a emergência da rede: dinâmicas interativas em um blog jornalístico

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  • 8/14/2019 A emergncia da rede: dinmicas interativas em um blog jornalstico

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISPrograma de Ps-graduao em Comunicao Social

    A emergncia da rede:dinmicas interativas em um blog jornalstico

    Ivan Satuf Rezende

    Belo HorizonteFaculdade de Filosofia e Cincias Humanas da UFMG2008

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    Ivan Satuf Rezende

    A emergncia da rede:dinmicas interativas em um blog jornalstico

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduaoem Comunicao Social da Faculdade de Filosofia eCincias Humanas da Universidade Federal de MinasGerais como requisito parcial para a obteno do ttulo demestre em Comunicao Social

    rea de concentrao: Comunicao e sociabilidadecontempornea

    Linha de pesquisa: Processos comunicativos e prticas

    sociaisOrientadora: Prof. Dra. Maria Beatriz Almeida SathlerBretas

    Belo HorizonteFaculdade de Filosofia e Cincias Humanas2008

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    Agradecimentos

    Agradeo aos professores do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social peloperodo de intenso aprendizado, em especial professora e orientadora Beatriz Bretas, que me

    acolheu desde a especializao e esteve sempre disposta a auxiliar o desenvolvimento da

    pesquisa. Muito obrigado, Bia!

    No poderia deixar de agradecer aos professores e colegas do Grupo de Pesquisa em Imagem

    e Sociabilidade (Gris). As discusses tericas com alto grau de aprofundamento foram

    fundamentais para o amadurecimento das reflexes sobre a comunicao. Vou levar semprena memria os debates intensos com os colegas contestadores do Pontogris: Telma, Rafa,

    Aline, Carla e Glau.

    Expresso tambm meus sinceros agradecimentos aos colegas do mestrado: Alexandre, Carla,

    Helen, Janana, Maria Isabel, Pedro, Regiane, Vanessa e Viviane. O caminho longo e rduo,

    mas o percurso vale a pena quando estamos acompanhados de bons companheiros.

    minha famlia qualquer agradecimento ser pouco diante da fundamental importncia em

    todas as etapas. Muito obrigado, me, por estar sempre presente com pacincia e dedicao.

    Obrigado, Igor, pela ajuda fundamental nos momentos de pane informtica. Aos meus avs

    Clovis e Hayde agradeo por me guiar e dar fora, mesmo distncia. Por fim, agradeo

    Cibele pela ternura, apoio e carinho incondicionais. Valeu, Bel!

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    O homem fala. Falamos quando acordados e em sonho. Falamoscontinuamente. Falamos mesmo quando no deixamos soar nenhuma

    palavra. Falamos quando ouvimos e lemos. Falamos igualmentequando no ouvimos e no lemos e, ao invs, realizamos um trabalhoou ficamos toa. Falamos sempre de um jeito ou de outro. Falamos

    porque falar nos natural. Falar no provm de uma vontadeespecial. Costuma-se dizer que por natureza o homem possuilinguagem. Guarda-se a concepo de que, diferena da planta edo animal, o homem o ser vivo dotado de linguagem. Essadefinio no diz apenas que, dentre muitas outras faculdades, ohomem tambm possui a de falar. Nela se diz que a linguagem oque faculta o homem a ser o ser vivo que ele enquanto homem.Enquanto aquele que fala, o homem : homem.

    Martin Heidegger

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    Resumo

    A presente pesquisa analisou o blog jornalstico como dispositivo organizador de

    padres interativos. O objetivo foi compreender como o blog age simultaneamente sobre o

    trabalho jornalstico e as participaes dos internautas que publicam comentrios. O estudo se

    dedicou a observar as interaes que se formam no interior da caixa de comentrios. A

    proposta era apreender o blog como instrumento emergente de comunicao para

    problematizar as relaes instauradas no novo ambiente. Partimos do pressuposto de que

    existe uma rede complexa e esta rede fruto de limitaes e potencialidades instauradas pela

    apropriao da tecnologia por atores mltiplos. Afinal, como o blog jornalstico conforma

    padres interativos entre os leitores?O Blog do Noblat nos serviu como objeto emprico. Dez posts foram submetidos a um

    percurso metodolgico divido em trs partes. A primeira, de cunho descritivo e analtico visou

    dar conta dos sujeitos envolvidos na comunicao: Ricardo Noblat, colaboradores e

    internautas. A segunda etapa explorou quantitativamente os dados tratados e categorizados. O

    objetivo aqui foi compreender os modos de agir e as rotinas dos leitores do blog. Por fim,

    chegou-se ao estudo aprofundado das interaes entre os internautas a partir da anlise

    minuciosa dos enunciados divididos em duas categorias: dialogais e no-dialogais.A pesquisa revelou que o Blog do Noblat conforma os padres interativos a partir da

    forte presena do contrato de comunicao jornalstico. As participaes esto voltadas para

    os contedos discutidos e so rarssimos os comentrios off topic. Concomitante ao aspecto

    contratual, o dispositivo molda os enunciados verbais. Estes so curtos, velozes (quase-

    sncronos), repletos de imperfeies e apresentam forte influncia da linguagem oral.

    Palavras-chave: blog, jornalismo, interao, comunicao mediada por computador

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    Abstract

    This study examines the blog as a journalistic device organizer of interactive patterns.

    The goal is to understand how the blog acts simultaneously on the journalistic work and the

    participation of internet users who publish comments. The study is intended for the

    interactions that occur inside the box for comments. The proposal is to start from the blog as

    an emerging instrument of communication and to investigate the relations established in the

    new environment. We presuppose that a complex network exists and arises from limitations

    and potentialities proceeding from the appropriation of technology by multiple actors. After

    all, how do the journalistic blog sets interactive patterns among readers?

    The empirical object is Blog do Noblat. Ten posts are submitted to a methodologicalway divided into three parts. First, we describe and analyze the subjects involved in the

    communication: Ricardo Noblat, collaborators sand internet users. The second step explores

    quantitatively the information treated and categorized. The aim is to understand the blogs

    readers routines and how do they act. Finally, we study the interactions among Internet users

    by analyzing the statements into two categories: dialogue and non-dialogue.

    This research shows that Blog do Noblat configures the interactive patterns from the

    strong presence of the journalistic communication. The participations concentrate in thediscussed topics and that are only a few off topic items. Simultaneously to the contractual

    aspect, the device shapes the verbal enunciates. These are short, fast and synchronous in most

    of the time. Also, they are full of imperfections and have strong influence of oral language.

    Key-words: blog, journalism, interaction, computer-mediated interaction

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Tipos de acontecimentos e gneros jornalsticos ................................................... 55

    Figura 2 Estrutura bsica de um blog ................................................................................... 71

    Figura 3 Site conversa afiada .............................................................................................. 72

    Figura 4 - Blog do Noblat ....................................................................................................... 79

    Figura 5 - Blog do Noblat em junho de 2004 ......................................................................... 80

    Figura 6 - Blog do Noblat em novembro de 2005 .................................................................. 81

    Figura 7 Post Calada da Fama ........................................................................................ 82

    Figura 8 - Post Dica de site com indicao enviada pelo leitor Jlio Falco ...................... 85

    Figura 9 - Post que apresenta artigo publicado por Maria Helena Rubinato .......................... 87

    Figura 10 - ndice de participantes que usam apelidos, nomes completos ou apenas o primeironome nos dez posts analisados ................................................................................................ 97

    Figura 11 Representao grfica do ndice de participao no post 4 .............................. 99

    Figura 12 Representao grfica do no de participaes nos 10 posts analisados ............ 100

    Figura 13 Representao grfica do nmero de posts comentados por leitor..................... 100

    Figura 14 Representao grfica dos comentrios por tempo de publicao .................... 104

    Figura 15 Representao grfica do nmero de comentrios postados por horrio, ao longode 4 horas e 47 minutos aps a publicao ........................................................................... 105

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Tipos de interao .................................................................................................. 37

    Tabela 2 - A interao mediada por computador a partir das caractersticas propostas porThompson ................................................................................................................................ 40

    Tabela 3 - Posts e comentrios que integram o corpus de pesquisa ....................................... 76

    Tabela 4 Freqncia de participao dos internautas nos dez posts pesquisados ................ 98

    Tabela 5 - 20 comentaristas mais ativos nas cadeias interativas ........................................... 106

    Tabela 6 Cadeias dialogais ................................................................................................. 110

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    SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................................... 9

    CAPTULO I INTERAES ............................................................................................... 13

    1.1 Interao e comunicao: imbricaes epistemolgicas ............................................. 13

    1.2 As bases tericas da interao ..................................................................................... 18

    1.3 Interao mediada por computador ............................................................................. 32

    1.4 A interao no blog: enunciado, dispositivo e gnero ................................................. 44

    CAPTULO II BLOG, COMUNICAO E JORNALISMO: NOVAS PERSPECTIVAS 57

    2.1 O domnio das redes .................................................................................................... 57

    2.2 Web 2.0: novos atores na rede ..................................................................................... 62

    2.3 Blog e jornalismo......................................................................................................... 67

    CAPTULO III AS DINMICAS INTERATIVAS NO BLOG DO NOBLAT................... 73

    3.1 Percurso metodolgico e corpus .................................................................................. 73

    1a ETAPA Os sujeitos da comunicao ............................................................................. 77Ricardo Noblat: da tradio blogosfera ......................................................................... 77Maria Helena Rubinato: a colaboradora e o enunciado .................................................... 86Internautas: a alma do blog ............................................................................................... 92

    2a ETAPA - Anlise quantitativa dos comentrios ............................................................... 96

    3a ETAPA - Anlise qualitativa das interaes .................................................................. 102

    Comentrios no-dialogais ............................................................................................. 107Comentrios dialogais .................................................................................................... 109

    CONCLUSO ........................................................................................................................ 121

    BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 125

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    INTRODUO

    As novas tecnologias esto no centro de mudanas que agem em todas as esferas

    sociais. O paradoxo do sculo XXI parece estar no tamanho. O pequeno gigante. A

    nanotecnologia permite o armazenamento de grande quantidade de informao em um espao

    mnimo. Um chip carrega gigabytes de dados que poderiam lotar um escritrio se o contedo

    fosse transcrito para folhas de papel.

    Os aparelhos tecnolgicos esto em todo lugar: telefones celulares, palmtops,

    notebooks, tudo porttil. A conexo se desvinculou do espao. No necessrio estar em

    um lugar especfico para se comunicar, basta portar um artefato tecnolgico que permita a

    ligao com outras pessoas. As novas tecnologias so rapidamente apropriadas e das

    experincias surgem mais inovaes. um ciclo que emerge do duplo movimento das

    inovaes e dos usos.

    Um dos alvos recentes das pesquisas em comunicao justamente um dispositivo

    oriundo da internet e que permite apropriaes diversas: o blog. Trata-se de um fenmeno que

    ainda carece de muita ateno para ser compreendido. Esta pesquisa pretende desvelar to

    somente um aspecto restrito, mas extremamente complexo do oceano de blogs que co-habitam

    o ciberespao.

    A ateno est voltada para o blog jornalstico, que forma um conjunto especfico na

    blogosfera. Elegemos o Blog do Noblat1 como objeto emprico para a explorao. Nosso

    objetivo pesquisar o blog jornalstico e sua apropriao como espao de interaes pelos

    internautas. A observao nos permitiu detectar trocas constantes entre aqueles que publicam

    comentrios. possvel distinguir cadeias dialogais que apresentam semelhanas entre si e

    perpassam sncrona e permanentemente a produo jornalstica. Como o blog jornalsticoconforma padres interativos entre os leitores? A apropriao do dispositivo por diversos

    atores faz emergir uma rede de trocas que, apesar de parecer um cenrio efmero e catico,

    guarda regras e padres comunicativos reconhecveis. Denominamos dinmicas interativas o

    conjunto de relaes complexas entre os sujeitos que compem o blog como ambiente

    comunicacional.

    1 http://oglobo.globo.com/pais/noblat/

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    A figura mostra os trs vrtices-sujeitos: Noblat, colaboradores, internautas. Os lados

    do tringulo representam as possibilidades interativas entre os vrtices. Contudo, as setas se

    fazem necessrias para demonstrar que as interaes simbolizadas pelos lados do tringulopodem sofrer interferncias do vrtice oposto, ou seja, daquele(s) sujeito(s) que no est(o)

    diretamente inserido(s) na interao. Da mesma forma, as interaes que ocorrem em

    qualquer um dos lados so capazes de agir sobre o vrtice oposto. Estas so as dinmicas

    interativas.

    O problema exige uma perspectiva holista, porque os comentrios no esto soltos,

    mas situados no espao e tempo do blog. O conjunto das relaes contidas no Blog do Noblat

    fundamental para se compreender as interaes. Seria um equvoco partir dos comentriossem a necessria compreenso de singularidades intrnsecas ao dispositivo. So justamente

    estas singularidades que, agenciadas e reconfiguradas pelo jornalista, moldam o ambiente

    comunicativo. Ao mesmo tempo em que se faz necessrio lanar mo de um ponto de vista

    global, tambm essencial ajustar o foco em escala atmica, pois cada comentrio nico e o

    contedo das trocas no deve ser negligenciado em detrimento da forma das interaes. Tanto

    o foco ampliado quanto o reduzido so necessrios para a anlise se partirmos da premissa de

    que os comentrios tanto so conformados quanto conformam o ambiente. Rejeitar a

    importncia das escalas analticas seria aceitar um carter determinstico imposto pelo blog

    como dispositivo soberano ou dos comentrios como alheios e superiores ao ambiente.

    O Captulo I aborda teoricamente o conceito de interao. Primeiro, visitamos o

    campo epistemolgico da comunicao e vemos como as idias que norteiam desde os

    primeiros estudos esto intimamente ligadas noo de interao. Em seguida, percorremos

    as obras de diversos pensadores oriundos de diferentes reas das cincias humanas, como

    filosofia, sociologia e antropologia. So autores que no lidam diretamente com a questo

    tecnolgica, a maior parte deles sequer passou da anlise de relaes face a face, mas que nos

    ajudam a compreender a interao em toda a sua complexidade, evitando uma concepo

    Noblat

    Colaboradores Internautas

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    rasteira do conceito. Depois, vasculhamos diretamente a interao mediada por computador,

    que , ao mesmo tempo, alvo de diversas pesquisas e de inmeras controvrsias. Tentamos

    deixar claro certo modo de olhar as relaes estabelecidas por meio das redes de

    computadores. Sugerimos que a internet abriga uma gama heterognea de dispositivos para

    mediao e propomos um olhar que afasta a interatividade como uma caracterstica

    intrnseca e amorfa.

    Em seguida, discutimos trs noes essenciais pesquisa. A primeiro o enunciado,

    encarado aqui segundo uma perspectiva bakhtiniana que o define como unidade da

    comunicao verbal e elemento que exige sempre uma atitude responsiva ativa. Os outros

    dois conceitos dispositivo e gnero - ajudam a compreender por que os enunciados no blog

    so como so. O dispositivo faz com que os enunciados sejam verbais, curtos, velozes,repletos de imperfeies, quase-sncronos. Somente o dispositivo pode conformar um

    conjunto mais ou menos regular de aes que permite abordar o blog como gnero

    jornalstico. O blog , sem dvida, um gnero emergente e ainda obscuro, mas extremamente

    importante para a configurao contempornea do jornalismo e das prticas que o cercam.

    O Captulo II dedica-se s transformaes pelas quais passa a comunicao com o

    advento da rede global de computadores. Primeiramente discutimos o conceito de rede com o

    objetivo de evitar uma apropriao rasteira de um conceito central da interao mediada porcomputador. O objetivo mostrar como as redes sociotcnicas contemporneas tornam mais

    complexas as relaes. Em seguida, debatemos a concepo de Web 2.0, denominao ainda

    sob intenso debate e alvo de crticas constantes. Por isso mesmo o termo Web 2.0 deve ser

    levado em considerao para compreender, de uma perspectiva crtica, como esto sendo

    encaradas as novas propostas interativas e colaborativas em rede. Partimos, ento, para a

    compreenso do blog como fenmeno comunicativo e sua recente integrao s prticas

    jornalsticas.A metodologia descrita no Captulo III formulada para tratar e analisar um corpus de

    pesquisa extenso formado por 10 posts e 1.726 comentrios. O percurso metodolgico se

    divide em trs etapas distintas e vinculadas. A primeira apresenta e analisa os trs sujeitos

    envolvidos na comunicao: o jornalista Ricardo Noblat, os colaboradores (com foco na

    figura idiossincrtica de Maria Helena Rubinato) e os internautas. Privilegia-se a viso holista

    que mencionamos acima e que capaz de correlacionar as aes entre os sujeitos e explicar

    por que cada um tem um modo de insero e participao no blog. A segunda etapa

    quantitativa e tem como objetivo apresentar, por meio de grficos e tabelas, dados que ajudam

    a compreender como os comentrios so conformados pelo dispositivo. A aparente frieza dos

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    nmeros ajuda a explorar alguns padres detectveis pela anlise dos dez posts pesquisados.

    O conjunto de dados revela regularidades em uma escala temporal ampliada, j que o corpus

    abriga posts publicados entre agosto de 2005 e maro de 2007. Finalmente, a terceira etapa

    metodolgica concentra a ateno nos comentrios de apenas um dos posts que integram a

    relao inicial. Os comentrios so divididos entre dialogais e no-dialogais para uma anlise

    mais detalhada das trocas.

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    CAPTULO I INTERAES

    1.1 Interao e comunicao: imbricaes epistemolgicas

    Ligar o computador, conectar-se internet, enviar um e-mail, trocar mensagens via

    MSN2, ler as manchetes em um site de notcias, fazerdownloadde uma msica, publicar um

    artigo on-line. Sem dvida, tarefas que j se tornaram corriqueiras nestes anos iniciais do

    sculo XXI. A tecnologia ampliou-se de tal forma que quase impossvel transitar pelos

    centros urbanos sem ser tocado pelas redes telemticas. Basta observar a incrvel projeo

    social do sistema de telefonia mvel para constatar a presena disseminada de aparatos

    tecnolgicos que servem comunicao humana. Nossa marca neste mundo, nossa auto-

    representao rupestre, est inscrita em forma de pixels nos monitores de notebooks

    conectados uns aos outros e a servidores remotos por redes Wi-Fi3. No se trata de aclamar as

    novas tecnologias, mas sim, de uma constatao facilmente alcanada pelo olhar mais atento.

    Grande parte das atividades sociais realizada, hoje, atravs da mediao de aparatos tcnico-

    digitais. Diversos pensadores se dividiram e ainda se dividem - ao tecer crticas e odes

    questo tecnolgica. Por isso, argumentos no faltam para defender ou refutar as novidades da

    informtica.

    Sem fazer juzo de valor, cabe ressaltar que o espao social contemporneo

    permeado por instrumentos tcnicos que nos dotam, como nunca, de uma capacidade inerente

    a toda e qualquer atividade social e, portanto, de algo constituinte da prpria humanidade: a

    capacidade de interao. Alguns dizem que a ampliao das possibilidades de interao

    capaz de gerar uma nova gora democrtica. Outros argumentam que a qualidade das

    interaes est aqum daquela que se d face a face e, deste modo, empobrece as relaes.

    Mais uma vez, sem entrar no mrito da polmica, pode-se afirmar que as prticas corriqueiras

    descritas no incio do texto mascaram justamente pelo fazer cotidiano j naturalizado a

    real dimenso comunicativa que construmos incessantemente nas redes telemticas. Para

    compreender as relaes presentes no objeto desta dissertao, o blog, e as trocas que

    emergem neste objeto, devemos aprofundar a anlise sobre a interao e sua imbricao

    epistemolgica com o campo dos estudos comunicacionais.

    2 O Microsoft Service Network(MSN) um pacote de servios lanado em 1995. Contudo, o uso do termoMSN se refere, no cotidiano da internet, ao software que permite a troca sncrona de mensagens, seja entredois computadores ou vrios deles.3 Tecnologia de transmisso de dados por meio de ondas eletromagnticas, sem a utilizao de meios fsicos.

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    Interao no comunicao, como deixa evidente a perspectiva interacionista e

    situacionista apresentada por Mead (1953), pois o simples encontro ou manifestao de

    apenas uma das partes no garante a dinmica comunicativa (ao contrrio do que defendem

    alguns autores da corrente pragmtica). Mas tambm verdade que no h comunicao sem

    interao. Pode parecer uma afirmao trivial e rasteira, mas, sem partir de tal ponto inicial

    muitas vezes imperceptvel quando se busca a complexidade das relaes comunicativas ,

    corre-se o risco de perder o cerne da anlise. Se correto afirmar que o ciberespao 4

    prdigo em elementos que permitem aes interativas, faz-se necessrio analisar a

    importncia da interao como noo essencial ao campo de pesquisa em comunicao.

    justamente na conformao epistemolgica do campo de estudo comunicativo que

    se percebe a presena marcante do conceito de interao. Duarte (2003) chama a ateno parao fato de que a epistemologia uma forma de indagar a realidade, de verificar a conformao

    de um olhar investigativo sobre determinado tema. Mas o que conforma o olhar investigativo

    no campo de estudos da comunicao? Que epistemologia rege a anlise de cunho

    comunicacional? Segundo Duarte, uma busca etimolgica revela que pertencente a muitos,

    comungar, tornar comum, estar em relao so significados associados ao

    macroconceito5 de comunicao. Ora, se todos os significados acionados remetem relao,

    fica evidente que o olhar que dirige tais indagaes deve estar atento emergncia de umasuperfcie comum de troca. A pesquisa em comunicao deve se debruar sobre este

    terceiro plano cognitivo nascido no momento do encontro de percepes dos emissores e

    receptores: na potncia resultante das interaes. Da a constatao de que a comunicao

    uma virtualidade que se atualiza na relao (DUARTE, 2003, p.48).

    Um constante desafio para os estudos comunicativos compreender o paradigma que

    rege as anlises. Ao criticar a freqente negligncia quanto aos fundamentos tericos da

    comunicao, Frana (2002a) salienta que o paradigma algo anterior s teorias, j que setrata do esquema organizador do prprio aparato terico. De forma que o paradigma

    ultrapassa objetos e diz de uma determinada perspectiva analtica. Diversos autores partem de

    tal premissa para dizer que o objeto da comunicao vai alm de materialidades e no est

    restrito a recortes bem definidos de coisas do mundo. A especificidade vem do olhar, ou

    do vis, que permite v-las e analis-las como comunicao, isto , sua natureza

    4 O ciberespao no apenas a conexo mundial de computadores e servidores, mas o espao gerado por esta

    conexo tecnolgica com as redes sociais que de fato lhe do vida. A origem do termo atribuda obra defico Neuromancer, de Willian Gibson, publicada pela primeira vez em 1984.5 O macroconceito surge da articulao recproca de vrios conceitos e faz emergir uma determinada nooque atravessa todos os conceitos que lhe deram origem. (DUARTE, 2003, p.43)

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    comunicativa (FRANA 2002a, p.17). Quando se tem em foco o estudo comunicacional, a

    preocupao do pesquisador recai sobre o complexo jogo das interaes sociais. um olhar

    orientado para as interaes e seus resultados, observao que deve alcanar, sobretudo, o

    ponto de encontro das relaes, dos sentidos e do contexto:

    Em suma, a comunicao compreende um processo de produo ecompartilhamento de sentidos entre sujeitos interlocutores, realizado por meio deuma materialidade simblica (da produo de discursos) e inserido em determinadocontexto sobre o qual atua e do qual recebe os reflexos. (FRANA, 2002a, p.27)

    A comunicao se conforma na trade relao/sentido/contexto. A supervalorizao de

    um dos elementos leva ao risco de desvio para outras reas do conhecimento, que,

    evidentemente, possuem epistemologia e paradigmas prprios. Ao privilegiar o sentido a partir da materialidade simblica, por exemplo, o pesquisador pode fazer da mensagem seu

    objeto e omitir a real verificao analtica dos elos interativos entre os sujeitos da relao e o

    contexto que os engloba. Neste exemplo, a anlise pode gerar desdobramentos que so muito

    mais pertinentes aos estudos lingsticos ou sociolingsticos que, apesar da clara interface

    com a comunicao, possuem sua prpria forma de olhar para os objetos (mesmo que esta

    apresente alguns pontos de similaridade em relao epistemologia da comunicao).

    O mesmo movimento deve ser adotado no processo de caracterizao do sujeito alvode anlise das pesquisas comunicativas. O sujeito da comunicao no pode ser confundido

    com os sujeitos de outras reas do conhecimento sob o risco j apontado de se romper o

    paradigma comunicativo. O foco da comunicao no est exatamente no texto, nos grupos

    sociais, ou mesmo na cultura. A anlise perpassa todos estes ngulos, mas est

    intrinsecamente vinculada s relaes simbolicamente mediadas das quais faz parte o sujeito

    da ao, capaz de afetar e ser afetado pelo outro envolvido na mesma experincia. Os sujeitos

    da comunicao so, desta forma, sujeitos interlocutores, inscritos numa determinada

    estrutura comum (um contexto social), mas sobretudo sujeitos em experincia, afetados tanto

    pela co-presena como pela mediao simblica que os institui em plos de uma interao

    (FRANA, 2006, p.84).

    Imaginemos um sujeito inserido no contexto de nosso objeto: o internauta acessa o

    blog, l (ouve ou assiste a) o que o autor publicou, abre a caixa destinada aos comentrios,

    rapidamente l e se situa em relao s intervenes dos que j deixaram suas participaes e,

    ento, escreve e publica seu prprio comentrio. Outros internautas fazem o mesmo, logo em

    seguida, e criam, em poucos minutos (at mesmo em questo de segundos), uma teia de

    relaes extremamente ampla. Nosso olhar deve estar atento para captar a interface na qual o

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    sentido emerge, a partir das diversas relaes estabelecidas por meio da linguagem, que serve

    de mediao simblica naquele ambiente telemtico (contexto). Aqui, seguir o paradigma

    comunicativo significa buscar a todo custo apreender o terceiro plano cognitivo que no

    havia antes do encontro de todas as partes dialogantes (DUARTE, 2003, p.51). Nosso

    interesse est nos vetores resultantes do embate de foras que caracterizam as trocas

    comunicativas. As diversas falas no devem ser analisadas isoladamente, mas no mago da

    conversao, visto que o foco est no sujeito da ao que afeta e afetado pelos demais

    participantes daquela experincia. Encontrar as marcas desta mtua afetao e analis-las a

    tarefa qual nos entregamos.

    Mas compreender um blog como objeto remete a outra importante questo que j

    tangenciamos acima, mas no discutimos: afinal, qual o objeto da comunicao? Para Braga(2001), tanto o objetivo quanto o objeto da comunicao so observar como a sociedade

    conversa com a sociedade, proposta que inclui os meios de comunicao de massa, mas que

    no os caracteriza como perspectiva nica. O autor argumenta que a mdia objeto abundante

    nos estudos em comunicao porque exps como nunca o campo de problematizao da rea.

    Alm disso, verifica-se a importncia dos meios de comunicao de massa na

    contemporaneidade e sua penetrabilidade nos processos no-miditicos, ou seja, em todas as

    esferas da vida social. Apesar de sua indubitvel fora, rdio, TV, jornal e internet podem serencarados como objetos privilegiados, mas a anlise comunicativa no se encerra neles, pois o

    complexo jogo das interaes est inserido em uma sociedade mediatizada e na globalidade

    da vida social que se do as trocas comunicativas. No se pode tomar a mdia como elemento

    independente e exterior sociedade.

    A mdia nos deu palavras para dizer, as idias para exprimir, no como uma foradesencarnada operando contra ns enquanto nos ocupamos com nossos afazeres

    dirios, mas como parte de uma realidade de que participamos, que dividimos e quesustentamos diariamente por meio de nossa fala diria, de nossas interaes dirias.(SILVERSTONE, 2002, p.21)

    Tambm fundamental destacar que no apenas em circunstncias de trocas

    sncronas que h interao. Trata-se de uma mirada de grande alcance, mas que est longe da

    perspectiva holista responsvel muitas vezes por ampliar demais o escopo da comunicao e

    torn-la um terreno passivamente atravessado por outras reas do conhecimento. Diante de tal

    exposio, legtimo afirmar que um livro interativo, pois a interao est, neste caso,

    intimamente ligada produo e capacidade de edio. A interao diferida no tempo e

    difusa no espao. No uma noo da ordem somente do aqui e agora, mas algo que pode

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    se dar de forma espao-temporalmente dispersa. Nossa premissa bsica que, se um produto

    meditico posto em circulao na sociedade, e efetivamente circula, h inevitavelmente

    interao (BRAGA, 2000, p.116). O processo criativo do autor est impregnado de dados ou

    suposies sobre o pblico ao qual o livro se dirige. Quando o livro finalmente atinge seu

    pblico-alvo, os leitores ento iniciam o processo de edio do produto e justamente esta

    capacidade de edio que garante as interaes diferidas e difusas entre homem/produto ou

    homem/meio de comunicao, alm, claro de relaes entre interlocutores a partir e sobre os

    produtos. Como magistralmente exposto por Martn-Barbero (1997, p.290), necessrio

    deslocar a ateno dos meios s mediaes: Foi necessrio perder o objeto para que

    encontrssemos o caminho do movimento social na comunicao, a comunicao em

    processo. uma afirmao perigosa, porque pode deslocar a anlise para o campo da culturae tratar os meios como elementos secundrios, quando a imbricao de ambos necessria

    (BRAGA, 2001). Entretanto, a concluso de Martn-Barbero ajuda a tornar mais claro o

    campo epistemolgico da comunicao ao desenraizar a pesquisa dos meios e ampliar os

    olhares para a relao entre os meios e a sociedade.

    Um livro, um jornal, um filme devem ser encarados como uma conversa da sociedade

    com a prpria sociedade, tal como exposto anteriormente. uma viso que refuta as

    definies que tomam a priori determinados meios ou produtos como interativos, emdetrimento de outros. comum ouvir dizer que a internet interativa, enquanto a televiso

    ou o jornal impresso so meios que privilegiam uma relao passiva. Foi contra esta

    perspectiva simplista e equivocada que Braga (2000) props o subsistema crtico-

    interpretativo, segundo o qual a sociedade deve se munir de competncias gerais para

    interagir em torno de um produto, caso contrrio, o mesmo produto ser menos competente

    para estimular uma boa interatividade. Em seguida, o subsistema crtico-interpretativo foi

    refinado pelo autor e deu espao ao subsistema de resposta social (BRAGA, 2006), no qual aresposta se refere ao que a sociedade de fato faz com sua mdia, ou seja, as aes que se

    realizam no contexto social. uma percepo que retira a suposta bipolaridade dos

    subsistemas de emisso e de recepo, afastando tambm a dualidade que pe em lados

    opostos a mdia e a sociedade.

    Todas as consideraes feitas at aqui so importantes para o desenvolvimento da

    presente pesquisa. Ao analisarmos um blog como objeto comunicativo, devemos ter em mente

    a amplitude e complexidade deste objeto. O blog um produto posto em circulao tal

    como descreve Braga e, portanto, passvel de gerar interaes diferidas e difusas a partir da

    capacidade de edio dos internautas. Mas o blog tambm permite um tipo de interao entre

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    os prprios internautas que, munidos de instrumental simblico (linguagem verbal) e tcnico

    (compreenso das ferramentas presentes no prprio blog) promovem trocas argumentativas

    capazes de conformar interaes sncronas do tipo dialogais. Tratamos tanto do instante

    relacional das trocas dialogais quanto das relaes diferidas e difusas dos atores presentes na

    ao com o produto blog. Em suma, partimos em busca das dinmicas interativas entre

    sujeitos da comunicao (internautas que se afetam mutuamente na co-presena, mesmo que

    esta se faa por intermdio da rede digital) mediados simbolicamente (pelo signo verbal) em

    um determinado contexto (blog em escala micro e a prpria internet em escala macro).

    Com a exposio acima, procurou-se demonstrar a centralidade das interaes nos

    estudos comunicacionais. Agora, cabe avanar no prprio conceito de interao a partir de

    contribuies de pesquisadores que desenvolveram a base terica a partir da qual este trabalhose desenvolve. O objetivo revelar a extensa dimenso do conceito para iniciar o recorte

    terico-metodolgico que pretendemos adotar na presente pesquisa.

    1.2 As bases tericas da interao

    Se interatividade uma das palavras mais usadas para descrever a comunicao

    mediada por computador, pouco se pode extrair dela sem o necessrio percurso que se inicia

    com o conceito de interao. O dicionrio eletrnico Houaiss6 fornece valioso auxlio ao

    afirmar que interatividade a qualidade do interativo e interativo algo relativo

    interao. O caminho para a completa compreenso das relaes sociais e comunicativas ,

    portanto, interao interativo interatividade, e no o contrrio. Dizer que algo

    interativo ou gera interatividade pode levar a anlises confusas e negligentes se os termos

    forem afastados do significado de interao. De volta ao dicionrio, verifica-se que interaopode significar:

    1 - influncia mtua de rgos ou organismos inter-relacionados;

    2 - ao recproca de dois ou mais corpos;

    3 - atividade ou trabalho compartilhado, em que existem trocas e influncias recprocas;

    4 - comunicao entre pessoas que convivem; dilogo, trato, contato.

    6 http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm. On-line. Acesso em 15/08/2007.

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    Influncia mtua, ao recproca, trocas, comunicao, so termos que

    revelam o potencial da interao. Mas como apreender tais significados com um aparato

    terico e metodolgico que privilegia a comunicao massificada, freqentemente descrita

    pelo modelo um-todos?7 As teorias que servem s anlises dos meios de comunicao de

    massa tendem a polarizar a relao produtor emissor. Mesmo quando o foco recai sobre a

    mensagem ou a circulao das mensagens, quase sempre se tende a apontar certa supremacia

    de uma das extremidades: aquele que emite ou aquele que recebe. Bem diferente o desafio

    ao qual nos lanamos ao analisarmos um blog jornalstico a partir das vrias vozes capazes de

    se afetar mutuamente. A conversao causa e conseqncia, algo que funda e constitui o

    ambiente comunicativo. O que importa a reciprocidade mediada simbolicamente entre os

    sujeitos envolvidos na trama comunicativa.O socilogo alemo Georg Simmel nunca sonhou com a internet, suas reflexes se

    limitaram s relaes face a face, mas seu pensamento instaura a noo de interao como

    processo social bsico. Trata-se de uma forma de abordar a sociedade que se distancia da

    proposio de mile Durkheim, para quem h uma preponderncia da sociedade sobre o

    indivduo. Ao contrrio, Simmel delimita um social procedente das trocas, das relaes e

    aes recprocas entre indivduos, um movimento intersubjetivo, uma rede de afiliaes

    (MATTELART, 2004, p.25). A sociedade passa a ser encarada como algo inexoravelmentevinculado aos indivduos e suas relaes, proposio que se afasta diametralmente da

    concepo da sociedade como exterior ou superior aos sujeitos. Toma-se a imagem de uma

    sociedade que acontece ou que est acontecendo, em clara oposio imagem da sociedade

    esttica.

    No entanto, uma das armadilhas do pensamento de Simmel diz respeito ao par forma-

    contedo. A sociologia por ele proposta trata de formas da vida social ou formas de interao.

    So as formas que permitem apreender os movimentos de sociao

    8

    e dissociao. Hanke(2002) explica que a prpria sociabilidade ou o estar junto , para Simmel, uma forma

    7 Denominao usada para caracterizar a comunicao na qual h um centro produtor e difusor capaz de irradiara informao para uma grande gama de receptores com nenhuma ou pouca participao no processo decisriosobre a mensagem original. Ope-se ao modelo um-um (dialogal) e todos-todos (comumente associado aopotencial das novas tecnologias da comunicao).8 Para Simmel, enquanto a sociao constituda pelos impulsos dos indivduos, seus motivos, interesses eobjetivos e pelas formas que esses contedos assumem, a sociabilidade um exemplo de sociologia pura ouformal, ou seja, no tem contedo. Isso porque, segundo o autor, os contedos e as formas no so colados ouconectados para sempre; formas que serviram para satisfazer certas necessidades podem ganhar autonomia

    (HANKE, 2002, p.130). De maneira que a sociabilidade no demonstra desequilbrios e s alcanadaartificialmente.

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    autnoma de sociao. O contedo, segundo ele, deveria ser tratado por outras reas das

    cincias sociais. Da o perigo de se abordar as interaes pelas formas e condenar o contedo

    a um segundo plano (ou, por vezes, prpria ausncia) nas anlises. Porm, o prprio

    pensador tratou de dirimir tais dvidas ao afirmar que forma e contedo so elementos

    inseparveis, e a forma s pode ser construda terica e metodologicamente por abstrao.

    Maia (2002, p.13) refora o alerta ao expor que privilegiar a dimenso da espontaneidade da

    sociabilidade, num dado tipo de jogo totalmente descompromissado, pode levar a diversos

    equvocos. Um destes equvocos atribuir ao sujeito uma liberdade absoluta de tudo

    determinar, deixando de lado as evidentes assimetrias estruturais presentes nos processos de

    interao. Tais assimetrias so reveladas justamente pelo contedo partilhado.

    Explicitada a necessidade de se unir forma e contedo nas anlises de interao, caberessaltar um tema bastante abordado por Simmel: o conflito. Para ele, no h nas interaes

    sociais uma harmonia absoluta e as relaes humanas se alimentam da dinmica de diversos

    vetores, entre os quais o conflito, que uma das diversas formas de sociao. O autor cita

    como exemplo o sistema de castas na ndia, que no mantido unicamente na pretensa

    estabilidade da hierarquia como se o simples fato de coexistirem superiores e inferiores

    bastasse para explicar a segregao. As castas tambm se alimentam da repulso mtua como

    algo que sustenta as relaes. A oposio um elemento da prpria relao de maneira que asforas convergentes e divergentes se sucedem incessantemente nas interaes.

    Se o conflito est presente em macrossistemas histricos como a diviso de classes na

    ndia, tambm estaria presente em ambientes contemporneos de menor escala? Interessa-nos

    olhar relaes dialogais em ambiente digital. No blog, as interaes so discursivamente

    mediadas pela linguagem verbal e o par convergncia-divergncia parece nortear as relaes.

    Na busca pelo momento da troca, podemos nos apropriar das consideraes de Simmel para

    iniciar a compreenso das dinmicas interativas presentes no blog jornalstico. As possveiscombinaes entre sujeitos envolvidos na relao instauram uma gama potencialmente

    infinita de possibilidades interativas, como no exemplo a seguir:

    Comea com a ao de A em benefcio de B, desloca-se para o benefcio do prprioA sem beneficiar B, mas tambm sem prejudic-lo, e finalmente torna-se uma aoegosta de A custa de B. Na medida em que tudo isso repetido por B, emboradificilmente do mesmo modo e nas mesmas propores, surgem as combinaesinumerveis de convergncia e divergncia nas relaes humanas. (SIMMEL, 1983,p.132)

    O legado de Simmel influenciou (e ainda influencia) as geraes posteriores, sendo

    possvel captar suas idias fundamentais em diversos autores e textos. Um exemplo claro de

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    pensamento influenciado pela perspectiva formalista de Simmel aparece nas anlises do

    socilogo francs Michel Maffesoli, que apreende as relaes contemporneas justamente

    pelas aes em escala microssocial de atrao e repulsa. Segundo ele, as interaes ocorrem

    em um ambiente altamente instvel caracterizado pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e

    pela disperso. assim que podemos descrever o espetculo da rua nas megalpoles

    modernas. (MAFFESOLI, 2006, p.132).

    Outro pensador que contribuiu para as pesquisas em comunicao interpessoal

    George H. Mead. Sem nunca ter publicado um livro em vida, uma de suas obras pstumas,

    Mind, Self and Society, apresenta um valioso paradigma para a anlise das interaes,

    reforando mais uma vez a impossvel dissociao entre sociedade e indivduo. A obra de

    Mead fundamental por tratar o processo comunicativo em sua globalidade, trabalhar comsituaes concretas e privilegiar a linguagem como elemento necessrio compreenso das

    interaes.

    A anlise parte de trs operadores, que, segundo Frana (2007), podem ser apropriados

    da seguinte forma: esprito ou mind9 (inteligncia reflexiva do animal humano), selfou pessoa

    (personalidade social do indivduo) e sociedade (atividade cooperativa de indivduos em

    interao). Para Mead (1953), o que proporciona a interao o gesto de um organismo

    capaz de gerar reaes adequadas em outro organismo. No entanto, a conversao de gestosno algo que diferencia os seres humanos dos demais animais. Em uma colmia, o gesto de

    um grupo de abelhas capaz de provocar alteraes na atitude dos outras abelhas. Se as

    sentinelas do o sinal de que alguma ameaa est por perto, todas as demais iro adaptar sua

    atitude em funo do gesto inicial que despertou as reaes subseqentes. Assim, o gesto o

    incio do ato que serve como estmulo para a reao dos outros indivduos. Mas, se a

    conversao por gestos pode ser observada em outros animais por meio do par estmulo-

    resposta (linha behaviorista stricto sensu), o que define a interao humana? Mead respondeque a capacidade de transformar um gesto em algo significante, um smbolo. Para adquirir

    um significado durante a interao, o gesto deve ser capaz de provocar no primeiro indivduo

    a reao que provoca no outro. Este o mecanismo que permite a um dos sujeitos presente no

    ato social adotar as atitudes dos demais envolvidos na troca. Tambm o mecanismo que faz

    emergir a capacidade humana de pensar reflexivamente:

    A existncia do esprito ou da inteligncia s possvel em termos de gestos como

    smbolos significantes; porque s em termos de gestos que so smbolos

    9 Consultamos nesta pesquisa a obra em espanhol, que traduz mindcomo espiritu e selfcomo persona.

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    significantes, que pode existir o pensamento que simplesmente uma conversaosubjetivada ou implcita do indivduo consigo mesmo por meio de tais gestos. Ainternalizao em nossa experincia das conversaes de gestos externos quelevamos adiante com outros indivduos no processo social a essncia dopensamento. (MEAD, 1953, p.90)

    No exemplo da colmia no h reflexividade, mas sim uma reposta a um determinado

    estmulo enviado pelas abelhas sentinelas. A ao destas no apresenta qualquer subjetividade

    que indique a introspeco de atitudes externas. No h pensamento reflexivo no instinto. Na

    comunicao humana, o pensamento obriga o indivduo a lidar com a alteridade, ao se colocar

    no lugar do outro para provocar no prprio indivduo aquilo que quer expressar. Na teoria de

    Mead, a seletividade a capacidade humana de absorver um estmulo e escolher dentre as

    vrias reaes possveis a melhor para um determinado momento interativo. A diferena evidente, pois, sempre que atacadas, as abelhas respondero da mesma forma ao estmulo.

    Mead concebe a linguagem como fenmeno de interao fundamental na emergncia

    da personalidade do indivduo (self) em bases reflexivas. Isso porque, para existir

    comunicao, o smbolo utilizado deve apresentar significado comum para todos os

    participantes. A significao, ou seja, a interpretao do gesto deve levar em conta o contexto

    social da linguagem em sua dimenso relacional. As significaes surgem na experincia

    social mediada pela linguagem. O self emerge somente a partir da capacidade de assinalarsignificaes aos outros e a si mesmo. no momento da interao comunicativa que surge a

    autoconscincia: A importncia do que denominamos comunicao reside no fato de que

    proporciona uma forma de conduta em que o organismo ou o indivduo pode converter-se em

    um objeto para si (MEAD, 1953, p.170).

    Tal explicao fundamental para nossa pesquisa, com a necessria transposio do

    tipo de interao face a face, descrito pelo interacionismo simblico, para a interao mediada

    por computador. Em um blog, as interaes se do a partir do aparato verbal (escrito). As

    relaes so possveis porque h uma superfcie comum de troca: a linguagem. E no

    contexto social da linguagem que possvel a afetao mtua dos indivduos a partir de gestos

    significantes. Imaginemos a interao no blog entre dois sujeitos hipotticos chamados Rafael

    e Tiago. Rafael deixa um comentrio no blog: Todos vocs so petistas! Ningum aqui

    imparcial. Tiago recebe o estmulo gerado pela mensagem e deve reagir ao gesto significante

    de Rafael. Para interagir, ele deve agir reflexivamente para produzir em si mesmo aquilo que

    quer produzir no outro, para que consiga expressar reflexivamente. S ento, Tiago diz: No

    sou petista, voc que s enxerga um lado da questo. A rplica de Rafael resposta de

    Tiago ser formulada a partir do significado que emerge da primeira interao e vai

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    representar algo que Rafael experimenta nele mesmo para tentar atingir os resultados que

    deseja em Tiago. Interessa-nos esse jogo contnuo de estmulos e respostas sucessivas

    atualizado em aes reflexivas e com significado comum para os participantes. No exemplo

    forjado tambm deixamos evidente a importncia do par convergncia-divergncia que opera

    o conflito em processos interativos, tal como exposto anteriormente na perspectiva de

    Simmel. Contudo, ao contrrio das interaes pesquisadas tanto por Mead quanto por

    Simmel, a mediao ocorre em terreno estritamente verbal, pois no h outras deixas

    simblicas presentes na interao face a face.

    Outra referncia clssica nos estudos de interaes interpessoais face a face Erving

    Goffman. Em sua obra seminal A representao do eu na vida cotidiana, o autor encara o

    mundo como uma reunio e prope a anlise das interaes com base na representao teatral,a partir da qual possvel dividir os participantes da interao entre atores (aqueles que

    representam) e platia (aqueles para quem se representa). Os relacionamentos so tratados

    como encenaes porque o pesquisador acredita que a prpria vida permeada por aes

    dramticas nas quais cada indivduo capaz de interagir adequadamente em diversas esferas e

    situaes por dominar certo estoque de papis. Assim, a interao deve ser encarada como um

    tipo de jogo de informao, um ciclo potencialmente infinito de encobrimento,

    descobrimento, revelaes falsas e redescobertas (GOFFMAN, 1975, p.17).Goffman argumenta que as interaes entre atores e platia(s) ocorrem na regio de

    fachada, que o lugar onde a representao executada. Geralmente, a fachada caracteriza-se

    por um tipo padronizado de representao empregado durante a encenao. Trata-se de uma

    forma geral e fixa usada pelos indivduos que representam para obter a resposta desejada da

    platia. Aqui tambm fica evidente a importncia vital da linguagem, como tratado acima na

    perspectiva de Mead, pois, para interagir com sucesso na regio de fachada, o ator deve

    apresentar tanto um bom domnio da mediao simblica quanto demonstrar familiaridade nasua manipulao.

    Goffman salienta que o momento define a fachada e no o contrrio, ou seja, o

    contexto determina o padro da interao. Num exemplo simples, pode-se afirmar que um

    professor diante dos alunos ativa uma regio de fachada j institucionalizada a partir de

    esteretipos socialmente constitudos, para determinar o rumo da interao. Mas as relaes

    no so simples cadeias de estmulo de emissores ativos e resposta de receptores passivos,

    como pode dar a entender a presente exposio. Para tentar garantir o sucesso da encenao,

    os atores devem combinar as aes que sero realizadas para o pblico. Tais combinaes

    ocorrem na regio de fundo ou, simplesmente, nos bastidores. uma regio que somente pode

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    ser acessada pelos atores, longe do alcance da platia, mas que est diretamente relacionada

    representao. Os bastidores funcionam como lugar onde os indivduos responsveis pela

    representao interagem entre si para determinar os papis que sero desenvolvidos e as

    estratgias para obter os melhores resultados da platia. Um professor pode se reunir com

    outros professores durante os intervalos entre as aulas e, longe dos olhares dos alunos, trocar

    experincias sobre as atividades educacionais, debater determinadas atitudes de alguns

    estudantes e decidir sobre as formas de sanar problemas decorrentes da indisciplina de parte

    dos garotos. Na regio de fundo o professor pode chamar um aluno de estpido ou

    incapaz, mas nunca usaria tais termos diante do aluno como integrante da platia na regio

    de fechada. H, portanto, uma intensa negociao entre as regies de fachada e de fundo. O

    controle de ambas pelos atores fundamental para o processo interativo. Prosseguindo noexemplo anterior, se um aluno escuta no corredor a conversa entre dois professores sobre um

    outro estudante que pode ser expulso por indisciplina, ento a regio de fundo foi maculada

    pela presena de um no-ator. De forma que os professores (atores) devem redefinir as

    estratgias para no haver o comprometimento de toda a encenao diante dos alunos

    (platia). Goffman (1975, p.132) afirma que um problema bsico de muitas representaes,

    portanto, o do controle da informao. O pblico no deve adquirir informaes destrutivas

    a respeito da situao que est sendo definida para ele.Assim, chega-se a outra importante contribuio de Goffman para a anlise das

    interaes: as noes de equipe e cooperao. Equipes so grupos de indivduos que

    cooperam intimamente no complexo jogo das encenaes. A prpria encenao deve ser

    analisada como um ato cooperativo entre as equipes e a as platias.:

    Quando os indivduos no esto familiarizados com as opinies e status dos outros,ocorre um processo de sondagem e atravs dele o indivduo manifesta seus pontos

    de vista ou status a um outro pouco a pouco. Depois de afrouxar um pouquinho asua cautela, espera que o outro mostre por que seguro que ele aja desta forma e,depois desta garantia, pode com segurana diminuir sua cautela um pouco mais.Exprimindo de maneira ambgua cada passo na admisso, o indivduo tem condiesde sustar o procedimento de abandonar sua fachada no momento em que no receberconfirmao do outro, e neste ponto pode agir como se a ltima revelao no fossede modo algum uma abertura. (GOFFMAN, 1975, p.178) Grifo nosso.

    O blog reconfigura sem, no entanto, descartar a teoria de Goffman. A observao

    constante revela a existncia de alguns grupos de internautas que se agregam em equipes. Os

    participantes parecem se agrupar a partir do assunto debatido e os dilogos transcorrem como

    uma conversao ampla segundo pontos de vista compartilhados por grupos de participantes

    que se agregam naquele momento para conquistarem reforo argumentativo. No h regio de

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    fundo, mas as equipes se formam. O blog promove encontros entre pessoas que no se

    conhecem, mas que apreendem os enunciados alheiros para participarem do debate. As

    equipes so formadas na regio de fechada, pois esta a nica acessvel. A mediao

    tecnolgica altera profundamente as bases da comunicao sem, entretanto, impossibilitar a

    prpria comunicao. As pessoas continuam a promover unies e debates entre pontos de

    vista diferentes, mas a maneira como ocorrem as unies radicalmente alterada. No h um

    compartilhamento prvio de pensamentos entre os internautas. Tudo transcorre no espao-

    tempo do blog. No se pode confundir as equipes com grupos socialmente organizados, visto

    que no momento da relao que as mesmas realmente se constituem.

    Outras importantes figuras destacadas por Goffman so o diretor e o intermedirio. O

    primeiro tem a capacidade de controlar a ao dramtica, enquanto o segundo algumcolocado margem da relao direta e pode mediar as aes das equipes que se encontram no

    momento da encenao. Ora, o dono do blog pode ser tanto diretor quanto intermedirio, ou

    at mesmo lidar com ambas as funes simultaneamente da forma que melhor lhe convier. Ao

    atuar como diretor, o dono do blog pode delimitar o tema, impor papis e impor a formao

    de equipes ao escrever umpostcom a frase Vocs so petistas ou tucanos?. Bem como um

    diretor, cabe ao blogueiro ditar as regras para se publicar comentrios e at mesmo apagar

    aqueles que considera necessrio excluir. Mas a tnue linha que separa as funes tambmpode ajudar o dono do blog a se tornar um intermedirio, dando a entender s diversas equipes

    que est ali para ajudar a resolver impasses. Da mesma forma, o dono do blog pode eleger um

    ou mais participantes da interao para assumir a funo de intermedirio. O ambiente

    conversacional do blog tende a criar um complexo jogo de alternncia de papis (lugares de

    fala e de observao) onde uma torrente de conversas informais pode, de fato, ser

    considerada como a formao e reformao de equipes e a recriao de intermedirios

    (GOFFMAN, 1975, p.141).No final dos anos 1940, portanto antes da obra exordial de Goffman, uma importante

    linha de pensamento contaminou reas to diversas como a matemtica, a biologia e as

    cincias humanas. A ciberntica, termo fundado e desenvolvido pelo matemtico norte-

    americano Norbert Wiener, tem como objetivo geral analisar as relaes de controle tanto em

    seres vivos quanto em mquinas a partir da comunicao. Empenhado em projetos para o

    governo dos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial, como a construo de armas para

    se atingir alvos mveis (tarefa que se vale fundamentalmente de perspectivas probabilsticas),

    Wiener refuta a cadeia linear de causa e efeito. Segundo ele, os sistemas so realimentados

    pelas informaes em um modelo circular. Tal teoria vale tanto para as mquinas

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    computacionais quanto para as atividades sociais. verdade sem dvida que o sistema social

    uma organizao que (...) vinculada por um sistema de comunicao, e possui uma

    dinmica em que processos circulares de tipo feedback (realimentao) desempenham

    importante papel (WIENER, 1970, p.50). Compreender o carter empregado ao termo

    feedbackno mbito da ciberntica essencial para no se retornar lgica linear e causal de

    estmulo-resposta. A lgica circular conceitualmente bastante diferente da teoria matemtica

    da comunicao fundada pelo tambm norte-americano Claude Shannon, que estuda a

    transmisso de informao de um ponto a outro com a mxima economia de sinais e um

    mnimo de interferncia (MATTELART, 2004, p.58). O feedbacksustentado por Wiener no

    apenas a resposta (ou uma simples transmisso de informao) advinda de um estmulo, mas

    a resposta que vai alterar a fonte estimuladora e recriar os mecanismos a partir da lgica derealimentao do sistema. As diversas dcadas que separam o tempo presente da formulao

    da teoria de Wiener no a tornaram obsoleta para pensar contextos comunicacionais

    contemporneos. Segundo Mige (2000, p.33), o modelo ciberntico continua a ocupar uma

    importante posio nas reflexes sobre a comunicao, certamente, de maneira prioritria

    entre os especialistas das tecnologias da informao e da comunicao.

    Por se tratar de um pensamento amplo e aplicvel s mais diversas reas do

    conhecimento, Norbert Wiener trabalhou em conjunto com uma vasta gama de pesquisadores,entre os quais o antroplogo Gregory Bateson. A anlise de Bateson sobre as interaes

    humanas parte, portanto, de uma viso profundamente integrada do sistema no qual as partes

    se afetam a partir de mecanismos complexos de retroao. Parte-se do princpio de que o todo

    da relao a unidade de anlise, e no os indivduos tomados de forma estanque. Inexiste a

    primazia de um emissor sobre um receptor, j que a ao conjunta a essncia do processo.

    Qualquer pretensa passividade isolada definitivamente pelas slidas razes instauradas pelo

    modelo ciberntico. O foco no est naquilo que um sujeito faz com um estmulo enviado poroutro sujeito, mas no que ambos constroem de maneira ativa durante a interao, que por sua

    vez realimentada incessantemente pelas aes de cada um dos envolvidos na dinmica. H,

    sem dvida, um importante paradigma emergente do carter integrado e retroativo das

    interaes:

    correto (e uma grande melhora) comear a pensar sobre as duas partes dainterao como dois olhos, cada um fornecendo uma viso monocular do que estacontecendo, e juntos, dando uma viso binocular em profundidade. Essa duplaviso o relacionamento. (...) No h dvida que existe um aprendizado no sentidomais particular. Existem mudanas em A e mudanas em B que correspondem dependncia-apoio do relacionamento. O relacionamento, entretanto, vem primeiro;eleprecede. (BATESON, 1986, p.141)

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    De volta ao nosso objeto de pesquisa, consideramos o blog como um ambiente

    constitudo na conversao. Todo internauta, ao digitar no navegador10 o endereo eletrnico

    que leva ao blog, credencia-se como possvel agente na incessante troca comunicativa. Se ele

    deixa algum comentrio, passa imediatamente a compor o espectro de nosso estudo. Mas se

    nos apropriarmos deste ou de outros internatutas (por meio dos comentrios publicados) de

    forma isolada, corremos o risco de no alcanarmos os objetivos da pesquisa. A viso

    binocular em profundidade de Bateson nos alerta para a armadilha de se olhar isoladamente

    para os indivduos que participam do debate. Para apreender a interao e, por conseguinte,

    para se compreender os prprios internautas, devemos olhar as aes correlatas, o conjunto da

    cena configurada pela relao. A viso binocular alcana os elementos que se fundem em um

    elo indissocivel.Diretamente influenciados pelo pensamento de Bateson e, portanto, pelos pressupostos

    da ciberntica de Wiener, os pesquisadores Paul Watzlawick, Janet Beavin e Don Jackson,

    reunidos na dcada de 1960 em Palo Alto, do consistncia terica pragmtica da

    comunicao. A viso sui generis sobre a comunicao adotada por estes pesquisadores pode

    ser bastante controversa, mas a perspectiva sistmica e integrada das interaes , sem dvida,

    um avano fundamental para a compreenso das trocas comunicativas.

    Os pragmticos partem da premissa de que no se pode no comunicar. De tal pontode partida se extrai que a comunicao ocorre mesmo sem intencionalidade e sem uma

    compreenso mtua. Ora, uma proposta que amplia o domnio da comunicao a uma

    dimenso to alargada que se torna quase impossvel a tarefa de dar especificidade ao termo.

    A perspectiva pragmtica nos leva a inferir que um operrio, ao usar uma britadeira para

    quebrar o asfalto prximo casa de um estudante, comunica-se com este, pois o barulho

    resultante da ao do primeiro atrapalha a concentrao do segundo11. Parece at mesmo

    haver um paradoxo entre a forma de enquadrar a comunicao e a maneira de trat-laanaliticamente por tais pesquisadores j que, segundo Watzlawick, Beavin e Jackson (1967,

    p.47), qualquer comunicao implica um cometimento, um compromisso; e, por conseguinte,

    define a relao. Fica evidente que no h qualquer compromisso entre o operrio e o

    estudante no exemplo anterior.

    Apesar das possveis crticas, as explanaes especficas da teoria pragmtica, os

    pensadores desta linha forneceram relevantes avanos sobre as anlises dos relacionamentos,

    10Software de interface grfica desenvolvido para acessar a Internet, a exemplo doInternet Explore e doMozilaFirefox.11 Nosso exemplo inspirado no relato de WatzlawickapudMattelart, 2004, p.70.

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    dentre as quais o problema do vcio de origem, a pontuao da seqncia de eventos e a

    abordagem da comunicao como sistema aberto. O vcio de origem e a pontuao das

    seqncias de eventos podem ser facilmente identificados por uma frase usada

    corriqueiramente durante os relacionamentos: Foi voc quem comeou. Uma srie

    comunicacional apresenta para os observadores externos uma seqncia ininterrupta de trocas,

    mas os participantes da interao pontuam os eventos de modo a pretender sempre encontrar

    um comeo, o que , segundo os autores da teoria, um erro comum, j que os termos de causa

    e efeito tomados de forma estanque no so aplicveis em virtude da circularidade da

    interao em curso. Contudo, a pontuao fornece um quadro de referncia traado pelas

    partes envolvidas a seu prprio modo para organizar e definir a relao. Apesar de falha do

    ponto de vista formal, j que tende a isolar os estmulos e as respostas, a pontuao serve paraque o relacionamento seja interpretado pelas partes. Duas naes inimigas que se armam

    justificam suas aes como conseqncia de uma causa externa (o fato de outra nao se

    armar e, portanto, evitar um desequilbrio de foras), quando, na verdade, ambas interagem

    em uma corrente de realimentao contnua gerada pelo prprio relacionamento. O que h de

    tpico na seqncia e a torna um problema de pontuao que o indivduo em questo s se

    concebe reagindo a essas atitudes e no as provocando. (WATZLAWICK, BEAVIN,

    JACKSON, 1967, p.89). Assim, o vcio de origem revela que, para os participantes, ainterao uma srie pontuada e tal pontuao leva a resultados diferentes, embora

    interconectados, para os indivduos envolvidos em uma mesma relao. A interpretao do

    relacionamento depende fundamentalmente do modo de se encarar as seqncias.

    A perspectiva sistmica dos pragmticos, bem como as idias centrais de Bateson,

    tambm acentua o todo em detrimento das partes. uma maneira de se apropriar dos

    fenmenos que afasta a possibilidade de analisar a interao pela somatividade da partes, ou

    seja, chegar ao falso resultado da interao pela decomposio de A e de B. Pelo contrrio, Ae B so indissociveis na relao. Os sistemas tomam as relaes como unidades: Os objetos

    dos sistemas interacionais so melhor descritos no como indivduos mas como pessoas-

    comunicando-com-outras-pessoas. (WATZLAWICK, BEAVIN, JACKSON, 1967, p.109).

    Mais uma vez h o reforo da perspectiva integrada proposta anteriormente por Bateson.

    Alm de privilegiar a globalidade da interao, a teoria dos sistemas tambm acentua a

    inexorvel juno entre as partes e o todo, de forma que as alteraes em um dos elementos

    reconfiguram as relaes em todas as escalas do prprio sistema:

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    Toda e qualquer parte de um sistema est relacionada de tal modo com as demaispartes que uma mudana numa delas provocar uma mudana em todas as partes eno sistema total. Isto , um sistema comporta-se no como um simples conjunto deelementos independentes, mas com um todo coeso e inseparvel.(WATZLAWICK, BEAVIN, JACKSON, 1967, p.112)

    Os pragmticos analisam as relaes como sistemas abertos que, ao contrrio dos

    sistemas fechados, no so determinados pelas condies iniciais. Nos sistemas fechados,

    uma falha na condio inicial pode levar a um resultado errado ou at mesmo impossibilitar

    qualquer objetivo previamente traado para se atingir um resultado. Um software um

    exemplo de sistema fechado em que um eventual erro em uma das linhas de programao

    inviabiliza toda a cadeia de fatos que deveria transcorrer aps o ponto em que houve o

    problema. J nos sistemas abertos, h inmeras possibilidades de se chegar a um determinadoresultado, visto que as prprias relaes que se desenvolvem durante o processo geram

    configuraes mltiplas capazes de afetar todos os demais componentes que se ajustam

    continuamente. De forma ampliada, enquadrar um blog como sistema significa encar-lo em

    relao a diversos outros sistemas, tais como a Internet (e ento o blog seria um subsistema

    em relao a este) ou escrita como sistema de representao lingstica. Tambm podemos

    pensar o blog como um subsistema em relao ao sistema de mdia. Assim, nos afastamos da

    tentao sempre presente no momento de reflexo de analisar o objeto de estudo sem a

    necessria contextualizao ou como elemento desgarrado dos demais objetos que habitam o

    mundo.

    A compresso sistmica interliga todos os elementos aparentemente dissociados, mas

    que devem ser apreendidos como uma totalidade rica em fronteiras permeveis. A mirada

    sistmica est ligada prpria concepo de cincia na contemporaneidade. Como alerta

    Santos (2003, p.56), os objetos tm fronteiras cada vez menos definidas; so constitudos por

    anis que se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objetos, a tal ponto que os

    objetos em si no so menos reais que as relaes entre eles. A partir da dimenso interna de

    nosso objeto, tomar o blog como sistema significa analisar todas as interaes como aes que

    agem sobre o todo e reconfiguram as relaes futuras. Umpostdo dono do blog, o comentrio

    de um internauta, o texto de um colaborador so intervenes que agem em toda a cadeia

    interativa ao mesmo tempo em que, imediatamente aps o momento da publicao, tornam-se

    pontos da cadeia aptos a conformar novas interaes. Tambm a pontuao da seqncia de

    eventos descrita pela pragmtica nos parece rica para se compreender os padres interativos.

    Somente no momento em que se percebe a forma como os indivduos usam os estmulos dos

    outros para justificar suas prprias aes e interpretar a relao, podemos descrever padres

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    emergentes das interaes. Sem a pontuao de eventos o trabalho do pesquisador se

    inviabiliza, pois a busca por padres, por regularidades, supe o reconhecimento de unidades

    (ou conjuntos) mais ou menos estveis no tempo e no espao. Encontrar os pontos nos quais

    os indivduos se apiam para entrar em interao uma forma de demarcar e categorizar as

    unidades que podem ou no, em uma perspectiva temporal, configurar como padro.

    Diante de tantos autores e teorias apresentados, tomemos como exemplo o seguinte

    dilogo entre internautas extrado de nosso objeto emprico, o Blog do Noblat12, para explicar

    como reflexes aparentemente to distantes da realidade das novas tecnologias da

    comunicao so essenciais para compreender os fenmenos contemporneos:

    Apelido: Maquinalove- 19/1/2007 - 16:33Pensando bem, d um caldo: "Os 2 Filhos de Francisco II - A Eleio". Ser que arrumo um patrocnio na Petro?

    Nome: Stone Cold- 19/01/2007 16:35Maquinalove - 19/1/2007 - 16:33 Se no arrumar na Petro, pea uma cartinha de recomendao a ZD que elearruma algum financiamento. Quem sabe ele ate te apresenta o Lulinha e voc se associa a ele.

    Apelido: Maquinalove- 19/01/2007 16:43Stone Cold - No, t fora. Tem que ser como o FHC - sem influncia, tudo transparente, tudo bonitim. Mas nosou cineasta, s estou brincando.

    Nome: Stone Cold- 19/01/2007 16:44Mas no ser cineasta no seria problema. Com um scio destes dava pra levantar uma grana preta.

    Apelido: Maquinalove- 19/01/2007 16:49Stone Cold - No quero grana, ao menos, no desse tipo. E eu jamais seria cineasta no Brasil. No entendo umaatividade que s consegue sobreviver s custas de patrocnios, a maioria de empresas estatais.

    Nome: Stone Cold- 19/01/2007 16:51Maquinalove - 19/1/2007 - 16:49 Deve ser duro mesmo andar por ai com o pires na mo tentando recolheralgum dinheiro para fazer um filme ou um espetculo. No leve a mal a brincadeira.

    No exemplo acima, dois internautas que se apresentam pelos codinomesMaquinalove

    e Stone Colddialogam a partir de umpost13 publicado no dia 19 de janeiro de 2007 no blog

    analisado. Nas linhas em negrito esto destacados os nomes (apelido) de cada um dos

    internautas, o dia e a hora da publicao dos comentrios. Abaixo da identificao do autor e

    da data est o comentrio de fato. Todo comentrio comea com o nome daquele para quem a

    mensagem destinada (a nica exceo o comentrio de 16h44, que logo inserido na

    cadeia e respondido). Tal artifcio usado pelos participantes do debate para no gerar

    dvidas quanto ao alvo da interveno. Logo se percebe que os seis comentrios so

    publicados num intervalo de apenas dezoito minutos, entre 16h33 e 16h51. Em meio a

    12 http://oglobo.globo.com/pais/noblat/13 Cada interveno (seja texto, imagem ou vdeio) publicada no corpo do blog recebe a denominao depost.

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    dezenas de outras conversas simultneas, a dupla se engaja em uma interao comunicativa na

    qual a cadeia circular revela estmulos e respostas que se afetam mutuamente durante o

    transcurso do evento. Notamos que cada ponto da dinmica interativa realimenta e

    reconfigura a relao. Maquinalove usa um tom sarcstico em relao ao governo petista de

    Luiz Incio Lula da Silva para dizer que vai tentar patrocnio da empresa estatal Petrobras

    para produzir um filme. Stone Coldlogo reage ao estmulo (que no era dirigido inicialmente

    a ele) e diz que outro caminho para obter dinheiro pblico pedir ao ex-ministro Jos Dirceu

    (ou ZD, Z Dirceu). O primeiro logo trata de explicar que no cineasta e revela que

    patrocnio transparente s poderia ser obtido com FHC (o ex-presidente Fernando Henrique

    Cardoso). Assim, por meio de um ato reflexivo mediado pela linguagem (um smbolo

    significante), algo que constitui o self de Maquinalove (sua personalidade na interao) foirevelado: uma admirao pelo ex-presidente filiado ao PSDB. Stone Coldnovamente reage ao

    estmulo e diz que no necessrio ser cineasta para obter benefcios financeiros do governo.

    A interao segue, ento, em uma cadeia constante de retroalimentao em que a cada

    instante um dos participantes estimulado a reagir reflexivamente. Do ponto de vista de Stone

    Cold, a seqncia pode ser pontuada a partir do comentrio de 16h33, uma vez que ele tomou

    uma interveno deMaquinalove para iniciar a interao. J para este ltimo, a interao no

    teria comeado com sua prpria interveno s 16h33, mas s 16h35, quando teria percebidoum estmulo diretamente dirigido a ele por outro participante.

    A interao descrita acima revela a importncia dos conceitos cunhados pelas teorias

    abordadas nesta seo. Partindo de Simmel (1983), podemos dizer que a conversa transcorre

    em vias convergentes, no havendo conflito, como em outros casos que sero analisados no

    andamento da pesquisa. Os indivduos envolvidos nas trocas agem reflexivamente para afetar

    mutuamente o outro por meio de smbolos significantes como descrito por Mead (1953). Os

    conceitos de Goffman (1975) revelam que os atores Maquinalove e StoneColdencenam emuma regio de fachada definida pelo contexto (mediado, conversacional, etc). Num primeiro

    momento cada um dos plos parece assumir um papel de ator individual para a platia

    representada pelo interlocutor, mas a interao tomada como um todo revela que eles se unem

    para formar uma equipe com a finalidade de difamar o governo Lula frente a uma platia mais

    ampla (os leitores do blog). Todo o dilogo analisado , luz da ciberntica de Wiener

    (1970), realimentado continuamente pelas aes que mutuamente se afetam e reordenam as

    futuras intervenes. Aqui evocamos a forma indissocivel das interaes. Como salienta

    Bateson (1986), a interao no apenas a soma das atitudes deMaquinalove e Stone Cold,

    mas o todo construdo no seio da relao. Em vista da teoria de Watzlawick, Beavin e Jackson

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    j salientamos as diferentes formas de se pontuar as seqncias interativas a partir da ao

    interessada dos participantes. Tambm conforme as idias dos pragmticos, pode-se observar

    que a curta cadeia interativa de seis comentrios sumariamente descrita se inscreve em uma

    perspectiva sistmica e produz efeitos no blog tomado como o todo onde ocorrem as

    relaes. Cada comentrio passvel de significaes e pode gerar novas relaes. Alm

    disso, a interao transcorre como um sistema aberto, ou seja, as prprias intervenes entre

    Maquinalove e Stone Coldso capazes de se ajustar em busca de um resultado que pode ser

    obtido por vias diferentes. No h linearidade e nem causalidade tal como nos sistemas

    fechados nos quais os resultados so intrinsecamente dependentes das condies iniciais.

    No entanto, as relaes face a face analisadas pelos pensadores clssicos aqui

    convocados no se reproduz integralmente em nosso objeto, pois a mediao tecnolgicareconfigura processos e nos obriga a refletir sobre as similaridades e mudanas em relao a

    outros tipos de interao social. Para compreendermos melhor as relaes no ciberespao

    vamos, portanto, avanar agora no estudo das interaes mediadas por computador a partir de

    referenciais que levam em conta o aparato tecnolgico.

    1.3 Interao mediada por computador

    Antes de enfrentarmos o desafio de abordar terica e conceitualmente a interao

    mediada por computador, faz-se necessrio a breve exposio de trs noes caras temtica

    mediao, tcnica e tecnologia alm de deixar evidente um alerta para se escapar ao

    ardiloso discurso da substituio tecnolgica. As experincias sociais so mediadas. Uma

    pessoa que tropea e torce o p tem uma experincia individual. Quando a mesma pessoa

    pede ajuda para se locomover aps torcer o p, inevitavelmente se envolve em umaexperincia mediada, seja pela linguagem verbal ou por meio de qualquer outro gesto

    significante inscrito na ordem da reflexividade e capaz de gerar um estmulo no outro

    indivduo envolvido na relao (MEAD,1953). Tornar um gesto significativo para outrem

    dot-lo de uma capacidade mediadora entre os atos expressivos dos indivduos que se

    interpretam durante a interao. Se toda experincia social mediada, o contrrio tambm

    verdadeiro: toda mediao um ato eminentemente social. A mediao a circulao de

    significados a partir da qual Silverstone (2002, p.42) ressalta que todos ns somosmediadores, e os significados que criamos so, eles prprios, nmades. A mediao abrange

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    tanto a dimenso criativa (produo de significados) quanto hermenutica (interpretao de

    significados). A essncia da mediao est atrelada s duas dimenses. Os significados no

    podem ser apreendidos a partir somente da anlise de uma pretensa fonte criativa (instncia

    produtora) ou numa hipottica entidade interpretadora (destinatrio). Da a recorrente

    dualidade apontada por Orozco Gmes (2006) nos estudos sobre mediao, que com

    freqncia parte de uma viso tecnocntrica14, que privilegia o desenvolvimento tecnolgico,

    sem levar em considerao outras variveis; ou sociocntrica, com foco na cultura e nas

    interfaces com outras disciplinas humansticas, que sempre corre o risco de tratar os meios de

    comunicao como meros transmissores de mensagens e dotam os receptores de uma

    autonomia absoluta.

    A histria da humanidade pode ser contada a partir dos aparatos tcnicos usados paraampliar o alcance das trocas ou resolver problemas de mediao. Tcnica e tecnologia so

    termos bastante prximos e amplamente usados como sinnimo, mas guardam singularidades

    que ajudam a compreender a importncia de ambos os conceitos para o desenvolvimento das

    interaes humanas. Lemos (2004) parte das idias expostas pelo filsofo Martin Heidegger

    para apontar distines entre tcnica e tecnologia. Tcnica est associada ao modo de

    existncia do homem no mundo, sua prpria atividade. Para Heidegger, o homem um ser

    tcnico. J a tecnologia surge a partir do desenvolvimento da cincia moderna no sculoXVII. , portanto, resultado do casamento entre a cincia e a tcnica num processo de

    cientifizao da tcnica e de tecnizao da cincia (LEMOS, 2004, p.36). A tcnica

    anterior cincia e se ampara nesta para se desenvolver como tecnologia. Assim, chega-se

    concluso de que a linguagem verbal, por exemplo, uma tcnica, enquanto a TV, o rdio ou

    o computador so tecnologias, mas todos so importantes mediadores sociais.

    Um importante alerta est ligado idia de substituio que comumente permeia os

    textos sobre as novas tecnologias de comunicao. No se pode analisar a interao mediadapor computador como mera substituio ou uma evoluo linear e previsvel que suplanta os

    demais aparatos tcnicos, principalmente aqueles ligados comunicao de massa, como o

    rdio, a TV, o jornal, etc. As previses sobre a extino dos jornais impressos ou a migrao

    total da programao televisiva para as telas dos computadores permeiam as discusses

    contemporneas. H uma tendncia em comparar as lgicas que regulam cada instncia

    mediadora para apontar diferenas e similaridades. Claro que tal estratgia pode ajudar a

    identificar as singularidades de cada elemento e os pontos comuns entre as formas analisadas,

    14 Regularmente denominada tambm por mediacntrica, com o objetivo de salientar a equivocada supremaciados meios de comunicao nos processos analticos sobre a mediao.

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    como veremos adiante, mas reter-se atitude meramente comparativa isola os termos ao invs

    de ajudar a compreender os mecanismos que unem os diversos meios em lgicas de

    convergncia e complementariedade. O uso social dos aparatos mediadores deve sempre ser

    levado em conta. Apenas as aes sociais so capazes de alterar o destino de um meio de

    comunicao. Como explicam Braga e Calazans (2001, p.19), competncias e processos

    expressivos e de comunicao especficos no desaparecem em conseqncia de novas

    tecnologias mas apenas se e quando a sociedade no lhes atribui mais interesse e no lhes

    dirige mais expectativas. Partindo da mesma perspectiva, Orozco Gmes (2006, p.84) diz

    que meios velhos e novos continuamente se unem para formar ecossistemas

    comunicativos cada vez mais complexos.

    Esclarecidos alguns pontos relevantes em relao mediao e s novastecnologias da comunicao, cabe agora iniciar o debate em profundidade sobre a interao

    mediada por computador, campo central da presente pesquisa. O quadro de referncia

    apresentado por Thompson (2005), apesar de no tratar especificamente da tecnologia

    informtica, auxilia a compreenso dos processos que caracterizam os atos comunicativos no

    ciberespao. O autor defende que, paralelamente ao desenvolvimento da mdia, ocorreu um

    enriquecimento da organizao reflexiva do self15 (a natureza do eu). O self cada vez mais

    alimentado por material simblico mediado responsvel por possibilitar o conhecimento no-local, que por sua vez reorganizado no prprio local da experincia fsica e cotidiana dos

    indivduos. As alteraes na mediao instauradas por novas tecnologias provocam um

    deslocamento simblico de tal forma que hoje vivemos num mundo no qual a capacidade de

    experimentar se desligou da atividade de encontrar (THOMPSON, 2005, p.182). Pensando

    em uma situao limite, pode-se argumentar que as tecnologias de mediao (aqui encarnadas

    como os meios de comunicao de massa) permitem intimidades no recprocas, algo

    impensvel nas interaes face a face. o caso dos laos formados entre f e dolo, sendo quea venerao do primeiro se alimenta, entre outros fatores, da distncia mantida na relao,

    enquanto o segundo sequer sabe da existncia individual daquele, que est integrado e

    homogeneizado num pblico f.

    Ao mesmo tempo em que salienta um visvel enriquecimento do selfcom a ampliao

    do material simblico disponvel, Thompson tambm aborda aspectos negativos da mediao

    ampliada por aparatos tecnolgicos. O autor lista quatro principais riscos: 1) potencializao

    da transmisso de mensagens ideolgicas; 2) pouco ou nenhum acesso por parte dos

    15 Thompson admite que seu pensamento se alimenta em parte da tradio fundada pelo interacionismosimblico.

  • 8/14/2019 A emergncia da rede: dinmicas interativas em um blog jornalstico

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    indivduos s instncias de produo; 3) efeito desorientador devido profuso de mensagens;

    4) absoro do self, na medida em que os materiais simblicos mediados passam a agir como

    fonte central na vida dos indivduos. Para se compreender a evoluo da mediao a partir do

    advento de tcnicas e tecnologias, Thompson distingue trs categorias de interao face a

    face, mediada, quase-interao mediada que se agrupam ou se distinguem a partir de quatro

    caractersticas espao-tempo, deixas simblicas, orientao da interao, tipo de interao

    (dialogal ou monolgica).

    A interao face a face integralmente realizada com a presena fsica dos agentes

    envolvidos. Os indivduos engajados na relao dividem o mesmo lugar no instante da

    comunicao, de modo que o referencial espao-tempo comum a todos os participantes. As

    trocas sncronas e presenciais permitem uma multiplicidade de deixas simblicas, sendo quepossveis falhas na comunicao podem ser corrigidas por uma expresso gestual ou mesmo

    uma simples piscadela. O corpo e suas diversas possibilidades comunicativas tornam-se

    instrumento central para garantir o sucesso da relao. A interao possui agentes

    determinados, de modo que os envolvidos dirigem suas mensagens a outros especficos. Todo

    o quadro da interao face a face , portanto, definida pelo dilogo. Duas pessoas que se

    encontram neste tipo de interao dificilmente deixaro de se compreender mutuamente, seja

    para o bem ou para o mal, o contedo no est em questo. Uma expresso de clera serrapidamente assimilada para quem os olhos cheios de dio se dirigem.

    J a interao mediada, segundo Thompson, abre caminho para a comunicao por

    meio de artefatos tcnicos e tecnolgicos como carta e telefone. H uma ntida ampl