevo pela sua abordagem mais
plural ou multidisciplinar e também mais alinhada com o comportamento que se observa nos investidores.
Finalmente, estuda‐se a existência de bolhas e crashes, que atentam contra o paradigma das finanças racionais
e que, com o crash de 2007, terão colocado em causa a EMH, ainda que aparentemente as "lições" não
pareçam ter sido aprendidas. Existem autores que sugerem ainda que perante a evidência existente a resposta
seria mesmo abandonar a EMH.
Palavras‐chave: eficiência dos mercados; enviesamentos cognitivos; finanças comportamentais; bolhas.
Sistema de classificação JEL: D81; E32; E52; E58; G02; G12; G14; G18; G28; G38.
ii
Lista de abreviaturas/siglas
APT ‐ Arbitrage Pricing Theory
CAPM ‐ Capital Asset Pricing Model
CDO ‐ Collateralized debt obligations
EMH ‐ Efficient‐market hypothesis (Hipótese dos mercados eficientes)
EUA ‐ Estados Unidos da América
FDIC ‐ Federal Deposit Insurance Corporation
FMI ‐ Fundo Monetário Internacional
FRBNY ‐ Federal Reserve Bank of New York
FSLIC ‐ Federal Savings and Loan Insurance Corporation
MBS ‐ Mortgage‐backed securities
OCDE ‐ Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
Lista de abreviaturas em latim
e.g. – exempli gratia (por exemplo)
i.e. – id est (isto é; ou seja)
vd. – vide (ver)
v.g. – verbi gratia (por exemplo)
iii
Índice
Resumo .................................................................................................................................................................. i
Lista de abreviaturas/siglas .................................................................................................................................. ii
Lista de abreviaturas em latim ............................................................................................................................. ii
Índice ................................................................................................................................................................... iii
Índice de equações ............................................................................................................................................... v
Índice de figuras ................................................................................................................................................... v
Índice de gráficos .................................................................................................................................................. v
Índice de tabelas ................................................................................................................................................... v
1. Introdução ................................................................................................................................................... 1
2. A eficiência dos mercados e a hipótese dos mercados eficientes .............................................................. 1
2.1. Formas de eficiência ............................................................................................................................ 5
2.1.1. Eficiência na versão ou forma fraca ............................................................................................ 5
2.1.2. Eficiência na versão ou forma semiforte ..................................................................................... 6
2.1.3. Eficiência na versão ou forma forte ............................................................................................ 7
2.2. Alternativa à EMH ................................................................................................................................ 7
3. Críticas e anomalias à EMH ......................................................................................................................... 7
3.1. Padrões de rentabilidade seccionais ................................................................................................. 10
3.1.1. Efeitos de calendário ................................................................................................................. 10
3.1.2. Efeito valor................................................................................................................................. 11
3.1.3. Efeito dimensão ......................................................................................................................... 12
3.2. Padrões de rentabilidade temporais: “momentum” de curto prazo e reversões de longo prazo .... 13
3.3. Excesso de volatilidade e "noising trading" ....................................................................................... 13
4. Explicações no âmbito da EMH e o problema da hipótese conjunta ........................................................ 16
5. Teoria das finanças comportamentais, a racionalidade da ação humana e as críticas ao pressuposto da
racionalidade dos agentes ................................................................................................................................. 18
5.1. Atitude face ao risco .......................................................................................................................... 21
5.2. Enviesamentos cognitivos e emocionais ........................................................................................... 23
iv
5.2.1. Aversão ao arrependimento ...................................................................................................... 23
5.2.2. Dissonância cognitiva ................................................................................................................ 23
5.2.3. Contabilidade mental ................................................................................................................ 24
5.2.4. Excesso de confiança ................................................................................................................. 25
5.2.5. Efeito de otimismo .................................................................................................................... 26
5.2.6. Autoatribuição ........................................................................................................................... 26
5.2.7. Representatividade ................................................................................................................... 26
5.2.8. Conservadorismo ....................................................................................................................... 27
5.2.9. Ancoragem e enviesamento de ajustamento ........................................................................... 27
5.2.10. Disponibilidade .......................................................................................................................... 28
5.2.11. Retrospetiva .............................................................................................................................. 28
5.2.12. Ilusão de controlo ...................................................................................................................... 29
5.2.13. Autocontrolo ............................................................................................................................. 29
5.2.14. Confirmação .............................................................................................................................. 29
5.2.15. Statu(s) quo ............................................................................................................................... 29
5.2.16. Comportamentos de manada .................................................................................................... 30
5.3. Efeito de enquadramento ................................................................................................................. 31
6. Teoria das finanças comportamentais e os limites à arbitragem ............................................................. 32
7. Teoria das finanças comportamentais, bolhas e “crashes” ...................................................................... 35
7.1. Definição de bolha e “crash” e suas causas ...................................................................................... 36
7.2. História de bolhas especulativas ....................................................................................................... 38
7.2.1. Século XVII: Tulipomania ........................................................................................................... 40
7.2.2. Século XX: bolha imobiliária e financeira japonesa dos anos 80‐90 ......................................... 41
7.2.3. Século XXI: bolha especulativa no mercado imobiliário norte‐americano ............................... 43
8. Conclusões e considerações finais ............................................................................................................ 48
Referências bibliográficas .................................................................................................................................. 50
v
Índice de equações
Equação 1: Modelo de random walk com tendência/drift. ................................................................................ 2
Equação 2: Modelo de random walk sem tendência/drift. ................................................................................. 3
Equação 3: Modelo de random walk sem tendência/drift. ................................................................................. 3
Índice de figuras
Figura 1: Gráficos que representam o excesso de volatilidade nos preços tomando por referência os índices da
Standard and Poor's Composite Stock Price (à esquerda) e o Dow Jones Industrial Average (à direita). ......... 14
Figura 2: Áreas de investigação das finanças comportamentais. ..................................................................... 21
Figura 3: A dissonância cognitiva e a atitude dos indivíduos. ........................................................................... 24
Figura 4: Visão sumária e realista da arbitragem. ............................................................................................. 34
Figura 5: Principais fases de uma bolha. ........................................................................................................... 37
Índice de gráficos
Gráfico 1: Preço das ações e lucros entre 1871 e 2015. ..................................................................................... 8
Gráfico 2: Evolução do rácio preço‐lucros e das taxas de juro de longo prazo dos Estados Unidos da América
(EUA). ................................................................................................................................................................... 9
Gráfico 3: Preço das ações e lucros entre 1871 e 2015. ................................................................................... 15
Gráfico 4: Uma função valor hipotética. ........................................................................................................... 22
Gráfico 5: Uma função ponderação hipotética. ................................................................................................ 22
Gráfico 6: Índice do preço da tulipa em 1636‐1637. ......................................................................................... 40
Gráfico 7: Variação anual (%) do produto interno bruto da economia japonesa (ótica da despesa), com valores
estimados para 1971 a 1994 (inclusive) e 2014. ............................................................................................... 43
Gráfico 8: Evolução dos preços reais das habitações entre 1891 e 2008. ........................................................ 44
Gráfico 9: Evolução dos empréstimos subprime concedidos em termos absolutos e relativos. ...................... 45
Gráfico 10: Taxas de juro de empréstimos bancários e empréstimos hipotecários. ........................................ 47
Índice de tabelas
Tabela 1: Principais bolhas entre o século XVII e o século XXI. ......................................................................... 38
1
1. Introdução
A compreensão do comportamento do preço dos ativos financeiros é importante para a sociedade
como um todo e para os cidadãos, investidores ou não. Como destaca o Economic Sciences Prize Committee
of the Royal Swedish Academy of Sciences (2013, p. 1), a escolha entre diferentes tipologias de poupança,
depende da perceção quanto ao risco e retorno associados às tipologias de poupança. Ademais, no domínio
macroeconómico, os preços dos ativos fornecem informações relevantes para a tomada de decisões em
termos de investimento e consumo.
Contudo, nos últimos anos, parece verificar‐se uma maior preocupação das “massas” para com as
questões do domínio da economia e das finanças. Para tal, certamente, terão contribuído as crises financeiras
dos últimos 30 ou 40 anos, entre as quais o crash do mercado acionista em outubro de 1987, o crash das “dot‐
com” do fim do século XX e, principalmente, a crise de 2007‐2009 e a afetação desta no domínio do
enquadramento político e estrutural da União Económica e Monetária.
No âmbito da unidade curricular de Mercados e Operações Financeiras do Mestrado em Economia e
Administração de Empresas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, é da minha responsabilidade
apresentar este documento que consubstancia uma breve sistematização de literatura e introspeção sobre o
conhecimento existente quanto ao comportamento do preço dos ativos financeiros e dos aspetos
estritamente associados a esta matéria como é o comportamento dos agentes económicos e o aparecimento
de fenómenos de bolhas e crashes. Assim, o capítulo seguinte será dedicado à hipótese dos mercados
eficientes (EMH) e às formas de eficiência. No terceiro capítulo, apresentar‐se‐ão as críticas e anomalias à
EMH. Seguir‐se‐á a apresentação das explicações no âmbito da EMH e o problema da hipótese conjunta. Nos
três capítulos subsequentes, abordar‐se‐á o contributo crítico das finanças comportamentais. No quinto
capítulo, interligar‐se‐á o conceito com uma introspeção sobre a racionalidade da ação humana e as críticas
ao pressuposto da racionalidade dos agentes. No sexto, o âmbito do estudo será a teoria das finanças
comportamentais e os limites à arbitragem. O sétimo capítulo será dedicado ao estudo de bolhas e crashes.
No oitavo capítulo, finalizar‐se‐á este documento de cariz académico com a apresentação de algumas
conclusões e considerações finais.
2. A eficiência dos mercados e a hipótese dos mercados eficientes
Os primórdios da aplicação do conceito de eficiência aos mercados financeiros remontam a 1900 com
a tese de doutoramento “A Teoria da Especulação” (1900) de Louis Bachelier (1870‐1946). Seguiram‐se, por
exemplo, os estudos de Holbrook Working (em 1934), Alfred Cowles e H. Jones (em 1937) e de Maurice Kendall
2
(em 1953) que relatam a “inexistência de correlações nas variações históricas dos preços das ações e das
commodities [e] que o comportamento dos preços nos mercados de capitais é aleatório” (Fernandes et al.
2013, p. 529). Assim, concluiu‐se que a variação dos preços dos ativos financeiros tende a adotar um padrão
irregular e a informação passada não tem utilidade para prever o comportamento futuro dos preços (modelo
de random walk) (Fernandes et al. 2013, p. 529‐530 e 538).
Os teorizadores do modelo de random walk partem, habitualmente, da premissa da eficiência dos
mercados. Um “mercado eficiente” é tido como um mercado onde os investidores racionais (e inteligentes)
estão presentes em grande quantidade e atuam compelidos pela maximização do lucro de forma
concorrencial, procurando prever o valor de mercado futuro dos títulos individuais. Ademais num mercado
eficiente a informação atual importante está disponível livremente a todos os participantes. Portanto, num
mercado eficiente, o preço atual de um título será uma boa estimativa do valor intrínseco desse mesmo título
em qualquer ponto temporal. Ou melhor, visto que existirão sempre discrepâncias entre os participantes
concorrentes, racionais e inteligentes no mercado, o preço de um título vagueia aleatoriamente em torno do
seu valor intrínseco. Atente‐se que este valor intrínseco poder‐se‐á alterar em função da existência de nova
informação. Num mercado eficiente, em média, a competição fará com que todos os efeitos da nova
informação se reflitam instantaneamente nos preços atuais e este “ajustamento instantâneo” implica que
sucessivas alterações nos preços de títulos individuais sejam independentes entre si. (Fama 1965, p. 56)
Ou seja, o modelo de random walk “implica que as séries dos preços dos ativos financeiros não tenham
memória” (Fernandes et al. 2013, p. 538). A história passada das séries não pode ser utilizada para prever o
futuro e o padrão futuro do nível de preços de um título não é mais previsível do que um mero padrão exibido
por uma série cumulativa de números aleatórios (Fama 1965, p. 56; Fernandes et al. 2013, p. 538). Perante o
exposto, o timing de compra e de venda não tem relevância e uma política simples de buy‐and‐hold é tão boa
como qualquer outro procedimento de escolha do timing de compra e venda (Fama 1965, p. 56). Tal está
patente na equação 1 e na equação 2. Assim, de acordo com a equação 1, os preços entre t e t‐1 diferem por
uma tendência a ‐ que diz respeito à rentabilidade esperada para uma dada classe de risco ‐ acrescido de um
termo de perturbação aleatório de valor esperado igual a zero – , 0 ‐, de variância constante ‐
, ‐ e sem correlação em série constante ‐ , , , 0, ∀ . A equação 2 representa o
mesmo modelo mas sem tendência. (Fernandes et al. 2013, p. 537‐538)
, ~ 0,
Equação 1: Modelo de random walk com tendência/drift. Fonte: Fernandes et al. (2013, p. 537)
3
, ~ 0,
Equação 2: Modelo de random walk sem tendência/drift.
Daqui decorre que “a melhor expectativa para o preço em t+s é o valor do preço em t adicionado do
efeito da tendência” (Fernandes et al. 2013, p. 538) (vd. equação 3). A taxa de rentabilidade esperada no
período decorrido s (i.e. sa) será a determinada pela classe de risco do ativo financeiro e de acordo com um
modelo de pricing (e.g. o capital asset pricing model, vulgo CAPM). Descontando o efeito de tendência e se os
mercados forem perfeitamente eficientes, um investidor ‐ atuando nos mercados com um sistema de
negociação baseado apenas em informação disponível até um determinado instante temporal – não poderá
obter, sistematicamente, rentabilidades anormais. Ou seja, não poderá obter, de forma sistemática,
rentabilidades superiores ou inferiores a sa no período s (Fernandes et al. 2013, p. 534 e 538). Por conseguinte
e como já se referiu ‐ aludindo a Fama (1965, p. 56) ‐, “o timing de compra e de venda não tem relevância e
uma política simples de buy‐and‐hold de um título é tão boa como qualquer outro procedimento de escolha
do timing de compra e venda”.
|
Equação 3: Modelo de random walk sem tendência/drift. Fonte: Fernandes et al. (2013, p. 538)
Esta hipótese assente na não‐previsibilidade dos preços viria a ganhar vigor com Fama, no início da
década de 70, como se sustentará de seguida. Não obstante, importa referir que o facto de os preços poderem
seguir um modelo de random walk, não implica que os mercados não sejam “mercados não eficientes”.
Os principais modelos das finanças racionais – como a teoria da seleção de portefólios ou da gestão
de carteiras de Harry Max Markowitz (1952) e o capital asset pricing model de Jack L. Treynor (1962), William
Forsyth Sharpe (1964)1, John Virgil Lintner (1965) e de Jan Mossin (1965) – sustentam‐se na hipótese dos
mercados eficientes (Lobão 2012, p. 17; Fernandes et al. 2013, p. 339, 363‐364). Não obstante, pertence, ao
economista norte‐americano e um dos premiados com o Nobel de Economia de 2013 Eugene Francis Fama, a
formulação da moderna “hipótese dos mercados eficientes” (EMH). Esta hipótese aborda a questão dos
preços dos ativos refletirem de forma plena e a qualquer momento a informação disponível (Fama 1970, p.
413). Nesta hipótese assume‐se que os agentes são perfeitamente racionais, que transacionam com base na
1 Harry Max Markowitz e William Forsyth Sharpe, além de Merton Howard Miller, receberam o nobel da economia em 1990.
4
informação sobre o valor fundamental dos ativos e não respondem a informação não relevante ou ruído
(Fernandes et al. 2013, p. 539). Tal vinca a importância da eficiência informacional, em que os investidores
racionais presentes nos mercados financeiros fazem transações no mercado que refletem – de forma plena e
instantânea ‐ a informação disponível nos preços dos ativos (Lobão 2012, p. 39) e, portanto, sinteticamente,
o preço de um determinado ativo é igual ao valor atual líquido esperado de todos os cash‐flows gerados no
futuro (Fernandes et al. 2013, p. 531). Daqui resulta a conceção de que é impossível "bater o mercado" e obter
ganhos anormais de forma sistemática ou prolongada (como também já se referiu anteriormente).
Para que a hipótese dos mercados eficientes seja válida são condições suficientes mas não necessárias:
(i) Inexistência de custos de transação dos títulos mobiliários;
(ii) Toda a informação estar disponível sem custos para os agentes do mercado;
(iii) Existir concordância entre agentes quanto às implicações da informação corrente nos preços
atuais de um determinado ativo financeiro e na distribuição de probabilidade da variação dos
preços futuros dos ativos (expectativas homogéneas);
(iv) Uma transação de um determinado investidor não afeta os preços (agentes de mercado são
price‐takers). (Fama 1970, p. 387; Fernandes et al. 2013, p. 532)
Ademais, (i) os agentes são tidos como perfeitamente racionais, (ii) ainda que estes não o sejam as ações dos
investidores não completamente racionais são neutralizadas pela intervenção dos arbitragistas e (iii) as
estratégias de investidores não completamente racionais não estão correlacionadas. (Fernandes et al. 2013,
p. 539‐540)
Para a aplicação desta hipótese, os investidores são tidos como agentes racionais (não é estritamente
necessário como se referiu e se referirá novamente infra), que procuram maximizar a utilidade, e a
concorrência entre estes tem um papel fundamental na rápida eliminação de ineficiências que possam surgir
por arbitragem. Assim, os agentes racionais e competitivos, sob as condições de mercados eficientes, veem
os preços ajustar‐se rapidamente para o seu valor fundamental. (Fernandes et al. 2013, p. 532)
Ainda, assim, mesmo que os agentes não sejam plenamente racionais, a EMH considera que as
estratégias destes cancelam‐se mutuamente se não estiverem mutuamente correlacionadas (Fernandes et al.
2013, p. 539). Ou, alternativamente, os agentes racionais podem neutralizar as ações dos não completamente
racionais por arbitragem com a venda de ativos sobreavaliados e compra de ativos subavaliados. Ou pode,
ainda, ocorrer a saída do mercado dos agentes irracionais, por seleção competitiva. (Fernandes et al. 2013, p.
540) Consequentemente, "os preços continuarão a refletir o valor intrínseco dos ativos" (Fernandes et al.
2013, p. 539). Pode‐se, portanto, dizer que "a EMH não assume que todos os investidores são racionais, mas
assume que os mercados são racionais" (Ritter 2003, p. 2).
5
É importante fazer notar que a aceção de arbitragem aqui implícita é a de que o arbitragista terá um
papel “disciplinador” e “equilibrador”, em que “comparará o preço observado nos mercados financeiros com
o preço teórico dos ativos e atuará em conformidade comprando os ativos subavaliados e vendendo os ativos
sobreavaliados” (Lobão 2012, p. 183). Consequentemente, verificar‐se‐á um ajustamento no nível absoluto
dos preços. Contudo, existe uma outra aceção, de acordo com Lobão (2012, p. 183‐184), que não é a que deve
ser tida em conta para este efeito. Nesta o ajuste não é absoluto mas em termos relativos e onde a arbitragem
“poderia coexistir com situações em que todos os preços dos mercados financeiros se afastam, por longos
períodos de tempo, dos seus valores fundamentais” (Lobão 2012, p. 183).
2.1. Formas de eficiência
O grau de eficiência dos mercados está associado à possibilidade de obtenção de rentabilidades
anormais, pelo que se os mercados forem perfeitamente racionais, um investidor não conseguirá obter
rentabilidades anormais de forma sistemática (Fernandes et al. 2013, p. 534). Segundo os mesmos autores, os
possíveis lucros anormais só poderão ser obtidos por mera sorte. Portanto, se é impossível bater o mercado,
será aconselhável manter um portefólio bem diversificado e adotar uma estratégia de buy‐and‐hold ao invés
de incorrer em elevados custos de transação.
As finanças ditas racionais, nomeadamente Fama (1970, p. 414), classificam a eficiência informacional
em três níveis, com exigência crescente e que são função das características da informação que está implícita
nos preços dos ativos: (i) a eficiência na forma fraca; (ii) a eficiência na forma semiforte; (iii) a eficiência na
forma forte.
2.1.1. Eficiência na versão ou forma fraca
Segundo o exposto em Lobão (2012, p. 39‐45) e Fernandes et al. (2013, p. 542‐559), os mercados
financeiros são ou dizem‐se eficientes na forma fraca, quando os preços dos ativos já refletem toda a
informação que foi conhecida no passado (e.g. histórico de preços passados dos ativos em causa).
Consequentemente não é possível elaborar uma estratégia de previsão dos movimentos futuros dos preços
que produza mais‐valias com base em informação do passado, ou seja, os preços do passado de um ativo não
têm utilidade no sentido de ajudar a prever os preços do futuro desse mesmo ativo. A evidência disponível
suporta a eficiência na forma fraca como consubstanciado em Fama (1970, p. 414), pelo que a informação
passada não tem qualquer utilidade no sentido de obter rentabilidades sistematicamente superiores a uma
estratégia assente na compra e manutenção de um portefólio bem diversificado (i.e. estratégia buy‐and‐hold).
6
Assim, não é possível acreditar – sem incorrer em contradição argumentativa ‐ na eficiência dos mercados na
forma fraca e simultaneamente na análise técnica2.
Os testes à hipótese da eficiência na forma fraca classificam‐se em testes à autocorrelação através da
análise de um gráfico da correlação desfasada ou baseados no correlograma, testes à frequência de runs e
testes à eficácia de regras de negociação automática com filtro (Fernandes et al. 2013, p. 545‐546).
2.1.2. Eficiência na versão ou forma semiforte
Já os mercados dizem‐se eficientes na forma semiforte se além da informação passada, os preços dos
ativos refletirem a informação pública atualmente disponível. Assim, a difusão de informação relativa a
eventos associados à atividade das empresas – e.g. anúncios de resultados, anúncios de distribuição de
dividendos ou de alteração da respetiva política de dividendos, anúncios de stock splits, apresentação de
planos ou relatórios de atividades, novas emissões de títulos, entre outras – é rápida, ou seja, estes eventos
promovem alterações rápidas nos preços dos ativos em causa. Por conseguinte, nenhum investidor consegue
obter mais‐valias transacionando com base nesta informação publicamente disponível, a não ser que tenha
acesso a inside information (geralmente, ilegal e portando punida dentro do enquadramento jurídico‐legal
aplicável), obtendo consequentemente rentabilidades superiores às obtidas por uma estratégia de buy‐and‐
hold. (Fernandes et al. 2013, p. 543)
Se o mercado for eficiente na forma semiforte, a análise técnica e a análise fundamental3 não têm
utilidade para a obtenção de rentabilidades anormais. Segundo Fernandes et al. (2013, p. 544), “não só a
análise univariada não tem utilidade, como também a análise multivariada, que é efetuada com recurso a
modelos que têm como base uma determinada teoria económica, não pode ser efetiva como forma de
implementar sistemas de negociação tendentes à obtenção de rentabilidades anormais” (p. 544).
Pode‐se testar a hipótese da eficiência na forma semiforte recorrendo a testes de eventos (Fernandes
et al. 2013, p. 554‐557).
2 Segundo Fernandes et al. (2013), “análise técnica é o termo utilizado para descrever vários sistemas de análise baseados em métodos estatísticos univariados, e análise gráfica das séries dos preços históricos dos ativos financeiros e dos volumes de transação, no sentido de encontrar padrões que eventualmente se possam repetir no futuro, e que sirvam de suporte à negociação” (p. 543). 3 Eis como nos apresenta Fernandes et al. (2013) o conceito de “análise fundamental”: “A análise fundamental parte do pressuposto que, em determinado momento de tempo, um ativo financeiro tem um valor intrínseco que depende do seu potencial para gerar cash‐flows no futuro. Este método visa a determinação do valor dos ativos através da aplicação do princípio do valor atual líquido e outras formas de medição dos cash‐flows esperados, que dependem por sua vez de fatores multivariados como a qualidade da gestão, as perspetivas de crescimento do setor ou da economia, etc.. Ao considerar que o preço de mercado de um ativo financeiro tenderá no futuro para o seu valor intrínseco, um investidor comprará um ativo se o seu preço de mercado for inferior ao seu valor intrínseco, e venderá no caso contrário.” (p. 544)
7
2.1.3. Eficiência na versão ou forma forte
Quanto à eficiência dos mercados na forma forte, esta diz respeito ao acesso monopolístico a
informação importante para a formação de preços (Fama 1970, p. 414). Esta considera que os preços refletem
todo o tipo de informação ‐ a informação do passado e a pública do presente e também a privada ‐ pelo que
nem com recurso à utilização de informação privilegiada – i.e. inside trading – é possível a obtenção de mais‐
valias para os investidores (Fernandes et al. 2013, p. 544). Portanto, quando um investidor vai utilizar
informação privilegiada não consegue obter ganhos porque alguém já a utilizou para o mesmo efeito, por
intermédio de uma fuga de informação (Lobão 2012, p. 41). Não obstante, não é expectável que este modelo
se aplique à realidade, segundo Fama (1970, p. 414). De acordo com o autor este modelo de eficiência serve
como padrão (benchmark) que permite averiguar os desvios à eficiência de determinado mercado. Segundo
Fernandes et al. (2013), a eficiência na forma forte é uma forma académica que dificilmente se observa na
prática (p. 559).
De acordo com Ross et al. (2008, p. 326), nos últimos anos, verifica‐se a existência desta informação
privilegiada e que esta é valiosa para quem a possui, discutindo‐se porém a violação de matérias legais ou do
foro ético.
2.2. Alternativa à EMH
Não obstante, a racionalidade dos agentes e a EMH têm sido postas em causa. Daniel Kahneman
(Nobel da Economia em 2002) e Amos Tversky, assim como os seus contemporâneos, por exemplo, têm
atacado os fundamentos da EMH e concluído em sentido oposto, suportando‐se na teoria das finanças
comportamentais (Fernandes et al. 2013, p. 531). Malkiel (2003, p. 80) destaca que os julgamentos coletivos
dos investidores serão, por vezes, errados e alguns participantes nos mercados agirão menos racionalmente.
Tal resultará em irregularidades nos preços e o mesmo autor considera que podem ocorrer padrões de
retornos acionistas previsíveis ao longo do tempo e persistir por períodos curtos de tempo. De seguida,
analisar‐se‐á o contributo crítico das finanças comportamentais, mas antes efetuar‐se‐á uma conceptualização
histórica quanto ao estudo da racionalidade da ação humana.
3. Críticas e anomalias à EMH
Até ao final da década de 70, a EMH era considerada como uma hipótese bastante sólida, com uma
evidência empírica de suporte assinalável (Fernandes et al. 2013, p. 561). Contudo, um artigo de Jensen (1978)
compilou algumas inconsistências encontradas por diversos autores. Seguiu‐se o estudo de 1981 do também
Nobel da Economia de 2013 Robert Shiller “Do Stock Prices Move Too Much to Be Justified by Subsequent
8
Changes into Dividends?” que terá sido um dos contributos mais relevantes para apontar inconsistências na
EMH. A informação atualizada de Shiller indica claramente que o valor, em termos reais, do Standard and
Poor's Composite Stock Price Index afasta‐se do valor dos lucros, em termos reais, das empresas que integram
o mesmo índice (vd. gráfico 1). O estudo referido supra concluiu também que a volatilidade no preço das ações
do Standard and Poor's no último século foi substancialmente superior à que seria de esperar com base na
nova informação relativa aos dividendos reais futuros (5 a 13 vezes superior) (Shiller 1981, p. 433‐434). Esta
diferença de volatilidades verifica‐se também na informação atualizada que consta do gráfico 1. Voltar‐se‐á a
esta temática no subcapítulo 3.3.
Gráfico 1: Preço das ações e lucros entre 1871 e 2015.
Fonte: Adaptado de Shiller (2015).
Perante o exposto, pode‐se considerar que os preços parecem ter "vida própria", como o próprio
Shiller (2000) refere:
"In sum, stock prices clearly have a life of their own; they are not simply responding to earnings or dividends. Nor does it appear that they are determined only by information about future earnings or dividends. In seeking explanations of stock price movements, we must look elsewhere." (p. 183)
Por sua vez, o gráfico 2 mostra o rácio preço‐lucro, que estabelece a relação entre o Standard and
Poor's Composite Stock Price Index dividido pela média (móvel) dos lucros, em termos reais, dos últimos dez
anos (Shiller 2000, p. 7). Este rácio também é denominado por rácio P/E10, CAPE ou rácio de preço‐lucros
ciclicamente ajustado (Shiller 2015). Este rácio é uma "medida de quão caro está o mercado em relação a uma
9
medida objetiva da capacidade das empresas para obter lucros" (Shiller 2000, p. 7). Pela observação do gráfico
constatam‐se picos neste rácio em 1901 (provavelmente associado ao otimismo de mudança de século), 1929
(ano do início do crash de 1929), 1966 (associado ao carisma e prestigio de John Kennedy e apoio de Lyndon
Johnson) e 2000 (ano do início do crash associado à bolha especulativa das “dot‐com”) (Shiller 2000, p. 7‐10).
Gráfico 2: Evolução do rácio preço‐lucros e das taxas de juro de longo prazo dos Estados Unidos da América (EUA).
Fonte: Adaptado de Shiller (2015).
Perante o que vem expondo, Robert Shiller chega mesmo ao ponto de considerar certos argumentos
que suportam a EMH "dos erros mais notáveis na história do pensamento económico" (Shiller 1984, p. 459;
Henwood 1997, p. 176). A título de curiosidade, em entrevista à estação pública de televisão sueca SVT, Shiller
vai mais longe e refere que Eugene Fama – que ganhou o Nobel da Economia no mesmo ano que Shiller, assim
como Lars Peter Hansen (em 2013) ‐ está comprometido com a filosofia libertária e que tal afeta a sua forma
de encarar o mercado. Concomitantemente, refere existir um desalinhamento entre as descobertas de Fama
e as suas conclusões e que tal faz dele um padre que descobriu que Deus não existe. Eis o excerto original a
que o autor deste documento académico se está a referir:
"I shouldn't try to psychoanalyse Eugene Fama but I know that he is committed… I am quoting him... to a libertarian philosophy, teaching at the University of Chicago where Milton Friedman once lived. It must affect your thinking somehow that they really believe in markets. I think that maybe he has a cognitive dissonance. His research shows that markets are not efficient. So what do you do if you are living in the University of Chicago? It's like being a Catholic priest and then discovering that God doesn't exist or something, you can't deal with that, you've got to somehow rationalise it. (...) It seems puzzling to me because his research is
10
some of the best research that shows that value investing has done very good investment strategy..." (Shiller 2013)
Há que atender também ao economista australiano John Quiggin e ao seu livro "Zombie Economics:
How Dead Ideas Still Walk among Us". Quiggin (2010, p. 41) refere que, apesar de Paul Samuelson ‐ Prémio
Nobel da Economia em 1970 ‐ e Eugene Fama (Nobel em 2013 como já se referiu), terem formulado
conjuntamente a EMH, eles têm interpretações diferentes da mesma: enquanto o primeiro considera que os
testes à EMH mostram que os mercados financeiros são micro‐eficientes, as bolhas demonstram que os
mercados são macro‐ineficientes. Por conseguinte, a EMH é mais adequada para ações individuais do que para
o mercado agregado de ações. Samuelson defende portanto que é difícil ou mesmo impossível bater o
mercado ao analisar o preço histórico das ações, como propõe a eficiência na forma fraca, mas por outro lado
é possível identificar bolhas no mercado e propor políticas de estabilização nesse mercado. Quiggin (2010, p.
36) também imputa à EMH responsabilidades pela atual crise financeira. Segundo este a EMH justifica a
necessidade de desregulação financeira, a remoção ao controlo do fluxo de capitais internacionais e a
expansão substantiva do setor financeiro, estando o desenvolvimento destes vetores associados à crise
financeira despoletada pelo rebentamento da bolha especulativa no mercado imobiliário norte‐americano em
2007‐08. Concomitantemente, as suas implicâncias vão para lá dos mercados financeiros, visto que também
"fornece um processo contra o investimento público em infraestruturas" (Quiggin 2010, p. 42), além de
relativizar desequilíbrios macroeconómicos como défices de balanças comerciais e correntes.
Mas as críticas à EMH não se ficaram por aqui, assim como a sua defesa, não existindo consenso sobre
se os mercados são eficientes ou não, como assinalam Fernandes et al. (2013, p. 561‐562). Desde logo,
destaca‐se a existência de “resultados empíricos seccionais e temporais inconsistentes com um modelo de
avaliação do preço de equilíbrio dos ativos financeiros” (Fernandes et al. 2013, p. 562), ou seja, anomalias à
EMH. Entre estas anomalias estão os efeitos de calendário, o efeito dimensão, o efeito valor, o momentum de
curto prazo e as reversões de longo prazo. As últimas duas anomalias referidas são respeitantes a anomalias
temporais e as demais são consideradas anomalias seccionais. Destaque, ainda, para duas anomalias que
colocam em causa a EMH verdadeiramente: excesso de volatilidade e o noising trading. Por outro lado, à
constatação de anomalias, os defensores da EMH costumam “defender‐se” com argumentários sustentados
no data mining, hindsight bias e survivorship bias, arbitragem e variação temporal da taxa de rentabilidade de
equilíbrio, como se verá no capítulo seguinte.
3.1. Padrões de rentabilidade seccionais 3.1.1. Efeitos de calendário
11
Existem autores que têm evidenciado a existência de padrões de cariz sazonal nas taxas de
rentabilidade das ações, nomeadamente em determinados meses do ano, dias da semana ou determinadas
horas do dia (Fernandes et al. 2013, p. 564). Nos chamados efeitos de calendário incluem‐se o efeito de
janeiro, o efeito de fim‐de‐semana ou de segunda‐feira, o efeito de viragem do mês (turn‐of‐the month effect),
o efeito feriado (holiday effect), o efeito início do dia (beginning‐of‐the day effect) e o efeito fim do dia (end‐
of‐the‐day effect), entre outros. Estes efeitos têm magnitude reduzida devido aos custos de transação
existentes e, portanto, negligenciáveis, não tendo portanto utilidade para obtenção de rentabilidades
superiores (Fernandes et al. 2013, p. 568), não obstante, merecem aqui referência.
O efeito de janeiro aplica‐se sobretudo a pequenas empresas e destaca‐se por se registarem taxas de
rentabilidade particularmente elevadas (mesmo atendendo à classe de risco) ao longo das duas primeiras
semanas deste mês. Tal não pode ser explicado pelo maior risco associado à atividade das pequenas empresas,
porque não existe evidência que o corrobore. Apontam‐se como potenciais explicações da existência da
anomalia questões de cariz fiscal (ações recompradas a preços mais baixos em janeiros, depois de vendidas
no fim do ano para se registarem perdas financeiras e reduzir montante de imposto), questões de cariz
informacional (devido ao aumento de incerteza quanto à comunicação de informação relevante relativa ao
ano transato e devido ao fenómeno window dressing para melhorar a imagem dos gestores de portefólios) e,
ainda, devido à microestrutura de mercado. (Fernandes et al. 2013, p. 564‐566)
O efeito de fim‐de‐semana ou de segunda‐feira caracteriza‐se pela observação de rentabilidades
negativas entre o fecho de mercado à sexta‐feira e o fecho de mercado à segunda‐feira. Uma das potenciais
explicações poderá ser a tendência para as empresas difundirem notícias menos abonatórias à sexta‐feira após
o fecho do mercado ou, em alternativa, poder‐se‐á dever à diminuição do otimismo dos investidores durante
o fim‐de‐semana. Assim, uma estratégia de compra de um portefólio diversificado no fecho de mercado à
segunda‐feira e de venda no fecho de mercado de sexta‐feira, deverá proporcionar rentabilidades superiores
a uma estratégia de buy‐and‐hold. (Fernandes et al. 2013, p. 566‐567)
Realça‐se, ainda, a tendência para rentabilidades anormalmente elevadas nos últimos dias do mês em
que ocorre negociação e nos primeiros dias do mês seguinte, provavelmente, em virtude dos cash‐flows do
fim do mês como recebimentos, pagamento de salários juros, entre outros (efeito de viragem do mês).
Ademais, existem rentabilidades anormalmente elevadas nas seguintes circunstâncias: (i) no dia anterior a
feriados (efeito feriado); (ii) nos primeiros quarenta e cinco minutos de negociação (beginning‐of‐the day
effects); e (iii) perto do final do dia de negociação (end‐of‐the‐day effects). (Fernandes et al. 2013, p. 567‐568)
3.1.2. Efeito valor
12
De acordo com Fernandes et al. (2013, p. 568), existem diversos estudos que evidenciam a existência
de uma relação positiva entre a rentabilidade e diversas variáveis, nomeadamente:
(i) PER ou price‐to‐earnings ratio (i.e. a proporção entre a cotação de uma ação e o resultado por
ação;
(ii) PBV ou price‐to‐book value (i.e. o rácio entre o valor de mercado da empresa e o valor
contabilístico);
(iii) DER ou debt‐to‐equity ratio;
(iv) Dividend yield.
Ademais, os mesmos autores referem que a anomalia é tida como uma má especificação do CAPM por alguns
autores. Assim, se se incorporarem estas variáveis no modelo de pricing, este deixa de ser uma anomalia,
constituindo‐se tal como um mecanismo para rebater críticas à EMH pelos seus defensores. A isto está
associado o problema da hipótese conjunta, que será abordado no capítulo 4.
3.1.3. Efeito dimensão
Esta anomalia apresenta um padrão mais forte que anteriores e consiste na tendência da taxa de
rentabilidade das ações emitidas por empresas mais pequenas ser superior face à taxa de rentabilidade das
ações emitidas por empresas de maior dimensão. Não obstante, existem autores que consideram que ‐
também aqui ‐ os modelos de pricing como o CAPM ou arbitrage pricing theory (vulgo, APT) podem estar mal
especificados ou não se aplicarem (como se referiu supra e se voltará abordar no capítulo 4).
Concomitantemente, a diferença entre rentabilidades médias poderá estar associado ao maior risco associado
às pequenas empresas. (Fernandes et al. 2013, p. 563)
Fernandes et al. (2013, p. 564) destacam ainda quatro pontos relevantes para explicar a diferença
entre as rentabilidades:
(i) A informação relativa às pequenas empresas pode ser mais incompleta e menos fidedigna face às
grandes;
(ii) Impossibilidade de eliminar a rentabilidade anormal das ações emitidas pelas pequenas empresas
por arbitragem, por motivos associados a restrições à constituição de fundos de ações de
pequenas empresas;
(iii) Efeito de negligência de pequenas empresas, em virtude destas empresas não serem seguidas por
analistas financeiros de forma ativa e por não serem detidas por investidores institucionais;
(iv) O facto dos investidores institucionais terem preferência por glamour stocks, isto é, ações de
empresas de grandes e conhecidas empresas e que captam inerentemente maior procura.
13
3.2. Padrões de rentabilidade temporais: “momentum” de curto prazo e reversões de longo prazo
Os padrões de rentabilidades temporais “momentum de curto prazo” e “reversões de longo prazo”
constituem anomalias mais “sérias” e assentam, respetivamente, na autocorrelação positiva nas séries dos
preços das ações no curto prazo e na autocorrelação negativa dos preços das ações no longo prazo. (Fernandes
et al. 2013, p. 571)
Assim, o momentum de curto prazo caracteriza‐se pelo impacto da variação atual da taxa de
rentabilidade na variação da taxa de rentabilidade no futuro imediato. Portanto, as estratégias para obtenção
de rentabilidades superiores a estratégias simples de buy‐and‐hold assentam na compra de ações com elevada
taxa rentabilidade nos últimos 3 a 12 meses (past winners) e na venda de ações com baixa taxa de
rentabilidade no mesmo período (past losers). As razões apontadas são a subreação dos preços a nova
informação e a existência de um efeito de feedback positivo do mercado. (Fernandes et al. 2013, p. 571‐572)
Assente na ideia de que o mercado sobre‐reage, as reversões de longo prazo assentam na compra de
ativos que tenham tido baixas taxas de rentabilidade e na venda de ativos que tenham apresentado altas taxas
de rentabilidade para obter uma rentabilidade superior a uma qualquer estratégia simples de buy‐and‐hold
(Fernandes et al. 2013, p. 572). Enquanto as momentum strategies assentam na compra de past winners e na
venda de past losers, na contrarian strategy opta‐se pela venda de past winners e pela compra de past losers
com o intuito de alcançar rentabilidades superiores à proporcionada pela estratégia de buy‐and‐hold.
3.3. Excesso de volatilidade e "noising trading"
O excesso de volatilidade e o noising trading são duas anomalias que colocam, verdadeiramente, a
EMH em causa, visto que não se consegue explicar no âmbito desta. Como já se referiu anteriormente “o
estudo de 1981 de Shiller “Do Stock Prices Move Too Much to Be Justified by Subsequent Changes into
Dividends?” terá sido um dos contributos mais relevantes para apontar inconsistências na EMH. Este concluiu
que a volatilidade no preço das ações do Standard and Poor's Composite Stock Price Index no último século foi
substancialmente superior à que seria de esperar com base na nova informação relativa aos dividendos reais
futuros (5 a 13 vezes superior)” (Shiller 1981, p. 433‐434).
Atente‐se também aos gráficos da figura 1 de autoria de Shiller (1981, p. 422) que refletem o excesso
de volatilidade dos preços tomando por referência os índices Standard and Poor's Composite Stock Price (vd.
gráfico da esquerda) e Dow Jones Industrial Average (vd. gráfico da direita), para o período temporal
compreendido entre 1871 e 1979. A linha sólida representa o valor do índice em termos reais e a linha
tracejada representa o "preço racional" calculado em termos ex post. Ambas as linhas gráficas foram ajustadas
pela divisão de um fator de crescimento exponencial de longo prazo. Os valores desta linha tracejada são
14
respeitantes ao valor atualizado real dos dividendos subsequentes ajustados, sujeito a uma assunção quanto
ao valor atualizado em 1979 de dividendos posteriores. Shiller (1981, p. 421) alerta que a linha gráfica possa
parecer pouco familiar porque se trata de um índice de preços deflacionado, expresso em proporção de um
fator de crescimento exponencial de longo prazo. Ademais, apenas está representado o mês de janeiro de
cada ano.
Figura 1: Gráficos que representam o excesso de volatilidade nos preços tomando por referência os índices da Standard and Poor's
Composite Stock Price (à esquerda) e o Dow Jones Industrial Average (à direita). Fonte: Shiller (1981, p. 422).
Noutro artigo, Shiller (1984, p. 481 e 498) considera que os preços reais são substancialmente mais
voláteis face aos dividendos reais, havendo evidência de sobre‐reação. Também pela análise do gráfico 3 que
integra dados devidamente atualizados, se pode constatar uma maior volatilidade dos preços das ações
comparativamente à linha gráfica respeitante à evolução dos lucros. Neste sentido, Fernandes et al. (2013)
também referem que “alguns autores defendem que os preços das ações exibem uma volatilidade excessiva
relativamente ao que seria esperado com base num modelo de determinação do valor com base nos
dividendos” (p. 576). Ou seja, considera‐se a volatilidade do preço efetivo é efetivamente maior do que a
volatilidade do preço teórico. Tal contraria a EMH que considera que a série dos preços das ações deveria ser
mais alisada do que a dos dividendos (Fernandes et al. 2013, p. 578)
15
Gráfico 3: Preço das ações e lucros entre 1871 e 2015.
Fonte: Adaptado de Shiller (2015).
Importa ainda referir que Fernandes et al. (2013) inferem que “os investidores parecem atribuir uma
importância excessiva a desenvolvimentos de curto prazo, em detrimento de aspetos fundamentais do valor
da empresa de mais longo prazo” (p. 576). Assim, no longo prazo o valor acaba por estar indexado à atividade
da empresa, o que revela que o mercado demora décadas a ajustar‐se. Por exemplo, o valor anual
(determinado em janeiro), em termos reais, do Standard and Poor's Composite Price Index e o correspondente
valor anual dos dividendos, em termos reais, tem uma correlação de 0,91 para o período 1926 a 1983 (Shiller
1984, p. 481). Isto verifica‐se sobretudo para períodos amostrais longos como algumas décadas, e para
frequências de dados baixas (e.g. anuais). No entanto, se o período amostral é reduzido e a frequência for alta,
a correlação torna‐se muito mais baixa. (Fernandes et al. 2013, p. 578)
Summers (1986, p. 600) admite que é possível que erros sejam incorporados nos preços de ativos,
refutando a abordagem de que as avaliações de mercado são sempre racionais. Shleifer e Summers (1990, p.
24) referem que um olhar sobre como os agentes de mercado se comportam fornece evidências convincentes
de que estes tomam em consideração mais ruído do que informação para o processo de tomada de decisão.
Fernandes et al. (2013, p. 578) apresentam três exemplos de reação a ruído que são reveladores que os
investidores não são sempre racionais e os mercados não são eficientes:
(i) Confusão dos investidores com as siglas que identificam as ações das empresas numa bolsa
de valores;
(ii) Com a integração de títulos em índices conhecidos dá‐se um aumento da procura, o que
resulta consequentemente num aumento do preço dos títulos;
16
(iii) Devido a comportamentos socialmente determinados (e.g. modas) dá‐se um aumento da
procura, o que resulta consequentemente num aumento do preço dos títulos.
4. Explicações no âmbito da EMH e o problema da hipótese conjunta
Em face das anomalias registadas, os defensores da EMH procuram refutar as críticas, ainda que não
o consigam quanto à existência de bolhas especulativas (que se abordará mais adiante) e quanto ao excesso
de volatilidade. O argumentário assenta no problema de data mining, hindsight bias, survivorship bias,
desaparecimento de padrões anormais uma vez descobertos devido à arbitragem e, ainda, na variação
temporal da taxa de rentabilidade de equilíbrio. (Fernandes et al. 2013, p. 579)
Não é objeto deste trabalho académico explorar esta temática, mas convém fazer referência à
existência de oportunidades de arbitragem e ao survivorship bias.
Este último suporta‐se no “erro de seleção da amostra em que os dados contêm apenas observações
de empresas emitentes de ativos ou de fundos de investimento que sobreviveram” (Fernandes et al. 2013, p.
580), ficando‐se com uma perceção errada das probabilidades. Segundo Fernandes et al. (2013) tal pode
explicar “o efeito dimensão e a obtenção de rentabilidades anormais de certos fundos de investimento face a
estratégias simples de buy‐and‐hold de índices de base alargada” (p. 580‐581). Como refere Malkiel (2003):
"Finally, it is also possible that some studies of the small‐firm effect have been affected by survivorship bias. Today’s computerized databases of companies include only small firms that have survived, not the ones that later went bankrupt. Thus, a researcher who examined the ten‐year performance of today’s small companies would be measuring the performance of those companies that survived—not the ones that failed." (p. 68)
Quanto às oportunidades de arbitragem, os defensores da EMH advogam que as anomalias tendem a
desaparecer devido à arbitragem e, por outro lado, a persistência de uma anomalia poderá explicar‐se pelo
facto dos custos de transação não serem compensadores o suficiente para explorar o diferencial de preço face
a um modelo de pricing (Fernandes et al. 2013, p. 581). Estes autores dão o exemplo do efeito de calendário
de janeiro que – como já se referiu – aplica‐se sobretudo a pequenas empresas e ao facto destas registarem
taxas de rentabilidade particularmente elevadas em janeiro. Ora, se os preços das ações destas empresas
tendem a descer em dezembro e a subir em janeiro, um investidor tem um incentivo para comprar no último
dia de negociação do mês de dezembro e a vender nos primeiros dias de negociação de janeiro. Contudo, visto
que tal tenderá a proporcionar uma subida de preço no fim de dezembro, o investidor tenderá a comprar cada
17
vez mais cedo e tenderá a vender mais cedo em janeiro. Considerando o exposto, este efeito tende a registar‐
se frequentemente na semana do Dia de Ação de Graças, ou seja na quarta quinta‐feira de novembro.
Como se constata, existem anomalias à EMH que os defensores da EMH procuram refutar. Não
obstante, estes parecem não conseguir refutar claramente determinadas anomalias que abalam fortemente
os "pilares" em que a EMH "assenta", como é o caso do excesso de volatilidade e o noising trading. Portanto,
apesar de décadas de investigação e de milhares de artigos científicos, os economistas ainda não chegaram a
um consenso e, em grande medida, tal deve‐se ao problema da hipótese conjunta (Fernandes et al. 2013, p.
561‐562). Este problema deve‐se ao facto da eficiência dos mercados não ser um conceito testável, por si só,
visto que tem que ser testado juntamente com o modelo de equilíbrio (e.g. CAPM) (Fama 1991, p. 1575‐1576).
Ademais, Fama (1991) refere em "Efficient Capital Markets: II":
“Moreover, many of the front‐line empirical anomalies in finance (like the size effect) come out of tests directed at asset‐pricing models. Given the joint hypothesis problem, one can't tell whether such anomalies result from misspecified asset‐pricing models or market inefficiency. This ambiguity is sufficient justification to review tests of asset‐pricing models here.” (p. 1589)
Os mercados são informacionalmente eficientes e, na perspetiva racional, a eficiência fundamental
decorre da eficiência informacional. Assim, no mercado, à medida que surge nova informação, esta
informação pode traduzir‐se, por intermédio de decisões de compra e de venda dos investidores, numa
alteração do preço (eficiência informacional) até que este atinja o novo valor fundamental (eficiência
fundamental). A EMH só se pronuncia quanto à eficiência informacional e não refere nada quanto à
capacidade dos investidores utilizarem a informação e, além disso, não é fácil mostrar que estes avaliam o
valor dos ativos corretamente. Para este efeito, os investidores necessitam de um modelo de equilíbrio para
processar a informação no sentido de estimar valores e estabelecer preços, nomeadamente a taxa de
rentabilidade que se considera normal. Quando se encontra evidência de uma diferença substantiva entre o
preço de um ativo e o seu valor fundamental é ambíguo saber se tal se deve a uma ineficiência do mercado
ou a uma má escolha do modelo utilizado para calcular o valor fundamental do ativo. Por outras palavras, no
teste à eficiência dos mercados – quando se pretende estudar a reação dos preços à nova informação ‐ está‐
se a estudar se os preços de mercado estão próximos dos preços teóricos e, simultaneamente, está‐se a
estudar o modelo de avaliação. Perante a rejeição da hipótese da eficiência dos mercados, não é possível
afirmar que os mercados não são eficientes ou se é o modelo de pricing que está incompleto. Tem sido neste
problema, que os defensores da EMH se têm refugiado, preferindo sacrificar a validade dos modelos de
18
equilíbrio ao invés de aceitar que os mercados não são efetivamente eficientes. (Lobão 2012, p. 42‐43 e 70‐
71; Fernandes et al. 2013, p. 562)
5. Teoria das finanças comportamentais, a racionalidade da ação humana e as críticas ao pressuposto da racionalidade dos agentes
Efetuando uma conceptualização histórica, a discussão elementar que suporta as temáticas das
finanças comportamentais, em certa medida, está associada a áreas científicas como o pensamento
económico e a ciência política, para lá da sociologia e psicologia, na abordagem da racionalidade da ação
humana.
Ao contrário do que se possa acreditar que seja o pensamento de “senso comum”, na obra de Adam
Smith, os indivíduos são tidos como seres imperfeitos, preguiçosos e imprevidentes e que não adotam
decisões necessariamente racionais. Smith considera que os indivíduos tomam decisões com a influência de
sentimentos como o sentido de dever, a empatia, o orgulho ou a vergonha. (Lobão 2012, p. 21)
Para Jeremy Bentham, uma ação é boa ou má consoante os efeitos na utilidade dos indivíduos e o
objetivo da ação humana é maximizar a felicidade total da sociedade. Para este, os cálculos económicos para
medir essa utilidade devem ter em conta fatores emocionais subjetivos individuais na procura da felicidade.
(Wolff 2011, p. 57; Lobão 2012, p. 21‐22).
As contribuições de Smith e Bentham acabariam por perder influência ao longo do século XIX no
advento do pensamento positivista e com os contributos de Jevons, Walras e Menger. Jevons (um dos
criadores da economia neoclássica com a publicação da "Teoria da Economia Política"), Walras (que escreveu
o livro "Elementos de Economia Pura", onde desenvolve a teoria do equilíbrio geral) e Menger (fundador da
escola austríaca que viria a “integrar” Hayek e Mises) concebem a economia como “o estudo da afetação de
recursos escassos a aplicações alternativas” (Lobão 2012, p. 22). O "homem neoclássico" é concebido como
um agente que atua na procura da maximização da utilidade individual, tendo‐se como pressuposto a
racionalidade completa com rejeição da influência de fatores psicológicos sobre o comportamento económico
do Homem, que era até então assumido pelos fundadores da economia (Louçã e Caldas 2009, p. 64‐65; Lobão
2012, p. 22). Assim, no paradigma do “homem neoclássico” em que assentam as finanças racionais, não há
influência de fatores psicológicos, sendo o homem tido como um agente económico que decide de forma
isolada, que procura maximizar o seu bem‐estar económico utilizando toda a informação disponível. O
“homem económico” associado ao “homem neoclássico” assenta na racionalidade perfeita, o autointeresse
perfeito e a informação perfeita. (Lobão 2012, p. 11‐12 e 22)
19
Não obstante, na mesma época, crescia o interesse por psicologia noutras ciências e no público geral:
Charles Mackay apresentou vários fenómenos de pânico e da psicologia das massas em “Ilusões Populares e
a Loucura das Multidões” em 1841; Gustave Le Bon escreveu também sobre fenómenos de grupo em “A
Psicologia das Massas” de 1896. Mais tarde, George Charles Selden viria a publicar "A Psicologia do Mercado
de Ações" em 1912 e foi dos primeiros a aplicar princípios da psicologia aos mercados financeiros. Irving Fisher
viria a contribuir com o estudo dos efeitos da psicologia humana nas decisões económicas, nomeadamente
estudando o conceito de ilusão monetária e, neste sentido, publicou "A Ilusão Monetária" em 1928 e "A Teoria
dos Juros" em 1930, onde realça que os indivíduos cometem o erro de avaliar os seus rendimentos em termos
nominais (e não reais) de forma sistemática. Ademais, segundo Irving Fisher, o autocontrolo individual e a
formação de hábitos também tinham influência nas decisões económicas como decisões de poupança, o que
revelou a influência da fatores comportamentais sobre decisões económicas. John Maynard Keynes também
estudou a influência dos fatores psicológicos na tomada de decisão dos agentes económicos, sendo que para
este as decisões dos agentes são tomadas em contexto de elevada incerteza o que promove a influência de
fatores não‐racionais (animal spirits). (Lobão 2012, p. 22‐23)
No início da década de 50 do século XX, O.K. Burrell considerava que o estudo do comportamento dos
investidores deveria ter em consideração as influências psicológicas (Lobão 2012, p. 23). Herbert Simon
desenvolveu o conceito de racionalidade limitada, para lá da “observação do comportamento e nos métodos
experimentais importados da psicologia” (Louçã e Caldas 2009, p. 249), que está nos “primórdios” do estudo
da economia comportamental. Na década de 60 e 70, destacam‐se os contributos de Paul Slovic, Amos Tversky
e Daniel Kahneman. O primeiro, em conjunto com um grupo de académicos, efetuou experiências tidas como
pioneiras sobre o processo de tomada de decisão de investidores. Tversky e Kahneman estudaram as
heurísticas que possibilitam aos investidores tomar decisões em contexto de incerteza. Estes dois
contribuíram substantivamente para o estudo das questões financeiras com influência comportamental,
tendo Kahneman recebido o Prémio Nobel da Economia de 2002 (como já se referiu anteriormente). (Lobão
2012, p. 23 e 25)
Com o crash de 19 de outubro de 1987, devido à dificuldade em perceber o sucedido com base nos
modelos de eficiência, começou‐se a observar uma maior atenção à influência das finanças comportamentais:
“o paradigma das finanças racionais viu‐se [inclusive] obrigado a ceder nalguns pontos antes considerados
essenciais” (Lobão 2012, p. 24). Não obstante, apesar dos sucessivos resultados contraditórios e deste crash,
ainda não há consenso quanto à eficiência dos mercados, até por causa da influência do problema da hipótese
conjunta abordado no capítulo 4.
Esta área considera que o modelo de economia baseado na decisão racional não tem em consideração
que os indivíduos utilizaram heurísticas que apoiam a adoção de uma escolha, mas que podem originar erros
20
sistemáticos (Louçã e Caldas 2009, p. 249), para lá de outros fatores que se analisarão adiante. Segundo estes
autores, esta área está em expansão, no domínio da investigação, sendo a sua abordagem multidisciplinar
uma característica distintiva, isto é, a economia e a psicologia podem estar na sua origem mas, também, têm
vindo a ser integrados elementos da antropologia e das neurociências.
As finanças comportamentais são uma reação à EMH, apresentando uma perspetiva diferente, quer
face à eficiência dos mercados, quer face à racionalidade dos seus agentes. Ou, em melhor rigor e na senda
do que se referiu previamente, as finanças comportamentais são também uma reação à racionalidade dos
mercados (mesmo que todos os investidores não o sejam, como se apresentou à luz da moderna EMH). Nas
finanças comportamentais os mercados financeiros são estudados com recurso a modelos menos restritos aos
da teoria da utilidade esperada de John von Neumann e Oskar Morgenstern e nas assunções relativas à
arbitragem (Ritter 2003, p. 2). Por um lado, “o facto da informação se repercutir nos preços (eficiência
informacional) está longe de garantir que essa informação se reflita de forma adequada (eficiência
fundamental)” (Lobão 2012, p. 46). Por outro lado, os investidores apresentam enviesamentos cognitivos e
emocionais, contrariando a lógica estritamente racional de guiarem as suas ações. Tal está em linha com
Fernandes et al. (2013, p. 583) que referem que as finanças comportamentais atentam à influência exercida
pela psicologia e sociologia no comportamento dos agentes dos mercados financeiros, assumindo não só que
os agentes nem sempre agem de forma plenamente racional, como também estes desvios à racionalidade são
sistemáticos e frequentemente coordenados (i.e. existência de enviesamentos cognitivos e emocionais dos
investidores). Os desvios à racionalidade podem ser agrupados em: (i) atitude face ao risco (subcapítulo 5.1);
(ii) formação de expectativas não‐bayseiana, onde as pessoas adotam enviesamentos cognitivos e emocionais
que derivam da confiança nas heurísticas (subcapítulo 5.2); (iii) sensibilidade ao enquadramento dos
problemas no processo de tomada de decisão (subcapítulo 5.3). (Fernandes et al. 2013, p. 584‐585) As finanças
comportamentais consideram ainda que existem fatores limitativos das ações dos arbitragistas (i.e. existência
de limites à arbitragem), que serão estudados no capítulo 6.
Concomitantemente, segundo Shiller (2003), a EMH “pode levar a interpretações drasticamente
incorretas sobre eventos como bolhas no mercado de ações" (p. 101). Este autor considera que as finanças
comportamentais têm um papel na compreensão das bolhas e crashes após o ano de 2000, que ocorreram
por erros humanos e relações de feedback arbitrárias, que proporcionaram uma alocação bastante ineficiente
de recursos (Shiller 2003, p. 101). Este aspeto será alvo de especial enfoque mais adiante no capítulo 7.
21
Finalmente, a figura 2 efetua uma agregação dos tópicos associados à investigação sobre o
comportamento financeiro dos investidores, que permite obter uma visão holística e sistematizada sobre as
finanças comportamentais.
Figura 2: Áreas de investigação das finanças comportamentais.
Fonte: Traduzido de Bikas et al. (2013, p. 874).
5.1. Atitude face ao risco
A tomada de decisão assente no modelo racional baseia‐se na teoria da utilidade esperada, em que
os agentes procuram maximizar a utilidade, tendo esta teoria sido formalizada por John von Neumann e Oskar
Morgenstern em 1944 (vd. "Theory of Games and Economic Behavior") (Quiggin 2010, p. 125). Todavia, esta
teoria da utilidade esperada falha sistematicamente ao procurar descrever a atuação dos indivíduos quando
as decisões envolvem risco (Lobão 2012, p. 100). A prospect theory de Kahneman e Tversky (1979) critica a
teoria da utilidade esperada como modelo de descrição da tomada de decisão sob incerteza. A prospect theory
assenta na função valor‐utilidade (value function) e na função ponderação (weighting function).
A função valor‐utilidade é parecida com a função utilidade padrão, não obstante, esta passar a ser
definida segundo ganhos e perdas e não em termos de níveis de riqueza (Fernandes et al. 2013, p. 585).
Kahneman e Tversky (1979) assumem: que a função valor (em curva com forma de "S") é definida em relação
a desvios ao ponto de referência ‐ e.g. pode ser utilizado o preço de compra de um ativo financeiro, como
referem Fernandes et al. (2013, p. 586); a função é geralmente côncava para ganhos e comumente convexa
para perdas; e que é mais inclinada para perdas do que para ganhos (Kahneman e Tversky 1979, p. 279), como
se pode observar pelo gráfico 4. Portanto, o efeito negativo de uma perda é superior ao efeito positivo de um
ganho de magnitude igual (Fernandes et al. 2013, p. 586).
22
Gráfico 4: Uma função valor hipotética.
Fonte: Kahneman e Tversky (1979, p. 279).
Como se referiu, há que ter em consideração ainda a função ponderação (i.e. π(p)), de acordo com o
gráfico 5. A título exemplificativo, "a introdução de ponderadores de decisão podem produzir aversão ao risco
ou propensão ao risco, mesmo com uma função valor linear" (Kahneman e Tversky 1979, p. 280). A decisão é,
portanto, resultante da "maximização do somatório do produto das ponderações pelo valor atribuído a cada
resultado" (Fernandes et al. 2013, p. 588). Estes ponderadores devem ser tidos como o grau de desejo dos
resultados e não o grau de verossimilhança, não obedecendo a axiomas das probabilidades e significando que
os agentes "distorcem as probabilidades no processo de tomada de decisão" (Fernandes et al. 2013, p. 587).
Consequentemente, destaca‐se que estes agentes têm tendência para sobre‐reagirem a eventos com
reduzidas probabilidades de ocorrência e sub‐reagirem a eventos com probabilidades de nível intermédio ou
elevado. Ou seja, a passagem de P=0 para P=0,05 têm sobre‐reações dos agentes, ao contrário das passagens
de P=0,30 para P=0,35, v.g.. (Fernandes et al. 2013, p. 588)
Gráfico 5: Uma função ponderação hipotética.
Fonte: Kahneman e Tversky (1979, p. 280)
23
Por fim, importa fazer uma referência ao efeito certeza, efeito reflexão, efeito disposição, a myopic
loss aversion e a equity premium puzzle, que são demonstrações que contrariam a teoria da utilidade esperada
e que se alinham com a prospect theory.
5.2. Enviesamentos cognitivos e emocionais
Quando tomam decisões de investimento, os agentes utilizam heurísticas, que podem ser bastante
económicas e até eficazes (Tversky e Kahneman 1974, p. 1131). Contudo, como referem os mesmos autores,
estas levam a erros previsíveis e sistemáticos no processo de tomada de decisão. Assim, estas heurísticas
derivam de enviesamentos cognitivos e emocionais e são formadas de forma intuitiva, proporcionando
decisões dos indivíduos (em geral) e dos investidores (em particular) que se afastam do postulado pela regra
de Bayes (Tversky e Kahneman 1974, p. 1130; Lobão 2012, p. 118). Esta, à semelhança da teoria da utilidade
esperada, tem um cariz normativo e “descreve a forma como os indivíduos deveriam formar as suas opiniões
e (…) como essas opiniões deveriam ser atualizadas à medida que os indivíduos vão tendo acesso a
informações adicionais” (Lobão 2012, p. 114). Os desvios têm consequências negativas, no sentido que podem
ser tomadas decisões negativas a título individual (como referido) e a título coletivo (mercados e sociedade).
A título coletivo pode‐se induzir uma errada afetação de recursos da economia e resultar inclusive em
profundas recessões económicas.
As heurísticas que se apresentarão, de forma sumária, de seguida são: a aversão ao arrependimento, a
dissonância cognitiva, a contabilidade mental, o excesso de confiança, o efeito de otimismo, a autoatribuição,
a representatividade, o conservadorismo, a ancoragem e enviesamento de ajustamento, o enviesamento da
disponibilidade, a retrospetiva, a ilusão de controlo, o autocontrolo, o enviesamento da confirmação, o
statu(s) quo e dar‐se‐á destaque ainda para os comportamentos de manada. Para o estudo destas heurísticas
muito contribuíram Tversky e Kahneman (1974), nomeadamente para o estudo da representatividade,
disponibilidade e ajustamento e ancoragem.
5.2.1. Aversão ao arrependimento
Este enviesamento emocional assenta na adoção de decisões no sentido de evitar a dor emocional
associada a um determinado resultado desfavorável. Este enviesamento está associado ao efeito de
disposição, que é dos efeitos com maior evidência empírica existente até ao momento. Este efeito caracteriza‐
se por ser uma aversão a perdas que se verifica pela oposição dos investidores à venda das ações em que
estão a obter perdas (face ao preço de compra das ações) e na tendência para estes venderem ações que
estão a obter ganhos (face ao preço de compra das ações). (Lobão 2012, p. 112‐113 e 118)
5.2.2. Dissonância cognitiva
24
A dissonância cognitiva caracteriza‐se por um conflito mental em que ocorre uma “tensão interior
causada por se ter ideias contraditórias [de forma simultânea]” (Lobão 2012, p. 121). O conflito assenta,
essencialmente, na contradição entre conceções já existentes e informação adquirida recentemente. Para que
ocorra uma atenuação da dissonância, a teoria propõe a alteração de conceitos, ou a racionalização das
decisões iniciais ou a atribuição de culpas ou a negação da dissonância (vd. figura 3).
Figura 3: A dissonância cognitiva e a atitude dos indivíduos.
Fonte: Lobão (2012, p. 121).
A implicância para o âmbito desta temática é que os investidores têm a tendência a ignorar as novas
informações que contrariam as suas convicções e esta pode estar na origem do efeito de disposição referido
anteriormente. Por conseguinte, os investidores não liquidam as posições em ativos onde estão a registar
perdas e podem até investir ainda mais nesses ativos para confirmar conceitos pré‐existentes, ao invés de agir
racionalmente.
5.2.3. Contabilidade mental
O enviesamento da contabilidade mental (mental accounting) refere‐se a decisões separadas que
deviam estar combinadas, em princípio (Ritter 2003, p. 4). Como exemplo, o autor refere a atribuição de
orçamentos para o mesmo efeito ainda que em contexto diferentes: orçamento familiar para alimentação em
casa e orçamento familiar para alimentação fora de casa podem ser diferentes mas poderão acabar por ter o
mesmo efeito (i.e. terem o mesmo valor de despesa ou efetuarem aquisições similares). Louçã e Caldas (2009,
p. 250) denominam o conceito de “classificação mental” e referem que para muitas pessoas o dinheiro encerra
em si categorias ou etiquetas: e.g. o dinheiro que advém do salário não é igual, nem participa nas decisões de
despesa da mesma forma que o dinheiro proveniente de uma herança, especulação ou de uma atividade
pontual.
Lobão (2012, p. 129) refere que este enviesamento faz com que os investidores não olhem de forma
integrada para os ativos que constituem as suas carteiras e para as decisões financeiras que afetam esses
25
ativos. Segundo o autor, tal contraria a teoria clássica de gestão de carteiras de Markowitz que refere que os
indivíduos devem gerir os seus ativos de forma conjunta como se se tratasse de uma só carteira. O investidor
deveria ter a mesma atitude face ao risco para toda a carteira e não atitudes diferentes consoante a origem
ou aplicação para os ativos detidos ou rendimentos. Os agentes investidores, geralmente, classificam os ativos
e rendimentos de forma dual: os que devem ser protegidos de perdas e aqueles em que se procuram ganhos.
Nos primeiros (geralmente, investe‐se em obrigações ou ativos e rendimentos contendo liquidez) adota‐se
uma atitude de aversão ao risco e nos segundos (e.g. ações) adota‐se uma atitude de propensão ao risco.
Assim, dada não existir uma análise holística, não existirá a preocupação de conjugar ativos diferentes
sem correlações elevadas entre si. Tal pode originar má formação das carteiras, tendo este enviesamento
consequências negativas ao nível da diversificação do risco. (Lobão 2012, p. 131)
Concomitantemente, pode ocorrer alguma reticência dos investidores em encerrarem uma
determinada categoria mental com perdas. Ou seja, o investidor pode mostrar‐se relutante a vender ações
que registam perdas, visto que estas pertencem à mesma categoria mental de outras ações que estão a
registar ganhos no mesmo período. Adicionalmente, existe um terceiro problema associado ao facto dos
investidores considerarem um novo risco de forma separada de outros riscos assumidos anteriormente
(narrow framing). Portanto, os investidores preocupam‐se com variações dos preços das ações ao invés de se
preocuparem com a variação do valor da carteira como um todo. (Lobão 2012, p. 132)
5.2.4. Excesso de confiança
Habitualmente, os agentes têm confiança excessiva quanto às suas capacidades face à realidade, o
que ocorre em empreendedores de forma mais acentuada. Tal enviesamento pode manifestar‐se na tendência
em investir‐se demasiado no que é familiar: por exemplo, em empresas locais ou em empresas onde se
trabalha. Em consequência, pode resultar em menos diversificação e risco a mais. (Ritter 2003, p. 3‐4; Louçã
e Caldas 2009, p. 250)
Outro exemplo é o facto dos indivíduos do género masculino serem mais propensos a possuírem
confiança excessiva nas suas capacidades relativamente a indivíduos do género feminino (Barber e Odean
2001, p. 289). Logo, homens poderão investir mais e alcançar desempenhos inferiores às mulheres.
Importa referir que os indivíduos que incorrem neste enviesamento tendem a atribuir os resultados
positivos ao seu próprio mérito (o que tem efeitos na diversificação de risco, v.g.) e os resultados negativos a
fatores externos (e.g. o acaso), o que constitui um outro tipo de enviesamento (o da autoatribuição).
Investidores com excesso de confiança podem, também, sub‐reagir a novas informações. (Lobão 2012, p. 135
e 137)
26
5.2.5. Efeito de otimismo
Apesar da designação poder indiciar uma semelhança com o enviesamento do excesso de confiança,
Lobão (2012) diferencia‐os e considera que o excesso de otimismo caracteriza‐se pela "tendência sistemática
para se ter confiança de que os acontecimentos serão mais favoráveis do que ditam as previsões formadas à
luz do paradigma dos modelos racionais" (p. 157). Ocorre, portanto, uma sobrestimação de probabilidades de
ocorrência de eventos favoráveis e subestimação de probabilidades de eventos desfavoráveis.
Ainda, assim, este enviesamento também se pode refletir em previsões menos razoáveis
relativamente ao desempenho de setores onde se trabalha ou face a uma região ou face à economia do país.
Este enviesamento pode, também, apresentar similaridades com o enviesamento de disponibilidade (que se
detalhará mais adiante) e, ainda, pode proporcionar erros de perceção dos investidores face ao desempenho
das suas carteiras e das suas decisões. (Lobão 2012, p. 158‐159)
5.2.6. Autoatribuição
Como se referiu aquando da caracterização do enviesamento do excesso de confiança, o
enviesamento da autoatribuição é relativo à tendência de atribuir os resultados positivos ao mérito próprio e
os insucessos a fatores externos. Os fatores próprios poderão ser o talento, conhecimento e capacidade de
previsão e os fatores externos a "má sorte" (Lobão 2012, p. 160).
Este enviesamento pode ser categorizado em dois enviesamentos secundários: o enviesamento do
autorreforço e o enviesamento da autoproteção. O primeiro pode ser explicado numa perspetiva cognitiva e
o segundo numa perspetiva emocional. O autorreforço caracteriza‐se pela propensão dos indivíduos
chamarem a si as próprias responsabilidades – face a outros fatores ‐ no seu sucesso de forma exacerbada. O
da autoproteção pode ser explicado numa perspetiva emocional porque constitui‐se como uma forma de
manter a autoestima, encerrando em si também aspetos de cariz social, como a necessidade de procurar
manter ou "alimentar" uma imagem positiva num contexto coletivo. Considerando o exposto, é de esperar
que um investidor com este enviesamento adote uma postura de excesso de confiança, se a aprendizagem
com os insucessos não tiver um papel relevante. Tal poderá potenciar a transação excessiva e a assunção de
maiores riscos. Poder‐se‐á verificar também a subvalorização da nova informação, quando esta contraria as
opções adotadas. (Lobão 2012, p. 160‐161)
5.2.7. Representatividade
A representatividade, que é também um enviesamento cognitivo, é tida como a tomada de decisão
com base em estereótipos, sendo que são tomadas decisões com base na frequência de um acontecimento
segundo os dados disponíveis ao invés da avaliação com base no cálculo bayesiano (Fernandes et al. 2013, p.
27
595). Assim, as pessoas tendem a sobrevalorizar as tendências ou experiências recentes e a desvalorizar as de
longo prazo (Ritter 2003, p. 4; Louçã e Caldas 2009, p. 250). Assim, quando ocorre uma determinada
valorização de um ativo de forma regular ao longo de períodos temporais sucessivos, as pessoas passam a
considerar essa valorização como algo “normal” e que tenderá a ocorrer no futuro (Louçã e Caldas 2009, p.
250). Um exemplo claro é a valorização no mercado acionista entre 1982 e 2000, nos EUA e na Europa
ocidental (Ritter 2003, p. 4).
Este enviesamento juntamente com o enviesamento do excesso de confiança pode proporcionar a
génese de bolhas especulativas. Agentes que adquiriram ações e que veem os preços destas aumentar, podem
sentir‐se excessivamente confiantes quando confirmada a sua opinião, o que pode conduzir a maiores
aquisições. Em consequência, tal pode resultar num afastamento sucessivo dos preços em relação aos seus
fundamentais. (Lobão 2012, p. 145)
5.2.8. Conservadorismo
O conservadorismo é um enviesamento de cariz cognitivo, em que os indivíduos tendem a dar mais
importância a informação passada face a informação nova, pelo que tendem a adaptar‐se mais lentamente às
novas informações (Lobão 2012, p. 146‐147). Contudo, o mesmo autor alerta que podem existir outras
justificações, nomeadamente os indivíduos considerarem que o conteúdo das novas informações, em certa
medida, têm caráter temporário e, portanto, são revestidos de menor fiabilidade face às informações
passadas. Assim, perante novas informações, ocorre um ajustamento das opiniões apenas parcial.
Consequentemente, ocorre uma sobreponderação das probabilidades de base (base rates) face à evidência
existente nos dados, em contraponto com o enviesamento da representatividade em que ocorre uma
subponderação das probabilidades de base (Fernandes et al. 2013, p. 600‐601).
Assim, Ritter (2003, p. 5) considera que o enviesamento da representatividade e do conservadorismo
"estão em guerra": se no enviesamento cognitivo da representatividade, os agentes tendem a desvalorizar as
experiências de longo prazo, subavaliando as médias de longo prazo e sobre‐reagindo a alterações; no
enviesamento do conservadorismo, as pessoas sub‐reagem perante novas alterações/informações. Ou seja,
os preços sub‐reagem no curto prazo e sobre‐reagem no longo prazo. Em conjugação com o enviesamento da
representatividade pode ter implicâncias na previsibilidade da rendibilidade em reação a eventos (Lobão 2012,
p. 263).
5.2.9. Ancoragem e enviesamento de ajustamento
Um indivíduo que atribui demasiada importância a uma dada informação (i.e. a "âncora") quando
adota uma decisão está a incorrer num enviesamento cognitivo, designado de "ancoragem". A evidência
28
mostra que quando a âncora é irrelevante ocorre uma influência negativa das decisões. (Lobão 2012, p. 124‐
125)
Este enviesamento pode ter quatro efeitos:
(i) As estimativas dos investidores quanto à evolução futura do mercado (nomeadamente,
estimativas sobre o valor dos ativos e sobre a variação dos preços esperada para um
determinado período) serem bastante próximas dos níveis do instante em que são realizadas
essas mesmas estimativas;
(ii) Os investidores podem ficar “ancorados” às suas opiniões iniciais quanto ao risco de uma
empresa, setor económico ou economia como um todo, ou quanto à capacidade de geração
de resultados;
(iii) Subponderação de informação que seja originada depois de se efetuarem estimativas em
relação ao valor de uma determinada empresa (enviesamento conjugado com a interação
entre os investidores e os analistas de mercado, sendo que, por exemplo, os primeiros ficam
ancorados aos preços‐alvo estimados pelos segundos);
(iv) Atribuição de um número redondo mais próximo do preço como uma aproximação admissível
ao valor fundamental, perante a ausência de um acordo relativamente aos fundamentais dos
ativos. (Lobão 2012, p. 127‐128)
5.2.10. Disponibilidade
Este enviesamento cognitivo é referente ao facto de eventos mais frequentes serem mais
rapidamente e melhor lembrados, sendo que “as pessoas estimam a frequência de um evento na base da
facilidade com que se lembram de um caso semelhante” (Fernandes et al. 2013, p. 601). Assim, de acordo com
esta heurística, os agentes atribuem maior ponderação à informação mais recente, decidindo de forma
enviesada. Portanto, as past losers e as past winners têm preponderância para serem mais visíveis: os
investidores tendem a comprar, de forma irracional, past winners e a vender past losers, ocorrendo assim um
desvio do preço face ao seu valor fundamental, que poderá reverter no longo prazo. (Fernandes et al. 2013,
p. 601)
Os investidores tenderão, também, a selecionar ativos com base em informações que estejam mais
acessíveis, como recomendações de analistas conhecidos. Ou, ainda, tenderão escolher ativos da região onde
residem, ou do setor onde trabalham ou ativos associados a pessoas com as quais convivem. (Lobão 2012, p.
153)
5.2.11. Retrospetiva
29
Este enviesamento caracteriza‐se pelos acontecimentos se apresentarem como mais previsíveis em
circunstâncias ex‐post do que em termos ex‐ante (Lobão 2012, p. 155). Lobão (2012, p. 156) destaca três
efeitos relevantes deste enviesamento. O primeiro efeito é a assunção de níveis de risco excessivos nas
carteiras, visto que os investidores têm a tendência para sobrevalorizar as suas capacidades preditivas e reagir
de forma exagerada, arriscando em excesso. O segundo é que o enviesamento da retrospetiva pode resultar
na dificuldade dos investidores aprenderem com os erros cometidos. Por fim, os investidores podem imputar
culpas indevidas aos gestores de investimentos por maus desempenhos. Ademais, os erros que alcançam bons
resultados ‐ ainda que por fruto do acaso ‐ são considerados como meritórios. Analogamente, em caso de
sucesso, o gestor que tenha sido beneficiado pelo acaso é visto como tendo alcançado um resultado meritório.
5.2.12. Ilusão de controlo
O enviesamento da ilusão de controlo consiste na crença de se poder influenciar resultados que estão
para além do poder real dos indivíduos (Lobão 2012, p. 164). Este autor destaca que existe uma maior
tendência para este enviesamento em contexto de ambientes de jogos, onde se acredita poder condicionar
resultados que são aleatórios na sua essência. Este enviesamento pode resultar em transações excessivas,
assunção de custos de transação elevados e diversificação de carteiras insuficiente. (Lobão 2012, p. 162)
5.2.13. Autocontrolo
O enviesamento do autocontrolo é na sua essência um enviesamento emocional e reflete a falta de
autodisciplina dos indivíduos na tomada de decisão. Pode resultar na assunção de níveis excessivos de risco.
A título exemplificativo, este enviesamento pode proporcionar um foco no investimento em ações que
proporcionam maiores rendimentos no curto prazo por distribuição de dividendos, em detrimento de
investimentos com rendibilidades futuras. (Lobão 2012, p. 162‐163)
5.2.14. Confirmação
Este enviesamento (cognitivo) verifica‐se quando se atribui demasiada importância a informações que
revalidam perceções pré‐existentes ou quando se subvalorizam informações quando contrariam essas
mesmas perceções (Lobão 2012, p. 164).
5.2.15. Statu(s) quo
Perante este enviesamento de origem emocional, o agente tem a tendência de escolher a alternativa
que confirma condições existentes (situação de statu(s) quo). Surge, habitualmente, associado a outros
enviesamentos como o conservadorismo. Assim, resulta em alguma letargia do investidor (palavras do autor
30
deste relatório). Ou seja, na tendência de manter as situações inalteradas, podendo não haver a adequação
das carteiras às mudanças verificadas nos domínios da rendibilidade e do risco. (Lobão 2012, p. 163‐164)
5.2.16. Comportamentos de manada
No seio das finanças comportamentais, a psicologia dos indivíduos e a sua influência nas decisões
individuais de investimento tem sido muito mais estudada que o efeito coletivo ou a influência de fatores
sociais nas decisões de investimento (Lobão 2012, p. 170). Tal não deixa de ser estranho se se considerar que
o Homem é um ser eminentemente social. Como refere Lobão (2012), considerando que nas finanças não
existe uma forma aceite de calcular o valor fundamental dos ativos financeiros (de forma inequívoca), pode‐
se esperar que “o processo através do qual se formam as opiniões dos investidores incorpore (…) fatores de
ordem social” (p. 171). Estes fatores podem ser emoções, sentimentos, opiniões e informações de família,
amigos, conhecidos, analistas, comunicação social (este último elemento com menor relevância do que a
comunicação interpessoal), entre outros (Lobão 2012, p. 172‐174). Esta forma de comunicação tida como
grupal é considerada como uma forma bastante ineficaz de obtenção e agregação de informações relevantes
para a tomada de decisão, apesar das eventuais vantagens que possa ter face à decisão individual tomada
isoladamente (Lobão 2012, p. 173). O mesmo autor refere que estas opiniões e emoções partilhadas
coletivamente podem agregar‐se em tendências sociais e moldar as decisões individuais.
Assim, deste facto podem resultar “comportamentos de manada” que no fundo é a tendência para
que os investidores se copiem mutuamente, ao invés da aplicação de fatores fundamentais na determinação
dos preços dos ativos financeiros. Este comportamento pode contribuir para o aumento da volatilidade e para
a consequente destabilização do mercado, através do aumento do efeito dos noise traders. Um exemplo é a
compra de ações, onde as pessoas preferem o “conforto” de seguir o grupo – ainda que possam estar a adotar
uma decisão prejudicial – do que sentirem‐se isoladas. (Fernandes et al. 2013, p. 617)
Fernandes et al. (2013, p. 618) destacam cinco razões que podem originar estes tipos de
comportamento, que estão de certa forma associados aos fatores de ordem social mencionados acima: (i)
informational‐based and cascades; (ii) reputational herding; (iii) compensation‐based herding; (iv)
investigative herding; (v) empirical herding. A primeira razão assenta em ignorar informações privadas para
seguir um comportamento grupal, porque se considera que se existe um comportamento de grupo é porque
este é o mais ajustado. A segunda assenta na valorização da reputação de determinado(s) indivíduo(s). A
terceira razão está associada ao facto da compensação de um gestor de ativos depender da comparação entre
a rentabilidade do seu portefólio e a rentabilidade dos portefólios de outros gestores, levando com que o
gestor invista no portefólio padrão que poderá ser o portefólio de um grupo de investidores ou então um
índice apropriado. A quarta razão relaciona‐se com a investigação de um analista em antecipação e que só,
31
posteriormente, será investigada por outros analistas. Finalmente, o empirical herding resulta na (mera)
compra de ativos se o preço estiver a aumentar e na venda se o preço estiver a diminuir.
Aos “comportamentos de manada” estão associados processos de feedback que integram o processo
de criação de uma bolha especulativa. Este será o ponto central que se abordará no capítulo 7 deste relatório.
5.3. Efeito de enquadramento
Os indivíduos não são racionais na forma que a racionalidade é entendida pela teoria neoclássica em
economia, como se tem constatado. Além dos enviesamentos cognitivos e emocionais supra referidos, as
pessoas estão sujeitas ao efeito de enquadramento. Este efeito está estritamente associado à prospect theory
abordada anteriormente e é muitas vezes utilizado em estratégias de saúde pública (Zamir e Teichman 2014,
p. 96). Por exemplo, no capítulo de doação de órgãos, em países como Portugal, Áustria, Bélgica, França,
Hungria, Polónia e Suécia está definido, por defeito ou como padrão, que após a morte de um determinado
indivíduo, este consente a doação, a menos que o indivíduo tenha feito o opting out em vida (i.e. tenha feito
o pedido de recusa de doação) (Johnson e Goldstein 2003). Ou seja, assume‐se um consentimento tácito ou
presumido. Daqui resulta que os países que adotam este mecanismo possuem taxas de doação superiores aos
que não estabelecem um padrão ou defeito (i.e. opção de opting in).
Alguns autores consideram que este efeito é o fenómeno mais importante no que diz respeito à economia
comportamental (Heukelom 2014, p. 186). Os efeitos de enquadramento são aqueles em que descrições
essencialmente equivalentes levam a escolhas diferentes, visto que as pessoas efetuam escolhas conforme a
questão lhes for colocada ou conforme o enquadramento que lhes for dado (Cartwright 2011, p. 40). O
contexto e o enquadramento influenciam a perceção e a intuição, o que por sua vez influencia a razão.
Segundo Cartwright (2011, p. 40), a perceção e a intuição são sistemas rápidos, sem esforço, automáticos e
que podem depender das emoções. Os pensamentos a estes associados são espontâneos e geram impressões
sobre os atributos ou características dos objetos. Por outro lado, a razão é um sistema lento, que carece de
esforço e que é deliberado (e não rápido, sem esforço e automático como a perceção e a intuição o são). A
razão pode, assim, gerar impressões e julgamentos, nomeadamente impressões e julgamentos enviesados.
No exemplo supra referido da utilização para fins de saúde pública, importa aconselhar a leitura do livro
"Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness" de Thaler e Sunstein (2008), que considera
a necessidade de adotarem determinadas políticas públicas aproveitando os desvios à racionalidade dos
indivíduos. Alguns dos mecanismos de nudging associados a esta matéria são os incentivos utilizados para
motivar as pessoas, aproveitamento de padrões estabelecidos pelas pessoas, mecanismos de saliência e afeto,
utilização de normas e aproveitamento do poder de mensageiros, a ativação subconsciente e, ainda, a
assunção de compromissos e necessidade de preservação do ego. Ainda, assim, importa referir que existe a
32
necessidade de atender a determinadas considerações éticas associadas à utilização destes mecanismos.
(Blumenthal‐Barby e Burroughs 2012) Efetuando, os devidos paralelismos poder‐se‐á verificar a existência de
claros desvios à racionalidade do “homem neoclássico” e, neste sentido, importa questionar se tal não abala
efetivamente os fundamentos das finanças racionais. Ademais, perante este exemplo e de forma análoga,
parece estar validada a importância da intervenção do setor público. De forma particular, parece estar
validada a atuação pública, no mínimo, no domínio da regulação, através do poder legislativo e executivo ou
entidades sob a tutela destes poderes, v.g..
Em suma, as finanças comportamentais defendem que a perceção sobre o risco e sobre a rentabilidade é
influenciada substantivamente pela forma como é dado o enquadramento do problema, ao invés da EMH que
assume que os investidores decidem na base da relação entre rentabilidade e risco dada por um modelo de
pricing, como o CAPM v.g. (Fernandes et al. 2013, p. 602).
6. Teoria das finanças comportamentais e os limites à arbitragem
Atualmente, mesmo na perspetiva das finanças racionais é geralmente aceite que os investidores
apresentem enviesamentos sistemáticos nas suas decisões. Assim, o debate tem‐se centrado no impacto nos
preços provenientes das escolhas dos investidores com racionalidade limitada. (Lobão 2012, p. 181)
A EMH refere que existem agentes racionais, ditos arbitragistas (e.g. hedge funds), que anulam os
efeitos sobre os preços provenientes de ações de investidores que não são totalmente racionais (e.g. noise
traders). Como já se referiu, a atividade dos agentes arbitragistas permite o ajuste dos preços ao valor
fundamental dos ativos, através da venda de ativos sobreavaliados que possuem ou da venda a descoberto
quando não os detêm e da compra ativos subavaliados. (Ritter 2003, p. 6; Fernandes et al. 2013, p. 604) Por
conseguinte, a EMH considera que as más avaliações de ativos financeiros são comuns mas que não é possível
efetuar lucros anormais por más avaliações, por causa deste efeito de arbitragem (Ritter 2003, p. 6). Ou, por
outras palavras, considera‐se existir um efeito disciplinador dos agentes racionais sob a atividade dos não
racionais. Lobão (2012, p. 182) dá o exemplo de um investidor enviesado pelo efeito de otimismo que compra
ações a um preço demasiado elevado e, por consequência, um arbitragista pode vender‐lhe as ações, até que
o preço atinja um nível adequado. Se os arbitragistas forem em número substantivo e possuírem riqueza
suficiente, de acordo com os defensores dos modelos racionais, os preços apresentarão desvios mínimos
relativamente ao advogado pelos modelos convencionais de avaliação de ativos financeiros.
Por outro lado, segundo Scherbina (2013), “a contribuição teórica da literatura recente é o de mostrar
que a presença de investidores racionais não ajuda necessariamente a eliminar bolhas” (p. 35). Neste sentido,
33
como se referiu anteriormente, as finanças comportamentais consideram existir fatores limitativos às ações
dos arbitragistas. Shleifer e Vishny (1997, p. 54) demonstram que as estratégias de arbitragem podem não ser
totalmente eficazes em assegurar que os ativos atingem os seus valores fundamentais, em determinadas
circunstâncias. Tal reflete‐se nomeadamente no risco associado a determinadas estratégias de arbitragem,
apesar dos expectáveis maiores retornos. Fernandes et al. (2013, p. 605) destacam diversos fatores limitativos
das estratégias de arbitragem, entre os quais os custos de implementação da estratégia de arbitragem e os
custos de identificação de oportunidades de adoção dessas mesmas estratégias, a existência de restrições ao
short‐selling, a dificuldade de encontrar ativos substitutos para desenvolver estratégias de arbitragem e,
ainda, a ação dos arbitragistas na presença de uma situação de bolha especulativa.
Para Lobão (2012, p. 184‐186) a arbitragem necessita que estejam reunidas pelo menos quatro
condições para que esta ocorra adequadamente, algumas das quais já referidas, mas que analisar‐se‐á com
maior detalhe de seguida. Primeiro, devem existir investidores racionais capazes de detetar as oportunidades
de arbitragem e capazes de recolher, interpretar e utilizar as informações (nos preços e noutras fontes de
dados) para calcular os preços teóricos dos ativos. As finanças comportamentais consideram que tal nem
sempre é possível pela existência de riscos de informação e de modelo e pelo facto de existirem dúvidas
quanto à capacidade de certos investidores resistirem aos enviesamentos cognitivos e emocionais já referidos.
Em segundo lugar, terão que existir ativos substitutos para que os arbitragistas (avessos ao risco) possam
cobrir os riscos decorrentes do processo de arbitragem. Contudo, as finanças comportamentais realçam a
importância de atender ao risco fundamental. A terceira condição realça que um arbitragista terá que suportar
movimentos desfavoráveis de preço durante algum período de tempo, o que poderá ter implicâncias
negativas, antes do preço convergir para o valor fundamental, garantindo o sucesso do processo de
arbitragem. As finanças comportamentais contrapõem com a existência de risco de noise trader, que implica
a dificuldade dos arbitragistas manterem as posições assumidas no longo prazo e corrigirem os desvios nos
preços. A quarta condição está associada à necessidade do arbitragista dever suportar os custos de transação
e outros decorrentes da aplicação da estratégia de arbitragem. De acordo com as finanças comportamentais,
tal poderá ser particularmente importante quando a estratégia passa pela assunção de posições a descoberto
que possam dificultar a arbitragem. Concomitantemente, há que ter em conta o efeito dos custos e da
disseminação de informação. Perante o exposto, conclui‐se que existem diversos riscos que dificultam o
processo de arbitragem, tornando‐o menos eficaz. O afastamento de agentes arbitragistas avessos ao risco
pode ter um impacto na capacidade dos arbitragistas corrigirem os desvios dos preços relativamente aos
fundamentais, pelo que os investidores com racionalidade limitada podem ter um peso assinalável na
evolução dos preços dos mercados e inerentes desvios. Na figura 4, sintetiza‐se uma visão sumária dos limites
descritos.
34
Figura 4: Visão sumária e realista da arbitragem.
Fonte Lobão (2012, p. 224).
Se os investidores com racionalidade limitada possuírem um peso significativo e se o processo de
arbitragem for ineficaz, tal pode traduzir‐se em preços de mercado que se afastam dos valores fundamentais
dos ativos de forma significativa e prolongada. Ainda, assim, com limites à arbitragem, “a impossibilidade de
se obterem rendibilidades [supranormais] pode estar presente mesmo sem que o mercado seja eficiente”
(Lobão 2012, p. 223). Como refere o autor, os preços podem ser ineficientes em termos fundamentais, mas
os limites à arbitragem impedem que tal situação seja corrigida, o que resulta na inexistência de possibilidades
de obtenção de rendibilidades superiores à do mercado de forma sistemática e os mercados mantém‐se
ineficientes. Não obstante, Lobão (2012) faz notar a existência de “vários estudos mais recentes [que]
concluem que alguns fundos de investimento e investidores individuais obtêm rendibilidades
consistentemente superiores às do mercado” (p. 225).
Importa referir que são evidências empíricas dos limites à arbitragem: as bolhas especulativas e
crashes que se apresentará a seguir, mas também as chamadas “ações gémeas”, as situações de carve‐out e
os casos de inclusão nos índices acionistas. (Lobão 2012, p. 213‐221) Perante o exposto, no que diz respeito à
arbitragem, “só muito raramente existe uma mais‐valia garantida como a hipótese da eficiência dos mercados
propõe” (Lobão 2012, p. 222) e, portanto, esta atividade pressupõe riscos.
35
7. Teoria das finanças comportamentais, bolhas e “crashes”
A EMH considera que não existem bolhas de preços de ativos nem crashes que resultem destas, pelo
que de acordo com a EMH as bolhas “não são mais do que as respostas dos mercados aos seus fundamentos
em mudança” (Cooper 2008, p. 19). Eugene Fama chega mesmo a afirmar que não sabe o que uma bolha de
crédito é, como se pode comprovar pela entrevista concedida ao jornalista John Cassidy do "The New Yorker"
em 2010:
"I don’t even know what that means. People who get credit have to get it from somewhere. Does a credit bubble mean that people save too much during that period? I don’t know what a credit bubble means. I don’t even know what a bubble means. These words have become popular. I don’t think they have any meaning." (Fama 2010)
Deste modo, este argumentário assente na ideia de que o preço de mercado de um ativo financeiro
reflete o seu valor intrínseco tem servido para evitar qualquer tentativa dos bancos centrais de intervirem no
sentido de prevenirem bolhas de preços de ativos, como alude (Cooper 2008, p. 20). Ainda, assim, a EMH
“continua a ser a base a partir da qual o senso comum vê os mercados financeiros, a premissa‐chave sobre a
qual conduzimos a nossa política monetária e o enquadramento sobre o qual construímos os nossos sistemas
financeiros” (Cooper 2008, p. 21). De igual forma, recorda‐se o referenciado no capítulo 3 que as implicâncias
da EMH não se restringem tão só a este domínio: esta fornece um processo contra o investimento público e
relativiza determinados desequilíbrios macroeconómicos como défices de balanças comerciais e correntes
(Quiggin 2010, p. 42).
Apesar dos pressupostos teóricos que suportam a eficiência dos mercados, como se tem vindo a
evidenciar, as finanças comportamentais revelam claramente outra "faceta". Não só os agentes não são
racionais, como os seus comportamentos podem não ser anulados (pelos arbitragistas), não se anularem
mutuamente ou os agentes não racionais podem não ser "expulsos do mercado". Por exemplo, podem existir
comportamentos irracionais dos agentes que estejam correlacionados e que podem levar à formação de
bolhas especulativas, originando um desvio prolongado no tempo do preço dos ativos financeiros face ao valor
intrínseco (Fernandes et al. 2013, p. 539). Ou pode ocorrer a formação de bolhas especulativas, se os
arbitragistas contribuírem para a "amplificação dos desvios iniciais do preço em relação ao seu valor
fundamental" (Fernandes et al. 2013, p. 611) ao invés de terem um efeito de arbitragem. Fernandes et al.
(2013, p. 611) dão o exemplo de ser vantajoso comprar uma ação cotada a 20 euros, que valha apenas 10
euros, havendo expectativa que esta venha a alcançar um preço futuro de 40 euros. Assim, os arbitragistas
poderão (inclusive) aproveitar a subida dos preços, antes que estes comecem a descer, atuando como
especuladores. A temática deste capítulo tem uma preponderância fulcral, pela sua perspetiva empírica, para
36
perceber a questão central deste relatório relativa à eficiência ou não dos mercados. Segundo Fernandes et
al. (2013, p. 614), os fenómenos de ocorrência (e a sua frequência) de bolhas especulativas e os consequentes
crashes nos mercados financeiros são per se explicativos da defesa de que os mercados não funcionam sempre
de forma eficiente. Neste sentido e recorrendo‐se a uma estruturação de conteúdos análoga à adotada em
Fernandes et al. (2013), de seguida, proceder‐se‐á definição de bolha e crash, seguindo‐se a apresentação das
causas das bolhas especulativas e das principais bolhas especulativas ao longo da história. Finalizar‐se‐á com
a apresentação dos métodos para a identificação de bolhas especulativas.
7.1. Definição de bolha e “crash” e suas causas
Quando um ativo financeiro está a ser transacionado a preços substantivamente superiores aos que
seriam determinados pelo valor fundamental e quando se reconhece a posteriori que estes preços são
absurdos e insustentáveis, considera‐se estar na presença de uma bolha especulativa. Nesta situação, os
especuladores visam beneficiar com as transações sobre o ativo, ao invés de beneficiar com a capacidade
deste gerar rendimentos. (Fernandes et al. 2013, p. 614‐615)
Por outro lado, uma falência de uma instituição bancária ou de uma grande empresa, uma fraude ou
outro efeito pode propiciar um crash. Isto é, uma descida assinalável e relativamente rápida do preço dos
ativos. Esta descida poder representar uma elevada preponderância ao nível da riqueza e pode exigir muito
tempo para ser revertida. A descida pode demorar horas, dias ou semanas e pode ser impossível a liquidação
dos portefólios, sendo que a taxa de rentabilidade dos ativos pode tornar‐se excessivamente volátil e poderá
impedir que os investidores aproveitem os efeitos da diversificação. O tempo para reverter essa descida de
preços poderá demorar alguns anos. (Fernandes et al. 2013, p. 615)
As bolhas especulativas poderão ser causadas por diversos fatores, entre os quais:
(i) Inovações que proporcionam aumentos de produtividade;
(ii) Excesso de liquidez no mercado financeiro que determina uma grande expansão do
crédito;
(iii) Elevado ritmo da inovação financeira;
(iv) Aspetos associados à psicologia humana, alguns dos quais já referidos no capítulo
anterior. (Fernandes et al. 2013, p. 615)
Fernandes et al. (2013, p. 616‐617) referem que uma bolha especulativa pode iniciar‐se por uma notícia ou
inovação que cria um aumento da procura sobre o objeto de especulação, como por exemplo ações ou casas.
Os especuladores acabam por ser atraídos para este mercado, aumentando os preços do objeto ainda mais.
O terceiro “estado” é o de “euforia”, com um aumento substantivo da procura, onde os bancos procuram
37
corresponder com um aumento da sua oferta de crédito e com uma diminuição das exigências de atribuição
de crédito. Adicionalmente, aumenta o ritmo de inovação financeira que resulta no aumento da liquidez do
ativo (e.g. através da titularização) e a procura volta a crescer, dando‐se um feedback loop, em que “as
expectativas de aumento do preço se autoconcretizam” (exemplo de price‐to‐price feedback) (Fernandes et
al. 2013, p. 617). Segundo estes autores, este processo de feedback pode ser de quatro tipos: (i) price‐to‐price
(já referido), (ii) price‐to‐GDP, (iii) price‐to‐corporate earnings‐to price feedback e (iv) cross feedback. Existem
ainda outros processos como price‐to‐news‐to‐price feedback e price‐to‐news‐to‐confidence‐to‐economy‐to‐
news‐to‐price (Shiller 2002, 23 e 25). Tais mecanismos de feedback fazem aumentar o desfasamento entre o
preço de um ativo e o seu valor fundamental. Associados a estes processos de feedback estão a ausência de
perceção dos investidores sobre a importância de aspetos psicológicos como os ‐ já referidos –
“comportamentos de manada”.
Quando a bolha especulativa atinge um pico, os investidores mais racionais começam a vender o ativo
para realizar os lucros. Inicia‐se o processo de queda de preço e a tentativa das pessoas vender faz descer o
preço ainda mais. O valor das garantias dos empréstimos obtidos com base no ativo também baixa, as
instituições bancárias exigem a reposição do valor do colateral e recusam a ceder novos empréstimos. Os
níveis de incumprimento e a execução de garantias começam a aumentar, o que propicia a contínua queda do
valor de mercado do ativo. O preço do ativo vai descendo até ao seu valor fundamental, até que a situação se
reverta eventualmente. (Fernandes et al. 2013, p. 618)
Não obstante, Krugman (2009, p. 28) ‐ Prémio Nobel da Economia em 2008 ‐ destaca que, por
exemplo, o Japão nunca recuperou do rebentamento da bolha do início dos anos 90 (do século XX).
A figura 5 apresenta as principais fases de uma bolha e que se enquadra com o exposto.
Figura 5: Principais fases de uma bolha.
Fonte: Rodrigue (2015).
38
7.2. História de bolhas especulativas
As bolhas especulativas e os crashes são frequentes desde o século XVII. Uma das bolhas mais famosas
e uma das primeiras, senão mesmo a primeiro registada, foi a designada de "Tulipomania", compreendida
entre 1634 e 1637 e registada na Holanda. Mais tarde, no século XVIII, mais precisamente entre 1711 e 1720,
na Inglaterra, registou‐se a bolha da Companhia dos Mares do Sul. Entre 1719 e 1720, em França, dá‐se a
bolha da Companhia do Mississippi. Nos cinco anos que precederam o grande crash de 1929 em Nova Iorque,
registou‐se a bolha dos Loucos Anos 20. Décadas mais tarde, nomeadamente na década de 1980, registou‐se
a bolha japonesa no mercado de ações e no mercado imobiliário. Ainda, na década de 1980 e até ao ano 1987,
salienta‐se a bolha no preço das ações das empresas tecnológicas, que esteve associada ao aparecimento do
computador pessoal. Desde sensivelmente 1995 destaca‐se a bolha das "dot‐com" ou da internet, até ao seu
crash no fim do século XX. No século XXI, particularmente no início da primeira década até agosto de 2007,
destaque para a bolha especulativa no mercado imobiliário norte‐americano. (Fernandes et al. 2013, p. 619‐
622; Scherbina 2013, p. 7)
A tabela 1 sistematiza algumas das bolhas mais importantes da história, tomando como base principal
Kindleberger e Aliber (2011, p. 302‐309).
Tabela 1: Principais bolhas entre o século XVII e o século XXI.
Designação e Período
Países Relacionado com
A especulação que a
precedeu foi em
Expansão monetária a partir de
Pico especulativo
Crise (crash, pânico)
Credor de último recurso
Tulipomania (1634‐1637)
Holanda
Grande expansão económica na guerra contra a Espanha
Ações da Companhia Holandesa das Índias Orientais, património imobiliário, bolbos de tulipas exóticas, bolbos de tulipas comuns, canais aquáticos
Nenhuma (?), pagamentos em espécie
Fevereiro de 1637
Fevereiro de 1637
Nenhum
Bolha da Companhia dos Mares do Sul (1711‐1720)
Inglaterra Tratado de Utrecht 1713
Ações da Companhia dos Mares do Sul; Dívida pública
Sword Blade Bank
Abril de 1720 Setembro de
1720
Banco de Inglaterra (?)
Bolha da Companhia do Mississippi (1719‐1720)
França Morte de Luís XIV, 1715
Companhia do Mississippi, Banque Générale, Banque Royale
Bancos de John Law
Dezembro de 1719
Maio de 1720 Nenhum
39
Designação e Período
Países Relacionado com
A especulação que a
precedeu foi em
Expansão monetária a partir de
Pico especulativo
Crise (crash, pânico)
Credor de último recurso
A Bolha dos Loucos Anos
20 EUA
Fim do prolongamento da expansão económica do pós‐guerra
Terras até 1925, Ações 1928‐1929
Compra na margem de ações
Setembro de 1929
Outubro de 1929
Operações bancárias no mercado aberto do Federal Reserve Bank of New York (FRBNY) (inadequadas)
Bolha de 1982‐1987
EUA
Mercado de ações, habitações luxuosas, edifícios de escritórios, dólar
‐ Fluxo de capitais
Dólar, 1985; Ações, 1987; Património imobiliário,
1987
Ações, 19 de outubro de
1987 (segunda‐feira negra)
Operações bancárias no mercado aberto do FRBNY, Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), Federal Savings and Loan Insurance Corporation (FSLIC)
Bolha japonesa da década de
1980
Japão Índice de ações Nikei; património imobiliário
‐ Redução da taxa de juro em 1986
Primeiro semestre de
1989
Janeiro de 1990
Ministro das Finanças e Banco do Japão lentos a reagir
Bolha no mercado
imobiliário na primeira década do século XXI
EUA, Reino Unido, Islândia, República da Irlanda, Espanha, Grécia, entre outros
Património imobiliário, ações (Islândia), empréstimos do governo (Grécia)
‐ Influxos de capital
Final do ano de 2006
Setembro de 2008
Bancos centrais e Fundo Monetário Internacional (FMI)
Fonte: Traduzido de Kindleberger e Aliber (2011, p. 302‐309) e adaptado tendo em consideração Fernandes et al. (2013, p. 619).
De seguida, abordar‐se‐á, de forma sistematizada, três das bolhas supra referidas: a tulipomania do
século XVII, a bolha imobiliária e financeira japonesa dos anos 80‐90 e a bolha especulativa no mercado
imobiliário norte‐americano do presente século. Importa realçar que não é o objetivo deste trabalho um
estudo de todas as bolhas relevantes da história, mas sim apenas referenciar de forma um pouco mais
aprofundada alguns dos acontecimentos circunscritos a este “fenómeno”.
40
7.2.1. Século XVII: Tulipomania
Shiller (2000, p. 71) refere que a história das bolhas especulativas se inicia sensivelmente com o início
da imprensa, nomeadamente dos jornais. A Tulipomania terá sido a primeira e uma das mais conhecidas a ser
descritas (vd. gráfico 6), tendo‐se registado entre 1634 e 1637 e foi apresentada no livro de Charles Mackay
de 1841 "Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds" (Shiller 2000, p. 177; Fernandes et al.
2013, p. 619).
Gráfico 6: Índice do preço da tulipa em 1636‐1637.
Fonte: Wang e Wen (2012, p. 185).
Segundo Fernandes et al. (2013, p. 619‐620), as tulipas chegaram à Europa no século XVI e ganharam
um certo simbolismo em Amesterdão, sobretudo na classe aristocrata. Com o aumento da procura, foram‐se
desenvolvendo indústrias associadas ao cultivo, colheita, armazenamento e transporte, assim como se criou
um mercado de futuros. Assim, as flores eram transacionadas na primavera no mercado à vista e foram criados
contratos de futuros e opções das tulipas, porque os bolbos “estavam debaixo de terra e não podiam ser
transacionados à vista" (Fernandes et al. 2013, p. 620). Consequentemente, segundo os mesmos autores, não
era necessário adquirir fisicamente as tulipas mas apenas transacioná‐las através de contratos de futuros e
opções, apostando na evolução do preço. Portanto, se os preços subissem de forma definitiva, todos os
investidores ganhariam. Em 1636, uma tulipa era vendida em troca de 12 acres (48562,28 metros quadrados)
de terreno para construção (Shiller 2000, p. 177). Todavia, quando a oferta superou a procura, os preços
começaram a cair e os investidores com posições abertas deixaram de poder pagar as suas obrigações, o que
resultou em sucessivas falências por inerência do “esquema piramidal” (Fernandes et al. 2013, p. 620).
Contudo, não é consensual que a Tulipomania tenha sido efetivamente um fenómeno de bolha,
particularmente para alguns “defensores” da eficiência e racionalidade dos mercados, entre os quais Peter
41
Garber (Garber 1989; Shiller 2000, p. 177; Kindleberger e Aliber 2011, p. 110). De acordo com Garber (1989,
p. 558), apenas o último mês da especulação para bolbos comuns permanece como uma potencial bolha,
ainda que certos contornos à volta do evento sejam incertos, entre os quais aspetos de cariz contratual, a
natureza do mercado e outros acontecimentos paralelos. Segundo Shiller (2000, p. 177‐178), Garber considera
que os preços elevados deveram‐se à variedade de tulipas raras (por efeito da afetação de um vírus do mosaico
da tulipa), que foram valorizadas pelas pessoas, até pelo significado cultural que em si encerravam. Contudo,
Shiller (2000, p. 178‐179) sustenta que existe pouca evidência que suporte a EMH nas suas análises e que, em
janeiro de 1636, os preços dos bolbos comuns subiram 20 vezes e, de seguida, sofreram uma queda
vertiginosa.
Importa referir que as mudanças nos preços das tulipas não estiveram isoladas das alterações no
domínio da restante economia, visto que os preços aumentaram no mercado acionista e imobiliário, entre
outros setores (Kindleberger e Aliber 2011, p. 110).
7.2.2. Século XX: bolha imobiliária e financeira japonesa dos anos 80‐90
No final da década de 1980, o Japão vivia tempos de prosperidade, com elevados níveis de crescimento
da sua economia, baixo desemprego e elevados lucros. Não obstante, tal não justificaria o triplicar do preço
de terrenos e ações. Ainda, assim, a sabedoria popular (conventional wisdom) sustentou as justificações mais
variadas para a enorme subida dos preços. (Krugman 2009, p. 61)
Uma combinação de políticas monetária (e.g. relutância em apreciar o yen) e regulatórias
(nomeadamente, sobre créditos bancários e sobre investimento estrangeiro de empresas nacionais) fizeram
aumentar a procura, nomeadamente no mercado imobiliário. As taxas reais de retorno em ações e em
património imobiliário eram positivas e altas, sendo os bancos possuidores de grande parte destes ativos.
Como os bancos possuíam elevadas quantidades de ações e património imobiliário, à medida que os preços
subiam, o seu capital também aumentava, o que consequentemente resultava na capacidade de conceder
empréstimos, incluindo empréstimos para crédito imobiliário e a grupos que anteriormente não tinham
possibilidades de receber créditos, “autoalimentando” o processo (o que deixa patente a existência dos
mecanismos de feedback supra referidos). Tal como relatado no subcapítulo das causas das bolhas, à medida
que a procura por crédito aumentou, a oferta também aumentou e os bancos aumentaram os seus
empréstimos e criaram intermediários (jusen). Ademais, na primeira metade da década de 80, o Japão também
liberalizou a regulação financeira e os bancos continuaram a aumentar a sua oferta para corresponder à
elevada procura, o que fez com que os preços continuassem a subir. O conjugar destes diversos fatores levou
com que o Japão tivesse criado uma “máquina de movimento perpétuo”. (Kindleberger e Aliber 2011, p. 173‐
175)
42
Além dos mecanismos de price‐to‐price feedback, também se registaram processos do tipo cross
feedback entre o mercado imobiliário e o mercado acionista. Ademais, como os empréstimos bancários eram
maioritariamente colateralizados por património imobiliário, as perdas com empréstimos eram pequenas face
ao aumento do preço do património imobiliário. A globalização ajudou a aumentar magnitude da bolha.
(Kindleberger e Aliber 2011, p. 175‐176)
No início da década de 1990 ‐ antes do rebentamento da bolha ‐ a capitalização de mercado do Japão,
isto é, o preço total de todas as ações de todas as empresas do país ‐ era maior do que a capitalização de
mercado total dos EUA e mais do que o dobro do produto interno bruto do país. O preço do terreno (por milha
quadrada) onde se situava o Palácio Imperial de Tóquio (Tokyo's Imperial Palace) valia mais do que o estado
inteiro da Califórnia. (Krugman 2009, p. 61) Sete dos dez maiores bancos a nível mundial – medidos em termos
de ativos e depósitos, mas não em termos de lucros – eram japoneses (Kindleberger e Aliber 2011, p. 174). A
euforia era tal que, por exemplo, a Mitsui Real Estate Company pagou 625 milhões de dólares por um edifício
da Exxon na Sixth Avenue de Nova Iorque, apesar do ask price (i.e. o preço pelo qual a empresa vendedora
estava disposta a aceitar o "negócio" (Ross et al. 2008, p. 185) ser de 520 milhões, tão‐somente porque a
empresa queria entrar no Guiness Book of World Records (Kindleberger e Aliber 2011, p. 174).
A bolha no Japão não terá rebentado de forma inteiramente espontânea, visto que o banco central
começou a intervir, aumentando as taxas de juro em 1990, para aliviar a pressão especulativa (Krugman 2009,
p. 65‐66). Como salientam Kindleberger e Aliber (2011, p. 176), os preços do património imobiliário cresciam
mais rápido que as rendas, e com o decréscimo da taxa de retorno das rendas para níveis abaixo da taxa de
juro dos empréstimos recebidos, os investidores pediam mais empréstimos contra propriedades
anteriormente compradas e que agora se tinham valorizado substantivamente. Com a intervenção do Banco
do Japão o ritmo da concessão de crédito abrandou e os investidores já não conseguiram receber créditos
para pagar juros de empréstimos, que entretanto se haviam tornado superiores aos rendimentos advindos de
rendas. Os preços do património imobiliário e das ações começaram a descer e a tal “máquina de movimento
perpétuo começou a trabalhar em sentido inverso” (Kindleberger e Aliber 2011, p. 176). A intervenção do
Banco do Japão, inicialmente, não teve os efeitos desejados, mas depois os preços das ações e dos terrenos
imobiliários começaram a descer e, alguns anos, depois já se havia registado uma queda de 60% face ao pico
alcançado (Krugman 2009, p. 65‐66).
A economia japonesa acabou por se ressentir e na década do rebentamento da bolha o Japão teve um
crescimento médio inferior à década anterior e, em 1998 e 1999, a economia entrou mesmo em recessão (vd.
gráfico 7). O banco central japonês encetou iniciativas de política monetária para recuperar a economia, mas
apesar das taxas de juro nominais de curto e longo prazo terem‐se reduzido para níveis record, tal não foi
suficiente para a redução da taxa de juro real para um nível suficiente que trouxesse a economia novamente
43
para o estado de “pleno emprego” (Bayoumi 2001, p. 243). O país deparou‐se, portanto, com uma “armadilha
de liquidez”, segundo Krugman (2009, p. 71). Concomitantemente, a bolha terá deixado problemas como
elevados níveis de endividamento das empresas e estas não puderam aproveitar vantagens de oportunidades
de investimento atrativas (Krugman 2000, p. 231). A economia terá sido também alvo de afetação económica
advinda da crise financeira de 2008‐09, como se pode observar pelo gráfico 7.
Gráfico 7: Variação anual (%) do produto interno bruto da economia japonesa (ótica da despesa), com valores estimados para 1971 a 1994 (inclusive) e 2014.
Fonte: OCDE (2015).
7.2.3. Século XXI: bolha especulativa no mercado imobiliário norte‐americano
As origens da bolha especulativa no mercado imobiliário norte‐americano remontam à política
monetária assente em baixas taxas de juro de referência que se adotou a seguir ao colapso da bolha das "dot‐
com" e ao ataque terrorista do 11 de setembro, assim como à inovação financeira (e.g. mortgage‐backed
securities ‐ MBS – e collateralized debt obligations ‐ CDO) e às políticas que tornaram o investimento em casas
mais atrativo do que o investimento em ações e obrigações (Fernandes et al. 2013, p. 620‐621; Scherbina
2013, p. 30). Como refere Scherbina, tais fatores levaram ao aumento inicial nos preços das casas.
Assim, entre 2002 e 2006, o valor de mercado do património imobiliário residencial norte‐americano
aumentou de 110% do produto interno bruto para 150% (Kindleberger e Aliber 2011, p. 258). Como referem
Kindleberger e Aliber, o aumento substantivo nos preços das propriedades – vd. gráfico 8 ‐ fez aumentar a
disponibilidade de crédito hipotecário e levou a um boom no setor da construção de novas casas e
apartamentos. A disponibilidade destes créditos foi potenciada por processos de securitização (alguns dos
quais supra referidos), que se iniciou na década de 70 e se intensificou depois de 2000. Tal fez aumentar a
44
liquidez do ativo e ajustar as taxas de juro, o que possibilitou (de forma crescente) a aquisição de crédito por
mutuários com histórico de crédito menos abonatórios.
Gráfico 8: Evolução dos preços reais das habitações entre 1891 e 2008.
Fonte: Reinhart e Rogoff (2009, p. 207).
Apesar dos créditos à habitação terem inicialmente sido atribuídos a clientes com um bom historial
de cumprimento de crédito e com níveis de rendimento adequados, por fruto do crescimento do mercado de
ativos resultantes da titularização, houve necessidade de alcançar um rápido crescimento no crédito
hipotecário (Fernandes et al. 2013, p. 621). Consequentemente, os clientes com mau historial, níveis de
rendimentos inadequados – e com poucos ativos (acrescenta o autor deste documento académico) ‐ também
passaram a ser elegíveis para tal. Os empréstimos atribuídos a estes clientes são denominados de subprime
(vd. gráfico 9) e foram atribuídos sob o pressuposto que o preço das habitações continuaria a subir, pelo que
“em caso de não cumprimento pelo devedor o valor da hipoteca excederia sempre o valor do empréstimo”
(Fernandes et al. 2013, p. 621). A competição entre credores para o fornecimento de novos empréstimos,
levou à proliferação de tipos de empréstimos com o intuito de captar o interesse de mutuários subprime
(Scherbina 2013, p. 31). Neste sentido, registou‐se também níveis de inovação substancial nos pagamentos
mínimos exigidos aos compradores de casas, assim como ao nível dos pagamentos de juros sobre hipotecas
(Kindleberger e Aliber 2011, p. 259). Foi assim criado o incentivo para que os clientes subprime saíssem de
suas casas e deixassem de assumir as suas responsabilidades, quando as amortizações dos empréstimos
superassem os custos de arrendamento noutro lado (Scherbina 2013, p. 31). Assim, um efeito inicial de descida
45
de preço poderia ser rapidamente amplificado e foi isso que efetivamente se verificou, ou seja, a concessão
deste tipo de crédito viria a acender o rastilho para o rápido colapso da bolha.
Os processos originados na titularização ‐ como os MBS e CDO ‐ foram também transacionados
mundialmente e expuseram todo o sistema financeiro internacional aos desenvolvimentos do mercado
imobiliário norte‐americano (Fernandes et al. 2013, p. 621). A expansão monetária terá ocorrido a partir de
influxos de capital estrangeiro, consistente com os modelos de feedback trading (Kindleberger e Aliber 2011,
p. 311; Scherbina 2013, p. 30).
Gráfico 9: Evolução dos empréstimos subprime concedidos em termos absolutos e relativos.
Fonte: The Financial Crisis Inquiry Commission (2011, p. 70).
Este cenário resultou no aumento de preços no mercado imobiliário até 2006 e a partir de meados de
2007, com o rebentamento da bolha, aumentaram os incumprimentos no mercado dos subprime e
começaram a falir alguns fundos e intermediários financeiros que concediam crédito hipotecário. Em 2008,
algumas economias avançadas entraram em recessão e no mesmo ano Bear Stearns, Fannie Mae e Freddie
Mac foram intervencionados pelo governo norte‐americano. O banco de investimento Lehman Brothers viria
a falir em setembro de 2008, aumentando a instabilidade nos mercados, subindo o nível geral de risco,
diminuindo abruptamente a liquidez e os fluxos de capitais. Perante a instabilidade financeira generalizada e
que se propagou a nível global, a atividade económica mundial caiu acentuadamente. (Abreu et al. 2012, p.
323‐324) A crise financeira de 2007‐2009 teve origem nos EUA e é considerada como a mais grave desde a
Grande Depressão dos anos 30 ‐ independentemente de ser medida por profundidade, amplitude ou duração
‐, e propagou‐se rapidamente a todo o mundo. Em alguns casos foi mesmo necessária a intervenção
governamental para evitar falências de determinadas instituições financeiras. (Reinhart e Rogoff 2009, p. 208;
Abreu et al. 2012, p. 322‐323)
46
Holt (2009, p. 128) considera que as principais causas foram as baixas taxas de juro de créditos
hipotecários, as baixas taxas de juro de curto prazo, condições de concessão de crédito mais flexíveis e a
chamada "exuberância irracional" (irrational exuberance). Não obstante, segundo o autor nenhuma das três
primeiras causas foram essenciais para o desenvolvimento da bolha. A quarta e última causa terá sido a causa
essencial: "a bolha do setor imobiliário não teria ocorrido sem a crença generalizada que os preços das casas
iriam continuar a aumentar" (Holt 2009, p. 128). Holt (2009, p. 125‐126) destaca que reguladores, investidores
bancários, investidores internacionais, entidades que concessionaram os créditos, agências de rating,
empresas de seguros e compradores de casas assumiram que os preços das casas iriam continuar a aumentar.
Tal distribuição de responsabilidades terá sido a causa substantiva para o sucedido, até porque os preços
nunca caíram (anualmente) desde a Grande Depressão (Hardaway 2009, p. 35; Holt 2009, p. 126). Segundo
Holt (2009, p. 125‐126):
Reguladores não terão tentado controlar os preços, visto que também não identificaram a
bolha no setor;
Investidores bancários continuaram a emitir produtos financeiros altamente alavancados
como MBS, que eram adquiridos em boa medida por investidores internacionais;
Entidades que concessionaram os créditos continuaram a aumentar os créditos dos subprime
e ajustaram as taxas de juro (vd. gráfico 10);
Agências de rating continuaram a atribuir notações de rating elevadas a títulos garantidos por
hipotecas de subprime;
Seguradoras venderam continuamente credit default swaps (CDS) a investidores em MBS, por
exemplo;
Compradores de casas continuaram a comprar casas, muitas vezes com fins especulativos na
ânsia de efetuar lucros futuros, mesmo que não conseguissem assumir os compromissos
mensais. Atente‐se que entre o primeiro trimestre de 1997 e o primeiro trimestre de 2003, os
preços das casas haviam crescido 59% e os primeiros avisos de possibilidade de existência de
um início de bolha foram emitidos em 2002. Ainda, assim, teria compensado a um típico
proprietário de uma casa vender a sua casa um ano depois de a bolha rebentar do que no
primeiro trimestre de 2003.
47
Gráfico 10: Taxas de juro de empréstimos bancários e empréstimos hipotecários.
Fonte: The Financial Crisis Inquiry Commission (2011, p. 86).
Importa também referir que segundo The Financial Crisis Inquiry Commission esta crise poderia ter sido
evitada se o governo norte‐americano tivesse prestado atenção aos sinais, nomeadamente à concessão de
créditos subprime, à insustentável subida dos preços das casas, às más práticas de concessão de crédito, aos
elevados níveis de crescimento na dívida hipotecária dos proprietários das casas e o pico nas atividades de
trading dos bancos de investimento (e.g. MBS e CDO). A mesma comissão identificou uma combinação de
mau governo societário (corporate governance) e má gestão do risco nas empresas financeiras. (Scherbina
2013, p. 33‐34)
A crise económica global que se iniciou em 2008 levou a extensa discussão sobre as necessidades de
alteração do enquadramento regulatório (Kindleberger e Aliber 2011, p. 297). No rescaldo da crise, foi
introduzida uma reforma que visa melhorar a monitorização e incentivos dos agentes financeiros, assim como
reforçar a proteção dos investidores, denominada de Dodd‐Frank Wall Street Reform and Consumer Protection
Act (Scherbina 2013, p. 34). Uma das premissas para as alterações assenta que a causa da crise está no lado
da procura e no empréstimo imprudente de bancos individuais e outras firmas; uma outra premissa contrária
assenta na oferta de crédito que aumentou muito rapidamente (Kindleberger e Aliber 2011, p. 301). Estes
autores consideram que a falha desta nova legislação assenta no facto de não afetar a oferta de crédito e o
aumento na procura por títulos relacionados com hipotecas. Preveem uma nova crise comparável a esta que
aqui se apresentou ou até maior e deixam um alerta:
“Nevertheless when the real estate bubble of 2020 implodes, some banks will incur such large loan losses that they will be forced to close or to seek a well—capitalized partner for a merger; others will be protected because of the higher level of required capital. How many banks will be forced to close will depend on the scope of the increase in real estate prices during the bubble relative to the increase in bank capital.” (Kindleberger e Aliber 2011, p. 301)
Já aqui se havia referido também que Quiggin (2010, p. 36) imputa à EMH responsabilidades pela atual
crise financeira, visto que “a EMH justifica a necessidade de desregulação financeira, a remoção ao controlo
48
do fluxo de capitais internacionais e a expansão substantiva do setor financeiro”. Tal caráter mais amplo da
EMH acentua, ainda mais, a importância do estudo e a necessidade de sensibilização pública para as matérias
que aqui se abordaram. Estas reflexões têm importância acrescida numa altura em que se volta a falar na
possibilidade de uma nova bolha nos mercados, como se pode constatar pela pretensa entrevista de Robert
Shiller a Allison Nathan, da qual se destaca a seguinte passagem:
“Allison Nathan: Is the equity market a bubble today? Robert Shiller: I define a bubble as a social epidemic that involves extravagant expectations
for the future. Today, there is certainly a social and psychological phenomenon of people observing past price increases and thinking that they might keep going. So there is a bubble element to what we see. But I'm not sure that the current situation is a classic bubble because I'm not certain that most people have extravagant expectations. In fact, the current environment may be driven more by fear than by a sense of a new era. I detect a tinge of anxiety and insecurity now that is a factor in markets, which is quite different from other market booms historically.” (via Durden (2015) e Udland (2015))
8. Conclusões e considerações finais
Uma das considerações mais relevantes que se pode elencar deste trabalho académico é que os
agentes não são sempre racionais, existem limites à arbitragem, os preços incorporam informação útil mas
também ruído e os mercados não são eficientes, ao contrário do que a EMH postula. Além disso, os
pressupostos de modelos como o CAPM e a APT são muito fortes (Graça 1999, p. 332) e, como se referiu, a
eficiência informacional não garante a eficiência fundamental, demorando décadas até que o mercado se
ajuste. Atente‐se, também, que o excesso de volatilidade e o noising trading são duas anomalias que colocam
a EMH verdadeiramente em causa e a existência de bolhas também não é explicada pela EMH, ainda que Fama
diga desconhecer o conceito de “bolhas de crédito”.
Não obstante, existe uma mensagem central desta hipótese e que está em consonância com Summers
(1986, p. 600)4 que é o facto da obtenção de rentabilidades sistematicamente anormais ser extremamente
difícil, se não mesmo impossível. Adicionalmente, Graça (1999, p. 336) realça que a importância da
diversificação de carteiras é um princípio claramente estabelecido. Mesmo Shiller (2012) considera que apesar
dos mercados não serem perfeitos, estes constituem uma "fonte de informação extremamente importante
para alocar recursos" (p. 186).
O problema do teste à hipótese conjunta constitui uma “barreira” à demonstração de que os mercados
não são efetivamente eficientes, mas "a incapacidade de um conjunto de dados rejeitar uma teoria científica
não significa que os testes provem, demonstrem ou até apoiem a sua validade" (Summers 1986, p. 593). Ou
4 "The central message of the huge literature on market efficiency is the supreme difficulty of earning abnormal returns making use only of publicly available information." (Summers 1986, p. 600)
49
como estes autores referem, a impossibilidade de rejeitar uma hipótese não é equivalente à sua aceitação e
"as experiências podem falsificar a teoria ao contradizerem uma de suas implicações[,] mas a verificação de
uma das suas implicações não pode ser levada a provar ou a estabelecer uma teoria" (Summers 1986, p. 593).
Este documento também evidenciou que a discussão em torno da eficiência dos mercados e as matérias
contíguas extrapolam largamente as dimensões académicas ou do mero domínio das finanças. Não só envolve
os domínios da psicologia, neurociências, sociologia, filosofia política e da arquitetura política e institucional,
como também o dia‐a‐dia concreto de cada um dos cidadãos. Como se constatou a crise de 2008‐09 teve um
impacto profundo na economia mundial e ainda hoje se fazem sentir os efeitos da mesma. Ainda, assim,
apesar da crise das "dot‐com" e da crise de 2007‐2008, onde ampla evidência terá contrariado os fundamentos
da EMH, "as lições não foram aprendidas [e a] EMH permanece central para a teoria financeira e para as
práticas políticas" (Quiggin 2010, p. 51). Como refere Cooper (2008), perante a evidência, a resposta seria
“abandonar o conto de fadas da eficiência do mercado e procurar uma teoria melhor” (p. 38).
Como consideração final e perante o exposto, o autor deste documento académico não deixa de
considerar estranho que a discussão ande arredada de fóruns políticos, empresariais e dos órgãos de
comunicação social. Importa continuar a refletir seriamente sobre o paradigma dominante das finanças
racionais e existe uma responsabilidade coletiva em aumentar a abrangência da discussão sobre estas
temáticas, ainda que se reconheça o esforço a alguns economistas internacionais como Robert Shiller, Nouriel
Roubini, entre outros economistas que se foi aqui referenciando. Tal preocupação de democratizar e
humanizar o sistema financeiro parece estar, de certa forma, consubstanciada nas preocupações de Robert
Shiller e no livro “Finance and the Good Society”.
50
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